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Bernadette Panek
S‹o Paulo
2008
2
Orientador:__________________________
Membro:____________________________
Membro:____________________________
Membro:____________________________
Membro:____________________________
3
4
Ë VIDA
5
Agradecimentos
Resumo
Esta pesquisa objetiva apresentar uma an‡lise sobre a utiliza•‹o da vitrine como
artistas que trabalham com a vitrine ou com o espa•o, apenas delimitado, n‹o estaria
Abstract
space of the work of art. It gives emphasis on the use of an isolated and untouchable space in
the museum!
s display as an essential area to establish contemporary aesthetic proposals. So, it
also checks how the display case is given thematically not only in the architectural space, but
also in the painting and photograph. It analyses the artists!approach of collecting, selecting,
arranging, assorting, displacing and displaying a series of united objects in the interior of such
device. It is questioned if the presence of the artists who work with the museum display or with
Sum‡rio
Introdu•‹o......................................................................................................................1
2.5 Ð Pris›es..................................................................................................................65
3.1 Ð Colecionar/Apropriar-se........................................................................................87
Conclus‹o..................................................................................................................148
Refer•ncias Bibliogr‡ficas.......................................................................................155
11
1 Introdu•‹o
Por outro lado, a partir de certas quest›es levantadas por Walter Benjamin,
ser‹o analisados alguns pontos sobre o conceito de transpar•ncia ligado ao espet‡culo da vida
moderna, visto que tal espet‡culo tem como proposta expor praticamente tudo ao olhar do
outro, utilizando-se da transpar•ncia na arquitetura. Toma-se como base a simbologia do ver e
do deixar-se ver, considerando a transpar•ncia um s’mbolo.
por exemplo, no caso da mercadoria, quando removida de qualquer fun•‹o pr‡tica, torna-se um
fetiche. Assim como os mŽtodos explorados nos processos de exibi•‹o ao desafiar a pot•ncia
visual do objeto. Uma vez que instigam o desejo e praticamente paralisam o olhar do
observador.
Cap’tulo I
Arthur Danto1
Qual o motivo do interesse por parte dos artistas pelo espa•o isolado da
vitrine? O ato de isolar, de proibir o acesso ao objeto exposto provoca o observador a pensar, o
que gera o desejo, e assim permanece na sua mem—ria. Por que em uma Žpoca na qual a
escultura se libera de sua base, a pintura se libera da moldura, e a obra come•a a participar do
espa•o expositivo - espa•o do qual a partir de um certo momento da arte do sŽculo XX o
espectador tambŽm faz parte - alguns artistas v•m explorar o espa•o delimitado da vitrine? Por
que nesse momento a vitrine entra para separar e isolar a obra?
1
DANTO, Arthur. A transfigura•‹o do lugar-comum: uma filosofia da arte. Tradu•‹o: Vera Pereira. S‹o Paulo:
Cosac Naify, 2005. p.61.
2
DURO, Paul (Edited by). The Rhetoric of the Frame: Essays on the Boundaries of the Art Work. Australian
National University/ Cambridge University Press, 1996. p.4. Introduction.
3
Idem, p.1.
15
limite da pintura e a base como o campo protegido da escultura, assim como a vitrine
museogr‡fica. Para o tecnol—gico, a princ’pio, tomamos o enquadrar da c‰mera fotogr‡fica, do
cinema, da TV, do v’deo, enfim o da tela do computador. Para tanto, selecionamos algumas
obras para tentar esclarecer a raz‹o da escolha por parte dos artistas em trabalhar a partir do
espa•o da vitrine, os quais ajudar‹o a elucidar a problem‡tica da rela•‹o entre o espa•o
interior e o exterior.
Damien Hirst4
Em seu livro, O espa•o moderno5, Alberto Tassinari toma como fio condutor
de sua reflex‹o a conceitua•‹o do espa•o. Ele analisa as rela•›es entre o espa•o da obra e o
espa•o do mundo. Entre as quest›es propostas pelo autor, uma delas surge a partir da pintura
de Jasper Johns, Tela, de 1956 - ÒSe n‹o Ž mais a moldura, o que rege agora as rela•›es entre
o espa•o da obra e seu exterior?Ó. Se o autor fala da rela•‹o entre espa•o e obra, discute
tambŽm neste contexto a rela•‹o com o espectador, pois ele se encontra no espa•o em
comum com a obra. ConseqŸentemente, existe aqui uma rela•‹o inevit‡vel entre a obra, o
espa•o e o (olhar do) espectador. Tanto o trabalho art’stico quanto o observador necessitam de
um lugar para sua exist•ncia, e a obra necessita de um olhar para o seu pr—prio
reconhecimento.
4
Damien Hirst. No Sense of Absolute Corruption. New York City: Gagosian Gallery, 1996. p.10.
5
TASSINARI, Alberto. O espa•o moderno. S‹o Paulo: Cosac & Naify Edi•›es, 2001.
16
6
OÕDOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espa•o da arte. Tradu•‹o: Carlos S. Mendes Rosa. S‹o Paulo:
Martins Fontes, 2002. p.8.
7
Idem, p.9.
17
come•a a perder a categoria de coisa especial. PorŽm, a partir de ent‹o, surge um processo
de maior envolvimento com o entorno da obra. O local onde Ž exposta passa por modifica•›es,
pois, enquanto a acolhe, precisa ser preparado para receb•-la. Esse Ž o momento no qual o
espa•o da galeria entra em quest‹o e exerce um papel altamente significativo no campo da
arte. Numa propor•‹o bem particular poder‡ ser afirmado que a galeria, como dispositivo,
exerce, no per’odo moderno, o papel da base ou da moldura. Ou seja, o espa•o da galeria
Òfunciona como uma transi•‹o, de forma an‡loga aos tradicionais pedestais e molduras, mas
de maneira n‹o declarada.Ó8 Existe um disfarce desse contexto, tanto por parte do artista
quanto de todo o entorno da institui•‹o arte.
8
MAMMí, Lorenzo. Ë Margem. Ars Revista do Departamento de Artes Pl‡sticas ECA/USP, 2004. p. 81-85.
9
PREZIOSI, Donald. Brain of the Earth«s Body: Museums and the Framing of Modernity. In DURO. Op. Cit., p.
96-110.
10
Idem, ibidem.
11
Idem, p.96.
18
Quem olha, de fora, atravŽs de uma janela aberta, n‹o v• jamais tantas coisas quanto
quem olha uma janela fechada. N‹o h‡ objeto mais profundo, mais misterioso, mais
fecundo, mais tenebroso, mais deslumbrante do que uma janela iluminada por uma
vela. O que se pode ver ˆ luz do sol Ž sempre menos interessante do que o que se
passa atr‡s de uma vidra•a. Nesse buraco negro ou luminoso vive a vida, sonha a
vida, sofre a vida.
Charles Baudelaire12
12
BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. Tradu•‹o: Gilson Maurity. Rio de Janeiro; S‹o Paulo:
Editora Record, 2006. p.211.
19
Em Fresh Widow a janela n‹o possui vidros. No lugar deles foram colocadas
l‰minas de couro negro. Assim, a transpar•ncia foi substitu’da por uma matŽria opaca,
ocorrendo um bloqueio total da vis‹o. A janela que normalmente deixa ver, agora, interrompe o
olhar, n‹o permite um contato visual e impede qualquer encontro entre interior e exterior.
Duchamp faz uso da ironia e, num simples gesto de fechar a janela, d‡ um basta ao campo da
ilus‹o. (PorŽm, n‹o deixa de trabalhar a representa•‹o: na verdade Fresh Widow Ž uma
miniatura de janela, n‹o est‡ na dimens‹o real. Por outro lado, o pr—prio trocadilho impl’cito no
t’tulo da obra traz outros significados ˆ sua proposi•‹o).
20
Milton Machado. Stray Bullets (detalhe) RJ 1996, Londres 1999. fotografia, 36 imagens 115x240cm
lawrence Weiner. in and out Ð out and in Ð and in and out Ð and out and in, statement n. 237.
Instala•‹o, domaine de beaumanoir. Exposi•‹o, lÕart et son concept, 1996.
21
Segundo a an‡lise de Juan Antonio Ram’rez, o corte poderia ser uma rela•‹o
com as janelas-guilhotinas, que, na Žpoca, eram muito comuns na arquitetura dos Estados
Unidos. O ret‰ngulo de vidro inferior, montado sobre sua pr—pria moldura, desliza para baixo ou
para cima, conforme se queira mant•-la aberta ou fechada. ÒSe La mariŽe mise ˆ nu par ses
13
In VENåNCIO, Paulo. Marcel Duchamp: a beleza da indiferen•a. S‹o Paulo: Editora Brasiliense, 1986. p. 22.
22
cŽlibataires, m•me t•m algo disto, a subida do painel dos solteiros implicaria o contato por
sobreposi•‹o visual com o espa•o da noiva.Ó14 Se estamos falando de Marcel Duchamp, todas
as hip—teses podem ser investigadas. Assim, a rela•‹o com a vitrine pode estar diretamente
relacionada com a pr—pria arquitetura do Museu da FiladŽlfia, onde a obra est‡ instalada. Ou
seja, o Grande Vidro encontra-se exatamente em frente ˆ porta que d‡ ao jardim de inverno,
oferecendo a visibilidade da fonte de ‡gua presente no respectivo jardim. Uma grande janela
direcionada ao jardim de inverno do museu, ou melhor, ˆ sua fonte Ð ˆ realiza•‹o do desejo
(por tr‡s da vitrine). Enquanto sua transpar•ncia favorece o contato com o mundo real, sua
posi•‹o no Museu da FiladŽlfia colabora estratŽgica e ironicamente na realiza•‹o da obra.
14
RAMêREZ, Juan Antonio. Duchamp el amor y la muerte, incluso. Madrid: Ediciones Siruela, 1993. p.182.
23
muitas vezes, de um projeto do pr—prio artista, a exemplo das vitrines de Joseph Beuys. Os
artistas recorrem desde o desenho tradicional das vitrines de museus de hist—ria natural atŽ as
resolu•›es mais radicais, a exemplo da encena•‹o teatral de Vera Sala em uma vitrine-jaula,
na exposi•‹o Ordena•‹o e Vertigem, em 2003.
Vera Sala. Corpo Instala•‹o, 2003. Centro Cultural Banco do Brasil, S‹o Paulo
15
esses exemplos ser‹o tratados mais tarde.
24
esse dispositivo, sendo parte fundamental da inten•‹o art’stica. Outro exemplo paradigm‡tico Ž
a obra de Damien Hirst, quando coloca um animal dentro de uma vitrine com uma solu•‹o de
formol: sem o anteparo de tal estrutura seria imposs’vel a obra ocorrer.
16
Gabriel Orozco. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sof’a, 2005. Conversa com Guillermo Santamarina. p.36.
25
Richard Sennett17
17
SENNETT, Richard. La conciencia del ojo. Tradu•‹o: Miguel Mart’nez-Lage. Barcelona: Ediciones Versal, S.A.,
1991. p. 245. (t’tulo original: The Conscience of the Eye, 1990)
18
Idem, p. 295.
19
Idem, p. 36.
26
como espa•o organizado, estabelece uma grande proximidade, em muitos casos, com o
espa•o do interior da vitrine. No momento em que o artista ordena os objetos na vitrine,
classifica-os, estruturando uma demarca•‹o expl’cita, o espa•o isolado da vitrine torna-se
an‡logo ao espa•o sagrado da igreja, ou do museu.
20
os Òespa•os brandosÓ s‹o, para R. Sennett, os espa•os protegidos, praticamente sem contato verdadeiro com a vida
exterior, a exemplo de um condom’nio residencial fechado, ou um shopping, onde alŽm do controle estŽtico visual,
tem todas as suas portas controladas, permitindo ˆ entrada apenas uma camada social.
21
SENNETT. Op. cit., p. 68-85.
22
Idem, p.92.
23
Idem, p. 82
27
deixa ver. Estamos todos no interior de grandes vitrines sendo expostos, ou mesmo nos
exibindo. Acontece a exposi•‹o, mas Ž um mostrar-se de forma estrategicamente protegida,
pois sempre existe a barreira f’sica, apesar de sua transpar•ncia. A rela•‹o entre interior e
exterior acontece apenas visualmente. O que acontece Ž um expor-se a partir do interior, ou
seja, da ‡rea abrigada, acastelada. Estamos todos de uma maneira ou outra na Òjanela
indiscretaÓ de Hitchcock.
24
Idem, p. 245.
28
A experi•ncia proposta pela obra de Dan Graham faz com que o sujeito entre
num espa•o amuralhado, porŽm transparente. N‹o deixa de ser uma armadilha para incluir o
espectador em sua obra. A obra Two Staggered Two-Way-Mirror Half-Cylinders Ž um cen‡rio
constru’do a partir de duas paredes semicirculares de vidro reflexivo, cuja forma se adapta ˆ
pr—pria arquitetura do espa•o para o qual foi projetado, o Palais des Beaux-Arts de Bruxelas.
Mostra uma escala ’ntima inspirada nos Òpavilh›es do prazerÓ da Žpoca rococ—25, em que o
espectador Ž conclamado a entrar atravŽs de um pequeno deslocamento realizado para que
n‹o se feche o c’rculo. Tal proposta provoca o observador por meio de sua pr—pria imagem, ou
seja, por meio de seu reflexo nas paredes semi-transparentes da obra. O espectador ora est‡
dentro, ora est‡ fora. Isso faz com que num certo momento ele seja o observador e noutro o
pr—prio objeto que se d‡ a ver, ou Ž dado a ver, a princ’pio sem se dar conta. Nem sempre o
observador Ž ciente que por instantes Ž o pr—prio objeto da obra. Momento no qual o artista
captura o espectador e o faz ser o objeto a ser visto, apreciado. ƒ um jogo de reflexos e
espelhamentos, um ver-se e ver o outro ao mesmo tempo. H‡ momentos em que o observador
de dentro do pavilh‹o de Graham se v• refletido no limite da obra junto ˆ imagem de outro
espectador ou mesmo junto com o outro observador o qual se encontra do lado externo. A
arquitetura da obra prop›e de uma s— vez olhar a si mesmo, ao outro e tambŽm ser visto pelo
outro.
