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Janela da Escuta

1. O programa Janela da Escuta e o adolescente especialista de si

O Programa Janela da Escuta é um programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal


de Minas Gerais (UFMG), voltado para o atendimento de adolescentes a partir de uma orientação
transdisciplinar na qual se entrelaçam os campos da saúde, da arte e da psicanálise. O Janela da
Escuta existe desde 2005; seu surgimento remonta ao convite do professor Roberto Assis aos
alunos do Ambulatório de Saúde do Adolescente do Hospital das Clínicas da UFMG: “abram a
janela da escuta”, ele propõe, com a mão em concha junto ao ouvido; "façam uma pergunta a
mais”. Com esse convite, inaugurou-se uma metodologia que o Janela da Escuta vem
sustentando há 18 anos, num trabalho indissociável do campo social e político, funcionando como
um dispositivo do Sistema Único de Saúde e dialogando com os demais dispositivos, redes e
políticas públicas voltados para os adolescentes.
Atualmente, o programa é realizado em parceria com a Escola Guignard da Universidade
do Estado de Minas Gerais, com o Instituto Undió e com o Instituto Se Toque. O Janela da Escuta
compõe ainda o Observatório de Saúde da Criança e do Adolescente (ObservaPED) do
Departamento de Pediatria da UFMG; além de ser cenário de um laboratório do Centro
Interdisciplinar de Estudos sobre a Criança do Campo Freudiano (CIEN), entre outras inserções e
desdobramentos.
É importante ressaltar que o Janela da Escuta é um cenário de ensino e pesquisa do
Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, forjado pela
professora Elza Melo. Dessa forma, encontra-se em interseção com outros projetos realizados na
universidade como o Projeto Para Elas, Por Elas, Por Eles, Por Nós — que é uma referência no
atendimento das mulheres e com o qual o programa Janela da Escuta possui uma convergência
de orientação ética e política. Neste capítulo, a partir da experiência do Janela da Escuta, propõe-
se demonstrar a potência da extensão universitária como um pólo de circulação de discursos,
permitindo o fomento de novas metodologias e ações para o combate da violência contínua.
A pesquisa realizada no âmbito do Janela da Escuta aponta para a adolescência, no
contemporâneo, como submetida a uma violência do não-lugar: essa expressão utilizada por
André Marinho (2022, p. 690) permite nomear um certo desamparo apresentado de variadas
formas para os sujeitos que se deparam, na travessia da adolescência, com uma precariedade de
recursos sociais, políticos, culturais. Um fato emblemático é a inexistência de uma Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes no Brasil. De maneira mais ampla,
podemos constatar a partir do trabalho clínico no Janela da Escuta que há algo na adolescência
que é dificilmente “integrado" pelas estruturas sociais vigentes, voltadas para a normalização e
para a produtividade capitalista. Tal hostilização mostra sua faceta mais cruel no encarceramento
e no genocídio de jovens negros no Brasil.
Sendo assim, muitos dos adolescentes acolhidos no Programa Janela da Escuta
mobilizam aquilo que foi chamado de uma “clínica do resto”: trata-se do trabalho com
adolescentes que de alguma maneira se encontraram nesse “não-lugar” e frequentemente
passaram anteriormente por outras instituições e serviços. Muitas vezes, são adolescentes
periféricos, pretos ou pardos, transsexuais, com doenças crônicas, com história prévia de
desencontros no sistema escolar, com laços familiares frágeis, abrigados, em conflito com a lei ou
cumprimento de medida socioeducativa, ou em outras situações de vulnerabilidade. Entretanto, o
objetivo do trabalho do Janela da Escuta não é simplesmente denunciar uma lacuna na
assistência a esses adolescentes. Pelo contrário, a metodologia do Janela da Escuta visa que o
programa funcione como uma espécie de laboratório cujos efeitos podem ser multiplicados pelas
redes e políticas públicas. Trata-se portanto de um trabalho feito em parceria com essas políticas,
mobilizando em torno de cada caso as redes institucionais e as “redes vivas”, expressão de
Emerson Mehry (2014) que designa o modo singular como cada usuário das políticas públicas se
apropria das redes formais e informais de cuidado.
Dessa forma, embora um dos seus campos de atuação seja um hospital quaternário, a
metodologia do Janela da Escuta se propõe a rearticular cada caso com seu território geográfico e
político, se valendo de estratégias como a conversação clínica interdisciplinar.
O cerne dessa metodologia, que não se restringe ao espaço do ambulatório, é a
orientação pelo adolescente como um “especialista de si”. Tal expressão visa ressaltar que os
adolescentes, para além de estarem submetidos por um lado aos dogmas, tradições e
expectativas sociais e pedagógicas; e, por outro lado, a uma multiplicidade de conhecimentos
científicos cada vez mais especializados; possuem, eles próprios, um saber: sobre o seu
sofrimento, seus impasses de vida, seu tratamento, e sua travessia delicada da adolescência.
Cabe aos profissionais orientados pela psicanálise dar lugar a esse saber do adolescente, que se
constrói de forma singular para cada caso.
A escuta do adolescente enquanto um especialista de si é uma escuta inventora de um
lugar discursivo, que ultrapassa o lugar físico da universidade e pode até mesmo provocar giros
no discurso universitário. A ética da psicanálise, que se fundamenta na diferença absoluta,
também será discutida neste capítulo enquanto um operador civilizatório contra as formas
necropolíticas de segregação.
Enquanto programa de extensão da UFMG, o Janela da Escuta se constitui de quatro
projetos de extensão: Arte na Espera, Arte Palavra, Adolescente e Saber e Janela da Escuta.
Além disso, o programa se desdobra em projetos de pesquisa, em uma liga acadêmica, e em suas
conexões com outros projetos e instituições que se dedicam à questão da adolescência. Todos
esses “pontos de pouso”, como diz Juliana Motta no prefácio do livro Janela da Escuta (2022, p.
22) são postos em cena a partir da orientação ética para o adolescente como um especialista de
si. Os desdobramentos que daí são lançados permitem a tessitura de redes sob medida para cada
caso.
2. A conversação clínica e a tessitura de redes sob medida

3. A ética do singular e a escuta contra a violência


>> Na perspectiva do Janela da Escuta, o atendimento clínico é indissociável do campo social
>> Os discursos como operadores do laço social; os 4 discursos (protótipo – mestre)
>> A universidade como um discurso da mestria do saber; objetalizante
>> O discurso do universitário e o discurso do capitalista como lógicas hegemônicas do
contemporâneo
>> O giro discursivo como um movimento político
>> Di Caccia – psicanálise aplicada: esvaziamento do lugar do mestre dando lugar à falta
>> A postura histericizante da psicanálise: pergunta sobre o desejo; produção de um saber com
furos
>> O discurso do analista que produz um S1

>> Esse 1 produzido pela operação analítica é o 1 da diferença absoluta: fundamento ético da
nossa prática
>> A ética da marca singularizante, que dá dignidade aos detalhes e à diferença absoluta de cada
sujeito

>> A violência como homogeneizante – agressão ao que foge das normas, ao que foge de um
projeto capitalista que visa a produtividade lucrativa; a segregação como “paixão do mesmo"

>> Nesse sentido, a ética da psicanálise pode servir como uma “ajuda contra” a violência contínua.

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