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ANÁLISE DO CASO ZARA:

UMA VISÃO ÉTICA SOBRE O CASO DE 2011 DA REDE ZARA

Ética Organizacional
.

Coordenadora da atividade: Suelen Carmo

Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Autora: Julia Zanatta Franco Lemos


Graduanda do curso de Relações Públicas

Resumo:
Este artigo irá analisar a conduta ética da multinacional rede Zara. Para tal, será
conceituado o termo “ética”, sua função, seu papel dentro das organizações e
suas consequências na sociedade.

Palavra-chave: ética; organizações; gestão organizacional.


Introdução
Todos os dias das nossas vidas nos deparamos com empresas e organiza-
ções e somos afetados por suas respectivas decisões. Sendo ou não essas de-
cisões corretas do ponto de vista ético, é inevitável sua decorrência na sociedade.
Mas por onde devemos começar a analisar tais decisões para decidir se determi-
nado comportamento é ético ou não? A partir da conceituação do termo e dos lim-
ites da gestão organizacional podemos ter um parâmetro moral e desse modo
conseguir distinguir um comportamento “correto” das diversas empresas.
Desta forma, o objetivo geral do artigo é criticar e comentar sobre a con-
duta ética de uma organização em específico, no caso a rede internacional de lo-
jas Zara. Esse estudo se dará a partir da conceituação dos termos necessários,
bem como um detalhamento do caso sobre trabalho escravo exposto em 2011.

O termo “Ética”
Em uma entrevista, o ex-ministro da educação Renato Janine Ribeiro faz
uma diferenciação entre os termos ‘moral’ e ‘ética’, afirmando que o primeiro se
refere aos “costumes dominantes” e o segundo ao “caráter é construção pela qual
a própria pessoa é responsável”. Em outras palavras, moral seria o termo refer-
ente ao que o coletivo determina certo-errado e a ética seria a internalização
desses conceitos, onde o indivíduo através de suas ações exprime os valores que
a sociedade o “ensinou”.
Entretanto, o estudo da ética e a referência à ética se dá por vezes em re-
lação à sua função, e não propriamente ao que ela significa. Na filosofia, por ex-
emplo, o estudo da ética se volta a como ela pode se dar, em como ela pode ser
classificada e estudada. A filósofa espanhola Adela Cortina defende a ética como
“um saber para agir de um modo racional”. Em seu livro, introduz a ética como a
parte da filosofia que se dedica à reflexão da moral, afirmando que a ética não ig-
nora fatores psicológicos, econômicos, sociais e afins em suas condições morais.
Tais elementos influenciam na vida ética e não devem ser deixados de lado ao se
discutir casos específicos.
O primeiro autor parte de uma visão kantiana sobre a moral, onde é defen-
dido o “certo pelo certo”, onde a interferência por paixões e desejos não deve afe-
tar uma escolha eticamente correta. Ribeiro, em entrevista, defende a vida ética
para o “combate ao fim do mundo”, afirmando que só a eticidade poderá salvar a
sociedade do colapso. Já Cortina defende que a moral é normativa, orientando in-
divíduos a determinadas ações, e o papel da ética nesse caso seria um estudo re-
flexivo sobre essas decisões.

Ética Organizacional
As organizações afetam a sociedade, portanto as consequências de uma
conduta ética devem ser sempre levantados e discutidos. As empresas são for-
madas por pessoas, como conceitua Nash (1993 apud Passos, 2004) “o estudo
pelo qual normas morais pessoais se aplicam às atividades e aos objetivos de
uma empresa comercial”, a ética organizacional pode ser vista como o conjunto
de éticas individuais. Isso implica em dizer que a sociedade, o psicológico e fa-
tores pessoais afetam diretamente na conduta da empresa. Elizete Passos (2004)
discute em sua obra a relação da ética individual com a ganância e o desejo
econômico dos integrantes da empresa. Por estarmos situados em um sistema
capitalista, a corrupção e a ambição se tornam consequências do capital. Conse-
quências essas que implicam em decisões que podem afetar a sociedade como
um todo. Como por exemplo o caso a ser analisado: condições abusivas no ambi-
ente de confecção. Movido por um maior lucro, submete-se pessoas a condições
desumanas, insalubres e sem esperança de saída por serem pagos “salários” in-
suficientes para qualquer sobrevivência. Essa cobiça pode ser resultado de diver-
sas decorrências histórico-sociais, mas é consequência direta do capitalismo.
Esse pensamento contraria a lógica weberiana que afirma a ambição como ponto
positivo e inerente às empresas. Entretanto, a discordância é válida a partir do
momento em que conceitos como “crescimento” e “lucro” são características
provenientes da sociedade capitalista em que estamos inseridos.
A autora ainda traz a conceituação de Leisigner e Shmitt (2000), onde “a
ética empresarial reflete as normas e valores efetivamente dominantes em uma
empresa”. Isso implica enfatizar os valores e normas da organização, afetado e
afetando a sociedade, porém mais influente no processo para com o seu fun-
cionário.
O texto segue, enfatizando o caráter político das empresas. Passos não
traz aqui o sentido de polis no termo, mas sim em um sentido ideológico, onde as
empresas não se mostram neutras, como a própria autora nomeia, mas sim par-
tidárias com opiniões próprias e interesses próprios. Essa discussão não se volta
para o relacionamento com os públicos, mas entre os próprios indivíduos for-
madores da empresa que se relacionam de forma hierárquica, sendo de forma
harmoniosa ou não. Pode-se trazer esse parâmetro ideológico em uma discussão
para fora da empresa onde seus interesses interferem em suas decisões, e por
sua vez estas interferem na sociedade. Quanto a conceituação, a autora acredita
que a cultura interfere na empresa, que interfere na ética de seus funcionários.
Então de uma forma indireta, em sua leitura, a sociedade afeta os movimentos de
uma empresa. Em um contraponto, é valida a visão de uma interferência direta,
como já mencionada, uma vez que os indivíduos que formam a organização não
são afetados única e exclusivamente pelas relações da empresa. O ponto de in-
teresse aqui é entender que esse relacionamento é cíclico e mútuo. A interferên-
cia cultural sobre a empresa terá consequências que afetarão a sociedade nova-
mente. As decisões tomadas irão repercutir e ter determinado valor uma vez que
essas consequências impactam outros indivíduos também.