25
DUVE, Thierry de. Voici, 100 ans d«art contemporain. Bruxelles: Palais de Beaux-Arts; LUDION/Flammarion,
2001. p. 188.
29
experi•ncia em alguns trabalhos de Lucia Koch, como, por exemplo, o da Bienal de S‹o Paulo
de 2006, quando a artista constr—i um local para expor. Como o pr—prio t’tulo da obra diz Sala
de Exposi•‹o, explora a passagem de luz atravŽs da constru•‹o de paredes completa e
igualmente perfuradas. N‹o trabalha o reflexo, mas exp›e o espectador a um estado
introspectivo enquanto se defronta com o vazio. J‡ em outra situa•‹o, na obra pœblica de
Graham, algumas vezes verdadeiros labirintos, faz com que o sujeito se exponha e ao mesmo
tempo tenha a sensa•‹o de estar num espa•o interior, em que ele n‹o estar‡ protegido do
olhar do outro, nem do seu pr—prio olhar. Graham faz uma brincadeira por meio dos olhares, ou
seja, entre ver o outro, ver-se e ser visto. Poder’amos pensar em uma met‡fora dos limites
impostos pela cidade, na verdade, uma tentativa de expor a possibilidade de cruzar as
fronteiras urbanas tanto as vis’veis quanto as invis’veis.
Lucia Koch. Sala de exposi•‹o. Bienal de S‹o Paulo, 2006. Dan Graham. Bienal de S‹o Paulo, 2006
uma convexa e outra c™ncava, a terceira s‹o as duas l‰minas de metal que servem de porta,
possibilitando uma leve transpar•ncia.
26
SENNETT. Op. cit., p. 217.
27
Idem, p. 216.
31
Joseph Beuys. S/t’tulo (vitrine),1983. Cinco objetos sem t’tulo na vitrine, 2060x2200x500cm
28
ARNAIZ, Ana. La Mem—ria Evocada. Vista Alegre, un cementerio para Bilbao. Tesis Doctoral. Universidad del
Pa’s Vasco. p. 105.
32
Damien Hirst. Death Explained, 2007. Vidro, a•o, tubar‹o, acr’lico e solu•‹o de formol. Cada pe•a:
198.4x514.2x122.8 cm
29
Idem, p. 330.
30
Idem, p. 44.
31
Idem, p. 328.
33
Ver o que n‹o se pode ouvir, nem tocar, nem sentir, serve para incrementar a
sensa•‹o de que o interior Ž inacess’vel.
Richard Sennett32
32
SENNETT. Op. cit., p.140.
33
STAROBINSKI, Jean. El ojo vivo. Valladolid: cuatro. ediciones, 2002. p.184-187. (t’tulo original: L«oeil vivant).
34
Idem, p. 184-187.
35
Idem, ibidem.
36
Idem, p. 184.
34
ƒ tarefa mais ‡rdua honrar a mem—ria dos seres an™nimos do que as pessoas
cŽlebres. A constru•‹o hist—rica est‡ consagrada ˆ mem—ria dos que n‹o t•m nome.
37
Fazer as coisas «ficarem mais pr—ximas« Ž uma preocupa•‹o t‹o apaixonada das
massas modernas como sua tend•ncia a superar o car‡ter œnico de todos os fatos
atravŽs da sua reprodutibilidade. Cada dia fica mais irresist’vel a necessidade de
possuir o objeto, de t‹o perto quanto poss’vel, na imagem, ou antes, na sua c—pia, na
sua reprodu•‹o.
Walter Benjamin37
37
BENJAMIN, Walter. Magia e tŽcnica, arte e pol’tica: ensaios sobre literatura e hist—ria da cultura. Tradu•‹o
SŽrgio
Paulo Rouanet. Pref‡cio Jeanne Marie Gagnebin. S‹o Paulo: Brasiliense, 1994. p.170.
38
BENJAMIN, Walter. La obra de arte en la Žpoca de su reproductibilidad tŽcnica. Tradu•‹o: AndrŽs E. Weikert.
Introdu•‹o: Bol’var Echeverr’a. MŽxico: Editorial Itaca, 2003. p.46-7.
38
39
FLEISSIG, Peter. L•che-Vitrine. In Parkett, nœmero 35, 1993. p. 102-113.
40
Discutimos cada uma dessas obras no percorrer da tese.
41
BORDO, Jonathan. The Witness in the Errings of Contemporary Art. In DURO. Op. cit., p.180.
39
Esta j‡ n‹o Ž uma arte que se suspende na parede, mas sim que se desenvolve no
espa•o, precipita em conversa•›es ou atos, se consuma em A•›es, e j‡ n‹o est‡
vinculada ao museu.
Joseph Beuys 42
42
Joseph Beuys. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 1994. Concepto y organizaci—n de la exposici—n y
cat‡logo: Harald Szeemann. p.241.
43
TASSINARI. Op. cit., p.75-91.
44
TASSINARI. Op. cit., p.88.
40
Outro contexto, ligado de certa forma ˆ vitrine, ocorre na sua maior parte
tambŽm na cidade de Nova York. PorŽm t•m in’cio na Alemanha, I like America and America
likes me, uma a•‹o de Joseph Beuys. O artista sai numa ambul‰ncia de sua casa, em
Dusseldorf, atŽ o aeroporto, envolto em feltro. Praticamente isolado de tudo e de todos, est‡,
na verdade, dessa forma interpretando um ser doente (em 1974, os Estados Unidos estavam
implicados na Guerra do Vietn‹). Entra num avi‹o-ambul‰ncia que o leva atŽ Nova York e em
seguida Ž conduzido em outra ambul‰ncia atŽ a Galeria RennŽ Block. Durante o trajeto n‹o
entra em contato com absolutamente ninguŽm. Como um acontecimento ef•mero, permanece
em uma das salas da galeria durante tr•s dias45, apenas na companhia de um coiote selvagem
Ð recŽm capturado e trazido para o interior do local. ÒO coiote, adorado como uma espŽcie de
deus dos ’ndios americanos, que, antes de ser confinado nas reservas, mantinha uma rela•‹o
de harmonia com a natureza, se converte no expoente de uma perda, no «expoente do
sofrimento« para figurar a Cristo (...).Ó46 Todo o processo de representa•‹o da a•‹o desenvolve
a cura do homem ocidental, enquanto este simboliza o espectador, o qual transforma-se em
chaman envolto em feltro. E assim, com o cajado de pastor, reœne-se ao animal divino, que lhe
traz a cura ao aceitar sua alma e intelig•ncia de animal.47
O ser que se afasta da cidade e a ela regressa, o ser que se abstrai da sociedade ou
que voltar‡ a fazer parte dela, Ž um ser `atenuado« a quem somente convŽm ve’culos
45
existem diferentes dados sobre o tempo que Beuys permanece na galeria, entre 3 ou 5 dias, 1 semana, ou 1 m•s.
46
LEUTGEB, Doris. Cristo (Impulso de). In Joseph Beuys. Op. cit., p.253.
47
GRAEVENOTZ, Antje von. Curar. In Joseph Beuys. Op. cit., p.254.
41
Joseph Beuys. I like America and America likes me. Galeria RennŽ Block, 1974
O lado da sala direcionado para o espa•o interior foi fechado com uma grade,
e o piso, em parte forrado com palha. Nessa jaula-vitrine, o peri—dico americano financeiro Wall
Street Journal, objeto que representa o poder capital e o de propriedade, era entregue
diariamente. Essa a•‹o foi documentada numa sŽrie de fotos enviadas a um detento
condenado ˆ pris‹o perpŽtua em Glasgow. Esse detento realiza uma escultura a partir das
fotos e a oferece a Beuys quando esse o visita. Dessa forma, enfim, o artista encerra a a•‹o
que representa o novo papel conferido por Beuys ao artista: intŽrprete da crise, formulador de
outras temporalidades, agitador, que investe com o dom de reativar a criatividade de todos por
um retorno imagin‡rio aos primeiros tempos, ao pensamento original dos ideais e das fun•›es
primitivas.49 Ou seja, Beuys trabalha o conceito de liberdade.
Yves Klein
Brian O!
Doherty, em seu livro No interior do cubo branco: a ideologia do
espa•o da arte, analisa a quest‹o do contexto criado pela galeria sobre o objeto de arte, e a
import‰ncia dada ao espa•o de exibi•‹o a partir do per’odo moderno. Analisa o espa•o da
48
LAMARCHE-VADEL, Bernard. Joseph Beuys. Madrid: Ediciones Siruela, 1994. p.35
49
Idem, p.36.
42
galeria, onde a totalidade do mundo exterior n‹o deve interferir. Assim, uma das inten•›es
fundamentais Ž o interior das salas ser constru’do sem janelas, as paredes pintadas de branco
formando, praticamente, um œnico plano, evitando interrup•›es. Nessa forma especial de
espa•o, a arte tem vida pr—pria. Tal circunst‰ncia imp›e um estado atemporal, o que implica
uma condi•‹o de posteridade ˆ arte a’ situada. A semelhan•a a um cubo branco evita qualquer
contato n‹o procedente de seu pr—prio ambiente. A galeria busca, na verdade, apenas as
rela•›es constru’das em seu pr—prio contexto interno. Todas as coisas encontram-se
minuciosamente em seu lugar, Ž a consagra•‹o da tecnologia da estŽtica. O tempo nesse local
Ž paralisado, Òa arte existe numa espŽcie de eternidade de exposi•‹o. O recinto suscita o
pensamento de que, enquanto olhos e mentes s‹o bem-vindos, corpos que ocupam espa•o
n‹o o s‹o.Ó50
50
OÕDOHERTY. Op. cit., p.4.
43
limpo, impec‡vel e branco, onde todas as pe•as possuem um lugar ideal. Na verdade, Òo Olho
Ž o œnico habitante da assŽptica foto da exposi•‹o.Ó51
(...) sua pilha Ž disposta de forma bastante art’stica e, numa concess‹o, sobre os
trechos de paredes livres, com um humor meio rosa, meio negro, reuniu (dentro de
caixas) objetos como dentaduras (La Vie ˆ pleines dents), velhos pares de —culos e
barbeadores elŽtricos, que revelam o verdadeiro tom da empreitada. Trata-se de uma
disserta•‹o humanista, sobre um certo estado de decomposi•‹o (o nosso).54
51
Idem, p.41.
52
OÕDOHERTY. Op. cit. p.111
53
Arman. Paris: Edi•›es do Jeu de Paume rŽunion des musŽes nationaux, 1998. p.36.
54
Idem, p.163. Cronologia: Daniel Abadie.
44
ÒO resultado foi alucinante. Os passantes podiam ver, dentro de uma vitrine de 3.50 m de
altura, um espetacular amontoado de lixo.Ó55 A entrada da galeria fica assim impedida, o
visitante Ž obrigado a passar por uma abertura lateral.
55
Idem, p.162. Depoimento de Iris Clert.
45
trabalha todo um processo de deslocamento do olhar para o espa•o expositivo, para a moldura
espacial e n‹o mais somente ao objeto.
56
TRêAS, Eugenio. La Aventura Filos—fica. Madrid: Mondadori Espa–a, S.A., 1988. p.254.
57
Idem, p.252.
46
Cap’tulo II
Arquitetura ÒtransparenteÓ
Georges Didi-Huberman58
a ‡rvore dos tamancos (L«albero degli zoccoli), de Ermanno Olmi. It‡lia, 1978.
58
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Tradu•‹o: Paulo Neves. S‹o Paulo: Editora 34,
1998. p.31.
47
Paul Virilio59
59
VIRILIO, Paul. La m‡quina de visi—n. Tradu•‹o: Mariano Antol’n Rato. Madrid: Ediciones C‡tedra, 1998. p.49.
48
60
ALCAIDE, Victor Nieto. La luz, s’mbolo y sistema visual. Editora C‡tedra, 1978. p.21-22.
61
Idem, p.22-23.
62
Idem, p.44.
63
Idem, p.39.
64
Idem, p.37.
65
Idem, p.27.
49
Com que finalidade Sennett desenvolve sua an‡lise a partir desse conflito do
indiv’duo entre o ambiente interior e o exterior? Ele justamente questiona a problem‡tica de
uma cidade neutralizada, onde as pessoas encontram-se desejosas de tolerar um cen‡rio
brando. Ou seja, uma aus•ncia de vida nas ruas. Esse vazio visual desperta uma peculiar
sensa•‹o de autoridade.66 A cidade como espa•o ameno, neutralizador, destr—i a amea•a do
contato social. Ela encontra-se vazia, as diferen•as s‹o retiradas para fora dela, mais
exatamente para os seus distantes arredores. No cen‡rio da vida exterior, onde todas as
diferen•as humanas encontram-se expostas, existe uma tentativa constante em anular tais
diversidades. Esse aspecto das cidades reflete um medo ˆ exposi•‹o, um expor-se em meio ˆ
multid‹o, entre desconhecidos. Para Sennett, esse medo surge em parte de nossa vida
religiosa. Na verdade, ele fala da constru•‹o de uma muralha que separa a vida interior da vida
exterior. E desse conflito entre a vida espiritual e a vida mundana o ser humano decide
acomodar-se e proteger-se nessa neutralidade imposta ˆ cidade. Sennett v• justamente nossa
cultura necessitada de uma arte da exposi•‹o, do indiv’duo expor-se, refletir sobre o que v•,
mostrar-se, deixar-se ver, olhar, contemplar o outro, o diferente.
O dualismo entre interior e exterior, enquanto forma•‹o urbana, foi vis’vel pela
primeira vez na constru•‹o medieval, quando o centro espiritual destacava-se mediante a
cria•‹o de uma descontinuidade68, a qual acontecia na diferen•a entre o espa•o da igreja,
absolutamente ordenado, e o exterior, aos seus arredores, completamente desordenado.
Segundo Sennett, uma vis‹o completamente destrutiva, pois o indiv’duo perde o interesse pelo
66
SENNETT. Op. cit., p.50-54.
