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A reforma da economia soviética

a volumes crescentes de mão-de-obra, capi-


tal e matérias-primas para compensar um
certo descaso quanto à eficiência técnica e
econômica). Esses problemas se agravaram
por força de tentativas mal concebidas de
melhorar o funcionamento do sistema vigen-
te através de reformas gradativas.
Após alguns períodos de crescimento re-
lativamente rápido nos anos 30 e durante a
reconstruçào que se seguiu à II Guerra Mun-
dial, o crescimento soviético entrou em de-
clínio constante nos anos 70. Os índices de
participação da mão-de-obra aproximaram-
se de seus limites viáveis; a exploração das
reservas de matérias-primas e combustível
tomou-se mais difícil e onerosa; e o moral da
força de trabalho aparentemente se abateu,
devido à má qualidade e à oferta insuficiente
de bens de consumo, à escassez esporádica
e em certos casos crônica de determinados
produtos e à falta de incentivo ao trabalho, à
criatividade e à eficiência. O potencial para
compensar esses fatores através do avanço
tecnológico foi sufocado pelo sistema, que
preconizava o cumprimento de metas de
Um estudo conjunto de cunho internacional examina as produção ambiciosas que desestimulavam
causas dos problemas econômicos da URSS e propõe reformas os administradores a inovar e a correr riscos.
rápidas e abrangentes. Além disso, a estrutura de comando cen-
tralizado, à qual se atém uma economia pla-
nificada para assegurar coerência nas deci-
Hugh Bredenkamp sões relativas a produção e gastos, foi des-
mantelada pela liberalização e descentraliza-
N o final dos anos 80, evidenciava-se que
a URSS rumava para mudanças econômicas
meses de trabalho, e uma série de visitas à
URSS, as conclusões e recomendações do
ção parciais de fms dos anos 80. Provou-se
vã a esperança de que, aproximando-se em
e políticas fundamentais. As autoridades estudo conjunto foram apresentadas ao G-7 certos aspectos do sistema convencional de
soviéticas, que já haviam falhado na tentati- em dezembro de 1990 e publicadas em janei- mercado, a economia soviética pudesse re-
va de modificar o sistema tradicional para ro de 1991; os documentos básicos do estudo petir o desempenho em geral superior das
revigorá-lo, pareciam prontas a aceitar a foram lançados em três volumes em março economias ocidentais. Em certo sentido, a
derrocada da planificação centralizada e a (ver box). . URSS acabou os anos 80 com o pior dos dois
iniciar a transição para uma economia con- Em termos gerais, a reação oficial soviéti- mundos. As empresas passaram a operar
vencional de mercado. ca ao estudo foi positiva . Entretanto, as au- sem levar em conta nem as restrições e as
Diante disso, na reunião de cúpula reali- toridades empreenderam um programa de diretrizes do Plano, nem as sinalizações de
zada em Houston em julho de 1990, os líderes medidas administrativas bem acanhado em preço e a disciplina de mercado imposta pela
das nações industrializadas do Grupo dos relação à liberalização rápida e fundamental concorrência.
Sete (o G-7) e o Presidente da Comunidade preconizada pelas quatro instituições inter-
Européia solicitaram ao FMI, ao Banco Mun- nacionais. As perspectivas a curto prazo são, A tranSição para a reforma
dial, à Organização para Cooperação e De- em geral, desanimadoras.
No início dos anos 80, as autoridades
senvolvimento Econômico (OCDE) e ao re- soviéticas preocupavam-se cada vez mais
cém-criado Banco Europeu de Reconstrução Origens da crise atual
com uma possível estagnação da economia,
e Desenvolvimento (BERD) que preparas- As dificuldades econômicas atuais da e não apenas pela ameaça que esta repre-
sem um estudo da economia soviética. Ca- URSS são em grande parte sistêmicas. De- sentava para o poderio militar da URSS. Por
beria às instituições fazer recomendações vem-se a problemas sérios do sistema de isso, ao subir ao poder em 1985, Mikhail
para a reforma da economia soviética e su- planificação centralizada e às limitações ine- Gorbachov parecia convencido da necessi-
gerir critérios para uma assistência ocidental rentes à estratégia tradicional de crescimento dade de grandes reformas para inverter a
eficaz ao processo de reforma. Após cinco com uso intensivo de recursos (que recorria queda constante do crescimento econômico.

