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VASCONCELOS,

  Renata   Nunes,   SANTOS,   Jacia   Soares   and   SANTIAGO,   Ana   Lydia   Bezerra.  
Abordagem   clínico-­‐pedagógica   do   mal-­‐estar   das   crianças   frente   às   dificuldades   escolares.   In  
Proceedings  of  the  7th  Formação  de  Profissionais  e  a  Criança-­‐Sujeito,  2008   ()   [online].   2009   [cited   24  
September  2012].  

Abordagem clínico-pedagógica do mal-estar das


crianças frente às dificuldades escolares
Renata Nunes VasconcelosI; Jacia Soares SantosII; Ana Lydia Bezerra
SantiagoIII

I
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Fae/UFMG; integrante
do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação - NIPSE e
professora da Fae-UEMG e da rede municipal de Belo Horizonte
II
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Fae/UFMG; integrante
do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação e professora da
rede municipal de Belo Horizonte
III
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Fae /UFMG e
Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação -
NIPSE

RESUMO

Na atualidade, o fenômeno fracasso escolar, em suas diferentes modalidades, tem


atingido um número expressivo de crianças e jovens, caracterizando-se, cada vez
mais, como um desafio a ser enfrentado pelas políticas públicas. Para a psicanálise,
esse fenômeno reveste-se de um aspecto marcante do mundo contemporâneo: a
segregação. O desânimo que se produz nos sujeitos frente ao insucesso das
aprendizagens escolares produz um sentimento de impotência para ensinar e
aprender, dando lugar a vários sintomas. Nesse sentido, a psicanálise pretende ser
mais um descortinador desse fenômeno, tomando o fracasso escolar como um
sintoma produzido no interior de uma série de discursos presentes nas práticas
escolares. Acredita-se que, por meio desse sintoma, seja possível explorar a
relação do sujeito com a cultura, na medida em que esta lhe oferta nomes. Nesse
sentido, o trabalho aqui proposto é um projeto de pesquisa-intervenção que vem
sendo desenvolvido em 33 escolas da rede municipal de Belo Horizonte, com baixo
Índice de Desenvolvimento Escolar Básico (IDEB). O projeto objetiva a investigação
do mal-estar onde ele se localiza, ou seja, na escola. Para isso, propõe a
intervenção clínico-pedagógica, a qual tem por objetivo identificar, a partir do que a
criança tem a dizer sobre suas dificuldades, se um determinado problema advém
de questões cognitivas, subjetivas ou de saúde mental, além de intervir clínica e
pedagogicamente sobre as variáveis que impossibilitam o processo ensino-
aprendizagem.

Palavras-chave: Psicanálise, Educação e diagnóstico clínico-pedagógico


1. Fracasso escolar: sintoma na educação

Saber o que fazer diante dos índices persistentes que anunciam o fracasso escolar
tem sido um desafio para as políticas públicas educacionais e para os profissionais
da educação há pelos menos quatro décadas. Desde a década de 1970, o fracasso
escolar tem se apresentado como um problema persistente, como se fosse um
fenômeno primo-irmão da universalização da educação básica. Se os altos índices
de reprovação escolar eram o desafio que se apresentava inicialmente, na
atualidade os índices de defasagem idade-série e os processos de avaliação
confirmam a precariedade do ensino na escola pública brasileira.

No decorrer desse tempo, já acumulamos muito saber sobre o fracasso escolar com
a elaboração de proposições que tentam fazer com que esse processo se reverta.
As gestões, principalmente as municipais, comprometidas com a qualidade da
escola pública, têm, nos últimos 20 anos, elaborado políticas públicas e
intervenções pedagógicas no sentido de enfrentar o problema. Podemos destacar
as propostas de avaliação diagnóstica, os ciclos de idade de formação – em
substituição à série –, a ampliação do tempo escolar, projetos de atendimento
extraclasse aos alunos com dificuldades de aprendizagem, investimento na
formação docente, criação do FUNDEB, proposições curriculares, para citar
algumas.