67
Idem, p.37.
68
Idem, p.26-34.
50
exterior como dimens‹o da diversidade e do caos enquanto valor moral, em contraste com o
interior, onde tudo se encontra absolutamente definido.69
69
Idem, p.35-36.
70
DECCA, Edgar de. O nascimento das f‡bricas. S‹o Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p. 24-26.
71
Idem, p.25.
72
THOMPSON, E.P. Costumes em comum; estudos sobre a cultura popular tradicional. S‹o Paulo: Companhia
das Letras, 1998. p.294.
73
SENNETT. Op. cit., p.216-217.
51
Tudo isso foi eliminado por Scheerbart com seu vidro e pelo Bauhaus com seu a•o:
eles criaram espa•os em que Ž dif’cil deixar rastros. ÒPelo que foi ditoÓ, explicou
Scheerbart h‡ vinte anos, Òpodemos falar de uma cultura de vidro. O novo ambiente de
vidro mudar‡ completamente os homens. Deve-se apenas esperar que a nova cultura
de vidro n‹o encontre muitos advers‡rios.Ó
Walter Benjamin74
Desde o sŽculo XV, o vidro, ainda n‹o completamente sem cor, utilizado para
as janelas, domina tambŽm o espa•o da casa. Todo o desenvolvimento do espa•o interior
segue a determina•‹o: Òmais luz!Ó. No sŽculo XVII, as janelas chegam a dominar grande parte
da superf’cie das paredes. PorŽm, a quantidade de luz assim conseguida praticamente tornou-
se indesej‡vel. A solu•‹o, ent‹o, foram as cortinas, mas prontamente resultaram fatais,
produzindo um ambiente de meia luz, de tristeza e exigindo tambŽm o cuidado necess‡rio para
com os tecidos. O progresso do espa•o diante do vidro e do ferro, a partir de tal perspectiva,
atinge um ponto morto. Mas aparece algo para dar-lhe nova vida, a necessidade de prote•‹o ˆs
plantas. Ent‹o, constroem-lhe uma ÒcasaÓ, ou seja, um jardim de inverno. Na verdade, Òa origem
de toda a arquitetura moderna de ferro e vidro Ž a estufa.Ó75 Os jardins de inverno apresentam
uma verdadeira arte na exposi•‹o das plantas explicitamente para o deleite da contempla•‹o
humana. Ou seja, Ž a pr—pria encena•‹o, a teatraliza•‹o da natureza, a qual fica tocada pela
industrializa•‹o da sociedade, enquanto a tecnologia se disfar•a como algo natural.76
74
in: BENJAMIN. Op. cit., 1994, p. 118.
75
BENJAMIN, Walter. Libro de los pasajes. Edici—n de Rolf Tiedemann. Tradu•‹o: Luis Fern‡ndez Casta–eda;
Isidro Herrera; Fernando Guerrero. Madrid: Ediciones Akal, 2005. [F 4, 1] p.181.
76
CANOGAR, Daniel. Ciudades Ef’meras Exposiciones Universales: Espet‡culo y Tecnologia. Madrid: Julio
Ollero Editor, 1992. p.33.
52
explicita tal significado. Em uma das notas do Livro das Passagens, Benjamin exp›e uma
compara•‹o entre a matŽria humana e a matŽria de constru•‹o das passagens, e associa-as
respectivamente ˆ fragilidade assim como ˆ resist•ncia. Faz uma analogia entre o ferro e o
vidro com figuras caracter’sticas das arcadas parisienses. ÒHoje ocorre com o material humano
no interior o que ocorre com o material de constru•‹o das passagens. Os cafet›es s‹o as
naturezas fŽrreas destas ruas, e seus fr‡geis cristais as prostitutas.Ó77 Constr—i tambŽm uma
rela•‹o devido ˆ grande quantidade de vidro na arquitetura de Paris. Relaciona o sagrado e o
profano ˆ produ•‹o e repeti•‹o de imagens e reflexos na cidade. ÒQuando dois espelhos se
olham, Satan‡s faz sua trucagem preferida, e abre aqui, a sua maneira (É), a perspectiva ao
infinito. Seja divina ou satanicamente: Paris tem paix‹o pelas perspectivas especulares.Ó78
77
BENJAMIN. Op. cit., 2005. [F 3, 2] p.178; [F 3, 7] p.179; [F 8, 5] p.189; p.865.
78
Idem, p.869.
79
Idem, p.878.
80
BUCK-MORSS, Susan. DialŽtica do olhar: Walter Benjamin e o Projeto das Passagens. Tradu•‹o: Ana Luiza
Andrade. Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapec—/SC: Editora Universit‡ria Argos, 2002. p.166.
53
em Paris, ocorre uma expans‹o para o espa•o comum. Novas institui•›es urbanas tambŽm
surgem nesse per’odo, como a loja de departamentos.
81
GIEDION, Sigfried. Espacio, Tiempo y Arquitectura: el futuro de una nueva tradici—n. Barcelona: HOEPLIS,
S.L., 1958. p.182.
82
Idem, p.247.
54
83
FABRIS, Annateresa. A rua como uma das belas-artes. In: Anais do 8o Encontro do programa de P—s-
Gradua•‹o em Artes Visuais. Rio de Janeiro, EBA/UFRJ, 2001. p.62.
84
GIEDION. Op. cit., p.248.
85
Idem, p.249.
55
verdadeira clientela era a burguesia, pois o sistema adotado era o pagamento ˆ vista. A Bon
MarchŽ produz seus pr—prios cat‡logos com imagens representando adultos e crian•as,
fornecendo uma vers‹o da cultura burguesa e induzindo a classe mŽdia ao modo como ela
deveria viver numa sociedade moderna.86 O projeto da loja de departamentos est‡ direcionado
a facilitar o consumo. ƒ uma institui•‹o moderna que colabora para a mudan•a de
comportamento da vida urbana. Ela trabalha a mercadoria como produ•‹o industrial e de
requinte. Sua pr—pria imagem segue a arquitetura espetacular de ferro e vidro, uma estratŽgia
que com certeza chama a clientela.
N‹o Ž por acaso que o vidro Ž um material t‹o duro e t‹o liso, no qual nada se fixa. ƒ
tambŽm um material frio e s—brio. As coisas de vidro n‹o t•m nenhuma aura. O vidro Ž
em geral o inimigo do mistŽrio. ƒ tambŽm o inimigo da propriedade.
Walter Benjamin87
86
FRASCINA, Francis...[et alii]. Modernidade e modernismo - Pintura francesa no sŽculo XIX. Tradu•‹o: Tom‡s
Rosa Bueno. S‹o Paulo: Cosac & Naify Edi•›es, 1998. p.97.
87
BENJAMIN. Op. cit., 1994. p.117.
88
ARAGON, Louis. Le paysan de Paris. Paris: ƒditions Gallimard, 2005. (1926, renouvelŽ en 1953).
56
descreve acontecimentos muito particulares sobre a passagem da Opera, onde, em seus bares
e cafŽs, os surrealistas encontravam-se.
89
BUCK-MORSS. Op. cit., p.66.
90
Idem, ibidem.
57
Os tetos de vidro das arcadas eram sua marca diferencial na dŽcada de 1820.
Isso ocorreu em conseqŸ•ncia dos avan•ados c‡lculos da engenharia na constru•‹o de
clarab—ias, essencialmente no emprego do ferro. Nas arcadas, passa-se toda uma
moderniza•‹o em rela•‹o aos projetos de engenharia. Contudo, como foi mencionado, a
arquitetura n‹o caminhava no mesmo ritmo. As fachadas ornamentais, no interior delas, eram
repletas de colunas neocl‡ssicas, arcos e front›es. Fundindo duas tend•ncias, essas
passagens apresentavam-se como imagens dialŽticas.92 Ë frente desse contexto, Ž claro, o
impacto, no sŽculo XIX, da engenharia sobre a arquitetura. Ou seja, o abalo da tecnologia sobre
a arte, tema central para Benjamin no Projeto das Passagens.
91
BENJAMIN. Op. cit., 2005. p.91-108.
92
BUCK-MORSS. Op. cit., p.162-163.
58
As mais amplas e as melhores situadas dentre elas (...) estiveram adornadas com
gosto e suntuosamente mobiliadas. Cobriram-se as paredes e os tetos com (...)
m‡rmores raros, dourados (...) espelhos e quadros; cadeiras, poltronas, (...)
oferecendo c™modos acentos aos passantes fatigados; vitrines repletas de
curiosidades ... vasos com flores naturais, aqu‡rios repletos de peixes vivos, gaiolas
povoadas de p‡ssaros raros completaram a decora•‹o das ruas-galerias onde
iluminavam a tarde (...) candelabros dourados e lustres de cristal. O Governo queria
que as ruas pertencentes ao povo de Paris superassem em magnitude os sal›es dos
soberanos mais poderosos (...).94
93
Idem, p.183.
94
BENJAMIN. Op. cit., 2005. p.85 [A 9 a, 1].
95
Idem, p.86 [A 10, 1].
96
Idem, p.86 [A 10, 3].
97
Idem, p.87 [A 10, 4].
59
Outra figura imprescind’vel, nas arcadas, Ž o fl‰neur, n‹o se fala delas sem
comentar sobre a fl‰nerie. ÒEm 1839 resultava elegante passear levando uma tartaruga. Isso d‡
uma idŽia do ritmo do fl‰neur nas passagens.Ó102 As ruas de Paris, no princ’pio do sŽculo XIX,
eram estreitas. Algumas apenas possibilitavam a passagem de duas pessoas: ÒAntes de
Haussmann, eram raras as cal•adas largas; as estreitas ofereciam pouca prote•‹o contra os
98
Idem, p.507 [O 9 a, 3].
99
Idem, p.495 [O 2, 4].
100
Idem, p.493 [O 1 a, 2].
101
Idem, p.869.
102
Idem, p.427 [M 3, 8].
60
ve’culos. Sem as passagens, dificilmente a fl‰nerie poderia ter alcan•ado a sua relev‰ncia.Ó103
As arcadas, num sentido ilus—rio, eram para o fl‰neur o interior de suas casas.
103
KOTHE, Fl‡vio R.(org.) FERNANDES, Florestan(coord.). Walter Benjamin. S‹o Paulo: Editora çtica, 1985.
p.66.
104
Idem, p.30-31.
105
MEYER, Michel. Le paysan de Paris d«Aragon. Paris: Gallimard, 2001. p.153-154.
106
BUCK-MORSS. Op. cit., p.64.
107
MEYER. Op. cit., p.151.
108
ARAGON. Op. cit., p.20-21.
109
Idem, p.25.
110
BENJAMIN. Op. cit., 2005. p.868.
61
Passage du Grand Cerf. Paris, 2007. Passage Jouffroy, 1845. Paris, 2007.
Desde quando foi costume colocar espelhos em valiosas molduras talhadas, em lugar
de quadros?
111
Idem, p.869-870.
112
Idem, p.869.
113
Idem, p.552 [R 1, 5].
62
Eug•ne Atget. Au Coq Hardi, 18 quai de la MŽgisserie, 1902. SŽrie: Art dans le vieux Paris.
Eug•ne Atget. Boutique Empire, 21 faubourg Saint-Honore!, 1902. Se!rie: Art dans le vieux Paris.
Existe uma falsa apar•ncia na presen•a dos reflexos. N‹o se v• nem bem a
arquitetura, nem bem a mercadoria exposta. Acontece uma falta de clareza entre interior e
exterior. O mesmo se passa nas obras de Dan Graham, onde se misturam o indiv’duo e seu
reflexo, quando o resultado implica o equivoco entre o sujeito e sua pr—pria imagem ou ele
mesmo o pr—prio corpo do observador tornando-se objeto visto. Praticamente o que se passa
nas fotos de Atget, mas aqui quem se mistura com o objeto exposto Ž a vida urbana. A pr—pria
114
CANOGAR. Op. cit., p.27.
63
arquitetura muitas vezes invade e se sobressai no interior da vitrine. Uma forma de colagem
espont‰nea entre o interior e o exterior.115
As œltimas vitrines de Atget s‹o muito mais parasit‡rias pelos reflexos por
assegurar corretamente a promo•‹o dos objetos que elas exp›em.119 Apesar de tal
particularidade, a presen•a do reflexo da cidade apresenta-se muitas vezes praticamente com
maior for•a do que os objetos em seu interior. Na verdade, geralmente Atget recusa a imagem
exata da mercadoria por detr‡s da vitrine, essa explora•‹o moderna do desejo do consumidor.
115
CHƒROUX, ClŽment. Le contexte de spŽculation: Sur quelques photographies de vitrines. In Atget une
rŽtrospective. Biblioth•que nationale de France. Paris: Hazan, 2007. p.90.
116
Idem, p.85.
117
Idem, p.88.
118
LE GAL, Guillaume. Visions surrŽalistes. In Atget une rŽtrospective. Op. cit., p.95.
119
CHƒROUX, ClŽment. In Atget une rŽtrospective. Op. cit., p.90.
64
Entretanto, quando a mercadoria est‡ na rua, a’ sim ela Ž absolutamente aparente em suas
fotos. Na foto Boutique, 63 rue de S•vres, 1912, acontecem as duas situa•›es. As bonecas
expostas do lado de fora da loja s‹o perfeitamente vis’veis, porŽm as de dentro da vitrine
mesclam-se com a imagem da cidade refletida no vidros. Imagem de estranhamento, pois n‹o
se v•em nem bem as bonecas assim como n‹o se v• claramente a imagem do edif’cio em
frente refletido nos vidros, sobreposta ˆ vitrine. J‡ em outra situa•‹o a vitrine mostra toda sua
mercadoria, praticamente sem reflexos, mas com um forte sentido de surpresa, como na foto
Boulevard de Strasbourg (vitrine de coiffeur), 1912, ao primeiro olhar, ou seja, ao olhar do
observador do sŽculo XXI, assemelha-se mais a uma obra surrealista. O reflexo Ž parte
integrante, indispens‡vel ˆs fotos, sem o reflexo n‹o estariam inseridos nelas os
estranhamentos, as surpresas, o acidente.