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Na ocasião, as primeiras iniciativas de Mas talvez o erro político mais grave nessa vo ao entesouramento de matérias-primas
Gorbachov, mesmo apresentadas como o época tenha sido a incapacidade de controlar acentuou-se, agravando ainda mais a escas-
prenúncio de uma significativa reestrutura- a situação monetária global enquanto se re- sez. Ao mesmo tempo, as empresas passa-
ção da economia (perestroilta), mais pare- laxavam os entraves fmanceiro-administrati- ram a conceder aumentos anuais de salário
ciam "campanhas" tradicionais destinadas a vos no nível das empresas. Entre 1985 e 1988, de 8-10%, burlando com facilidade um im-
agilizar o sistema vigente. Tmham basica- o déficit orçamentário estatal saltou de me- posto mal-administrado sobre o crescimento
mente por fito o reaparelhamento e a moder- nos de 2,5% para 11% do PIS. As receitas salarial "excedente". Como no varejo as altas
nização da indústria, o que exigia índices governamentais provenientes do comércio anuais de preços eram mantidas abaixo de
mais altos de investimento e mais atenção ao exterior sofreram o impacto da queda dos 2% e havia uma estagnação quase generali-
controle de qualidade. Foram postas em prá- preços do petróleo; a receita oriunda de im- zada na produção real (o pm chegou a cair
tica várias medidas de apoio - entre elas a postos indiretos foi prejudicada pela cam- em 1990), o resultado foram longas filas e
política da g/asnostou "abertura" e a malfa- panha contra o álcool e pela má situação da prateleiras vaziaS nos armazéns estatais, um
dada campanha contra o álcool- para atri- economia em geral; e os subsídios se eleva- mercado negro em expansão e consumido-
buir maior responsabilidade a administrado- ram, já que as auto;idades não conseguiram res mais frustrados e ressentidos.
res e burocratas e impor maior disciplina no repassar para o consumidor os aumentos Essa perda de controle sobre a economia
trabalho. interna refletiu-se no setor do comércio ex-
Os resultados foram inexpressivos. Em terior. À exceção de alguns poucos produtos
um ano, a campanha de reaparelhamento estratégicos, o monopólio estatal sobre direi-
industrial redundou em sérios estrangula- The «anomy of IM USSR: summary tos de comercialização com o exterior enfra-
mentos de produção no setor de bens de and J'f!COmmendations (57 pAginas) e  queceu bastante em 1989, e os exportadores
capital. Os controles de qualidade dificulta- study oflhe SovIet economy (documentos tiveram pela primeira vez permissão de reter
ram a expedição nas fábricas, reduzindo a bUicos; 1.168 pAginas) li estio li disposi- parte de suas receitas em divisas. Essa com-
produção, mas não conseguiram melhorias ção dos leitores no Departamento de Pu- binação de liberalização comercial e deman-
de qualidade. O crescimento médio em blicações do Banco Mundial e no Serviço da interna em franca expansão, aliada aos
1986/87 foi inferior ao dos primeiros anos 80. de Publicações do FMI, respectivamente. grandes choques ocorridos ~ relações c0-
Por outro lado, a glasnostserviu basicamente Os três volumes de documentos bUicos merciais em 1986 e 1988, conduziu inevita-
para pôr à mostra o desencanto e as frustra- proporcionam uma visão abrangente da velmente li deterioração do saldo externo.
