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Poços de Caldas
2020
1. INTRODUÇÃO
O espectro autista se caracteriza por danos desde os primeiros anos de vida na área de
interação social, comunicação e comportamento (BOSA; CALLIAS, 2000). Os estudos
realizados relacionados às áreas de etiologia, possibilidades terapêuticas e inserção em
escolas regulares não são conclusivos, dado que se evidencia a importância de novas
pesquisas.
O direito à matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais em escolas
regulares no Brasil é garantido por lei desde a Constituição de 1988. Porém, a inserção de
crianças com autismo no contexto escolar, especialmente em escolas públicas, tem se tornado
um problema principalmente pelo fato de nosso país não se preocupar em oferecer um
atendimento adequado a crianças e jovens com esse transtorno. A grande questão é que tipo
de atendimento especializado seria importante nas áreas da educação e saúde.
A escola, ao receber uma criança com dificuldades em se relacionar, seguir regras
sociais e de adaptar-se, muitas vezes confunde esses comportamentos com falta de educação e
de limite. E, por falta de conhecimento, muitos profissionais da educação não sabem
reconhecer e identificar as características de um autista. A partir disto, o ambiente escolar
pode tornar-se de difícil convivência, tanto para o autista quanto para o professor que não
possui habilidades para lidar com a realidade do aluno, causando estresse para ambas as
partes e prejudicando principalmente o desenvolvimento da criança. Não se deve pensar no
autismo como algo fora da nossa realidade e condenado ao isolamento em escolas
especializadas. Existe muito a se fazer pelos autistas e a principal ação é conhecer a história
de aprendizagem de cada criança ou jovem com autismo, visto que se pode encontrar
especificidades e capacidades em cada uma delas. É preciso entender a visão de mundo de
uma criança autista, não como algo distante, mas como uma pessoa que passará por fases em
seu desenvolvimento e que precisará de compreensão das pessoas ao redor. Importante
considerar a sua inserção na escola regular, proporcionando além da aprendizagem o convívio
social.
Foram levantadas algumas hipóteses para a realização da presente pesquisa que se
referem à possível falta de orientação ou de execução das orientações por parte dos
educadores em relação ao TEA, sobre como inserir a criança no contexto de ensino regular e a
falta de aplicação/adaptação de metodologias de ensino que possam amenizar os prejuízos
causados pelo transtorno.
Acredita-se que o trabalho a ser realizado tentará esclarecer e apontar sugestões de
mudanças em relação aos métodos e relações estabelecidas entre aluno e professor, para que a
inclusão escolar e social das crianças autistas seja efetiva. A partir do que já foi exposto, é
possível realizar os seguintes questionamentos: (a) será que a lei que protege os direitos de
pessoas com Transtorno do Espectro Autista está sendo posta em prática e tem visibilidade a
todas as pessoas? As escolas regulares do ensino público possuem estrutura adequada para a
inclusão desses alunos? Os educadores e funcionários possuem cursos que os qualifiquem
para o trabalho com os autistas? E quais os danos e estresses causados pela não orientação de
como lidar com o transtorno?
A justificativa para a realização dessa pesquisa se deve ao fato de ainda existirem
poucos trabalhos que relacionem a falta de orientação e qualificação dos profissionais na área
educacional, com a dificuldade demonstrada pelos autistas em adaptarem-se ao novo
ambiente, manter relações sociais estáveis e desenvolverem-se cognitivamente
(AGRIPINO-RAMOS; LEMOS; SALOMÃO, 2014). Também foi levado em consideração
que a partir deste contexto de não experiência por parte da professora e dificuldades de
adaptação da criança com autismo, o ambiente acaba sendo influenciado pelo estresse, o que
muitas vezes leva à desistência de ambas as partes de persistirem na aprendizagem. Com base
nos resultados que serão obtidos, busca-se identificar que procedimentos de ensino são
utilizados para promover a inclusão da criança.
O interesse pelo tema proposto surgiu de contatos pessoais com autistas, através do
estágio de observação da disciplina de Psicologia Social, onde foi possível perceber as
dificuldades que a criança autista possuía no processo de inserção social e as limitações nas
atividades propostas pelos educadores. Observou-se, também, as complicações enfrentadas
pelos professores para a adaptação destes alunos tão peculiares, com dificuldades no
desenvolvimento de diversos tipos de exercícios e falhas na comunicação. Em casos em que o
grau de severidade do transtorno é maior, o autista não consegue compreender o que está
sendo proposto e o professor não consegue passar a mensagem. Outro fator que influenciou
na decisão pelo tema da pesquisa, é o despreparo estrutural das escolas regulares, não
possuindo espaços específicos reservados para essas crianças e funcionários com qualificação
adequada para auxiliar na adaptação.
