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As inovações tecnológicas envolvendo resíduos e materiais biodegradáveis no

mundo contemporâneo da agricultura

Alana Gabrieli de Souza1


Derval dos Santos Rosa2
Rubens Pantano Filho3

O papel da agricultura na sociedade: contextualização histórica


A agricultura é um dos principais setores que regem economia e sociedade, tendo um
papel fundamental no Brasil e no mundo. É uma prática econômica que consiste no uso do solo
para produção de diferentes matérias primas, abrangendo desde a alimentação até produtos
secundários em outros campos da atividade econômica. É uma das primeiras práticas realizadas
na história da humanidade, sendo desenvolvida no período Neolítico como forma de existência.
Além disso, tem papel fundamental na transformação social, uma vez que, para que a prática da
agricultura pudesse ser realizada, os povos precisaram deixar de ser nômades, fixando-se nos
lugares para uso e apropriação do meio natural. Juntamente com a agricultura, iniciaram-se as
civilizações, ou seja, agricultura e sociedade se desenvolveram em conjunto.
O setor agroindustrial possui papel essencial no desenvolvimento econômico brasileiro,
historicamente, avanços científicos e tecnológicos regem a agricultura brasileira, acompanhando
os crescimentos econômicos e sociais e o desenvolvimento do país. Além disso, esse
desenvolvimento possui influências teóricas, políticas e sociais, além dos fatores econômicos que
são resultantes de um dinamismo setorial. Isso porque a agricultura não afeta somente aumentos
de produção, mas também questões de terra, trabalho e mão de obra, geração contínua de
empregos, capital e administração, conceitos tecnológicos e de desenvolvimento, problemas
ambientais recorrentes de um crescimento contínuo, entre outros. Uma análise histórica é
necessária para uma completa contextualização da importância desse setor e uma conexão com o
mundo contemporâneo e os seus impactos no setor agropecuário.
O primeiro período histórico de grande relevância compreende os anos 1930 a 1960,
conhecido como Revolução Industrial Brasileira. Foi marcado pela criação de indústrias de base
e energia, crescimento urbano e êxodo rural e aumento de exportações devido à Segunda Guerra
Mundial. Essa crescente demanda foi fundamental para que a matéria prima nacional passasse a
substituir a importada, resultando em um fortalecimento agrícola. No entanto, o setor agrícola
ainda não possuía representatividade na economia nacional. Nesse período, os conhecimentos
rudimentares acerca de culturas, solos e técnicas de plantio resultavam em baixa qualidade e
volume produtivo, assim como baixíssimo rendimento por hectare. Como a demanda por produtos
era crescente, a exigência pelos aumentos de produção resultou em conversões em massa de áreas
naturais em lavouras e pastagens que sem o uso de técnicas adequadas, provocaram sérios
problemas ambientais, como erosão e assoreamento; fatos que posteriormente geraram
preocupações e busca por soluções mais sustentáveis.
A partir de 1970, o setor agroindustrial passou por um crescimento devido às
necessidades industriais, que reconheceram ser necessário um aumento simultâneo de matéria-
prima para aumentar a manufatura, ou seja, a busca pelo desenvolvimento econômico do país
exigia um crescimento concomitante entre indústria e agricultura, de forma a atuar, além da

1
Doutoranda em Nanociências e Materiais Avançados - Universidade Federal do ABC, Santo André-SP.
E-mail: alana_gs@live.com
2
Doutor em Engenharia Química. Docente na Universidade Federal do ABC. E-mail:
dervalrosa@yahoo.com.br
3
Doutor em Engenharia e Ciência dos Materiais. Docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo – campus Bragança Paulista. E-mail: rubenspantano@ifsp.edu.br