ções não-resolvidas da população, uma vez estrutura, da hist6ria recente e dos muitos Até mesmo o tradidonal superávit comercial
que os padrões de vida continuaram a cair. problemas da economia soviética. Além (gerado sobretudo pelo petróleo) com a área
Para piorar as coisas, a queda das cotações de apresentar propostas de reforma ma- de moeda conversível desapareceu em 1989.
mundiais do petróleo em 1986 forçou as croeconômica e sistêmica do tipo descrito
autoridades a cortar importações e desviar a neste artigo, o estudo também analisa c0- o fracasso da pereslrolka
produção do mercado interno para os mer- mo implementar essas reformas em setores
cados de exportação em moeda conversível. especificos. Contém capítulos exclusivos Em 1990 o fracasso da perestroika era
sobre energia, melo ambiente, agricultura, evidente. Ao invés de reanimar a combalida
As primeiras tentativas de reforma manufatura, transporte, distribuição, tele- economia soviética, o relaxamento parcial
comunicações, habitação e indústrias ex- dos controles administrativos, aliado ao pou-
Em 1987 ocorreram as primeiras tentativas trativas minerais; e analisa também as co caso para com a regulação macroeconô-
importantes de reforma do sistema. Embora perspectivas de médio prazo da economia mica da demanda, levou apenas a um caos
mais ambiciosas que as anteriores, essas re- soviética em diferentes cenirios de refor- ainda maior. As autoridades se haviam es-
formas foram parciais e não conseguiram dar ma. quivado de tomar as duas medidas que p0-
alguma vitalidade às forças de mercado. deriam conduzir a uma genuína reestrutura-
Além disso, causaram profundas perturba- ção e recuperação econômica: liberalização
ções. A peça-chave desta feita foi a Lei das de preços e políticas fmanceiras rígidas. A
concedidos aos preços por atacado no intuito escassez de matérias-primas e de peças de
Empresas Estatais, que entrou em vigor no
de estimular a produção. Os déficits fiscais reposição começou a atingir setores-chave,
início de 1988, substituindo as metas compul-
sórias de produção pelas chamadas ordens foram quase que exclusivamente financiados como transportes, agricultura e petróleo e gás
de compra estatais ou contratos de aquisição, por créditos do banco central (Gosbank). (na verdade, a produção de petróleo entrou
que davam às empresas maior liberdade para Assim, em 1987-90, a expansão da moeda em em declínio em 1989). O colapso do sistema
acumular e usar o lucro advindo de toda e sentido amplo (em média de 14-15%) quase de distribuição varejista provocou greves em
qualquer produção remanescente. Na práti- dobrou em relação ao nível de início dos anos vários setores. Uma safra recorde de grãos
ca, porém, a predominância dessas ordens 80. Por outro lado, a reforma bancária de serviu quase que apenas para expor as falhas
de compra estatais cercearam quaisquer pos- 1988, que separou as atividades "comerciais" de armazenamento e transporte no campo,
sibilidades de surgir mercados atacadistas das do banco central, não deu ao Gosbank a resultando em milhões de toneladas de grãos
operantes, pois tinham direito de preempção independência necessária para conter a ex- apodrecendo na lavoura. Os conflitos decor-
sobre grande parte da produção industrial pansão global do crédito. Quando as trans- rentes de uma oferta cada vez menor de
em 1988 e 1989. O sistema de preços oficial, ferências de lucros para o orçamento dimi- produtos agravaram as crescentes tensões
inflexível e distorcido, permaneceu pratica- nuíram em função do novo regime, um aper- políticas entre as repúblicas e os vários gru-
mente intacto, assim como o papel do órgão to modesto no crédito às empresas foi insu- pos étnicos, surgidas com a glasnost. Nesse
estatal de distribuição (Gossnab), responsá- ficiente para impedir um forte aumento de meio tempo, grupos de pressão ambientalis-
vel pela alocação da maioria dos insumoS liquidez nas firmas. tas convenceram as autoridades locais a fe-
básicos. O estímulo à atividade econômica Abarrotadas de recursos de que podiam char fábricas poluidoras que, em muitos ca-
privada, por sua vez, limitou-se a um peque- dispor como quisessem, as empresas come- sos, detinham o monopólio de produção de
no número de joint ventU7l!S com participa- çaram a estocar matérias-primas e outros in- certos produtos, o que contribuiu para o
ção estrangeira e à aceitação relutante das sumos e a se lançar em novos projetos de desmantelamento da economia.
