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Ensaios e debates

Manifestação de entidades favoráveis à Reforma Agrária, no saláo Negro do Congresso Nacional

A reforma agrária
Plioio dc Arruda Sampaio
Depu(«e» Uder do Pvtido dos Tnbilfasdorvs
oa C im in Fcdcnl

Definição controle do novo tipo dc Estado alcançaram um mínimo de


que a revolução agrária ajudou a desenvolvimento o que mudou foi
Na sua acepção moderna, a reforma criar ou que a própria revolução a **es(rutura agrária*' >conceito
agrária é uma expressão usada para moldou. Outras reformas foram complexo que abrange, não apenas
identificar um processo econômico, planejadas c dcscnvolveram-sc o padrão dc distribuição da
político e social bem dcfmido: o sempre sob o controle do Estado propriedade da terra, mas uma
processo de transformação da capitalista (Japão, Itália, série bastante ampla de relações
estrutura agrária dc um país Formosa etc). Muitas ficaram econômicas, políticas c sociais que
mediante ações patrocinadas c pela metade ou foram estão estreitamente ligadas a esse
dirigidas pelo E^ado. Algumas interrompidas abruptamente por padrão: a distribuição da renda, a
reformas agrárias começaram como causa de mudanças substanciais tecnologia agrícola, o padrão do
revoluções agrárias (México, Bolívia) no esquema de poder uso c posse dos solos, o sistema dc
ou no bojo dc revoluções sociais (Guatemala, Chile, Peru, comercialização, as relações
mais amplas (China, Cuba e Honduras). sociais e dc trabalho c o esquema
Nicarágua) mas terminaram sob de poder político no meio rural.
Em todos os processos que

Reforma Agrária
Ensaios c debates

Mas, SC o conceito dc reforma farcr, ao tratar do problema ou volume produção por pessoa
agrária expressa etaramente esse reforma agrária na Constituinte ocupada no cultivo), embora não
processo, oáo descreve, com a consiste em saber: que fatores autorizem a propaganda ufanista
mesma clareaa, os motivos que econômicos, sociais c políticos dos interessados, demonstram que
kvam os Estados a rcalÍTarcm colocam para o Estado brasileiro a o setor agropecuário brasileiro
reformas agrárias, nem os reais necessidade dc rcali/ar uma está dotado dc razoável dinamismo
objetivos desses processos. reforma agrária, boje, em nosso e que vem crescendo a um ritmo
Há reformas agrárias país? ba^ante aceitável, tanto quando
determinadas pela necessidade dc A resposta a essa questão permite comparado com o dc outros países
remoser obstáculos estruturais á dar resposta correta á questão como com o ritmo dc crescimento
modernUação econômica c seguinte (que se coloca como da popubção.
tccnológjca da produçlo; há logicamente necessária): que tipo As estatísticas mostram ainda que
reformas agrárias determinadas dc reforma agrária deve ser o setor agrícola - embora
peta necessidade dc mudar a reali/ada no Brasil, hoje? crescendo a um ritmo inferior ao
estrutura da produçáo ou das As respostas a essas duas questões dos outros setores • tem sido capaz
exportações agrícolas; há reformas fornecem os parâmetros para a dc divcrsiflcar-sc, dc diversificar
agrárias provocadas pela formulação dos instrumentos suas exportações c dc rcati/.ar
nccc.vsidadc dc povoar e garantir a jurídicos que o Estado requererá algumas “façanhas” imporianic.s.
soberania nacional cm certas para planejar c executar a reforma. como a dc expansão da soja, da
repões; há reformas agrárias que Aí entrará o problema da reforma agricultura energética, da
objetivam criar empregos, mecanização, da agricultura
agrária na Constituição.
combater a pobre/a, garantir a irrigada, do uso dc insumos
produçáo dc alimentos. Enfím, modernos etc.
uma síric dc motivos das mais Fatores determinantes Mostram ainda os dados
variadas ordens podem, estatísticos que esses avanços,
isoladamente ou cm conjunto, embora não sejam uniformes,
provocar processos dc reforma A primeira questão pode começar
a ser respondida com uma estão longe dc se circunscreverem
agrária. A clara determinação
negativa; se o fim da reforma cxclusivamcntc 3 um único pólo
desses motivos possit^lita não moderno diferenciado c bem
apenas uma idcntifKação m w agrária for o dc remover um
obstáculo estrutural que esteja definido. Trata-se dc um proccs.so
clara dos objetivos re^s do
entravando o crescimento da com incidência mais acentuada cm
processo (nem sempre explícitos,
produção ou a introdução dc São Paulo c nos Estados do Sul,
mas sempre mais importantes para
lccnolo^a.s agrícolas modernas, mas que se verifica, cm alguma
a interpretação correta dos casos medida, cm todas as regiões do
conaclos de reformas do que os mais cricicnics c produtivas do que
as tradicionais pode-se afirmar país. O setor agrícola constitui
objetivos formalmcntc expressos) hoje fundamcntalmcnic um setor
como oferece os únicos critérios que jã não mais se requer a
realização dc uma reforma agrária capitalista, tanto no sentido dc que
válidos para uma avaliação opera .seguindo critérios dc
ot^tiva dos seus resultados. no país. Ou, para dizer o mesmo: a
estrutura fundiária brasileira, racionalidade capitalista (produçáo
Similarmente, uma clara apesar do seu elevado grau dc para o mercado, remuneração do
identificação dos fatores que capital, trabalho assalariado,
concentração da propriedade e da
determinaram a necessidade ou a posse da terra (índices Gini entre renovação constante da lecnolo^a
conveniência de uma reforma cm função dc cálculos dc
0,95 e 0,90 numa escala onde o
agrária, cm uma dada sociedade, máximo é igual a 1,00) não bcncfício-cusio etc.) como no de
constitui preliminar decisiva para o constitui um “gargalo” impcdiiho que, apesar da existência dc
seu correto equacionamento como do aumento da produção e da importantes "holsões dc atraso”,
proposta, tanto no plano produtividade. não são estes que definem o ritmo
cconômico-social, como no plano da produçáo agropecuária. Kste
político c no plano do instrumental Os dados cslalísiicos. tanto do ritmo depende hoje claramcntc dc
jurídico para rcati/áda. crc-scimcnio da produçáo como da desempenho moderno, dinâmico,
melhoria da produtividade capiialtsia. do setor agrícola.
Daí porque a pergunta bá.sica a se (volume produção por ha cultivado

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lústa cün&tala^io pcrmiic umj resultado da postura radical de assinalar que a pobreza rural
primeira aproximarão à pergunta pequenas minorias idcologi/adas deriva dirctamcnic da estrutura
U)brc a.%nccc&sidadcs da reforma que levantaram fundiária. Com efeito, o mesmo
agrária no Rrasil. Com efeito, de vüluniaristkamcnic uma questão estudo da FAO que constatou a
maneira geral, os Bsiados artificial. Obviamcnic nenhum existência dos 17 milhões de
capilalisias rcali/aram reformas pequeno grupo leria forças para pessoas "absolutamcnic pobres"
agrárias para abrir camiriho à tal façanha. no campo brasileiro pôde
produção capilalisia. entravada A reforma agrária coloca-se hoje csl.itx;lcccr uma correlação direta
pela permanência, no campo, de com a intensidade c a entre grau de pobre/a c a grande
estruturas econômicas, sociais c üramaltcidadc que assumiu na concentração da propriedade da
políticas anacrônicas c Constituinte porque tem uma terra: os municípit>s que
insuficientes, herdadas de períodos causa real, porque constitui a apresentam maiores ínüiecs de
anteriores (feudalismo, priniuçâo resposta adequada a um pobreza (maior número percentual
mercantil simples, sistema colonial impcralbx) do dcscnstilvimenio de pol>rcs entre a população c grau
ele.). econômico, social e político da de pobre/a maior entre os pobres)
Por que um Hslado c.apílalisla, Nação bra.síleira. B.sta causa real são os que ostentam tamln^m os
como ê o Hslado brasileiro, teria da necessidade da reforma agrária maiores índices de concentração
que f;uer uma ref«>rma agrária da chama-se pobre/a rural - malri/ da propriedade da terra.
sua estrutura agrária se a maneira Kísica da pobre/a urbana c, !^sa imensa po)>re/j não ê
capitalista de produxir já se portanto, da pobre/a cm geral no residual c portanto não se pode
desenvolveu solidamente cm seu Brasil. aceitar a lese falaciosa de que será
meio rural? A resposta correta ã 5icgundu estudos da FAO (1.080), eliminada gradalivamente á
primeira questão 6 a de que o 43% das famílias rurais, medida que SC for completando a
Brasil não precisa de uma reforma correspondendo a 3.400.000 transítumação capitalista do
agrária para abrir caminho á famílias c a aproximadanienie 17 campo. Pelo contrário, os
introdução ou implantação do milhões de pcs.soas (população cinquenta anos de modernização
capitalismo no campo ou para superior á de 14 dos 20 países do capitalismo agrário parecem
superar a estagnação nu o latino-americanos) situam-se evidenciar a tese contrária. Com
crescimento dcmasiadamcnic lento abaixo da "linha da pobreza efeito, o capitalismo tal como se
da sua produção agrícola ou, absoluta". Conceito cunhado pelos implantou e vem se dcscns'olvendo
(inalmcntc, para acelerar a organismos internacionais de no Rrasil tem se mostrado capaz
modernização tecnológica da sua dcscn\x>lvímcnio (Banco Mundial, de transformar a estrutura de
prrxiuçáo agropecuária. FAO), a "linha da pobre/a produção agropecuária, de
Sc essa resposta for correta, por absoluta" de.signa nís-cís de melhorar as técnicas produtivas, de
que então a reforma agrária está carência de recursos que aumentar o \'oIumc da produção;
colocada no clcna> das questões comprometem a própria mas não tem demonstrado a
políticas mais importantes da reprodução da vida humana. mc.sma capacidade para elevar o
atualidade? Por que Iodos os padrão de vida da população rural.
A po)>rc/a rural gera inúmeras Rm Iodas as ciap.ss do proccvso de
partidos a insCTCsem cm seus consequências; migração campo-
programas? Por que o gosrrno capitalização da agropecuária, o
campo (germe da violência rural), fenômeno da pobreza não só
proclama lralar*sc de um migração campo-cidade (germe da
programa prioritário? Por que o esteve presente como foi até certo
pobreza urbana, da crise da ponto alimentado pelas próprias
Presidente da República deslocou moradia, do agrasameniu dos
se ató Roma para discutir o mudanças econômicos c .sociais
problemas sanitários nas que a própria capitalização
assunto com o Papa? Por que o metrópoles, da escalada da
debate da reforma agrária foi tão acarretou. Diante dc.ssa
marginalidade c da violência nas eonsi.tiação. comprovada
intenso na Constituinte? cidades), subordinação política dos empiricamente cm vários estudos,
Nenhum analista sério da massas rurais ao "coroncllsmo" vários analistas chcgar.im alé
sociedade brasileira atual p<xlc ele. Não é o caso de reproduzir mesmo a propor uma
aceitar o argumento de que Iodas aqui as cifras demonstrativas interpretação da modernização
essas modificações sejam o dessas chagas soei,ais, mus de tecnológica e econômica do campo

