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APARELHOS PRIVADOS DE HEGEMONIA EMPRESARIAIS: OS CASOS DA

FUNDAÇÃO ESTUDAR E DA FUNDAÇÃO LEMANN

Lisia Cariello1

Introdução
Este artigo é resultado de pesquisa, ainda em curso, sobre a atuação da Fundação
Lemann no Brasil. Partindo das contribuições de Antonio Gramsci, mais precisamente de sua
teoria do Estado ampliado, este trabalho se debruça sobre uma breve apresentação da Fundação
Estudar e da Fundação Lemann, “empreendimentos filantrópicos” de Jorge Paulo Lemann, o
segundo homem mais rico do Brasil de acordo com a Forbes, enquanto aparelho privado de
hegemonia empresarial (APHE). Buscamos demonstrar a atuação das duas entidades no sentido
da ocupação no Estado restrito de ex-bolsistas de Lemann que visam levar para o setor público
a forma de atuar típica do setor privado.

A noção de aparelho privado de hegemonia (APH) é desenvolvida por Antonio Gramsci ao


longo de seus Cadernos do Cárcere, podendo ser considerada como um elo entre o conceito de
hegemonia e a noção de Estado integral. Permite, assim, ao italiano trabalhar a partir de uma
base material o conceito de hegemonia (HOEVELER, 2019, p.148). Na esteira deste
pensamento, Liguori e Voza apontam que “o ‘aparelho hegemônico’ é uma ‘sociedade
particular’ (formalmente ‘privada’), que se torna o equivalente do ‘aparelho governamental-
coercitivo’ do ‘Estado integral’: ‘força’ e ‘consenso’ possuem ambos os perspectivos aparelhos,
e já está delineado o ‘Estado integral’ como unidade-distinção de sociedade civil e Estado
tradicionalmente entendido (LIGUORI; VOZA, 2017: 44).

Os APHs são, portanto, como as vértebras da sociedade civil, conforme apontou Fontes,
que

Se constituem das instâncias associativas que, formalmente distintas da


organização das empresas e das instituições estatais, apresentam-se como
associatividade voluntária sob inúmeros formatos. Clubes, partidos, jornais,
revistas, igrejas, entidades as mais diversas se implantam ou se reconfiguram a

1
Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF).
Bolsista CNPq. E-mail: lisiacariello@hotmail.com
partir da própria complexificação da vida urbana capitalista e dos múltiplos
sofrimentos, possibilidades e embates que dela deriva. (FONTES, 2010: 133-
134)

Em texto mais recente, a historiadora buscou aprofundar suas reflexões acerca dos APHs
qualificando-os como empresariais, por serem estes tipos de aparelhos criados ou mantidos por
empresas ou empresários (FONTES, 2020: 16). É o caso aqui em tela, tanto da Fundação
Estudar, quanto da Fundação Lemann, advindas, também, da chamada filantropia empresarial.

Para tentar problematizar a assim chamada filantropia empresarial nos utilizaremos dos
debates feitos por Fontes em seu livro O Brasil e o Capital-Imperialismo. A historiadora
percebe que nos anos 1990, ao lado do processo de proliferação dos APHs, as desigualdades
sociais brasileiras eram apresentadas como resultado de um Estado ineficaz. “Atribuir todas as
causas à incompetência genérica do Estado brasileiro permitia ressaltar o novo foco – gerenciar
de maneira privada, concorrencial e lucrativa políticas públicas voltadas para a maioria da
população” (FONTES, Op.Cit, p. 273). A nova maneira de tratar o tema das desigualdades,
como “questão social” ou “pobreza” contribuiu para obscurecer as reais causas da pauperização,
pela via da anulação do seu caráter de classe.