Gestão da Ética
Mas dentro da empresa, quem seria o responsável por administrar a co-
erência ética da organização? Tendo como base o artigo de Zilda de Andrade
(2009), tem-se o destaque dos profissionais de comunicação como partes funda-
mentais nesse processo.
A atuação de feedback se dá a partir dos comunicadores dentro da em-
presa, portanto, este deve priorizar um andamento ético e informar a alta adminis-
tração sobre as consequências de um desvio desse caráter. A autora menciona a
importância de “sensibilizar a alta administração” sobre a repercussão que uma
conduta antiética pode acarretar. Sobre os benefícios dessa gestão, Andrade en-
fatiza o lucro que se obtém ao fazer decisões corretas sob o ponto de vista moral,
uma vez que é muito mais benéfico e rentável se portar bem moralmente do que
ter que consertar falhas no processo ou tentar esconder e se prejudicar mais
ainda. O público na era da informação se torna agente no processo comunicativo,
não somente aceita passivamente o que lhe é imposto, desta forma pode-se es-
perar uma cobrança muito grande do ponto de vista ético (o que implica na alter-
ação de números, vendas, relacionamentos e afins).
Uma empresa pode até ser corrupta e não sentir os efeitos imediatos,
porém uma vez exposto o caso pode trazer grandes prejuízos se não forem re-
solvidos por completo. A isso cabe ao profissional de relações públicas, com as
ferramentas e estratégias certas, para guiar a empresa a uma saída efetiva.

Caso Zara
A multinacional espanhola Zara é uma das que mais cresce em números
no mundo, abrindo franquias a todo momento. Isso não exclui seu crescimento no
Brasil, onde já é conhecida. Em 2011 foram resgatadas cerca de 15 pessoas (in-
cluindo menores de idade) em situação irregular de trabalho na confecção de
roupas para a marca. A fabrica pertencia a um fornecedor da Zara, a Aha, que
surpreendentemente não foi responsabilizada pelo crime. O processo legal reper-
cutiu durante anos até um pronunciamento oficial da loja, que alegou não possuir
conhecimento sobre tal irregularidade.
A marca até então estava vinculada ao projeto do Ministério Público do
Trabalho que visava a melhoria dos trabalhadores e suas condições laborais. Em
contraponto, a loja firmou parceria com uma marca não fiscalizada e indo contra
as instruções do Termo de Ajuste e Conduta (TAC) que prevê uma vistoria
semestral. As medidas tomadas de início foram apenas o pedido de anulação do
processo e o posicionamento oficial firmou sua posição de não conhecimento e de
não envolvimento com qualquer abuso feito pelo seu fornecedor.
Atualmente a rede faz parte do grupo INDITEX (que abriga mais outras 6
marcas), onde se encontra nos seus valores um compromisso ético com seus fun-
cionários e suas condições de trabalho. Apesar de seu crescimento, a Zara não
possui uma preocupação tão forte com sua parte institucional. Em seu site as úni-
cas informações sobre sua missão, visão e valores se encontram em um link que
redireciona ao site do INDITEX e nenhum de seus projetos sociais é voltado ex-
clusivamente para o Brasil.
Em 2017 a sentença do caso saiu onde a empresa seria multada em R$ 5
milhões em causas sociais, todavia em seu site não há registro de nenhum pro-
jeto dedicado à sociedade brasileira após (e nem anterior) a esta data.
A problemática do modelo fast fashion sempre envolveu — e provavel-
mente sempre envolverá — a produção desenfreada e as condições precarizadas
dos trabalhadores. A cobiça pelo lucro impede a visão humanizada sobre os tra-
balhadores pois se trata de um abuso que está longe da alta administração, e é
nesse âmbito onde o profissional de comunicação deve “sensibilizar”. O papel so-
cial da empresa também deve interferir na escolha de seus colaboradores, prior-
izando condutas similares e condizentes à ética vigente na organização. Se aliar e
cooperar com procedimentos desumanos não é ético em nenhuma leitura e deve-
ria ser uma prática a se erradicar.
Infelizmente esse trabalho se dá de forma estrutural e no caso da Zara é
um âmbito internacional a ser trabalhado. A cultura colonizadora se mostra pre-
sente em diversas áreas e traz para as empresas, principalmente na alta geren-
cia, um senso de dominância sobre seus funcionários e sobre sua mão de obra. O
papel do relações públicas é trabalhar com as pessoas ao ponto de demonstrar
que essas atitudes são tão prejudiciais para as empresas quanto para seus preju-
dicados. A tentativa de uma abordagem humana não se mostra muito eficaz, por-
tanto deve-se mostrar o quanto a empresa pode sofrer com esse tipo de conduta.
Toda e qualquer decisão antiética pode e vai ter um retorno negativo assim
que chegar ao consumidor. Esses efeitos, para uma empresa grande como a
Zara, não são tão prejudiciais como podemos ver. Nove anos após o escândalo
as lojas em São Paulo (local de apreensão da fábrica clandestina) ainda fun-
cionam, bem como seu fornecedor Aha. Outros efeitos negativos também se dão
quando as decisões não condizem com a ética de parceiros importantes. O bem
estar de stakeholders e agentes importantes para a empresa deve ser sempre
levado em consideração.