Quando saímos do campo das políticas públicas e vamos ao encontro de


professores do Ensino Fundamental é comum ouvi-los enumerar uma grande
quantidade de crianças que fracassam em suas escolas: "Nessa sala todos têm
dificuldades de aprender"; "Na escola deve ter pelo menos uns 150 alunos que não
sabem nada"! Estariam os professores e as políticas errando tanto e sendo tão
incompetentes na solução da questão? Em que pese às críticas acerca dessas
proposições, não há como negar que houve tentativas de enfrentar o problema. E,
no entanto, claudicaram, falharam na sua tarefa de resolver a situação dos "alunos
fracassados" ou mesmo no sentido de produzir algum efeito. Não concordamos com
aqueles que afirmam que não houve proposições ou, mesmo, com as críticas que
atestam a fragilidade das ações, dizendo: "Por isso não ia dar certo". Esse discurso
parece pretender encontrar um culpado e, assim, cai num pensamento redundante,
como se o tema pudesse ser polarizado entre bem e mal, certo e errado, positivo e
negativo.

No entanto, para nós o que fracassa é a noção do "Ideal" presente nessa


formulação, que só faz produzir e reforçar a segregação tão comum em nosso
tempo (LACAN, 1967). Além disso, também discordamos do Ideal de erradicação
do fracasso, pois, diferentemente do que afirmam as políticas e a pedagogia, ele
será sempre aquilo que não cessa no campo pedagógico. Eliminar e erradicar são
palavras representativas desse Ideal que prega a dissolução de fenômenos
desconcertantes na escola, nascidos com a obrigatoriedade da escolarização. Para a
psicanálise, o fracasso não é patologia, distúrbio ou déficit linguístico, como
supõem os diferentes discursos que tentam explicá-lo1.

Nosso objetivo aqui é analisar o fracasso a partir daqueles que não aprendem;
aqueles que incomodam os profissionais da escola depois de esgotadas as
tentativas no ensino. Estes recebem diferentes nomes no decorrer de sua trajetória
escolar. Alguns efeitos do fracasso sobre os alunos já são conhecidos. O indivíduo
não sabe por que não aprende e não compreende o que acontece com ele, o que o
torna incapaz de atuar sobre a própria aprendizagem. Não há motivos aparentes ou
indícios que mostrem por que ele não consegue o sucesso na aquisição, por
exemplo, da leitura e da escrita (CORDIÈ, 2003). Por isso, para a psicanálise,
quando tudo falha depois de tudo ser tentado, podemos afirmar estar diante de um
sintoma, sintoma este que não se caracteriza como um disfuncionamento ou
patologia. Foi Freud (1926[1974]) quem deu ao sintoma outro estatuto,
diferentemente da tradição hipocrática, concebendo-o como uma formação do
inconsciente.

Falamos de sintoma sem falar de disfuncionamento, mesmo que este possa ser um
sintoma. Se estivermos no campo do Ideal, o sintoma significa algo que falha, que
disfunciona o laço social, rompendo a sua coesão, a sua harmonia, como nos diria
Durkheim. No Ideal, a lógica de funcionamento é o enquadramento de todos a um
modo de ser, homogêneo e único. Aqueles que não conseguem se enquadrar nesse
modo de funcionamento universal e ideal são chamados de esquisitos, estranhos,
disfuncionais e tantos outros nomes já conhecidos. Quando nos deslocamos dessa
relação com o Ideal, sintoma é funcionamento e nos revela a complexidade das
relações linguajeiras presentes no meio social, nas quais o sujeito está imerso. Isso
dá lugar a um espaço vago entre o Ideal coletivo e o sujeito, o que permite uma
investigação sobre o sintoma que ali se localiza (SANTIAGO, 2007).