Sem contar com as œltimas fotos de vitrine realizadas por Atget, a maioria
delas foi realizada n‹o pelo conteœdo da vitrine e sim pelo seu entorno.120 Na verdade, Atget
n‹o deixa em momento algum de documentar a cidade de Paris. Essa œltima sŽrie do artista Ž
uma produ•‹o ˆ parte, quando Atget mostra talvez um pequeno interesse pela modernidade
urbana e fotografa sinais da arquitetura haussmannianna, mas ainda assim somente atravŽs
dos reflexos nos vidros das vitrines.121 Tais reflexos s‹o praticamente ostensivos, a fun•‹o
publicit‡ria ou documental dessas fotos apresenta-se implicada pela enorme presen•a dos
reflexos.122 As fotos de vitrine de Atget evocam uma cidade transformada pelas muta•›es de um
novo desenvolvimento do comŽrcio, porŽm, se engajam na representa•‹o de um contexto
120
Idem, p.92.
121
Idem, ibidem.
122
Idem, p.92-93.
65
123
LE GALL, Guillaume. Atget, Paris pittoresque. Paris: Hazan, 1998. p.8-10.
124
Idem, p.11.
125
Idem, p.40.
126
Idem, p.34.
66
Anteriormente, o museu possu’a tr•s entradas, porŽm uma delas foi fechada.
ƒ exatamente nesta onde Rosangela exp›e sua obra. Exibe-a como se fosse um display de
vitrine de uma loja de mercadorias. Entretanto, da forma que a tapa completamente,
transforma-a numa n‹o-vitrine. Renn— recusa a transpar•ncia do vidro, cuja caracter’stica seria
a de conectar o ambiente interior com o espa•o exterior. A artista, atravŽs dessa obra, nega a
transposi•‹o do olhar, enquanto o pr—prio museu nega essa entrada. Ademais, Ž a pr—pria
representa•‹o da transposi•‹o f’sica negada por parte dos Estados Unidos aos mexicanos. Os
personagens fotografados presentes nas imagens realizadas no processo tŽcnico da plotagem,
cada um deles, dessa forma, representa um estado do MŽxico. As imagens s‹o coladas por
dentro da vitrine, pelo menos em imagem, identidades negadas transp›em a fronteira.
Walter Benjamin127
127
BENJAMIN, Walter. Paris, capital do sŽculo XIX. In KOTHE. Op. cit., p.35-36.
67
objetivo principal apenas mostrar os novos produtos do progresso, obviamente com a idŽia de
posteriormente serem utilizados. Portanto, nesse caso, estava ˆ mostra nas exposi•›es todo e
qualquer tipo de produto, desde aliment’cios atŽ maquinarias, obras de arte e artes aplicadas.
Tais caracter’sticas se conservam durante a primeira metade do sŽculo XIX.128
Foi esse esp’rito de competi•‹o que levou a perspic‡cia dos ingleses a decidir
pela montagem de uma exposi•‹o internacional, idŽia anteriormente discutida pela Fran•a,
porŽm n‹o realizada. A idŽia dos ingleses era mostrar ao mundo o n’vel alcan•ado pela
indœstria moderna. ConseqŸentemente, acontece em 1851 a primeira exposi•‹o universal em
Londres (Great Exhibition of the Works of Industry of All Nations), a qual teve o car‡ter de feira
industrial, ou seja, a exibi•‹o e o comŽrcio de produtos.
128
GIEDION. Op. cit., p.251.
68
O aspecto visual do interior do Pal‡cio de Cristal foi estudado atŽ o mais m’nimo
detalhe. O resultado foi uma paisagem visual artificial na qual o olhar do espectador era
dirigido a cada instante. (...) o pedestre se transfigura num espectador hipnotizado por
129
CANOGAR. Op. cit., p.25.
70
130
Idem, p.29-30.
131
CANOGAR. Op. cit., p.30-31.
71
No decorrer dos anos p—s 1850, alŽm das opera•›es pol’ticas por parte do
poder, de seus conseqŸentes interesses, sucede uma grande procura pelos valores estŽticos,
relevantes nesse per’odo. O Òembelezamento estratŽgicoÓ de Paris, realizado sob a
coordena•‹o de Haussmann, tem como objetivo um planejamento desafiador para alcan•ar
uma ampla visibilidade. O centro antigo de Paris Ž praticamente todo destru’do, para dar lugar
ˆs grandes dimens›es dos bulevares e ˆ constru•‹o de ruas mais largas, apropriadas ao
movimento de tropas e tambŽm de mercadorias. ÒO ideal urban’stico de Haussmann eram as
vis›es em perspectiva atravŽs de longas sŽries de ruas que antes de serem inauguradas eram
recobertas por uma lona e depois desencobertas como monumentos.Ó133 A t‡tica era encontrar
solu•›es favor‡veis para a reconstru•‹o de uma cidade cenogr‡fica. AlŽm das longas linhas
retas trabalhadas nas ruas da nova constru•‹o de Paris, Haussmann ansiava tambŽm por
Òpontos de vistaÓ impressionantes.134 Dentro desse esp’rito ele chega a mandar diminuir uma
132
GIEDION. Op. cit., p.264-266.
133
BENJAMIN, Walter. Paris, capital do sŽculo XIX. In KOTHE. Op. cit., p.41.
134
CLARK, T.J. A pintura da vida moderna: Paris na arte de Manet e de seus seguidores. Tradu•‹o: JosŽ Geraldo Couto. S‹o
Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.75.
72
colina em seis metros, pois sua altura n‹o lhe parecia correta. Seu objetivo era proporcionar um
olhar ideal, uma vista perfeita da exposi•‹o de Paris de 1867. Transforma assim a altura da
colina num ponto ÒprecisoÓ para a visualiza•‹o panor‰mica da exposi•‹o. Oferece
estrategicamente pontos contemplativos para extasiar e distanciar tanto o corpo quanto o olhar
do observador. Haussmann atinge magistralmente a espetaculariza•‹o da vida urbana nos
espa•os da metr—pole transformada por ele.
135
BARBUY, Heloisa. A exposi•‹o universal de 1889 em Paris. S‹o Paulo: Edi•›es Loyola, 1999. p.38-43.
136
BENJAMIN, Walter. Paris, capital do sŽculo XIX. In KOTHE. Op. cit., p.36.
73
seguem ocorrendo. PorŽm, j‡ se questiona por quanto tempo. TambŽm, o porqu• de organizar
toda uma parafern‡lia se na verdade esse conhecimento do novo nos Ž exposto praticamente
todos os dias pela telinha da TV ou, ainda mais, atravŽs do sistema digital. Hoje essa tecnologia
abre completamente o recinto, anteriormente fechado dos grandes edif’cios das grandes
exposi•›es, as quais, na verdade, tinham como objetivo mostrar as novas tecnologias num
enorme e m‡gico recinto fechado. Mas s‹o elas pr—prias que ir‹o extinguir-se, pois j‡ n‹o se v•
como necessidade fundamental deslocar-se para ver o que trazem de novidades as exposi•›es
universais, diante disso, a TV nos mostra praticamente todas as informa•›es sobre a nova
tecnologia emergente. Justamente o que as grandes exposi•›es mostram pode chegar a
amea•ar sua exist•ncia, ironias da tecnologia.137 A grande vitrine, que foi o Crystal Palace, hoje
transforma-se numa pequena caixa, numa minœscula vitrine que transmite grande parte das
novidades tecnol—gicas.
2.5 Ð Pris›es
(...) Vigiar e punir se abre sobre um Òteatro do terrorÓ, a encena•‹o espetacular que
acompanhava as execu•›es pœblicas atŽ o sŽculo XIX. Esse dŽcor estrepitoso,
carnavalesco no qual a todo-poderosa m‹o da justi•a fazia executar a senten•a sob os
olhos dos espectadores era suposto gravar sua mensagem de modo indelŽvel em suas
mentes. Com freqŸ•ncia, a puni•‹o excedia a gravidade do delito e, deste modo,
ficavam reafirmados a supremacia e o poder absoluto da autoridade. Hoje, o controle Ž
menos severo e mais refinado, sem ser, contudo, menos aterrorizador. Durante todo o
percurso de nossa vida, todos n—s somos capturados em diversos sistemas
autorit‡rios; logo no in’cio da escola, depois em nosso trabalho e atŽ em nosso lazer.
Cada indiv’duo, considerado separadamente, Ž normatizado e transformado em um
caso controlado por um IBM. Em nossa sociedade, estamos chegando a refinamentos
de poder os quais aqueles que manipulam o teatro do terror sequer haviam sonhado.
(...)
O ponto em que chegamos est‡ alŽm de qualquer possibilidade de retifica•‹o, porque
o encadeamento desses sistemas continuou a impor esse esquema, atŽ faz•-lo ser
aceito pela gera•‹o atual como uma forma da normalidade. N‹o obstante, n‹o Ž dito
137
CANOGAR. Op. cit., p.116-118.
74
que isso seja um grande mal. O controle cont’nuo dos indiv’duos conduz a uma
amplia•‹o do saber sobre eles, que produz h‡bitos de vida refinados e superiores. Se
o mundo est‡ a ponto de se tornar uma espŽcie de pris‹o, Ž para satisfazer as
exig•ncias humanas.
Michel Foucault138
Em seu livro Vigiar e Punir, Foucault exp›e uma vis‹o Òda alma moderna e de
um novo poder de julgarÓ. Estuda Òa metamorfose dos mŽtodos punitivos a partir de uma
tecnologia pol’tica do corpo onde se poderia ler uma hist—ria comum das rela•›es de poder e
das rela•›es de objeto.Ó139 Entende-se obviamente que do lado do poder est‹o os guardas, os
mŽdicos, os capel‹es, os psiquiatras, os psic—logos, os educadores, enquanto o objeto Ž o
corpo do indiv’duo.
138
FOUCAULT, Michel. EstratŽgia, poder-saber. Organiza•‹o e sele•‹o de textos: Manoel Barros da Motta.
Tradu•‹o: Vera Lucia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universit‡ria, 2003. p.306-307.
139
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da pris‹o. Tradu•‹o: Raquel Ramalhete. Petr—polis: Vozes,
1987. p.23-24.
75
140
Idem, p.16.
141
Idem, p.200.
142
Idem, p.196-197.
143
Idem, p.195.
76
Uma casa de penitenci‡ria (...) deveria ser um edif’cio circular, ou melhor dizendo, dois
edif’cios encaixados um no outro. Os quartos dos presos formariam o edif’cio da
circunfer•ncia com seis andares, e podemos imaginar estes quartos como celas
abertas na parte interior do edif’cio (...) Uma torre ocupa o centro, e esta Ž a habita•‹o
dos inspetores (...) a torre de inspe•‹o est‡ tambŽm rodeada de uma galeria coberta
com persianas transparentes que permitem ao inspetor registrar todas as celas sem
que o vejam (...) mas mesmo que esteja ausente, a impress‹o de sua presen•a Ž t‹o
eficaz como sua pr—pria presen•a (...) Entre a torre e as celas deve haver um espa•o
vazio, ou um po•o circular, que tira dos presos qualquer meio de tentar algo contra os
inspetores (...) Este edif’cio Ž como uma colmŽia, cujas celas podem ser vistas todas
desde um ponto central (...).Ó144
144
<TŽrminos y Condiciones - Haga Publicidad en Monografias.com>1997 Lucas Morea.
145
FOUCAULT. Op. cit., 1987. p.209.
77
146
FOUCAULT. Op. cit., 1987. p.169.
78
Dan graham. Two-way Mirror Cylinder inside Cube and Video Salon. Rooftop Park for Dia Center for
the Arts. 1981-1991. Espelho falso, vidro transparente, a•o, madeira e borracha. 2,4 x 11 x 11 m.
Instala•‹o permanente, Dia Center for the Arts, Nova York.
147
PELZER, Birgit. Dan Graham. In OSBORNE, Peter (ed.). Conceptual Art. London, New York: Phaidon, 2002.
79
O artista insere no interior de cada jaula apenas uma pequena l‰mpada de luz
incandescente, Òque as ilumina pela noite, enquanto a brisa as move suavemente, dando aos
anabaptistas uma surpreendente presen•a na vida da cidade. (...) um efeito quase m‡gico
adquirem estes pequenos far—is na noite onde a acusa•‹o da hist—ria se mantŽm ainda
patenteÓ.149
148
MANZANARES, Mar’a Luisa Sobrino. Escultura contempor‡nea en el espacio urbano: transformaciones,
ubicaciones y recpci—n pœblica. Sociedad Editorial Electa Espa–a, 1999. p.64-65. A autora cita W.
Grasskamp.
149
Idem, ibidem.
80
150
CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa R.(org.). O cinema e a inven•‹o da vida moderna. Tradu•‹o: Regina Thompson.
S‹o Paulo: Cosac & Naify Edi•›es, 2001. p.411-440. (os outros dois locais eram o MusŽe GrŽvin e os Panoramas).
81
Para Schwartz, esse local de prazer popular ofereceu para as massas um tipo
de fl‰nerie, que ela identifica com o olhar novo e mobilizado do espectador prŽ-cinematogr‡fico.
Esse olhar interessava-se pela realidade da Žpoca, porŽm, aquela realidade feita apenas para
olhar. N‹o tinha a necessidade de participar ativamente. ƒ desse observador n‹o atuante que
Schwartz fala, aquele que possui a mesma passividade do futuro espectador cinematogr‡fico,
estando interessado apenas na "
pura!imagem. Ou melhor, em ver a realidade por meio de
imagens. A "
vitrine!do necrotŽrio serve como tela e respectiva imagem para o espectador
cinematogr‡fico antes do aparato do cinema. Esse pœblico n‹o estava procurando a realidade e
sim a imagem da realidade. O pœblico se dirigia ao necrotŽrio porque existia um distanciamento
proporcionado pela maneira como a realidade estava sendo exposta. Est‡ se falando aqui,
acredite-se ou n‹o, em entretenimento, espet‡culo. Esse evento trabalhou uma sedu•‹o
m—rbida do olhar, porŽm ˆ dist‰ncia. Existia uma separa•‹o definida entre quem olhava e o que
era visto, eram dois momentos distintos: o tempo do espectador do lado de fora, e outro tempo
distinto do primeiro Ð o do corpo isolado no interior do edif’cio, porŽm ˆ mostra para quem o
observava. Essa situa•‹o ajudou a convers‹o do mundo real em imagem, ademais em imagem
de an™nimos, sem identidade.
