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deveríamos existir
Por incrível que pareça, o fato de existirmos deixa os físicos confusos. Para
eles, também não deveriam existir o ar, as árvores, as formigas, os outros
animais, a rua, os vizinhos, as contas a pagar, a cidade, o planeta. Até mesmo
a Galileu que você está lendo nesse exato momento não deveria existir.
Parece brincadeira? Não é. Afinal, se a natureza seguisse à risca as leis da
física, toda a matéria — os tijolos formadores de estrelas, planetas, formigas,
árvores e seres humanos — deveria ter sido aniquilada instantes depois do
início do Universo. Ou seja, pelas regras do jogo, a matéria teria sido
cancelada pela partícula oposta: a antimatéria. Segundo essas regras, logo
após o Big Bang, a explosão que teria dado início ao Universo, partículas e
antipartículas começaram a se formar na mesma proporção, para em seguida
se encontrar e se aniquilar mutuamente, voltando a ser energia.
Mas, por algum motivo, não foi o que aconteceu; as antipartículas sumiram. As
outras, suas opostas, estão por toda parte. Os físicos agora quebram a cabeça
para explicar por quê.
Deslize da natureza
Essa "quebra de simetria", como é chamada pelos físicos, ocorreu antes que o
Universo completasse um segundo de existência. Logo depois do Big Bang, o
Cosmo não era formado por matéria, mas por energia em forma de radiação
(veja ilustração na página anterior). Conforme ele se expandia e esfriava, a
energia formava pares de partículas e antipartículas, que se aniquilavam,
transformando-se novamente em energia. No entanto, a matéria de alguma
forma foi poupada desse destino. E a antimatéria sumiu. "Não sabemos como
explicar essa quebra de simetria no início do Universo", conta Miriam
Gandelman, professora do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro). Seja o que for que tenha acontecido, a natureza favoreceu
a matéria em detrimento da antimatéria. Os pesquisadores tentam de todas as
maneiras compreender o desequilíbrio. Uma resposta promissora foi proposta
em 1966 pelo cientista soviético Andrei Sakharov (1921-1989). Agora, os
físicos buscam a confirmação de seus resultados em experimentos com os
aceleradores de partículas.
O físico Andrei Sakharov, cientista e ativista com uma vida conturbada (leia
texto abaixo), imaginou que o Universo deveria obedecer a três pré-condições
para que houvesse a tal quebra de simetria. Essas condições admitem a
existência de um desvio nas leis da natureza ocorrido por causa das
circunstâncias extremas do Big Bang.
Em 1964, dois anos antes de Sakharov propor sua teoria, os físicos norte-
americanos James Cronin e Val Fitch chegaram a mostrar que havia uma
violação de simetria em um tipo peculiar de matéria: o chamado káon, ou
méson-K, e seu par. O méson-K é composto por um quark down e um
antiquark strange, partículas subatômicas que compõem a matéria (veja
quadro na página anterior). Logo após ser criado nos aceleradores, ele decai,
liberando energia e outras partículas. Seu tempo de desintegração, no entanto,
é diferente do tempo do antiméson-K (formado por um antiquark down e um
quark strange). Por essa descoberta, Cronin e Fitch levaram o Nobel de 1980.
Segundo Gandelman, a própria teoria vigente tem problemas. "As contas não
batem", admite. "É só ampliando o modelo que poderemos compreender a
quebra de simetria." Agora, dizem, é esperar por novos resultados.