Colocamos-nos então nessa orientação: pelo sintoma é possível investigarmos esse


espaço vago pela qual o sujeito se manifesta. Sintoma, para nós então, fala de
funcionamento e, através dele, é possível, inclusive, investigarmos também a
sociedade, pois ele depende da civilização, se inscreve no social, deixa sua marca
(LAURENT, 2006). Afirmar o sintoma como funcionamento permite introduzir um
campo de investigação entre o ideal coletivo e a parte de gozo de cada sujeito. Há
um espaço vazio entre os nomes ofertados pelo Outro ao sujeito e aqueles com os
quais ele se identifica. Ou seja, aluno fracassado pode ser ou não um nome aceito
por uma criança individualmente, mesmo sendo ofertado a todas. Mas é por esse
nome ofertado e dito à criança que podemos investigar como cada um se posiciona
em relação a ele.

Nessa dimensão, o sintoma interfere no laço social, assume uma forma de


"desconexão com o social", havendo um comprometimento mútuo: tanto o sujeito
se vê segregado de seu desejo alienado nos nomes recebidos do Outro quanto o
social interrompe a possibilidade de o sujeito contribuir com sua vida na cultura,
estabelecendo o laço. Aqui o sintoma segrega o que há de mais particular,
tornando-se disfuncionamento no laço social, já que dificulta ao sujeito um trabalho
subjetivo no sentido de elaborar outro nome para si. Ouvimos certa vez de um
aluno morador de uma favela: "Sou um favelado moderno". Ou seja, ele não é
qualquer favelado como a cultura que homogeneíza quer. Ele é o João, um morador
da favela e moderno. Aqui, no caso do João, o sintoma realiza uma conexão entre o
que há de mais singular no sujeito e o laço com o Outro. O sintoma, nesse sentido,
é uma criação que fala da relação sempre tensa entre o sujeito e o Outro. Não há
como eliminá-lo do discurso, uma vez que na relação do sujeito e o Outro há um
mal-estar que fala da regulação que cada um precisa fazer para viver em
sociedade.

Como levar essas orientações para o campo de investigação na universidade tem


sido o desafio. Para Santiago (2008), a pesquisa de intervenção é a possibilidade
de investigação do sintoma quando o sujeito se faz assim na mira do Outro. Entre
as formas de investigação desenvolvidas pelo NIPSE – Núcleo Interdisciplinar de
Pesquisa em Psicanálise e Educação2 —, aqui estaremos dando ênfase ao
diagnóstico clinico-pedagógico como estratégia principal para o estudo do fracasso
escolar de crianças frente ao processo de aprendizagem da leitura e da escrita.
É por essa via que podemos investigar o sintoma que interfere no funcionamento
do laço social. Essa aposta no discurso analítico pode gerar outra resposta
discursiva para o problema do fracasso, procurando pela via da palavra e do
diagnóstico clínico-pedagógico uma saída para o confinamento a que alguns
meninos e meninas são relegados. Emaranhados que estão nos nomes ofertados
pela ciência, esses meninos e meninas, em idade escolar, recebem toda sorte de
críticas pelo seu fracasso inexplicável e incompreensível. Essas críticas, assentadas
que estão na moralidade, atribuem a eles características individuais, como má-
vontade, preguiça e toda sorte de nomeações que individualizam o fracasso,
produzindo mais segregação.

1. O Projeto 33 e o diagnóstico clínico-pedagógico: uma


proposta de investigação para o sintoma

A pesquisa de intervenção partindo do sintoma é, a nosso ver, a possibilidade de


investigação das formas de impossível que se manifestam no campo da educação.
Nesse sentido, apostamos no projeto de intervenção clínico-pedagógico proposto
pelo NIPSE. Buscando ser mais um meio de intervir no fenômeno do fracasso
escolar, tomando-o como um sintoma produzido no interior de uma série de
discursos presentes nas práticas escolares, esse projeto foi criado com a finalidade
de atender às 33 escolas da rede municipal de Belo Horizonte, selecionadas pela
Secretaria Municipal de Educação, frente aos resultados insatisfatórios obtidos em
dois indicadores de qualidade da educação: Índice de Desenvolvimento Escolar
Básico (IDEB) e Avaliação Censitária (INEP, Prova Brasil). Nesse sentido, o objetivo
do projeto é investigar o mal-estar onde ele se localiza, ou seja, na escola.

