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Fernando G. Tenório
Organizadores
Gestão
e
Economia
Solidária
Coleção Gestão e
Desenvolvimento
Coleção Gestão e Desenvolvimento
Diego Altieri
Fernando G. Tenório
Organizadores
Gestão
e
Economia
Solidária
Ijuí
2023
2023, Editora Unijuí Rua do Comércio, 3000
Bairro Universitário
Editor 98700-000 – Ijuí – RS – Brasil
Fernando Jaime González
Coordenadora Administrativa (55) 3332-0217
Márcia Regina Conceição de Almeida
Capa editora@unijui.edu.br
Alexandre Sadi Dallepiane
Imagem de capa:
www.freepik.com www.editoraunijui.com.br
Responsabilidade Editorial,
Gráfica e Administrativa fb.com/unijuieditora/
Editora Unijuí da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil) instagram.com/editoraunijui/
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
G393
Gestão e economia solidária [recurso eletrônico] / organizadores
Diego Altieri, Fernando G. Tenório – Ijuí : Ed. Unijuí, 2023. 276 p. ; 30 cm.
(Coleção Gestão e desenvolvimento)
Formato digital.
ISBN 978-85-419-0363-9 (digital)
1. Economia solidária. 2. Autogestão. 3. Cooperativas populares. 4.
Empreendimentos sociais. I. Altieri, Diego. II. Tenório, Fernando G. III.
Série.
CDU: 334.1
Bibliotecária Responsável:
Cristina Libert Wiedtkenper
CRB 10/2651
A Coleção
A ColeçãoGestão
Gestão e Desenvolvimento
e Desenvolvimento é umaé iniciativa
uma iniciativa
editorialeditorial do Programa
do Programa de Pós-
de Pós-Graduação
Graduação em Desenvolvimento
em Desenvolvimento (PPGDes)
(PPGDes) da Unijuí da Unijuí
e da Editora e da
Unijuí, Editora
voltada à
Unijuí, voltada
publicação à publicação
de textos de atextos
que abordem quedaabordem
temática gestão e doa temática da gestão
desenvolvimento numae do
visão interdisciplinar
desenvolvimento das Ciências
numa Sociais, contemplando
visão interdisciplinar as Linhas
das Ciências decontemplando
Sociais, Pesquisa do
Programa: Gestão
as Linhas de Empresarial;
Pesquisa Administração
do Programa: GestãoPública e Gestão
Empresarial; Social e Desenvol-
Administração Pública
vimento Local e Gestão do Agronegócio. O objetivo da Coleção é disponibilizar
e Gestão Social e Desenvolvimento Local e Gestão do Agronegócio. O objetivo
aos leitores um conjunto de obras que contribuam para qualificar o debate sobre as
da Coleção é disponibilizar aos leitores um conjunto de obras que contribuam
temáticas destas áreas.
para qualificar o debate sobre as temáticas destas áreas.
CONSELHO EDITORIAL
CONSELHO EDITORIAL
Ph.D. Elisio Contini (Embrapa-Brasília)
Dr. Carlos Ricardo Rosseto (Univali)
Dr. Fernando Guilherme Tenório (Ebape/FGV)
Ph.D. Elisio Contini (Embrapa-Brasília)
Dr. Fernando Luis Gache (Universidade Técnica Nacional de Buenos Aires, Argentina)
Dra.Fernando
Dr. Enise Barth
LuizTeixeira
Abrucio (UFFS – Chapecó)
(EAESP/FGV)
Dr. Ivo
Dr. Fernando
Marcos Guilherme
Theis (Furb)Tenório (Ebape/FGV)
Dr. Fernando
Dra. Luisde
Janete Lara Gache (Universidade
Oliveira (UFMG) Técnica Nacional de Buenos Aires, Argentina)
Dr. Fernando
Ph.D. Luiz Abrucio
Joan Subirats (EAESP/FGV)
(Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha)
Prof.
Dr. Ivo Marcos
Marcelo Theis
Fernando (Furb)
Lopez Parra (Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador)
Dr. Martin Coy (Universidade
Dra. Janete Lara de Oliveira de(UFMG)
Imsbruck, Áustria)
Dr. Maurício Serva (UFSC)
Ph.D. Joan Subirats (Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha)
Dr. Carlos Ricardo Rosseto (Univali)
Dr. Marcelo Fernando Lopez Parra (Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador)
Dr. Roberto Costa Fachin (PUCMG)
Dr. Maurício Serva (UFSC)
Dr. Victor Ramiro Fernández (Universidade Nacional do Litoral – Santa Fé, Argentina)
Dr. Roberto Costa Fachin (PUCMG)
Dr. Victor Ramiro Fernández (Universidade Nacional do Litoral – Santa Fé, Argentina)
COMITÊ EDITORIAL
Prefácio.............................................................................................................................................................. 7
Sérgio Luís Allebrandt
Apresentação.................................................................................................................................................13
Diego Altieri
Fernando G. Tenório
CAPÍTULO 1
Economia Solidária: Uma Definição Possível...........................................................................15
Luís Henrique Abegão
CAPÍTULO 2
Finanças Solidárias................................................................................................................................. 36
Carlos Frederico Bom Kraemer
CAPÍTULO 3
Política Pública de Economia Solidária......................................................................................58
Thais Soares Kronemberger
CAPÍTULO 4
Educação Popular e Economia Solidária..................................................................................85
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
CAPÍTULO 5
Empreendimentos de Economia Solidária: Natureza e Aspectos Legais............101
Diego Altieri
CAPÍTULO 6
Comercialização, Prestação de Serviços e Construção
de Redes na Economia Solidária...................................................................................................119
Júlio Cesar Andrade de Abreu
CAPÍTULO 7
O Movimento da Economia Solidária e Sua Articulação.............................................. 132
Riyuzo Ikeda Júnior
João Eduardo Branco de Melo
Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
CAPÍTULO 8
Autogestão: Teoria e Prática............................................................................................................ 149
Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
João Eduardo Branco de Melo
Riyuzo Ikeda Júnior
CAPÍTULO 9
Para a Apreensão de um Conceito de Cooperativa Popular:
Entendendo e Discutindo as Diferenças entre Cooperativas
Tradicionais e Populares...................................................................................................................166
Airton Cardoso Cançado
Naldeir dos Santos Vieira
CAPÍTULO 10
Metodologia de Incubação de Cooperativas Populares:
O Caso da Incubacoop/Ufla.............................................................................................................195
José Roberto Pereira
CAPÍTULO 11
Economia Solidária e Desenvolvimento:
Perspectivas a Partir da Importância da Reciclagem de Resíduos Sólidos......214
Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi
Taciana Angélica Moraes Ribas
Sérgio Luís Allebrandt
Airton Adelar Mueller
CAPÍTULO 12
Economia de Francisco: Um Novo Mundo é Possível.....................................................243
Cláudio da Rocha Santos
Jefferson E. S. Machado
PREFÁCIO
K
arl Polanyi, em “A grande Transformação”, de 1980, afirmava que
“Nenhuma sociedade poderia sobreviver durante qualquer período
de tempo, naturalmente, a menos que possuísse uma economia
de alguma espécie”, porém, ainda que “[...] a instituição do mercado fosse
bastante comum desde a Idade da Pedra, seu papel era apenas incidental na
vida econômica”, uma vez que “[...] a economia do homem, como regra, está
submersa em suas relações sociais [...]”. Daí sua crítica a Adam Smith, que
afirmava que a divisão do trabalho na sociedade dependia da existência de
mercados, ou da “propensão do homem de barganhar, permutar e trocar uma
coisa pela outra”. Ou seja, nas comunidades anteriores à Revolução Industrial
a economia não se apresentava como uma esfera separada da sociedade, pois
estava submersa nas relações sociais. É no sistema capitalista que a economia
se desvinculou da sociedade, ou melhor, “Em vez de a economia estar
incrustada nas relações sociais, são as relações sociais que estão incrustadas
no sistema econômico”, e desta forma, o destino da sociedade fica submetido
ao mercado autorregulado, que controla e subjuga a sociedade e as relações
sociais (Polanyi, 2000 [1944], p. 62-77).
É nesse sentido que França Filho (2002) afirma que em virtude da
ruptura produzida pela autonomização do mercado em relação aos demais
princípios do comportamento econômico, e da consequente objetificação das
relações sociais e despersonalização das relações econômicas, o fenômeno da
economia solidária pode contribuir para tornar estas relações mais humanas.
Ainda que o conceito de economia solidária tenha sido construído na
Europa ao longo do século 20, na América Latina e no Brasil, em especial, o
tema ganhou relevância a partir dos anos 90, dada a conjuntura econômica
de alto desemprego e precarização das relações de trabalho, fazendo com
que movimentos sociais se envolvessem em ações de caráter associativo para
geração de renda. Gradativamente a temática passou a integrar a agenda
pública, com a formulação e efetivação de políticas específicas, em especial
a partir de 2003.
7
PREFÁCIO
Sérgio Luís Allebrandt
8
PREFÁCIO
Sérgio Luís Allebrandt
9
PREFÁCIO
Sérgio Luís Allebrandt
10
PREFÁCIO
Sérgio Luís Allebrandt
11
PREFÁCIO
Sérgio Luís Allebrandt
REFERÊNCIAS
FRANÇA FILHO, G. Terceiro Setor, Economia Social, Economia Solidária e Economia
Popular: traçando fronteiras conceituais. Bahia Análise & Dados, v. 12, n. 1, p.
9-19, jun. 2002.
GUERREIRO RAMOS, A. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da
riqueza das nações. São Paulo: Ed. FGV, 1989.
POLANYI, K. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro:
Campus, 1980.
12
Apresentação
O
livro que ora apresentamos – Gestão e economia solidária – faz parte
de um conjunto de textos publicados pelo Programa de Estudos em
Gestão Social (Pegs),1 desenvolvido desde os anos 90 do século 20 na
Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação
Getulio Vargas (FGV). A publicação desses livros tem a ver com as atividades
de extensão universitária que o Pegs desenvolve com a Cáritas Arquidiocesana
do Rio de Janeiro por meio do Laboratório de Transferência de Tecnologias
Sociais (LTTS).
As expressões economia solidária, economia social, economia popular,
economia de Francisco, são locuções conceituais que procuram mitigar a
hegemonia de uma forma de economia, a economia de mercado que, substan-
cialmente, exclui a participação daquelas populações não capazes, devido a
sua renda, de consumir os produtos ofertados ou de não possuírem recursos
financeiros suficientes para fazer frente à concorrência no mercado. Isso
exige que a cooperação e a solidariedade sejam os elementos principais da
racionalidade econômica de tal sistema alternativo de geração de trabalho e
distribuição de renda em substituição ao conceito de lucratividade típico da
economia de mercado. Dessa forma, a economia solidária ou aquelas demais
expressões que buscam o mesmo objetivo – democratizar de modo coletivo
as relações de produção – faz parte do conteúdo do presente livro.
Devemos observar, no entanto, que o conteúdo descrito nos diferentes
capítulos não esgota o conhecimento sobre um tema crescentemente objeto
de estudo e de publicações. As referências bibliográficas consultadas em cada
1
Tenório, Fernando Guilherme et al. Elaboração de projetos comunitários: abordagem prática.
São Paulo: Loyola, 1995; Tenório, Fernando Guilherme et al. Administração de projetos
comunitários: abordagem prática. São Paulo: Loyola, 1995; Tenório, Fernando Guilherme et al.
Avaliação de projetos comunitários: abordagem prática. São Paulo: Loyola, 1995. Estes livros
foram reunidos em um só texto: Tenório, Fernando Guilherme (org.). Gestão comunitária: uma
abordagem prática. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. Ainda faz parte desse conjunto de livros
Gestão comunitária com ênfase em sustentabilidade ambiental, organizado por Fernando G.
Tenório e Rogério Valle e publicado pela Editora FGV em 2018.
13
APRESENTAÇÃO
Diego Altieri – Fernando G. Tenório
um dos capítulos atestam esta afirmação. O que significa dizer que o seu
conteúdo deve ser ampliado e/ou criticado para uma melhor compreensão de
uma proposta de organização econômica livre de qualquer coerção e dialógica
no sentido da sua gestão. Desse modo o presente livro pode ser considerado
um texto que divulga considerações, não exaurindo a possibilidade de seu
melhoramento ou continuidade.
Os organizadores gostariam de agradecer aos autores dos capítulos que
serão nomeados ao longo da divisão do livro. Aproveitamos para acrescentar
que o processo de escrita dos capítulos obedeceu a uma maturação que
começou quando do primeiro curso que realizamos com a Cáritas em 2018.
O conteúdo de cada capítulo foi originalmente distribuído sob a forma de
apostila, objetivando, com isso, verificar até que ponto a redação de cada
um deles era compreensível por parte dos participantes. Assim, como foi três
o número de cursos até a publicação deste livro, os respectivos conteúdos
tiveram oportunidade de serem avaliados durante essas três versões do Curso
de Gestão e Economia Solidária.
Diego Altieri
Fernando G. Tenório
14
C apítulo 1
Economia Solidária:
Uma Definição Possível
A
economia solidária manifesta-se e desenvolve-se na “vida vivida” de
trabalhadoras e trabalhadores que, juntos e de maneira autônoma,
organizam atividades econômicas as mais diversas, a partir de relações
de reciprocidade. Além disso, as motivações para estarem juntos extrapolam,
em muitas situações, a finalidade econômica, sobretudo quanto mais se
aprofunda na vivência desse modo solidário de organização da atividade
econômica. Por esse motivo é tão difícil estabelecer um conceito que seja
capaz de abarcar integralmente a dinâmica da economia solidária.
É preciso alguma familiaridade com o conceito de economia solidária
para identificar suas manifestações em várias situações do cotidiano.
Por exemplo, se você é uma pessoa preocupada com a saúde ou que tem
uma consciência mais ampla de sua responsabilidade como consumidor,
possivelmente já deve ter se interessado em comprar alimentos diretamente
do produtor, em feiras de produtos orgânicos ou agroecológicos. Você também
já deve ter se perguntado para onde vai o material da coleta seletiva que
você separa em sua casa e a quem ele beneficia. E as feiras de artesanato que
acontecem em espaços públicos da cidade, que além serem lugares agradáveis
para passear, têm ótimas sugestões para presentes originais. Há também
os grupos culturais, sejam aqueles que preservam uma expressão cultural
tradicional até os coletivos que reúnem artistas de diversas manifestações
culturais. Você já parou para pensar como essas atividades são organizadas?
É aqui que entra em cena a economia solidária, que se manifesta na
organização coletiva de trabalhadoras e trabalhadores para o desenvolvi-
mento de uma atividade econômica. O que faz da economia solidária outra
forma de economia, porém, é que essa atividade econômica é conduzida
pelas trabalhadoras e trabalhadores de forma autogestionária, isto é, eles
são os proprietários dos meios de produção, tomam decisões coletivamente
e compartilham os resultados entre todos de forma justa. Isso exige, portanto,
uma racionalidade econômica particular, na qual o valor que sustenta
a atividade econômica não se expressa como lucratividade e sim como
cooperação.