Conclusão
A era da informação chega para dar acesso a todos os públicos sobre a
conduta das organizações, isso implica dizer que haverá uma cobrança por parte
desses públicos ao menor sinal de desvio. Entretanto, como podemos analisar o
caso da rede Zara, uma vez que sua marca é firme no mercado, os efeitos desses
escândalos são mínimos apesar de se tratar de uma performance de descaso
com a vida humana. O trabalho do comunicador aqui, além de mobilizar a alta
gerencia, foi o de manter a reputação e a imagem da marca no país.
Apesar de tudo, deve-se priorizar uma conduta ética; as consequências en-
frentadas pela loja, apesar de serem mínimas, com certeza abalou a rede na
época.
Uma conduta ética deve partir do departamento de comunicação de cada
organização, uma vez que este é estudado para tal função e possui as ferramen-
tas e estratégias certas para este processo. Esse procedimento torna-se priori-
dade uma vez que visamos um retorno a sociedade de melhor qualidade, agre-
gando sempre aos públicos e a todos aqueles que se afetam.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Zilda Aparecida Freitas de. A Gestão da Ética Organizacional:


possibilidades de atuação dos profissionais de comunicação organizacional e
relações públicas. p. 1–15, 2009.

CORTINA, Adela; MARTÍNEZ, Emilio. Ética. 4. ed. Madrid: Akal, 2008. Disponível
em: <https://books.google.es/books?hl=pt-
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S5DH&sig=EMGiqJFHoHvCluw5s2t1v4XzjtA#v=onepage&q=adela%20cortina
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ECONÔMICO, Brasil. Zara descumpre acordo sobre trabalho escravo e


pagará R$ 5 milhões. Economia. Disponível em:
<https://economia.ig.com.br/2017-05-30/zara-trabalho-escravo.html>. Acesso em:
27 Dec. 2020.

ECONÔMICO, Brasil. Zara é responsabilizada por trabalho escravo e pode


entrar na “lista suja.” Economia. Disponível em:
<https://economia.ig.com.br/2017-11-14/zara-trabalho-escravo.html>. Acesso em:
27 Dec. 2020.

LOBO, Isabela Maria Silva Lobo. Análise de Marketing da Zara. Universidade de


Brasília, 2013. Disponível em:
<https://bdm.unb.br/bitstream/10483/6515/1/2013_IsabelaMariaSilvaLobo.pdf>.
Acesso em: 15 Dec. 2020.

OJEDA, Igor. Zara admite que houve escravidão na produção de suas roupas
em 2011. Repórter Brasil. Disponível em:
<https://reporterbrasil.org.br/2014/05/zara-admite-que-houve-escravidao-na-
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PASSOS, Elizabete. ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES: Em busca de um conceito.


In: Ética nas Organizações. [s.l.]: Atlas, 2004, p. 65–73.

RIBEIRO, Renato Janine. Ética ou o fim do mundo.

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Join Life | Apoio à comunidade | ZARA Brasil. www.zara.com. Disponível em:


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