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GEOGRAFIA – PROFª KAREN LESSA - DATA: __/__/24.

Aula 3 - Conceitos em geografia agrária


Conceitos básicos
Ao iniciar o estudo dos modelos rurais existentes no Brasil e no mundo, é importante esclarecer alguns conceitos.
Esse conhecimento conceitual é fundamental para o entendimento das questões sociais e econômicas que serão
discutidas em relação à atividade primária.
Agrícola × agrário
O primeiro ponto fundamental, até mesmo para efeito de uso correto do vocabulário, é diferenciar os conceitos de
“agrícola” e “agrário”. Poderia soar bastante estranho para alguns ler as expressões “reforma agrícola” ou
“produção agrária”. Isso ocorre porque existem significados específicos para cada um desses termos, mesmo
quando utilizados fora de um contexto acadêmico.
Uma questão “agrícola” diz respeito a tópicos específicos da produção agropecuária. Por exemplo: se a produção é
adequada à demanda, a qual mercado se destina, qual o nível tecnológico utilizado, que tipo de mão de obra é
empregada, etc. Afirmar que determinada área sofre com uma crise agrícola significa supor problemas associados
à qualidade ou à quantidade de sua produção.
Já quando falamos de uma questão “agrária”, estamos nos referindo à estrutura fundiária de determinada área. Isso
significa debater sobre como foi feita a distribuição de terras do local, se há ou não concentração fundiária, que
impactos o tamanho das propriedades traz à dinâmica social local, etc. Determinar a existência de uma crise
agrária significa entender a divisão de terras daquela região como injusta ou ineficaz no atendimento das questões
agrícolas.
Produção × produtividade
Assim como na análise da produção industrial, ou de
qualquer outra atividade econômica, o uso dos conceitos
“produção” e “produtividade” é adotado para fazer
referência a questões diferentes. Chama-se produção
agrícola a quantidade absoluta produzida por uma
propriedade, geralmente medida em toneladas ou arrobas.
Por outro lado, a produtividade agrícola está relacionada à
quantidade relativa, ou seja, a relação entre a produção e a
área disponível para o cultivo.
Portanto, uma propriedade enorme pode possuir,
simultaneamente, grande produção e baixa produtividade.
Isso ocorrerá quando o proprietário obtiver uma safra com
grande tonelagem, mas que, ainda assim, represente uma
quantidade muito abaixo do máximo que poderia ser
produzido em toda a sua propriedade rural. No caso
inverso, uma pequena propriedade pode produzir uma
quantidade absoluta muito menor, mas apresentar alta
produtividade, pois fez uso mais eficaz da terra disponível.
Fronteira agrícola
O espaço agrário de um país ou região sofre sua apropriação produtiva ao longo da história da ocupação do
território e do desenvolvimento econômico. Chama-se “fronteira agrícola” o limite entre as áreas agricultadas e
agricultáveis. Ou seja, nomeia-se dessa forma a linha que divide as terras já aproveitadas para a produção e as
terras que ainda são virgens do ponto de vista agropecuário.
No Brasil, por exemplo, o início da ocupação do campo pela agricultura se deu na região Nordeste, nos
primórdios da colonização portuguesa. A primeira frente de avanço da fronteira agrícola aconteceu ao longo da
faixa litorânea do território brasileiro até o século XIX, passando pelo Sudeste e chegando ao Sul. Ao longo do
século XX, em uma nova onda de avanço, a fronteira agrícola atingiu a região Centro-Oeste e o sul da Amazônia,
na região Norte.

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As tecnologias agrícolas e a Revolução Verde
Ao longo da História, o desenvolvimento das tecnologias e os modelos de produção rural estiveram associados às
grandes mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas nas diferentes regiões do mundo. Enquanto as técnicas
de produção rural, ainda pouco desenvolvidas, limitaram o acúmulo de excedentes agrícolas, a baixa produção de
alimentos perdurou por muito tempo como uma barreira para o crescimento demográfico.
Com o passar do tempo, os avanços tecnológicos gradualmente modificaram a atividade agropastoril,
permitindo a produção de alimentos e matéria-prima em proporção exponencial. Os excedentes possibilitaram
maior vinculação da agropecuária com as relações comerciais, impulsionando o meio produtivo agrícola e
motivando o aumento de investimentos em tecnologias do setor.
Esse novo patamar da produção no campo fortaleceu as relações campo-cidade e, mais tarde, sustentou os
processos de industrialização e o avanço da urbanização em muitos países. Curiosamente, salvo raras exceções, o
aumento da produtividade das áreas rurais sempre esteve associado à redução do número de trabalhadores nessas
áreas. Isso se explica pelo fato de que a mecanização da produção agrícola foi uma grande geradora de
desemprego no campo, motivando o êxodo rural.
Outro aspecto importante a se constatar na relação tecnologia-campo é que, à medida que os avanços
tecnológicos aconteceram, o meio rural se tornou cada vez mais vinculado aos insumos químicos, ao maquinário e
às demandas produtivas da cidade. A interdependência campo-cidade se manteve; porém, a relação de poder
passou a apresentar uma clara dominação do meio urbano.
A dependência do setor primário (agropecuária e extrativismo) em relação aos setores secundário e terciário
(respectivamente, indústria e comércio/serviços) consolidou uma nova figura no meio produtivo geral, que atua
diretamente sobre o ambiente social e econômico tanto do campo quanto da cidade: o Complexo Agroindustrial
(CAI).