Baseado no diagnóstico clínico-pedagógico proposto por Santiago (2005), o projeto


de pesquisa, criado pelo NIPSE, consiste em intervir junto aos alunos que ainda não
se encontram alfabetizados ou que apresentam dificuldades no domínio da língua
escrita, visando verificar de que ordem seriam seus impasses: conceitual-
pedagógica, subjetiva ou de saúde mental. Ou seja, quando uma criança não
aprende a ler e escrever, de que ordem seria seu impasse? Seria um conflito
psíquico ou se trata de "carência educativa"?

Nas escolas, para que a intervenção clínico-pedagógica aconteça, faz-se necessário


um levantamento prévio dos alunos e de seus "problemas" junto aos professores e
coordenadores pedagógicos. Solicitamos aos professores que nos apresentem os
alunos de suas turmas que, para eles, seriam os alunos-problema, classificando-os
segundo dois critérios básicos: alunos com dificuldade de aprendizagem e alunos
com problemas de disciplina. Após essa classificação, fazemos a aplicação de uma
atividade-diagnóstica, a qual aponta o nível de escrita em que se encontra a
criança, e agrupamos os alunos a partir desse nível apresentado ou a partir de
algum comportamento atípico. São realizados em média cinco encontros com cada
grupo de alunos, sendo que cada um deles tem duração de 45 minutos. Todos os
encontros são realizados na escola, no horário regular de aula das crianças.

Durante a intervenção clínico-pedagógica, à medida que a criança desempenha as


atividades solicitadas – tais como leitura, escrita dirigida e espontânea – e
apresenta erros, é dada a ela a oportunidade de falar sobre suas dificuldades, o que
nos permite localizar os seus impasses no processo de leitura e escrita,
favorecendo a criação de um método reeducativo único para cada sujeito. Além
disso, "o recurso de escutar o que a própria criança tem a dizer sobre sua
dificuldade, ou seja, de levar em consideração o que o sujeito sabe sobre o que lhe
acontece, torna possível a elucidação de elementos subjetivos ou de sentido
inconsciente" (SANTIAGO, 2005, p.29). Nesse sentido, apesar de se basear na
averiguação do conhecimento da criança, no domínio dos fundamentos teóricos
imprescindíveis para a superação dos erros de conteúdo, a intervenção clínico-
pedagógica exerce uma função clínica ao interrogar o aluno sobre seus impasses,
tal como o analista interroga o paciente a respeito de seu sintoma. Porém, é
preciso ressaltar que, durante o processo de intervenção, o interventor não realiza
nenhum tipo de interpretação clínica. Sua função se restringe a nomear o impasse
e dar à criança as informações que lhe possibilitem (re)posicionar-se diante dele.

Na intervenção clínico-pedagógica, através daquilo que nos é confidenciado pelas


crianças, temos podido confirmar que o sucesso nos estudos não se atém somente
à capacidade cognitiva e orgânica dos alunos. Muitos outros fatores devem ser
considerados quando se pensa o fracasso do sujeito no processo de escolarização.
Entre esses fatores, o modo como as crianças são nomeadas no âmbito da escola –
indisciplinadas, problemáticas, desatentas, incapazes –, na busca de uma
justificativa para o insucesso no processo de ensino/aprendizagem, tem afetado
substancialmente sua subjetividade. Essas nomeações, incorporadas pelas crianças,
agravam ainda mais a sua situação de fracassadas. Nesse sentido, a recusa ao
aprendizado, não raras vezes, está relacionada a um conflito inconsciente entre os
diferentes modos de identificação do sujeito. As crianças podem apresentar uma
posição subjetiva que reflete exatamente a imagem do que ela é para o Outro,
como veremos no caso Paulo.