16
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
1
O Circuito Curto caracteriza-se como uma rede alimentar em que o poder não está nas mãos
dos intermediários e grandes distribuidores e sim nas dos produtores e consumidores, cuja
relação direta entre estes atores garante não só produtos alimentares de qualidade e preço
justo, como também informações que permitem saber onde, por quem e de que forma os
produtos foram produzidos.
2
O documento intitulado O mapa da fome: subsídios à formulação de uma política de
segurança alimentar, foi publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em
1993, como resultado da pesquisa coordenada pela professora Anna Maria Peliano.
17
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
3
Os Comitês da Cidadania eram organizados de maneira espontânea pela sociedade civil,
lideranças comunitárias e instituições, a partir do estímulo gerado pela Ação da Cidadania
e o carisma de Betinho, para articulação de ações de combate à fome e à miséria e outros
projetos sociais.
18
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
4
Empresa recuperada é o nome que dá a uma empresa capitalista que, em decorrência
de falência ou inviabilidade econômica, foi assumida de forma autogestionária pelos
trabalhadores, mediante um processo de luta e negociação para a manutenção dos postos
de trabalho. Em 1994 surge a Anteag – Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas
de Autogestão e Participação Acionária – com o objetivo de assessorar empresas industriais
de autogestão.
5
As plenárias são organizadas pelo movimento de economia solidária como espaços de
construção tanto do referencial conceitual como da plataforma de lutas da economia solidária
e seguem a lógica das conferências de políticas públicas, partindo das plenárias regionais,
passando pelas estaduais até desembocar na nacional. A última plenária nacional ocorreu
em 2012.
19
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
6
Finanças solidárias é a expressão utilizada para denominar “...práticas e operações financeiras
reguladas comunitariamente”, segundo valores como solidariedade e confiança (França Filho;
Rigo; Leal, 2015, p. 11).
7
As moedas sociais são moedas complementares ou paralelas à moeda nacional, que apoiam
as práticas comunitárias de finanças solidárias, beneficiando diretamente o território no qual
circulam.
21
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
8
O Comércio Justo e Solidário denomina, no Brasil, tanto as práticas de comercialização dos
empreendimentos econômicos solidários baseadas no diálogo, no respeito, na transparência,
no preço justo, como um Sistema Nacional de Comércio, instituído pelo Decreto Presidencial
no 7.358, de 17 de novembro de 2010, visando à promoção destas práticas e uma maior justiça
social.
9
A 5ª Plenária Nacional ocorreu em dezembro de 2012, tendo sido a última plenária realizada
até o presente momento.
22
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
como sendo aqueles que valorizam nas relações de troca não apenas os
produtos, mas também as interações com os produtores, assim como
compartilham valores do bem viver. Para isso, várias estratégias podem
ser adotadas, como as feiras organizadas por produtores, os mercados
comunitários, os canais de comércio justo, os circuitos curtos agroalimentares,
as feiras ou clubes de trocas, entre outras formas de organização coletiva e
autogestionária para comercialização ou trocas. Essas iniciativas devem ser
apoiadas por políticas públicas e financiadas por agências governamentais,
bancos comunitários ou outras formas de finanças solidárias, de modo que
alcancem autonomia e sustentabilidade econômica, evitando a dependência
em relação ao mercado capitalista.
A sustentabilidade desses mercados solidários passa, por um lado,
pela construção e fortalecimento de redes e cadeias produtivas formadas por
empreendimentos econômicos solidários e, por outro, pela maior conscien-
tização do consumidor quanto à sua contribuição para o desenvolvimento
endógeno,10 quando da assunção de práticas de consumo que beneficiam os
pequenos produtores locais, que estimulam a busca da qualidade e do preço
justo e que preservam o meio ambiente. O documento da 5ª Plenária aponta
como uma estratégia de fomento aos mercados solidários a criação de selos ou
etiquetas que identifiquem e apresentem os produtos da economia solidária.
Valorizando a perspectiva do desenvolvimento endógeno, o documento
destaca a relevância da noção de territorialidade, pois considera que a
economia solidária deve “...olhar de perto para as pessoas, onde elas vivem,
como se organizam para sobreviver, como utilizam e cuidam dos recursos
que tem à disposição” (FBES, 2012). A territorialidade, aqui compreendida,
extrapola a noção de território, ao considerar que para a economia solidária a
territorialidade é definida como o espaço geográfico no qual ocorre a vivência
dos seus valores e princípios, em prol de um projeto coletivo comum, capaz
de atribuir uma identidade a esse território.
Nos territórios em que o movimento de economia solidária estrutura-se
via fóruns e onde há redes ou cadeias de empreendimentos econômicos
solidários, certamente essa identidade é mais evidente. Isso, contudo, não
10
O desenvolvimento endógeno pressupõe a “...utilização dos potenciais – econômicos,
humanos, naturais e culturais – internos a uma localidade, incorporando ao instrumental
econômico neoclássico variáveis como participação e gestão local” (Braga, 2002, p. 24).
23
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
25
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
DIFERENCIANDO OS EMPREENDIMENTOS
ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS
O Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (Sies)
registrou, por meio do segundo mapeamento, realizado entre 2009-2013,
a existência de 19.708 Empreendimentos de Economia Solidária (EESs),
distribuídos em 2.713 municípios brasileiros, presentes em todos os Estados da
Federação. Ao todo, estavam envolvidos nesses EESs 1.423.631 trabalhadores,
sendo 43,6% mulheres e 56,4% homens (Sies, 2013).
Quanto às atividades econômicas desenvolvidas pelos EESs mapeados,
a grande maioria (56,2%) dedicava-se a uma atividade de produção, à qual
também poderia estar associada a comercialização. É interessante notar, no
entanto, que o segundo maior conjunto (20,1%) reúne os EESs que estavam
dedicados ao consumo ou uso coletivo de bens e serviços pelos sócios, como
as tradicionais cooperativas de consumo, presentes sobretudo na área rural. O
terceiro maior grupo de EESs (13,3%) compreende aqueles que se dedicavam
26
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
Ressalta-se, porém, que a autogestão reduz (mesmo que isso não ocorra na
prática) a separação entre planejamento e execução das atividades nos EESs,
por possibilitar a participação de todos no processo de tomadas de decisão,
fazendo com que a democratização e o compartilhamento das competências
gerenciais sejam desejados.
É certo que o exercício democrático de tomada de decisão proposto
pela autogestão não se dá nas ações cotidianas, pois está reservado às
decisões mais relevantes, sobretudo no estabelecimento dos objetivos do
EES, que não estão restritos aos econômicos, posto que envolvem também os
socioambientais. A definição compartilhada dos objetivos leva, naturalmente,
ao maior comprometimento de cada sócio do empreendimento com relação
às metas estabelecidas, bem como na assunção das responsabilidades que
lhes competem. Para isso, há que se ter um ambiente de confiança, uma vez
que inseguranças, desconfianças ou disputas de poder desestabilizam esse
ambiente, dificultam a autogestão e, por consequência, comprometem os
resultados econômicos e socioambientais.
Algumas questões concentram um grande potencial de desestabili-
zação no âmbito dos EESs, como a remuneração dos trabalhadores e a divisão
dos resultados. Esta última é distinta da proposta de participação nos lucros
praticada por empresas capitalistas, pois os resultados, no caso dos EESs,
podem ser sobras, mas eventualmente envolvem prejuízos, os quais serão,
consequentemente, arcados pelos seus sócios. Sendo assim, a transparência
na gestão financeira é essencial para um clima de confiança no âmbito do
EES. Quanto à remuneração dos trabalhadores, esta deve ser baseada em
critérios justos e equânimes, em se tratando de economia solidária, posto
que aplicados em um contexto de cooperação produtiva e de autogestão.
Esse processo precisa ser transparente e os critérios devem ser estabelecidos
coletivamente, para que a confiança e a cooperação não sejam afetadas.
A racionalidade econômica de cunho capitalista visa à maximização do
autointeresse, e, por estarmos inseridos numa sociedade capitalista, estamos
submetidos a ela. Nesse sentido, os interesses egoístas são obstáculos à
emergência de uma racionalidade econômica de caráter substantivo, em
detrimento da perspectiva instrumental da racionalidade capitalista, e que
leve em consideração critérios justos e equânimes de remuneração e de
30
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
11
Marcel Mauss (1872-1950), importante antropólogo e sociólogo francês, responsável pela
contribuição mais relevante para a teoria da dádiva, a qual contribui para a compreensão do
fenômeno da solidariedade na atualidade.
32
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
REFERÊNCIAS
ABEGÃO, Luís Henrique. Incubação: acionando o dínamo da reciprocidade.
In: ADDOR, F.; LARICCHIA, C. R. (org.). Incubadoras tecnológicas de economia
solidária: concepção, metodologia e avaliação. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2018.
Vol. 1.
BRAGA, Tânia Moreira. Desenvolvimento local endógeno: entre a competitividade
e a cidadania. R. B. Estudos Urbanos e Regionais, n. 5, p. 25-39, 2002.
COSTA, Pedro de Almeida; CARRION, Rosinha da Silva Machado. Inovação em
Economia Solidária: um desafio no campo político. In: ENCONTRO DA ANPAD, 21.,
2008. Rio de Janeiro. Cadernos do Enanpad [...]. Rio de Janeiro: Anpad, 2008.
FBES. Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Carta de princípios da Economia
Solidária. 2005. Disponível em: https://fbes.org.br/2005/05/02/carta-de-principios-
-da-economia-solidaria/. Acesso em: 12 abr. 2020.
FBES. V Plenária Nacional de Economia Solidária – documento síntese. Economia
solidária: bem viver, cooperação e autogestão para um desenvolvimento justo e
sustentável. 2012. Disponível em: http://caritas.org.br/wp-content/uploads/2012/11/
documento_sintese_v_plenaria_nacional_economia_solidaria-2.pdf. Acesso em: 12
abr. 2020.
FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Terceiro setor, economia social, economia
solidária e economia popular: traçando fronteiras conceituais. Bahia Análise &
Dados, Salvador, v. 12, n. 1, p. 9-19, jun. 2002.
GAIGER, Luiz Inácio Germany. A economia solidária e o valor das relações sociais
vinculantes. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 11-19, jan./jun. 2008.
34
CAPÍTULO 1 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL
Luís Henrique Abegão
35
C apítulo 2
Finanças Solidárias
O
Brasil historicamente convive com problemas estruturais na ordem
econômica e social. Nesse sentido, a desigualdade social e a pobreza
são alguns dos martírios do país. Quando se analisa o mercado de
trabalho ou a população economicamente ativa, esses são caracterizados
por um setor econômico em que grande parte da população encontra-se na
economia informal1 e um país combalido por altas taxa de desemprego.2 Sendo
assim, há grandes contingentes de pessoas em vulnerabilidade econômica
e social. Nesse contexto, os empreendimentos solidários podem ser um
dos caminhos ao combate da pobreza, ao fomento de geração de renda e
promoção de desenvolvimento territorial de forma sustentável.
Muitas destas atividades, no entanto, necessitam de crédito seja para
capital de giro ou realizar investimentos para que o negócio possa se efetivar. A
questão é que uma parte considerável dessa população, citada anteriormente,
não consegue obter crédito no sistema financeiro tradicional, além do risco de
acessar financiamentos com elevadas taxas de juros e condições desfavoráveis.
Uma dificuldade das comunidades mais pobres para obter acesso ao crédito
nos mecanismos financeiros tradicionais, mesmo os que apresentam linhas
governamentais especiais aos micro e pequenos negócios, são as garantias para
efetuar o contrato, por conta da baixa rentabilidade e do risco de inadimplência.
No contexto das microfinanças, a experiência de Muhamm Yunus terá
uma influência de disseminação no mundo. Em 1970 o economista iniciou
a prática de microcréditos em Bangladesh, tendo como consequência o
surgimento do Grameen Bank em 1976, instituição de microcrédito voltada
1
No terceiro trimestre de 2018 eram 38,2 milhões de trabalhadores informais, 41,2% de
92,9 milhões de ocupados. Destaque para: 919 (2,4%) mil empregadores sem CNPJ; 2,25
(5,9%) milhões de trabalhadores familiares auxiliares; 4,45 (11,6%) milhões trabalhadores
domésticos sem carteira; 11,63 (30,4%) milhões empregados sem carteira do setor privado e
18,99 (49,7%) milhões que trabalham por conta própria sem CNPJ (IBGE, 2018).
2
A taxa de desemprego (desocupação) no Brasil no quarto trimestre do Brasil era de 10,6%,
totalizando 11,6 milhões de desempregados. O desemprego, de forma simplificada, refere-se
às pessoas com idade para trabalhar (acima de 14 anos) que não estão trabalhando, mas estão
disponíveis e tentam encontrar trabalho (IBGE, 2019).
37
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
3
São organizações de direito privado sem fins lucrativos. Geralmente, são formadas por
associações, institutos e outras formas jurídicas da sociedade civil. A ONG está sujeita à Lei
da Usura, não podendo praticar juros superiores a 12% ao ano.
4
São entidades de direito privado, sem fins lucrativos e de interesse público, nos termos da Lei 9.790/99.
Essas entidades não estão sujeitas à Lei da Usura, portanto, podem praticar taxas de mercado.
38
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
5
Pegando o exemplo da trajetória da Secretaria de Economia Solidária (Senaes), que foi criada
em 2003 no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Secretaria foi criada no âmbito
do Ministério do Trabalho e Emprego e tinha como objetivo viabilizar e coordenar atividades
de apoio à economia solidária em todo o território nacional, buscando promover geração de
renda, inclusão social e promoção do desenvolvimento justo e solidário. Foi criada a partir de
ampla mobilização da sociedade civil, tendo como base experiências práticas de autogestão
de trabalhadores e trabalhadoras. A Senaes, no entanto, no governo do presidente Michel
Temer perde prestígio e tem início o processo de esvaziamento. Em 2019, no governo
do presidente Jair Bolsonaro, ocorre a extinção do Ministério do Trabalho. Com isso, a
Senaes teve suas atribuições alocadas no Ministério da Cidadania. Já a economia solidária
fica associada à Secretaria de Inclusão Social e Produtiva Urbana. Essa visão restringiu o
conceito de economia solidária como uma estratégia de desenvolvimento, que responde
aos empreendimentos econômicos solidários urbanos e rurais.