Reforma Agrária
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brasileiro como um processo sindicatos urbanos combativos para operar como fator de redução
perverso de recriação da pobreza passaram a se solídart/ar com a de custos, c lambem na medida cm
rural. lula do homem do campo. Essas que não provocou con.scqiicncias
A evidencia da incapacidade do instituições cncarrcgam-sc hoje de sociais mais nocivas, de vez que a
desenvolvimenio capilalista da divulgar, nas cidades, as indústria nascente absorvia grande
agricultura brasileira de eliminar arbitrariedades, os assassinatos, a quantidade de mão-de-obra e que
cndogcnamcntc o fenômeno violência dos grandes proprietários o espaço urbano ainda amplo
alarmante da pobreza rural coloca c a palrtKinar campanho.s de apoio podia sempre abrigar mais gente,
para o falado bra.siiciro a aos movimentos camponeses, iloje, até esses começam a
necessidade de intervir no constituindo<sc cm fatores convergir para uma posiç.ão
proccs.so. a Hm de dar solução ao importantes de uma tomada de distinta. Na etapa atual do
protdcma. consciência nacional a respeito da procc5>so du desenvolvimento, a
impropriedade da estrutura indústria já não requer um
Mas. por que esse Estado burguês fundiária que gera c perpetua cs.sa “exército de reserva“ tão ^ande.
brasileiro tem necessidade de miséria. A consciência cad.i vez acampado ao lado dos fábríco-s, até
eliminar a pobre/a rural? mais expandida de que c.ssa porque a tecnologia industrial
Conviveu com ela durante tantos miséria não responde a um mosferna absorve menos força de
anos, por que seria imperioso imperativo da natureza ou das leis trabalho. Em contrapartida, a
alacã-la vigorosamente agora? econômicas, mas à intransigência excessiva aglomeração utlxma,
A resposta a estas questões pode de grupos privilegiadas, alimenta c inicnsiricandu a competição por
ser assim resumida: porque essa radicaliza a oposição ao regime espaço, pelas fontes aquíferas c
pobre/a, antes tolerada, assumiu Capitalista c opera como um dsts provocando uma defasagem
proporções que dão origem a duas elementos de instabilidade do crescente entre a infra-estrutura
ordcfLS de fatores de processo político brasileiro. urbana c as exigcncia.s de
dcscstabili/ação social c polilica, Por outro lado, essa pobreza funcionamento cfícicntc das
altamcntc perigosos para o Estado invade as cidades e provoca não só cidades, fundamenta cada vez mais
burguês. Por um lado. essa uma deterioração acelerada c a idéia de que as dcscconomixs
pobre/a, resultado de uma ameaçadora da qualidade da vida que assa enorme aglomeração
sobrccxploração do trabalho do nos centros urbanos mais provoca superam de muito as
homem do campo, já não d mais populosos (que constituem hoje o economias de escala que
aceita como algo natural c centro nervoso do capitalismo aglomerações menoras
imutável pela massa rural, cuja brasileiro) como o esgarçamento representaram cm períodos
postura conformada c fatalista do próprio tecido social. Já anteriores. Já ninguém discute a
vem-se transformando ninguém desconhece que a necessidade de desacelerar o ritmo
rapidamente, inclusive pelo efeito extraordinária escalada da de migração campo-cidade para
da penetração de novas iddias c violência urbana, cm cidades como poder dar um mínimo de cnciência
concepção de vida, iraAsmitida Rio, São Paulo. Beto Horizonte. à.s estruturas urbanas • condição,
pelos meios modernos de Recife, é a consequência direta da por sua vxz, da cnciência do
comunicação (rádio c TV). As acelerada migração campacidade, próprio processo econômico
ocupações de terra, os conflitos provocada pela situação de miséria industrial.
violentas, a expansão dos do trabalhador rural. (De 1.970 a Ao lado dos economistas c
sindicatos c associações de 1.980, quase 16 milhões de pessoas sociólogos, urbanistas, arquitetos c
camponeses são expressões dessa mudaram-se do campo para as administradores públicos
mudança de mentalidade, que grandes cidades.) coasialam, de modo consensual, a
embora ainda se encontre cm impossibilidade prática de dar
estado embrionário já mostra um Economistas c sociólogos
burgueses consideraram a soluções minimamente aceitáveis a
caráter explosivo. E não ó apenas o proMcmas como os de moradi.i,
homem do campo que começa a acelerada migração um fator
positiv*o nas etapas iniciais do transportes c higiene urbana,
rejeitar c a denunciar sua prõpria enquanto as grandes cidades
situação de miséria. Outros setores processo de indu.Mr>atização, na
medida em que coIikou à continuarem explodindo como o
influentes da nos.sa S4KÍcdadc vêm fazendo, nas últimas décadas.
como a Igreja, a universidade, os disposição da indústria nascente
um enorme “exército de raserva”, E todos sabem que, .sem reduzir os

Ago/Nov 88
Ensaios e debates

íluxos mtgra(ório$ da população seus sindicatos c órgãos de classe, constituirá elemento