Esta pesquisa buscou estudar como a instituição de ensino escolhida acompanha o
desenvolvimento das crianças com Transtorno do Espectro Autista, na faixa etária dos 4 aos
12 anos, inseridas no contexto escolar de unidades da rede pública de ensino. Quanto aos
objetivos específicos, ficou definido: (a) Observar o acompanhamento escolar de alunos com
TEA no ensino regular, a partir de sua interação social e dos métodos utilizados pela
professora para aprendizagem dos processos cognitivos; (b) Verificar como ocorre a mediação
das professoras com os alunos com TEA; (c) Identificar as facilidades e dificuldades
observadas e apontadas pelas professoras regentes e professoras de apoio nas relações
estabelecidas com os alunos em sala de aula.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Serão abordados, nos seguintes parágrafos, tópicos com explicações acerca do que é o
Transtorno do Espectro Autista, uma breve contextualização sobre o histórico da Educação
Especial no Brasil e a importância das habilidades sociais no contexto escolar para crianças
autistas.
Mead (apud Camargo; Bosa, 2008), em seus estudos sobre interacionismo simbólico,
descrevia a socialização como construção de uma identidade social, dada na e pela interação
com os outros. Para Mead, a ação direta de um indivíduo só faz sentido através do gesto de
outro, e cada gesto precisa ser interpretado de acordo com o significado que cada pessoa
atribui à ação. Em escolas, a convivência e partilha de experiências de crianças típicas com
crianças atípicas (no caso, autistas) muito pode contribuir para a visão de mundo de ambas as
partes. Lidar com as diferenças e compreender os diversos significados que uma criança pode
atribuir a uma ação, é o que possibilitaria um progresso cultural e cognitivo.
A escassez de estudos nessa área prejudica a tentativa de não isolamento e condenação
de crianças com TEA, contribuindo para a manutenção do “tabu” em que é associado o
autismo, e dificultando a integração de medidas que combatam essas limitações. A correta
mediação por parte do ambiente escolar, das crianças e do professor é o que define a
permanência ou não da criança com deficiência e/ou necessidades especiais na escola. As
vivências escolares devem promover um desenvolvimento e aprimoramento de aspectos
falhos da tríade – interação social, comunicação e cognição. Nesse processo, com certeza, as
educadoras, alunos do ensino regular e as crianças com TEA estarão aprendendo juntos em
todos os aspectos.
3 METODOLOGIA
3.1 Participantes
Participaram da pesquisa uma professora regente e duas professoras de apoio (A1 e
A2), dos 1° e 2° ano, a psicopedagoga da Sala de Recuros Multifuncionais e foram
observados três alunos (B1, B2 e B3), do sexo masculino, com idades entre 9 e 12 anos, sendo
um de cada turma, no período vespertino.
3.2 Materiais
Foi utilizado um modelo de folha de registro para os registros diários das atividades
observadas em sala de aula. O primeiro modelo consistia em um quadro contendo 16 frases
afirmativas - que foram elaboradas a partir das observações dos comportamentos e falas que
mais eram recorrentes na mediação professora-aluno - que remetiam a diferentes formas que a
professora poderia interagir com a criança-alvo (ex.: chamar o aluno e auxiliar a fazer a
atividade; dar bronca). As pesquisadoras observaram e registraram a frequência dos
comportamentos desejáveis para a interação com os alunos e que ocorriam durante o horário
das aulas. A folha de registro também permitia ter um melhor controle da quantidade de
visitas realizadas à escola, a quantidade de tempo da visita e quais turmas já haviam sido
visitadas. No total foram utilizadas cerca de seis folhas de registros por cada pesquisadora.
Um celular foi utilizado para gravação do áudio da entrevista com a psicopedagoga.
Um questionário contendo 15 perguntas foram enviados para as professoras regentes e
de apoio, contendo os seguintes temas: formas de avaliação do aluno com autismo; uso de
atividades adaptadas em sala de aula; forma de preparo de atividades adaptadas; a observação
e acompanhamento das professores acerca do desenvolvimento do aluno com TEA, entre
outros.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados encontrados nas observações das crianças em sala de aula, na entrevista
com a psicopedagoga e nas respostas dos questionários devolvidos pelas professoras serão
apresentados na sequência em que foram realizados.