1
produção de alimentos, em mão de obra, fornecimento de recursos, mercado consumidor adicional
e capacidade de exportação aumentada. Essa atenção ao setor, até então marginalizado, resultou
em maiores tecnologias e em um processo de modernização em busca de embalagens, irrigação,
qualidade de solo, máquinas e insumos agrícolas.
A partir de 1990, a política econômica instaurou taxas de câmbio mais realistas e controle
de inflação, o que favoreceu ao crescimento exponencial sofrido nos anos anteriores. Isso colocou
o setor agrícola como principal responsável pelo superávit da balança comercial brasileira. Esse
avanço refletiu diretamente e positivamente na economia do país, de modo que, em 1999, a
agropecuária respondeu por cerca de 9% do PIB do país, fato que foi um indicativo do quanto
esse setor deveria ser explorado e valorizado. Assim, em 2016 o agronegócio foi responsável por
24% do PIB. Esses valores refletem a realidade brasileira: um país com recursos naturais em
abundância, extensa área disponível para plantações e boas condições climáticas. No entanto,
também refletem um diferencial: o crescimento em investimentos nesse setor, com avanços
científicos, tecnológicos e inovadores, no desenvolvimento de novas sementes, uso consciente e
adequado do solo, racionamento de recursos, tecnologias diferenciais para aumentos de
produtividade, equipamentos, além da competência dos agricultores e a assertividade em políticas
públicas voltadas ao setor agropecuário.
Além dos expressivos avanços tecnológicos com os quais a agricultura possui relação
direta, outro fator deve ser observado: o desenvolvimento humano. Como apresentado
anteriormente, o desenvolvimento das sociedades está intimamente ligado ao desenvolvimento de
práticas agrícolas. Porém, os avanços são ainda mais significativos: estudos da Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FEO) demonstram que regiões
essencialmente agrícolas do Brasil possuem um crescimento acelerado do índice de
desenvolvimento humano (IDH) - especialmente áreas de cultivo de culturas de exportação, como
soja, milho e algodão - quando comparadas com as áreas não produtoras. Isso porque, além dos
ganhos econômicos, há a valorização internacional, o que exige uma mudança de mentalidade
para acompanhamento das tendências internacionais dos compradores. Além disso, com o
crescimento tecnológico e políticas de modernização, exige-se uma especialização dos
agricultores, de modo a se familiarizarem com as novas tecnologias e produtos, criando, assim,
mão-de-obra mais qualificada. Essa mudança reflete no quadro familiar do agricultor e no
aumento da geração de empregos e aumento na renda. Ao se observar que o desenvolvimento
agrícola possui impactos diretos na qualidade de vida da população, ações governamentais
passaram a surgir ao redor do mundo, buscando incentivar práticas e garantir um contínuo
crescimento.
Em 1999, ano que o PIB nacional foi reconhecidamente afetado pela parcela ligada à
agricultura, ocorreu também a Reforma da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia,
que visava uma agricultura competitiva, sustentável, de qualidade e que minimizasse os impactos
ambientais. Essa reforma foi essencial para mudanças gradativas em atividades e políticas
agrícolas, destacando a importância social dessa prática e os ganhos de desenvolvimento urbano
e humano. Há, então, uma inserção da comunidade agrária em uma sociedade urbano-industrial,
com a descentralização das problemáticas de um mundo rural para uma abrangência de uma
sociedade composta, além de agricultores e seus cargos atrelados, para políticos, empreendedores,
educadores e demais profissionais. A prática agrícola deixou de atender princípios voltados
exclusivamente para a geração de alimentos e passou a se destacar como área essencial para o
crescimento de indústrias, produtos e processos dos demais setores econômicos.
Embora os avanços agrícolas tenham sido expressivos, a demanda por produtos agrícolas
e alimentos é continuamente crescente, reflexo de um crescimento populacional e dos processos
de urbanização contínuos. As consequências dessa necessidade são contínuos investimentos em
tecnologias, de modo a impulsionar a produção de alimentos e diminuir os custos de produção e
do produto entregue ao consumidor final, além da produção de grãos de exportação, qualidade de
produtos, produtividade, impactos na qualidade de vida social, entre outros. A agricultura e os
avanços necessários para o contínuo crescimento e expansão não são um tema novo: têm recebido

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atenção desde 1960, e esse cenário é compatível com os dias atuais, o que o torna um tema
contemporâneo e que apresenta diversas lacunas a serem investigadas, debatidas e entendidas.