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Os CAIs são interações multissetoriais que envolvem a agropecuária. Ou seja, são compostos de um
conjunto de empresas envolvidas na produção dos bens primários e em sua transformação (em casos mais
avançados, até em sua comercialização). Torna-se claro que, com essa nova configuração, a atividade agrícola
perde grande parte de sua autonomia. Os grupos sociais do campo se tornam submetidos aos interesses da lógica
industrial e do mercado, o que pode trazer consequências negativas, ainda que esses grupos se integrem, mesmo
que indiretamente, à estrutura dos CAIs e ao sistema bancário, fonte de financiamento dos agricultores.
A partir das décadas de 1950 e 1960, uma grande mudança ocorreu na distribuição das tecnologias
produtivas entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. A chamada Revolução Verde foi marcada pela
adoção de um pacote tecnológico que contribuiria diretamente para o aumento da produtividade nas áreas rurais
subdesenvolvidas.
Sob a bandeira de combater a fome global por meio do aumento na produtividade de alimentos, os países
desenvolvidos iniciaram um gradativo processo de transferência das tecnologias produtivas (agrotóxicos,
fertilizantes, máquinas e sementes selecionadas) para as periferias do sistema capitalista, aumentando a
produtividade, mas também a dependência tecnológica em relação aos países centrais.
A difusão, por exemplo, de sementes selecionadas ou modificadas geneticamente foi amplamente adotada
pelos Estados Unidos, que se tornou o principal motor da Revolução Verde. Porém, o uso de tais sementes deveria
ser precedido pela adoção de determinados fertilizantes, vendidos pelas mesmas empresas produtoras das
sementes, o que submetia os produtores rurais a pagar os altos preços exigidos por essas empresas.
Milhares de pequenos produtores, sem condições de competir nesse mercado, acabaram por vender suas
propriedades, aumentando ainda mais a concentração de terras por parte de grandes fazendeiros. Para combater os
impactos desse processo, organismos internacionais como a ONU, além de empresas multinacionais e governos,
passaram a criar programas de financiamento para favorecer a difusão das novas tecnologias pelos países
subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Os financiamentos, porém, acabaram por se tornar dívidas pesadas e por
aumentar ainda mais a dependência dos pequenos produtores.

Sistemas extensivos de produção


Ao tratar dos sistemas de produção agropecuários existentes é comum estabelecer a diferenciação entre os
sistemas extensivos e os sistemas intensivos. O grau de intensividade do uso da terra nada mais é que seu grau de
produtividade por área.
A produtividade geralmente varia dependendo da quantidade de terras e tecnologias disponíveis, das
condições naturais ou mesmo dos interesses comerciais em jogo. Os sistemas extensivos de produção, portanto,
são aqueles que possuem baixa produtividade. Isso, porém, pode ocorrer de maneiras e por motivações diferentes.
Agricultura de plantation
O sistema de plantation se baseia em quatro características fundamentais, três delas mantidas nos últimos
séculos: produção em monocultura, grandes propriedades, produção voltada para o mercado externo.
A quarta característica está relacionada à mão de obra. No passado, pelo fato de esse sistema ter sido vinculado ao
colonialismo e ao neocolonialismo, era comum a adoção de mão de obra escrava. Hoje em dia, o tipo de mão de
obra se altera de acordo com o produto que será cultivado. Ela varia desde a quase completa mecanização das
lavouras, até o uso de mão de obra assalariada, ou mesmo temporária, como na colheita da cana, por exemplo.

