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Ano I, nº 2 – Uma publicação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Expediente Sumário

Publicação do Ministério Público do Editorial


3
Distrito Federal e Territórios
Eixo Monumental, Praça do Buriti,
Lote 2 - Edifício-Sede do MPDFT
Brasília, DF - CEP 70.091-900
Telefone: (61) 3343-9500
www.mpdft.gov.br
Procurador-Geral de Justiça Capa: História feita de concreto e sonhos
Leonardo Azeredo Bandarra

Vice-Procuradora-Geral de Justiça
4
Maria Aparecida Donati Barbosa

Corregedora-Geral
Lenir de Azevedo Casos Históricos: Quem matou Ana Lídia?
Chefe de Gabinete
Karel Ozon Monfort Couri Raad 8
Assessoria de Políticas Institucionais
Dênio Augusto de Oliveira Moura
Libanio Alves Rodrigues
Perfil: Lenir de Azevedo
14
Diretor-Geral
Moisés Antônio de Freitas

Coordenação do Projeto
Coordenadoria de Comunicação Social

Produção Editorial
Fazenda Comunicação e Marketing Reflexão
Revisão
Adriana Custódio 17
Fotografias
José Evaldo Vilela
Geyzon Lenin
Beto Paixão A aventura de trabalhar nos Territórios
Reportagem
Ivan Richard
18
Valéria Rodrigues

Capa
Arte sobre foto de José Evaldo Vilela
MP hoje
Diagramação
Beto Paixão 22
Jornalista Responsável
Fernando Fraga - DF 1481 JP

Impressão Galeria de Fotos


Gráfica Diplomata
Tiragem:
3.000 exemplares
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2 • Memória
Editorial

A casa é o lugar da memória. Não Rezende, Carlos Eduardo Magalhães


são apenas paredes e concreto: em de Almeida, Gladaniel Palmeira de
cada canto, há lembranças e histó- Carvalho, Romualdo Couvre, Concei-
rias. É por isso que, para o Minis- ção de Maria Pacheco Brito e Paulo
tério Público do Distrito Federal e Batista Gomes.
Territórios, cada nova sede constru- A decana da instituição, Procura-
ída é uma grande conquista. Além dora de Justiça Lenir Azevedo, co-
de oferecer a necessária estrutura nheceu esses primeiros tempos do
para o atendimento à população, os MPDFT. Desde que decidiu ser Pro-
edifícios permitem que o Ministério motora Pública, ainda nos anos 60,
Público adquira identidade própria até hoje, atuando como Corregedo-
e seja reconhecido como uma insti- ra-Geral, são décadas de dedicação
tuição a serviço da sociedade. Nesta e amor ao Ministério Público.
segunda edição da Revista Memória,
Nesta edição, a atuação criminal
contamos um pouco desta trajetó-
do Ministério também é lembrada.
ria, desde as primeiras sedes, em-
Uma reportagem especial expõe
prestadas, até a obra de ampliação
toda a polêmica em torno do assas-
do atual Edifício-Sede.
sinato da menina Ana Lídia, aconte-
Na Galeria de Fotos, as imagens cido em setembro de 1973. Passa-
também falam sobre esta história. dos mais de 30 anos, Promotores,
Desde as primeiras inaugurações, Magistrados e Delegados ainda di-
quando ainda não havia sedes pró- vergem sobre os motivos que leva-
prias, até as Promotorias inaugura- ram à absolvição dos réus.
das nas cidades do Distrito Federal,
já nos anos 2000, é possível perce- O ex-Procurador-Geral de Justiça
ber como a instituição cresceu e se Geraldo Nunes também trouxe sua
modernizou. contribuição para a Revista Memó-
ria. Ao lembrar uma conversa com
Nos antigos Territórios Federais, o neto, anos atrás, ele reflete, em
os prédios também não pertenciam belas palavras, sobre o que, afinal,
ao Ministério Público. Mas os pro- estamos procurando.
blemas iam além das instalações:
até a comunicação com Brasília era Boa leitura!
precária. Quem conta essa aventura Maria Aparecida Donati Barbosa
são os Membros do MPDFT que atu- Vice-Procuradora-Geral de Justiça
aram nos Territórios: Marta Maria de Coordenadora do Projeto Memória

Memória • 3
Capa

História feita de
concreto e sonhos

E
m quase 50 anos da mudança da para o anexo do Tribunal de Justiça do Fátima Fonteles Cabral, lembra que a
capital do Rio de Janeiro para Bra- Distrito Federal e Territórios. E foi só em área onde hoje está localizada a sede
sília, o país cresceu e fez história. 9 de junho de 1998 que o então Procu- era um estacionamento. O lote era
Passamos de 70 milhões de habitantes rador-Geral de Justiça, Humberto Adju- comprido e precisava ser transformado
para 189 milhões; atravessamos um to Ulhôa, inaugurou o edifício-sede do em um ambiente que se adequasse às
governo autoritário e restabelecemos MPDFT, um marco na história do órgão. necessidades do MPDFT à época, mas
a democracia; enfrentamos diversos O crescimento tem sido surpreen- com uma projeção para o futuro.
escândalos políticos e muitas crises fi- dente. Em 1992, o MPDFT ocupava uma Regina mudou toda sua vida para
nanceiras. Passada a ditadura, o Brasil área total de 4.753,49 m². Em 2008, já participar da história da construção do
ganhou uma Constituição defensora eram 55.725,67m². São 17 unidades es- edifício-sede do MPDFT. Saiu do Rio de
dos valores democráticos, que tornou o palhadas pelo Distrito Federal, das quais Janeiro e aceitou o desafio de morar em
Ministério Público ainda mais essencial sete em sede própria. Brasília para se envolver no projeto. De-
à Justiça. Entre tantas incumbências, o
A chefe do Departamento de Arqui- pois da inauguração, sofreu uma crise
MP também assumiu o papel de prote-
tetura e Engenharia do MPDFT, Regina de estafa e ficou uma semana afasta-
tor do cumprimento das leis, da demo-
cracia e dos interesses sociais e indivi- Foto: José Evaldo Vilela

duais, conferindo a seus integrantes a


oportunidade de atuar como verdadei-
ros advogados da sociedade.
Nesse mesmo período, o Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT) também fez história. Hoje, na
Praça do Buriti, no Eixo Monumental
do Plano Piloto está localizada a sede
do MPDFT. Mas nem sempre foi esse o
seu endereço.
Quando o Ministério Público foi
transferido do Rio de Janeiro para a
nova capital federal, ele funcionava no
6° andar do Bloco 6 da Esplanada dos
Ministérios. Em 1967, ampliou seu es-
paço e passou a funcionar também no
4º andar do Bloco O, no Setor de Au-
tarquias Sul. Em 1974, o MPDFT mudou

4 • Memória
Capa

da. “Durante toda a construção não se Promotoria de Justiça de Defesa


colocava um prego sem que eu tivesse da Infância e da Juventude
conhecimento”, recorda-se.
Segundo Regina, um dos principais Uma conquista para crianças
desafios que enfrentou ao assumir a e adolescentes
construção do edifício-sede foi o de
traduzir o que a instituição precisava Há apenas quatro anos, a Promoto-
em termos de espaço, uma vez que ria de Justiça de Defesa da Infância e da
não existia uma diretriz que indicasse Juventude (PDIJ) funcionava em um cor-
as necessidades do órgão. A primeira redor na Vara da Infância, na Asa Norte.
providência foi fazer um levantamento O espaço era dividido por baias, o que
das demandas: as principais carências, não oferecia privacidade ao trabalho
o número de unidades, a estrutura in- dos Promotores. “A mudança para a
terna da instituição. Esse trabalho resul- nova sede significou uma carta de al-
tou em um organograma, que serviu de forria, uma verdadeira libertação”, diz o
base para o projeto arquitetônico. Promotor e Coordenador Administrati-
Além disso, segundo Regina, era vo da PDIJ, Renato Barão Varalda.
Regina: Construir a sede foi um desfio preciso criar um ambiente nobre, mas O espaço reservado para a Promo-
sóbrio, não só no interior, mas também toria, no edifício da Vara da Infância
Foto: Beto Paixão na fachada. Afinal, seria um prédio e da Juventude, era apenas uma sala
com localização no Eixo Monumental onde Promotores e servidores ficavam
de Brasília, um importante cartão pos- amontoados, comprometendo a segu-
tal da cidade. rança e a privacidade no atendimento
Foi também nesta época que se às crianças e aos adolescentes. Mais
constatou a necessidade de criar a iden- tarde, o espaço foi ampliado, mas ain-
tidade física das sedes nas cidades. Re- da com salas improvisadas. De acordo
gina lembra que uma das discussões foi com Renato Varalda, o local era sepa-
sobre a “cara” que a estrutura arquite- rado por divisórias baixas para permitir
tônica teria. O resultado é o projeto pa- um mínimo de privacidade durante o
drão nas diversas sedes do MPDFT, mas atendimento ao público. Crianças, ado-
apenas externamente. Cada um dos lescentes e familiares eram atendidos
edifícios é adaptado internamente para em espaços mínimos e aguardavam em
as necessidades da circunscrição. um corredor de aproximadamente dois
Na construção Hoje, são sete as unidades do MPDFT:
Brasília, Taguatinga, Gama, Planaltina,
metros de largura.
Na época da mudança para a nova
da sede, Samambaia e Paranoá, além da sede da
Promotoria de Justiça de Defesa da In-
sede, a PDIJ contava com 13 Promoto-
res, 12 estagiários e 22 servidores, que