rural para as grandes cidades, representativos, na execução do essencial do exilo da reforma, cm
nenhum plano urbanhiico dará processo. (odo.s as fases; c
solução cabal a esses problemas. • a magnitude inicial do processo
Por isso, a resposta à pergunta será determinante na consecução
sobre a necessidade de eliminar a
Ouc reforma? do seu objetivo básico: a
pobreza rural através de uma eliminação da pobreza c da
reforma agrária é bem ciara c Demonstrada a necessidade sobrccxploração do trabalhador
pode ser assim rc.sumidu: a econômica, social e política de rural.
pobreza rural precisa ser realizar uma reforma agrária, A simples enumeração desses
urgcntcmcntc eliminada, para torna-se possível determinar o tipo cinco aspectos mostra antes de
evitar a instalação da situação de reforma não que o país requer mais nada que a reforma a^ária
permanente de condito armado no mas que pode. objetivamente, brasileira não precisará
campo C os impasses que isto realizar, no atual contexto representar um esforço econômico
significa (como aconteceu no Peru, histórico. muito grande. Comparações
na Colômbia); para atenuar a Como se assinalou anteriormenlc. baseadas na análise de projetos
violência urbana c im|>cdi-la de agrícolas financiados por
o objetivo central da reforma no
continuar corroendo o tecido organismixs internacionais
campo brasileiro não 6 o de
social nas grandes cidades; para demonstram que o invc.slimcnio
remover um obstáculo estrutural
redu/ir os enormes gastos cm necessário para criação de um
ao aumento da produção ou à
infra-estrutura urbana; para posto de trabalho na agricultura
melhoria da produtividade. Isto
moderni/ar as relações sociais e varia de 1,2 (baixa tecnologia) a
não significa, obviamcnic, que
políticas (mediante uma 10,1 mil dólares, valor esse
esses dois aspectos deixem de ser
diminuição das abismais subsiancialmcntc inferior ao de
considerados, ma.s, apenas, que
disparidades de níveis de renda, de um posto de trabalho na indústria,
não serão fatores determinantes
consumo, de irnslrução c de dos objetivos, das características c onde varia de 14,2 (bens de
participação política que derivam consumo) a 140,.5 mil dólares
do ritmo do processo.
dirclamcnlc da miséria rural); (bens de capital). A reforma
para conferir cidadania ao homem Tendo cm vista que o objetivo
agrária brasileira permitirá, então,
da terra; para dar maior central do processo 6 a eliminação
que os trabalhadores rurais sem
estabilidade às instituições da miséria c dos eíckos negativos
(erra ocupem as terras ociosas c as
políticas c assentar o$ bases de um que ela provtKa na estrutura
econômica, social c política do pais explorem, inicialmcnic com a
regime dcm(Krãltco sólido. tecnologia que já conhecem. À
c consisicrando os recursos
Obviamcnic, essa reforma agrária medida que o processo for
naturais de que o país dispõe, a
não 6 a reforma agrária que 0$ caminhando, a estrutura da
reforma agrária brasileira poderá
socialistas realizariam. co.so produção dos imóveis reformados
assumir caraelcríslkas bastante
tivessem poder para tanto. Mas. na singulares. Podemos resumi-la irá .sendo modificada para ajusiar-
estratégia de muitos partidos (não nc.sics S aspectos; sc melhor ao mercado,
de Iodos), uma reforma agrária, modcrni/ando-sc também,
embora balizada pelas instituições ' a reforma agrãria conccnirar-sc-á gradativamente, a tecnologia
capitalistas, constitui um avanço nas lerrxs ociosas c nas terras mal utilizada no setor reformado.
cm direção a uma sociedade mais exploradas ou exploradas de modo Nesse período inicial,
ju.sta. Obvíamente, não é qualquer extensivo; trabalhadores supcrcxplorados c
reforma agrãria que favorece esse - os investimentos iniciais cm miseráveis terão assegurado: uma
avanço. Mas toda aquela que infra-estrutura produtiva não ocupação que lhes garanta a
democratize as relações sociais e precisarão ser elevados; alimentação; uma casa precária,
políticos, que redistribua riqueza c mas que ofereça um mínimo de
• educação bá.síca c capacitação
renda no meio rural constitui,
técnica assumirão importância abrigo á família c sobretudo que
olijetívamcnie. uma contribuição
decisiva no processo; lhe pertença (não lhe podendo ser
para essa lula, sob a condição de
que haja participação autônoma c - participação dos trabalhadores tirada pelo arbítrio de ninguém).
efetiva dos trabalhadores rurais, de rurais, através das suas associações Isto >que parece tão pouco - já

Reforma Agrária
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representa um ganho condição de vida individual c da (.'ontag c das associações dos


extraordinário cm relação à coletiva, criada c mantida por um ‘'Sem-Terra”, até as diretorias de
situação atual cm que se conjunto complexo de fatores que a.s.scntamcnios, cooperativas de
encontram esses tra(>aihadorcs. vão além do plano estritamente assentados.
Mas, além de casa c comida econômico c abrangem o piano Caracterizado o processo de
adequadas (que hoje nào tem), S(KÍal, o político c o cultural. Por reforma como um amplo
esses milhões de trabalhadores isso, a reforma agrária é muito movimento social (c nào apenas
rcalí/jrão, nesse período, dois mais do que a entrega de alguns como transformação económica),
avanços importantíssimos: hectares de terra e S.UOO íica evidente a necessidade de dar-
receberão instrução básica c dólares para investimentos a X lhe uma dimensão massiva. Com
capacitação técnica • requisitos famílias rurais. A reforma é um efeito, para provocar impacto
prévios indispcnsávcLs à adoção de processo lil>crtário, cuja energia capa/ de remover
técnicas agrícolas mais produtivas; provém do cniusia.smo. da tomada condicionamentos culturais
c rcaÜrarào a experiência inédita de consciência, da descoberta de seculares, a reforma não pode
de discutir, debater, s-oiar, novos huri/onics c novos desafios, realizar-se num ritmo lento. For
aulori/^r a aceleração de por milhões c milhões de pessoas. exemplo; assentar 1.500 famílias,
contratos, comprar c serulcr Seria uma ingenuidade admitir que cm três anos, cm um Estado do
grandes vx>lumcs de produção ou o Estado brasileiro, tal como está tamanho do de São Paulo, nào
insumo etc. Experiência inédita, estruturado, possa ser o único provoca nenhuma reação em
porque a imensa maioria da agente deílagrador c caiaILsador cadeia, não cria ”mas.sa crítica”
população rural jamais teve desse formidável processo social, para o desencadeamento de
qualquer participação no aspecto cultural e político. O máximo que alterações no comportamento
técnico ou empresarial da poderá fa/cr é estimular c individual c coletivo das pessoas,
produção, limiiando-sc a executar fornecer meios para que agentes não modifica nada no panorama
tarefas manuais simples, segundo sociais imporlantc.s - sindicatos, econômico, político, social c
ordens rigorosas c estritas dos associações • mediante um cultural do campo paulista, isto
c.^patazes, sem nenhuma processo pluralista e dialético, não é reforma. Isto é uma espécie
informação .sobre as finalidades c agitem, politicamente c de loteria de programa de
propósitos do trabalho que ideologicamente, o campo, a (im tclevi.são, na qual algumas pessoas
executam. de despertar a imensa massa rccelKm um objeto de amsumo de
jogada, pela pobrc/.a .secular c valor superior ao seu poder de
A consecução dc.sscs dois avanços absoluta, no conformismo, no
está, porém, condicionada á quarta compra, pela única ra/ãode que
fatalismo, na indiferença: c de este é um meio eficaz de fa/cr
caracicrLsiíca do processo: a canalizar, cun.slrulivamcnic, a
participação dos próprios propaganda de algum produto.
energia dos grupos c setores que já
trabalhadores rurais sem terra, puderam perceber a exploração Para ter efeito, a reforma agrária
através de suas entidades que sofrem c que já se dispõem a precisa ler melas arrojadas. Metas
rcprcsenlativa.s, cm todas as fases eliminá-la, inclusive mediante o que provxKjucm desequilíbrios cm
do processo de reforma. emprego da forç,*i. siiuaç<>cs econômicas, sociais c
Exptíca-sc facilmente esta políticas estruturadas de modo
Daí a ncccs.sidadc de uma reforma perverso. ,Scm esses desequilíbrios,
exigência. Para eliminar a pobre/a que conte, cm todas as suas etapas
rural, não basta entregar aos não se alcança o resultado
• idcnlillcação das terras a serem almejado de eliminação da
pobres uma quantidade mínima de desapropriadas; seleção de
recursos. () fracasso dos pobreza rural, porque os fatores
bcncílciários; formulação de que dão origem a essa pobre/a não
milionários programas de programas: implantação de
erradicação de bolsõcs de pobre/a deixarão de aluar. A evidência
projetos; comercialização dos empírica acumulada nos avaliações
patrocinados pelo Banco Mundial produtos ele. • com participação
evidencia que a pobre/a não é das programa.s de erradicação da
dos beneficiários, através de pobreza absoluta realizados no
apenas a carência de certos múltiplas e multifacctadas
recursos materiais, mxs uma Nordeste, no Acre, cm Rondônia c
organizações • desde os sindicatos

