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BARBÁRIE POR TRÁS DAS TELAS – A DESUMANIZAÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS NO CONTEXTO DAS REDES SOCIAIS1

Christiane Fagundes Guimarães Pereira

Tendo em vista a hipótese de que as redes sociais potencializam, legitimam e até


mesmo estimulam discursos de ódio e violência, consequentemente com a “violação virtual”
de direitos humanos, buscou-se nesse trabalho a análise de alguns comentários encontrados
durante navegações em vídeos e páginas do Facebook. O critério de busca foram hashtags e
frases relacionadas ao jargão “bandido bom é bandido morto”.
Segundo dados2, 130 milhões de brasileiros são usuários de redes sociais, em sua
maioria YouTube, Facebook e WhatsApp. O Facebook é a rede social mais acessada no
Brasil, contando com 99 milhões de usuários ativos. Esses dados mostram o quanto estamos
“conectados”, de tal maneira que as redes sociais, em especial o Facebook, passa a se
constituir um meio para as atividades sociais das pessoas e, consequentemente, torna-se
reflexo das relações sociais de classe. Analisar as relações sociais mediadas pela rede e pela
tecnologia não é tarefa fácil, pois exige um olhar diferenciado, levando-se em consideração as
especificidades desse meio.
Assim como nas relações sociais “em carne e osso”, nas redes sociais também temos
situações de violência e criminalidade. Porém, diferentemente das situações que acontecem
diretamente entre os sujeitos, nas redes sociais temos o diferencial da não presença, do
anonimato. As plataformas garantem aos sujeitos um espaço “livre” para que se manifeste
sem pudores, como bem entender, o que acaba tornando as redes um local agressivo, violento,
pois ali os sujeitos se sentem confortáveis para tomar atitudes que não talvez não tomariam
pessoalmente, por receio das consequências.
Os prints mostrados a seguir são de comentários em vídeos, postados em páginas do
Facebook, que mostram situações de crime e violência:

1
Trabalho realizado para conclusão do módulo “Educação E Cidadania (PEC)”, ministrado pela prof.ª
Aline Tereza Borghi Leite, durante o Curso Educomunicação e Processos de Aprendizagem,
promovido pela Secretaria Municipal de Goiânia (SME) em parceria com a Pontifícia Universidade
Católica (PUC-GO).
2
https://marketingsemgravata.com.br/dados-da-internet-no-brasil-em-2018/
Os comentários acima foram localizados em um vídeo que mostrava dois rapazes
atirando em um carro que passou pela rua, supostamente uma ação premeditada. Após os
disparos, o motorista (possivelmente atingido) perde o controle e bate o veículo.
Os prints a seguir mostram outras situações de assaltos e tentativas de assalto, uma
delas resultando na morte de dois jovens.
Os comentários mostram suposições comuns a respeito dos Direitos Humanos: a de
que Direitos Humanos não existem, ou de que existem apenas para “defender bandidos”, ou
de que causam aumento na criminalidade. Nenhuma dessas premissas é verdadeira. Os
Direitos Humanos são todos os direitos fundamentais à garantia da dignidade de uma pessoa,
pelo simples fato de ser humana, ou seja, o conjunto mínimo de condições de uma vida digna.
Devem ser garantidos a todos os cidadãos, de qualquer parte do mundo e sem qualquer tipo de
discriminação, como cor, religião, nacionalidade, gênero, orientação sexual e política. São
direitos humanos básicos: direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, à liberdade de
expressão de opinião e de religião.
Os Direitos Humanos foram estabelecidos em 1948, por meio da aprovação do
documento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Organização das Nações
Unidas (ONU). Todos os países signatários têm a obrigação de assegurar os direitos humanos
aos seus cidadãos; estando os princípios na legislação ou não. É direito de todo cidadão ter
seus direitos naturais respeitados e é dever de todos o respeito aos direitos naturais dos outros
cidadãos.
Podemos perceber, nos posts e comentários, concepções similares a respeito dos
Direitos Humanos, bem como comentários que “desumanizam” as pessoas envolvidas, os
“bandidos”: termos como “lixo”, “escória”, “vagabundos”, “comunistas”, são muito comuns
para descrever pessoas que cometeram algum crime, em sua maioria de origem pobre. Nota-
se, a defesa da ideia de que os criminosos devem ser espancados, assassinatos, mesmo
“exterminados”. Alguns comentários demonstram até mesmo regozijo (“groselha saindo”)
frente ao sofrimento da pessoa que, após levar um tiro, agoniza no chão. Há até mesmo um
rapaz que defende a ideia de “esquadrões da morte” para matar de forma premeditada pessoas
com “tendências” à criminalidade. Muitos dos comentários defendem violações aos Direitos
Humanos, protegidos pelo anonimato da rede social como “terra de ninguém”.
As redes sociais potencializam os discursos de ódio, o racismo, a homofobia, a
misoginia, a crueldade. Muitos dos discursos violentos que as pessoas reprimem por
vergonha, por medo das consequências, acabam se legitimando no espaço das redes sociais,
como por exemplo nos prints abaixo:

O anonimato é sedutor. Do outro lado dos fios, dos mouses e dos teclados,
devidamente protegida pela brilhante tela do computador que, ao invés de instrumento de
comunicação acaba por se tornar sujeito interlocutor, empodera-se todo tipo de violência
reprimida. Quaisquer discordâncias facilmente se transfiguram em uma espécie de ódio
potencializado a tudo aquilo que vai na contramão do que tomamos por certo. Uma pequena
discussão a respeito de um assunto qualquer – política, futebol, cerveja, filmes e séries de TV
– tem o potencial de se tornar um show digital com direito a xingamentos, ameaças,
argumentos homéricos estraçalhando o posicionamento do outro.
Esse tipo de situação não acontece com tanta frequência na “vida real” – quando nos
encontramos frente a frente com nosso interlocutor, até mesmo por uma questão de
preservação, não nos exaltamos com a mesma facilidade que nas redes sociais, protegidos
pela proximidade distante das telas de computadores ou dispositivos móveis. As redes sociais,
democráticas por princípio justamente por permitirem quase que indiscriminadamente a
manifestação de todo e qualquer pensamento, acabam se tornando terreno fértil para discursos
de ódio e violações de direitos humanos, materializadas em xingamentos, ofensas,
difamações, discriminações e até mesmo ameaças.

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