buscou-se criar fância e da Juventude. Em 2009, deve


ser inaugurada a Promotoria de Santa
ocupavam escassos 150 m². Promotores
e servidores usavam a criatividade para

um ambiente Maria e, em 2010, a segunda etapa do


Edifício-Sede. A construção da Promo-
a realização dos trabalhos. “O espaço
físico era tão pequeno que, frequente-
toria de Ceilândia deve ser iniciada ain-
nobre e sóbrio
mente, fazíamos a dança das cadeiras,
da em 2009 e concluída em 2011. com os servidores emprestando suas >

Memória • 5
Capa

cadeiras e desocupando os boxes para do horário marcado. “Quando o cami-


que os Promotores pudessem realizar o nhão da mudança chegou, já estava tudo
atendimento”, conta Renato. pronto para ser deslocado”, recorda-se.
Ele lembra que a ansiedade em ocu- Com a nova sede, o espaço para o
par o novo espaço era tão grande que, atendimento deixou de ser um pro-
no dia da mudança, os servidores e al- blema. Hoje, há uma área de recep-
guns Promotores chegaram bem antes ção equipada com TV e DVD, onde

O novo
prédio trouxe
segurança e
privacidade para
o atendimento
a crianças e Setor Psicossocial: atendimento especializado a meninas e meninos
adolescentes Foto: Bruno Vieira

6 • Memória
Capa

são disponibilizados vídeos educativos


voltados à criança e ao adolescente. A
Promotoria dispõe ainda de uma sala
de múltiplo uso, com capacidade para
75 pessoas, de sala de reuniões, de ga-
binetes para Promotores e servidores,
além de copa, fraldário, banheiro ade-
quado para crianças, cozinha, estacio-
namento e jardins.
O Setor Psicossocial é formado por
salas equipadas para o atendimento
especializado às crianças e aos ado-
lescentes. Há, ainda, três alojamentos
no subsolo do prédio da Promotoria,
para que os adolescentes apreendidos
em flagrante de ato infracional aguar-
dem para ser ouvidos pelos Promoto-
res de Justiça.
Futura sede da Promotoria de Justiça de Santa Maria
Promotoria de Santa Maria Foto: José Evaldo Vilela

Um esqueleto que ganha corpo para o atendimento psicológico e de


assistência social.
A construção de uma sede para a Pro- A expectativa para a inauguração é
motoria de Justiça de Santa Maria pro- grande, segundo o promotor Cláudio
Portela. Hoje, no espaço em que funcio-
“Com o
porcionará a realização de antigos proje-
tos, que, por falta de estrutura física, hoje naria apenas uma Vara, está instalada
toda a Promotoria, com 20 servidores e
novo prédio,
são inviáveis. Entre eles, a instalação do
Núcleo Psicossocial para atender casos
seis Promotores.
Os gabinetes atuais tem cerca de
poderemos
que envolvem a violência doméstica e o
abuso sexual contra crianças. 2,5 m² e alguns deles chegam a ser ocu-
pados simultaneamente por dois Pro- prestar um
A partir de outubro de 2009, o mo-
motores. Para realizar uma reunião,
rador de Santa Maria poderá contar
com atendimento na sede própria da
por exemplo, é preciso pedir empres- melhor
tado o plenário do Tribunal de Justiça.
Promotoria, localizada na região cen-
tral da cidade. A nova sede terá a es-
A população que se dirige à Promotoria
muitas vezes aguarda nos corredores
atendimento à
trutura externa padrão e, como nas
demais unidades do MPDFT, a funcio-
do Fórum. “Com o novo prédio, pode-
remos prestar um atendimento de me-
comunidade”
nalidade será o quesito principal. Serão lhor qualidade à comunidade de Santa
16 gabinetes, um auditório e espaço Maria”, acredita o Promotor.

Memória • 7
Quem matou Ana Lídia?

Várias versões para um crime


que chocou o Distrito Federal

8 • Memória
Casos históricos

A
pesar da impunidade, não há nada fia no então Departamento de Serviço
que faça o brasiliense esquecer de Pessoal, o Dasp. A menina cursava
a barbárie cometida contra a a primeira série no período da manhã,
menina Ana Lídia, assassinada em 1973, mas desde agosto frequentava a escola
quando tinha apenas sete anos de idade. no período da tarde para aulas de refor-
A crueldade do crime, o possível envolvi- ço e de piano. Ficava na escola das 14h às
mento do irmão no sequestro, as suspei- 16h30. Neste dia, Ana Lídia usava vestido
tas sobre filhos de políticos e as falhas na xadrez azul e branco e sandálias verme-
investigação são os ingredientes de uma lhas. Carregava uma pasta preta, em que
história que ainda provoca insatisfação e guardava o material escolar: quatro ca-
frustração. Ninguém jamais foi punido. dernos encapados com plástico amarelo,
Na época, a hipótese de que não uma caixa de lápis de cor e uma boneca.
havia interesse em investigar o caso foi Ninguém notou a falta da menina, ex-
tema de debate na imprensa. A situa- ceto o jardineiro da escola Benedito Du-
ção piorou quando os suspeitos levados arte da Cunha, 31 anos, que viu quando
a julgamento foram absolvidos e a pos- a menina chegou com a mãe e também
sível relação do crime com o tráfico de quando saiu pelo portão lateral, acom-
drogas não foi provada. panhando um rapaz magro, pele clara,
A história teve início em uma terça- cabelos loiros, com um livro vermelho
feira, no dia 11 de setembro de 1973. na mão. Ele estava vestido com uma
Eloyza Rossi Braga deixou sua filha, camiseta branca e calça esverdeada.
uma menina loira, com cabelos até os Benedito, uma das poucas testemunhas
ombros e de olhos azuis, na porta do do desaparecimento da menina, afirma
Colégio Madre Carmem Salles, na qua- em seus depoimentos que quem tirou
dra 604 Norte, por volta das 13h50. Ela Ana Lídia da escola já se encontrava na
estaria acompanhada do marido Álvaro unidade quando a menina chegou.
Braga e do filho Álvaro Henrique Braga, Benedito garante que o rapaz estava
em uma Vemaguete cinza-claro. Foi a sentado em um banco no pátio da es-
última vez que viram a filha com vida. cola, com um livro de capa vermelha na
No trajeto da escola para o trabalho, mão. Ele também afirma que na Vema-
os pais de Álvaro teriam-no deixado na guete estavam apenas o pai, a mãe e a
Rodoviária do Plano Piloto. Ambos eram menina. As afirmações são sustentadas
Ana Lídia Braga
funcionários públicos, com cargo de che- em todos os seus depoimentos. Foto: CEDOC/Jornal de Brasília
>