10 Ago/Nov 88
Bnsaios e ücbates

cm ouïras rcgiôcs do país reciprocamcntc. Pode-se tambóm início). Alterada a legislação,


demonstra cabalmcnic csla distinguir nele uma dimensão modificado o conceito de
afirmação. Esses programas não cspccificamcnte Jurídica, que propriedade que fundamenta
modificam o contexto econômico, poderia ser assim resumida: juridicamente a c.strutura fundiária
político, social c cultural da região • há uma estrutura fundiária, que anti-cconômica e anti-social, o
cm que se locali/3 o boLsão de constitui um dado de fato, uma Estado adquire a faculdade legal
pobreza que pretendem eliminar c realidade concreta; de desapropriar os imóveis que
não o ía/cm porque não afetam a não se ajustem à nova
estrutura fundiária. A • cm um certo momento c pela conccituação do instituto.
conscqüéncia disto ó que os ação de complexos fatores o
Estado passa a coruiderar essa Verifica-se, assim, que não bá um
recursos financeiros entregues esquema rígido para fundamentar
dirctamcnic aos trabalhadores estrutura um obstáculo a políticas
de desenvolvimento ccorMimico e juridicamente a reforma agrária.
mais pobres são capturados cm Dependendo dos circunstâncias
seguida por outros setores • os social consideradas imprescindíveis
ou para o crescimento econômico, concretas de cada país c de cada
donos de terra sobem o preço dos ópoca, a autorização legal para o
arrendamentos: os intermediários ou para a tranquilidade, a
segurança, a estabilidade política Estado agir pode ser mais ou
pagam menos pelos produtos que menos ampla.
eles oferecem à venda: os do país c resolve attcrá-la
comerciantes locais sobem os subsiancialmcnic c cm um período Como, gcralmcntc, o direito de
preços das mcrcadoria.s - de tal rcblivamcnlc curto; propriedade está regularmente nav
maneira que. cessada a injeção - essa decisão, contudo, vi-se, CoiLstiluiçôcs, o problema jurídico
cxiigcna de recursos, os fatores gcralmcntc, obstaculi/ada, porque da rcf<Kma agrãria começa pela
endógenos reconduzem os a estrutura fundiária funda-se cm alteração do preceito
beneficiários dos programas à direitos as.scgurados na Icgislaçáo constitucional. Sem uma
anterior situação de misdria. do país. Sem alterar essa formulação adequada do direito de
legislação, o E.stado não dispõe de propriedade, csircita-sc muito a
Melas de 200.000 famílias margem para a formulação da lei
assentadas são ridículas no base legal para alterar a estrutura
viciada c. conseqücntcmcnlc, para ordinária que disciplinará, cm
contexto brasileiro. Metas de detalhe, o processo de reforma.
1.400.000 famílias cm 5 anos, como atingir o&objetivos econômicos,
propunha o PNRA, podem sociais c políticos de seus No C8.SO brasileiro atual, o dlrcko
provocar o impacto desejado. programas c políticas relativos à de propriedade sobre a terra
agricultura c ao meio rural. précisa ser reformulado cm 4
A necessidade de provocar a.spcctos:
desequilíbrios importantes para - dos direitos a.sscgurados cm lei e
poder pros'ocar a eliminação da que dificultam a alteração da
pobreza rural transforma a estrutura agrária, o principal é o
direito da propriedade sol^e
Cau.<;as de
reforma agrária cm uma decisão
imóveis rurais. Não se modificando desapropriação
nacional importante c não cm um
mero programa adminLsiralivo. a formulação jurídica desse direito,
não hã possibilidade de alterar a F,m um Estado de Direito, o poder
estrutura fundiária. Em outras público não pode retirar,
A refurma agrária palavras, não há reforma agrária. arbitrariamente, a propriedade da
terra. Só poderá faze-lo quando
na constituição Logo: a dimensão jurídica da
esse direito não estiver scrvdo
reforma agrária consiste nas exercitado de acordo com a lei.
adaptações que precisam ser feitas Por Isso, a lei precisa conter
A reforma agrária, como vimos, na legislação do país para dar dispositivos que possibilitem a
consiste cm um procc.sso faculdades ao Estado para, dentro clara separação entre os
complexo, com dimensões da lei, alterar a estrutura fundiária proprietários que estão
econômicas, agronômicas, do pais (dando-se a esta expressão exercitando seu direito
.sociológicas, políticas c culturais a conotação ampla mencionada no adcquadamcnic c os que não o
que se cncruzam c se influenciam

Reforma Agrária 11
Ensaios c debates

c$(ão faxendo. Para evitar o conceituação de valor, na cxtcnsivamcntc (c pralicamcniesó


arbítrio das autoridades, esses legislação (que ó ambígua) e na essas serão desapropriadas para
dispositivos devem cxptícilamcniu jurisprudência, entende-se que fíns de reforma agrária) não pode
declarar as situações que valor justo ó o valor comercial • o ser senão o preço que por ela
autori/^m o Estado a desapropriar que não está dito na lei. Qra, o pagou o proprietário (corrigido o
um imóvel. Na legislação chilena valor comercial de um imósvl rural seu valor monetário) m ab aquilo
pré-Pinochcl, usava-se a expressão incorpora, aióm do preço que por que nela investiu. E ^c seria o seu
“causales de cxpropriacíon" para ele pagou o proprietário c dos prejuízo se a terra fosse
disciplinar essa matória; na ins'cstimcnios que fc7 para lorná- confiscada. Como não se (rala de
terminologia jurídica brasileira, Io produtivo ou aumentar-lhe a coníuco, mus de desapropriação, a
adotou-se o conceito “função produliv-idade, a valori/ação indenização só pode ser o
social da propriedade". A lei decorrente da especulação ressarcimento desse prejuízo.
explícita as condições para o imobiliária. Duas as caracterí.stico.s Sc se pagar o valor comercial -
cumprimento de função stxial da da economia brasileira, uma terra como interpretam nossos tribunais
propriedade. O dcscumprimenlo não se vatori7a apenas cm função • estaremos ressarcindo o prejuízo
dessas condições autori/a a da sua capacidade produtiva, mas c dando ao proprietário anti-social
desapropriação. lambem pelo fato de constituir um um "bônus” pela especulação
Quais seriam, então, no contexto meio de preservar rique/a. Ao imobiliária, posto que a
da reforma agrária brasileira (tal considerar esses dois elementos no valori/ação comercial da sua terra
como foi conceituada cálculo do justo \‘alor - o seu custo não decorreu da aplic.içáo de sua
anicriormente), as causas de histórico c a valorí/ação • a poupança ou do seu trabalho, mas
desapropriação que pccisam ser legislação brasileira incide no da poup.ança c do trabalho de
incluídas no texto constitucional, a paradoxo de dar um prêmio outros.
Hm de possibilitar a dcllagração do financeiro .aos c.spccuIadorcs. Ou
processo? seja, os fatores que determinam a
intcrvcnç.ào corretiva do Estado na Forma de pagamento
• Primeira: não-uso da terra;
esfera cconòmico-social do mundo
• Segunda: uso extensivo da terra; rural, quais sejam o monopólio da A forma de pagamento só pode ser
• Terceira: uso predatório da terra; terra c o seu uso distorcido como a pro70. De outra formo, o
• Quarta: .sobrccxploração da força reserva de valor, acabam sendo governo não teria recurso
de trabalho; prisilegiadus. Esse privilégio ê financeiro para rcaIÍ7.ar um
tanto mais absurdo quando se sabe número de desapropriações
• Quinta: tamanho exagerado;
que o aumento do valor comercial compalbel com o impacto
- Sexta: exploração indireta. dos imõsels de uma região econômico, social c pidíiico que o
Caraclcri'<tadas uma ou algumas depende dos investimentas proccs.se precisa alcançar, .a õm de
dcs.sas causa.s, o Estado deve realizados pelo próprio governo, adquirir magnitude suncicnic para
intervir, desapropriando o imóvel e dos investimentos dos empresários rcsvrtcr tendências profundamcnic
entregando-o a famílias de que exploram racionalmcntc c cniranhados no mundo rural.
trabalhadores rurais sem terra. inlcnsivamenic suas terras c dos
investimentos realizados cm outros
setores da economia (indústria c Processo de
VaJor da Índeni7açât> serviços), ou .seja, do esforço dos desapropriação
que cumprem a “função social da
Indcni/ar ó anular o prejuízo. propriedade”.
Prejuí/o tem quem, possuindo um A desapropriação de um imóvel
Atóm de injusto, o conceito de rural, segundo nossas leis, ínicta-sc
imósel de valor x, é desapropriado indenização hoje vigente cria um
e recebe menos que x. Mos como um processo administratót)
obstáculo sério à aceleração da que culmina com o decreto de
indenizar não consiste cm pagar reforma agrária, pois eleva
pelo bem expropriado o seu preço declaração de interesse social para
indcsâdamcnic oscu custo desapropriação, as.sinada pelo
de mercado. No entanto, isto financeiro.
acontece atualmente, cm Presidente da República.
O "justo" valor da terra Publicado o decreto, a agência de
decorróiKia do defeito de
inexplorada ou explorada reforma agrária requer a sua

