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A EVOLUÇÃO JURÍDICA E LEGISLATIVA DO DIREITO AMBIENTAL NO PAÍS33

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Antes de mais nada, cabe dizer que o direito ambiental brasileiro (conjunto de regras e
princípios, formais e materiais, que regulam esta ciência) é recente.

Muito embora seus componentes e até seu objeto de tutela estejam ligados à própria origem
do ser humano, não se pode negar que o tratamento do tema visto sob uma perspectiva
autônoma, altruísta e com alguma similitude com o sentido que se lhe tem dado atualmente
não é tão primevo assim. É por isso que se diz que o direito ambiental é uma ciência nova.
Noviça, mas com objetos de tutela tão velhos...

Como todo e qualquer processo evolutivo, a mutação no modo de se encarar a proteção do


meio ambiente é feita de marchas e contramarchas. Não se pode, assim, identificar, com
absoluta precisão, quando e onde terminaram ou se iniciaram as diversas fases
representativas da maneira como o ser humano encara a proteção do meio ambiente. Na
verdade, esse fenômeno pode ser metaforicamente descrito como uma mudança no ângulo
visual com que o ser humano enxerga o meio ambiente.

2.2. PRIMEIRA FASE: A TUTELA ECONÔMICA DO MEIO AMBIENTE

Porquanto os bens ambientais (água, fauna, flora, ar etc.) já tenham sido objeto de proteção
jurídico-normativa desde a antiguidade, importa dizer que, salvo em casos isolados, o que se
via era uma tutela mediata do meio ambiente, tendo em vista que o entorno e seus
componentes eram tutelados apenas na medida em que se relacionavam às preocupações
egoísticas do próprio ser humano.

Durante muito tempo, assim, os componentes ambientais foram relegados a um papel


secundário e de subserviência ao ser humano, que, colocando-se no eixo central do universo,
cuidava do entorno como se fosse senhorio de tudo. É sob essa visão que surgem as primeiras
“normas ambientais” no ordenamento jurídico brasileiro. Esse período pode ser
aproximadamente identificado como o que abrange da época do descobrimento até a segunda
metade do século XX.

Nessa primeira fase, a proteção do meio ambiente tinha uma preocupação meramente
econômica. O ambiente não era tutelado de modo autônomo, senão apenas como um bem
privado, pertencente ao indivíduo. Essa forma de proteção pode ser vislumbrada no antigo
Código Civil Brasileiro de 1916, por exemplo nas normas que regulavam o direito de vizinhança
(arts. 554, 555, 567, 584, etc.).34

Basta uma rápida e aleatória leitura do Código Civil revogado para se perceber, claramente,
que a preocupação com os bens ambientais foi de índole exclusivamente individualista, sob o
crivo do direito de propriedade e tendo em vista o interesse econômico que tal bem
representa para o homem. Tais bens, tidos até então como res nullius, passavam a ser vistos
como algo de valor econômico e, por tal motivo, mereceriam uma tutela.
O que se percebe, entretanto, é que, conquanto sua tutela fosse voltada para uma finalidade
utilitarista ou econômica, é inegável que o fato de os bens ambientais receberem uma
proteção do legislador já era um sensível sinal da percepção do homem no sentido de que só
tinham valor econômico porque seu estado de abundância não era eterno ou ad infinitum.

Afinal, a valoração econômica de um bem está ligada à sua oferta e à essencialidade. Sendo
um bem essencial, com oferta limitada ou limitável, o legislador certamente vislumbrou a
possibilidade do esgotamento dos recursos naturais e, de certa forma, a incapacidade do meio
ambiente de absorver todas as transformações (degradações) provocadas pelo homem.

2.3. SEGUNDA FASE: A TUTELA SANITÁRIA DO MEIO AMBIENTE

O segundo momento dessa evolução também é marcado pela ideologia egoística e


antropocêntrica pura. A diferença é que, agora, a legislação ambiental era balizada não mais
pela preocupação econômica, mas pela preponderância na tutela da saúde e da qualidade de
vida humana.