Memória • 9
Casos históricos

um supermercado também encontrou,


nessa mesma noite, sobre uma pilha de
sacos de arroz, uma carta endereçada a
Álvaro Braga. No texto, datilografado, e
em um envelope manuscrito, o seques-
trador exigia 500 mil cruzeiros para en-
tregar Ana Lídia. O dinheiro deveria ser
colocado próximo à Ponte do Bragueto
até a sexta-feira, dia 14.
A polícia encontrou os cadernos
da menina jogados à margem da pista
que passa pelo Grupamento de Fuzi-
leiros Navais.
Às 12h do dia seguinte, no cerrado
próximo ao Centro Olímpico da UnB,
três policiais descobriram o corpo de
Ana Lídia, que havia sido enterrado em
uma cova rasa. No local, havia cabelos
da menina e duas marcas que poderiam
Álvaro Braga - irmão e suspeito Os fatos ser de bota ou de coturno.
em depoimento O corpo da menina estava de bruços,
Foto: CEDOC/Jornal de Brasília Por volta das 16h daquela terça-fei- nua e com a face comprimida contra o
ra, Álvaro Braga foi informado de que chão. Uma vara de madeira, arrancada
sua mulher o havia procurado e que de uma árvore próxima, foi usada para
parecia bastante nervosa. Soube então jogar a terra sobre o corpo. O local era
que a pequena Ana Lídia não tinha as- praticamente deserto.
sistido à aula. Antes de ser morta, segundo o lau-
Os pais, com a ajuda do filho e da na- do, Ana Lídia foi torturada. Seus cabe-
morada dele, começaram as buscas nos los foram cortados de forma irregu-
arredores da escola e nos descampados lar, rente ao couro cabeludo. Os cílios
da Universidade de Brasília (UnB). Sem foram arrancados, havia escoriações
resultado. Às 17h, informaram à polícia e manchas roxas por todo o corpo. O
do desaparecimento da menina. laudo do exame cadavérico constatou
Às 19h45, o delegado-chefe da 2ª De- que ela foi estuprada depois de morta.
legacia de Polícia, José Ribamar Morais, Duas camisinhas usadas e um papel hi-
recebeu um telefonema. Era o pedido de giênico com esperma estavam no local.
resgate pela menina, na ordem de 2 mi- Laudos do Instituto de Medicina Legal
lhões de cruzeiros. Ana Lídia foi colocada (IML) e do Instituto de Criminalística
ao telefone, chorou e chamou pela mãe. comprovariam, depois, que o esperma
Por volta das 20h, um fuzileiro do era de uma única pessoa.
Grupamento de Fuzileiros Navais, na Vila Ana Lídia foi morta entre 4h e 6h da
Planalto, encontrou em frente ao quar- manhã do dia 12, por asfixia. Passou 17
tel o estojo de lápis. Um funcionário de horas com o assassino. A boneca Susi foi

10 • Memória
Casos históricos

encontrada depois, mas a mochila e as sado, de que estaria com os pais e, por o MPDFT como pioneiro, já que essa
roupas nunca apareceram. isso, não teria tempo para retirar a irmã prerrogativa só seria reconhecida com
do colégio no horário visto pelo jardi- a Constituição de 1988.
neiro, não se sustentava. Há relatos, A linha de investigação foi definida
A investigação policial
que constam inclusive do processo, de em três frentes, levando em conside-
que a menina era tímida e não sairia da ração: se filhos de autoridades parti-
No início das investigações, a polí- escola com um estranho. ciparam do crime, se haveria o envol-
cia apontou Álvaro Henrique, irmão de Para a polícia, Álvaro não agiu sozi- vimento de traficantes de drogas no
18 anos e padrinho de Ana Lídia, como nho. Ele tinha um parceiro: Raimundo assassinato e se a família e os amigos
o principal suspeito de ter buscado a Lacerda Duque tinha 30 anos e traba- seriam investigados.
menina na escola. Pesavam sobre ele lhava no mesmo local que a mãe de Ana José Jeronymo conta que o contato
acusações de envolvimento com dro- Lídia. Era viciado em drogas e confessou com a Polícia Civil do Distrito Federal foi
gas e a suspeita de que teria dívidas à polícia ser pedófilo. Em seu depoi- estreito, mas a situação não era boa. A
com traficantes. Em depoimento, ele mento, garantiu que apenas soube do polícia, segundo ele, estava paralisada.
confessou ter consumido maconha desaparecimento de Ana Lídia pelo rá- Ele garantiu, então, que a investigação
apenas três vezes e revelou que pedira dio. Duque passou cinco meses foragi- correria sob sigilo. Mesmo assim, os po-
dinheiro emprestado ao pai e a amigos do, depois de saber que era procurado liciais afirmavam que nada tinham con-
para pagar o aborto da namorada, que pelo assassinato da menina. tra os suspeitos, e mais, que não havia
estava grávida de um mês.
Além de Álvaro e Duque, as suspei- qualquer indício de envolvimento deles
O jardineiro Benedito sustentou, in- tas também recaíam sobre Alfredo Bu- no assassinato de Ana Lídia.
clusive na Delegacia, que Álvaro era o zaid Júnior, filho do então ministro da O Desembargador lembra que não
rapaz que havia retirado a menina da Justiça, e sobre o filho do senador Euri- encontrou nada que pudesse incriminar
escola. O álibi apresentado pelo acu- co Rezende, Eduardo Ribeiro de Rezen- Buzaid ou Rezendinho. Partiu, então,
de. Buzaid Jr. morreu em 1975 em um para uma nova linha de investigação: o
acidente automobilístico, depois de ter
ficado escondido por dois anos. Rezen-
dinho, que, em novembro de 1974, foi
preso por porte e uso de drogas, negou
que estivesse em Brasília na época. Ele
se suicidou em 1990, aos 40 anos, em
seu apartamento no centro de Vitória. “Para a polícia,
A conclusão do Ministério Público
Álvaro não
O hoje Desembargador aposenta-
agiu sozinho.
do José Jeronymo Bezerra de Souza
foi quem, aos 37 anos, com apenas um
Ele tinha um
ano de carreira Ministério Público, in-
vestigou o assassinato da menina Ana
parceiro:
Desembargador José Jeronymo
Lídia. Foi designado pelo então Procu-
rador-Geral Guimarães Lima. Foi, pro- Raimundo
vavelmente, a primeira vez que o MP
Foto: Arquivo
conduziu um inquérito, o que coloca Lacerda Duque” >

Memória • 11
Casos históricos

tráfico de drogas. Para ajudá-lo, o Pro- comportamento da família, que “nunca O Desembargador Eduardo Ribeiro,
motor José Jeronymo buscou ajuda na quis colaborar com as investigações”. que relatou o processo, ficou em dúvi-
Polícia Federal. A resposta foi a mesma Ele lembra que o pai de Ana Lídia, Álva- das quanto ao ponto fundamental do
da Polícia Civil do Distrito Federal: o res- ro Braga, mostrava-se inclusive irritado crime - se teve o propósito de extorsão
ponsável pelo combate a entorpecentes com as suspeitas sobre o filho. ou intuitos sexuais.
em todo o país não conseguiu elemen- “O senhor, como pai de família, to- O relator considera a primeira hipó-
tos para provar que havia algo naquele mou uma difícil decisão. O senhor per- tese incompreensível, uma vez que os
crime ligado a traficantes. deu uma filha em circunstâncias trágicas pais da vítima não poderiam reunir ra-
José Jeronymo não teve outra alter- e quer salvar o outro filho. O senhor não pidamente tanto dinheiro. O Desembar-
nativa senão a de passar a investigar os quer colaborar com a investigação por- gador sugere que a carta e o telefonema
familiares de Ana Lídia. O Desembarga- que sabe que seu filho participou desse foram vagos e não possibilitavam aos
dor lembra que o irmão da menina, Ál- crime. Ele não matou a irmã, mas é co- pais de Ana Lídia, ainda que dispuses-
varo Henrique, durante toda a investi- autor porque tirou a menina do colégio e sem dos recursos necessários, atender
gação, foi frio e distante. Ele identificou, a entregou para esse celerado, esse Rai- à exigência. E mais, que não se podia ter
inclusive, “uma certa dose de cinismo”. mundo Lacerda Duque”, afirmou José Je- certeza de que a carta fosse dos verda-
O Desembargador não tem dúvidas ronymo no último depoimento de Álvaro deiros sequestradores. Mas não há dú-
de que ele retirou a menina da escola ao Ministério Público. A resposta, segun- vida de que houve violência sexual.
e a entregou a Duque. No entanto, há do o Desembargador, foi o silêncio.
O Desembargador Bueno de Souza,
a convicção de que Álvaro não parti-
em seu voto, ressaltou que as investi-
cipou da barbárie contra a irmã, mas
O Julgamento gações policias se ressentiam de graves
foi co-partícipe. A conclusão, segundo
Jeronymo, ficou clara em função do deficiências, com inúmeros documen-
Os acusados foram denunciados e tos, muitos “aliás, inúteis”. Questionou
processados. Mas, apesar da convicção o fato de que a polícia teve conheci-
Álvaro, à esquerda, e Raimundo do Ministério Público, foram absolvidos mento do homicídio no mesmo dia em
Duque, sentado à direita, depondo na primeira instância. O Ministério Pú- que aconteceu, mas o inquérito só foi
juntos durante as investigações blico recorreu e o caso foi decidido na aberto uma semana depois, tempo sufi-
segunda instância. ciente para Duque viajar para Goiânia.
Foto: CEDOC/Jornal de Brasília