39
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO
O cooperativismo é uma experiência de mais de 170 anos, tendo sua
origem na Europa, cuja referência foi a mobilização de parte da sociedade
para resolver problemas de âmbito local. O cooperativismo nasce na Inglaterra
em Rochdale, na cidade de Manchester, em 1844. Nesta localidade foi criada
a primeira cooperativa no mundo, por 28 operários A partir da cooperativa
“Sociedade dos Probos de Rochdale” (Rochdale Quitabel Pioneers Society
Limited) originam-se os princípios do cooperativismo.
Em 1895 é constituída a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), a fim
de representar o cooperativismo no mundo. Nesse sentido, vão se constituindo
princípios em torno do cooperativismo, que vai mudando e se adequando
ao longo do tempo com as transformações nas sociedades ocidentais. Nesse
contexto, a partir de 1995 há modulação dos princípios atuais (Cançado et
al., 2015). Os princípios são: i) associação voluntária e aberta; ii) controle
40
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
6
Disponível em: https://www.ocb.org.br/aci
41
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
7
A Sumoc foi a autoridade monetária anterior à criação do Banco Central do Brasil.
42
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
8
Por exemplo, na agricultura familiar há o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf), que é um programa de oferta de crédito destinado para os agricultores
familiares com objetivo de financiar o custeio e investimento na produção.
44
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
de FRS é em relação a animais. Uma família recebe animais para criação, que
podem ser caprinos. Depois da cria uma parte é entregue à gestão do fundo
para destinar para outras famílias (Barreto, 2016).
A gestão do FRS tem como premissa uma gestão com a participação
de todos os atores, instituições, associações e beneficiários. Nesse contexto,
quando uma família adere ao fundo ela assina um termo de adesão. Esses
mesmos grupos precisam elaborar um regimento para estabelecer o
funcionamento do fundo. Há também reuniões a serem programadas, assim
como exercício do controle e fiscalização do processo, inclusive contábil.
Um comitê de gestão pode ser criado, inclusive, por meio do regimento que
vai amparar as escolhas das famílias aptas a entrar ou não em um fundo. É
importante até que esses fundos que vão atuar em certas localidades tenha a
valorização das identidades culturais destes espaços (Santos Filho; Gonçalves,
2011). Entidades que podem estar envolvidas são associação de moradores,
sindicatos, cooperativas, redes de produção, grupos religiosos, organizações
sociais, ONGs, instituições públicas, entre outras.
A própria comunidade tem a responsabilidade de gerir o fundo,
resgatando práticas já existentes nas organizações populares. Estão presentes
entidades da sociedade civil e organizações comunitárias, nas quais as ações
são para apoiar projetos de produção e comercialização de bens e serviços.
Os recursos investidos podem ter prazos mais flexíveis para reembolso,
conforme a realidade social e econômica de cada comunidade. O objetivo
é estabelecer condições de crédito, seja monetário ou de mercadoria, mais
baratos, de forma mais solidária e democrática, auxiliando o desenvolvimento
local (Santos Filho; Gonçalves, 2011).
Em um estudo para mapear as experiências dos FRSs foram delineadas
três categorias de classificação das experiências. Sendo assim, segundo
Barreto (2016, p. 101), foram elas: i) entidades de fomento, quando as
instituições incentivam grupos à autogestão ou à formação de iniciativas
de pequenos fundos rotativos. Os incentivos podem ser desde repasse de
recursos financeiros a ações de formação e assessoria; ii) entidades gestoras
que realizam a gestão dos recursos dos fundos rotativos, mas também podem
oferecer formação e assistência técnica; iii) entidades de apoio e fomento, que
realizam a gestão dos fundos rotativos e que acabam estimulando a criação
de outros.
47
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
48
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
9
Disponível em: https://www.institutobancopalmas.org/o-que-e-um-banco-comunitario/
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CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
MOEDAS SOCIAIS
Para estimular a produção e o consumo local, os BCDs lançam a moeda
social circulante local. Para seu funcionamento precisa passar antes por um
processo de legitimação, por meio de sensibilização da comunidade local. Há
também uma perspectiva de simbologia por parte da localidade na história e
identidade de cada território. Na lógica do uso da moeda social a economia se
pautaria em um protagonismo do social sobre a lógica mercantil (Rigo, 2014).
Muitos sistemas de moeda social têm seu surgimento por causa dos clubes
de troca,11 que se originaram na Argentina em 1995, tornando-se uma opção
na crise dos anos 2000 naquele país (Rigo; França Filho, 2017).
A moeda social é complementar à moeda fiduciária oficial e em relação
às funções clássicas de uma moeda sua característica se dá como meio de
troca. A adesão ao uso da moeda social tem deve voluntária e tem como
propósito a busca da inclusão social.
O processo de circulação da moeda pode ocorrer da seguinte forma:
i) Os usuários aderem ao sistema conforme buscam empréstimos, por meio
de recebimento de parte do salário ou quando trocam diretamente a partir
de reais no BCD; ii) a moeda é usada nos estabelecimentos cadastrados na
10
Disponível em: https://www.institutobancopalmas.org/como-implantar-um-banco-comunitario/
11
Os clubes de troca são grupos de comunidade que se reúnem para prover troca de produto.
Podem ocorrer por meio de troca direta de produtos, ou seja, escambo. Para facilitar a
intermediação das trocas alguns clubes lançam a moeda social.
53
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração deste texto teve o intuito de discorrer sobre alguns
mecanismos que fazem parte das finanças solidárias. As tecnologias sociais das
cooperativas de crédito solidário, dos fundos rotativos solidários e dos Bancos
Comunitários de Desenvolvimento são relevantes alternativas de crédito aos
empreendimentos econômicos solidários.
54
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
REFERÊNCIAS
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do mapeamento dos fundos de 2011 e 2012. In: Mercado de Trabalho: Conjuntura
e Análise, Brasília: Ipea; MTPS, a. 22, p. 101-108, abr. 2016. Disponível em: http://
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55
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
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FREITAS, A. F. de; FREITAS, A. F. de. Análise institucional de mudanças organi-
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Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Salvador, 2014. Disponível
em: http://www.adm.ufba.br/pt-br/publicacao/moedas-sociais-bancos-comuni-
tarios-brasil-aplicacoes-implicacoes-teoricas-praticas
RIGO, A. S.; FRANÇA FILHO, G. C.; LEAL, L. P. Os bancos comunitários de desenvol-
vimento na política pública de finanças solidárias: apresentando a realidade do
Nordeste e discutindo proposições. Desenvolvimento em Questão, Unijuí, v. 13,
n. 31, p. 70-107, 2015. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.
php/desenvolvimentoemquestao/article/view/3012
56
CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Carlos Frederico Bom Kraemer
Sites pesquisados
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://www.ibge.gov.br
Instituto Palmas. Disponível em: https://www.institutobancopalmas.org/
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C apítu lo 3
Política Pública
de Economia Solidária
P
ode-se afirmar que o tema sobre Política Pública de Economia Solidária
é recente no cenário brasileiro. No âmbito nacional, a criação da
Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), integrante do
então Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sob a liderança de Paul Singer,1
é considerado um marco para essa área do país, cuja finalidade consistia em
apoiar os trabalhadores sem emprego a se organizarem coletivamente em
cooperativas de produção autênticas e autogeridas (Singer, 2014).
As cooperativas são consideradas a unidade típica da economia
solidária, cujos princípios organizativos são: a posse coletiva dos meios de
produção; a gestão democrática como forma organizativa e de tomada de
decisão; a divisão da receita líquida entre os membros conforme discussão
e negociação em assembleias e, por fim, a destinação do excedente anual
denominado “sobra” por critérios estabelecidos entre os cooperados (Singer,
2000).
Importante salientar que a evidência na última década da economia
solidária no Brasil e em outros países das Américas e da Europa é reflexo
do agravamento da crise econômica e financeira em 2008, que promoveu a
estagnação e quando não a recessão da economia mundial. Como resultado
tem-se o aumento do desemprego e da pobreza, o que pode ser considerado
decorrência das políticas de “austeridade” do sistema financeiro global, cujo
objetivo é o corte da despesa pública somado ao caráter de focalização das
políticas sociais tendo como público beneficiário os mais pobres e necessitados
(Singer, 2014).
1
Possuía Doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e foi professor titular
da mesma instituição. Teórico do mundo de trabalho de inspiração marxista com diversos
livros, artigos publicados sobre economia solidária e temas afins. Crítico ao neoliberalismo,
atuou como defensor das cooperativas de trabalhadores como forma de organização coletiva
e autogestionária para o enfretamento do desemprego e da exclusão social. Contribuiu com a
fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual foi filiado, tendo histórico de militância
junto aos movimentos sindical e social (Nagem; Silva, 2013). Exerceu os cargos de Secretário
Municipal de Planejamento de São Paulo no período 1989-1992 e Secretário Nacional de
Economia Solidária durante os anos 2003 a 2016. Faleceu em 2018 aos 86 anos.
59
CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
2
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição” (Brasil, Presidência da República. Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988. Capítulo II dos Direitos Sociais, artigo 6º, 1988).
60
CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
3
Informações disponíveis em: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso em:
28 abr. 2020.
4
Informações disponíveis em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-
agencia-de-noticias/noticias/23325-desafios-do-mercado-de-trabalho-alimentam-debate-
sobre-direitos. Acesso em: 28 abr. 2020.
62
CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
5
Informações disponíveis em: https://www.rededegestoresecosol.org.br/ Acesso em: 27 abr.
2020.
64
CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
6
Informações disponíveis em: https://www.justatrama.com.br/ Acesso em: 27 abr. 2020.
65
CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
7
Em dezembro de 2019 o Projeto de Lei nº 137 de 2017 da Câmara (nº anterior PL 4685/2012)
foi aprovado, em revisão, pelo Senado Federal e remetido à Câmara dos Deputados. O Projeto
que dispõe sobre os empreendimentos de economia solidária, a Política Nacional de Economia
Solidária e o Sistema Nacional de Economia Solidária, passou a tramitar como PL 6606/2019.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idPropos
icao=559138. Acesso em: 29 abr. 2023.
76
CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
8
Informação disponível em: http://mds.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/quem-
e-quem/SENISP. Acesso em: 4 maio 2020.
81
CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
REFERÊNCIAS
BORDENAVE, J. E. D. O que é participação? São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
BRASIL. Pesidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 29 abr. 2023.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4.685/2012. Dispõe sobre
a Política Pública de Economia Solidária e os empreendimentos econômicos
solidários, cria o Sistema Nacional de Economia Solidária e dá outras providências.
2012a. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetram
itacao?idProposicao=559138. Acesso em: 4 maio 2020.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto nº 7.775 de 4 de julho de
2012b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/
decreto/d7775.htm. Acesso em: 4 maio 2020.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n° 11.947/2009 – PNAE –
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11947.htm Acesso em: 4 maio 2020.
BRASIL. Senado Federal. Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei nº 137/2017.
Dispõe sobre os empreendimentos econômicos solidários, a Política Pública de
Economia Solidária e o Sistema Nacional de Economia Solidária. 19 de outubro
de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetram
itacao?idProposicao=559138 Acesso em: 4 maio 2020.
CNES. Conselho Nacional de Economia Solidária. Secretaria Nacional de Economia
Solidária. Ministério do Trabalho e Emprego. I Conferência Nacional de Economia
Solidária. Economia Solidária como Estratégia e Política de Desenvolvimento.
9
Entrevista concedida por Paul Singer ao Programa Roda Viva da TV Cultura em 23 de março
2012 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=x4UGroAnq8I&t=323s. Acesso em:
4 maio 2020.
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CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
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CAPÍTULO 3 – POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Thais Soares Kronemberger
84
C apítulo 4
Educação Popular
e Economia Solidária
E
ste capítulo tem a finalidade de apresentar a Educação Popular e sua
interação com a Economia Solidária. A Educação Popular é vista como
práticas educativas emancipatórias, tendo sempre um direcionamento
político, as quais se constituíram da experiência dos movimentos sociais
e organizações da sociedade civil no Brasil. Também abordar a Economia
Solidária como uma forma de produção baseada na autogestão, no coopera-
tivismo e na solidariedade que se contrapõe às explorações existentes nas
relações de trabalho, típicas do capitalismo.
A Educação Popular constitui-se de diferentes experiências pedagógicas
e de formação humana, cujo desafio maior é a emancipação do homem e a
reinvenção da vida em sociedade (Zitkoski, 2010). Na condição de uma prática
político-pedagógica emergente no continente latino-americano, ela tem o foco
nas questões sociais e de resistência ao modo de produção capitalista (Rosa;
Silva, 2017).
No Brasil, a Educação Popular parte de um conjunto de práticas e
experiências egressas das classes populares, universidades, sindicatos, dos
campos e de populações excluídas socialmente. Esse processo educativo
também foi fruto de experiências da educação formal e de políticas públicas
nos três níveis de governo – municipal, estadual, federal (Brasil, 2014).
Neste trabalho será discutida a relação a Educação Popular com a
Economia Solidária e como esses dois temas convergem e contribuem para o
desenvolvimento de relações sociais e de trabalho mais justas e sustentáveis.
Para tanto, o capítulo está dividido em mais quatro seções além desta
introdução. Na segunda seção apresentam-se os conceitos de Educação
Popular e seus princípios fundadores. Na terceira, introduz-se o movimento da
Economia Solidária no Brasil, como ele se relaciona com a Educação Popular
e de que forma esses dois temas estão estruturados na sociedade. A quarta
seção traz as considerações finais do trabalho e a quinta as referências biblio-
gráficas.
86
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
EDUCAÇÃO POPULAR
A América Latina é um continente que foi palco de práticas
exploratórias das suas riquezas por parte de seus colonizadores. Pode-se
afirmar que grande parte dos problemas sociais é consequência desse
processo histórico de exploração em detrimento de um projeto de desenvol-
vimento que contemplasse os interesses das nações latino-americanas. Não
é por acaso a existência de um contexto de desigualdades sociais advindas
de séculos de exploração, fruto de uma concepção europeia de mundo que
naturalizava o processo de colonização e de neocolonização que perdura até
os dias atuais, ocasionando o que se chama de subdesenvolvimento (Rosa;
Silva, 2017).
Nesse contexto, a Educação Popular (EP) nasceu na América Latina,
em meados do século 20, como “instrumento de luta política e educativa
contra a hegemonia das classes dominantes, partindo dos saberes, das
experiências e das culturas das classes populares” (Mello, 2013, p. 69). É
uma corrente de resistência cultural e de pensamento contra ditaduras que
emergiram no continente latino-americano e se expandiu nos anos 70 e 80
(Mello, 2013).