O conhecimento a favor do desenvolvimento agrícola


Conhecendo-se a importância do setor agrícola e a sua contínua expansão, investimentos
focados no aumento de produtividade e na minimização de problemas produtivos passaram a ser
financiados: melhoramentos genéticos, criação de novas espécies, estudos acerca da correção do
solo, adubação, uso consciente de água, fertilizantes, controle de pragas, zoneamento de riscos
climáticos e formas de contenção de danos, entre outros. No entanto, a área envolvendo melhorias
de plantios e aumento de produtividade ainda demanda muitas pesquisas e inovações; isso porque
nos últimos anos, questões ambientais passaram a destacar-se.
Apesar dos crescimentos expressivos e ganhos em qualidade, quantidade, produtividade
e qualidade de vida, a importância da ciência e da tecnologia voltadas para a área agrícola ainda
é um tabu. Isso porque a sociedade, em sua maioria, relaciona desenvolvimentos tecnológicos
com algumas áreas, tais como tecnologia e medicamentos, principalmente. Esses fatos chamam a
atenção para uma mudança social necessária e que será uma tendência dos próximos anos:
investimentos em educação básica voltados para associação de ciência e tecnologia em todas as
áreas. Isso porque noções acerca de inovações e avanços tecnológicos precisam ser aproximadas
da vida social, de forma a gerar reconhecimento e valorização, e consequentemente impulsionar
o desenvolvimento de novas práticas, visando a uma sociedade que busque avanços contínuos e
expressivos. Além disso, outra preocupação pode ser citada: a necessidade de adequações
ambientais voltadas para práticas de sustentabilidade.
A restauração de paisagens ambientais, adequação do uso de terras, aumento de
produtividade e contenção de danos ambientais estão entre as principais pautas discutidas
frequentemente. A busca pela proteção da biodiversidade, recuperação de solo e água
contaminados ou prejudicados e uso consciente de recursos naturais têm intensificado o
investimento em ciência e tecnologia voltados para a agricultura sustentável. Isso se reflete, por
exemplo, no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que atua visando uma adequação de imóveis rurais
para as exigências do novo código florestal, instaurado em 2012, que realiza um diagnóstico
ambiental por meio de mapeamento digital visando minimização de uso inadequado da terra e, de
forma indireta, pressiona autoridades e profissionais da área a encontrarem meios de plantio com
elevada produtividade e aproveitamento do solo com menores impactos ambientais. O CAR é
uma das políticas públicas adotadas nesse sentido, porém não a única; em geral, intervenções
estatais visam otimizar a geração de renda e empregos, correlacionando atores sociais e fatores
ambientais. Outros pontos que podem ser citados são políticas e programas diferenciados de
desenvolvimento rural (voltados para segmentos empobrecidos que necessitam integração com a
modernização produtiva, seja em caráter tecnológico ou social), políticas sociais voltadas para
agricultura familiar (visa abranger famílias e cooperativas pequenas, colocando-os no setor
produtivo de forma ativa e diferenciada), entre outros.

Desafios a serem enfrentados em busca de aumento de qualidade e difusão informativa para


a sociedade
Para que o desenvolvimento seja contínuo, é necessário compreender quais são os
principais desafios a serem enfrentados no cenário agrícola pós-moderno brasileiro. Esse cenário
encontra-se em constante mutação. Acredita-se que até 2050 mudanças significativas irão ocorrer,
uma vez que a demanda por alimentos é diretamente proporcional ao crescimento populacional
que se encontra em constante expansão. Dentre os principais desafios encontrados no cenário
atual e que englobam desde questões históricas até problemáticas recentes, pode-se citar:
• Desenvolvimento de sistemas e tecnologias integradas e sustentáveis para a produção
agrícola, minimizando riscos ambientais e econômicos;