12 • Memória
Casos históricos

Também não entendeu porque as ir- Uma nova investigação Álvaro Henrique é médico angio-
mãs do colégio só foram ouvidas a par- logista no Rio de Janeiro. Raimundo
tir de abril de 1974, se a menina tinha Duque morreu em 2005, em Anápolis
O delegado aposentado Álvaro Cae-
desaparecido de dentro da escola. Mais (GO), aos 62 anos, de complicações de-
tano dos Santos revelou que não gosta
ainda, por que a polícia nunca investigou correntes do alcoolismo. A mãe de Ana
de relembrar este caso. O motivo: nunca
os crimes confessados por Duque. Ele re- Lídia, que sempre afirmou não acredi-
foi solucionado. Depois de algum tem-
latou a prática de dois assaltos e de um tar no envolvimento do filho, morreu
po, começou a rememorar os fatos, de
homicídio. A vítima foi a menina Rosân- em 2006. O pai, Álvaro Braga, vive no
como foi designado para presidir uma
gela Márcia de Almeida, filha de Enedina, interior do Estado do Rio de Janeiro e
comissão e tentar, desta forma, encon-
namorada de Duque. Ele também con- recusa-se a falar sobre o caso. A filha,
trar o verdadeiro culpado (ou culpados)
fessou diversos atentados sexuais contra Christina, que também vive no Rio de
da morte de Ana Lídia. Onze anos já
crianças e tráfico de tóxicos. Janeiro, em rápidas palavras ao tele-
haviam passado desde o crime e, por
Bueno de Souza formou opinião fone, sustentou que a família sempre
determinação do Governo do Distrito
oposta à do relator, Desembargador acreditou na inocência do irmão e que
Federal, o caso foi reaberto. De acor-
Eduardo Ribeiro. Ele discordou, inclusi- os Braga saíram do episódio dupla-
do com o Delegado, todas as possíveis
ve, do voto do relator quando este sus- mente vítimas. Perderam a pequena
variáveis foram investigadas, mas, mais
tentou que Ana Lídia foi violentada se- Ana Lídia e tiveram a vida devastada
uma vez, nada foi provado.
xualmente depois de morta. De acordo com a acusação que pesou sobre seu
Álvaro Caetano lembra que foram irmão. Questionada sobre se haveria
com o laudo, “quanto às lesões vulvo-
feitas mais de 40 viagens e que a co- um suspeito, Christina disse que “o cri-
vaginais e retais, não resta dúvida que
missão ouviu o depoimento de mais de me poderia ter sido cometido por um
foram praticadas por pênis e depois da
80 pessoas, inclusive dos proprietários bandido ‘comum’, tese que jamais foi
criança morta”. Mas, segundo ele, isso
da boate Shalako, muito frequentada investigada pelo Ministério Público”.
não exclui a prática do atentado violen-
à época pela juventude de Brasília. Os
to ao pudor, estando Ana Lídia ainda Para o Desembargador José Jerony-
donos foram presos suspeitos de ter
viva. Nesse ponto, lembrou ainda que mo, é certo que Ana Lídia conhecia seu
assassinado o próprio pai, no interior
Duque havia confirmado seu comporta- algoz. A menina de sete anos que desa-
de Minas Gerais. Foram ouvidos pros-
mento pedófilo. pareceu na porta da escola, em Brasília,
titutas e detentos que afirmavam ter
O terceiro Desembargador, Duarte reconheceu quem a sequestrou e por
conhecido Duque e dele ouvido muitas
de Azevedo, acompanhou o voto do re- isso foi brutalmente assassinada.
coisas. No entanto, não se chegou a
lator. Portanto, com um voto favorável qualquer conclusão. O crime ocorrido nos anos 70 ainda
ao Ministério Público e dois contrários, hoje é comentado. Ana Lídia foi enter-
foi mantida a absolvição dos réus. rada no Cemitério Campo da Esperança
Ainda sem resposta em 13 de setembro de 1973 e até hoje
As provas O fato é que o Ministério Público ofe-
seu túmulo atrai visitantes, que levam
flores, presentes, acendem velas e dei-

foram receu a denúncia e a Justiça tomou a sua


decisão: as provas eram insuficientes e
xam placas de agradecimento por gra-
ças alcançadas. Muitos acreditam que
a garota de rosto angelical faz milagres.
consideradas Álvaro Henrique Braga e Raimundo La-
cerda Duque foram inocentados. Em 11 Vinte anos após a sua morte, o parqui-
de setembro de 1993, o crime cometido nho do Parque da Cidade ganhou o seu
insuficientes contra Ana Lídia prescreveu e, mesmo nome. Quem apostava no esquecimen-
to errou. Não há nada que faça Brasília
que o assassino se apresente hoje, não
pela justiça poderá mais ser preso. esquecer Ana Lídia.

Memória • 13
Perfil

Uma vida dedicada


ao Ministério Público
Há 38 anos atuando no MPDFT, Lenir tem orgulho da profissão

A
paixão que motivou a Procurado- versidade de Brasília (UnB). Ao fazer o
ra de Justiça mais antiga do Minis- vestibular, ela já estava convicta de que
tério Público do Distrito Federal e seria Promotora Pública. Em 1971, Lenir
Territórios (MPDFT), Lenir de Azevedo, de Azevedo tomava posse como Defen-
de 66 anos, a dedicar a vida à profissão sora Pública, cargo inicial da carreira do
teve início com um livro de capa verme- Ministério Público.
lha, encontrado por acaso em um con- Desde então, já se passaram quase
sultório médico. A curiosidade levou-a a quatro décadas, e a convicção da esco-
abrir exatamente na página que tratava lha da profissão transformou-se em uma
das atribuições do Ministério Público. história exemplar, que deve ser segui-
Identificou-se de imediato com o espíri- da, na opinião de vários colegas. Hoje,
to da instituição, razão pela qual voltou a como Procuradora de Justiça, exercen-
estudar para ser Promotora Pública. do o cargo de Corregedora-Geral, Lenir
Antes, queria ser embaixadora. Co- de Azevedo cobra de seus companhei-
meçou inclusive a preparar-se, estudan- ros de trabalho a mesma dedicação ao
do quatro línguas, dentre elas, a grega. Ministério Público.
Quando procurou informar-se sobre “Precisamos corresponder àquilo que
as condições para o ingresso na carrei- a sociedade espera do Ministério Públi-
ra diplomática, nos idos de 1960, sua co”, diz, com a determinação que car-
pretensão foi abruptamente afastada rega desde 1º de outubro de 1971, data
“Precisamos pelo funcionário do Itamaraty que lhe
atendeu, ao declarar que ela não tinha
de sua posse. “O Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios é conside-
corresponder condições de ser aceita como diplomata
devido a sua baixa estatura, pois “se era
rado, não só pela sociedade como pela
comunidade jurídica, uma instituição sé-

àquilo que ela baixinha (1.50 de altura) para o pa-


drão da diplomacia brasileira, seria uma
ria, conceituada e confiável, por causa da
atuação firme e eficiente de seus Mem-

a sociedade anã para os padrões do exterior”, re-


lembra, com bom humor. Abalada, dei-
bros. Não podemos decepcionar aqueles
que confiam em nós, que esperam que
xou de estudar por dois anos, quando,
espera do então, “encontrou-se com o Ministério
exerçamos com denodo e competência
as atribuições constitucionais do Minis-
Público”, retornando aos estudos. tério Público”, afirma, convicta.
Ministério Carioca, chegou adolescente ao Dis- A escolha pelo Ministério Público
trito Federal. Lenir formou-se em Direi- não trouxe arrependimento. “É uma
Público” to em 1968, na terceira turma da Uni- instituição que adoro. Gosto imensa-