82
Hoje, n‹o podemos mais conceber a distin•‹o entre um espa•o interno e um espa•o
externo, entre um espa•o apenas meu e um espa•o de todos. Hoje, Ž componente do
espa•o urban’stico qualquer coisa que, na cont’nua muta•‹o da realidade ambiental,
retŽm por um instante nossa aten•‹o, obriga-nos a reconhecer-nos (ainda que para
tomar consci•ncia de nossa nulidade) em um objeto ou em algo que, n‹o sendo objeto
no sentido tradicional do termo, ainda Ž algo que n‹o conhecemos e cuja chave, cujo
c—digo de interpreta•‹o devemos encontrar.
151
ARGAN, Giulio Carlo. Hist—ria da arte como hist—ria da cidade. Tradu•‹o: Pier Luigi Cabra. S‹o Paulo:
Martins Fontes, 1995. Urbanismo, espa•o e ambiente. p.224.
152
SENNETT. Op. cit., p.125.
153
Idem, p.125-141.
154
Idem, ibidem.
83
Para Taut, qualquer edif’cio n‹o destinado a um œnico indiv’duo, mas sim a
um —rg‹o coletivo, deveria explorar no projeto a utiliza•‹o do vidro com grande intensidade. Na
verdade, Scheerbart e Taut esperavam da Ònova cultura de vidroÓ uma nova moral, o que
permitiria uma consci•ncia mais brilhante, chegando a atribuir ˆs causas estŽticas efeitos
morais.156 As quest›es sociais, para Taut, eram uma parte consistente de seu pensamento. O
vidro seria o material no qual se reconciliariam esp’rito e matŽria. Inclusive, Taut assinava suas
cartas com o pseud™nimo GLAS (vidro). A quest‹o da •nfase na cor era um dos objetivos da
arquitetura expressionista como possibilidade de fazer-se popular. Scheerbart falava da
155
QUETGLAS, Josep. El horror cristalizado: im‡genes del Pabell—n de Alemania de Mies van der Rohe.
Barcelona: Actar Publishers, 2001. p.123.
156
<www.todoarquitectura>
84
Em seus primeiros projetos, Mies van der Rohe manteve uma rela•‹o intensa
com a arquitetura cl‡ssica do sŽculo XIX. PorŽm trabalhou numa linguagem contempor‰nea,
sob sua formula•‹o arquitet™nica Ð less is more (menos Ž mais). O Pavilh‹o alem‹o, constru’do
para a Exposi•‹o de Barcelona, em 1929, n‹o foi um edif’cio constru’do para expor algo, mas
sim a si pr—prio. O Pavilh‹o em si era o objeto a ver. Como os pal‡cios constru’dos para as
exposi•›es universais do sŽculo XIX, teve dura•‹o ef•mera e foi demolido no ano seguinte.
Mas, chegou a ser reconstru’do entre 1983 e 1986 (obra de Fernando Ramos, Ignasi de Sola
Morales e Christian Cirici).
157
QUETGLAS. Op. cit., p.23.
158
Idem, p.23-27.
159
SENNETT. Op. cit., p.144.
86
Nessa express‹o Mies revela o grande potencial inserido em sua obra. O Pavilh‹o trabalha a
luz, ele mesmo Ž todo claridade. A luz do templo g—tico foi substitu’da aqui pela total
transpar•ncia, a luminosidade desce agora para a altura do espectador. Ela se dissolve em
todas as superf’cies da arquitetura. Reflete, absorve, Ž a pr—pria representa•‹o da lucidez no
ambiente interior. Os reflexos confundem ordenadamente e engrandecem a no•‹o de espa•o.
O Pavilh‹o Ž de ordem sublime, portanto, se aproxima ao extremo requinte. Os poucos objetos
existentes recebem um lugar exato, com perfeita maestria, nem mais para l‡ nem mais para c‡.
Qualquer mudan•a, e ocorreria uma cat‡strofe.
160
QUETGLAS. Op. cit., p.181.
161
BENJAMIN. Op. cit., 2005. p.555.
87
162
QUETGLAS. Op. cit., p.65.
163
SENNETT. Op. cit., p.147.
164
Idem, p.148.
88
Pavilh‹o de Mies todos entram. Entretanto, que paradoxo! Ele foi constru’do especialmente
para receber um convidado seletamente escolhido, o rei de Espanha.
Mies van der Rohe. Farnsworth House. Fox River, Plano, Illinois, 1946-50
Philip Johnson trabalha, na casa projetada para ele mesmo viver, o purismo
rigoroso de Mies van der Rohe, de quem foi, por um tempo, colaborador. Em seu projeto de
linhas retas prevalece a horizontalidade. AlŽm disso, o jardim e a casa fazem parte do mesmo
plano. A transpar•ncia colabora numa continuidade ainda maior entre o interior da resid•ncia e
o espa•o externo do jardim. Sua resid•ncia funde-se quase por completo com a paisagem. A
total transpar•ncia tem como œnico espa•o fechado o cilindro que encerra o banheiro, enquanto
a estrutura de a•o suporta a constru•‹o. Ali‡s, tal arquitetura proporciona um ambiente de conto
de fadas contempor‰neo.
165
FRAMPTON, Kenneth. Hist—ria cr’tica da arquitetura moderna. Tradu•‹o: Jefferson Luiz Camargo. S‹o Paulo: Martins
Fontes, 2003. p.285.
90
166
conversa com Ricardo Resende, junho de 2005.
167
Krauss, Rosalind E. La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Tradu•‹o: Adolfo G—mez
Cedillo. Madrid: Alianza Editorial, 1996. La escultura en el campo expandido. p.289-304.
168
AUGƒ, Marc. N‹o-Lugares: introdu•‹o a uma antropologia da supermodernidade.
91
169
BENJAMIN. Op. cit., 2005. p.551.
93
Ana Maria Tavares. VISIONES SEDANTES II. S‹o Paulo, 2002. (vis‹o interna)
VISIONES SEDANTES II. S‹o Paulo, 2002. (vis‹o interna, com a parede de espelhos ao fundo)
lugar em meio ˆ imensid‹o urbana da grande S‹o Paulo. A fria espera, o piano fechado, os
espelhos, esse cen‡rio aparentemente desconexo encontra-se entre duas regi›es
imageticamente semelhantes, porŽm de dimens›es distantes, a realidade da rua e a
perspectiva enganosa do espelho. A artista se apropria da pr—pria cidade para finalizar sua
obra.
95
Cap’tulo III
Nos h‹o retumbado desde o sŽculo XIX, com a morte de Deus, do homem, da arte (...)
N‹o se tratava mais que da progressiva decomposi•‹o de uma fŽ perceptiva fundada
desde a Idade MŽdia e a partir do animismo, na unicidade da cria•‹o divina, a
absoluta intimidade do universo e do homem-Deus do cristianismo agostiniano, esse
mundo de matŽria que se amava e se contemplava em seu Deus œnico.
No Ocidente, a morte de Deus e a morte da arte s‹o indissoci‡veis e o grau zero da
representa•‹o n‹o faz mais que levar a cabo a profecia enunciada mil anos antes por
NicŽforo, patriarca de Constantinopla, durante a querela iconoclasta: ÒSe suprime-se a
imagem, n‹o s— desaparece Cristo, sen‹o o universo inteiroÓ.
Paul Vir’lio170
170
VIRêLIO. Op. cit., p.29.
96
comŽrcio, e como tambŽm nas experi•ncias desenvolvidas por artistas relacionadas com tal
dispositivo. A natureza de uma obra de arte n‹o Ž a mesma, ela transforma-se quando
apresentada dentro de uma vitrine.
Walter Benjamin171
171
BENJAMIN. Op. cit., 2005. p.55.
97
O desafio proposto por Leirner causa impacto ao primeiro olhar quando nos
deparamos, no espa•o central da galeria, com uma enorme prateleira branca, absolutamente
repleta de pequenos objetos, alguns livros e sŽries de cat‡logos que se repetem
indefinidamente. A prateleira pertence ao cotidiano de sua casa, onde reœne as pe•as numa
ordem nada aleat—ria. Esses artefatos, muitas vezes os vemos durante um simples percurso
pelas ruas do centro da cidade. Por meio dessa montagem, Nelson nos descreve hist—rias
99
agrad‡veis e divertidas, porŽm repletas de ironia. Numa prateleira agrupa v‡rios macaquinhos,
onde dois deles se abra•am carinhosamente. J‡, em outra, disp›e tr•s gorilas em cores fortes
e artificiais, de fronte a uma sŽrie de cat‡logos da Sothebys (casa de leil›es londrina), met‡fora
sarc‡stica. Em seguida, dispostos lado a lado, v‡rios santos em frente a um alinhamento
tambŽm de cat‡logos da Sothebys, sobre os quais ele depositou uma sŽrie de mini-bicicletas
em verde e amarelo, tr•s das quais sustentam uma pequena bandeira brasileira. ƒ o deslizar
de uma bicicleta que nos vai levando conforme o santo ajuda. Numa organiza•‹o nada casual,
ali‡s, numa extrema ordem, ele ironiza a quest‹o do mercado da arte. Se nos atemos ˆs
diferentes situa•›es a’ propostas nos deparamos com contos hil‡rios, por vezes dram‡ticos de
Era uma vez...
de uma elei•‹o. Tais estratŽgias n‹o s‹o imediatamente aparentes, pois uma prateleira repleta
de objetos Ž comum em muitas casas, ou qualquer outro local, como uma loja comercial, ou
uma livraria. ƒ o excesso da trivialidade, a abund‰ncia do ready-made. A neutralidade do objeto
levada a um extremo.
172
CHIARELLI, Tadeu. Apropria•›es/Cole•›es. Porto Alegre, Santander Cultural, 2002. p.25.
173
Idem, ibidem.
174
Termo utilizado por Agnaldo Farias. N.Leirner 1994+10. Do Desenho ˆ Instala•‹o. Instituto Tomie Ohtake,
2004.
100
vitrines, o espectador fica do lado de fora, externo ao espa•o da obra. PorŽm, assim que o
espectador entra no espa•o de uma cole•‹o, ele encontra-se entre, em meio aos objetos.
Situa•‹o contr‡ria Ž trabalhada na obra Monalisas, 2003.
Nelson Leirner. Monalisas, 1998/1999. Gesso, pl‡stico, metal e madeira. Dimens›es vari‡veis, 30
pe•as.
Jamais teria obtido esse tipo de complexidade com objetos tecnol—gicos cuja
simplicidade condena a mente ˆ monomania: a arte minimalista, o rob™, o computador.
Marcel Broodthaers175
175
BROODTHAERS, Marcel. Ten Thousand Francs Reward. In CRIMP, Douglas. Sobre as ru’nas do museu.
Tradu•‹o: Fernando Santos. S‹o Paulo: Martins Fontes, 2005. p.192/nota de rodapŽ 40.
176
McSHINE, Kynaston. The Museum as Muse: Artists Reflect. New York: The Museum of Modern Art, 1999.
p.91. Christian Boltanski.
102
n‹o pode transmitir.177 A nossa conex‹o com esses —culos tambŽm Ž outra, o enlace proposto
ao espectador est‡ intermediado pela vitrine. Gra•as a isso nos prop›e um certo
distanciamento dos objetos. A rela•‹o torna-se ent‹o uma rela•‹o de an‡lise, n‹o de uso, ao
ver os objetos expostos lado a lado, com etiquetas qualificando cada foto, cada objeto, numa
disposi•‹o sem dœvida alguma museol—gica. O artista eterniza sua biografia atravŽs de um
dispositivo de exposi•‹o, muito pr—ximo ˆs vitrines dos museus de hist—ria natural.
177
Idem, ibidem.
103
essa superf’cie e n‹o deixa ver absolutamente nada da parte inferior da mesa-vitrine. Aqui n‹o
h‡ sequer um pequeno espa•o que deixe a vis‹o ultrapassar o vidro. Pois, a foto na superf’cie
reproduz tambŽm o fundo, suporte e unificador do espa•o para tais dispositivos, o qual Ž
geralmente de cores fortes e presentes, azul, vermelho, laranja. ÒA artista criou um c—digo de
cores para o fundo e a estrutura das mesas, em fun•‹o da origem das imagens e do lugar de
aquisi•‹o do objeto. (...) vermelho para a Europa, verde para a Oceania, marrom para a çsia,
laranja para a çfrica, azul-escuro para a AmŽrica do Norte e Central e azul-claro para a
AmŽrica do Sul.178 Ou seja, a cor da estrutura da vitrine indica o lugar da compra dos ‡lbuns. E
a cor do fundo, onde repousam os ‡lbuns, aponta o continente no qual as fotos foram
realizadas.
Rosangela Renn—. Bibliotheca 2002. Detalhe. Trinta e sete vitrines contendo ‡lbuns de fotografia,
cole•›es de slides e negativos e fotografia digital, laminada sob acr’lico, mapa e arquivo de a•o;
dimens›es vari‡veis.
178
Para uma leitura detalhada sobre a montagem da instala•‹o: RENNî, Rosangela. [O arquivo universal e outros
arquivos]. S‹o Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 23-35. Maria AngŽlica Melendi.
104
179
BENJAMIN. Op. cit., 2003. p.52-57.
180
ARNAIZ. Op. cit., p.104-105.
181
BENJAMIN. Op. cit., 2003. p.58.
106
grupo dos elementos reais, mostra sua imagem Ð processo paradoxal. Ela realmente trabalha
uma trama entre a imagem do conjunto de dispositivos de armazenagem e os pr—prios
dispositivos reais. Ali‡s, acontece uma rela•‹o muito pr—xima dessas vitrines com o dispositivo
fotogr‡fico. No abrir e fechar da lente, o objeto ÒentraÓ na c‰mera como imagem.
