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João Pateta

(Para apresentar a peça, entram em cena cinco sapos e ao som da música dirigem-se ao público.)

Sapo 1 – Olá! Olá! Gostam de histórias?

Sapo 2 – Ora aqui estão os Sapos, Sapinhos e Sapões!

Para vos apresentar a história dum menino que...

Sapo 3 – Ah! Não contes mais nada, pois senão perde a piada.

Sapo 4 – Acho mesmo que o melhor, é verem com atenção!

Todos – Ora, então adeus, adeus e até logo, que há-de cá voltar ao Sapos, Sapinhos, Sapões e
companhia limitada…

Sapo 5 – Para concluir esta história engraçada.

(os sapos saem de cena aos saltos e ao mesmo tempo vão entrando vários feirantes que montam as
suas bancas, até estar uma feira)

Feirante 1 – É avançar, é avançar freguesia, que o bom negócio começa logo ao romper do dia….

A feira está a ser montada e por cá, não falta nada: Há de tudo, para todos, e para qualquer
algibeira.

Feirante 2 – Fruta fresca,

Feirante 3 – Pão da masseira,

Feirante 4 – Boa criação de galinhas, coelhos e leitões,

Feirante 5 – Lindos barros, tachos, metais,

Feirante 6 – Panos de qualidade e rendas para enxovais de meninas casadoiras.

Até “há luvas para manetas, pentes para carecas!”

Feirante 1 – Remédio para lombrigas ou mesmo o bucho enfustado…

Sem falar em pós de lesma p’ra livrar do mau olhado, das febres ou mesmo tremores…

Que se o mal for de amores também se arranja preparado.

É avançar, é avançar…

Feirante 2 – Que não queremos enganar nem um, nem dois, nem três,

Mas todos de uma vez!

Feirante 1 – Venham daí, bom freguês.

(entra em cena dançando, cantando e rodopiando três mulheres do povo que fazem de mãe do João
Pateta)

Mãe - Vou feirar tiro-liro-liro, tiro-liro-leiro.


Vou feirar para poupar o meu dinheiro.

Vou feirar p’ra comprar, vou feirar para poupar.

Dizem que é saber bem governar.

(de tanto dançar as mães ficam tontas e quase caem ao chão)

Mãe – Ai Jesus, Virgem santa como estou almareada! Não vejo feira, não vejo nada!

Como é que tudo anda à roda, se estou aqui parada?!!!!!

(Entretanto as mulheres que já estão em cena a comprar na feira e que assistiram à cena)

Mulher 1- (crítica) Pudera! Não é para menos com tanto corrupio…

Mulher 2 – Olhe!!!! cá se fosse eu, até perdia o pio…

Mulher 1 – Recomponha-se vizinha, e vamo-nos embora que a feira é boa é por esta hora.

Mãe – (Ainda muito tonta) Não! Não! Não! Não estou capaz! Antes quero mandar lá o meu rapaz!

Mulher 1, 2 – (murmurando) Ena que desgraça!

Mãe – O que disseram? hem?

Mulher 1, 2 – Que tem graça, que tem graça…

Mulher 1 - …O pequeno ajudar a mãe…

Mulher 2 – …Aquilo ainda é novinho, ainda pouco juízo tem!

Mãe – ahhhh! Mas que afronta, que grande atrevimento! – Juízo, Juízo é o que não lhe falta!

– E fiquem vocês sabendo que ele tem muito talento! – (Indignadas) Mas que gente maldizente! (para
o público) Nem sequer fazem ideia como ele é inteligente!

Mulher 2 – (Acalmando o ânimos) Avizinha que desculpe não a queríamos ofender!

Mulher 1 – (dirigindo-se às outras) Olhem, vamos p’ra feira não temos tempo a perder!

(Vão em direcção á feira onde ficam até final)

Mulher 2 – As asneiras do pequeno já eu estou farta de ver.

(As mães dirigem-se para dentro enquanto chamam)

Mãe - Ó meu filhinho anda cá. Anda cá, Ó meu João!!!

– Hão-de ver como ele há-de ir á feira comprar-me um leitão!

(Entra em cena 3 rapazes com um ar muito distraído)

João 1, 2 – Aqui tem o seu Joãozinho, O seu João todo inteirinho! Em que posso ajudar?