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É bem comum a confusão a respeito da intensividade desse cultivo. Sua baixa produtividade o caracteriza
como extensivo, mas isso não se deve ao pouco acesso às tecnologias ou à falta de capital. No sistema de
plantation, ocorre a formação dos chamados “latifúndios por extensão”, ou seja, a produtividade baixa é explicada
pela farta quantidade de terras disponíveis associada à sua subutilização. Por esse motivo, esse sistema costuma ser
fortemente vinculado à chamada especulação fundiária.
Em razão do vínculo desse tipo de sistema com o passado colonial e com diversos problemas sociais, ele
se tornou característico de países periféricos com economias agroexportadoras. Entre os problemas, destacam-se a
manutenção de relações de trabalho análogas à escravidão, a enorme concentração fundiária, a
submissão aos interesses comerciais externos e a baixa oferta de alimentos no mercado interno.
No espaço agrário brasileiro, o sistema de plantation foi adotado desde o período colonial, tendo destaque
na produção de cana-de-açúcar no Nordeste e de café no Sudeste. Esse modelo acabou dificultando a
formação de mercado interno e restringindo o espaço da agricultura de subsistência, além de reforçar
desigualdades sociais que são vistas até hoje por todo o país.
Agricultura tradicional
A agricultura chamada de tradicional é aquela que não atinge grande produtividade por não se basear em
técnicas modernas de produção. Também chamado de agricultura de subsistência, esse sistema produtivo gera
uma baixa quantidade de excedentes, vinculando-se, por isso, ao consumo de grande parte da produção pelos
próprios agricultores.
Graças ao seu caráter associado ao consumo próprio, esse sistema agrícola é quase invariavelmente ligado a
policulturas, sobretudo alimentares. A mão de obra é predominantemente familiar, o que lhe confere também a
nomenclatura de agricultura familiar. As condições econômicas precárias da maioria de seus produtores também a
vinculam fortemente com a figura das pequenas propriedades fundiárias (ou “roças”), geralmente em áreas pouco
interessantes para a agricultura comercial.
O baixo emprego de tecnologias modernas explica, ainda, outra dinâmica: o uso das chamadas técnicas
rudimentares de cultivo – sobretudo das queimadas.
O emprego dessas técnicas faz com que, em geral, seus produtores desgastem o solo muito rapidamente,
obrigando-os a buscar novas áreas produtivas. Esse traço rende a caracterização desse sistema como sendo de
“roça itinerante”, já que se torna inviável manter o cultivo na mesma região por muitos anos.
Outro ponto de importante destaque é o de que a agricultura de subsistência costuma estar vinculada
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a mercados locais. O agricultor e sua família cultivam algum produto que terá seus excedentes comercializados
num mercado próximo, geralmente um centro urbano do município onde vivem, sendo, portanto, esses pequenos
produtores os principais responsáveis pelo abastecimento alimentar metropolitano.

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Sistemas intensivos de produção
Os sistemas intensivos de produção são aqueles dotados de alta produtividade frente à área utilizada. Apesar
de ser claro o destaque nos países de maior nível de desenvolvimento (devido à tecnologia empregada), é
importante compreender que tal produtividade pode ser atingida de maneiras diversas. Além do alto uso de
tecnologia, uma propriedade de tamanho reduzido ou o emprego intensivo de mão de obra também podem
explicar uma boa relação de produtividade.
Agricultura moderna
É classificada como moderna a agricultura que faz uso de técnicas modernas de cultivo, fortemente
vinculadas à tecnologia. Ela se destaca, como citado anteriormente, em países mais desenvolvidos, como Estados
Unidos, Canadá, Austrália, Japão e alguns países europeus. Além do uso intensivo de insumos, ela se caracteriza
por empregar mão de obra qualificada, familiar e assalariada, ter perfil de pequenas ou médias propriedades em
predomínio e buscar a diversificação de cultivos na maior parte dos casos.
Estados Unidos
Os Estados Unidos destacam-se como uma das mais fortes agriculturas do mundo. Apresentam um
elevadíssimo grau tecnológico, com forte mecanização, e alta produtividade da terra e da mão de obra. É muito
comum encontrarmos referências afirmando que a agricultura estadunidense é empresarial. Isso se explica pela
presença de grandes empresas no campo, tornando comum a figura dos CAIs, voltados para o abastecimento
interno e externo.
Mesmo se constituindo num dos maiores produtores de grãos do planeta e tendo ação direta na cotação
das commodities agrícolas, o papel da agricultura familiar ainda é significativo nos Estados Unidos. No entanto, a
gradativa concentração de terras contribuiu para o aumento do tamanho médio das propriedades.
Existe também um setor familiar que já foi forte em décadas anteriores e ainda resiste, embora esteja
extremamente submetido a contratos de exploração com grandes empresas do setor.
Na atualidade, a profissionalização da agricultura dos Estados Unidos, como já citado, promoveu uma
relativa concentração fundiária. O que mais se destaca, no entanto, é a concentração agrícola nos belts (os
cinturões agrícolas). Trata-se de áreas especializadas no cultivo de determinados produtos, geralmente associando
tais produções com a presença de indústrias que os utilizam como matéria-prima
Essa especialização colaborou muito para a fixação de grandes Complexos Agroindustriais, mas também
para a geração de alguns problemas produtivos. A incidência de pragas e/ou crises de consumo em determinados
mercados acendeu uma luz de alerta importante para o entendimento de que havia dependência excessiva de
estados inteiros em relação a um mesmo produto. Tal pensamento vem motivando transformações, fazendo com
que os belts se tornem, portanto, áreas mais flexíveis quanto ao seu caráter.