182
ARMAN. Op. cit., p.16. Umberto Eco. Sobre Arman.
183
Idem, ibidem.
107
184
Idem, ibidem.
185
Idem, p.48. Arman em entrevista a Daniel Abadie: ÒA arqueologia do futuroÓ.
108
Damien Hirst. The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living, 1991.
186
Damien Hirst. Op. cit., p.17. entrevista a Stuart Morgan.
187
Idem, p.11.
111
Douglas Crimp190
188
FOSTER, Hal. An Archival Impulse. In OCTOBER 110, Fall, 2004. p.5.
189
Idem, p.3-22.
190
CRIMP, Douglas. Sobre as ru’nas do museu. Tradu•‹o: Fernando Santos. S‹o Paulo: Martins Fontes, 2005. p.181.
191
PRADA, Juan Mart’n. La Apropiaci—n Posmoderna: Arte, pr‡ctica apropiacionista y Teor’a de la Posmodernidad. Madrid:
Editorial Fundamentos, 2001. p.151.
112
192
Idem, p.146. Ò...uma das pr‡ticas de questionamento do museu como espa•o ideol—gico que permanece na mais estreita rela•‹o
com a pr‡tica apropriacionista Ž a da «reinstala•‹o«Ó.
113
fazem parte daqueles objetos nunca antes expostos pela respectiva institui•‹o. Apesar da
conviv•ncia tr‡gica, tanto uns como os outros foram objetos do cotidiano daquele per’odo.
Acontece uma separa•‹o de objetos de uma mesma Žpoca, isolados, expostos por parte da
curadoria da institui•‹o. Um isolamento para deter um determinado tempo. O artista intervŽm
nesse tempo. Coloca um elemento ÒintrusoÓ ˆ vis‹o tradicionalista de uma cultura. A institui•‹o
organiza os elementos, todos de um mesmo material e os mesmos servem para uma mesma
ocasi‹o. Por parte do museu existe uma organiza•‹o por ordem de data, matŽria e utiliza•‹o.
As pe•as constituem um servi•o de ch‡, ornamentadas com prataria, utilit‡rios do cotidiano de
uma casa. Um problema de autoridade, a institui•‹o produz uma verdade distante da realidade.
A curadoria anterior, ÒdistraidamenteÓ, havia esquecido de mais um objeto, de metal, cotidiano
ˆ casa, as algemas. Fred Wilson ent‹o, em um gesto m’nimo, porŽm carregado de sarcasmo,
Òdesloca-asÓ para o dispositivo da vitrine, para o espa•o de exposi•‹o do Museu.
A Maryland Historic Society foi concebida como um clube de amigos e se cria depois
da revolu•‹o americana, fundada por historiadores aficionados e naturalistas de
fam’lias distinguidas. A Maryland Historic Society partia, assim, com uma clara
tend•ncia a planejar uma vis‹o muito concreta da hist—ria que tratou cuidadosamente
de perpetuar ao largo do tempo. Nela n‹o aparecem, por exemplo, alus‹o alguma aos
tumultos pelos direitos civis que arrasaram Baltimore entre 1968-69 sendo a œnica
refer•ncia ˆ experi•ncia afro-americana uma vitrine dedicada ao mœsico de jazz Eubie
Blake.193
ÒDe fato, a leitura das instala•›es presentes nesta reinstala•‹o n‹o pode
ocultar um forte fundo autobiogr‡fico.Ó194 Um v’deo ˆ entrada declarava sua vis‹o da Maryland
Historic Society. Wilson afirma ÒNunca sei onde me vai levar o processo, mas geralmente me
conduz de novo a mim mesmo, ˆs minhas pr—prias experi•ncias.Ó195 Essa atitude denota uma
insist•ncia na base autoral.
193
Idem, p.151.
194
Idem, ibidem.
195
Idem, ibidem
114
Walter Benjamin196
O pœblico j‡ n‹o examinava a qualidade dos produtos expostos, nem a nobreza dos
materiais que haviam sido empregados na fabrica•‹o do objeto. Somente apreciava a
imagem visual dos produtos colocados detr‡s de um cristal. O vidro permitia uma
aproxima•‹o visual, enquanto criava uma separa•‹o intang’vel do indiv’duo ao
produto. O distanciamento do produto industrial fora do alcance da m‹o era o que
despertava o instinto possessivo do pœblico.
Daniel Canogar197
196
BENJAMIN. Op. cit., 2005. p.42.
197
CANOGAR. Op. cit., p.31.
198
L•che-vitrine(lamber a vitrine) Ž t’tulo do texto de Peter Fleissig. Op. Cit., p.102.
115
A çrvore dos Tamancos (L«Albero degli Zoccoli), de Ermanno Olmi, It‡lia, 1978.
(...) muitos objetos modernos, por sua plasticidade e beleza, s‹o dignos de
admira•‹o, sobretudo quando valorizados pela arte de expor, que os retira da
esfera da materialidade objetiva para infundir-lhes uma ess•ncia estŽtica.199
199
FABRIS. Op. cit., p.60.
116
200
RAPPAPORT, Erika. ÒUma nova era de comprasÓ: A promo•‹o do prazer feminino no West End londrino. In
CHARNEY; SCHWARTZ. Op. cit., p.188.
201
Idem, p.205.
202
FABRIS. Op. cit., p.62.
203
RAPPAPORT. In CHARNEY; SCHWARTZ. Op. cit., p.192.
204
Idem, p.199.
205
Idem, p.193.
117
Selfridge, 1909.
Situa•‹o contr‡ria acontece nas fotos de Atget, quem num processo muito
singular documenta justamente toda a riqueza dos reflexos mesclados com a mercadoria.
206
Idem, p.195.
207
Atget une rŽtrospective. Op. cit., p.85.
208
Idem, p.87.
118
Andy Warhol. Instala•‹o de telas Pop-arte na vitrine frontal da Bonwit Teller, Nova York,
abril/1961.
Caminhando pela 5» Avenida, nos anos 60, nos deparar’amos com telas de
Warhol, Dali, Archipemko, mescladas com a moda feminina, nas fachadas das grandes lojas
das ruas de Nova York. Um verdadeiro cen‡rio teatral, onde os atores s‹o agora manequins
trajando a œltima moda. O ambiente no interior das vitrines transforma-se numa composi•‹o
entre mercadorias e obras de arte originais. Esse cen‡rio faz equivaler um objeto originalmente
œtil Ð o vestu‡rio, a um objeto ligado ˆ intelectualidade Ð a pintura. Roupas e acess—rios
aproximam-se do status da obra de arte. Um aut•ntico teatro em fachadas transparentes
apresenta-se a uma audi•ncia externa, da rua. Atua com o transeunte, com suas ilus›es, seus
desejos. Teatro perverso, ele corrompe. Procura valer-se de raz›es poderosas, compele o
espectador a fazer o que prop›e. Na medida em que convence, estimula o desejo em possuir
bens.210 A vitrine de uma loja n‹o induz apenas psicologicamente, mas tambŽm fisicamente211,
209
LE GALL. Op. cit., p.35-38.
210
WHITING, CŽcile. Pop Art, Gender, and Consumer Culture. California: Cambridge University Press, 1997.
p.11-12.
211
Idem, p.12.
119
pois chama o transeunte ao interior da loja, a entrada est‡ ali mesmo, ao lado, junto ˆ vitrine,
aqui est‡ sua perversidade.
212
Idem, p.8.
213
Idem, p.12.
214
Idem, p.10.
120
Robert Doisneau. Le regard oblique, tableau de wagner dans la vitrine de la galerie Romi. Rue de
Seine, Paris VI, 1948.
(...) um dos grandes servi•os que um artista pode oferecer ao mundo nesse momento
Ž precisamente uma descri•‹o (literal ou conceitual) do capitalismo, livre de um
julgamento moral, que nos permita compreender visualmente o sistema no qual n—s
todos funcionamos. ƒ precisamente essa tentativa que corre no ‰mago de Maria
Eichhorn Aktiengesellschaft.Ó215
(É) o selo, caso extremo do objeto de cole•‹o, e fora de qualquer no•‹o de trabalho,
faz valor de uso e valor de troca se corresponderem entre si (É) se op›e ˆ nota
banc‡ria, embora a neutralidade estŽtica e a cifra impressas em seus papŽis pare•am
aproxim‡-los. (É) o dom’nio da nota Ž a multid‹o e a import‰ncia que ela indica n‹o
basta para tir‡-la do anonimato: a tarifa e a identidade desconhecida da prostituta
215
EICHHORN, Maria. Maria Eichhorn Aktiengesellschaft. Kšln: Verlag der Buchhandlung Walther Kšnig, 2007.
p.21. Charles Esche. Foreword.
122
216
MISSAC, Pierre. Passagem de Walter Benjamin. Tradu•‹o: Lilian Escorel. S‹o Paulo: Editora Iluminuras, 1998.
p.64-65.
217
EICHHORN. Op. cit., p.21. Charles Esche.
218
Idem, ibidem.
123
219
Idem, ibidem.
124
enquanto retira seu valor como objeto utilit‡rio. Eichhorn cria a cooperativa na realidade
cotidiana, mas, ao mesmo tempo, tambŽm a introduz no campo da arte. Estrutura uma
cooperativa n‹o-utilit‡ria220 no mundo real, e tambŽm a leva ao mundo da contempla•‹o
estŽtica. Ademais, nos faz estud‡-la por isso, por esse valor n‹o-produtivo. Sua companhia
perde o valor de uso, na medida em que perde valor monet‡rio e ganha o valor de exposi•‹o.
220
Idem, ibidem.
221
Idem, p.23.
222
Idem, p.21.
125
Cap’tulo IV
Barthes223
Picasso tornou vis’vel o nosso sŽculo; Duchamp nos mostrou que todas as artes, sem
excluir as dos olhos, nascem e terminam em uma zona invis’vel. Ë lucidez do instinto
op™s o instinto da lucidez: o invis’vel n‹o Ž obscuro nem misterioso, Ž transparente ...
Octavio Paz224
A proposta de Duchamp aborda uma nova atitude perante a arte. P›e por
terra a credibilidade numa arte associada somente ˆs quest›es art’sticas, ligadas diretamente
223
BARTHES, Roland. El susurro del lenguaje: m‡s all‡ de la palabra y la escritura. Tradu•‹o: C. Fern‡ndez
Medrano. Barcelona: Ediciones Paid—s IbŽrica, S.A.,1994. p.66. La muerte del autor.
224
PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza. Tradu•‹o: Sebasti‹o Uchoa Leite. S‹o Paulo: Editora
Perspectiva, 1997. p.9.
225
KRAUSS, Rosalind. O Fotogr‡fico. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002.
226
PAZ. Op. cit., p.7.
126
O artista Ž um vidente que penetra atŽ os mais ’ntimos fundamentos de todo ente, atŽ
as idŽias criadoras de Deus, e um criador que pode expressar sua vis‹o na obra;
contemplar e criar s‹o nele uma s— coisa. Desta maneira, o artista, apesar de todos os
limites impostos pelo tempo e pela pessoa, se remonta sobre si mesmo, levantando-
se como profeta e glorificador do ser entre os homens; na sua figura genu’na tem algo
de sacerdotal.227
227
BRUGGER, Walter. Diccionario de filosof’a. Barcelona: Empresa Editorial Herder, 1983/2000. p.70-1.
228
KUSPIT, Donald. El fin del arte. Tradu•‹o: Alfredo Brotons Mu–oz. Madrid: Ediciones Akal, 2006. p.128.
229
PAZ. Op. cit., p.8.
127
Duchamp faz suas escolhas durante andan•as pelas ruas da cidade, aprecia
as vitrines comerciais, elege objetos industriais aos quais denominar‡ de ready-mades. ƒ
ativado pelo fasc’nio, pelo deslumbre das lojas de mercadoria, assim como o pœblico que
caminha pelas avenidas. Pouco a pouco a concorr•ncia comercial explora e tira vantagens do
objeto, o qual torna-se o elemento central da rua. Come•a-se a valorar sua beleza, enquanto
entra com for•a significativa no mundo dos desejos do cidad‹o moderno. A cidade moderna
atrai o pœblico, chama-o para as ruas, suas vitrines atraem um fl‰neur em particular Ð Marcel
Duchamp, personalidade da cidade moderna, v• nas vitrines algo a transportar para o campo
da arte. O ambiente exaltado na Žpoca colabora para tal, como diz Fernand LŽger, a pr—pria
cidade tornou-se uma das belas artes:
230
Fernand LŽger. In FABRIS. Op. cit., p.59.
128
g•nio, por mais g•nio que seja, berrando aos quatro ventos, cujo trabalho seja arte sem a
san•‹o da institui•‹oÓ231. Portanto, o artista afasta-se do papel de um ser iluminado, deixa de ter
uma ess•ncia, uma subst‰ncia. Assemelha-se a um interruptor232, enquanto aciona um objeto
do mundo utilit‡rio j‡ existente e o transforma em arte. A partir de ent‹o, o artista desempenha
uma fun•‹o dentro de um sistema. Aparentemente dispensa qualquer procedimento art’stico,
uma vez que desloca um objeto da realidade cotidiana e o traz para a esfera da arte.
231
VENåNCIO. Op. cit., p.64.
232
Idem, ibidem.
233
ARMAN. Op. cit., p.57. Arman em entrevista a Daniel Abadie: ÒA arqueologia do futuroÓ.
234
CABANNE, Pierre. Entretiens avec Marcel Duchamp. In RAMêREZ. Op. cit., p.26.
129
art’stico n‹o pode estar, abaixo de nenhum conceito, como algo «neutro«.Ó235 O referido autor v•
toda uma associa•‹o com o valor estŽtico do objeto industrial por parte de Duchamp: Ò(...) pois
Ž —bvio que se pretende reivindicar o urin‡rio como um objeto belo. Ao selecion‡-lo, deve ter
levado em conta suas ins—litas similitudes com algumas esculturas contempor‰neas como o
m‡rmore de Brancusi, Princesa X (1916), (...).Ó236
Brancusi. Princesse X ,1915-16. Marcel Duchamp. Pasadena Art museum, Los Angeles, 1963.