Mãe – Quero que vás á feira, para um porco comprar… Mas escolhe-o com jeitinho não te deixes
enganar! (a mãe dá-lhe o dinheiro que tira de um saquito)

João - (vaidoso) Eu? Enganar? Eu sei muito bem como o dinheirinho custa a ganhar!
Mãe – Trá-lo depois com cuidado para o bicho não se cansar!

(A mãe sai de cena juntamente com João 2 e João3. O João1 dirige-se á feira cantando)

João – Eu vou, Eu vou á feira,

Á feira eu vou,

Comprar um porquinho que a minha mãe mandou!

(Chega ao sítio onde está a criação e o feirante)

Feirante 1 – Ai o menino quer um porquinho! Um bacorinho anafado? Leve este, leve este que é bem
comprado.

(O rapaz agarra o porquinho que o feirante lhe dá, paga, enquanto o porco guincha e estrebucha. Com
o porco ao colo, o rapaz inicia o regresso a casa o porco não pára de espernear)

João 1 – Realmente está bem tratado! Põe-te quieto ó Leitão, se estrebuchas muito vais direitinho
p’ró chão! ( O porco não pára)

E é isso que eu vou fazer! Para que hei-de ir carregado se o bicho que é correr!

(Põe o bicho no chão)

Mas olha, ouve-me bem! O caminho é sempre em frente vai direitinho que eu fico contente.

E lá te espera a minha mãe.

Anda, Leitão, põe-te a andar que não tem nada que errar!

(dá-lhe um empurrão e começa a cantar)

Vai-te embora ó porquinho, e porta-te muito bem

Vai ligeirinho p’la estrada p’ra casa de minha mãe!

(O porco, logo que se vê solto, foge sem o João dar por isso. Entretanto, aparece a Mãe à porta de
casa, assiste à chegada do filho)

Mãe 1 – (arreliada) Oh! Oh! Então, rapaz, onde está o bichinho?

João 1 – (admirado) Ainda não chegou? Descanse! Vem pelo caminho!

Mãe 1 – (zangada) Que conversa é essa? Deixaste-o sozinho?

Ó rapaz de uma figa! Que nem sei o que te diga! Faz-te gente, acorda…

(a gritar e abanando o rapaz)

Um porco não se traz solto… Traz-se amarrado a uma corda!

E para andar mais ligeiro toca-se-lhe com uma varinha, nas pernas ou no traseiro!

Ai o meu rico dinheiro!

(Sai com as mãos na cabeça a reclamar, o João1 vai atrás dela a pedir desculpa)
Mulher 1 – E ela que tem tão pouco!

Mulher 2 – O rapaz é mesmo louco! O que lhe fará ela agora, a ver se ele melhora!

(Entra a mãe 2 e João 2 a suplicar)

João 2 – Ó mãe, deixe-me lá ir outra vez!

Mande-me comprar qualquer coisa hei-de acertar desta vez! Deixe ver como é que eu faço!...

Mãe 2 – Se calhar, tens razão!... Se não experimentas a vida não ganhas desembaraço…

Volta lá numa carreira e traz-me uma bilha de barro, que a nossa já está partida.

Mas tira-lhe antes o som que não a quero fendida!

(A mãe sai de cena e o pequeno dirige-se de novo á feira cantando. As 3 mulheres vão feirando mas
sempre com o olho no pequeno.)

João 2 – Eu vou, eu vou á feira

Á feira eu vou, comprar uma bilha que a mãe mandou!

(Chegando junto ao feirante)

Feirante 2 – Que quer o menino desta vez? (Tentando impingir os seus produtos)

Coelhinhos, galinhas, franganotes? Tem por acaso alguma herdade?

João 2 –Nada disso! Quero uma bilha de barro, mas de boa qualidade.

Feirante 2 – (Apresentado a bilha a João) Ora faça favor tire-lhe o som á vontade…

(João experimenta o som da bilha batendo com as falanges dos dedos)

João 2 – (Satisfeito) Esta mesmo! É de boa qualidade.

Feirante 2 – Quer que embrulhe ou leva-a pendurada na mão?

João 2 – Não, não, vou atar-lhe uma cordinha e arrastá-la pelo chão

Feirante 2 – (preocupado) Isso não, Isso não…

Feirante 2– (Aflito) Ai meu rico menino, não faças tamanha asneira!

Deixe ensiná-lo a levar de uma outra maneira…

João 2 – (muito convicto) Mas foi minha mãe que disse que a levasse desta forma.