14 • Memória
Perfil

mente do trabalho que realizo. Que-


ro que o Ministério Público continue
exercendo sua função, continue sendo
tão prestigiado como tem sido perante
a sociedade”, defende.
Mãe de três filhos, sendo um Pro-
motor de Justiça, e avó de quatro ne-
tos, dois gêmeos, Lenir não esconde
que incentivou e ficou feliz com a es-
colha do filho. “Claro e evidente que,
quando se tem amor a uma profissão,
procuramos incentivar nossos filhos
a abraçá-la. Meu sonho é ver minha
neta, filha de meu filho Promotor de
Justiça, escolher o Ministério Público
como carreira. Para tanto, já estou pro-
curando fazer a cabeça dela”.
Lenir e seu pai, Pedro Olegário de Lenir de Azevedo, Procuradora de Justiça e Corregedora-Geral
Azevedo, já falecido, foram funcionários
do Ministério Público. Quando servido- Foto: Geyzon Lenin

ra, formada em Direito, atuou como


estagiária na Defensoria Pública. Para tério Público carecia de estrutura física, que fazer greve, no fim do mandato
ingressar no Ministério Publico do Dis- e o serviço de apoio (pessoal, móveis e do então Presidente da República João
maquinário) era insuficiente. “Quando Figueiredo. “Como ganhávamos muito
trito Federal e Territórios, foi necessária
um Membro mais antigo tinha que se mal e o governo não queria nos dar au-
aprovação em catorze provas, sete es-
mudar de local de trabalho, ele levava mento, fizemos essa greve e, com ela,
critas e sete orais, além da prova de tí-
consigo os móveis, a máquina de escre- conseguimos um aumento razoável”.
tulos. Já no MPDFT, atuou como Defen-
ver e até o telefone, pois senão ficava Pouco depois, a carreira foi encurtada.
sora Pública tanto na área cível como ‘propriamente nu’, sem condições de De cinco, passou a ter três cargos, para
criminal, e no Tribunal do Júri, como exercer a contento as suas atribuições”. facilitar as reivindicações financeiras.
Defensora e também como Promotora As responsabilidades da instituição não As primeiras conquistas e a pri-
Pública. Esteve à frente de diversas Pro- eram definidas claramente, por isso, meira definição legal da atividade do
motorias e Curadorias, quando a car- muitas vezes, eram contestadas. Prer- Ministério Público vieram com a Lei
reira era estruturada em cinco cargos rogativas, quase nenhuma. Entre elas, a Complementar nº 40/1981, posterior-
(Defensor Público, Promotor Público de ser intimado pessoalmente nos autos, mente ampliadas e consolidadas pela
Substituto, Promotor Público, Curador ter assento ao lado direito do Magistra- Constituição de 1988, que deu à insti-
e Subprocurador), o que lhe deu vasta do e ser chamado de Vossa Excelência, tuição um perfil inteiramente novo. A
experiência jurídica e profissional. foram conquistadas por meio de ações luta para dar ao Ministério Público a
judiciais. A remuneração era bastante in- feição que hoje ele tem, como órgão
ferior à recebida por alguns funcionários autônomo e independente, responsá-
No início, muitas dificuldades do judiciário e gritantemente discrepan- vel pela defesa da ordem jurídica e dos
te em relação a dos Juizes. interesses indisponíveis da sociedade,
O orgulho inegável pela profissão pa- Para reivindicar melhores salários, foi árdua e prolongada. E Lenir este-
rece ter amenizado as dificuldades en- os membros do Ministério Público do ve presente em todos os embates que
frentadas no início da carreira. O Minis- Distrito Federal e Territórios tiveram consolidaram essas conquistas. >

Memória • 15
Perfil

Boas histórias se que “uma das partes pediu para falar “O Ministério Público é minha segun-
comigo após a audiência, no que foi aten- da casa. Aqui aprendi muito. Aprimorei
dida. Qual não foi minha surpresa ao ser meus conhecimentos. Reformulei ideias
A atuação na Defensoria e na Promo-
solicitada a fornecer uma ‘receita’ para e conceitos. Burilei minha personalida-
toria também lhe rendeu algumas risa-
curar ferida provocada por erisipela”. de. Fiz grandes amigos. Vivenciei mo-
das. No início da carreira, as principais
mentos inesquecíveis.” O grande orgu-
demandas do Ministério Público eram
Dever de servir à sociedade lho que tem por pertencer à carreira e
relacionadas a assuntos de família e de
por ter contribuído para a revitalização
regularização de terras. “Estavam regu-
da Instituição fica demonstrado por suas
larizando os lotes em Taguatinga, sal- Lenir sempre foi Membro atuante.
palavras e pelo seu semblante, quando
vo engano, também os de Sobradinho. Integrou por muitos anos a Câmara de
fala sobre o Ministério Público.
Como a distribuição não tinha critérios Coordenação e Revisão da Ordem Jurí-
rígidos, foi muito confusa, o que gerou dica Criminal, tendo sido a relatora do
uma demanda muito grande de trabalho Manual de Orientação aos Promotores
para os Defensores Públicos. Por isso, foi de Justiça da área criminal. Foi membro
especificado um limite diário, com cinco do Conselho Superior e foi quem deu
a oito atendimentos por dia. Quando o início à implantação da Corregedoria-
Defensor tinha que fazer audiência, co- Geral nos moldes em que funciona hoje,
locava-se no livro de marcação a expres- independente da Procuradoria-Geral.
são ‘a. ordinária’, para chamar a atenção Para a atual Corregedora, “a expe-
do funcionário para o fato de que a au- riência de quase 40 anos no Ministério
diência era mais demorada. Certo dia, Público do Distrito Federal e Territórios
houve um tumulto provocado por uma permite hoje entender melhor os me-
senhora que fez enorme escândalo por- canismos da instituição e o compor-
que havia uma ‘ordinária’ sendo atendi- tamento dos jovens que ingressam na
da na frente dela”, conta, sorrindo. carreira. Ela percebe a diferença entre
As histórias são muitas. “Como Pro- o perfil daqueles que entraram em sua
motora no Tribunal do Júri, lembro-me época e os de hoje. “A febre por concur-
de um caso em que o réu era, digamos sos públicos que propiciam estabilidade
assim, horroroso, típico lombrosiano. O e bons salários, como o da carreira do
advogado então tentou desfazer a ima- Ministério Público, mudaram o perfil
gem negativa do seu cliente, pedindo dos novos aspirantes”, assinala.
que os jurados desconsiderassem os Ela reconhece, no entanto, que a
aspectos físicos do acusado, que nada ambição inicial pelos bons salários, pela
tinham a haver com o seu verdadeiro estabilidade e pelo poder do cargo, ad-
eu. Ele olhou para mim, chamou a aten-
ção dos jurados para minha pessoa, afir-
quiridos por aqueles que ingressam no
Ministério Público, ficam de lado logo
“O Ministério
mando que eu ali sentada ao lado do Juiz
parecia uma anjo, por minhas ‘feições
nos primeiros anos. “O que prevalece é
o dever de servir à sociedade”, afirma.
Público é minha
angelicais’, mas que eu não passava de
‘um membro da inquisição reencarna-
“A carreira ministerial é apaixonante e
gratificante. Nunca tive medo de nada. segunda casa.
do’. Caí na gargalhada”, relembra.
Quando Curadora (cujas atribuições
Por todos este anos vesti e ainda visto
a camisa do Ministério Público com a Aqui aprendi
hoje são exercidas pelo Promotor de Jus- mesma paixão que nutria desde antes
tiça com atuação na área cível), recorda- de adentrar na carreira”. muito”
16 • Memória
Reflexão