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• Recuperação de áreas degradadas ou comprometidas pelo uso excessivo da terra, visando
à recuperação para posterior reuso, revertendo a situação comprometida devido à erosão,
compactação, quebra da estabilidade de produção devido a não-constância produtiva ou
empobrecimento extremo do solo;
• Divulgação de indicadores econômicos, sociais e ambientais relacionados com o setor
agrícola, agropecuário e florestal;
• Incentivos para boas práticas ambientais;
• Otimização do uso de recursos naturais, com destaque para os recursos hídricos, por meio
de novos desenvolvimentos de sistemas de irrigação ou produtos que
substituam/minimizem a frequência de irrigação. O meio rural representa 80,7% do
consumo total de água do Brasil, sendo 67% utilizados na irrigação. Aproximadamente
40% da água não é totalmente aproveitada e resulta em desperdício de recursos, energia
e trabalho;
• Educação ambiental: do ensino fundamental ao profissional. Entender a importância do
setor agrícola no cenário nacional, as principais limitações, os problemas e os aspectos
positivos são uma necessidade social que precisa ser explorada. Enquanto grande parte
da sociedade não valoriza a agroindústria por falta de conhecimento ou acesso à
informação, tem-se um cenário em que os maiores IDH’s do país são encontrados nas
regiões rurais de alta produtividade, ou seja, a conscientização da população acerca de
medidas que podem ser tomadas para otimizar produção, diminuir custos e os impactos
sociais de ações e políticas públicas para a área rural são de extrema importância e podem
ter impacto significativo na renda, geração de empregos e qualidade de vida;
• Aprimoramento de ferramentas gerenciais nos âmbitos humano, de máquinas e sementes
e aspectos de plantio;
• Estabelecimento de políticas públicas e privadas de incentivo que auxiliem os
profissionais do setor que fazem uso de agricultura sustentável em casos de condições
climáticas extremas, visando uma estabilidade durante a transição de processos
produtivos (do atual para um com ações sustentáveis – como mudança no manejo de água
ou de bioquímicos);
• Fortalecimento e estabelecimento de novas parcerias e centros de pesquisas;
• Otimização das ferramentas meteorológicas;
• Aplicação consciente de agroquímicos (fertilizantes e pesticidas com potencial tóxico)
visando minimizar impactos à fauna, flora e saúde humana, além do desenvolvimento de
novos bioativos com potencial, como fertilizantes ou controle de pragas de baixo custo e
sem impactos ambientais significativos ou caráter tóxico;
• Diminuição da dependência de agroquímicos internacionais por meio da substituição por
bioquímicos naturais encontrados em solo brasileiro. Esse desafio é uma alternativa já
intensivamente estudada e que, tendo em vista que a flora brasileira é de grande
diversidade, agentes bioativos extraídos de plantas brasileiras, adequadamente extraídos
e aplicados, possuem potencial para controle de micro-organismos maléficos e pragas;
• Estímulo ao uso de bioativos naturais, visando maior eficiência e menor toxicidade;
• Reaproveitamento dos resíduos agrícolas por meio do seu uso no desenvolvimento de
novos produtos e processos e incentivem sua recuperação e agreguem valor econômico,
social e ambiental;
• Difusão da importância do reaproveitamento residual, com incentivos ao
desenvolvimento de tecnologias e inovações;
• Desenvolvimento de programas de pesquisa e desenvolvimento para obter novos
produtos, processos e tecnologias voltados aos problemas principais observados na
agricultura nacional.