Conforme Carrillo (2012), não haveria uma única maneira de
conceituar a EP, pois seu significado está enraizado em momentos históricos,
determinações políticas e visões de educadores. É possível, contudo,
identificar cinco elementos constituintes que permitirão sua conceituação.
a. A leitura crítica tanto da ordem social quanto do papel
desempenhado pela educação formal vigente.
b. A intenção política emancipatória em relação à ordem social
predominante.
c. O objetivo de contribuir para o fortalecimento dos setores
dominados como sujeitos históricos, capazes de serem
protagonistas da mudança social.
d. A convicção de que a partir da educação é possível contribuir para a
consecução dessa mudança, atuando sobre a subjetividade popular.
e. A geração e o uso de metodologias educacionais dialógicas, partici-
pativas e ativas.
87
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
Dialogicidade
O diálogo pressupõe o estabelecimento de relações horizontais, em
que as práticas sociais e educativas se dão a partir da compreensão de que
não há saber maior ou menor, mas saberes diferentes. É a partir dele que
se promovem, dialeticamente, novos conhecimentos. Com ele é possível
compreender a realidade e problematizar o mundo para transformá-lo.
O diálogo é o caminho para aprofundar a solidariedade e para superar
problemas. Por meio dele rompe-se se institui uma pedagogia emancipatória,
com cidadãos mais autônomos, críticos, criativos e éticos.
O diálogo entre o educador popular e as classes populares vai construir
a ação e a reflexão, possibilitando a troca de significados e o aprofundamento
na compreensão dos elementos constitutivos da realidade, proporcionando
a reconstituição simbólica do real e permitindo a construção de significados
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CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
Amorosidade
A educação deve ser um ato de amor (amar aos homens e ao mundo).
Somente uma educação carregada de amor possibilita a vivência do respeito,
humaniza e liberta as pessoas.
“O ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa da
libertação. Mas este compromisso, porque amoroso, é dialógico (...). Como
ato de valentia, não pode ser piegas, como ato de liberdade não pode ser
pretexto de manipulação, senão gerador de outros atos de liberdade. A não
ser assim, não é amor. Somente com a supressão da situação opressora é
possível restaurar o amor que nela estava proibido. Se não amo o mundo,
se não amo a vida, se não amo os homens/mulheres, não me é possível o
diálogo” (Brasil, 2014; Freire, 1987, 1986).
Conscientização
Consiste em compreender a realidade em suas múltiplas facetas, causas
e consequências. É inserção crítica na história quando indivíduos assumem o
papel de sujeitos ativos no mundo. Realiza-se quando os sujeitos se organizam
coletivamente para atuar sobre a realidade e transformá-la.
Quanto mais elevado o nível de conscientização, maior a capacidade
de “desvelamento” da realidade, pois mais se penetrará na compreensão do
objeto, ante o qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão,
a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma
posição falsamente intelectual, visto que a conscientização não pode existir
fora das “práxis”, sem o ato de ação- reflexão.
A consciência ingênua apoia-se em uma visão simplista sobre a
realidade e prefere exaltar o passado como referência para dizer o que é
o melhor. Além disso, é impermeável à investigação e, portanto, frágil na
discussão aprofundada dos problemas; a verdade é imposta e seu apelo
90
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
Realidade Concreta
A realidade concreta é sempre o ponto de partida. É, nos fatos
concretos, na vida cotidiana, que encontramos os elementos para o diálogo,
para a análise, para o intercâmbio de percepções, ligando o presente com o
passado e o futuro.
A realidade concreta supõe levantar tanto a visão de mundo dos
educandos quanto os dados objetivos do contexto em que acontecerão
as práticas sociais e as experiências educativas. Isto é, a educação popular
busca romper com uma perspectiva de educação “conteudista”, sem vínculo
e relação com a realidade dos sujeitos envolvidos.
A Educação Popular assume a realidade como uma totalidade concreta,
questionando a fragmentação do conhecimento, que leva por vezes a
excessivos graus de especializações que impedem, com isso, um entendimento
integrado das práticas sociais e simbólicas de determinado sistema social.
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CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
Construção do Conhecimento
O saber e o conhecimento de todos devem ser levados em conta, pois
não há conhecimento válido ou não, mas distintos saberes. Reconhece-se e
valorizam-se os conhecimentos prévios do povo e defende-se que por meio
do diálogo ocorre o intercâmbio dos diferentes saberes e a construção de um
novo e coletivo conhecimento.
A Educação Popular conjuga a pesquisa em educação com os processos
de participação popular, integrando, no mesmo processo político-pedagógico,
os educadores e os educandos.
No processo educativo, apreender e produzir conhecimento são
momentos centrais no ciclo de aprendizagens capazes de articular a teoria
e a prática, entre o conhecimento histórico construído e as experiências e
saberes dos educandos e das educandas.
Nesta concepção, a pesquisa é o instrumento que viabiliza, mediado
pelo diálogo, o aprofundamento da temática em estudo e a produção do novo
saber. Sem a atividade de pesquisa, ensino-aprendizagem e aprendizagem-
-ensino, tanto por parte do educador quanto por parte do educando e, apesar
das especificidades dos papéis, ambos estão em contínuo processo de ensinar
e aprender.
93
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
94
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
Por essa ótica, além dos dois polos (pragmático e idealista), esses
autores consideram que haveria espaço para se estabelecer formas interme-
diárias de se pensar a ES, e por consequência o viés pedagógico que se deseja
imprimir à formação dos atores desse movimento: ora tendendo para a visão
estratégica, ora para a substantiva.
Gontijo e Paula (2019, p. 7), com base em Silva (2004), Perriton e
Reynolds (2004), McLaren (1997), Freire (1989, 2002), relacionam esses dois
polos da formação em ES a duas concepções de ensino: a crítica e a neoliberal.
Enquanto a concepção neoliberal estaria afinada com os princípios de mercado
e do capitalismo, a concepção crítica de ensino teria como premissas:
• o processo de aprendizagem é analisado considerando-se o
contexto histórico, político, econômico e social;
• a sociedade também educa, não cabendo somente à escola esta
função;
• as escolas não são instituições neutras. Elas são o lócus de disputa
política, econômica, cultural e social;
• as escolas devem ser analisadas dialeticamente como estruturas
que reproduzem as desigualdades sociais e o discurso hegemônico,
ao mesmo tempo que criam alternativas para a resistência e
libertação destas dominações;
• a educação é uma formação tanto técnica quanto moral;
• a unidade de análise é social e não individual, dando ênfase aos
conceitos de comunidade e construção social da realidade;
• o objetivo é a emancipação dos grupos sociais e o desenvolvimento
de uma sociedade mais igualitária.
Esses autores estabeleceram um conjunto de diretrizes a partir da
literatura da área em que relacionam ES e educação (Gontijo; Paula, 2019, p. 6):
• educação como ato de diálogo;
• autoaprendizagem mútua;
• ciência aberta às exigências éticas de qualidade de vida;
• tecnologia social
• planejamento comunitário e participativo;
• caráter emancipador;
• autogestão;
• vivência prática.
95
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
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CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A complexidade de um mercado culturalmente voltado para as práticas
capitalistas e o histórico de opressão em que vive a América Latina e o Brasil
fazem surgir um movimento alternativo de cunho socioeconômico baseado
em valores humanísticos, éticos e de maior justiça social, a Economia Solidária.
Esse movimento é um alento aos excluídos do mercado de trabalho que
buscam libertação e autonomia na condução de sua vida. Os empreendedores
solidários, entretanto, precisam de capacitação e apoio para conquistarem
98
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
REFERÊNCIAS
ADAMS, Telmo et al. Tecnologia social e economia solidária: desafios educativos.
Diálogo, n. 18, p. 13-35, 2011.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. 1º Plano Nacional de Economia
Solidária 2015-2019. Brasília, 2015.
BRASIL. Secretaria-Geral da Presidência da República. Marco de Referência da
Educação Popular Para as Políticas Públicas. Brasília, 2014.
BRASIL. Secretaria Nacional de Economia Solidária, Ministério do Trabalho e
Emprego, Rede CFES. Referenciais Metodológicos de Formação e Assessoria
Técnica em Economia Solidária. Brasília, 2016.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Disponível em https://www.gov.
br/trabalho-e-previdencia/pt-br/noticias-e-conteudo/trabalho/repositorio-de-noti-
cias-trabalho/trabalho/ultimas-noticias/propostas-de-empreendimentos-economi-
cos-solidarios-e-sociais-receberam-r-25-milhoes-em-2017. Acesso em: 20 jan. 2018.
CARRILLO, Alfonso Torres. La educación popular: trayectoria y actualidad. Bogotá,
Colômbia: Editorial El Búho, 2012. 153 p.
FERRARINI, Adriane Vieira; ADAMS, Telmo. A educação popular na formação de
trabalhadores da economia solidária: avanços políticos e desafios pedagógicos.
Ciências Sociais Unisinos, v. 51, n. 2, p. 212-221, 2015.
99
CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO POPULAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA
Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira
100
C apítu lo 5
Empreendimentos
de Economia Solidária:
Natureza e Aspectos Legais
Diego Altieri
Pós-doutor pela FGV/Ebape e pesquisador no Programa de Estudos em Gestão Social
(Pegs) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É coordenador acadêmico e professor do
curso “Gestão e Economia Solidária” na Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro.
Possui Doutorado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
(FGV/Ebape) em cotutela com a Università degli Studi di Roma Tor Vergata (Itália).
diego.altieri@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O
s Empreendimentos de Economia Solidária (EESs) são organizações
coletivas formais ou informais de trabalhadoras e trabalhadores
e fundamentam-se nos princípios da cooperação, transparência,
autogestão, democracia, equidade, solidariedade e ação econômica (Singer,
2000; Razeto, 1993).
Estas organizações/empreendimentos agem com uma outra lógica de
racionalidade, em que há a valorização do indivíduo/grupo sobre o capital,
com uma tendência em se distanciar da racionalidade utilitária (Singer, 2000,
2002).
Os diversos empreendimentos de economia solidária propõem um
sistema alternativo de geração de trabalho e distribuição de renda no qual os
trabalhadores são os proprietários dos meios de produção, tomam decisões
de forma coletiva e compartilham os resultados entre todos os componentes
de forma equânime e justa. Isso exige que a cooperação seja o elemento
principal da racionalidade econômica dos EESs em substituição ao conceito
de lucratividade típico do mercado capitalista (Razeto, 1986; Singer, 2008).
O conceito abraça uma perspectiva de desenvolvimento sustentável
e socialmente justo voltado à redução da desigualdade social, ao consumo
consciente, à preservação ambiental e à garantia dos direitos fundamentais
dos cidadãos. Um avanço, portanto, em questões sociais e não apenas
econômicas (Gaiger, 2015).
As formas concretas de manifestação da Economia Solidária são
múltiplas e criam um verdadeiro “polimorfismo” organizacional. As principais
são:
• Cooperativas: referindo-se principalmente aos EESs de produção ou
de prestação de serviços com a finalidade de promover trabalho e
renda para os cooperados. Esta tipologia relaciona-se também aos
EESs de comercialização e de finanças (Brasil, 1971; Singer, 2000).
102
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
OS RAMOS DO COOPERATIVISMO
As cooperativas brasileiras atuam em diversas áreas e para facilitar a
organização e representação foram organizadas por sete ramos de atividades,
estabelecidas pela OCB desde abril de 2019, cada uma com o seu próprio
1
Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/1/agenda-institucional-do-cooperativismo.
Acesso em 2 abr.2020
104
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
Agropecuário
Este ramo reúne cooperativas de produtores rurais, agropastoris e de
pesca, em que os meios de produção são de propriedade dos cooperados.
Essas cooperativas têm o papel de estar à frente de toda a cadeia produtiva,
ou seja, de receber, comercializar, armazenar e industrializar a produção dos
cooperados, oferecendo assistência técnica e priorizando investimentos em
educação e na área social dos produtores cooperados. No Brasil, as primeiras
cooperativas agropecuárias foram organizadas em Minas Gerais a partir de
1907 com o objetivo primordial de eliminar os intermediários da comerciali-
zação da produção agrícola, em especial do café.
Consumo
Este ramo é formado pelas cooperativas dedicadas à compra em
comum tanto de produtos quanto de serviços de consumo para seus
cooperados. Tais cooperativas podem ser fechadas (admitem membros de
determinada categoria profissional, cooperativa ou sindicato) ou abertas
(qualquer pessoa pode associar-se). Com esta última reorganização dos ramos,
esta área incorpora também as cooperativas com o objetivo de contratar
serviços educacionais e para o consumo de serviços turísticos (antigamente
classificadas dentro do Ramo Turismo e Lazer). A Rochdale, definida como a
primeira cooperativa moderna do mundo, fazia parte desse ramo operando
na compra e venda comum de mercadorias. Assim como no Brasil, esse
ramo é definido o mais antigo com a Sociedade Cooperativa Econômica dos
2
As 13 áreas de atuação anteriores à reorganização do número de ramos do movimento
cooperativista nacional eram: Agropecuário, Consumo, Crédito, Educacional, Especial,
Infraestrutura, Habitacional, Produção, Mineral, Trabalho, Saúde, Turismo e Lazer, Transporte.
As razões da reorganização foram de tornar mais efetiva a comunicação com a base e ampliar
o alcance das ações de representação dos interesses do cooperativismo brasileiro.
105
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
Crédito
Fazem parte deste ramo as cooperativas que prestam serviços
financeiros a seus cooperados, com foco no incentivo à poupança e ao
financiamento das necessidades dos seus associados. No Brasil, em 1902 foi
instituída a primeira cooperativa de crédito no Rio Grande do Sul. Este modelo
foi utilizado em pequenas comunidades rurais para financiamento agrícola.
Hoje, este ramo do cooperativismo é o mais organizado com a presença de
redes de serviços financeiros, como a Sicoob, o Sistema de Cooperativas de
Crédito do Brasil, composto por 450 cooperativas singulares,16 cooperativas
centrais e a sua Confederação.
Infraestrutura
Composto pelas cooperativas que prestam serviços relacionados à
infraestrutura a seus cooperados, tais como energia e telefonia. Conhecidas no
Brasil como cooperativas de eletrificação e de telefonia rural, alguns exemplos
referem-se à geração e compartilhamento de energia elétrica, seja por repasse
de energia de concessionária ou por geração própria.
O ramo habitacional e as suas cooperativas de construção de imóveis
para moradia foram incorporados a esta área. O objetivo destas cooperativas
é a construção, manutenção e administração de conjuntos habitacionais para
seus cooperados.
Saúde
O segmento é constituído por cooperativas voltadas para preservação
e promoção da saúde humana. Na última década assistimos à formação de
novas cooperativas incluindo médicos, dentistas, psicólogos, entre outros
profissionais de saúde. A primeira cooperativa médica foi fundada em Santos
(SP), em dezembro de 1967. Este ramo surgiu no Brasil e é visto como pioneiro
para outros países nos quais se expandiu o segmento.