235
RAMêREZ. Op. cit., p.54.
236
Idem, p.55.
130
Eu estava em sua casa quando trouxeram para assinar uma prova de um mœltiplo
muito mal feito: um perfil de bronze de sua cabe•a com uma m‹o que segurava um
tabuleiro de xadrez. Ele come•ou a assin‡-lo. Era realmente pior do que Dali poderia
fazer nos seus piores dias. Eu lhe disse; ÒMas voc• assina isto?Ó ÒSim, por qu•?Ó
ÒPorque n‹o Ž bom.Ó Ele respondeu: ÒEu n‹o dou a m’nimaÓ, e acrescentou: Òƒ preciso
n‹o perder a causa de vista. Disse que n‹o pintava mais, que para mim tanto fazia. Se
come•o a fazer ju’zo de valor sobre o que me trazem para assinar, eu tomo partido,
come•o a estabelecer um estilo, isto Ž bom, isto n‹o Ž bom; fui eu que decidi assim.
No fundo, eu sou muito coerente comigo mesmo ao assinar. Sei muito bem que Ž feio,
mas n‹o ligo. AlŽm do mais, estou dando um prazer para Arturo e para Teeny.240
Por vezes parece paradoxal, mas se utiliza do ÒnomeÓ, do seu nome! ÒPorque o artista Ž, antes
de mais, isso: um nome.Ó241
237
in: Ram’rez. Op. cit., p.59.
238
FOUCAULT, Michael. O que Ž um autor? Tradu•‹o: Ant—nio Fernando Cascais e Edmundo Cordeiro. Lisboa:
Vega Passagens, 1992. p.55.
239
in: ARMAN. Op. cit., p.57.
240
ARMAN. Op. cit., p.57-58. Arman/Daniel Abadie. ÒA arqueologia do futuroÓ.
241
DAMISCH, Hubert. Artista. In EnciclopŽdia Einaudi. Volume 3 Artes Ð Tonal/Atonal. Portugal: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1984. p.70.
131
A intertextualidade na qual est‡ inserto todo texto, j‡ que ele mesmo Ž o entretexto de
outro texto, n‹o deve confundir-se com nenhuma origem do texto: buscar as ÒfontesÓ,
as Òinflu•nciasÓ de uma obra Ž satisfazer o mito da filia•‹o; as cita•›es que formam
um texto s‹o an™nimas, ilocaliz‡vel e, n‹o obstante, j‡ lidas antes: s‹o cita•›es sem
entre par•nteses.
Roland Barthes242
A vida dos homens infames trata de uma pesquisa realizada por Foucault
sobre as lettres de cachet Ð ordens de pris‹o ou internamento emitidos em nome do rei (foi
242
BARTHES. Op. cit., p.78. De la obra ao texto.
243
FOUCAULT. Op. cit., 1992. p.33-36.
244
AGAMBEN, Giorgio. Profanaciones. Tradu•‹o: Edgardo Dobry. Barcelona: Editorial Anagrama, 2005. p.78. El
autor como gesto.
245
FOUCAULT. Op. cit., 1992. p.89-128. A vida dos homens infames.
246
AGAMBEN. Op. cit., p.84-85. El autor como gesto.
247
Idem, p.83.
132
248
FOUCAULT. Op. cit., 1992. p.113. A vida dos homens infames.
249
Idem, p.89-109.
250
AGAMBEN. Op. cit., p.83-84. El autor como gesto.
251
Idem, p.84-85.
133
ir™nico, n‹o verdadeiramente cruel, mas dir’amos esteticamente sim. As lettre de cachet tratam
de uma quest‹o, a qual poder’amos qualificar de tr‡gica, b‡rbara. Gestos tr‡gicos zombam da
hist—ria da humanidade. Duchamp, quando minimiza o gesto, quando implanta um vazio na
arte, trata-o com um alto grau de ironia, de sarcasmo. Outros exemplos na esfera das artes
adotam o ÒgestoÓ de Duchamp. Nos anos 80, Jeff Koons tambŽm explora seu processo de
trabalho a partir de um m’nimo gesto, mas com grande pot•ncia representacional, ao levar
bolas de basquete para o interior de vitrines, enquanto simula, com o objeto cotidiano, a
quest‹o da morte, da impossibilidade de alcan•ar, de aceder a um desejo. Na medida em que
demonstra a posi•‹o Òtr‡gicaÓ da bola flutuante, œltimo est‡gio da vida.
252
Idem, p.82.
134
(...) come•amos a ver o que est‡ em jogo na chamada dispers‹o do sujeito. Pois o
que Ž esse sujeito que, amea•ado pela perda, Ž t‹o lamentado? O burgu•s talvez,
mas certamente o sujeito faloc•ntrico e patriarcal. Para alguns, para muitos, isso pode
ser, na verdade, uma grande perda, uma perda que conduz a lamenta•›es narcisistas
e a nega•›es histŽricas do fim da arte, da cultura, do Ocidente. Mas, para outros,
precisamente para Outros, n‹o h‡ nenhuma perda.
Hal Foster254
253
Idem, ibidem.
254
FOSTER, Hal. Recodifica•‹o: Arte, Espet‡culo, Pol’tica Cultural. Tradu•‹o: Duda Machado. S‹o Paulo: Casa
Editorial Paulista, 1996. Pol•mica (P—s-)Moderna. p.184.
255
FOUCAULT. Op. cit., 1992. p.43-46.
256
Idem, p.47.
257
Idem, p.47-50.
135
258
Idem, p.55-56.
259
Idem, p.56-60.
260
Idem, p.62.
261
Idem, p.65.
136
volta ao texto de autor tenta redescobrir essa lacuna, essa falta. Uma vez que modifica o
discurso incessantemente, da’ o jogo permanente. O reexame da obra de Freud modifica o
campo te—rico da psican‡lise. Por se tratar de um texto de autor, Ž preciso regressar de novo a
ele, simultaneamente atravŽs de tais retornos os campos discursivos mant•m uma rela•‹o
particular com o autor ÒfundamentalÓ.262
Marcel Broothaers. MusŽe d'Art Moderne, DŽpartement des Aigles, Section de Figures,1972. Detalhe.
262
Idem, p.65-67, 80.
263
Museu de Arte Moderna, Departamento das çguias, Se•‹o de Figuras.
137
264
VENåNCIO. Op. cit., p.22.
138
265
KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da Escultura Moderna. Tradu•‹o: Julio Fischer. S‹o Paulo: Martins Fontes,
1998. p.91. Formas de ready-made: Duchamp e Brancusi.
139
desde h‡ muito colocada de forma incessante tanto pelo observador quanto pelo pr—prio campo
da arte.
colocando ˆ venda, uma quest‹o, a linguagem, a pr—pria arte, ou seria sua posi•‹o como
artista? Quais s‹o os conceitos que ele questiona? O que poderia estar conectado com
quest›es autorais, ou quest›es de identidade? Para confirmar uma autoria, o pr—prio artista se
coloca no espa•o de representa•‹o. Mas aqui o espa•o de atua•‹o Ž primeiramente privado,
para em seguida operar no espa•o pœblico.
266
BUCK-MORSS. Op. cit, p.363.
140
(...) hoje em dia sabemos que um texto n‹o est‡ constitu’do por uma fila de palavras,
das quais se desprende um œnico sentido, teol—gico, em certo modo (pois seria a
mensagem do Autor-Deus), sen‹o por um espa•o de mœltiplas dimens›es no qual se
concordam e se contrastam diversas escrituras, nenhuma das quais Ž a original: o
texto Ž um tecido de cita•›es provenientes dos mil focos da cultura.
Roland Barthes268
267
BENJAMIN. Op. cit., 2005. [m 4, 2] p.803.
268
BARTHES. Op. cit., p.69. De la obra al texto.
141
Mas, aqui, poder’amos sugerir tambŽm algo alŽm dessa quest‹o. Segundo
Giorgio Agamben, a impossibilidade de uso t•m como lugar t—pico o Museu. Ademais, salienta
nessa esfera o Museu n‹o como um œnico espa•o f’sico, mas sim de uma capacidade em
coincidir com uma cidade inteira, ou uma regi‹o e atŽ mesmo um grupo de indiv’duos. Destaca
a problem‡tica de que hoje tudo pode tornar-se Museu, Òporque este denomina simplesmente a
exposi•‹o de uma impossibilidade de usar, de habitar, de experimentar.Ó270
269
RENNî, Ros‰ngela. A òltima Foto. S‹o Paulo, 2006.
270
AGAMBEN. Op. cit., p.110. Elogio de la profanaci—n.
142
Nesse contexto, dir’amos que os objetos que v‹o para o interior da vitrine, ou
seja, as c‰meras da cole•‹o de Renn—, de certa forma s‹o exaltados. Tomam parte da esfera
do sagrado. Anteriormente apenas faziam parte do cotidiano. Mas, se partimos da hip—tese de
que Òprofano (...) se diz em sentido pr—prio daquilo que, uma vez sagrado ou religioso, Ž
restitu’do ao uso e ˆ propriedade dos homensÓ271, ent‹o como poderia esse objeto cotidiano
fazer o caminho inverso, passar do profano ao sagrado?
271
Idem, p.96.
143
exibi•‹o pœblica em sentido amplo e sim num local ÒsagradoÓ, nos limites internos do museu.
Ali‡s, existe toda uma institui•‹o para autorizar esse processo. O museu, com todos os seus
dispositivos, captura a possibilidade de uso desses objetos, enquanto lhes oferece todo um
aparato de sublima•‹o. Com esse processo n‹o os deixa mais ser profanados, desabilita
qualquer profana•‹o. O objeto passa apenas para uma posi•‹o de exibi•‹o, na medida em que
seu valor de uso e seu valor de troca lhe foram quitados. O que resulta numa impossibilidade
utilit‡ria, conseqŸentemente seu lugar paradigm‡tico ser‡ o museu.272
272
AGAMBEN. Op. cit., p.110. Elogio de la profanaci—n.
273
MISSAC. Op. cit., p.65-66. Homo scriptor/Coletar.
274
AGAMBEN. Op. cit., p.110-111. Elogio de la profanaci—n.
275
COMTE-SPONVILLE, AndrŽ. Diccionario Filos—fico. Barcelona, Buenos Aires, MŽxico: Paid—s, 2003. p.468.
144
constitui•‹o de seu projeto. Pois as fotos n‹o s‹o suas, Ž um trabalho em certa medida
coletivo, mas quem prop›e Ž ela. Existe a’ um dom’nio de todo o processo. E est‡ centrado na
a•‹o curatorial. Como artista se apropria, em parte, do papel do curador. Existem duas
situa•›es: primeiramente toda uma proposta em torno das c‰meras e outra ao redor das
œltimas fotos realizadas por estas. No caso das fotos do Cristo Redentor, Rosangela est‡
atuando mais como curadora do que como artista. N‹o Ž um caso de uma apropria•‹o direta
de fotos realizadas por terceiros. Poder’amos falar em um gesto, no qual est‡ a presen•a da
autora. Um gesto curatorial que gera uma outra din‰mica entre dois sistemas imbricados um no
outro. Ou seja, o sistema da exposi•‹o da cole•‹o de c‰meras e o sistema da Òapropria•‹oÓ
das fotos, ou melhor, da suposta apropria•‹o. Trata-se, em certa medida, de uma nova ordem
pl‡stica. Poder’amos propor aqui uma desconstru•‹o do autor como personagem œnico,
soberano.
Rosalind Krauss276
Thierry de Duve, em seu texto para a exposi•‹o Voici, 100 ans d'art
contemporain 278
(100 anos de arte contempor‰nea), discute longamente sobre a quest‹o de
como a Fonte passou para a posteridade. E afirma o seguinte: ÒSem Stieglitz, n‹o Ž seguro que
o urinol de Duchamp teria passado a posteridade.Ó279 O que ele pretende com tal afirma•‹o,
colocando o sucesso da Fonte dependente do personagem, do fot—grafo Alfred Stieglitz?
276
KRAUSS, Rosalind. Op. cit., 1998. Formas de ready-made: Duchamp e Brancusi. p.97.
277
ÒNotar-se-‡ que utiliza, com bastante freqŸ•ncia, as palavras ÒcoisaÓ para designar suas pr—prias cria•›es e
ÒfazerÓ para evocar seus atos criativos.Ó In: CABANNE, Pirre. Marcel Duchamp: Engenheiro do Tempo
Perdido. S‹o Paulo: Editora Perspectiva, 1997. p.12.
278
DUVE, Thierry de. Voici, 100 ans d«art contemporain. Bruxelles: Pallais de Beaux-Arts/LUDION/Flammarion,
2000, 2001.
279
Idem, p.28.
280
Idem, p.24.
146
obra ser capaz de apresentar-se por si mesma, sem molduras, Òquando a obra toma a palavra
e se apresentaÓ281.
Se apresentar, Ž dizer Òme voiciÓ. Dizer Òme voiciÓ, Ž se apresentar. Somente um ser
vivente e dotado de linguagem Ž capaz, as coisas n‹o. J‡ que, as obras de arte s‹o
coisas. N—s lhe emprestamos as propriedades humanas, n—s as declaramos vivas,
n—s as encontramos falantes quando elas t•m •xito, n—s as tratamos com o respeito
devido aos seres humanos, n—s julgamos b‡rbaro as destruir. Mas nada de tudo isto Ž
assim t‹o evidente.282
281
Idem, p.7.
282
Idem, p.19.
283
Idem, p.24.
284
Idem, ibidem.
285
Idem, ibidem.
286
Idem, p.25.
147
toma uma atitude verdadeira em rela•‹o ao seu pr—prio gosto, ˆ sua pr—pria exig•ncia
estŽtica.287 ÒPobre dele. Ele foi um manipulador manipulado em tal combate...Ó.288
Dizem que qualquer artista que pague seis d—lares pode expor.
O senhor Mutt enviou uma fonte. Sem discuss‹o este artigo desapareceu e nunca foi
exposto.