2. Paulo: aquele que não dava conta

Paulo tem oito anos e está cursando a terceira etapa do primeiro ciclo da Escola
Plural – o equivaleria à terceira série no sistema seriado. Foi encaminhado para
atendimento clínico-pedagógico com a queixa de que, mesmo com três anos de
escolarização, apresentava uma escrita pré-silábica. Na escola, era unânime a
crença de que Paulo não aprenderia a ler enquanto não reconhecesse as letras.
Assim, todos os esforços em sala de aula eram para que essa criança aprendesse a
nomear as letras.

Paulo chega para o diagnóstico clínico-pedagógico com um sentimento de "nada


saber". Dizia não "dar conta" de realizar nenhuma das atividades solicitadas. A
escrita espontânea para ele era sentida como torturante, pois na sala de aula se
limitava a fazer cópias. No entanto, à medida que os atendimentos vão
acontecendo, à medida que a transferência de trabalho é estabelecida, essa criança
deixa transparecer que sabe muito mais do que a escola supõe. Paulo passa da
escrita pré-silábica para a silábica-alfabética em apenas uma semana de
atendimento, o que causou grande impacto junto aos seus professores, uma vez
que aprendera a nomear, até então, somente quatro letras.
Com o caso Paulo, além de apreendermos algo pouco comum no processo de
construção da base alfabética da escrita – nomear e identificar as letras do alfabeto
são processos distintos que podem se complementar, mas não estão condicionados
um ao outro –, pudemos verificar que as particularidades do sujeito, o modo
singular como cada um tem que se haver com o saber, não são objetos de
investigação apurada por parte do coletivo de profissionais da escola. Na escola,
tudo é feito para que os alunos se tornem iguais. Os que se afastam desse modelo
vão sendo aos poucos excluídos da sala de aula. O bom aluno não é aquele que
aprende a seu modo; o bom aluno é aquele capaz de aprender o quê e como a
escola ensina. No caso apresentado, Paulo, ao não ter o seu saber suposto pela
professora ou qualquer outro profissional da escola, devido a sua dificuldade em
nomear as letras, mostrava-se refratário ao ensino e à aprendizagem,
permanecendo aprisionado no lugar que lhe foi dado pelo outro. A não suposição da
capacidade intelectual do aluno em sala de aula, conforme temos constatado, está
entre os fatores geradores da não-aprendizagem.

Ao final de cada processo de intervenção clínico-pedagógica, tendo em mãos os


resultados colhidos com os atendimentos das crianças, é feita a discussão com os
professores e coordenadores sobre os impasses apresentados e a relação destes
com o que é demonstrado em sala de aula. O caso Paulo, por exemplo, nos indicou
a necessidade de discutir junto aos seus professores a forma particular com que
este aluno inventa a construção da escrita, buscando, juntos, criar condições de
alfabetização e letramento para esse aluno, em sala de aula.

A maioria das crianças que chega para o atendimento clínico-pedagógico traz


consigo um diagnóstico precoce, deduzido, na maioria das vezes pela própria
escola, de que possui problemas subjetivos. Esse diagnóstico, conforme Santiago
(2008), serve para justificar o insucesso do aluno no processo de
ensino/aprendizagem, tirando a responsabilidade do professor no que diz respeito à
sua ação de ensinar. O que temos podido averiguar, através do trabalho de
intervenção clínico-pedagógica, é que nem todos os impasses das crianças
encaminhadas são de ordem subjetiva. Muitas vezes, faltam aos alunos apenas
conceitos de ordem pedagógica e, por isso, um diagnóstico clínico-pedagógico
detalhado é de fundamental importância antes de aceitar qualquer demanda de
tratamento solicitada pela escola.