Pesquisas complexas e soluções inovadoras


Em um cenário de crescente expansão agrícola no Brasil e no mundo, há uma
megatendência de novos desenvolvimentos que visam a sistematização e modernização dos

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sistemas de produção, técnicas mais sustentáveis e rentáveis e aumentos contínuos de
produtividade. É possível, então, setorizar os principais aspectos que estão em destaque mundial,
conforme apresentado a seguir.

a) O uso da água no setor agrícola


A demanda de água no meio rural representa 83% da demanda total, sendo 72%
destinados à irrigação; esse elevado volume é devido à baixa capacidade de retenção de água do
solo. Uma vez que a disponibilidade de água no solo é um fator chave para o rendimento de
culturas, solos com baixa ou elevada umidade diminuem a produtividade e comprometem a
qualidade das produções. Essa problemática abre inúmeras oportunidades para o desenvolvimento
de tecnologias que visem a eficiência do uso de água, diminuindo perdas e custos atrelados.
A abordagem mais comum é o uso de diferentes sistemas de irrigação que atuam na
distribuição de água de maneira mais uniforme ao longo do plantio. Porém, essa abordagem exige
altos custos de instalação e volume de água utilizado. Outra possibilidade que ainda é pouco
explorada, seja por preconceitos associados ao uso de novas tecnologias ou a possíveis
toxicidades, é a aplicação de hidrogéis – redes poliméricas que aumentam significativamente a
retenção de água do solo, diminuindo a frequência de irrigações e aproveitando de maneira mais
eficiente a água resultante de chuvas, conforme ilustra a Figura 1.

Figura 1. Ilustra a importância da adição de materiais que aumentam a retenção de água do solo.

Fonte: os autores

Essas estruturas tridimensionais, além de atuarem na entrada lenta de água e aumento da


capacidade de retenção de umidade no solo, também podem atuar na liberação controlada de
agentes bioativos (fertilizantes comerciais já utilizados ou novas formulações, com menor
toxicidade), conforme será reportado posteriormente. Uma representação de uma rede de
hidrogéis (estrutura macro- ou micro- porosa), com e sem a capacidade de retenção de nutrientes
(como o NKP e o cloreto de potássio) é apresentada na Figura 2.

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Figura 2. Ilustra a estrutura de hidrogéis e a possibilidade de retenção de água e fertilizantes.

Fonte: os autores

Dentre as limitações que se apresentam para o uso extensivo dessa tecnologia, encontra-
se o uso de materiais sintéticos e não biodegradáveis. Os hidrogéis são uma solução inovadora
para um conjunto de problemas complexos enfrentados diariamente no setor agrícola.
Tendo em vista os desafios previamente apresentados, é possível resolver os problemas
hídricos por meio de uma ampla variedade de possibilidades de investigações: uso de diferentes
materiais e inclusão de polímeros biodegradáveis (incluindo resíduos coletados das próprias
plantações); desenvolvimento de novas técnicas; treinamento de cooperativas ou populações
rurais para, após a tecnologia ter sido desenvolvida, preparar esses materiais e comercializar,
estimulando a participação de uma comunidade em diferentes etapas de plantações; estimular a
educação ambiental para que a sociedade possa auxiliar na resolução de novas ideias e projetos
que otimizem o uso da água e resultem em ganhos econômicos, sociais e ambientais;
desenvolvimento de partículas, cápsulas, sprays e outros produtos que atuem com a liberação
controlada e lenta de nutrientes e podem ser inseridos na estrutura macroporosa; adaptação de
processos e materiais biodegradáveis para obtenção de um produto simples que seja acessível e
utilizável nas diferentes culturas, incluindo agricultura orgânica; entre outros. Ou seja, a educação
ambiental, o estímulo da participação social, aliados à tecnologia e a ciência, podem resultar em
ganhos para agricultores e demais profissionais da área.