Fundação Estudar: o tentáculo no setor privado

É no escopo do processo acima tratado que a Fundação Estudar foi criada em 1991 pelo
trio de sócios composto, além de Lemann, por Beto Sicupira e Marcel Telles. O objetivo
primeiro era conceder bolsas de estudos para jovens empresários brasileiros complementarem
sua formação fora do Brasil, já que, segundo a avaliação deles, a categoria dos empresários
brasileiros precisava ser melhor educada. Os objetivos foram, pois, expandidos, doravante
enfatizando formação para gestores públicos. Mas a criação da Estudar foi a institucionalização
de um hábito que os empresários já tinham, o de conceder bolsas a jovens estudantes.

O primeiro caso foi de Calos Brito, hoje CEO da AB InBev, no final da década de 1980,
ainda na época do Banco Garantia. Brito havia sido selecionado para um MBA em Stanford,
mas não tinha dinheiro para bancar o estudo e foi pedir a Jorge Paulo Lemann que bancasse
seus estudos, o empresário concedeu a bolsa pessoalmente, mas fez três exigências: 1) que Brito
o mantivesse informado; 2) que deveria ajudar outras pessoas no futuro; e 3) que quando
chegasse a hora de Brito escolher um trabalho (COHEN, 2017). Do “bolsista número zero”,
como Brito é conhecido, um importante elemento, que será melhor desenvolvido a frente, foi
mantido: a de “dar um retorno”.

A Fundação Estudar atua a partir de três iniciativas: Líderes Estudar, Estudar na Prática
e Estudar Fora. A primeira é um programa de bolsas de estudo para jovens brasileiros até 34
anos de idade. O sítio eletrônico da Fundação informa que “o candidato deve estar em processo
de aceitação, matriculado ou cursando o ensino superior em uma das quatro categorias de bolsa:
graduação completa no Brasil; intercâmbio acadêmico de graduação ou duplo diploma no
exterior; graduação completa no exterior; Pós-graduação no exterior” (FUNDAÇÃO
ESTUDAR, s/d). Ainda de acordo com a Fundação Estudar, desde a criação do Programa e
Líderes, em 1991, foram formadas 702 pessoas. Dentre elas, está, por exemplo, Felipe Rigoni,
atual deputado federal pelo PSB/ES. Rigoni teve bolsa para fazer seu mestrado em políticas
públicas na Oxford. Atualmente, ele também compõe as organizações suprapartidárias
RenovaBr e o Movimento Acredito2, ambos movimentos da chamada renovação política.

O Estudar na Prática é, na verdade, a oferta de cursos de pequena duração que propõe


temas como: autoconhecimento, processos seletivos, planejamento e decisão de carreira,
inteligência emocional. São cursos pagos em que os preços variam conforme o tempo de
duração. Por exemplo: o curso Produtividade na Prática tem 8h de duração e custa 99 reais, já
pelo Curso Liderança Completo, de 32h, é cobrado o preço de 350 reais3. Já o Estudar Fora é
um programa que ajuda o interessado no processo de candidatura para universidades
estadunidenses (graduação, pós-graduação, intercâmbio, etc.)

Em seu conjunto, podemos entender as iniciativas da Fundação Estudar como uma


expressão de um movimento maior característico desta fase do capitalismo, de conformação e
adaptação dos sujeitos a esta era. De acordo com Oliveira