12 Ago/Nov 88
Ensaios c debates

imi&sâo na posse do imóvel. o laudo judicial retratará uma de entusiasmo sem o qual a
Para (anio, devv depositar cm situação posterior que poderá ser reforma agrária não atinge seus
Juízo os Títulos de Dívida Agrária facilmente “construída" pelo objetivos econômicos, sociais,
correspondentes ao valor que interessado, de maneira falaciosa, políticos c culturais. Por essa
atribui ao imóvel c que constituem a fim de subtrair-se à ra/ão, o texto coesliiucional deve
a indenização. desapropriação. Um campo Fixar um prazo para o poder
abandonado pode ser “povoado" Judiciário apreciar o ato
Ao contrário do que ocorre com as
de animais, cm uma noite. Uma cxproprialório. O Judiciário
desapropriações por utilidade
terra intocada pode ser trabalhada limitar-.sc-ia ao exame de
pública, utilirada gcralmcnic para legalidade do decreto, que
por tratores cm poucos dias. Ilm
imóveis urbanos, as consubstancia um alo de império
resumo; o imóvel pode ser
desapropriações por interesse “maquiado" para demonstrar a do líxeculivo. E cm caso de
social utilizadas para reforma comprovado abuso do poder
improcedência da desapropriação.
agrária não podem atingir executivo, a sanção seria o
qualquer imóvel. Dessa forma, o Obviamente a agência de reforma
agrária pode ncuiralí/ar vinte, pagamento ã vista da indenização
ato cxproprtalório deve-se
trinta, cinquenta manobras deste cm dinheiro c não cm Títulos de
desenrolar dentro de determinados
tipo, mas não tem condições Dívnda Agrária.
parâmetros estabelecidos na lei.
Na contestação do ato mínimas para evitar mil, duas mil, Traia-sc de possibilitar ao
cxproprialório, isto fa/ com que, 1res mil ■cifras das Judiciário o exame da legalidade c
perante o Judiciário, possa ser desapropriações que precisariam não do mérito, dentro, porém, de
alegado que a desapropriação ser feitas para xs.scgurar a um período determinado,
excedeu os limites legais. F. como magnitude devida ao pr^Kcsso de rcsolvvndo-sc a disputa, no caso de
cm todos os atos administrativos o reforma. erro da agencia de reforma
Judiciário, embora não lhe possa Enquanto a justiça discute o agrária, não mediante a devolução
julgar o mérito, pode examinar a mérito de uma desapropriação, a do imóvel ao proprietário, ma.s
sua legalidade, ou seja. pode agência de reforma agrária fica mediante sua condenação a pagar
examinar se a área declarada de parada na porta do prédio, sem a vista o valor da indenização.
intcrcvsc social está contida nos poder agir. Daí resultam situações No Brasil, para possibilitar a
parâmetros daquilo que pode ser de extrema gravidade, porque, no realização da reforma agrária, é
desapropriado c se o Hslado não geral, as desapropriações são feitas fundamental acelerar o processo
agju com abuso de poder, para solucionar conflitos entre de imissóo do órgão executor da
excedendo esses parâmetros. Isso proprietários (ou grileiros reforma agrária na posse dos
significa, na prática, o bloqueio da camuflados de legítimos imóveis desapropriados c, por Isso.
desapropriação por um. dois c ate proprietários) c posseiros que essa questão adquire, no contexto
tres anos. ocupam terras nâo-cxploradas, no aluai, estatuto coasliiucíonal
O exame da desapropriação pelo mais das vezes desconhecendo a explícito.
Judiciário, na prática, cm retirar circunstância da titulação da terra.
massividade ao proccs.so de A paralisação da reforma c a
reforma agrária. Com efeito, a demora do julgamento da
necessidade de provar desapropriação criam condições
judicialmcntc a validade de um para víolcncia de toda sorte. Em
laudo técnico reali/ado seis, oko, outros casos, noticiado o decreto
dc7. vinte meses antes obriga a de desapropriação assinado peto
agencia de reforma agrária a Prc.sidcnlc da República, centenas
destinar a essas demandas um de famílias “sem terra" acampam
número de funcionários ou dentro ou nos limites do tmõvxl
incompatível com uma quantidade desapropriado, no desespero para
elevada de desapropriação, conseguir um lote no futuro
sobretudo se .se tem cm vista que o avvcniamento. Nesses casos, a
laudo técnico, rcali/ado na esfera demora do procc.ssu judicial opera
administrativa, retrate uma como um fator de desmobilização
realidade cm um memento dado, c extremamente prejudicial ao clima

Reforma Agrária 13
Ensaios e debates

P(*nA/io d« AsMmbMi* Ntcíonâl Co<tstilu«nta

Reforma agrária na Constituição Federal de 1988;


Uma avaliação crítica*
Gomes da Silva**

Avaliação Crítica Do ponto de vista da questão Carla Magna. 6 possísel registrar


agrária, lemos sugerido as duas algumas tendências muito claras
maneiras abaixo para avaliar esta no perfil do tratamento
Bsistem numerosas avaliações da
ou qualquer outra Constituição constitucional da questáo agrária.
Constituição Federal (CF) de 198S
Federal. Em primeiro lugar, nola>sc uma
que passam, evidentemenie, peta
nítida propensão de impor
ótiea política dos seus respectivas
Pela Icndcncia histórica limitações ao caráter absolutisia,
autores. Assim, à euforia de Clysscs
indbiduatista c conceniracionista
Guimarães denominando essa Carta
De 25 de Março de 1824, quando ao direito de propriedade
de “Constituição da Coragem" se
foi promulgada a Constituição tradicional. Enquanto na
contrapõe a posição de constituintes
mais exigentes, que chegaram a Política do Impdrio, alõ a Constituição de 1824, “A
Emenda Constitucional n* 27 de propried.aJc era garantida cm toda
pensar cm não assiná-la para não se
28 de novembro de 1985, quando a sua plenitude" (art. 179 §22), na
comprometerem com seus vícios c
foi feita a última modificação na de 1969 ó imposto um
omissões.

*Al^wmas psncí deiic trabalhe foram apresentadas ameriermente cm palestras, aposiilas e ariifot de imprensa.
"José Cromes da Silva, engenheiro agrônomo e farendeiro, foi Kereiiríoda Agriruliurae AbaviecimeniodogosvmoMonioroe
preaidenie do Intiilulo Nacional de Cokwiiraçto e Reforma Agriria (INCRA).

14 Ago/Nov í«8
Ensaios e debates

coadicionamcnio social, depois dc sido imposta à concessão dc grandes inalterado o limite para a
ter passado pelos estádios glebas dc tenas púMicas. No primetro alienação ou concessão dc terras
intermediários que admitiam caso, a autorização constitucional públicas, já que passou apenas dc
apenas restrições em função da inicialmcnic estabelecida dc 10 três mil para 2.S00ha, quando na
necessidade e utilidade pública hectares ocupados durante dez anos etapa interconsiitucional anterior a
(art. 153 $22). na Constituição dc 1934, foi redução foi dc 10.000 paru 3.000ha.
E!ssa esotução rcflelc-se no progrcssvamcnic ampliada até atii>^
instituto dc Desapropriação por os cem hectares dc 1969, com a Através da incidênciadaslrés
Interesse Social para í-lns dc limitação do pra«> dc ocupação “palavras-chaves”
Reforma Agrária c na forma dc (apenas Sanos no Usucapião c.^cia])
pagamento das desapropriações. fixado cm lei ordinária. Em Dc uma maneira expedita, a
Do “previamente indenizado do contrapartida, o limite para ccmcc.ssào eficácia dc uma Constituição
valor dela” que vigorava na Carta ou alienação dc terras público-s sem qualquer pode ser aferida, com
Magna dc 1824, passou-se autorização, cm cada caso, do Senado vistas ã realização dc uma
simplesmente a pagar o justo Federal, diminuiu dc dez mil hcctarc.s Reforma Agrária, pela maneira
preço, eliminadas que foram as para os Ires mil hectares dc 1969. como é feito o pagamento das
imposições dc pagamento cm Tomando apenas aqueles quatro indenizações, pela rapidez como o
dinheiro, c feita com antecipação. parâmetros, é possível concluir que Estado se imite na posse c pelo
Num determinado estádio a Constituição Federal dc 1988: valor atribuído às terras
(ironicamente, por iniciativa, dc a) recuou, iamcniavcimcnic, desapropriadas. Assim, as palavTos
um goverrvo militar - Costa c Silva afrouxando o instituto da “dinheiro" (para forma dc
• e através dc um Alo institucional, desapropriação por intcrc.vsc S(KÍal pagamento), "prévio" (para
o Al n^ 9 dc 25 dc abril dc 1%9, tanto na abrangência (art. 18S). mostrar a precedência do
regulamentado pelo Dccrcto-lci como no tocante i exigência do pagamento) c “justo" (para definir
5S4dc25dc abril dc 19Ú9), prévio pagamento (art. 184); o valor) podem ser utilizadas como
chegou-se ao ideal do pagamento b) não resgatou o critério parâmetros válidos para esse tipo
das desapropriações pelo valor decretado pelo Governo Costa c dc análise.
declarado do imposto territorial Silva (com as assinaturas dos A tabela abauo mostra como esses
rural. Como se sabe, este critério constituintes dc 1987/88 Delfim Irés indicadores se inserem nas
foi derrubado no Tribunal Federal Nclio c Jarba.s Pas.sarínho) dc fixar três últimas Cotisiiluiçõcs
dc Recursos que cm data dc 6 dc o valor declarado para fíns dc brasileiras.
dezembro dc 1979 declarou a pagamento do ITK como limite Como se pode ver, a CF dc 1946
inconslilucionalidadc do artigo 11 para o valor das indenizações; não permitia a realização dc uma
do referido dcacto-lci, c, c) recuou também rebaixando dc Reforma Agrária no Brasil, já que
infclizmcnic, a nova CF não cem para cincocnia hectares o exigia pagamento prévio c em
restabeleceu o dispositivo.’ limite do instituto dc usucapião; dinheiro, pelo preço justo, das
A questão da dimensão da d) manteve pralicamcnic
propriedade rural pode ser estudada
na história das Constituições
brasileiras através dc dois vetores: o Pagamento -1
Constituição
aumento da superfície que o Forma Época Preço
Coastituinie tem atribuído ao instiiulo
do usucapião c à propriedade para 1946 d in l K i r o prévio justo
)9T>9 i Mu Im poaicrwr |UMO
os posseiros adquirirem terras 1 9 f» tiiuioa prévio ju U O
públicas; c ã diminuição que tem