O que procura
o Procurador?
Foi em um sábado, quando volta- em razão disso, um convênio prévio fensores dos direitos fundamentais,
va do Amapá, a chamado de minha com a Terracap. A verba, entretanto, sociais e individuais indisponíveis.
assessoria, temerosa das oscilações não constou do orçamento. Desesti- A resposta ao meu neto, verifico
tópicas do nosso Ministério Público mulados, com vencimentos que mal hoje, não era uma tautologia. O des-
no texto constitucional. No aeropor- davam para as necessidades básicas, tino do homem e das instituições que
to, esperava-me o meu neto e afilha- fizeram, Membros e funcionários, ele cria e pretende perenizar no tem-
do, então com cerca de cinco anos. uma greve de dois dias. po têm, na procura e escolha, a sua
Enquanto esperávamos a condução, Finalmente, a Constituição de marca definitiva. Embora os objetivos
ele me perguntou se eu era Procura- 1988 entrou em vigor, trazendo, nela se afastem, às vezes, quando deles nos
dor-Geral e o que estava procurando. estampada, a definição do Ministério aproximamos, é necessário diminuir
Respondi apenas que estava procu- Público como “instituição permanen- essa distância e alcançá-los. Outros
rando, resposta sem significado dire- te, essencial à função jurisdicional do objetivos e projetos surgirão na dinâ-
to, quase um vício de linguagem. Estado...”. O Dr. Aristides Junqueira, mica da vida. De novo, teremos que
O Ministério Público que eu che- então Procurador-Geral da Repúbli- iniciar sua procura até alcançá-los.
fiava esvaziava-se a cada concurso. ca e Chefe do recém-criado Ministé- Lembrei-me, ao redigir este tex-
Os aprovados, com o título, migravam rio Público da União, convocou-me to, do poema A luz de ontem, de
em concursos para a Magistratura ou e os Procuradores-Gerais do Traba- autoria de Lucian Blaga. O tema
para o Ministério Público Federal. Os lho e da Justiça Militar, para uma recorrente é a procura, a marca do
poucos Membros que permaneciam reunião. Cabia-nos implementar, na ser humano, expressa melancólica
na carreira acumulavam cargos. A ati- prática, com rapidez, as atribuições e vigorosamente, nos últimos ver-
vidade-meio funcionava impulsionada deferidas pelo Poder Constituinte ao sos: “Procuro, não sei o que procu-
pelo sacrifício e dedicação dos velhos Ministério Público Nacional. As atri- ro. Procuro/ a grande hora que em
funcionários, cujos nomes não cito, buições, abrigadas na Carta Política, mim restou sem figura/ como em
para evitar omissões. A situação tor- eram o resultado de congressos na- um cântaro morto um fim de aber-
nara-se insustentável. Tínhamos uma cionais e estaduais, discutidos, anos tura./ Procuro, não sei o que procu-
única digitadora para seis Procurado- atrás, e aprovados pelos que deles ro. Sob estrelas de ontem,/ sob as
res de Justiça. Fui ao Ministério da Ad- participaram. que passaram, procuro/ a luz apa-
ministração solicitar a aplicação de um A orientação do Dr. Aristides Jun- gada que ainda enalteço.”
decreto de emergência, que permitia queira – chefe de rara lucidez e com-
a contratação provisória de servido- preensão do texto constitucional – foi
res. O decreto fora extinto por um dos Brasília, 25 de maio de 2009.
decisiva na nova etapa que passáva-
inúmeros Ministros da Fazenda. mos a viver. Não frustamos a expecta-
Prometeram-me verba no orça- tiva da coletividade a cujos interesses
mento para o Edifício-Sede. Firmei, éramos destinados a servir como de-
Geraldo Nunes

Memória • 17
Desafio

A aventura de trabalhar
nos Territórios

Gladaniel, Marta, Paulo, Conceição, Carlos Eduardo e Romualdo contam suas histórias dos Territórios
Foto: José Evaldo Vilela

A
s inovações introduzidas pela tiça Carlos Eduardo Magalhães e Marta atuavam nessas regiões essencialmente
Constituição de 1988 deram um Maria de Rezende e os Promotores de como representantes da Justiça, conta
caráter inovador à realidade polí- Justiça Gladaniel Palmeira de Carvalho, o Procurador Criminal Carlos Eduardo
tica do país. O novo texto alterou as di- Romualdo Covre, Conceição de Maria Magalhães de Almeida, que foi Promo-
visões político-geográficas, o que refletiu Pacheco e Paulo Batista Gomes. tor no Território de Roraima:
também nas atribuições do Ministério
“Nos Territórios, exercíamos toda a
Público. Os antigos Territórios tornaram-
Em Roraima, muitas dificuldades atividade do Ministério Público Estadu-
se Estados, o que modificou também a
atuação do Ministério Público do Distrito al e Federal. Nos Territórios Federais,
Federal e Territórios. Hoje, no MPDFT, Antes da promulgação da Carta Mag- era o nosso Ministério Público quem
trabalham seis Membros que atuaram na, os Promotores do Ministério Público fazia as vezes de Ministério Público
nos Territórios: os Procuradores de Jus- do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Federal, com todas as incumbências,

18 • Memória
Desafio

inclusive a Advocacia da União. Quan- atuou em Roraima até 1988, lembra que No Amapá, os mesmos problemas
do respondi pelo eleitoral (não havia os Territórios eram administrados pelas
remuneração), só havia um código que Forças Armadas, que tinham a incum-
O Promotor de Justiça Gladaniel Pal-
servia a mim e ao juiz. O livro sempre bência de interiorizar e integrar a Ama-
meira de Carvalho, que atuou no Terri-
acompanhava os processos, para que zônia Legal. Roraima era administrado
tório do Amapá, confirma que a situação
fizéssemos os nossos trabalhos. pela Aeronáutica, o Amapá, pela Mari-
lá era idêntica à de Roraima. Diz ainda
Em Roraima, onde fui designado Co- nha, e Rondônia, pelo Exército.
que a falta de estrutura ocasionava epi-
ordenador pelo então Procurador-Geral Diz a Procuradora Marta Rezende: sódios delicados. “Certa vez, fui a uma
de Justiça, Geraldo Nunes, recebíamos “Nosso salário era pequeno, trabalháva- cidade e a primeira-dama arcou com as
apoio do governo local. Instalações fí- mos em uma salinha do Fórum e todo o despesas da viagem e ainda providen-
sicas, funcionários, carro, motorista, material de trabalho nos era doado pelo ciou hospedagem. Horas depois, era
tudo era cedido pelo governo. O nosso governo do Território. A gente não tinha preciso impetrar uma ação contra ela”,
Ministério Público nos abastecia com códigos, não tinha biblioteca, tinha que se relembra Palmeira. “Era um trabalho
máquinas de escrever manuais e papel. virar. Trabalhávamos com nossos próprios muito difícil.”
Naquela época, a comunicação com livros. Mas a falta de estrutura não impe-
O Promotor Gladaniel lembra a im-
Brasília era feita por telex ou telefone. dia o exercício da profissão. Com o pouco
portância do trabalho realizado nos Ter-
O Diário Oficial só chegava com quase que tínhamos, era preciso representar a
ritórios. “O Ministério Público dos Terri-
quarenta dias de atraso, via malote. sociedade e zelar pela nossa instituição.”
tórios Federais, por intermédio de seus
A energia elétrica era constantemente Doutora Marta, como ficou conheci- Membros, cumpriu a missão de levar o
cortada. Éramos abastecidos por termoe- da, foi também Promotora das Promo- Direito a um Brasil esquecido. Assim, é
létrica. Em Caracaraí, Circunscrição Judici- torias Especiais do Meio Ambiente e do importante lembrar que a posição de
ária que respondia por todo o sul do Terri- Consumidor, criadas em 1987, e implan- relevo de que o Ministério Público do
tório, a luz era cortada por volta das vinte tada por ela no Território de Roraima. Distrito Federal e Territórios goza na
horas. Valente foi o nosso colega e grande Foi um marco importante, porque, no Constituição da República é fruto da in-
amigo Paulo Batista, que, sozinho, exercia Território, àquela época, o desrespeito divisibilidade da Instituição, ou seja, da
as atividades ministeriais naquele lugar. às leis era comum. promoção de justiça além da capital da
Na época do Plano Cruzado, fui É ela quem conta: “Na inauguração nação brasileira”.
obrigado a fazer compras de gêneros da Promotoria do Consumidor, realiza-
alimentícios em Santa Helena, na Vene- mos, juntamente com a Polícia Federal
Todos juízes
zuela. O nosso governo, quando tabelou e os órgãos que atendiam o consumi-
os preços, esqueceu-se de acrescentar dor, como saúde pública, Sunab e Inme-
o custo do frete às mercadorias que iam tro, uma blitz no comércio local. Todos A Promotora de Justiça Conceição
para aquele longínquo Território. os comerciantes fecharam as portas de de Maria Pacheco Brito atuou no Terri-
seus estabelecimentos em protesto con- tório Federal do Amapá, entre os anos
Mas nem tudo foram dificuldades,
tra a nova Promotoria do Consumidor. de 1983 e 1991, quando foi removida, a
também tivemos muitas alegrias. Fomos
No outro dia, saiu estampada no jornal pedido, para esta Capital da República.
sempre bem tratados pela população
local e tenho, de lá, excelente recorda- uma foto da Promotora sorrindo, com “Éramos uma espécie de “clínico ge-
ção. Sou grato àquela gente.” a manchete ‘Polícia Federal Garante o ral” e servíamos a todo o Território com
Sorriso da Promotora’. Por causa das seus municípios longínquos e de difícil
atuações frente às Promotorias do Meio acesso. Muitas vezes saíamos em co-
Nas manchetes Ambiente e do Consumidor, fui perse- mitiva (Juiz, Promotor, Defensor Públi-
guida e, inclusive, ameaçada de morte. co e servidores da Justiça) para realizar
A Procuradora Criminal Especializada Por esse motivo, minha remoção para o as sessões do Tribunal do Júri e levar a
Marta Maria de Rezende, que também Distrito Federal foi antecipada.” Justiça àqueles municípios. Passávamos >