4.1 Acompanhamento escolar de alunos com TEA no ensino regular, a partir de sua
interação social e dos métodos utilizados pela professora para aprendizagem dos processos
cognitivos.
Com a realização da pesquisa e do trabalho de campo, foi possível notar que houve
interação entre as crianças com TEA e os outros alunos da escola pública. Esta interação
variava de aluno para aluno, pois cada caso possuía características individuais que podiam vir
a permitir ou não uma aproximação tanto por parte do aluno com autismo, quanto dos
professores e colegas. Quanto à interação das professoras com os alunos com autismo e com
os demais, percebeu-se pelos registros em sala de aula que o aluno é bem amparado pelas
professoras, tanto regentes quanto de apoio, essas sempre trabalhando a autonomia do aluno,
ajudando-o a se desenvolver da melhor maneira possível – como foi citado em uma das
respostas do questionário. Percebeu-se uma maior interação e auxílio por parte das
professoras de apoio para com os alunos com TEA, talvez por estarem somente com eles,
enquanto a professora regente tinha todo o restante da sala para se preocupar, por isso a
interação era maior entre a de apoio e o aluno.
Um aspecto importante a ser ressaltado é a interação das crianças com autismo com
seus colegas e professores. Essa interação que ocorre de um modo tão singular e único entre
eles, reafirmando a importância da inclusão escolar como um caminho que possibilita a
socialização das crianças com TEA através da convivência com seus pares. Essa inclusão abre
caminhos para a aprendizagem mútua e o desenvolvimento de habilidades e competências
sociais de todos os alunos (BOSA, 2002). Importante também refletir em um processo de
aprendizagem em que todos os envolvidos (professoras, alunos com e sem TEA, gestão
escolar, entre outros) serão influenciados pelas relações sociais estabelecidas. Através dessas
interações é possível observar que pode ocorrer estimulação para aquisição de
desenvolvimento da linguagem, dos aspectos cognitivos, do autoconhecimento e do
conhecimento do outro.
Notou-se também que eram utilizados materiais didáticos adaptados como as PECs
(Picture Exchange Communication System), que consistem em rotinas ilustradas que facilitam
a expressão e comunicação do aluno (SANINI; BOSA, 2017); folhas com letras grandes para
serem contornadas com o lápis de escrever; alfabetos para serem completados com letras que
faltam; caixas de areia onde o aluno escrevia letras que eram ditadas; quebra-cabeças
adaptados como atividades; entre outros. O intuito da adaptação desses materiais era
promover uma melhor compreensão desses alunos com o conteúdo administrado pela
professora. Constatou-se também que os materiais adaptados eram utilizados para o
desenvolvimento e aprendizagem de crianças com outras deficiências, visto que a escola
municipal alvo do estudo vem sendo a referência regional em relação à inclusão escolar de
crianças com diferentes tipos de deficiência. Essas observações demonstram que a escola
segue com êxito as leis que amparam a Educação Especial, principalmente no que se refere a
adaptação do plano pedagógico às necessidades do aluno (SANINI; BOSA, 2017).
De acordo com o que foi observado nas visitas para cada sala de aula, foi realizada
uma tabulação com os principais comportamentos das professoras regentes (PR) e professoras
de apoio (PA) ocorridos no dia a dia em sala de aula.
PA PR
Dar bronca 1 0
Pode ser observado uma frequência maior de interações sociais emitidas pela
professora de apoio, especialmente quando auxiliava o aluno na atividade escolar, chamar a
atenção do aluno para a atividade, fazer perguntas referentes à atividade, observar as
atividades realizadas na sala de aula, entregar material para o aluno, utilizar recursos
adaptados, receber beijos e abraços do aluno, entre outros. Possivelmente essa frequência
maior se deve à exclusividade do trabalho da professora de apoio com o aluno que exigem
necessidades especiais, mesmo que ela precisasse auxiliar outros dois com deficiência. A
professora regente, por sua vez, emitiu os mesmos comportamentos numa frequência menor,
mas recebia beijos e abraços do aluno, observava as atividades realizadas, fazia perguntas
referentes à atividade. Importante salientar uma atenção dividida por parte desta professora
com os outros alunos da sala de aula.