'Po*t*nerm«ntt. am*imacert«. p*lo Agravo (Ag) n*41.03Z-AC. 0« Otiombrod* t981. Ooclarou a imtrtu6onali4«d« também
do artigo 3« do OL S64/69.
Em8d«Nov«mbred«l9ÚSoSFprorTHAgouan*soli»çaen«t.366.pubiicadanoOiénoOnciarda (M4o«m tt-tl-iges.auspandtndo
por ineoratitucionaudade. noa tarmoa da daciaéo dírmitíva proítrída paio STF noa autos dot Racuraos Extraordinànoa da nOmaro
99.649-z a 100.04S7. a axacuçSo do art 11 do DL n* 554/69 0» FOipi. Ratani BraaP, 1986. Ratorma Agriria- Dtcra1o4ai n> 554/69.

Reforma Agrária 15
Ensaios e debates

dc&aproprÍa(<V;fi por interesse Carta. INCRA adotava "área aproveitável


social. Fcli/mcnic, a qucslãü üo De falo, ao dispor, no inciso II do não explorada” para definir essa
pagamento cm dinheiro foi artigo 185, que a chamada situação de sonegação de terras
removida pela Emenda "propriedade produtiva" 6 não* boas ao u.so agrícola.
Constitucional n^ 10 üc 10 de suscetível de dcs.apropriação, a CF A confusão alimentada pelos
novembro de 1964, por iniciativa üc 1988 ínlrodu/íu n.i prática Constituintes du chamado
d o g o ern o militar do então tamanhas dificuldades de ordem "Cenirào" pecou ainda pela
Marechal Castelo Branco. kgal. .agronómica c operacional, imprecisão ctimológicj. Segundo
Uma nov-a modincaçào do lodo que inviabiliza por completo Aurélio, “produtivo" quer dizer
constitucional, feita desta vez pelo qualquer tentativa .séria de mudar “que produz, fértil", mostrando
já citado AI-9, de iniciativa do a nossa estrutura fundiária. claramcntc uma conot.ação de
segundo governo militar, o de Do ponto de vi.vta agronômico, a cap.icidadc de produzir, de
Costa c Silva, eliminou a expressão "terra produtiva", ou fertilidade intrínseca. Não
obrigatoriedade do prévio “propriedade produtiva", ou ainda oiislantc, a terra, com cs.sa
pagamento c regulamentou o "imóvel rural produtivo" é usada qualidade, pode ler um potencial
“justo preço" com base no tributo para ídcniific.ar a gleba, o produtivo, mas não se encontrar
territorial honrado pelo c.sl:ilx:lccimcnto agropecuário ou o sob uso econômico, ou “cm
dcciarantc-proprictário. Com isso, imóvel rural que está sendo usado utilização", como estabelece o
o Executivo eslava pcrícilamenic salisfaturiamcntc, seja nu t« an tc à IBGE, ou “cm exploração”, como
equipado para desencadear uma fração mínim.'i de aprovvHamcnlo queria o INCRA. Para Aulctc.
autêntica mudança na estrutura espacial, seja no referente ã produtivo é o que produz ou pode
fundiária brasileira. produtividade alcançada. Com o produzir, fcrtil, mostrando
Desgraçadamente, não o fc/, desenvolvimento da consciência novamcnic a conotação polcnci.'il c
Agora, em 1988, a de.speilo do ecológica, a conservação dos a de fertilidade.
agravamento da questão da pos.se recursos naturais c a prc.scrvação A expressão “propriedade
da terra cm nosso País, a do meio ambiente também foram produtiva" c.sconde ainda uma
Constituinte de 1987/88 recuou introduzidas como referencial para armadilha lcg.')l c uma tática
duplamcnic, rcstalx:tcccndo o avaliar essa condição de racional lalifundista.
prévio pagamento das aproveitamento, além do Na prática, a vigorar o princípio de
indenizações c omitindo-se no cumprimento da legislação que terras produtivas não podem
restabelecimento do critério para a trabalhista. Todos esses ser desapropriadas, rc.siarào
fixação do “justo preço". parâmetros constam do ari. 186, apcna.s para essa finalidade, as
Os lances dramáticos de violência, que define a função social c cujo terras improdutivas. E se,
suborno, capitulação c trapaças cumprimento isenta a gleba, o cveniualmcnlc, os tribunais se
regimentais de toda sorte estão imóvel rural ou o cslahckcimcnio fixarem no conceito de fertilidade
amplamcntc descritos cm outro da desapropriação por interesse (mais preciso), ficarão para a
trabalho de nossa autoria (Buraco social para ílns de Reforma reforma agrária apenas os
Negro 'A Reforma Agrária na Agrária. carrascais, charcos, arcióes,
Consiiluinlc de 19fi7/SS, São Prfulo, A confusão criada pela piçarras c pirambeiras. E isso, é
Paz. c Terra, no prelo), mas a Cunstiluirvtc deriva também da claro, nem os trabalhadores nem a
questão da "propriedade deformação conceitua) c da racionalidade aceitarão...
produtiva" precisa ser aqui impropriedade semântica que a
colocada. Trata-se, na verdade, de expres-são “propriedade produtiva" A falsa "Isonomia" da
um dos mais sérios recuos já carrega. O IBGE trabalha como
ocorridos na história das “terras produtivas não utilizadas” política agrícola
Coasiiiuiçócs brasileiras c que, na c com isso define claramcntc as
prática, sepultou definitivameote a glebas que têm potencial o poder dos lerralcncnlcs
po.ssibi)idadc de rcalt/ar qualquer económico mas cncontram-sc brasileiros foi demonstrado na
mudança estrutural na agricultura abandonadas, gcralmcntc à espera Consiiluinlc de 1987/88 não
brasileira, sob a égide da no>*a de valorização. Também o cx* apenxs pela capacidade que