Memória • 19
Desafio

vários dias na localidade atendendo


aquele povo tão carente que desconhe-
cia o que era e o que fazia o Ministério
Público e, não raras vezes, confundia o
Promotor de Justiça com o Juiz. Para o
povo, éramos todos juízes.
O acesso aos municípios era precá-
rio, as estradas eram de terra e com
muitos buracos. O acesso ao município
de Mazagão, a 200 km da capital, era
por meio de balsas, porque era preciso
atravessar os rios Matapi e Vila Nova.
Em várias ocasiões ocorriam problemas
de manutenção em uma das balsas. Tí-
nhamos que deixar o carro na margem
e atravessar o rio por meio de “mon-
taria” (uma espécie de canoa peque-
na e estreita, movida por remos) para
chegar à outra balsa. Entre as duas bal-
sas, havia ainda uma pequena estrada,
também de terra.
Mas nem tudo eram espinhos, havia
os bons e gratificantes momentos, como
o de levar a Justiça e o conhecimento
de seus direitos até aquele povo sofrido
e carente de tudo; o entrosamento e a
amizade que fazíamos nessas viagens, in-
clusive como o povo nativo, que nos re-
cepcionava com alegria e generosidade.
O Promotor de Justiça no Território
do Amapá, ao lado do Juiz, era conside-
rado autoridade máxima da Justiça. Era
altamente respeitado pela sociedade
e, por isso, presença quase obrigatória
nos eventos sociais.
Apesar da carência de material e da
falta de acesso aos informativos e livros
jurídicos, conseguíamos desenvolver
nossas atividades a contento. Assim,
posso dizer, com orgulho, que cresci
pessoalmente e profissionalmente na-
quele Território do Amapá, que consi-
dero minha segunda terra natal.”
A comunicação com a capital era feita por telex

20 • Memória
Desafio

Sem arrependimento cumulando com as minhas funções de liado pelas lindas “gurias”, gaúchas do
Promotor de Justiça. Projeto Rondon.
Era dezembro de 1983. O Promotor Em janeiro de 1991, fui cedido ao Mi- Dentre as lutas, enumero as que tra-
Romualdo Covre, então com 27 anos, nistério Público do recém-criado e insta- vei contra o governo local, que entendia
desembarcava em Macapá pela primei- lado Estado do Amapá, onde, com muita ser o Ministério Público um órgão sob
ra vez. “Depois de um voo cansativo, honra e orgulho, exerci as funções de seu comando, o que nunca aceitei. De-
com várias escalas e conexões, cheguei Procurador-Geral de Justiça pro-tempo- pois, já Promotor de Justiça, na defesa
a Macapá. Apesar dos sonhos e idealis- re, organizando o estatuto e presidindo o de causas indígenas. Tive algumas difi-
mo de minha juventude (tinha 27 anos), primeiro concurso para ingresso na car- culdades dada à forte ligação que tinha
o primeiro impacto não foi muito agra- reira do Ministério Público Estadual. com o bispo da Diocese de Roraima,
dável. Para mim, a visão de Macapá e, Em maio de 1992, retornei ao Dom Aldo Mongiano. Em outras ocasi-
principalmente, do próprio Ministério MPDFT. A atuação no Território foi ões, tive que ocupar todos os cargos so-
Público, sem qualquer infraestrutura uma experiência incomensurável para zinho: Defensor, Promotor e Curador.
e condições precárias de trabalho, foi o meu desenvolvimento pessoal e pro- Naqueles 11 anos tive duas meninas
decepcionante. Quase voltei para casa. fissional. Não me arrependo de nada, roraimeiras, Lara Eugênia e Luiza Elena.
Cheguei a pensar que não receberia o faria tudo novamente. Paulo Engels, de origem sulista, tinha
salário. Como o “dinheiro” chegaria em nascido em São Paulo. Os nomes em
local tão longínquo? Estava vivendo o “E” representam a minha fase socialis-
Em 11 anos, uma vida ta. Foi nesse barco que ajudei a fundar
“apocalipse now” de minha vida. En-
tretanto, graças a Deus, tudo passou. dois diretórios do PT, em Boa Vista e
Comecei a trabalhar, inicialmente como O Promotor Paulo Batista também em Caracaraí.
Defensor Público, fiz amizades e criei trouxe muitas recordações de sua época Aproveitei o máximo da natureza
uma rede de relacionamentos, minimi- de Promotor no Território de Roraima. amazônica, comi bastante peixe, co-
zando assim o sofrimento pela saudade “Numa segunda-feira de junho de 1980, nheci todo o Território, de Pacaraima
dos amigos e da família. Era solteiro. recebi um bilhete da Varig com destino (fronteira com a Venezuela) a Caroebe,
Minha primeira viagem para a cidade a Boa Vista, com 12 horas de escala em de Bonfim (fronteira de Guiana) a Santa
de Amapá, distante aproximadamente Manaus. Minha bagagem era uma gran- Maria do Boiaçu. Fui professor de nível
300 km de Macapá, foi de ônibus. “Uma de mala com livros, poucas roupas e um médio, fui músico das missas de domin-
delícia”, quase 10 horas de viagem. Cho- violão. Fui recebido, à noite, pelas pes- go, fui Presidente da OAB-RR; deste úl-
via tanto que, como se diz por lá, “urubu soas de quem me tornei grande amigo, timo tenho muito orgulho.
escorrega do galho”. No meio do cami- Dra. Zelite Andrade e seu esposo Rufino Embarquei de volta em julho de
nho, o ônibus atolou no barro, tivemos Carneiro. A Dra. Zelite, do meu concurso, 1991, numa balsa com destino a Ma-
que descer e ajudar a empurrar, che- tinha trânsito fácil no Território, pois é naus, com o meu veículo dentro de um
guei todo enlameado. Certa vez viajei, macuxi; foi embora para o Território de baú de uma loja de colchões. Vinha uma
em pé, na carroceria de um caminhão. Rondônia e tornou-se, várias vezes, Pre- mãe, uma menina de um ano, a Luiza
Fui coordenador do Ministério Públi- sidente do Tribunal de Justiça do Estado. Elena e eu. De Belém a Brasília supor-
co naquele Território do Amapá de mar- Calculei que, após dois anos, estaria tamos a longa estrada. De Caracaraí ao
ço de 1986 a dezembro de 1990, Promo- de volta ao Distrito Federal. Retornei PADF, onde havia adquirido uma chá-
tor de Justiça Eleitoral por vários anos, somente em julho de 1991. Foram 11 cara, foram 16 longos dias. Não me ar-
atuei na defesa dos interesses da União anos de muita luta e muito trabalho, a rependo de nada, nem do que fiz nem
em reclamações trabalhistas, sempre princípio na Defensoria Pública, auxi- do que não fiz. Deus é testemunha.