Transporte
Este ramo é formado por cooperativas que atuam na prestação de
serviços de transporte de cargas e passageiros, em que os cooperados são
proprietários dos veículos cujo objetivo é agrupar profissionais autônomos
e dividir entre eles os fretes e serviços de transportes. São exemplos as
cooperativas de transporte individual de passageiros (táxi e moto-táxi), o
transporte coletivo de passageiros (vans e ônibus), o transporte de cargas
(caminhões e furgões) e o transporte escolar.
3
Mais informações sobre a Carta de Princípios da Economia Solidária estão disponíveis em: https://
fbes.org.br/2005/05/02/carta-de-principios-da-economia-solidaria/. Acesso em: 27 mar. 2020
4
Disponível em: https://www.ica.coop/en/cooperatives/cooperative-identity. Acesso em: 27
mar. 2020.
107
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
109
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
5
Alguns exemplos são as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs),
entidades como o Sistema OCB, a Sebrae e movimentos como o Movimento Nacional de
Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).
110
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
6
A Portaria MTE 1.780/2014 instituiu o Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos
Solidários – Cadsol. Disponível em http://portal.mte.gov.br/trabalhador-economia-solidaria/
cadsol. Acesso em: 5 abr. 2020.
113
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
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CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hoje no Brasil a economia solidária expressa-se por meio dos empreen-
dimentos econômicos solidários, destacando-se que as cooperativas são as
tipologias mais comuns e difundidas.
Singer (2003, p. 116) declara que a economia solidária é um conceito
extensivamente utilizado em diversas partes do mundo, “com acepções
variadas, mas que giram todas ao redor da ideia da solidariedade, em
contraste com o individualismo competitivo que caracteriza o comportamento
econômico padrão nas sociedades capitalistas”.
No Brasil existem duas vertentes cooperativistas chamadas de coopera-
tivismo popular ou solidário e cooperativismo tradicional ou capitalista. As
diferenças são baseadas na dimensão política das primeiras e no alto grau
de formalização das segundas. Enquanto o cooperativismo tradicional
está associado a uma visão empresarial dos empreendimentos, utilizando
ferramentas gerenciais vinculadas ao mercado competitivo e à racionalização
administrativa e organizacional; o cooperativismo popular está associado
ao conceito de autogestão e ao estabelecimento de espaços democráticos
para uma maior integração econômica dos excluídos, viabilizando melhores
oportunidades de trabalho e um melhor nível de renda por meio de um
comércio justo, solidário e sustentável.
A Lei n. 12.690/2012 e o Projeto de Lei 137/2017,7 que dispõe sobre a
Política Nacional da Economia Solidária e os empreendimentos econômicos
solidários, são os marcos regulatórios para a ascensão do autêntico coopera-
tivismo focado no bem comum e na transformação social de todos os seus
envolvidos, fortalecendo a cidadania e a democracia.
REFERÊNCIAS
ANGHER, A. J. (org.). Novo Código Civil: Lei Nº 10.406/2002. 1. ed. São Paulo:
Rideel, 2003.
7
No dia 11 de dezembro de 2019, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 137 de 2017 e
o remeteu à Câmara dos Deputados para analisar as alterações feitas na Comissão de Assuntos
Econômicos. Para consultar notícias vinculadas e tramitação do projeto de lei acessar o site
do Senado Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/131528. Acesso em: 3 abr. 2020.
116
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
117
CAPÍTULO 5 – EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: NATUREZA E ASPECTOS LEGAIS
Diego Altieri
118
C apítulo 6
Comercialização, Prestação de
Serviços e Construção de Redes
na Economia Solidária
O
trabalho serial, em larga escala, com forte padronização, uniformização
e calçado em uma lógica de forte controle revela um modelo ideológico
de produção, que transborda para processos de comercialização dentro
de uma concepção conhecida como taylorista-fordista (Correa et al., 2007). Tal
modelo difere da prática da Economia Solidária, que possui uma concepção
dialógica, cooperativa e colaborativa. É na comercialização e na prestação de
serviços, contudo, que as realidades taylorista-fordista com a Economia Solidária
muitas vezes se encontram e, em alguns casos, dividindo o mesmo espaço de
uma feira livre ou a mesma prateleira de uma mercearia.
É na comercialização e na prestação de serviços que se identifica forte
relação com a geração de renda dos trabalhos na Economia Solidária.
O processo de comercialização e prestação de serviços em Empreendi-
mentos Econômicos Solidários (EESs) mostra-se como um grande desafio na
atualidade brasileira. De acordo com diversos estudos realizados (Ipea, 2016;
Gaiger, 2017; Rêgo, 2017) ao longo dos últimos anos, o cenário delineado no
caso brasileiro é de muita dificuldade para a comercialização e prestação de
serviços para EES, considerando que “por volta de 61% dos empreendimentos
afirmaram ter dificuldades na comercialização. Em virtude disso, a comercia-
lização figura como tema de Conferências Temáticas na Conferência Nacional
da Economia Solidária, bem como em eixos temáticos tanto das Plenárias
Nacionais de Economia Solidária como de Grupos de Trabalho do Fórum
Brasileiro de Economia Solidária” (Rêgo, 2017, p. 5).
O tema da comercialização e prestação de serviços na Economia
Solidária ganhou contornos dramáticos quando da conjuntura presente, em
que o quadro de pandemia fez com que a realização de feiras livres e outras
atividades de circulação nas cidades e contatos pessoais sejam evitados
ou proibidos,1 O impacto na realidade local é gigantesco, juntamente onde
1
Aqui se faz referência ao fato ocorrido no dia 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial
da Saúde (OMS) declarou o surto causado pelo novo Coronavírus (Sars-CoV-2) como pandemia.
Com milhares de contaminados e mortos espalhados pelo Brasil e pelo mundo, uma das medidas
indicadas pela OMS para contenção da pandemia foi o isolamento social, o que inclui quarentena
em várias cidades com limitação das atividades comerciais, eventos sociais, entre outras ações.
120
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
2
O mapeamento efetuado data de 2013. Para mais detalhes acessar http://sies.ecosol.org.br/
121
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
122
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
0,19
0,69 0,16
0,37
123
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
3
Para mais detalhes ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/
D10024.htm
124
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
0,24
0,56
0,54
125
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
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CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
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CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
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CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
129
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A necessidade de se desenvolver caminhos para superação dos desafios
enfrentados para comercialização e prestação de serviços em Empreendi-
mentos Econômicos Solidários é cada vez mais presente. Os dados que foram
analisados e discutidos ao longo deste capítulo deixam claras a diversidade e
a complexidade exigida para a superação dos desafios impostos.
Um dos caminhos apontados na literatura envolve a construção de redes
que possam remontar as cadeias produtivas dos empreendimentos. Trata-se
de uma missão desafiadora. Sem integração à realidade dos Empreendimentos
Econômicos Solidários continuaram enfrentando um ambiente mercadológico
bastante hostil e desigual. A superação das dificuldades apresentada passa
por um processo de maior integração nas diversas fases da cadeia produtiva:
produção, distribuição, comercialização, são elementos que devem ser vistos
de maneira integrada e, mais do que isso, deve-se buscar a integração entre
os diferentes EESs para construção de redes.
130
CAPÍTULO 6 – COMERCIALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONSTRUÇÃO DE REDES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Júlio Cesar Andrade de Abreu
REFERÊNCIAS
CORREA, J. J. et al. Produção, comercialização e consumo solidários. In: Caderno de
aprofundamento aos debates, Rumo à IV Plenária Nacional de Economia Solidária.
Brasília: Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), 2007.
COSTA, Caio César de Medeiros; TERRA, Antônio Carlos Paim. Compras públicas:
para além da economicidade. Brasília: Enap, 2019.
GAIGER, Luiz Inácio. The Solidarity Economy in South and North America:
Converging Experiences. Bras. Political Sci. Rev., São Paulo, v. 11, n. 3, e0002,
2017.
HIGA, Willian Toshio Minatogawa. As redes de economia solidária: convergências e
divergências entre a cidadania e a inovação tecnológica. In: SIMPÓSIO ESTADUAL
LUTAS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA, 1., 2005. Londrina, PR: Gepal – Ciências
Humanas UEL, 2005.
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Novos dados do mapeamento de
economia solidária no Brasil: nota metodológica e análise das dimensões socioes-
truturais dos empreendimentos. Brasília, DF: Ipea, 2016.
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A experiência da rede brasileira
de comercialização solidária (Rede ComSol). In: Mercado de Trabalho: Conjuntura
e Análise, Brasília, DF, n. 62, abr. 2017.
MANCE, Euclides André. Cadeias produtivas em economia de rede. Revista
Candeia, a. I, n. 1, 2000.
MANCE, Euclides André. Redes de colaboração solidária. (Objeção 10). Petrópolis:
Editora Vozes, 2002.
MTE; SENAES. Estratégia territoriais de inclusão socioprodutiva. 2012. Brasília, DF:
Ministério do Trabalho; Secretaria Nacional de Economia Solidária,
RÊGO, Diogo Ferreira de Almeida. As dificuldades de comercialização da economia
solidária. Revista Mundo do Trabalho Contemporâneo, São Paulo, v. 2, n. 1, 2017.
SIES. Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária. Ecosolidária. 2014.
Disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies.asp. Acesso em: 1º jan. 2020.
131
C apítulo 7
O Movimento da
Economia Solidária
e Sua Articulação
A
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) foi
um marco nas políticas de fomento à participação social no Brasil, O
texto constitucional garantiu o Estado Democrático de Direito como
nunca antes previsto na mais alta e importante norma no sistema jurídico
nacional. Como exemplo a CRFB/88 prevê a participação em organizações
para fins pacíficos e lícitos sob o tema dos direitos e garantias fundamentais.
Mais que uma previsão constitucional a participação social em diversos
dispositivos da Constituição, incluindo o artigo 5º (Direitos e Garantias
Fundamentais) também é frequentemente associada ao desenvolvimento nas
suas diversas instâncias, sejam elas locais, estaduais, territoriais, regionais ou
nacional.
Aqui surgem duas questões que serão abordadas nesta seção: (i) a
questão de alcance da população, dada a territorialidade ou demais níveis
geográficos e (ii) a participação social como instrumento do desenvolvimento,
quando se intensifica a leitura sobre o desenvolvimento na área da Economia
Solidária.
Amadurecer a Economia Solidária e manter a engrenagem do tema
funcionando na conjuntura capitalista globalizada atual tem suma importância
para uma sociedade em transformação e que sofre extremas pressões
mercadológicas, como o Brasil do século 21. Como será abordado, a Economia
Solidária é parte integrante dos pilares do desenvolvimento que se busca de
uma sociedade em metamorfose, como é a brasileira.
A multidimensionalidade elucidada por Sachs (2008)1 introduz a perspectiva
de se ampliar a visão das reais necessidades de uma sociedade, tornando-se
possível observar que o desenvolvimento não parte apenas de questões
1
Sachs (2008) traduz a muldimensionalidade do desenvolvimento como sendo as diversas
dimensões que existem para serem igualmente fortalecidas para que haja real avanço de uma
sociedade. Entre alguns exemplos de dimensões estão: ambiental, econômica, social, política,
tecnocientífica, mas estas não excluem a inclusão de outras como o autor deixa evidente ao
longo de sua obra, como é o caso da Economia Solidária especificamente.
133
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
2
Vide artigos 1º, 18, 19 e 29 e seguintes da Constituição da República Federativa do Brasil
(1988).
3
O Distrito Federal (DF) é região autônoma que possui atribuições mistas (dos Estados e dos
municípios). O único município do DF é Brasília, que possui a subdivisão em cidades-satélites
e Regiões Administrativas (RAs).
135
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
4
[...] a gestão social pode ser apresentada como a tomada de decisão coletiva, sem coerção,
baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido
como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim último
(Cançado; Tenório; Pereira, 2011, p. 697).
137
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
138
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
5
Há mais quatro critérios que foram suprimidos, pois de acordo com o relatório final, tais
disposições ainda precisam de regulamentação. Caso o leitor tenha interesse na leitura do
documento completo, sugerimos ler (FBES, 2012) que se encontra no referencial teórico com
o link para acesso ao documento.
141
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
6
Ainda são critérios de avaliação específicos para Fóruns Estaduais: dar apoio para os
representantes da coordenação nacional articularem as microrregionais e as coordenações
estaduais devem ter representantes das microrregiões (FBES, 2012, p. 106).
142
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
143
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que a economia solidária em seu histórico de
construção apresenta-se como uma alternativa de desenvolvimento local a
partir da promoção de práticas coletivas, que visem ao bem comum, diante de
um sistema capitalista vigente, que defende o individualismo metodológico,
social e de mercado como único caminho para seu crescimento econômico, que
pode até demonstrar resultados individuais positivos de crescimento de divisas,
entretanto não resulta em práticas de desenvolvimento coletivo nem territorial.
Cabe a ressalva no antagonismo entre crescimento e desenvolvimento,
em que o primeiro (crescimento) é individual, visando ao benefício de uma
única pessoa ou de determinado grupo, a partir da exploração humana e/ou
de recursos naturais de seu entorno, enquanto o segundo (desenvolvimento)
preza pela promoção do coletivo a melhoria de todos e a conservação de
práticas e espaços naturais de forma consciente e solidária, em que o diálogo
e as práticas horizontalizadas são o centro de todo o processo. Por tais motivos
pontuamos a Economia Solidária como instância voltada para o desenvolvi-
mento, com uma vertente muito mais humanística do que o puro e simples
crescimento promovido por instâncias financeiras e de mercado.
Após muitos anos de luta, a Constituição Federal brasileira de 1988
apresentou mudanças no cenário da prática social (entre elas as instâncias
de Economia Solidária), abrindo a possibilidade de uma maior participação
popular direta, vinculada a uma série de garantias de direitos como os
presentes nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal, assim como a abertura
de cenários nos quais o controle social, vinculado à remodelação dos sistemas
de distribuição de recursos e participação direta dos municípios nas instâncias
de gerenciamento e aplicação de políticas públicas e sociais no âmbito local,
se tornaria prática.
Nessa perspectiva a sociedade civil organizada, a partir de instâncias de
gestão e controle social, Economia Solidária e autogestão vem suprir vários
segmentos, visto o cenário de múltiplas necessidades, principalmente em
regiões periféricas do Brasil, que encontram na economia local, na ajuda mútua
e nos processos em rede, alternativas para a continuidade de sua existência.
É fato que o Brasil avançou muito no que se refere à Economia Solidária
e seus desdobramentos nos últimos anos, principalmente a partir do início do
século 21, permeado por políticas públicas de incentivo, a criação de fóruns,
146
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
REFERÊNCIAS
ARCANJO, Maria Antonia Silva de; OLIVEIRA, Ana Luíza Matos de. A criação da
Secretaria Nacional de Economia Solidária: avanços e retrocessos. Revista Perseu:
História, Memória e Política, v. 13, p. 231-249, 2017.