b) O solo: técnicas para aumento de fertilidade e controle de pragas


O aumento de qualidade, da produtividade e da possibilidade de competitividade
internacional está diretamente relacionado com o potencial produtivo do local onde o plantio está
sendo realizado. O Brasil é um país de solo naturalmente pobre, porém de elevada produtividade,
ou seja, esforços contínuos são exigidos para que esse solo se torne fértil e permita a contínua
produção de alimentos e produtos que façam girar a economia nacional. A estratégia mais comum
adotada é o uso de fertilizantes e compostos químicos, visando à correção do solo. Isso tem
resultado em uma quantidade exorbitante de produtos utilizados, gerando custos e contaminação
de lençóis freáticos, causados pela baixa absorção dos nutrientes no solo. Assim, a tendência que
tem surgido na última década é o desenvolvimento de métodos/produtos que atuem por meio da
entrega controlada/lenta de nutrientes, garantindo eficiência e boa absorção, diminuindo custos
produtivos e impactos ambientais (esses procedimentos já estão sendo utilizados na agricultura
orgânica, porém a demanda é baixa e exige produtos mais eficientes).
Com esses objetivos em mente, o uso da nanotecnologia tem se apresentado emergente.
Isso porque seu uso pode ser desde explorar propriedades e preparar novos materiais a partir de
resíduos agrícolas, até o desenvolvimento de novos produtos inovadores. Dentre as principais

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inovações em ascensão, pode-se citar a preparação de nanocelulose a partir de resíduos (casca de
frutas, folha de bananeira, palha e sabugo de milho, bagaço de cana de açúcar, casca de soja e
arroz, caules diversos, madeiras, entre outras infinitas possibilidades) – que posteriormente será
utilizada em aplicações mais nobres como preparação de compósitos, filmes mulching e
embalagens, por exemplo.
Outros exemplos são nanosensores para monitoramento de qualidade e análises
sensoriais, desenvolvimento de materiais para remoção de contaminantes orgânicos e inorgânicos,
preparação de novos medicamentos para uso veterinário, inovação no uso de insumos agrícolas
(fertilizantes e pesticidas, e agentes bioativos), entre outros. Apesar da grande tendência mundial
ao uso de nanopartículas e, comprovadamente, os benefícios que essa ciência pode trazer ao ser
humano, ainda são necessárias ações multidisciplinares que mudem a visão social acerca de riscos
do emprego de nanomateriais, da sua baixa toxicidade, das potencialidades desse tipo de produto,
dos avanços agregados ao emprego de novas tecnologias, além de uma expansão da importância
do emprego da nanotecnologia (por meio de educação ambiental, divulgações e afins) no setor
agropecuário.
Dentre os tipos de nanomateriais que são utilizados para essa classe de aplicações e que
não apresentam potencial toxicidade para o ambiente e ao ser humano, além das nanoceluloses já
citadas, pode-se citar argilas, algumas partículas metálicas (prata, ouro, zinco, cobre, níquel e
ferro), óxidos (TiO2, Fe2O3, SiO2, Al2O3), nanotubos de carbono, óxido de grafeno, polímeros
biodegradáveis e naturais (alginato, quitosana, hidroximetil celulose), lipídeos (lecitina), entre
outros.
Com os esforços contínuos para difundir inovações na área agrícola, destacam-se os
fertilizantes ou bioestimulantes. Os bioestimulantes convergem com a tendência da diminuição
do uso de agrotóxicos ou produtos com potencial contaminante, visando a induzir as plantas à
autodefesa, tornando-as mais resistentes a pragas e doenças, por meio de uma melhoria da
capacidade de absorção de água e nutrientes para as mesmas. Podem ser também considerados
como reguladores de crescimento, contendo os macro e micronutrientes essenciais para o
desenvolvimento da cultura, porém sem os malefícios de agrotóxicos ou fertilizantes em excesso,
ou seja, podem ser utilizados tanto em monoculturas presentes em extensas faixas de terra, tanto
quanto em agricultura orgânica. Assim, há um equilíbrio tanto na planta quanto no sistema em
que a mesma está introduzida, gerando benefícios para o solo, a cultura, o meio ambiente e,
indiretamente, a sociedade. Outra possibilidade são os fertilizantes na escala nanométrica, que
podem ser obtidos de acordo com as necessidades da planta, estimulando seu crescimento com
aplicação na semente ou foliar, possuindo uma ação direcionada e de precisão, seja por aplicação
direta, seja por nanopartículas, géis, emulsões, cápsulas e outros. Os nanofertilizantes fazem parte
da agrotecnologia mais recente e são pouco utilizados, principalmente no Brasil, pois é esse é um
campo em desenvolvimento e que ainda apresenta elevados custos, além de gerar discussões
acerca de nanosegurança. No entanto, por meio destes é possível prevenir o excesso de
fertilizantes tanto na aplicação quanto na absorção dos mesmos pelas plantas. Nesta classificação
também se encontram inoculados de microorganismos (como bactérias e fungos) que estimulam
o crescimento e saúde da planta.
Já no caso dos defensivos agrícolas, o cenário é distinto. A tendência mundial é uma
substituição de produtos altamente tóxicos e nocivos para os diferentes ecossistemas por produtos
com caráter biológico e sustentável. E a nanotecnologia se alia a essa tendência em dois cenários
distintos: o primeiro, com o desenvolvimento de detectores e sensores que acusam o uso de
pesticidas impróprio para uso ou em excesso por meio da indicação de compostos específicos
(como organofosforados); e o segundo, com a substituição de pesticidas químicos por materiais
naturais com ação direcionada para fungos, bactérias ou células. No caso dos chamados
biopesticidas (que podem ser nanofungicidas ou nanopesticidas), a ação é variante, porém pode
ocorrer por meio da interrupção do desenvolvimento do micro-organismo, ataque por meio de
enzimas que penetram na parede celular e interrompem o ciclo de desenvolvimento da praga,
inibição da reprodução do patógeno, danificação do DNA de fungos, entre outros. Outra
possibilidade de aplicação é o uso de cápsulas para realizar a entrega controlada dos pesticidas,