Mais uma vez, o legislador claramente reconhecia a insustentabilidade do ambiente e a sua


incapacidade de assimilar a poluição produzida pelas atividades humanas. E a tutela da saúde
é o maior exemplo, e reconhecimento, de que o homem, ainda que para tutelar a si mesmo,
deveria repensar sua relação com o ambiente que habita. Ficava cada vez mais claro que o
desenvolvimento econômico desregrado era nefasto à existência de um ambiente sadio.

Destacam-se nesse período, que pode ser didaticamente delimitado de 1950 a 1980, o Código
Florestal (Lei n. 4.771/65),35 o Código de Caça36 (Lei n. 5.197/67), o Código de Mineração
(Decreto-lei n. 227/67), a Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares (Lei n. 6.453/77),
etc.

A rasa leitura desses diplomas permite a franca identificação de uma preo-cupação do


legislador com o aspecto da saúde, embora não se possa desconsiderar o fato de que ainda
sobrevivia (como ainda hoje ocorre) o aspecto econômico-utilitário da proteção do bem
ambiental.

2.4. TERCEIRA FASE: A TUTELA AUTÔNOMA DO MEIO AMBIENTE E O SURGIMENTO DO


DIREITO AMBIENTAL

Se nas duas fases anteriores a preocupação maior das leis ambientais, apesar da evolução, era
sempre o ser humano, o que se viu a partir da década de 1980 foi uma verdadeira mudança de
paradigma: não seria mais o homem o centro das atenções, mas o meio ambiente em si
mesmo considerado.
■2.4.1. Lei n. 6.938/81 — Política Nacional do Meio Ambiente37

Para tanto, pode-se afirmar que a Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) foi, por
assim dizer, o marco inicial dessa grande virada. Foi ela o primeiro diploma legal que cuidou do
meio ambiente como um direito próprio e autônomo. Nunca é demais lembrar que, antes
disso, a proteção do meio ambiente era feita de modo mediato, indireto e reflexo, na medida
em que ocorria apenas quando se prestava tutela a outros direitos, tais como o direito de
vizinhança, propriedade, regras urbanas de ocupação do solo, etc.

Inicialmente, vale dizer que a Lei n. 6.938/81 foi concebida sob forte influên-cia internacional,
oriunda da Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, Suécia,
no ano de 1972. Também foi influenciada, inegavelmente, pela experiência legislativa norte-
americana, especialmente pela lei do ar puro, pela lei da água limpa e pela criação do estudo
de impacto ambiental, todos da década de 1970.38-39

Como o próprio nome já diz, a referida lei criou uma verdadeira Política Nacional do Meio
Ambiente, sendo muito mais do que um simples conjunto de regras, mas estabelecendo uma
política com princípios, escopos, diretrizes, instrumentos e conceitos gerais sobre o meio
ambiente.

O leitor deve estar se perguntando o que a Lei n. 6.938/81 tem de diferente. Por que ela é
considerada tão importante e até mesmo um marco de uma nova fase de se enxergar o meio
ambiente?

A verdade é que a Lei n. 6.938/81 introduziu um novo tratamento normativo para o meio
ambiente. Primeiro, porque deixou de lado o tratamento atomizado em prol de uma visão
molecular, considerando o entorno como um bem único, imaterial e indivisível, digno de tutela
autônoma.

O próprio conceito de meio ambiente adotado pelo legislador (art. 3º, I)40 extirpa a noção
antropocêntrica, deslocando para o eixo central de proteção do ambiente todas as formas de
vida. A concepção passa a ser, assim, biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente
considerado (ecocentrismo). Há, ratificando, nítida intenção do legislador em colocar a
proteção da vida no plano primário das normas ambientais. Repita-se: todas as formas de vida.