CANÇADO, A. C.; SAUSEN, J. O.; VILLELA, L. E. Gestão social versus gestão
estratégica. In: TENÓRIO, F. G. (org.). Gestão social e gestão estratégica:
experiências em desenvolvimento territorial. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
CANÇADO, A.; TENÓRIO, F. G.; PEREIRA, J. R. Gestão social: reflexões teóricas e
conceituais. Caderno EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 681-703, set. 2011.
FBES. Fórum Brasileiro de Economia Solidária. PLENÁRIA NACIONAL DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA, 5., 2012. Luziânia, 2012. Disponível em: http://fbes.org.
br/wp-content/uploads/Acervo/Institucional/Documento_final_V_Plenaria_
es.pdf. Acesso em: 21 maio 2019.
FBES. Fórum Brasileiro de Economia Solidária. O FEBS. Brasília, 2019. Disponível
em: http://fbes.org.br/o-fbes/. Acesso em: 20 mar. 2019.
IBGE. Cidades e Estados. Brasil. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.
ibge.gov.br/cidades-e-estados.html. Acesso em: 20 mar. 2019.
147
CAPÍTULO 7 – O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA ARTICULAÇÃO
Riyuzo Ikeda Júnior – João Eduardo Branco de Melo – Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
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C apítu lo 8
Autogestão:
Teoria e Prática
1
Nascido no império austro-húngaro em 1892, tornou-se em 1937 comandante supremo
das forças armadas e destacamentos de guerrilheiros Em 1943 foi eleito presidente Comitê
Nacional de Libertação da Iugoslávia e presidente da República Federativa Socialista da
Iugoslávia entre 1953 e 1980 (ano de seu falecimento).
150
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Carlos Alberto Sarmento do Nascimento – João Eduardo Branco de Melo – Riyuzo Ikeda Júnior
Assim como a questão das decisões, outro entrave que recai na rotina
das organizações autogestoras é com relação ao respeito às particularidades
de cada ator. Nesse sentido o pensar distinto dentro de uma organização
associativa não se apresenta como problema, e as individualidades devem ser
respeitadas e estimuladas, porém segue-se a obediência ao que foi decidido
em consenso pela maioria.
Por tal, esse perfil organizacional deve ter em sua estrutura a liberdade
de mudanças, saídas de antigos membros que não se identificam com
possíveis novas mudanças, assim como a abertura para entrada de novos
participantes (ainda que condicionada à aprovação do coletivo), a questão
do respeito às particularidades dos indivíduos recai na aplicação das regras,
princípios, transparência e distribuição das ações.
Por essa série de questões apresentadas, as organizações autogestoras
são relacionadas com o conceito de gestão social (que tem historicamente sua
aplicação na administração pública e nas políticas públicas e sociais), servindo
de forma adequada à questão organizacional, associativa e cooperada de
economia solidária à medida que “a gestão social, reforça-se a emancipação
e quanto mais emancipação, mais fácil se torna perceber o interesse bem
compreendido. Dessa forma, a gestão social tem um potencial intrínseco de
se devolver e se reforçar a partir da própria prática” (Tenório, 2013, p 19-20).
Práticas estas que têm na gestão social e no processo dialógico
(Habermas, 2012) sua sustentação ao substituir relações hierárquicas, pela
oportunidade da concepção de uma instituição mais horizontalizada, humana,
orientada no propósito do bem comum e desenvolvimento de todos os
participantes como propósito-fim.
155
CAPÍTULO 8 – AUTOGESTÃO: TEORIA E PRÁTICA
Carlos Alberto Sarmento do Nascimento – João Eduardo Branco de Melo – Riyuzo Ikeda Júnior
AUTOGESTÃO NA PRÁTICA
Nesta segunda parte deste capítulo será abordado o conceito de
autogestão a partir da realidade vivenciada no Empreendimento Econômico
Solidário – EES – das “Morenas do Divino”, localizado no interior do Estado
de Santa Catarina, destacando algumas práticas autogestionárias observadas
a partir de sua práxis. Este EES foi vencedor do V Prêmio Odair Firmino de
Solidariedade, organizado pela Cáritas Brasileira, o que evidencia uma
trajetória de empenho, autogestão, cooperação e solidariedade.
Cabe salientar ainda que não buscamos neste capítulo relatar
apenas um caso de sucesso, mas sim alguns indícios de como a autogestão
se apresenta na prática diária, lembrando que a autogestão acontece de
várias formas diferentes, variando de empreendimento para empreendi-
mento.
156
CAPÍTULO 8 – AUTOGESTÃO: TEORIA E PRÁTICA
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2
O conceito de tecnologia social abordado neste trabalho “compreende produtos, técnicas ou
metodologias replicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem
efetivas soluções de transformação social” (Rodrigues; Barbieri, 2008, p. 1.070).
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Carlos Alberto Sarmento do Nascimento – João Eduardo Branco de Melo – Riyuzo Ikeda Júnior
Fonte: https://www.facebook.com/Morenas-Do-Divino-1481246405298324/
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CAPÍTULO 8 – AUTOGESTÃO: TEORIA E PRÁTICA
Carlos Alberto Sarmento do Nascimento – João Eduardo Branco de Melo – Riyuzo Ikeda Júnior
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que o rito da autogestão em empreendimentos
solidários tem suas práticas criadas “recentemente” em comparação com
outros segmentos, atuando de forma horizontalizada, menos desigual e
buscando a valorização de práticas coletivas e participativas. Nesse sentido
o conceito de autogestão deixa de ter papel meramente formal e passa a
demonstrar a importância das relações humanas de forma racional em
sociedade.
162
CAPÍTULO 8 – AUTOGESTÃO: TEORIA E PRÁTICA
Carlos Alberto Sarmento do Nascimento – João Eduardo Branco de Melo – Riyuzo Ikeda Júnior
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Rosangela Nair de Carvalho. A economia solidária como política pública:
uma tendência de geração de renda e ressignificação do trabalho no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2007.
CANÇADO, Airton Cardoso. Autogestão em cooperativas populares: os desafios
da prática. 2004. 134 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2004.
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C apítulo 9
1
Versão anterior deste texto foi publicada em 2013: Cançado, Airton Cardoso; Vieira, Naldeir
dos Santos. Uma discussão em torno das diferenças entre cooperativas tradicionais e
populares. Bahia análise & Dados, v. 23, n. 1, jan./mar. 2013, p. 9-85. A opção por publicar
esse texto em formato de capítulo de livro vem de uma demanda do curso de Gestão e
Economia Solidária, organizado pela Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro em parceria
com as seguintes universidades: FGV, UFRRJ, UERJ, UFF, UFT e Ufla. O capítulo será usado
como apostila para um dos módulos do curso.
INTRODUÇÃO
A
discussão deste trabalho surge em um contexto de emergência do
tema da economia solidária no Brasil, associado, intimamente, com
as mudanças no mundo do trabalho (desemprego, flexibilização da
legislação trabalhista, economia informal) (França Filho, 2008). A partir da
década de 80 do século passado, o tema aflora no país e toma impulso na
segunda metade da década seguinte, diretamente associado à luta contra
o desemprego em massa, agravado com a abertura às importações (Singer,
2003a). Esta emergência está ligada a um contexto de aprofundamento da
exclusão social (França Filho, 2002, 2008).
A organização de populações excluídas em bases associativo-solidárias
pode ser entendida, também, como uma reação deste estrato da população
e da própria sociedade civil organizada contra o aumento desta situação de
desemprego. Diversas pesquisas realizadas pelo Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese – a partir de 1998, nos
mostram que esta situação ainda persiste. Mesmo com a retomada do
crescimento, o número de empregos “formais” ainda se mostra insuficiente.
Neste contexto, as cooperativas tornaram-se instrumentos para que a
população que estava à margem do mercado de trabalho pudesse atingir seus
objetivos por meio da atividade produtiva de forma coletiva. Autores como
Moura e Meira (2002), Singer (2002, 2003a, 2003b), França Filho e Laville
(2004) e Bahia (2004) consideram estes empreendimento como diferentes
das cooperativas tradicionais, denominando-os de cooperativas populares.
Por não definirem este conceito, no entanto, surge, então, o questiona-
mento: O que são cooperativas populares? A inexistência de uma resposta a
este questionamento é resultado do fato de que tanto a economia solidária
como o cooperativismo popular, uma de suas formas de expressão, ainda
carecem de estudos mais aprofundados para delineamento e sedimentação
de seus conceitos. Em decorrência, neste trabalho, o objetivo é colaborar na
construção de um conceito para cooperativa popular a partir do que já foi
desenvolvido em trabalhos anteriores (Cançado, 2007).
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CAPÍTULO 9 – PARA A APREENSÃO DE UM CONCEITO DE COOPERATIVA POPULAR: ENTENDENDO
E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
Airton Cardoso Cançado – Naldeir dos Santos Vieira
ECONOMIA SOLIDÁRIA
A literatura trata a autogestão como uma das condicionantes de
autenticidade, tanto da economia solidária como um todo quanto do coopera-
tivismo popular como uma forma de sua expressão. Entre os autores podemos
citar os trabalhos de Singer (2002), França Filho e Laville (2004), Moura e
Meira (2002), Arruda (1996), Bocayuva (2003), Gaiger (2000), Justino (2002),
Nakano (2003) e Oliveira (2003). Em nenhum destes trabalhos, porém, existe
uma definição clara acerca do conceito de cooperativa popular.
Para Proudhon, segundo Motta (1981, p. 166), autogestão é “[...] a
negação da burocracia e de sua heterogestão, que separa artificialmente
uma categoria de dirigentes de uma categoria de dirigidos”. Segundo Mandel
(1977), a autogestão tem um caráter de esforço-retorno proporcional ao
trabalho, cabendo ao trabalhador decidir sobre a amplitude deste esforço pelo
menos enquanto os recursos são escassos. Cançado (2007), em um trabalho
mais específico sobre o tema da autogestão em cooperativas populares,
define autogestão como um modo de organização do trabalho, em que não
há separação entre sua concepção e execução, os meios de produção são
coletivos e que pode ser caracterizado como um processo de educação em
constante construção na organização. De acordo com estas definições, então,
a autogestão seria a não separação entre concepção e execução do trabalho.
Podem ser identificadas três abordagens acerca do conceito de
economia solidária. Segundo Marcos Arruda (1996), a economia solidária
pode ser considerada um “outro modo de vida”, em que os valores percebidos
vão muito além da competição característica da sociedade capitalista. Outra
vertente entende o movimento da economia solidária como uma alternativa
ao modo de produção vigente. Este grupo, do qual faz parte Paul Singer
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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(2002), acredita ser possível que outras relações entre os seres humanos
são possíveis, para além da divisão internacional do trabalho. Uma terceira
abordagem caracteriza a economia solidária como uma alternativa aos setores
populares, com a organização associativa dos trabalhadores revelando-se uma
saída para “sobreviver ao neoliberalismo”. Esta última abordagem é mais
evidente no país, e, entre os autores que abordam esta perspectiva, podemos
citar Gaiger (2000).
Segundo França Filho (2006a), a economia solidária pode ser percebida
de duas formas distintas. A primeira, classificada pelo autor como Insercional-
-Competitiva, acredita que os empreendimentos solidários devem se preparar
para enfrentar o capital de frente, via profissionalização dos empreendi-
mentos, em uma perspectiva próxima ao empreendedorismo. A segunda
forma, que o autor classifica como Sustentável-Solidária, discute outras
possibilidades para a sustentabilidade dos empreendimentos de economia
solidária, a qual se daria por meio da interação entre os próprios empreendi-
mentos, pela formação de redes de consumo-produção e ainda pela inserção
dos empreendimentos na perspectiva do comércio justo.
Desta maneira, a economia solidária é um conceito ainda em construção
(Singer, 2002), apesar de todos esses anos. Existe, no entanto, consenso de
que a autogestão é condição básica para que os empreendimentos possam
ser caracterizados como de economia solidária. França Filho (2002), Justino
(2002), Singer (2002), França Filho e Laville (2004), por exemplo, compartilham
desta opinião. Parece-nos razoável, então, entender que, mesmo que não
seja a única característica destes empreendimentos, a autogestão tem papel
central na economia solidária.
No país, o governo federal já acenou com políticas públicas relacionadas
ao apoio e fomento a empreendimentos solidários, como a criação da
Secretaria Nacional de Economia Solidária – Senaes2 – e o Programa Primeiro
2
Mais informações sobre o processo de constituição da Senaes em Oliveira (2003) e no site
www.mte.gov.br/economiasolidaria/default.asp. No governo Temer a Senaes foi rebaixada
à Subsecretaria. Desde janeiro de 2019 foi realocada no Ministério da Cidadania, dentro
da Secretaria de Inclusão Social e Produtiva Urbana, desconsiderando uma grande parte de
empreendimentos rurais (Ribeiro, 2020).
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
Airton Cardoso Cançado – Naldeir dos Santos Vieira
3
Mais informações sobre a primeira versão do PPE, no site www.mte.gov.br/primeiroemprego.
A atual configuração pode ser conferida no site: https://valor.globo.com/brasil/
noticia/2019/11/11/governo-lanca-programa-de-estimulo-ao-emprego-para-jovens-maiores-
de-55-anos-ficam-de-fora.ghtml
4
Mais informações sobre as ITCPs (ITCP-UFRJ, [199-]) e Justino (2002) e no site: http://www.
itcp.coppe.ufrj.br/
5
Mais informações sobre outras formas de expressão da economia solidária, em Singer (2002),
Bocayuva (2003), Silva JR. e França Filho (2003) e França Filho e Laville (2004).
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CAPÍTULO 9 – PARA A APREENSÃO DE UM CONCEITO DE COOPERATIVA POPULAR: ENTENDENDO
E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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Incubação entendida como processo temporário de apoio à cooperativa para que ela possa
se organizar e depois se autosustentar, organizada de modo autogestionário (Cançado, 2007).
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CAPÍTULO 9 – PARA A APREENSÃO DE UM CONCEITO DE COOPERATIVA POPULAR: ENTENDENDO
E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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ORIGENS DO COOPERATIVISMO:
RESPOSTA AOS DESMANDOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Para entender o cooperativismo popular na atualidade, faz-se
necessário resgatar o cooperativismo como um movimento específico,
com suas origens no século 19, na Revolução Industrial, e, por outro lado,
a retomada do movimento como cooperativismo popular marcado pelo
contexto da exclusão social.
A Cooperativa dos Probos Pioneiros Equitativos de Rochdale
(Manchester, Inglaterra) pode ser considerada a primeira cooperativa
moderna. Diversos autores concordam com esta opinião, pois esta cooperativa,
registrada como Friendly Society, foi a primeira organização desta natureza que
sistematizou seus princípios e valores em seu estatuto. Entre estes autores
podemos citar: Maurer Jr. (1966), Carneiro (1981), Schneider (1999), Singer
(2000, 2002), Crúzio (2002), Bocayuva (2003), Cançado (2007) e Cançado et
al. (2012).