De acordo com Smith (2008), crianças autistas não se comunicam com os outros de
maneira comum, sendo que cerca de 50% das crianças com autismo não falam para se
comunicar, pois não são verbais. Já as outras 50% das crianças são verbais, mas muito do que
dizem é uma repetição do que acabaram de ouvir, fenômeno chamado ecolalia. Em geral, elas
não entendem que a comunicação acontece entre as pessoas e não entendem que as pistas
não-verbais e as opiniões pessoais são importantes para o sucesso da comunicação.
A partir dos dados obtidos com os questionários recebidos pelas três professoras do 1°
e 2° ano (uma regente e duas de apoio), realizou-se uma análise de conteúdo sendo com isto
possível elaborar dois quadros que relacionam relatos semelhantes e divergentes das
professoras regentes e professoras de apoio, em relação às experiências vividas em sala de
aula. As professoras de apoio serão diferenciadas no quadro a partir das siglas A1 e A2, já os
alunos serão identificados como B1 e B2, sendo que cada professora responsável por um
aluno em específico (A1-B1 e A2-B2). O aluno (B1) acompanhado pela professora A1 tinha
mais autonomia, usava a comunicação verbal, enquanto que o aluno (B2) que a professora A2
auxiliava era não-verbal. Cada um apresentava habilidades e dificuldades específicas,
portanto a forma de se relacionar com as professoras se diferenciava, assim como a maneira
de ensinar o conteúdo da disciplina também. O número de respondentes deveria ter sido seis,
que caracterizavam todas as professoras observadas durante o estudo, mas apenas três
responderam o questionário. Portanto, os alunos mencionados nas respostas das professoras
de apoio, se referem a apenas dois dos três alunos que foram observados.
O Quadro 1 apresenta alguns relatos da professora regente e das de apoio que se
assemelhavam em relação aos materiais adaptados, sua relação com os alunos e a
comunicação com os mesmos.
Relação entre “Ele é muito carinhoso A1: “Minha relação é como a “O aluno deita no colo da
professoras e com ambas, o aluno relação com qualquer outra criança. professora de apoio ”
aluno busca sempre, a sua Eles me consideram como um “O aluno fica quieto por um
maneira, interagir e se apoio para o aprendizado deles. ” tempo em sua carteira, em
comunicar conosco.” seguida bate as mãos na
A2: “É muito carinhoso e quando mesa e começa a murmurar
está tranquilo consigo maior (como se fosse chorar). A
resultado com as atividades.” professora regente se
aproxima dele e conversa
um pouco. O garoto deixa de
murmurar e volta a fazer
atividade novamente.”
Realização de Não. A1: “Faço um curso anual para Não foi observado.
cursos atendimento com crianças de
diversas deficiências, sendo assim
também tratado sobre o autismo.”
Entrega do A entrega do material é feita A1 e A2: A entrega do material é A professora regente entrega o material
material diretamente para o aluno. feita diretamente para a professora de atividades diretamente para a
didático de apoio.. professora de apoio. Esta organiza o
material e ajuda o aluno a realizar a
tarefa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa realizada foi possível identificar como ocorria a relação entre
professoras e alunos diagnosticados com o Transtorno do Espectro Autista. Em geral,
notou-se que há uma maior interação entre professora de apoio e aluno com TEA, pois o
trabalho era focado nele e, portanto, a atenção oferecida a eles era exclusiva. Em relação à
professora regente, percebeu-se que sua interação com o aluno com TEA ocorria mais em
situações em que se é necessário manter a ordem em sala de aula, como nos casos em que o
aluno se encontrava agitado e não conseguia manter a atenção na atividade que as professoras
estavam administrando. Um outro aspecto a ser relatado é a interação dos outros alunos da
escola com as crianças com autismo. Observou-se que havia comunicação e interação entre
essas crianças, e o acolhimento que ocorre na escola era bastante positivo.
Em estudos futuros seria importante a participação de um número maior de alunos e
professores para se obter uma visão ampliada do processo de inclusão trabalhado na escola.
Pode-se notar que a inclusão das crianças com TEA nesta escola pública encontra-se em um
caminho de construção com a estimulação do afeto, das relações sociais, da aprendizagem
sem deixar de olhar as especificidades de cada uma.
REFERÊNCIAS
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Psicologia Reflexão e Crítica, 13,167 – 177, 2000.
BOSA, Cleonice. A. (2002). Autismo: atuais interpretações para antigas observações. In: C.
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Simbólico: Origens, Pressupostos e Contribuições aos Estudos em Psicologia Social.
Psicologia Ciência e Profissão, 30, 146-161, 2010.
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