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Europa
A agricultura europeia é marcada pela baixa concentração de terras, fruto de seu elevado valor e de uma
política tributária que visa sobretaxar propriedades de maior porte. A produtividade elevada abastece, sobretudo, o
mercado interno, e é explicada – mesmo em um quadro físico não muito favorável – pelo uso de tecnologias
subsidiadas pelo Estado
Os principais fatores naturais que dificultam a atividade agrícola na Europa estão associados ao seu clima
– predominantemente temperado – que pode proporcionar invernos rigorosos. O fato de ser um continente
pequeno também restringe o espaço físico disponível à agricultura, o que se agrava ainda mais pelos altos índices
de urbanização do continente.
No caso específico da União Europeia, a Política Agrícola Comum (PAC) garante mecanismos de
cooperação de mercado desde a segunda metade do século XX. Ainda que existam resistências internas e externas,
medidas protecionistas diretas ou disfarçadas de barreiras fitossanitárias são impostas em conjunto há décadas
pelos países-membros.
É também bastante comum na Europa, em virtude da restrição de espaço e da elevada urbanização, que
a proporção de populações residentes em áreas rurais seja muito pequena (algo em torno de 10%). Essa taxa
se explica pela prática tradicional que os produtores têm de morar ou manter empregos paralelos em cidades
pequenas, integrando o estilo de vida rural ao urbano.

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Agricultura de jardinagem
O sistema da agricultura de jardinagem surgiu em condições específicas no sul e no sudeste da Ásia, há
milênios. Ele se caracteriza pelo cultivo intensivo, principalmente de arroz, mas com uma peculiaridade
interessante: uso baixíssimo ou nulo de tecnologia, maquinário e insumos. O que explica essa alta produtividade
são as técnicas milenares de cultivo, que se mostram bastante eficientes. É o caso do
Terraceamento.
Um resultado direto – e muitas vezes premeditado – da adoção da agricultura de jardinagem é a fixação da
mão de obra no campo. Isso se deve à capacidade fortíssima de absorção de trabalhadores desse sistema agrícola.
Tal traço se mostra importantíssimo em países como China e Índia – que possuem populações com
mais de 1 bilhão de habitantes – até mesmo para efeitos de planejamento urbano. A produção tem o principal
objetivo de abastecer o grande mercado interno existente nesses países.
PARA CONCLUIR
Podemos perceber que a terra possui uma função social que vai além de sua função econômica. Nela são
produzidos alimentos e matéria-prima, além de servir de moradia para o cidadão do campo. Compreendemos
também que o termo produção refere-se à quantidade absoluta produzida, enquanto o termo produtividade, à
quantidade relativa de com a área disponível. Já o conceito de fronteira agrícola é o limite entre o ambiente já
utilizado pela agropecuária e as terras virgens do ponto de vista produtivo.
A Revolução Verde representou a mecanização do campo nos países periféricos, trazendo para eles uma
série de consequências econômicas e sociais problemáticas. A tecnologia é um dos elementos que ajudam a
diferenciar os cultivos extensivos dos intensivos, que são marcados por seu grau de produtividade baixo ou alto,
respectivamente.
Entre os modelos extensivos, o plantation é o modelo de produção baseado em monoculturas, voltadas para o
mercado externo, em grandes propriedades e comumente associadas a problemas nas relações de trabalho. A
agricultura tradicional é aquela de pequenas propriedades policultoras, que geralmente empregam mão de obra
familiar e técnicas rudimentares de cultivo.
Nos modelos intensivos, destaca-se que a agricultura moderna é baseada no uso intenso de tecnologia,
geralmente realizada em pequenas ou médias propriedades, usuárias de mão de obra qualificada, familiar e
assalariada. A agricultura de jardinagem, em contrapartida, faz intenso uso de mão de obra e é comum na
rizicultura asiática, que utiliza a técnica de terraceamento e é influenciada pelo clima de monções.
Por fim, discutimos, ainda, como situação-problema, a temática dos organismos geneticamente modificados,
que são objeto de um debate polêmico que envolve ética, religião, saúde, tecnologia, questões sociais e ambientais.

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