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de modo a minimizar o volume atualmente aplicado nas culturas. Com tais aplicações, espera-se
ser possível rastrear, controlar e eliminar pragas e doenças com antecedência e assertividade.
Outro aspecto relevante a ser levado em consideração é que na sociedade pós-moderna
há uma preocupação generalizada com desenvolvimentos e modernizações que estejam em
consonância com conceitos de sustentabilidade, química verde e biotecnologia. Ou seja, além da
busca incessante por avanços tecnológicos, há uma preocupação social que reflete diretamente
em conceitos de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a expectativa produtiva, industrial,
comercial e social que rege os desenvolvimentos visa à eficiência e produtividade, além de
aplicabilidade, baixos impactos ambientais e que estimulem o desenvolvimento do país,
colocando-o em níveis internacionais de qualidade de produção e produto final.
A Figura 3 apresenta, de forma sintetizada, as possibilidades de aplicação da
nanotecnologia voltada para a agricultura. Além das propostas já mencionadas, diversas outras
também podem ser destacadas.

Figura 3. Diferentes possibilidades de aplicação da nanotecnologia no setor agrícola – todas as


possibilidades possuem relação direta com alternativas sustentáveis.

Fonte: os autores

c) Preocupações sociais acerca de toxicidade


O uso de nanopartículas é um constante alvo de discussões acerca do potencial tóxico e
da segurança envolvendo o uso dessa classe de materiais. Isso porque, devido à escala
nanométrica e ao contínuo crescimento inovativo, as potencialidades desse material nem sempre
são totalmente esclarecidas, tanto em termos de aplicação, quanto de possíveis malefícios. Em
geral, tais discussões são baseadas na atividade biológica dessas nanopartículas; os contrapontos
apresentados são acerca das inúmeras possibilidades que esse campo tecnológico apresenta para
a indústria agro e alimentícia. Informações controversas são constantemente apresentadas, e gaps