A constituição da Cooperativa de Rochdale, em 1844, é marcada pelo
contexto da exploração do trabalho em plena Revolução Industrial. Esta
primeira experiência deu-se como uma cooperativa de consumo, formada
por 28 operários (27 homens e uma mulher) qualificados em diversos ofícios.
Posteriormente o cooperativismo se difundiu, primeiro pela Europa e depois
pelo mundo (Maurer Jr., 1966; Carneiro, 1981; Singer, 2000, 2002).
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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7
O cartismo, ou movimento cartista, segundo Schneider (1999, p. 41), pregava a emancipação
do proletariado pela via política por meio do direito do voto, e foi “[...] a primeira importante
mobilização em prol da conscientização da classe proletária”.
8
O irlandês Feargus O’Connor, segundo Schneider (1999, p. 43), era um crítico de Owen e dos
owenistas, pois os considerava utópicos, “[...] já que não conseguiam melhorar efetivamente
as condições do trabalhador”. Foi um dos líderes do cartismo, porém com tendência mais
moderada, e após as insurreições fracassadas optou “[...] pela criação de comunidades rurais,
baseadas na propriedade privada e onde algumas funções da atividade econômica se exerciam
de forma cooperativa”.
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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9
A evolução destes princípios é discutida em Schneider (1999) e Cançado e Gontijo (2009).
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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Os Princípios Essenciais de Fidelidade aos Pioneiros eram obrigatórios para a adesão à ACI,
enquanto os Métodos Essenciais de Ação e Organização tinham apenas caráter de orientação
(Schneider, 1999).
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Como se pode notar, Silva (1986) tem uma visão de cooperativa mais
próxima da autogestão. Silva fala em “trabalho harmônico em conjunto” e
Verhagen, de divisão equitativa dos custos, riscos e benefícios. Nestes dois
casos, a heterogestão é estranha à cooperativa.
Além desses conceitos, as definições do Dicionário do pensamento
marxista e do Dicionário básico do cooperativismo são respectivamente:
[...] a cooperação, para Marx, é a negação do trabalho assalariado. O
movimento cooperativo representa uma vitória preliminar da economia
política da classe trabalhadora sobre a dos proprietários. A cooperação
jamais poderia derrotar o monopolismo, a menos que se desenvolvesse
em dimensões nacionais (Bottomore, 1983, p. 20).
[...] um movimento social, cuja sociedade é definida em função do fator
trabalho (proporção de trabalho que cada sócio dedica à cooperativa),
tem por objetivo realizar uma atividade econômica, que ofereça
benefícios mútuos e onde o interesse das pessoas prevaleça sobre os
interesses dos portadores de capital. (Tech, 2000, p. 71).
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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A OCB é o órgão de representação do cooperativismo no país. Mais informações no site:
http://www.ocb.org.br.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a delimitação do conceito de cooperativas populares, salienta-se
que o objetivo não é segmentar o movimento cooperativista, o que seria uma
ideia estranha ao próprio termo cooperação (operar em conjunto), mas sim
delinear algumas características que as tornam diferentes das cooperativas
ditas tradicionais. Estas diferenças advêm da própria origem destas
cooperativas, pois a cooperativa para se formalizar delimita seu objeto de ação
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
Airton Cardoso Cançado – Naldeir dos Santos Vieira
REFERÊNCIAS
ACI. Aliança Cooperativa Internacional. Princípios Cooperativistas. Disponível em:
http://www.ica.coop/coop/principles.html. Acesso em: 8 maio 2011.
ARRUDA, Marcos. Globalização e sociedade civil: repensando o cooperativismo
no contexto da cidadania ativa. In: INSTITUTO DE PESQUISAS DA ONU PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIAL. CONFERÊNCIA SOBRE GLOBALIZAÇÃO E CIDADANIA,
Genebra: Instituto de Pesquisas da ONU para o Desenvolvimento Social, dez. 1996,
p. 9-11. (Xerocopiado).
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E DISCUTINDO AS DIFERENÇAS ENTRE COOPERATIVAS TRADICIONAIS E POPULARES
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C apítulo 10
Metodologia de Incubação
de Cooperativas Populares:
O Caso da Incubacoop/Ufla
A
s Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) sugiram,
no Brasil, em meados da década de 90 do século 20, na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com intuito de organizar e qualificar
trabalhadores desempregados ou que exerciam trabalho precarizado,
sobrevivendo no mundo informal da economia, na condição de “excluídos”.
Quem não tem trabalho formal não tem acesso ao sistema de crédito e nem
aos bens de consumo em geral, ou seja, está excluído da economia capitalista
formal. As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares no Brasil
formam uma rede nacional denominada Rede de ITCPs, cujo principal objetivo
é assessorar grupos de trabalhadores a constituir associações e cooperativas
dentro dos princípios da economia solidária. As ITCPs são formadas por
estudantes e docentes de várias áreas do conhecimento científico e
apresentam estruturas de organização, gestão e metodologia de incubação
diversificadas no âmbito das Instituições de Ensino Superior (IESs), tanto
públicas quanto privadas. As cooperativas e associações incubadas, também
conhecidas como empreendimentos de economia solidária, apresentam
natureza e forma diversificadas, desde catadores de materiais recicláveis a
grupos de agricultores familiares. As incubadoras, portanto, representam uma
forma institucional de efetivação de políticas públicas de geração de trabalho
e renda, de apoio à criação e ao fortalecimento de cooperativas populares e
associações em geral.
O caráter solidário estabelece-se tanto no âmbito da própria Rede de
ITCPs, ao constituir um fórum de discussão sobre metodologias de incubação,
formas de organização e gestão, quanto no âmbito dos empreendimentos
de economia solidária, estimulados a constituírem redes de cooperação
interpessoal e interorganizacional. A solidariedade é da natureza humana
e pode-se observá-la desde os primórdios da História da humanidade, na
organização da família e de grupos de parentescos e na divisão do trabalho
para a produção. A solidariedade constitui um princípio fundamental para
a ação coletiva no sentido de superar a precarização do trabalho, construir
o bem comum por meio do autogoverno ou da autogestão e alcançar a
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CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
José Roberto Pereira
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CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
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CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
José Roberto Pereira
1
Foram nove estudantes de Mestrado envolvidos direta ou parcialmente com a Incubacoop e
que resultaram em dissertações de Mestrado, quais sejam:
Jéssica de Carvalho Machado. Gestão de Cooperativas: Uma Análise do Tipo de Racionalidade
Predominante. 2017. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de
Lavras. Orientador: José Roberto Pereira. Ingressou no Doutorado em Administração em 2018
com tema sobre gestão social de cooperativas.
Marcondes Lomeu Bicalho. Gestão Socioambiental de Resíduos Sólidos Urbanos em
Lavras-MG. 2014. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de Lavras.
Orientador: José Roberto Pereira.
Edimilson Eduardo da Silva. Gestão de Resíduos Sólidos na Microrregião de Lavras-MG. 2013.
Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública)-Universidade Federal de Lavras.
Orientador: José Roberto Pereira.
Elisângela Abreu Natividade. Gestão de Política Pública de Geração de Trabalho e Renda: uma
análise do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares. 2011. Dissertação
(Mestrado em Administração) – Universidade Federal de Lavras. Orientador: José Roberto Pereira.
Ataualpa Luiz de Oliveira. Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares: um estudo sobre os vínculos sociais constituintes e mantenedores. 2010.
Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de Lavras. Orientador: José
Roberto Pereira.
Fernanda Simplício Cardoso. Vínculos Sociais e Subjetividade em Cooperativas Populares de
Minas Gerais. 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de
Lavras. Orientador: José Roberto Pereira.
Ana Carolina Guerra. Gestão de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares: uma
análise comparativa. 2008. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal
de Lavras. Orientador: José Roberto Pereira.
Maria Eugênia Monteiro Castanheira. Ação Coletiva no Espaço Organizacional de Cooperativas
Populares. 2008. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de Lavras.
Orientador: José Roberto Pereira.
Mirella Caetano de Souza. Gestão de Cooperativas Populares em Minas Gerais: uma análise
comparativa. 2008. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de
Lavras. Orientador: José Roberto Pereira.
203
CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
José Roberto Pereira
2
Sobre Diagnóstico participativo veja os textos de Pereira (2010, 2007).
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CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
José Roberto Pereira
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José Roberto Pereira
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CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
José Roberto Pereira
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo metodológico de incubação adotado e aperfeiçoado pela
Incubacoop/Ufla ao longo dos 15 anos de sua existência é dinâmico e revela
sua incompletude por razões relacionadas ao índice elevado de entrada e saída
de estudantes que compõem as equipes interdisciplinares de intervenção
social. Em média os estudantes permanecem na incubadora por oito meses ou
dois semestres de aula, o que dificulta o processo de aprendizagem continuada
por ambas as partes, tanto estudantes quanto os trabalhadores envolvidos
no processo de incubação. A continuidade dos trabalhos do processo de
incubação por vezes é interrompida pelas mudanças de equipe. Nem sempre
se consegue realizar todo o processo de incubação por uma mesma equipe,
ou seja, uma equipe inicia com o DRPE, outra com o MAPP, e por vezes outra
equipe elabora o plano de negócios, gerando a descontinuidade do processo.
Apesar disso, considera-se que o processo metodológico tem
proporcionado resultados relevantes para os estudantes e trabalhadores
envolvidos, assim como para os professores e técnicos-administrativos, pelas
seguintes razões: formação qualitativa dos estudantes; realização de cursos de
curta duração; elaboração e aperfeiçoamento das metodologias participativas
empregadas pelas equipes interdisciplinares; publicações técnicas e científicas
realizadas em eventos; recursos materiais disponibilizados aos trabalhadores,
como máquinas e equipamentos de proteção individual, entre outros; geração
de trabalho e renda para os trabalhadores envolvidos.
Sem deixar de reconhecer os ganhos subjetivos dos alunos e
trabalhadores envolvidos nas incubadoras, as melhorias do processo de
incubação demandam investimentos na criação e qualificação de uma equipe
técnica permanente capaz de dar suporte aos trabalhos desenvolvido pelos
alunos. Caso contrário as ITCPs reproduzirão continuamente o mito do eterno
recomeço.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Edgard. Intervenção tutorial ou participativa? Cadernos de
Administração Rural, Lavras, v. 2, n. 1, p. 23-43, jan./jun. 1990.
211
CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
José Roberto Pereira
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CAPÍTULO 10 – METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES: O CASO DA INCUBACOOP/UFLA
José Roberto Pereira
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C apítu lo 1 1
Economia Solidária
e Desenvolvimento:
Perspectivas a Partir da Importância
da Reciclagem de Resíduos Sólidos
O
presente capítulo consiste em compreender como a economia
solidária pode se constituir em alternativa aos problemas dos
resíduos sólidos, que geram impactos socioeconômicos e ambientais
no desenvolvimento, seja na dimensão local, regional ou territorial, haja vista
que um dos grandes problemas atuais na gestão pública está relacionado à
precariedade do saneamento básico, causado pelo aumento de geração de
resíduos sólidos, ocasionados pelo rápido crescimento das cidades, e a maioria
dos gestores públicos não estava preparada para esta demanda.
Essa discussão vem de longa data e sabe-se que o saneamento básico
na condição de serviço público, vem sendo discutido desde meados do
século 19, pois foi esse o século das primeiras medidas sanitárias, criadas
para tentar reduzir o surto de cólera e epidemias que se iniciaram na Ásia e
Europa (Santos, 1994).
De acordo com Cunha (2018), no Brasil há uma estimativa de que
milhões de pessoas não têm acesso aos serviços de saneamento básico (água
potável; coleta, transporte, tratamento e disposição final de esgoto e resíduos
sólidos), cenário este que deixa o país com uma lacuna enorme na solução
destes problemas, pois há uma ineficiência na elaboração e implementação
de políticas públicas nesta área.
No Brasil, a população cresceu 0,8%, e aumentou entre 2014 e 2015
em 1,7% na geração de resíduos sólidos, repercutindo na retração de 3,8% na
atividade econômica medida pelo Produto Interno Bruto (PIB). Este contexto
deixou o país em uma situação de negligência devido ao descaso do setor
público, tendo se originado mais de 1.140 “lixões” a céu aberto, espalhados
por todo o território nacional (Marchi; Silva, 2018).
Com estas demandas crescendo e os problemas aumentando,
percebeu-se a necessidade de que se tomassem medidas urgentes para sanar
tais questões, para que não houvesse um colapso, já a caminho, em todo o
território nacional, agravando ainda mais os danos ao meio ambiente, à saúde,
ao coletivo.
215
CAPÍTULO 11 – ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS A PARTIR DA IMPORTÂNCIA DA RECICLAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
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CAPÍTULO 11 – ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS A PARTIR DA IMPORTÂNCIA DA RECICLAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
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CAPÍTULO 11 – ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS A PARTIR DA IMPORTÂNCIA DA RECICLAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
Neste viés, alia-se a isto a Economia Solidária (ES), que vem como
uma ferramenta, apresentada como um ideário para um “novo modelo de
desenvolvimento sustentável, includente e solidário” (Silva; Silva, 2008), uma
vez que os resultados econômicos, sociais, políticos e culturais beneficiam a
todos os envolvidos.
Assim, vislumbra-se como um dos parâmetros ou alternativas para a
ES, qual seja, a transformação de resíduos recicláveis descartados para o fim
de gerar fonte de renda, empregabilidade direta e indireta, e ainda, como
forma de cooperação, por meio do associativismo com o meio ambiente e o
desenvolvimento social, humano e econômico.
Nesse contexto, quando citamos a ES e a cooperação em busca do
desenvolvimento, todavia, devemos trazer a lume temporalmente a evolução
no contexto mundial, em especial as transformações ocorridas nas últimas
três décadas, como a redefinição das funções do Estado, tendo em vista o
pós-guerra, a globalização e os efeitos do neoliberalismo.
Desse modo, observa-se que as respectivas variações ou reposiciona-
mentos dos agentes da sociedade civil e da necessidade de novos mecanismos
reguladores são necessárias para readequar o controle das externalidades
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CAPÍTULO 11 – ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS A PARTIR DA IMPORTÂNCIA DA RECICLAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
APONTAMENTOS METODOLÓGICOS
O âmbito da investigação no presente estudo atrela-se à análise
empírica, a partir de estatísticas de coletas e reciclagem dos municípios do
Brasil, como agentes transformadores no processo de educação ambiental,
gerenciamento de descartes conforme dispõem as políticas públicas. Em
especial, a formação de renda e inclusão dos menos assistidos no modelo
capitalista vigente, numa perspectiva de economia solidária.