Se faço algo diferente, já não sou obediente!

Feirante 2 – Olhe que vai ficar arrependido!

Mulher 2 – (aproximando-se) Deixe lá, não vê que o rapaz tem um parafuso corrido?

Mulher 1 – Está mais que visto que o rapaz não regula bem da tola!

(Durante a conversa o João tira da algibeira uma cordinha, que ata á bilha e põe-se a puxá-la
enquanto vai a caminho de casa cantando)
João 2 – Ai que linda bilha nova,

amarrada pela asinha

vou puxá-la com cuidado

para chegar inteirinha

(A Mãe 2 entra em cena, dando conta da chegada do João fica desapontada)

Mãe 2 – Olha, olha a ideia do rapaz! Tu não vez que isso não se faz?

Ai valha-me Deus, Deus me valha. Trazias a Bilha num carro de palha!

João 2 – Eu bem vi um lá parado!

Mulher 2 – Será que a mulher não percebe que o pequeno é toldado?

Mãe 2 – (encolhendo os ombros, sem saber o que fazer) Então! Esperavas que viesse para cá

Aqui para este lado! Vê lá se te lembras disto para um novo recado!

Ora uma bilha quebrada… (pega na bilha partida e aponta-a para o João)

Vez, para que me serve? Para nada!

(A mãe mostra uma cara de muito zangada, e vai saindo de cena,á medida que diz o texto, o João
segue-a, e entra o João 3 e a mãe 3)

João 3 - Ó minha mãe, não se zangue, não se zangue que eu ainda fico maia atrapalhado!

Mande-me lá outra vez, vai ver como sou atinado.

Mãe 3 – (Descrente) Bem precisava eu de linhas e agulhas para cozer

mas já não sei se és capaz, meu rapaz, desse serviço fazer.

João 3 – (respirando fundo e ganhando força) Sou, com certeza, a senhora há-de ver:

Dê-me cá um dinheirinho que não se há-de arrepender!

(a mãe cede e o João dirige-se a feira outra vez cantando, a mãe sai de cena)

João 3 – Eu vou, eu vou á feira

Á feira eu vou comprar as agulhas que a mãe mandou.

Feirante 3 – (carinhosamente) Ah! A mãezinha quer cozer?

Ora aqui tem as linhinhas e de agulhas um molhinho, mas não as perca pelo caminho…

João 3 – (convicto) Não, desta vez não me falha! Vou fazer como a mãe disse.

Vê ali aquele carro de palhada para o gado?

(o João aponta para um carro de palha que vai passando, puxado por um lavrador que entrou em
cena)

Feirante 3 – Ai que o rapaz é cismado!


João 3 – Deito as agulhas lá dentro e vou em cima deitado cantando muito animado.

(o João atira as agulhas e salta para cima da palha e vai cantando)

João 3 – No carrinho de palha as agulhas eu deitei a minha mãe vai dizer que desta vez acertei.

Feirante 3 – (Muito admirado) Olha o desgraçado do pequeno! Leva as agulhas no carro de feno!...

(A mãe ouvindo a cantoria do João entra em cena)

Mulher 2 – (Autoritária, dirige-se a mãe do rapaz) Ó senhora! Não acha que são demais as asneiras
que o rapaz faz?

Mulher 1 – Já o curou da inveja? Não é coisa que se veja mas faz um mal danado

(o lavrador, que só agora deu pela presença do João, dirige-se a mãe e apresenta-lhe um ramo de
carqueja, sugerindo-lhe que bata com ele no pequeno)

Lavrador – Um “chazinho” de carqueja dava-lhe mais resultado!

Parece que não tem tino! Olhe, cá para mim, quem dá o pão dá o ensino.

(sai de cena, puxando o carro)

Mulher 2 – (concordando com o lavrador) Chegue-lhe a roupa ao pelo, que ele está bem precisado!

Mãe 3 – (zangada correndo atrás do rapaz) Precisado? Precisada estava eu de uns bons metros de
riscado para uns buraquinhos tapar!

(O rapaz senta-se no chão a lamentar e a chorar a sua sorte. As mulheres saiem de cena e a mãe
anda desorientada de um lado para o outro)

João 3 – Faço sempre o que a mãe diz, e nunca chego a acertar.

(entra em cena a madrinha do João, uma mulher com ares de abastança)

Comadre – O que faz o meu afilhado para estar tão infeliz a chorar?