Quando o impasse é de ordem pedagógica, basta a orientação conceitual ou a


informação para que a criança o supere. Os alunos que apresentam impasses dessa
ordem, após a conclusão das intervenções, passam a ser acompanhados pelo
professor da escola, o qual, de posse dos relatórios elaborados pelo NIPSE sobre os
impasses de cada criança, poderá dar continuidade ao trabalho, em sala de aula, de
maneira a contemplar a sua individualidade. Somente os alunos que, mesmo diante
da informação conceitual, persistem no erro, dando-nos indicativos de uma
manifestação sintomática, são encaminhados para estudo de caso e possível
tratamento.

O diferencial na abordagem clínico-pedagógica do fracasso escolar proposta pelo


NIPSE é a contemplação da dimensão do sujeito na análise das dificuldades
escolares. As crianças que fracassam, nas palavras de Santiago (2005), interessam
à ciência apenas como portadores de déficits que necessitam ser solucionados. A
subjetividade, geralmente, não é levada em conta; é limitada ao silêncio, e é isso
que tentamos fazer quando convidamos a criança a falar sobre suas dificuldades no
processo de ensino e aprendizagem.

O projeto está em desenvolvimento desde o ano de 2008. Já podemos mostrar


alguns resultados obtidos, como no caso da primeira escola em que o projeto foi
realizado, onde mais de 25 crianças e jovens conseguiram sair da situação de
fracasso escolar e construir outra possibilidade de laço social.

Referências bibliográficas:

CORDIÉ, Anny. Malestar en el docente. La educación confrontada con el


psicoanálises. 1ª ed. 1ª reimp. Buenos Aires: Nueva Visón, 2003. 367 p

FREUD, Sigmund. [1926]. Inibições, sintomas e ansiedade. In: Edição Standard


Brasileira das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, vol. XX. RIO DE Janeiro:
Imago, 1974. P.93-201

LACAN, Jacques. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da


Escola. IN: LACAN, Jacques. Outros escritos. Rio de janeiro. Jorge Zahar editor,
2003. P. 248-264

LACAN, Jacques. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Tradutores:


Marie Christine Laznik Penot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 1985. 413 p

LAURENT, Éric. A sociedade do sintoma. A psicanálise, hoje. Rio de Janeiro: Contra


Capa, 2006. 229 p.

SANTIAGO, A. L. B. Psicanálise aplicada ao campo da educação. Intervenção na


desinserção social na escola. 2007. (no prelo)

SANTIAGO, A. L. B.O mal-estar na educação e a Conversação como metodologia de


pesquisa intervenção na área de psicanálise e educação. In: Lucia Rabello de
Castro; Vera Lopes Besset. (Org.). Pesquisa-intervenção na infância e adolescência.
1ª ed. Rio de Janeiro: NAU Editora Trarepa/FAPERJ, 2008. P. 113-131.

SANTIAGO, Ana Lydia B. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar editor, 2005.229 p.
1 Estamos aqui tratando das três abordagens citadas por Santiago (2005), quais
sejam, a organicista, a cognitivista e a sociogênica.
2 Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação da Faculdade de
Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenado por
Ana Lydia Santiago, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação:
Conhecimento e Inclusão Social, da FaE/UFMG, que se vincula à linha de pesquisa
"Psicologia, Psicanálise e Educação", ao Laboratório de Psicologia e Educação
Helena Antipoff (Laped) e ao Centre Interdisciplinair sur l'Enfant (CIEN), da
Fundação do Campo Freudiano ao IPSM-MG- Instituto de Psicanálise e Saúde
Mental de Minas Gerais. Em parceria com este último, o NIPSE desenvolve
semestralmente Ciclos de Conferências sobre Psicanálise e Educação, cujo intuito é
divulgar os resultados das Conversações sobre os sintomas do ato de educar na
vida contemporânea.

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