Neste caminho, este estudo está ancorado no enfoque da teoria crítica,
pois esta enfatiza o papel da ciência na transformação da sociedade, uma
vez que procura averiguar a realidade dos grupos e instituições, associando
as ações humanas com aspectos culturais, sociais e políticos, no intuito
de compreender as redes de poder – como são geradas, conduzidas e
modificadas (Alves-Mazzotti; Gewandsznajder, 2004; Allebrandt, 2010).
A presente investigação enquadra-se ainda como uma pesquisa
bibliográfica de revisão de literatura narrativa, uma vez que não se utilizou
de protocolo pré-definido.
A revisão de literatura narrativa não exige um protocolo rígido para sua
confecção, uma vez que este método apresenta uma temática mais aberta,
onde a busca das fontes não é pré-definida e proporciona aos investigadores
selecionar os artigos arbitrariamente, fornecendo aos autores informações
sujeitas a viés de seleção, com grande interferência da percepção subjetiva
(Unesp, 2015).
Corroborando, Gil (2010, p. 29) aponta que a “pesquisa bibliográfica
é elaborada com base em material já publicado. Tradicionalmente, esta
modalidade inclui material impresso, como livros, revistas, jornais, teses,
dissertações e anais de eventos científicos”.
Este foi o caminho utilizado pelos investigadores, que se valeram de
textos escritos por autores que estão alinhados com o objeto de estudo, bem
como com os estudos aplicados no Programa de Pós-Graduação em Desenvol-
vimento Regional – PPGDR/Unijuí.
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Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
Por assim dizer, o desenvolvimento ocorre por meio dos agentes locais,
sociais, que a partir das dinâmicas da ES passam a implementar e fomentar
este setor na cadeia de produção, recuperação e reciclagem de resíduos
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Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
Fonte: Elaborado pelo autor, conforme a SNIS-RS, 2012 a 2019 (ano-base 2011 a 2018).
Fonte: Elaborado pelo autor, conforme a SNIS-RS, 2012 a 2019 (ano-base 2011 a 2018).
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Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
Fonte: Autor, com base nos dados da pesquisa Tetra Pak (2021).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatou-se pelo presente estudo, por meio do modelo de Economia
Solidária e Associativismo, que estas variáveis podem minimizar os impactos
socioeconômicos e socioambientais que afetam os municípios brasileiros,
conforme diagnósticos já demonstrados. Nesse sentido, conforme quantificado
no presente estudo, em análises de coleta e reciclagem observou-se que os
dados das regionalizações dos municípios no Brasil, no decorrer dos anos de
2014 a 2017, evoluíram de acordo com o passar dos anos, contudo
numa proporção pequena ainda. Verificou-se que, no Brasil, esse crescimento
corresponde a 23,1% e que apenas 1.320 municípios têm programas de
coleta seletiva, em que apenas 2% desse lixo é separado para reciclagem.
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Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
REFERÊNCIAS
ALLEBRANDT, Sérgio Luís. Cidadania e gestão do processo de desenvolvimento:
um estudo sobre a atuação dos conselhos regionais e municipais de desenvol-
vimento do Rio Grande do Sul, de 1990 a 2009. Santa Cruz do Sul. 2010. 312 f.
Tese (Doutorado em Desenvolvimento Regional) – Universidade de Santa Cruz do
Sul – Unisc, 2010.
ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O Método nas Ciências Naturais e
Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2004.
AR. Anuário de Reciclagem. Relatório de Atuação da Associação Nacional dos
Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) 2017-2018. Disponível
em: https://cempre.org.br/wp-content/uploads/2020/11/2-Anu%C3%A1rio-da-
-Reciclagem.pdf. Acesso em: 4 jun. 2021.
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Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
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Josiane Dilor Brugnera Ghidorsi – Taciana Angélica Moraes Ribas – Sérgio Luís Allebrandt – Airton Adelar Mueller
infomaterias/2021/06/aumento-da-producao-de-lixo-no-brasil-requer-acao-
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RAZETO, L. Economia de solidariedade e organização popular. In: GADOTTI, M.;
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Cortez, 1993. p. 34-58.
RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
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Garamond, 2002.
SANTOS, L. A. de C. Um século de cólera: itinerário do medo. Physis – Revista de
Saúde Coletiva, v. 4, n. 1, p. 79-110, 1994.
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vimento local. E-Cadernos CES [on-line], v. 2, p. 1-15, 2008.
SINGER, P. Introdução à economia solidária. 1. ed. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2002.
TETRA PAK. Ciclosoft 2020 aponta crescimento de 186% na coleta seletiva desde a
publicação da PNRS: Pesquisa Ciclosoft 2020. Public. 15 mar 2021. Disponível em:
https://www.tetrapak.com/pt-br/about-tetra-pak/news-and-events/newsarchive/
ciclosoft-2020-aponta-crescimento-na-coleta-seletiva. Acesso em: 5 jun 2021.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa
em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
UNESP. Tipos de revisão de literatura. 2015. Disponível em: file:///E:/tipos-
-de-revisao-de- literatura.pdf. Acessado em: 26 jul. 2020.
242
C apítulo 12
Economia de Francisco:
Um Novo Mundo é Possível
Jefferson E. S. Machado
Doutor em História Comparada PPGHC/UFRJ.
jeffesm@yahoo.com.br
O
papa Francisco convocou um encontro mundial para tratar de
uma nova economia, que, simbolicamente, está sendo chamada
de “Economia de Francisco”. O evento na cidade de Assis é uma
referência à visão de São Francisco de Assis que, no século 13, deixou o lar
paterno e fortuna para viver uma experiência singular com Deus que o levou
a abraçar a minoridade e a ser irmão de todas as criaturas. A proposta é
repensar, debater e buscar novos rumos para a economia mundial diante de
um cenário de globalização de mercados e financeirização da economia, hoje
centrada, quase que exclusivamente, na maximização dos lucros de empresas
e na concentração de riquezas.
O papa Francisco quer “trazer gente jovem, além das diferenças de
crenças ou nacionalidades, para um acordo no sentido de repensar a economia
existente, e de humanizar a economia de amanhã: torná-la mais justa, mais
sustentável, assegurando uma nova preeminência para as populações
excluídas”, direcionando-a para a promoção do bem comum e com um novo
protagonismo de quem se encontra à margem. O papa também indica Assis
como o “lugar apropriado para inspirar uma nova economia, pois foi ali
que Francisco se despojou de toda mundanidade para escolher Deus como
estrela polar da sua vida, fazendo-se pobre com os pobres, irmão universal”
(Francisco, 2019, p. 1).
A decisão do pobrezinho de Assis inspirou o movimento penitencial
franciscano que revolucionou a Igreja no século 13, quando a supremacia
papal enfrentava fortes contestações diante do relaxamento dos costumes e
devassidão moral do clero, em meio a um contexto de franco crescimento das
cidades e expansão comercial na Europa. Segundo o papa, esse período foi a
gênese de uma visão econômica que permanece atual.
O encontro é duplamente especial porque celebra os cinco anos da
publicação da Carta Encíclica Laudato Si, sobre o cuidado com a Casa Comum,
inspirada na invocação de São Francisco, “Louvado Sejas, meu Senhor”, que
no Cântico das Criaturas recorda que a Terra, a nossa casa comum, “se pode
comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa
mãe, que nos acolhe nos seus braços” (Francisco, 2015a, p. 1).
A partir do Magistério Social da Igreja, Concílio Vaticano II e das
Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano, traçamos um panorama
do “pensamento econômico” do papa Francisco que, em parte, é uma
244
CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
1
O termo “católico”, derivado da palavra grega: καθολικός (katholikos), significa “universal”.
2
Substantivo italiano que significa “pobrezinho”.
246
CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
Argentina, uma das mais influentes da América Latina, contribuiu para o êxito
das conclusões da 5ª Conferência Episcopal Latino-Americana e do Caribe,
realizada na cidade de Aparecida do Norte (SP) em 2007.
3
Termo italiano que significa “renovação”, “atualização”, e foi a orientação-chave dada como
objetivo para o Concílio Vaticano II.
247
CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
Puebla
Ainda no pontificado de Paulo VI, foi convocada a III Conferência Geral
do Episcopado Latino-Americano, em Puebla de los Angeles, México, de 28 de
janeiro a 13 de fevereiro de 1979, que teve como documento de referência a
Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, do papa Paulo VI. O documento é
dedicado ao tema da evangelização no mundo contemporâneo sem perder de
vista as realidades temporais nas quais a Igreja também se insere.
Paulo VI convocou oficialmente a III Conferência em 1977, para ser
realizada em dezembro de 1978, mas o seu falecimento, em 6 de agosto de
1978, e o breve pontificado de João Paulo I, de apenas 33 dias, concorreram
para o seu adiamento até o início do pontificado de João Paulo II.
Puebla teve como preocupação fundamental a evangelização na
América Latina com olhos voltados para o futuro e atenta à realidade do
homem latino-americano. Fez um chamado à fidelidade à Igreja, a uma
antropologia fundamentada no Evangelho e nos valores perenes da ética
cristã, ao serviço à unidade, à defesa da dignidade humana, ao cuidado da
família, das vocações sacerdotais e religiosas e da juventude.
O episcopado novamente denuncia a situação de “pobreza desumana
em que vivem milhões de latino-americanos” (Celam, 1979, p. 69), tida
como o “mais devastador e humilhante flagelo” do continente, que se
exprime, conforme o documento, em “mortalidade infantil, em falta de
moradia adequada, em problemas de saúde, salários de fome, desemprego
e subemprego, desnutrição, instabilidade no trabalho, migrações maciças,
forçadas e sem proteção” (Celam, 1979, p. 69).
Puebla reafirma a evangélica opção preferencial pelos mais pobres e
marginalizados. À luz da fé, a “situação de pecado social” (Celam, 1979, p.
43) é encarada pelo episcopado como um escândalo e contradição com o ser
cristão, uma vez que a distância entre ricos e pobres, contrária ao plano do
Criador, “converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas” (Celam,
1979, p. 69).
250
CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
Santo Domingo
A história da Igreja na América Latina prossegue e já no início do
último decênio do século 20, é realizada em 1992 a IV Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano, em Santo Domingo, na República Dominicana.
Apesar do caráter histórico que marcou os 500 anos da chegada dos conquis-
tadores e da Igreja nas Américas, a atenção do episcopado latino-americano
estava voltada para os impactos causados aos povos e economias pelos ventos
fortes da globalização neoliberal que possibilitaram alargar as fronteiras
mundiais a partir da década de 90.
Santo Domingo reafirma as opções fundamentais de Medellín e Puebla,
com ênfase especial nos pobres, nos jovens, na defesa da vida e da família,
e denuncia as violações dos direitos humanos geradas pelas condições de
extrema pobreza e de estruturas econômicas injustas que originam grandes
desigualdades, agravadas pelo terrorismo, repressão e assassinatos. Há
especial menção às “violências contra os direitos das crianças, da mulher e
dos grupos mais pobres da sociedade” (Celam, 1992, p. 133).
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CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
Aparecida
O Documento de Aparecida contempla os múltiplos rostos de excluídos
do continente, cujas angústias e dores o futuro papa Francisco levará para
o seu pontificado em Roma (Celam, 2007, p. 39) e trata de diversos temas
252
CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
considera sua missão, seu serviço e como uma comprovação da sua fidelidade
a Cristo, para assim ser verdadeiramente a Igreja dos pobres” (João Paulo II,
1981, p. 14).
Ao longo de seu pontificado João Paulo II recordará o magistério social
de dois de seus predecessores: Leão XIII e Paulo VI. Em 30 de dezembro de
1987 promulga a Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, em comemoração pelos 20
anos da Populorum Progressio; e em 15 de maio de 1991 lança a Encíclica
Centesimus Annus (em português, “Centésimo Ano”) no centenário da Rerum
Novarum. Ambas retomarão questões candentes do progresso e desenvolvi-
mento dos povos no século 20. A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifi-
deles Laici (em português, “Cristãos Leigos”), promulgada em 30 de dezembro
de 1988, é outro documento singular de seu pontificado, que apresenta o
laicato como o novo sujeito eclesial, destacando sua importância na missão na
Igreja e no mundo tendo em vista o “contexto das importantes transformações
em curso no mundo da economia e do trabalho” (João Paulo II, 1988, p. 51).
4
Chefe de Estado e líder espiritual do Tibete. É o título de uma linhagem de líderes religiosos
da escola Gelug do budismo tibetano.
261
CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
263
CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
vezes, agravam a situação dos países. Essas são reflexões importantes que
podem ser trazidas para o cenário político brasileiro, caracterizado por franca
judicialização da atividade política, enfraquecimento das instituições públicas
e um forte esgarçamento do tecido social com níveis aviltantes de miséria,
fome, desemprego e retrocessos sociais por todo o país.
Abrimos aqui um parêntese para ilustrar esse pensamento, recordando
a posição corajosa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contra
a PEC 241, hoje Emenda Constitucional nº 95, que limitou, a partir de 2017,
o teto de gastos públicos com despesas primárias como assistência social,
educação, saúde, habitação, infraestrutura, entre outras políticas setoriais,
com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos. Em nota, os bispos
denunciaram a PEC 241 de injusta e seletiva, pois “elege para pagar a conta
do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles
que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam
garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando
não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não
propõe auditar a dívida pública” (CNBB, 2016, p. 1).
Francisco também critica a concentração monopolista dos meios
de comunicação, que, segundo ele, são mecanismos de uma engrenagem
gigante a serviço do colonialismo ideológico que “impõe padrões alienantes
de consumo e certa uniformidade cultural” que adota o novo colonialismo
(Francisco, 2015b, p. 8). O papa assevera que nenhum dos graves problemas
da humanidade pode ser solucionado sem uma responsabilidade comum dos
países, pois qualquer medida adotada em qualquer parte do planeta logo
repercute no todo em termos econômicos, ecológicos, sociais e culturais, num
contexto singular em que até mesmo o crime e a violência se globalizaram.
Os que promovem a paz são chamados de bem-aventurados e Francisco
conclama os movimentos populares a negar as velhas e novas formas de
colonialismo e a tirania do ídolo dinheiro para dizer sim ao encontro de povos
e culturas. As críticas do papa não se limitaram ao colonialismo, mas também
às ofensas e crimes da própria Igreja contra os povos originários durante
séculos de conquista e de colonização luso-espanhola da América, pelos quais,
a exemplo de João Paulo II, ele humildemente pediu perdão e fez justiça ao
lembrar dos sacerdotes, bispos, religiosos e leigos que “fizeram oposição à
lógica da espada com a força da cruz” (Francisco, 2015b, p. 9).
266
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Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
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Cláudio da Rocha Santos – Jefferson E. S. Machado
REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO 12 – ECONOMIA DE FRANCISCO: UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL
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