Í6 Ago/Nov 88
Ensaios e debates

demonstraram cm fazer recuar a saaificar os assalariados rurais,


qucaâo agrária aos níveis de 1946 Não se pode, numa avaliação que parceiros, pequerux» arrendatários,
e de inifodu/ir absurdos no texto mesmo crítica tenta ser imparcial, minifundisias e posseiros (cerca de
constitucional como esse da deixar de reconhecer que a nova 12 milhões de famílias), o
“propriedade produtiva”. CF apresentou, cm relação i Constituinte de 1987/8$, que
I^rcitou-sc lambdm quando questão agrária, umas poucas enfrentou banqueiros c
impôs o iralamcrUo pariiário da vantagens, que listamos abaixo: multinacionais com tanta
Política Agrícola com a Reforma a) deu, pela primeira vez na galhardia, não conseguirá explicar
Agrária, conseguindo trazer para a história constitucional, um a capitulação diante do latifúndio.
Carta dispositivos que tratamento diferenciado á O medo, de que tanto se falou nos
normalmcnic tem sido tratados Reforma Agrária, dcdicando-Ihc últimos entreveros. não foÍ banido
por decretos ou mesmo portarias capítulo especial; da CoQsliluinie, pois no Capítulo
ministeriais, igualaram xssim o b) trouxe para o texto a da Reforma Agrária a nova Carla
estrutural (a Reforma) ao cxplickaçáo da função social; é pior que a “constituição dos três
conjuntural (a Política). O c) criou o iasiilulo da Perda paletas”, como o próprio Ulysscs
resultado foi que o Capítulo III do Sumária para as glebas que denominou a Carta de 1%9
Título VII acabou falando cm cultivarem plantas psicotrópicas; outorgada pela Junta Militar.
extensão rural (tão conjuntural, d) determinou a reavaliação de Apesar de apoiada por 1,2 milhão
que Samey acabou de extingui-la Iodos os incentivos Hscais; de eleitores que subscreveram a
entre as medidas de seu Plano c) dispôs sobre a demarcação da.s Emenda Popular com o maior
Veráo), elclríficaçâo rural c outros lcrra.s indígenas dentro de cinco número de assinaturas, a Reforma
ornamentos. anos; Agrária não conseguiu vencer os
Reconhecendo essa 0 obrigou à revisão, dentro de três bois da UDR. Em nos.sa opinião,
impropriedade, um técnico que anos, de todas a.s concessões de entretanto, nem tudo está perdido.
trabalhou para os terratenentes terras públicas com área superior a Náo existe nação moderna que cm
náo teve pejo cm confessar três mil hectares rcaÜzzidas no qualquer momento de sua história
publicamcnic o corporativismo período de de janeiro a 31 de não tenha realizado uma
que dominou os trabalhos dezembro de 1987. reformulação de sua estrutura
constiluinlcs; “$c todo mundo fundiária, a base f^ c a e material
estava incluindo generalidades para a construção de qualquer
Resumo conclusões c democracia. As eleições de 15 de
também fi/cmos passar as
nossas...” perspectiva novembro de 1988 vieram dar um
alento às forças populares,
Não foi necessário sequer o doy elegendo numerosos prefeitos de
Nem terra nem salário after para se concluir que a CF de importantes cidades e coniraporulo
1988 iransformou-sc para os ã barbárie do sertão a força do
A nova CF foi madra.sta náo trabalhadores rurais na pior Carla eleitorado mais politizado du País.
apenas para os que aspiravam a desde 1946. l-'inatmcnic, a força do eleitorado
um pedaço de terra. Vitimou Existe entre os fundamentos da jovem que irá votar nas próximas
também os assalariados rurais ciência agronômica um princípio eleições e a revisão cottsiiiucional
quando lhes roubou o direito á conhecido como Lei de Uchig (ou ditada pelo art. 3^ do Ato das
prescrição bienal. Esse dispositivo Lei do Mínimo), que ensina a Disposições Constitucionais
privilc^ava os trabalhadores do aferir o nivcl de satisfação dos Transitórias irão permitir a médio
campo, distinguindo-os enquanto nutrientes que a planta pode prazx>, a elaboração de uma nova
categoria c permitindo reclamar retirar do solo: esse nível ê sempre CF que dará ao sem-terra a
dirckos até dois anos depois da medido pelo mínimo, náo pela cida^nia que o Brasil não pode
expiração do contrato de trabalho. oferta máxima. Esse exemplo negar a qualquer de seus filhos.
<) artigo 233 cncarrcgou-sc de ajusta-sc muito bem ã nova
acabar com essa vantagem. Constituição Federal. Ao distribuir
benesses > algumas cm exagero • c
Apenas recuos e omissões?

Reforma Agrária 17
Ensaios e Debates

Ao vencedor^ as batatas
As implicações da vitória da UDR na Constituinte

José Graziano da Silva*

Tcnnifuda a votação da C^onuitulnic. paulistas que, ausentes no dia da habitual espaço dedicado à discus­
a UDR SC apresenta como vitoriosa votação, disputam o título de “mais são das questões tracionais. Ignácio
cm quase lodosos lemas cm que se progrcssisla" junto aos trabalhadores Rangel, por exemplo, um colabora­
empenhou. Da reforma agriria ao rurais de Piracicaba, na campanha dor sistemático do seu caderno de
perdão das dividas dos proprietários pela Prefeitura da cidade... economia c sem qualquer dúvida
rurais. um dos maiores cspccialislas na
Ironias ã parte, a reflexão se impõe.
A derrota no tema da reforma foi K ela começa pelo entendimento do questão agrária brasileira, csacvcu
tão acachapanie, que gente que sígnir>cou a vitória da UDR. sobre URP, inflação, dívida externa,
progressista como o presidente da mas só locou no lema da reforma
Alê mesmo aqueles que acompa­ agrária cm 15/05/88, depois da
Conferência Nacional dos Bispos
nharam o debate pelos jornais de­ votação portanto, num artigo ínlUu-
do Brxsil (CNBB). D. Luciano
vem 1er se dado conta do caráter bdo “Qual 6 a Conjuntura?". Segundo
Mendes de Almeida, defendeu no
cmincntcmcntc político que a re­ sua análise, "onde os reformistas
day-aft^r a eslratê^a de supressão
forma agrária adquiriu cm nosso dos anos 80 • esses que acabam de
dos a r t ^ rdalivos à reforma a^árb
país. Dois exemplos: na Caz<iaMef’ ser duramcnic balidos pela UDR c
da carta na segunda fase das volaçòcs
cantil, jornal que rcflclc as preocu­ pcloCcnirão na Constituinte • estão
da Constituição, quando, proibida a
pações dos vários segmentos em­ equivocados, 6 que querem fa/cr
apresentação de novas emendas,
pode-se apenas suprimir trechos já presariais nenhuma Unha sobre a agora a mesma reforma que náo
reforma a^ária saiu nas página.s fizemos naquele tempo (anos 30). In
aprovados antcriormcnic. E até a
reservadas i agropecuária, sempre itlo tcmpofc, tínhamos grandes pro­
CX)NTAG. que lâo rccaladamcnlc
na seção dedicada aos temas da priedades conjugadas com pequenas
se comportou durante todo o
“política nacional". Idem, cm re­ explorações agrícolas, de modo que
processo de luta desde os ídos da
lação i Folha de S. Paulo: apesar de a divisão das terras acabaria com
proposta do Plano Nacional de
1er um caderno cspccírico para ms- essa contradição, ao posso que te­
Reforma Agrária cm 1985, ameaçou
sunloscconômicos,ojornal Iratouo mos agora grandes ciqiíaraçôes feitas
dar uma de CUT c «fetribuir cartazes
tema sempre nas primeiras pãgina.s cm grandes propric^des".
com as fotos dos “Novos Traidores
que são dedicadas normalmentc às
do Povo*' que votaram contra ou se M as segundo Rangel, "o blifúndlo
questões políticas. A Folha foÍ alêm;
omitiram. Fiquei imaginando como capitalista, monoculturisla (...) não
durante lodo o período não publi­
seria crtgraçado ver a cara do João apenas não engaja Iodos os mem­
cou um "artigo t&nko" sequer sobre
Hermann ao lado da do Thame. bros da família camponesa como.
a matéria, limitando-se aos escritos
dois agrônomos c constituintes dos membros que engaja, somente
sob encomenda na página 3, o seu

* ProfcworlivTe-Uoctnic.coonlccMòorUoCurvo
tfc Uouloranwitio «m poliiic» púMacu Oo IF/L‘niramp.