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científicos do entendimento aprofundado dessas nanopartículas em sistemas biológicos são
constantemente observados e alvos de tais problematizações.
Em geral, há uma simplificação das principais questões relacionadas à saúde ambiental e
humana que pode ser sumarizada em:
• Monitoramento sistêmico de possíveis efeitos fisiológicos envolvendo a presença das
novas partículas no organismo;
• Toxicidade;
• Impactos biológicos e a sua consequência (no ser humano, pode ser por variações
metabólicas, hormonais etc.);
• Necessidade da implementação de normativas abrangendo as novas tecnologias
emergentes;
• Conhecimento limitado da população acerca de benefícios da nanotecnologia devido a
informações centralizadas entre indústria, produtor e cientistas, ou seja, para que haja
uma melhor percepção social, a difusão de conhecimento é necessária;
• Implicações sociais e éticas da nanotecnologia;
• Aceitação social.
A nanosegurança é um tópico recente que abrange grande parte de tais questões,
promovendo e incentivando debates de modo a ampliar o conhecimento e impulsionar essa nova
área do conhecimento, que surge para complementar os desenvolvimentos técnicos e assegurar a
segurança de todas as formas de vida.

Desafios e perspectivas: observações finais


Há, sabidamente, uma demanda crescente por produtos resultantes do setor agrícola, seja
na forma de alimentos ou matéria prima. Isso, somado às mudanças climáticas constantes, solos
baixos em nutrientes, preocupações ambientais, de saúde humana e sociais, tem exigido uma
mudança na visão da sociedade e da indústria perante o setor agro: é urgente a implementação de
novos sistemas e o desenvolvimento de novas tecnologias que otimizem a produção e todo o ciclo
produtivo. Ao encontro dessa urgência, têm-se as tecnologias emergentes: são inovações que
buscam propostas inovadoras para a resolução de problemas complexos, como uso de agrotóxicos
e fertilizantes tóxicos, desenvolvimento sustentável, desafios acerca aumento de produtividade,
viabilização da automação produtiva, necessidade da substituição dos químicos utilizados por
agentes bioativos, entre outros. Além disso, esses novos desenvolvimentos devem garantir que os
impactos ambientais não sejam negativos na aplicação ou na preparação, com um viés de baixas
emissões ambientais e gasto energético, baixo uso de reagentes químicos e geração de
subprodutos tóxicos e que apresente pontos positivos, tais como rendimento, inputs, resiliência
das plantas e segurança alimentar, além de outros tópicos já citados.
A nanotecnologia surge como a solução para diversos problemas. Isso porque apresenta
soluções inovadoras para aumentar o crescimento das plantas, melhorar a absorção e
disponibilidade de água e nutrientes, aumentar a qualidade do solo, minimizar a contaminação de
lençóis freáticos por meio do excesso de fertilizantes, promover a germinação de sementes em
períodos mais curtos, otimizar a fotossíntese, controlar pragas e doenças por meio de bioativos e
sensores. A perspectiva é de um crescimento avançado, ou de uma revolução tecnológica que
transforme e otimize os sistemas já existentes.
No entanto, ainda existem limitações tecnológicas e sociais para que haja um
estabelecimento sólido dessa nova vertente no setor agrícola. Há uma necessidade clara de
investimentos financeiros para o contínuo desenvolvimento. Porém, ainda é necessário difundir
informações acerca do uso de nanotecnologia e materiais biodegradáveis para a sociedade, sejam
por debates, informativos, eventos abertos à comunidade, congressos, embalagens,
demonstrações, propagandas ou outros meios de comunicação. Tornar a nanotecnologia um
assunto público e abertamente debatido é importante para que a população, em diferentes posições
sociais – consumidores, investidores ou produtores - tenha acesso a informações, estando em

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contato direto ou indireto com essa “revolução invisível” que é, cada vez mais, uma tendência
mundial. A nanotecnologia e o uso de materiais naturais e biodegradáveis compõem um futuro
que já está ocorrendo, criando uma interface entre a visão humana e a explosão de novas
tecnologias, conectando ciência, meio ambiente e sociedade.

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