2
O RenovaBr é uma entidade suprapartidária fundada em 2017 pelo empresário Eduardo Mufarej, ligado ao setor
financeiro e educacional, para formar políticos que atuem no poder legislativo. De acordo com o site da iniciativa,
o RenovaBr atua em quatro frentes: seleciona os candidatos que se aplicam para a formação, os prepara em diversos
temas (saúde, educação, gestão fiscal, etc) e promove eventos de mobilização e engajamento. Além disso, mesmo
depois de formados, os líderes continuam a fazer parte de uma rede de pessoas. Caso sejam eleitos, “os líderes
RenovaBR têm o compromisso de manter a honestidade, a transparência, finalizar o mandato e debater ações de
impacto.” (RENOVABR, s/d). Disponível em: < https://renovabr.org/o-que-fazemos/ > Acesso em 05 set.2020.
3
Disponível em < https://www.napratica.org.br/edicoes/?_ga=2.40587746.1537712974.1600014368-
142890206.1600014368#cursos > Acesso em 05 set.2020.
a Fundação Estudar se volta a uma “con-formação” de “jovens determinados
a seguir uma trajetória de impacto”; concebida e gerada num banco de
investimentos. Tal Fundação evidencia a hegemonia de um capital
financeirizado, claramente preocupado e/ou interessado em estratégias
formativas e educativas. Ao assumir o objetivo de “despertar o potencial de
jovens brasileiros através da formação de uma comunidade de líderes, o
estímulo à experiência acadêmica no exterior e o apoio à tomada de decisão
de carreira” (WIKIPÉDIA, 2018, s./p. – texto em html), a Fundação exalta
uma vivência no exterior articulada às histórias de vida de líderes que validam
determinado caminho profissional. Ou seja, em suas primeiras investidas, as
estratégias implementadas pelo GL [Grupo Lemann] na área da educação se
deram no âmbito de uma gestão empresarial vinculada à lógica do capital
financeiro claramente marcada pelo investimento na formação de lideranças –
uma formação nova e específica para um novo sujeito neoliberal, submetido a
forte lógica meritocrática articulada a uma proatividade em atualizar-se e
aperfeiçoar-se continuamente e, sobretudo, de envolver-se com os objetivos
da empresa. (OLIVEIRA, 2018, p.4)

É, portanto, uma forma de formar um sujeito subjetiva e objetivamente adequado à


sociabilidade do capital-imperialismo, que tem como tônica o capital financeiro. Capital-
imperialismo que é, para a historiadora Virgínia Fontes, a forma atual do capitalismo. Para ela,

Falar, pois, de capital-imperialismo, é falar da expansão de uma forma de


capitalismo, já impregnada de imperialismo, mas nascida sob o fantasma
atômico e a Guerra Fria (...) Derivada do imperialismo, no capital-
imperialismo a dominação interna do capital necessita e se complementa por
sua expansão externa, não apenas de forma mercantil, ou através de
exportações de bens ou de capitais, mas também impulsionando expropriações
de populações inteiras das suas condições de produção (terra), de direitos e de
suas próprias condições de existência ambiental e biológica. (FONTES, 2010:
149)

Nesse sentido, podemos fazer aproximações da Fundação Estudar com o movimento mais
amplo do capital-imperialismo, qual seja, o de criação e reelaboração de organismos
internacionais, mais notadamente o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional
(FMI), dois dos responsáveis pela difusão política, ideológica e econômica dos princípios que
orientam o capital-imperialismo, criadas no pós-Segunda Guerra Mundial, sob uma crescente
influência dos Estados Unidos,

adensando internacionalmente modalidades originais de organização


intercapitalista voltadas para a garantia da expansão da extração de mais-valor
em escala crescentemente internacional, mas também para assegurar as
condições socioeconômicas, políticas e culturais nacionais sob as quais tal
extração teria lugar. Tratava-se de conter ativamente conflitos internos e
contradições muitas vezes agudas através de procedimentos pragmáticos para
a acumulação do capital e hiperideologizados, remetendo ao contexto
internacional. Tais instituições, embora sob a égide estadunidense, agregavam
um espectro mais amplo de países centrais. O novo modus operandi
reproduzia no próprio interior das agências internacionais uma dinâmica
similar às “democracias de acionistas” ou censitária, com uma organização de
tipo bancária ou creditícia, sendo os casos mais emblemáticos o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o complexo de entidades do Grupo Banco
Mundial (GBM). (FONTES, 2010: 162)

Adaptadas às condições sócio-históricas, estes organismos, situados no conjunto de


organizações nacionais e internacionais (governamentais, intergovernamentais, filantrópicas e
privadas), dão suporte, formulam, reformulam e disseminam suas orientações de política
(PRONKO, 2014).