chamadas cooperativas, que sempre ficaram investimento. Quando a escassez proliferou, No plano éxterno, as empresas assumiram
sujeitas a campanhas esporádicas de hostili- muitos desses projetos ficaram por acabar, compromissos - via ordens de importação
zação. empatando valioso capital físico; e o incenti- e endividamento externo -desordenados e,

Finanças 5 Desenuolvimentoljunho 1991 19


em geral, excessivos, com base numa oferta para'bens de con~umo; e a elevação das taxas e na distribuição, dificultando ainda mais a
cada vez menor de moeda conversível. As ~e juros sobre depósitos bancários poderiam transição e talvez até mesmo desacreditando
reservas em divisas despencaram e em fms absorver qualqu~r excesso de oferta m<>ne- a meta da economia de mercado. Para al-
de 1990 os atrasos nos pagamentos a forne- tária porventura existente (o estoque acumu- guns, esse perigo já se evidenciava na URSS
cedores estrangeiros montavam a mais de \<ido de excedente' de liquidez na economia, em fins de 1990.
US$5 bilhões. que, segundo estiplativa do estudo conjunto,
çhegara a 25% da PIB em 1990). A redução As recomendações do estudo
As diretrizes presldenclaJs do déficit orçamentário estatal para 2,5-3% conjunto
do PIB, a eliminação estatutária do fmancia-
À medida que a situação econômica de- mento monetário do déficit (salvo em casos Em parte por causa dessas preocupações,
teriorava, os debates sobre a reforma ~ URSS extremos) e o uso de instrumentos conven- o estudo conjunto do FMI, Banco Mundial,
polarizavam-se. Uma corrente, cujos pontos çionais de controle monetário impediriam, OCDE e BERD salientou sobretudo a impos-
de vista receberam o importante endosso do ~ntão, o ressurgimento das pressões inflacio- sibilidade de separar liberalização de preços,
Relatório Shatalin de agosto de 1990, argu- nárias. reforma de empresas e estabilização macroe-
mentava que o fracasso das reformas se pren- conômica. Nenhuma dessas medidas pro-
dia ao fato de não terem ido longe o bastante duz efeitos isoladamente, e somente essa
e que, para estabilizar a economia, se neces- combinação de políticas pode assegurar o
sitava de um programa acelerado de privati- rápido restabelecimento do equilíbrio em
zação e liberalização. A outra, defendida in- mercados de produtos.
clusive pelo governo da época, a cargo do ... poUCO se poderia fazer Assim sendo, o estudo propôs a liberali-
Primeiro-Ministro Ryzhkov, acreditava que a no tocante à reforma sem zação imediata e abrangente dos preços, com
estabilização exigiíl, no início, o restabeleci-
mento do controle administrativo sobre o que se chegasse a um pouquíssimas exceções, entre as quais, por
exemplo, a maioria dos serviços públicos,
comércio entre empresas e um forte aumento acordo formal quanto a uma vez que provavelmente permaneceriam
nos preços dos bens de consumo básico para certas questões, como como monopólios de propriedade comum,
reduzir os subsídios. Só então seguir-se-ia a
liberalização gradual e rigidamente controla-
propriedade de ativos e os aluguéis habitacionais. Foram feitas vá-
estatais e participação nas rias sugestões para proteger os grupos sociais
da da economia. vulneráveis a um custo razoável e de forma
Em outubro de 1990, o Soviete Supremo receitas frscais e nas a não comprometer as reformas.