Mãe – (esbaforida) Asneiras, e mais asneiras, vizinha da minha alma!

Já nem sei que lhe diga, começo a perder a calma…

Comadre – Ó comadre, venha comigo a ver se se acalma… Sim, e deixe-o ai a pensar mais por si!

João 3 – (choroso) Toda a gente lhe dá ordens e diz o que tenho a fazer,

ninguém me deixa mostrar o meu pensar, o meu saber!

Se ao menos me deixassem agir pelo meu pensamento, haviam de concluir que afinal,

sou um portento! (de repente, levanta-se muito rápido como se tivesse sido picado)

Mas que faço eu a chorar desta forma e aqui parado?

A mãe não disse que queria uns bons metros de riscado? Ora então aqui vou eu!

(dirige-se à feira cantando)


Eu vou, eu vou à feira

À feira eu vou, comprar o riscado que a mãe mandou.

Feirante 4 – Ah! Quer riscado? Leve este que é lindo Azul e encarnado.

(apresenta ao rapaz um riscado azul e encarnado, enquanto outro feirante tenta aliciá-lo com outros
panos.)

Feirante 5 – Ou este mais vaporoso, se é para algum cortinado...

Feirante 4 – Ou este feito à mão, terá maior duração...

João 3 – (seguro de si) Não, não, levo este aqui que é mais vistoso

E é a minha opinião...

(agarra um bocado a seu gosto, paga e volta para casa cantando muito senhor de si)

João 3 – Ai que lindo riscado eu acabei de comprar, vou a correr para casa os buraquinhos tapar.

(ao chegara a casa, não vendo a mãe, chama-a e, como ela não responde nem aparece, põe-se a
reflectir em voz alta)

João 3 – Mãe, oh mãe...

Oh! A mãe não está!...

Mas ... tapar buraquinhos...,

Tapar buraquinhos...

Tapar buraquinhos...

Tapar buraquinhos...

Ora deixa pensar...

Se a mãe não me disse,

Não posso adivinhar...

Mas são por certo os da cozinha,

Por onde entra um frio de rachar!

Ah! Vou fazer-lhe uma surpresa

De que ela se vai orgulhar!...

(entra em casa, e os feirantes começam a desmontar a feira)

Feirante 1 – É feirar, é feirar, freguesia! Leva três e só paga dois

Não há disto todo o dia! A hora já vai avançada

Se não há mais compradores vamos nós de retirada.


(ouve-se musica, os feirantes começam a retirar a feira . A mãe do João entra em palco
acompanhada da comadre)

Mãe ... – (desiludida) Não sei, comadre, não sei que lhe faça...

Comadre – (dando conta da ausência do João) Mas, onde está a criança?

Joãozinho! Joãozinho!

Mãe... – (descrente) Já estou a perder a esperança!

(durante a conversa a comadre vai-se aproximando da casa do João, pela qual espreita e chama)

Comadre – Joãozinho, Joãozinho...

(dando conta de que a cozinha está renovada, grita com ar de espanto)

Ah! Mas que vejo eu, vizinha? Como está linda a sua cozinha!!!

Mãe... – Linda? Toda esburacada!...

João 1, 2, 3 – (saindo de casa com ar triunfante) Isso era dantes... Agora está arranjada!

Mãe... – (espreitando admirada) Ah! Tapaste os buraquinhos da cozinha.

Com o pano que te mandei comprar?...

João 1 – E então não acha bem, o que fiz pelo meu pensar?

Mãe... – Realmente não te disse o que queria tapar...

João 2 – (com um ar triunfante) Está uma belezura, Modéstia à parte!...

Mãe... – (espreitando mais uma vez e rendida à evidência)

Tenho de dar-te a razão, fizeste uma obra de arte!

Mas que desembaraço! Anda cá, meu pequeno, dá-me um abraço filho do meu coração!

(dirige-se aos filhos e abraça-os)

Comadre – (vaidosa) Vê, vizinha, como eu tinha razão? Faça como lhe disse, e não ficará arrependida.

Olhe que não há melhor mestre que o tempo, nem melhor escola que a vida!

Mãe... – (orgulhosa da obra do filho, continuando a abraça-los)

E eu hei-de dizer bem alto, ainda que por tonta me tomem:

Se não fores um homem grande, hás-de ser um grande homem!

(nisto, entram em palco os sapos a tocar e a cantar)

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