Fundação Lemann: o tentáculo no setor público

A segunda iniciativa “filantrópica”, a Fundação Lemann, é mais ligada à família do


bilionário brasileiro e foi criada em 2002, segundo seus próprios termos, para “promover a
educação pública de qualidade para as cinco regiões brasileiras” (FUNDAÇÃO LEMANN,
2002: 1) e apoiar “pessoas comprometidas em resolver grandes desafios sociais do país’
(FUNDAÇÃO LEMANN, s/d). É no primeiro relatório que ficam evidentes os primeiros passos
da Fundação para atingir seus objetivos:

Entre os desafios futuros, destacaram-se a urgência de melhorar a qualidade e equidade


da educação, com a garantia de ensino universal para estudantes do ensino médio, e o
aprimoramento dos meios de avaliação e monitoramento de desempenho e
aprendizagem. Qualificação de docentes e profissionais de educação e melhoria dos
recursos de infraestrutura escolar são alguns caminhos para a mudança. Além disso, é
necessário a aplicação da gestão por resultados, com foco em planejamento e clareza de
objetivos. (FUNDAÇÃO LEMANN, 2002: 1, grifos nossos)

É, pois, a partir do relatório de 2003, possível perceber o caráter aparentemente


filantrópico da iniciativa. Na mensagem do presidente do conselho, que é o Jorge Paulo
Lemann, ele aponta oito itens sobre o que o move a impulsionar a Fundação:

1. O Brasil é maravilhoso; 2. Sua carência na área educacional é enorme; 3. Se não


transformarmos esta situação, não seremos competitivos como nação, nem
diminuiremos o desnivelamento social da população brasileira; 4. Acredito em pessoas
motivadas, preparadas e buscando oportunidades, como também no bom gerenciamento
e medição de qualquer projeto. Toda a minha carreira empresarial foi baseada nisto; 5.
Se conseguirmos introduzir no ensino público e na educação em geral o princípio de
foco em resultados para termos mais oportunidades com boa gestão, estaremos
efetivamente contribuindo para o aperfeiçoamento da instrução no país; 6. Até alguns
anos atrás, acreditava que cumprindo bem minha vocação de empresário estaria
devolvendo ao país as oportunidades que ele me proporcionou. Ultimamente, cheguei à
conclusão que poderia tentar fazer mais do que ser somente um bom empresário; 7. A
Fundação Lemann é o veículo que está tentando fazer mais, devolver mais para a
sociedade e para este país maravilhoso; 8. A atuação da Fundação sempre será uma gota
dentro das necessidades do país, mas espero que seja uma gota efetiva. (FUNDAÇÃO
LEMANN, 2003: 10)

Essa mensagem é emblemática, já que nos aponta alguns elementos de seu projeto
educacional. A principal delas é a introdução da lógica empresarial na educação pública e na
atuação política, com ênfase em resultados e em gestão e, claro, se colocando como o sujeito
que pode capitanear o caminho para o sucesso da educação pública brasileira. Outro elemento
notável é a questão da competitividade enquanto nação. A concepção da educação como mola
propulsora para o desenvolvimento econômico é, também, a preocupação dos organismos
internacionais citados anteriormente.

Atualmente, a Fundação Lemann trabalha em duas frentes: com iniciativas ligadas às


escolas públicas e na formação de “jovens lideranças” que impactem o setor público. No
primeiro caso, ficou evidente o papel de articulação da Fundação na elaboração e difusão da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC)4. É, pois, o segundo caso que mais nos interessa. A
Lemann vem desenvolvendo três programas nesta área: Lemann Fellowship, Talentos da
Educação e Talentos da Saúde. Também atua como parceiro em um programa desenviolvido
pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), o Apoio ao Desenvolvimento de
Lideranças Políticas.