aprovou a proposta do Presidente Gorba- responsabilidades atinentes Uma vez que o confronto com os preços
chov intitulada "Diretrizes para a Estabiliza- mundiais de mercado contribuiria para esta-
ção da Economia e a Transição para uma à despesa. "
belecer rapidamente um conjunto racional
Economia de Mercado·. Apesar da afmnação de preços relativos internos, propôs-se que
textual de que "não havia outra alternativa
fossem suspensos logo no início o licencia-
senão a transição para o mercado·, as dire-
mento e outras restrições quantitativas ao
trizes presidenciais estavam enunciadas em
comércio exterior. Sempre que a escala de
linhas gerais e pareciam mais identificadas Nova liberalização de preços, só se a es- ajuste de preços pudesse produzir grandes
com uma estratégia gradativa de reforma. tabilização da sit\JlIÇão financeira e das con- perturbações (como no caso dos preços do
O plano presidencial esboçava quatro dições da oferta fosse bem-sucedida. Espe- petróleo), conviria estabelecer um conjunto
etapas para o processo de reforma. A primei-
r;ava-se que os controles de preços sobre simples de impostos fronteiriços para absor-
ra fase privilegiaria a estabilização da econo-
~os os bens de consumo, à exceção de ver parte do choque inicial. Esses impostos
mia e o jnício da comercialização e da pri-
~lguns poucos, já estivessem suspensos no teriam de ser pouco a pouco eliminados,
vatização de empresas estatais. A segunda
final de 1992. O possível papel e os instru- segundo um cronograma previamente co-
fase trataria da liberalização gradual dos pre-
mentos da política de renda estavam fixados nhecido em, digamos, três anos.
ços e da criação de UJllll rede de seguridade
apenas em linhas gerais, mas aparentemente A determinação eficiente dos preços de
social. Na terceira fase haveria a implemen-
tação de reformas estruturais, abrangendo, incluíam um certo tipo limitado de indexação mercado exige que as empresas operem de
por exemplo, o sistema de compensação da e a manutenção de uma fórmula revista do acordo com princípios comerciais, sob seve-
mão-de-obra e o mercado habitacional e, à imposto sobre aumentos "excessivos" de sa- ras restrições orçamentárias. A melhor forma
medida que diminuíssem as pressões infla- lfirio. de assegurar isso, em última análise, é fazer
cionárias, o relaxamento das políticas fman- As propostas sobre comercialização e pri- com que quase todas as empresas deixem de
ceiras. A última fase incluiria a conversibili- vatização contidas nas diretrizes presiden- ser de propriedade do governo ou saiam de
dade do rublo em divisas para empresas. Não çiais eram particularmente vagas, assim co- seu controle. Mas, como isso não é factível
havia um cronograma preciso, mas as dire- mo o arrazoado sobre política de concorrên- a curto prazo, o estudo propôs um método
trizes presidenciais expressavam a esperança cia. Assinalava-se, por exemplo, a importân- misto. As empresas de pequeno porte -
de que as quatro etapas pudessem estar con- cia da responsabilidade financeira das em- particularmente nos setores de transporte e
cluídas em um ano e meio ou dois anos. presas, mas não se determinavam critérios distribuição, onde a avaliação de ativos tal-
Chegar-se-ia à estabilização combinando para a seleção e avaliação de seus adminis- vez seja relativamente mais fácil- deveriam
uma série de medidas. Ajustes administrati- tradores antes da privatização. Sequer se ser leiloadas o mais rápido possível. As em-
vos de preços validariam parte da inflação cogitav.a de um possível aumento do risco presas de maior porte poderiam primeiro ser
reprimida e atenuariam algumas das distor- devido à concorrência estrangeira durante o convertidas em sociedades anônimas por
ções mais graves no tocante a preços relati- processo de reestruturação, ficando a im- ações, a princípio sob o controle de holdings
vos (entre elas o preço interno baixíssimo da pressão de que uma futura liberalização co- estatais. Oportunamente, assim que as in-
energia). Além disso, no primeiro ano, se- Q1ercial se daria de forma relativamente lenta. dústrias estivessem racionalizadas e reestru-
riam liberados alguns preços no atacado e no E, mais importante, as diretrizes presiden- turadas e os preços relativos estabilizados,
varejo. Vendas de ativos estatais (fisicos ou ciais ignoravam um dos maiores riscos do essas empresas também poderiam ser priva-
fmanceiros); mudanças na estrutura de pro- lJlétodo gradativo de reforma: o caos que tizadas. Durante a transição, seus adminis-
dução, passando-se de investimento e defesa poderia continuar a se expandir na produção tradores teriam incentivos por desempenho

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e total independência nas operações cotidia- financeiras e a reforma das empresas - ca- tocante a, por exemplo, produção de energia
nas. beria à assistência financeira do Ocidente e preços de exportação).