18 Ago/Nov88
Flnsaios e Debates

os uúliza parle do tempo o “lumpcn”. O caráter central da representação real cuidou sempre
"O falo de somente ser utili/ada reforma agrária brasileira das anos de reivindicações muítocspccifícas -
SOfundamcnta-sc nesta realidade; ê dada a sua organização, cm geral,
parte dos membros da família tem o
preciso faze-la não visando priori­ por prrxluto • era quase impos.sívcl.
(^ave defeito de promover a desa­
gregação desta, por outro bdo, o tariamente ao aumento da produção mesmo ao nfvxl das entidades de
fato de deixar sem aplicação parte (o que deve c pode ser uma con­ classe detentoras da representação
do tempo dos membros ativos da sequência natural doprocesso). Mas formal, superar a famosa “cho­
para incorporar cerca de 30 milhões radeira” por melhores preços disioc
família compromete o nível de vida
desta. A solução para c.ssc duplo de pessoas que hoje viwm na mais daquilo. Em outras palavras, a luta
problema • segundo a experiência absoluta miséria, no campo c nas dos proprietários rurais não con­
provadacm lodoo mundo-consiste periferias da cidade. seguia superar a barreira do
na entrega ã famdia de um miruftjndio, aspccdloo. A UDR veio políit/ar essa
£ sob cs.se ponto de vbta que podcmcK luta com seu discurso anü-reformista
onde esta possa implantar a pr6pria entender os cnmcntános do deputado
residência e urgani/ar uma produção, c de defesa da propriedade privada.
Plínio de Arruda Sampaio^ presidente
agrícola e não*agrícola, para auto­ da Associação Brasileira da Reforma Vale a pena notar que, de início, a
consumo.” Agrária (ABRA) c um dos principais sua pregação era aniigovcrnoc anií-
Nio ê apenas por concordar com a articuladorcs do todo sobre a reforma sem-terra; não leria havido UDR se
essência do Icxtoquc Irartscrcvi essa agrária na Constituinte: “O impas.se não houvvssc o seu contrário: a
longa citação do artigo de Rangel, a na reforma agrária não decorre da proposta do PNRA, os scm-lcrra. a
qual. repilo, foi a única mençãoã re­ sua dimensão econômica, que não ê CPT, os movimentos dos traba­
forma agrária no **l-spaço mais a decisiva, mas da persistência lhadores rurais pela reforma agrária,
Lconômico” que lhe foi reservado cm um Brasil que se quer moderno, ele. Passado esse momento inicial
pela grande imprensa. A nova re­ democrático. Im c de preconceitos, de ser contra, a UDR articulou a sua
forma agrária que se quer para os do quadro sociológico, político c própria proposta que “incluía a rc-
anas 80 não pode 1er os mc.smos cultural da dominação de olignrquixs b>rma agrária como um capitulo da
“objetivos produtivisias” das crises tradicionais sobre a grande massa política agrícola”, c mudou o dis­
anteriores (tanto 30, como ito início da população. Sc oque se impôs, na curso de proprietário de terras para
dos anos 60). onde foi alçada como Consiituinic, não foi, como se de prodiMcv rural Aí também a UDR
solução para a questão agrária c propalou demagogicamente, uma colecionou vitórias incríveis, como,
lambêm para a questão agriada. I Icjc preocupação com o nível de prcxlução por cn:mplo, a marcha sobre Brasília
a única dimensão econômica que se agropccuáiu do país, mas o fantasma cm fevereiro de 1987, com expres­
pode invocar para a reforma agrária daquilo que Clóvis Rossi sÍnicti/ou siva participação de produtores ru­
ê 0 seu impacto sobre 0 nívvl de na antinomia CosagranJt-scmala, a rais de todos os tamanhos, c que
ocupação no meio rural, tanto para nova Constituição lerá vida curta” terminou por legitimar a UDR como
redu/ir as crescentes txxas de êxodo (FSP de 17/05/88 PA - 3). uma intcri<KUtora do governo para
rural, como para proporcionar uma assuntos agríer^v Também aqui
E não ê apcn.is a nov'a Constituição
ocupação produtiva • ainda que no havia um sparring adequado: além
que terá vida curta: os vitoriosos de
nível de subsistência • para aqueles do governo (que é o velho saco de
hoje também. Refiro-me cspcci-
rejeitados pela modcrnÍ/ação con­ pancada.s). os odiados bancos que
ficamcntc ã UDR, que icvv o mais
servadora. não queriam abrir mão da correção
extraordináriocrcscimcnioquc já vi monetária pós-eru/ado.
O que os economistas clássicos cha­ de uma organização rural classisia
mavam de “prolctari/ação do cam­ neste país. E são poucos o&que tem O que estou querendo di/cr ê que as
pesinato”, onde o camponês expro­ compreendido o seu extraordinário estrondosas vitórias da UDR
priado transformava-se cm operário papel tva politização da luta pela signincaram também um aòrramcnio
industrial,deixou hámuílodcexistir terra no Brasil. Ê preciso entender das oontradições no campo. Primeiro,
no Brasil. Atunlmcnlc o trabalhador que a UDR surgiu no va/io deixado porque implicou a rcorganí/açào
rural que vem para a cidade Irans- pela dicotomia entre a representação interna da rcprcscnlação dos
(ivrma-æ cm marginal o que se duma fonnal di« proprietários rurais (CNA proprietários rurais. O início, cm
na economia clássica de “iumpeni- c fcdcraçt^cs) c a representação real 1985. foi a criação da frente ampla
^ação”, isto é, ele ê rebaixado a um destes, através das cooperativas c que ironicamente queria excluir a
nívvl inferior ao do proletário, queê associações de produtores. Como a UDR a partir da Sociedade Rural

Reforma Agrária 19
Hnsaios c Debates

Brasileira c da Organi/açâo dos a afirmação popular de um partido dia da própria lula.


Cooperativas Brasileiras. A freate que se as.vuma como de direita c A lula peta terra no Brasil não ;icalx>u
visava a reunir “todos os produtores anli-rcf(Kmista. Vale a pena recordar nem vai acabar por dccrciu. Ela é
rurais do Brasl". bandeira que acabou que mesmoo Ceniráo não conseguiu uma contradição colocada pela
sendo tomada de suas máos pela se articular a não ser cm pontos própria modernização con-vervadora,
própria UDR, que assegurou a.ssim específicos c sempre contra alguma forma aspcoTica que assumiu aqui o
a sua participação no movimento. coisa, difcrcntcmcntc do que ocorre dcscnvolvimcntocapitalista da agri­
Depois foi a eleição do deputado nos patscs centrais onde a direita cultura. A polilizaçáo da questão
Alysson Paulinclli para a vcmscaprcscntandocom propostas agrárb criou as corxUçòcs ncocssános
Confederação Nacional da alternativas de grande apelo popu­ hoje para contestar até mesmo esse
Agricultura (CNA) c a sua vitória lar. tipo de desenvolvimento, c as impli­
mais importante na Constituinte: o cações políticas disso são muito mais
Mas náoé apenas entre os vitoriosos amplas que uma mera luta de cam­
reconhecimento da estrutura de que a derrota da Reforma Agrária
representação formal ■ ou seja, da poneses pelas terras cm que traba­
na Constituinte lerá profundas im­ lham. A última onda da reforma
própria CNA como única plicações. Tambóm entre os derro­
intcriocutoraoncialdogosrrnopara agrária (lx:m como de outras lulas
tados se espera que isso aconteça populares) veio junto com a cam­
a.s questões relativas ã política ap-ícola embora, por incrívél que possa pare­
c agrárb. (V>mcça a fcchar^sc, a.ssim, panha pelas eleições diretas; lodxs
cer. as forças imobilísias sejam aí morreram na praia, as manobras
o espaço va;rio que permitiu o mais fortes. Por exemplo, a banda
vertiginoso crescimento a que das clkas dominantes garantiram uma
de música da ABRA vai precisar de transição conservadora sob a he­
assistimos, estupefatos, da UDR. outra partitura para substituir a que gemonia de um partido pdítico que
Um segundo lugar, a UDR politi/ou foi rasgada. A Igreja, se rcalmcntc se dizia progressista, fisse acordo
finalmcntc a questão agrária brasi­ quiser ouvir o clamiH do povo de pode estar próximo do fim; dcsc-
leira. H a reforma agrária deixou de Dcu.S precisará olhar pura a frente c nha-sc uma reorganização partidária
ser coisa de gente bem intencionada para o chão c não mais para trás c a partir üLt impkisáo (k> PMDB (antes
• uma longa lista que começava pe­ para o alto. Mas é no movimento tarde do que nunca), c as campa­
los dedicados tóenicosda ABRA c ia sindical dos trabalhadores rurais a
nhas para as eleições presidenciais
aió o Papa Paulo VI. 0$ traba­ mudança mais difícil. No plano in­ diretas neste ano poderão criar es­
lhadores ruraisentenderam que não terno. o sindicalismo rural precisa paços para que as reivindicações
bastam exemplos c argumentos; voltar is bases para lograr algum
específicas dos vários segmentos
precisam ter wtos. deputados, poder poder de mobilização efetiva. Isso dominados da nossa sociedade no­
político enfim. signiHca que precisará dcíxar de ser vamente se colcvqucm. E tudo isso
apenas um movimcniodc dirigentes num momento de profunda crise
A silória da UDR na Constituinte
sindicais, como ó hoje. oque implica econômica c social. Mas já .se obser­
foi uma vitória política, c ó no plano promover uma efetiva renovação da
político que a luta pela terra deverá vam as clices cm plena atividade
ampla maioria dos seus quadras. iZ, enquanto as forçxs populares conti­
.se desenrolar cm nosso país daqui
no plano externo, a CONTAG c nuam cm debandada.
por diante. Nesse novo cenário de­ seus fiBados não poderão mais manter
verão ressurgir as organizações que a postura de uma “terceira sindi­ Ocorre que é cxatamcnic nas crises
cfclivamcntc representam os inte­ cal”, ao lado da CUT c da CGT: essa que se redefinem os novos papéis
resses de cla.sscs em conflito • os '‘irxlcpcndéncia“ foi, sem dúvida, um em função das novas contradições
trabalhadores e os proprietários elemento a mais que favoreceu o da luta política, os quais permitirão
rurais. O ator Ronaldo Caiado c isolamento da luta dos rurais pela novos pactos c novas alianças com
seus “lobbMas Uderboy^’ terão agora vUias ao poder. Sc não nos prepa­
reforma agrária. O movimento dos
de manter o combate no plano pol&ko scm-icrra já entrou para a CUT: se rarmos desde já para esse novo em­
• niiando-sc, talvez, a um partido ou bate que (crá de vir num futuro mais
de um lado isso facilitará a politi-
aló se transformando num partido - zação das suas lutas cspccincas, de ou menos próximo, a luta pela re­
mesmo porque os velhos jpemngr já outro 6 uma ameaça à identidade forma agrárb não passará novamcrlc
foram todos ma.s.sacrados. H, salvo da praia.
própria do movimento. Como se vè,
mclhorjuízx>(ou otimismo da minha as soluções não são simples c. prin-
parle), não parece haver espaço no dpalmcntc, não estão “Ict^icamcntc’'
atual espectro político brasileiro para dadas; têm de ser buscadas no dia-a-

20 Ago/Nov 88

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