O Programa Lemann Fellowship começou em 2007 e foi a primeira inicativa própria da


Fundação neste sentido. Ele oferece bolsas de estudo para pós-graduação (mestrado e
doutorado) no exterior nos cursos na área de educação, saúde, economia, jornalismo, arquitetura
e urbanismo, gestão e políticas públicas5. Além da bolsa – que deve ser devolvida
posteriormente – o programa se disponibiliza a conectar com pessoas com os mesmos
interesses, oferece um encontro anual – como encontro desta rede -, um Road Show no ano da
formatura, que consiste em um encontro com “líderes” brasileiros de diversos setores, além de
apoio individualizado. O processo seletivo é feito pelas universidades e, de acordo com o site
da Fundação Lemann, os Lemann Fellows totalizam 487, sendo 25 estrangeiros. Ainda com as
informações dadas pela Fundação, 27% dos Fellows atuam em pesquisa aplicada, 26% no setor
publico, 19% no setor privado, 19% no assim chamado terceiro setor/organizações
internacionais e 9% são empreendedores 6.

O Programa Talentos da Educação é mais recente, de 2014, e promete, mais uma vez na
forma de rede de conexão de pessoas, “identificar, conectar e ampliar o potencial de lideranças
com ações importantes na área de educação” (FUNDAÇÃO LEMANN, s/d). O programa
oferece encontros de imersão, seminários, eventos, formação e oportunidades de conexões para
que os participantes possam aperfeiçoar suas habilidades de liderança e debater os desafios
considerados técnicos e políticos envolvidos em reformas educacionais. O Talentos da Saúde

4
Sobre isso, conferir: EVANGELISTA, O.; PEREIRA, J. Quando o capital educa o educador: BNCC, Nova Escola
e Lemann. Movimento. Revista de Educação, Niterói, ano 6, n.10, p. 65-90, jan./jun. 2019.
ANDRADE, Maria Carolina; NEVES, Rosa Maria; PICCININI, Cláudia. Base Nacional Comum Curricular:
disputas ideológicas na educação nacional. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E O MARXISMO
2017/De O capital à Revolução de Outubro (1867 – 1917), 2017, Niterói. Anais…
5
As universidades parceiras da Fundação Lemann neste Programa são Harvard, Stanford, Illinois, Columbia,
University of California, Yale, Oxford, MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e Universidade do Sul da
Califórnia. Disponível em: < https://fundacaolemann.org.br/projetos/lemann-fellowship > Acesso em 02 set.2020.
6
Disponível em < https://fundacaolemann.org.br/projetos/lemann-fellowship#onde-os-lemann-fellows-atuam >
Acesso em 02 set.2020.
opera na mesma lógica, mas, como evidencia o nome, é voltado para os profissionais da saúde,
e começou a atuar em 2017.

A guisa de conclusão: lógica empresarial de Lemann no Estado restrito

Até aqui, viemos tentando demonstrar quais são as iniciativas de Jorge Paulo Lemann

na sociedade civil concebida gramscianamente. Conforme vimos, ele atua no sentido de

formação no bojo do que Fontes entende como empresariemento de novo tipo, que está

lastreado em forte concentração capital-imperialista que simultaneamente


precisa contar com a adesão das massas populares nacionais (apassivá-las), com
vistas à sua expansão (inclusive internacional), e fomentar a extração de
sobretrabalho, renovando modalidades tradicionais de exploração. Forja-se uma
cultura cívica (ainda que cínica), democrática (que incita à participação e à
representação) para educar o consenso e disciplinar massas de trabalhadores,
em boa parte desprovidos de direitos associados ao trabalho, através de
categorias como “empoderamento”, “responsabilidade social”, “empresa
cidadã”, “sustentabilidade”. (FONTES, 2010: 296)