Memória • 21
MP hoje

Em defesa da
Lei Maria da Penha
O trabalho desenvolvido pelo MPDFT é reconhecido nacionalmente

Vencer a barreira do machismo pa-


triarcal e da desigualdade de gênero não
é tarefa das mais fáceis no Brasil. A Lei
11.340/2006, conhecida como Lei Maria
da Penha, trouxe avanços no combate
à violência doméstica contra a mulher e
na luta por seus direitos. Um dos passos
mais importantes foi a criação de varas
especializadas no atendimento a esse
tipo de delito.
No Distrito Federal, todos os casos
de violência contra a mulher são ana-
lisados na Promotoria da cidade onde
o fato aconteceu. O MPDFT também
procura trabalhar diretamente com a
comunidade na questão do enfrenta-
mento da violência doméstica, inclusi-
ve preventivamente.
A promotora Laís Cerqueira Silva, Co-
ordenadora do Núcleo de Gênero Pró- Laís Cerqueira aposta na informação como forma de prevenir a violência
Mulher, defende a informação como
forma de prevenir a violência contra a Foto: Beto Paixão

mulher. “Quanto mais a sociedade for com a Faculdade de Direito da Universida- tratam dos impactos psicossociais da vio-
informada de seus direitos, principal- de de Brasília (UnB) e com as organizações lência e de políticas públicas voltadas para
mente as mulheres, maior será a ga- não-governamentais Centro Dandara e as mulheres. Existe, ainda, um capítulo es-
rantia de reivindicar dos operadores da Agende. É o curso de formação de Promo- pecial sobre a Lei Maria da Penha.
Justiça - policiais militares e civis, juízes, toras Legais Populares, que, neste ano de A Promotora Laís ressalta que o tra-
promotores e defensores públicos - o 2009, atenderá a quinta turma de mulhe- balho é preventivo, mas que há a atua-
efetivo cumprimento da lei”, acredita. res. Com um ano de duração, ele capacita ção do MP quando os casos chegam ao
O trabalho do MPDFT com a comu- as alunas para atuar na prevenção da vio- Tribunal de Justiça. “Os processos são
nidade é desenvolvido de várias formas, lência doméstica em suas comunidades. cuidadosamente acompanhados para
desde a promoção de seminários e even- São discutidos temas relacionados aos que, se houver violação da lei, o Minis-
tos até a realização de um curso voltado direitos humanos, ao preconceito racial tério Público possa atuar e recorrer ao
somente para as mulheres, em parceria e à violência doméstica. As aulas também Superior Tribunal de Justiça.”

22 • Memória
MP hoje

Lei Maria da Penha


A Lei 11.340/06, conhecida como Lei tério Público estadual em setembro do o Brasil por negligência e omissão em
Maria da Penha, ganhou este nome em ano seguinte. O primeiro julgamento relação à violência doméstica. Uma das
homenagem a Maria da Penha Maia só aconteceu oito anos depois. punições foi a recomendação para que
Fernandes, a mulher que, por 20 anos, Em 1991, os advogados de Viveros fosse criada uma legislação adequada a
lutou para ver seu agressor preso. Ma- conseguiram anular o julgamento. Mas esse tipo de violência.
ria da Penha é biofarmacêutica e foi em 1996, Viveros foi julgado culpado A partir daí, diversas entidades reu-
casada com o professor universitário
e condenado a dez anos de reclusão, niram-se para definir um anteprojeto
Marco Antonio Herredia Viveros. Em
mas recorreu da sentença. Mesmo de- de lei contra a violência doméstica e fa-
1983, ela sofreu a primeira tentativa de
pois de 15 anos de luta e pressões inter- miliar, estabelecendo mecanismos para
assassinato, quando levou um tiro nas
nacionais, a Justiça brasileira ainda não prevenir e reduzir este tipo de violência
costas enquanto dormia. Viveros cha-
havia decidido o caso nem justificava a e também prestar assistência às vítimas.
mou socorro, alegando que tinham sido
demora. Com a ajuda de ONGs, Maria Em setembro de 2006, a Lei 11.340 final-
atacados por assaltantes. Dessa primei-
da Penha conseguiu enviar o caso para mente entrou em vigor, fazendo com
ra tentativa, Maria da Penha saiu para-
plégica. A segunda tentativa de homi- a Comissão Interamericana de Direitos que a violência contra a mulher deixas-
cídio aconteceu meses depois, quando Humanos da Organização dos Estados se de ser tratada como um crime de
Viveros empurrou Maria da Penha da Americanos (OEA). Foi a primeira vez menor potencial ofensivo. A lei também
cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la que a Comissão acatou uma denúncia acabou com as penas pagas em cestas
no chuveiro. Apesar da investigação ter de violência doméstica. Viveros só foi básicas ou multas, além de tratar como
começado em junho do mesmo ano, a preso em 2002 e cumpriu dois anos de crimes a violência física, sexual, psicoló-
denúncia só foi apresentada ao Minis- prisão. O processo da OEA condenou gica, patrimonial e o assédio moral.

Laís Cerqueira lembra que, em al- dema, São Paulo. Ele propôs um Voto de luta contra a violência doméstica e au-
guns casos, o Tribunal de Justiça no Dis- Congratulações ao Ministério Público, por mentar o clamor em favor da Lei Maria
trito Federal decidiu que, no crime de ter entrado com recursos no STJ contra da Penha.
lesão corporal leve, a vítima ainda po- o Tribunal de Justiça do Distrito Federal
deria ter a opção de não processar o seu e Territórios, que decidiu arquivar dois
agressor, o que contraria a Lei Maria da casos de lesão corporal contra mulheres, Observe - Observatório da
Penha. De acordo com a lei, a ação pe- em desrespeito à Lei Maria da Penha. Lei Maria da Penha
nal cabe ao Ministério Público, indepen-
dente de autorização da vítima. Para o vereador, “é de extrema im-
portância a ação do MPDFT, tanto na O Observatório para Implementa-
No entanto, alguns casos foram ar- ção da Lei Maria da Penha (LMP) é uma
questão institucional e principalmente
quivados e o MPDFT conseguiu que os instância autônoma, da sociedade civil,
social, ao resgatar valores inquestioná- que funciona por meio de um consór-
recursos chegassem ao Superior Tribu-
nal de Justiça (STJ). As decisões favo- veis e representar os interesses sociais e cio formado por núcleos de pesquisa
políticos da população, principalmente e organizações não-governamentais
ráveis tiveram repercussão nacional,
quando esta clama por justiça”. de todo o país. O objetivo principal é
modificando o entendimento de Pro- acompanhar o processo de efetivação
motores, Juízes e Delegados. Laércio Soares lembra ainda que há da Lei Maria da Penha a partir da cole-
A atuação do MPDFT na divulgação no país a cultura da lei que pega e a que ta, análise e divulgação de informações.
não pega, e que, por esse motivo, é fun- (www.observe.ufba.br)
da Lei Maria da Penha rendeu elogios do
vereador Laércio Soares (PCdoB), de Dia- damental fortalecer, cada vez mais, a

Memória • 23
Galeria de Fotos

Testemunhas da
consolidação do MPDFT
U
ma imagem conta muitas histórias. Para re-
construir a trajetória das sedes do MPDFT,
a Galeria de Fotos desta edição mostra as
inaugurações de cada uma delas. Desde os anos 60
até hoje, cada prédio tem muito o que contar.

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Memória • 25
Fotos: José Evaldo Vilela
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Fotos: José Evaldo Vilela

26 • Memória
Homenagem

Adivinhe quem é?
Entre os primeiros servidores do Ministério Público que vieram do Rio de Janeiro
para a nova capital, estava o primeiro motorista do MPDFT, Gabriel Jorge dos
Santos. A sede da instituição funcionava no antigo prédio da Avenida W3. O Jipe da
foto era usado para transporte de materiais de escritório e processos.

Memória • 27
Eixo Monumental - Praça do Buriti, Lote 2, Edifício-Sede - Brasília DF CEP: 70.091-900
Telefones: (61) 3343-9500
www.mpdft.gov.br

28 • Memória

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