Dessa forma, é apenas a partir da Lei n. 6.938/81 que podemos falar verdadeiramente em um
direito ambiental como ramo autônomo da ciência jurídica brasileira e não como um apêndice
do direito administrativo. A proteção do meio ambiente e de seus componentes bióticos e
abióticos (recursos ambientais) compreendidos de uma forma unívoca e globalizada deu-se a
partir desse diploma.
Em resumo, o fato de marcar uma nova fase do direito ambiental deve-se, basicamente, aos
seguintes aspectos:

■ Adotou um novo paradigma ético em relação ao meio ambiente: colocou em seu eixo central
a proteção a todas as formas de vida. Encampou, pois, um conceito biocêntrico (art. 3º, I).

■ Adotou uma visão holística do meio ambiente: o ser humano deixou de estar ao lado do
meio ambiente e passou a estar inserido nele, como parte integrante, dele não podendo ser
dissociado.

■ Considerou o meio ambiente um objeto autônomo de tutela jurídica: deixou este de ser
mero apêndice ou simples acessório em benefício particular do homem, passando a permitir
que os bens e componentes ambientais fossem protegidos independentemente dos benefícios
imediatos que poderiam trazer para o ser humano.

■ Estabeleceu conceitos gerais: tendo assumido o papel de norma geral ambiental, suas
diretrizes, objetivos, fins e princípios devem ser mantidos e respeitados, de modo que sirva de
parâmetro, verdadeiro piso legislativo para as demais normas ambientais, seja de caráter
nacional, estadual ou municipal.

■ Criou uma verdadeira política ambiental: estabeleceu diretrizes, objetivos e fins para a
proteção ambiental.

■ Criou um microssistema de proteção ambiental: contém, em seu texto, mecanismos de


tutela civil,41 administrativa10 e penal11 do meio ambiente.

■ 2.4.2. Constituição Federal de 1988424344

Se a Lei n. 6.938/81 representou um marco inicial, o advento da Constituição de 1988 trouxe o


arcabouço jurídico que faltava para que o Direito Ambiental fosse içado à categoria de ciência
autônoma. Isso porque é no Texto Maior que se encontram insculpidos os princípios do Direito
Ambiental (art. 225). A CF/88 deu, além do status constitucional de ciência autônoma, o
complemento de tutela material necessário à proteção sistemática do meio ambiente.

Assim, seguindo a tendência mundial, a tutela do meio ambiente foi içada à categoria de
direito expressamente protegido pela Constituição, tendo o legislador reservado um capítulo
inteiro para o seu tratamento (art. 225). Antes disso, em constituições anteriores, o assunto
era tratado de modo esparso e sem a menor preocupação sistemática. Apenas na Carta de
1969 é que se utilizou pela primeira vez a palavra “ecológico”, quando se cuidava da função
agrícola das terras (art. 172).

■ 2.5. QUADRO SINÓTICO DA EVOLUÇÃO JURÍDICA E LEGISLATIVA DO -DIREITO AMBIENTAL NO


BRASIL

TUTELA ECONÔMICA DO MEIO AMBIENTE

(1500-1950)

■ Antropocentrismo (tutela mediata dos bens ambientais).

■ Preocupação meramente econômica.

■ Ex.: CC-16 (arts. 584, 554, 555, 566, etc.).

TUTELA SANITÁRIA DO MEIO AMBIENTE

(1950-1980)

■ Antropocentrismo (tutela mediata dos bens ambientais).

■ Preocupação com a saúde e a qualidade de vida humana.

■ Ex.: Código de Caça (Lei n. 5.197/67), Código Florestal (Lei n. 4.771/65), Código de Mineração
(Decreto-lei n. 227/67), Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares (Lei n. 6.453/77),
etc.

TUTELA AUTÔNOMA DO MEIO AMBIENTE

(a partir de 1980)

LEI N. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente)


■ Influência: Conferência de Estocolmo (1972) e Legislação Norte-Americana.

■ Biocentrismo/Ecocentrismo.

■ Meio ambiente como bem único, imaterial e indivisível, digno de tutela autônoma.

■ Proteção a todas as formas de vida.

■ Visão holística.

■ Conceitos gerais.

■ Política ambiental (diretrizes, objetivos e finalidades).

■ Microssistema de proteção ambiental.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

■ Princípios do direito ambiental.

■ Meio ambiente como direito de estatura constitucional.

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