O estudo concluiu que a meta proposta contribuir para facilitar a transição e propiciar
nas diretrizes presidenciais para o déficit or- melhores condições para um crescimento a Últimos acontecimentos
çamentário estatal em 1991, se acompanhada mais longo prazo. Sem tal compromisso, essa
de aumentos expressivos nas taxas de juros, injeção de recursos financeiros não produzi- Nos meses que se seguiram à publicação
era em geral compatível com o exigido para ria grandes resultados. Esse ponto de vista é das conclusões do estudo conjunto, duas das
uma estabilização a curto prazo. Considerou, compartilhado por muitos na URSS. maiores preocupações da época continua-
entretanto, que seria preciso um grande es- Poder-se-ia, contudo, conceder ajuda ali- ram a influir no processo de reforma da URSS.
forço para que o déficit baixasse a esse nível mentar como prioridade imediata. Ao fazer A primeira dizia respeito à divisão de autori-
(2,5-3% do PIB). Entre as medidas conside- essa proposta, o estudo, entretanto, deixou dade e responsabilidade entre os governos
radas adequadas, incluíam-se cortes drásti- claro que a melhor maneira de contribuir central e das repúblicas. O estudo indicou
cos de subsídios a preços e de despesas para a mitigação da escassez de alimentos, e que pouco se poderia fazer no tocante ã
menos prioritárias, como gastos com pessoal também de outros tipos de escassez, seria a reforma sem que se chegasse a um acordo
e administração, subsídios a empresas defi- implementação imediata de reformas econô- formal quanto a certas questões, como pro-
citárias e gastos com defesa (que, mesmo micas básicas. priedade de ativos estatais e participação nas
situando-se no nível provavelmente subesti- Várias formas de assistência técnica aju- receitas fiscais e nas responsabilidades ati-
mado de 7% do PIB, absorvem uma parcela dariam a preparar o terreno para essas refor- nentes à despesa. Nesse caso, o impasse
de recursos maior do que a da maioria dos mas. O know..how e a experiência ociden- constitucional parecia tão longe de uma s0-
países). Também deveriam ser instituídos em tais, inclusive do setor privado, seriam úteis lução no início de 1991 quanto estivera em
regime de urgência impostos indiretos ad na formulação de políticas, no estabeleci- 1990, e, em conseqüência, o processo de
valorem para repassar automaticamente ao mento de novas instituições e no desenvol- reforma estava praticamente paralisado.
varejo os aumentos nos preços por atacado vimento de uma estrutura jurídica adequada. A segunda preocupação prendia-se ao
e assim proteger o orçamento. A médio pra- Também poder-se-ia estender a assistência ã fato de que se as autoridades não rompessem
zo, seriam necessárias novas reformas tribu- atividade bancária, à auditagem, à contabili- rápida e irreversivelmente com o passado,
tárias abrangentes e nova reestruturação de dade e ã comercialização. Mas, para ser efi- sobretudo no tocante aos controles de pre-
despesas. caz, o envolvimento ocidental teria de ser ços, o ímpeto da reforma poderia entrar em
Até os mercados financeiros funcionarem estreitamente coordenado, sobretudo com a colapso logo num primeiro estágio. Em face
a contento, seria aconselhável um "rigorosís- própria URSS.