Eis aqui as raz›es para recusar a fonte do senhor Mutt:
1. Alguns argŸiram que era imoral, vulgar.
2. Outros que era um plagio, uma simples pe•a de encanamento.
Mas a fonte do senhor Mutt, assim como uma banheira, n‹o Ž imoral, isso Ž absurdo.
Se trata de um acess—rio que se v• diariamente nas vitrines de materiais de
constru•‹o. (...) 291
Quando a fotografia de Stieglitz foi publicada em The Blind Man, foi com tr•s
legendas: Fountain by R. Mutt, THE EXHIBIT REFUSED BY THE INDEPENDENTS, e
Photograph by Alfred Stieglitz292. Foram tr•s alus›es de autoria, a primeira a alguŽm que n‹o
fez nada de suas pr—prias m‹os, a segunda ao pr—prio Sal‹o, onde na verdade participam
artistas que se auto proclamam autores. A œnica refer•ncia a alguŽm com status de autor j‡
altamente reconhecido Ž ao fot—grafo Alfred Stieglitz. PorŽm, ele n‹o Ž o autor da Fonte,
apenas de sua fotografia, ou seja, de um dispositivo de apresenta•‹o, que representa a coisa,
287
Idem, ibidem.
288
Idem, p.26.
289
Idem, p.29.
290
RAMêREZ. Op. cit., p.54.
291
in: RAMêREZ. Op. cit. p.54.
292
Fonte de R. Mutt, Objeto recusado pelos Independentes, e Fotografia de Alfred Stieglitz.
148
Marcel Duchamp. Fountain, 1917. P‡gina de The Blind Man, 1917. Foto de Alfred Stieglitz.
293
DUVE. Op. cit., p.29.
294
Idem, ibidem.
149
outro o fez de suas m‹os. Nenhum deles tem outra coisa a dizer, a n‹o ser: Òisto Ž
arteÓ, ou Òisto n‹o Ž arteÓ.295
Para que o objeto entre na esfera das artes visuais precisa de uma sŽrie de
dispositivos de apresenta•‹o, na verdade, uma sŽrie de enquadramentos, tanto os f’sicos
quanto os invis’veis. Quando falamos de invis’veis, estamos tratando de outros tipos de
enquadramento, ou seja, sobre o resultado conseqŸente do efeito moldura Ð as molduras
institucionais, ideol—gicas ou perceptuais296. Como vimos h‡ pouco, a Fonte de Duchamp Ž
indissoci‡vel de suas molduras, ou seja, de seus dispositivos de apresenta•‹o. ÒN—s vemos a
obra de arte, mas n‹o vemos a moldura.Ó297 Acontece uma forte tend•ncia em ignor‡-la,
enquanto ela Òserve para criar um espa•o para a obra de arte que o trabalho em si mesmo Ž
incapaz de oferecerÓ298. Duchamp Òdescobre que h‡ uma institui•‹o que se manifesta atravŽs
de museus, exposi•›es, revistas, galerias, e que n‹o h‡ g•nio, por mais g•nio que seja,
berrando aos quatro ventos, cujo trabalho seja arte sem a san•‹o da institui•‹o.Ó299 Para a obra
acontecer, para que ela tenha um autor, Ž necess‡rio, Ž fundamental, a exist•ncia de um
emoldurar em seq٥ncia.
Ò(...) uma das grandes li•›es da arte nos tempos recentes, Ž que isto n‹o Ž poss’vel,
as obras de arte e os objetos reais n‹o se distinguem somente pela inspe•‹o
visual.Ó300
295
DUVE. Op. cit, p.27.
296
DURO. Op. cit., p.5. Paul Duro. Introduction.
297
Idem, p.1. Paul Duro. Introduction.
298
Idem, ibidem.
299
VENåNCIO. Op. cit., p.64.
300
DANTO, Arthur. DespuŽs del fin del arte: El arte contempor‡neo y el linde de la historia. Barcelona: Ediciones
Paid—s IbŽrica, S.A., 1999. p.94.
150
(...) o ato criador n‹o Ž executado pelo artista sozinho; o pœblico estabelece o contato
entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades
intr’nsecas, e desta forma acrescenta sua contribui•‹o ao ato criador.
Marcel Duchamp301
Walter Benjamin302
O que pode ter em comum La Cage de Giacometti e o "aqu‡rio" de Jeff Koons? Nada
alŽm de suas surpreendentes similaridades formais, o que n‹o Ž nada. As duas obras
compartem a quest‹o da apresenta•‹o. Nos dois casos, um cubo virtual Ž colocado
sobre um pedestal fortemente acentuado.
301
Marcel Duchamp. O ato criador. In BATTCOCK, Gregory. A Nova Arte. S‹o Paulo: Editora Perspectiva, 1975.
p.74.
302
BENJAMIN. Op. cit., 1994. p.124. O autor como produtor.
151
Alberto Giacometti. La Cage, 1950. Bronze, 170x34x32cm. Jeff Koons. One Ball Total Equilibrium
Tank, 1985. Vidro, metal, ‡gua destilada bola de basquete, 164,5x78,1x33,7cm.
303
Idem, p.68-69.
152
304
Waltercio Caldas. A sŽrie Veneza. Centro Cultural Light, Rio de Janeiro, 1998. Entrevista concedida a Ligia
Canongia. s/p.
153
A sŽrie Veneza, 1997. A sŽrie Veneza, 2. Rodin . Brancusi. A sŽrie Veneza, 4. O transparente
305
Idem, s/p.
306
Idem, s/p.
154
307
CALDAS, Waltercio. Waltercio Caldas. Texto de Paulo Sergio Duarte. S‹o Paulo: Cosac & Naify Edi•›es, 2001.
p.162.
155
tais dispositivos, nos quais as obras se apresentam ao espectador, tais trabalhos n‹o teriam a
for•a que possuem.
308
DUVE. Op. cit., p.115.
309
PRADA. Op. cit., p.70-72.
156
310
Idem, p.73.
311
Idem, ibidem.
312
DAMISCH, Hubert. Artista. In Enciclopedia Tonal/Atonal. p.71.
313
Idem, ibidem.
157
Conclus‹o
(...) um texto est‡ formado por escrituras mœltiplas, procedentes de v‡rias culturas e
que, umas com as outras, estabelecem um di‡logo, uma par—dia, uma contesta•‹o;
mas existe um lugar no qual se recolhe toda essa multiplicidade, e esse lugar n‹o Ž o
autor, como atŽ hoje se h‡ dito, sen‹o o leitor: o leitor Ž o espa•o mesmo no qual se
inscrevem, sem que se perca nem uma, todas as cita•›es que constituem uma
escritura; a unidade do texto n‹o est‡ em sua origem, sen‹o em seu destino, mas este
destino j‡ n‹o pode seguir sendo pessoal: o leitor Ž um homem sem hist—ria, sem
biografia, sem psicologia; ele Ž t‹o somente esse alguŽm que mantŽm reunidas em
um mesmo campo todas as marcas que constituem o escrito.
Roland Barthes314
314
BARTHES, Op. cit., La muerte del autor. p.71.
158
autoria n‹o como cria•‹o, mas sim o artista como um colecionador, um organizador, ou um
curador. Avaliamos tambŽm a autoria de uma apropria•‹o quando o artista escolhe um objeto
(criado por outro) e o super valoriza. Apreciamos a interven•‹o do artista quando subverte uma
autoria anterior, ou seja, faz uma cr’tica ˆ curadoria do museu deslocando objetos de sua
cole•‹o em suas pr—prias vitrines. Consideramos tambŽm a autoria de uma fot—grafa que n‹o
fotografa, uma vez que seu processo de trabalho Ž deslocar fotografias do cotidiano e
armazen‡-las em vitrines.
Para concluir, escolhemos uma obra de Suchan Kinoshita pela raz‹o de seu
trabalho reunir, com uma certa proximidade, a linha de pensamento estabelecida nos cap’tulos
anteriores, assim como a problem‡tica dos limites impostos pela cidade, na rela•‹o entre o
ambiente interior e o seu exterior ou entre o espa•o sacro e o laico, a quest‹o da continuidade
entre a esfera da realidade e o campo de representa•‹o. Encontra-se relacionada em todas
essas situa•›es ˆ quest‹o do limite perverso imposto pela transpar•ncia do vidro, assim como
o paradoxo existente entre objeto, espectador e imagem. TambŽm encontramos na proposta da
artista o gesto minimizado.
ƒ bem conhecido o paradoxo de Plat‹o: N‹o Žs tu, artista, que nos falas, Ž um deus
que te faz falar. Tu n‹o sabes do que falas, e como falas. ƒs inspirado, louco,
possesso. ƒs como um peda•o de ferro que recebe a sua for•a de atra•‹o duma
pedra magnetizada. Segues os ritmos, achas as palavras. Mas s‹o os outros que,
dispondo da compet•ncia indispens‡vel, s‹o chamados a interpretar a tua mensagem:
(...) todos compreender‹o melhor do que se trata do que o pr—prio autor da obra.
I‹o, habilmente interpelado por S—crates, esbo•a uma tentativa de defesa: (...)
Palavra? Ð ironiza S—crates. Quem sabe como h‡-de falar, se n‹o souber o que deve
dizer numa determinada situa•‹o?
(...) Cada Žpoca, cada cultura, apresentar‡ a sua interpreta•‹o do texto, do quadro ou
do monumento correspondente ao seu conhecimento do mundo, do homem e da
hist—ria. N‹o h‡ intŽrpretes privilegiados, h‡ intŽrpretes mais ou menos competentes.
159
E os mais competentes s‹o talvez os fil—sofos. S—crates n‹o o diz, mas no fundo est‡
convencido disso. Tro•a displicentemente do artista, priva-o n‹o apenas do direito de
compreender o que diz e o que faz, mas ainda do direito de autor. Foi a musa que
inventou a sua inspirada mensagem, Ž a deus que deve atribu’-la.315
(...) Quando canto Ð dizia I‹o a S—crates Ð saio de mim, choro para fazer chorar, tenho
medo para fazer medo aos que me escutam. Mas no fundo sei bem o que estou
fazendo e que depois me vou rir, pois ganhei bem o meu dinheiro.316
ÒQuem Ž, pois, o autor? O que chora, ou o que ri?Ó317 Aquele que chora Ž
aquele que representa, o que ri Ž aquele que vive o cotidiano ap—s a realiza•‹o de seu
trabalho. ƒ o encontro dos dois personagens onde est‡ o mecanismo total da cria•‹o, no jogo,
na trama entre a realidade e a representa•‹o. Para Porebski, o artista Ž um personagem criado
pelo autor, Ž o ser da representa•‹o, o ser m’tico, aquele que desempenha uma fun•‹o, aquele
que materializa a imagem que dele formam, enquanto o autor(autores) Ž o ser Òda mensagem,
reconstitu’da sucessivamente pelos seus receptoresÓ318.
315
POREBSKI, Mieczyslaw. Atribui•‹o. In EnciclopŽdia Einaudi. Op. cit., p.159.
316
Idem, p.175.
317
Idem, ibidem.
318
Idem, ibidem.
319
Idem, p.174.
320
Idem, p.161.
160
comissionados por ela a inventar suas pr—prias senten•as. Enquanto outros participantes
inclu’dos, chamados de ÒrompedoresÓ, deliberadamente alteram as frases, traduzindo-as a
outros idiomas. Com um sistema tecnol—gico de grava•‹o sens’vel, Kinoshita escuta ˆs
escondidas, espreita os jogadores do telefone sem fio. Quer mostrar com isso quanto a palavra
falada Ž tema de mudan•a cont’nua. Os visitantes poderiam escutar o resultado dessas
grava•›es (em loop) 24 horas por dia sem interrup•‹o, no espa•o dedicado ˆ obra da artista,
durante o tempo da exposi•‹o na cidade de MŸnster em 2007 (skulptur projekte mŸnster 07). 321
A artista produz toda uma estratŽgia, a qual j‡ inicia desde o acesso ao local.
O espa•o permanece fechado o tempo todo, provoca na verdade uma sensa•‹o de
afastamento no espectador. O pr—prio ambiente proporciona um sil•ncio envolvente, ninguŽm
se atreve a falar nada. Todos os visitantes realmente embarcam na atmosfera proposta. O
observador entra nesse nicho, o qual passa a impress‹o de estar protegido por um campo
aur‡tico. A tranqŸilidade, o sil•ncio e o isolamento proporcionam o efeito de um espa•o sacro.
Existe uma moldura, um enquadramento pelo qual o espectador Ž ÒabsorvidoÓ. Ali‡s, a aura
tambŽm Ž uma moldura.322 Kinoshita tenta produzir essa atmosfera para impor um mecanismo.
321
Skulptur Projekte MŸnster 07. MŸnster, 2007. Frank Frangenberg. p.39.
322
BORDO, Jonathan. The Witness in the Errings of Contemporary Art. In DURO. Op. cit., p.187.
161
O artista lan•a um gesto. Mas, isso apenas Ž pouco. Seu gesto desencadeia
toda uma rede, a qual gera uma sŽrie de dispositivos de apresenta•‹o, a exemplo da Fonte de
Duchamp. Ali‡s, como seu gesto ficaria para a posteridade sem matar toda a arte anterior?
N‹o existe aquela autoria no sentido da emana•‹o de um ser criativo. A autoria provŽm de uma
pluralidade de eus. Ela depende de uma multiplicidade de molduras. Acontece, na verdade, um
primeiro gesto minimizado. Mas, este precisa atingir uma sŽrie de enquadramentos para ent‹o
aceder verdadeiramente como obra na esfera da arte.
Ser‡ que Ž poss’vel romper esse processo circular? Ser‡ que conseguiremos
romper as barreiras entre o espa•o interior e o seu exterior? Ou continuaremos nos isolando
em castelos de vidro vendo o mundo apenas em imagens transmitidas pelas vitrininhas das
v’deo-cam•ras? Ser‡ que existe a possibilidade de uma identidade sem os enquadramentos
institucionais?
Richard Meier. A Nova Casa para Ara Pacis(sŽculo IX AC). Roma, 2006
164
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