Assim, apesar de estar em cena desde 1991, e ter ex-bolsistas atuando em secretarias
municipais e estaduais e em instâncias federais, foi só na eleição de 2018 que foi eleita a
“bancada Lemann”, grupo de cinco jovens que hoje ocupam cargos legislativos estaduais e
federais (MONTESANTI, 2019). Na Câmara dos Deputados Federais estão exercendo
mandato: Tabata Amaral (PDT/SP), Tiago Mitraud (NOVO/MG) e o já citado Felipe Rigoni
(PSB/ES). Renan Ferreirinha (PSB/RJ) e Daniel José (NOVO/SP) são deputados estaduais.
Além disso, todos eles são organizados em outros aparelhos privados de hegemonia que se
autodenominam suprapartidários, como o RenovaBR. Amaral, Rigoni e Ferreirinha compõem
o Acredito e Mitraus e José o Livres.

As pautas defendidas por eles são diferentes, mas coadunam no sentido de “reformar o
Estado”. É o caso, por exemplo, de Amaral que é favorável à Reforma do Ensino Médio,
Reforma da Previdência, tendo, inclusive, votado a favor dela em 2019. O posicionamento da
deputada abriu um debate dentro do partido, que indicara a votação contra a proposta de
Reforma (UOL, 2019).

Por fim, a partir de elementos aqui elencados, procuramos demonstrar de que maneira
Jorge Paulo Lemann vem construindo seu legado para além de suas empresas, desejando, como
evidenciou em sua fala no evento de comemoração dos 25 anos da Fundação Estudar em 2016,
que “os princípios da fundação sejam adotados pelo país, pelo governo (...) e que isso tenha
uma grande influência no Brasil e culmine com um presidente brasileiro que venha da Fundação
e que chame o resto das pessoas” (LEMANN, 2016). À sua maneira, visa, pois, lastrear todas
as esferas da vida social brasileira com seus princípios empresarias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APESAR de críticas e ameaças, Tabata mantém voto e apoia reforma. UOL, 2019. Disponível

em < https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/08/07/tabata-amaral-reforma-

da-previdencia-segundo-turno.htm > Acesso em 05 set.2020.

COHEN, D. Cultura de excelência: as inspiradoras histórias da Fundação Estudar, que

dissemina os valores do trio de empresários mais bem-sucedidos do Brasil. Rio de Janeiro:

Primeira Pessoa, 2017.


FONTES, V. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. 3ed. Rio de Janeiro:

EPSJV/UFRJ, 2010.

_____. Capitalismo filantrópico? Múltiplos papéis dos aparelhos privados de hegemonia

empresariais. Marx e o Marxismo – Revista do NIEP-Marx, v.8, n.14, pp.15-35, jan.-jun./2020

FUNDAÇÃO LEMANN. Relatório de atividades 2002. São Paulo: Fundação Lemann, 2002.

FUNDAÇÃO LEMANN. Relatório de atividades 2003. São Paulo: Fundação Lemann, 2003.

HOEVELER, R. O conceito de aparelho privado de hegemonia e seus usos para a pesquisa

histórica. Revista Práxis e Hegemonia Popular, ano 4, n. 5, p. 145-159, Ago/Dez, 2019.

LEMANN, J. P.. O papel da Fundação Estudar no sonho grande de Lemann, 2016 (2m52s).
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=9Zav5PZsx8s > Acesso em 02 set.2020.

MONTESANTI, B. “Bancada Lemann”: os políticos apoiados pelo 2° homem mais rico do


Brasil. UOL, 2019. Disponível em < https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-
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OLIVEIRA, M. de. O GRUPO LEMANN – gênese de um projeto de educação política e

educação escolar no Brasil. In: IX Colóquio Internacional Marx e Engels (CEMARX), 2018,

Campinas. Anais... Disponível em <

https://anais9coloquiomarxengels.files.wordpress.com/2018/07/o-grupo-lemann-gc3aanese-

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PRONKO, M. O Banco Mundial no campo internacional da educação. In: PEREIRA, J.M.;

PRONKO, M. (orgs.). A demolição de direitos: um exame das políticas do Banco Mundial para

a Educação e a Saúde (1980-2013). Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2014. p.89-112.

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