da inércia burocrática e política, o método
simo· controle monetário - manter limites A assistência maciça a projetos só teria
administrativo, cauteloso, muito provavel-
quantitativos de crédito, fixar as taxas de início com a reforma já em andamento (em-
mente levaria a esse colapso, enquanto gras-
juros em nível que permitisse rendimento bora talvez se justifique algum tipo de assis-
savam surtos de escassez e o caos econômi-
real positivo dos ativos financeiros e impor tência prévia nos casos de energia e meio
reservas obrigatórias aos bancos. Os limites ambiente). De início tratar-se-ia de desenvol- co. Esse perigo agigantou-se no início de
de crédito seriam progressivamente elimina- ver certas áreas da infra-estrutura propícias a 1991. O novo governo do Sr. Pavlov conti-
dos. O estudo não descartou a hipótese de uma rápida reação da oferta: por exemplo, nuou defendendo os objetivos e os métodos
uma reforma monetária logo de início, mas na agricultura, beneficiamento de alimentos, estabelecidos nas diretrizes presidenciais,
alertou para o risco da perda de confiança do comércio varejista, transporte e armazena- mas os sinais de progresso foram poucos e
público na moeda (e até mesmo no próprio mento. Pouco a pouco, seria possível contar bastante espaçados. Na verdade, foi prova-
processo de reforma). com o apoio adicional de investimentos di- velmente contraproducente a tentativa mal
O estudo também constatou a necessida- retos externos. Mas isso, além de requerer concebida de reforma monetária parcial pos-
de de reformas em várias outras áreas, inclu- grandes mudanças institucionais e jurídicas, ta em prática em janeiro, que parece ter tido
sive uma revisão profunda do regime jurídico provavelmente exigiria mais investimentos todos os custos e quase nenhum dos benefí-
a fim de se poder contar com direitos de em infra-estrutura, como a modernização e cios de uma autêntica reforma monetária. O
propriedade bem definidos, contratos exe- expansão do ineficiente sistema atual de te- mesmo se pode dizer da concessão de am-
qüíveis, processos de falência e um plano de lecomunicações. plos poderes a funcionários estatais para in-
benefícios sociais para fazer frente ao desem- Talvez também fosse o caso de estender terferirem em transações comerciais soviéti-
prego durante a transição. Simultaneamen- a assistência ao balanço de pagamentos para cas e ocidentais, no intuito de controlar a
te, o governo deveria atenuar sua interven- permitir mais importações de bens de capital exploração do próprio sistema de preços
ção direta no processo salarial. Por fim, o e proteger o sofrido consumidor soviético de distorcidos do governo. É improvável que a
estudo propôs várias medidas para desenvol- alguns dos custos da transição. As necessi- desordem instalada no comércio varejista e
ver progressivamente o incipiente mercado dades nesse campo dependeriam em grande atacadista seja resolvida com o anúncio de
de divisas soviético, buscando unificar a taxa parte das condições vigentes na época (no abril de grandes aumentos administrativos
de câmbio num nível realista e chegar à nos preços do varejo, sendo a liberalização .
conversibilidade de conta corrente em um ou apenas parcial. Os mercados continuam to-
dois anos. lhidos por limitações de preços e outras for-
Hugb Bredenkamp,
do Reino Unido, é econo- mas de controle estatal.
Assistência ocidental Nesse contexto, as perspectivas imediatas
mista do Departamento
Devido às dimensões da URSS, a assistên- Europeu do FMl e partici- da economia soviética não parecem particu-
cia ocidental ao processo de reforma restrin- pou do grupo de traba- larmente animadoras. Nem há a perspectiva
ge-se a um pa pel de apoio; o êxito da reforma lho soviético. MSc pela reconfortante, que uma reforma radical pro-
depende, em última análise, dos esforços e London School ofEcono- duziria, de um crescimento forte e sustentado
da determinação do próprio povo soviético mies, trabalhou no Te- no futuro. Quanto mais cedo as grandes
em transformar seu sistema econômico. O souro do Reino Unido. questões constitucionais forem acertadas e as
estudo concluiu que - uma vez firmado o autoridades empreenderem uma ampla libe-
compromisso de pôr em execução uma am- ralização da economia, tanto mais rápida será
pla liberalização de preços, boas .políticas a recuperação. •

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