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BUROCRÁTICA-COLEGIADA-PARTILHADA COM
SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO-LIVRE SEGUNDO
MAX WEBER
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deranças políticas (eleitas democraticamen- parágrafo 15 a 21 do capítulo III de Econo-
te) que, em excelente síntese, ele caracteri- mia e Sociedade) nos quais Weber trata, res-
zou da seguinte forma: a) o predomínio da pectivamente, do modelo monocrático e do
lógica burocrática sobre a liderança polí- modelo colegiado-partilhado de burocracia.
tica; b) o controle da máquina burocrática Na Conclusão, demonstro porque essa dife-
pelos líderes políticos; e c) o insulamento rença nos permite um nova leitura da obra
entre direção política e lógica burocrática. de Weber que explora, além das tensões e
Embora Weber tenha desenvolvido contradições, também os nexos estruturais
sua teoria da burocracia e da democracia existentes entre burocracia e democracia.
a partir de motivações externas distintas
e em âmbitos internos diferentes de sua 1. A evolução do tema da dominação nas
obra escrita, isso não significa que ele não duas fases de redação de Economia e
procurou integrá-las teoricamente. É o que Sociedade
sugere uma análise comparativa do tema
da burocracia nos dois capítulos sobre a O leitor atento notará que parece existir
dominação existentes em Economia e So- certa oscilação terminológica quando We-
ciedade. Comparando a versão do capítu- ber se refere à forma moderna da domina-
lo que Weber escreveu ainda antes da pri- ção. Ora ele se reporta a ela de modo amplo
meira guerra com a versão final de 1920, como dominação racional, ora ela recebe
demonstro que nos escritos tardios ele dife- uma conotação mais específica (dominação
renciou seu modelo teórico, agregando-lhe burocrática), sem esquecer ainda do termo
novas variáveis de análise. Dessa forma, ao médio – dominação legal. Temos também as
lado do tipo puro (dominação legal-buro- expressões combinadas, como “racional-le-
crática-monocrática), a burocracia moder- gal” e “legal-burocrática”. Essas variações
na é caracterizada levando em consideração não representam nenhuma confusão e não
formas descentralizadas de gestão, em par- são acidentais, dado que estão relacionadas
ticular a partilha do poder (divisão de pode- com o processo de amadurecimento de sua
res), bem como o sistema de representação reflexão. Como é hoje amplamente reco-
política. Emerge, assim, um tipo complexo nhecido, Economia e Sociedade não é um li-
que podemos denominar de “dominação le- vro diretamente produzido por Max Weber,
gal com administração burocrática-colegia- mas uma coletânea de textos posteriormen-
da-partilhada e sistema de representação- te organizada por Marianne Weber em duas
-livre” (MWG I/23, III, §15 a 21). partes (abstrata e concreta).
Trata-se de uma novidade interpretati- Afastando-se dessa visão sincrônica,
va cujas implicações teóricas valem a pena os estudos histórico-exegéticos até hoje
considerar. Nessa direção, o primeiro tópi- realizados propõem que Economia e Socie-
co do artigo apresenta brevemente as prin- dade deve ser visto como um projeto incon-
cipais mudanças que o tema da burocracia cluso composto por duas grandes fases se-
sofre ao longo do processo de redação de paradas pela Primeira Guerra Mundial. Esse
Economia e Sociedade. Os dois tópicos se- aspecto diacrônico simplesmente desapare-
guintes fixam sua atenção no seu manuscri- ce na sistematização realizada por Marian-
to mais recente e analisam, separadamente, ne Weber (seguida por Johannes Winckel-
os dois blocos temáticos (parágrafo 3 a 5 e mann, 1952), pois o que ela fez foi reunir
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os textos sobre dominação escritos por Max quando comparamos as duas versões, salta
Weber ainda antes da Primeira Guerra Mun- aos olhos que Weber, na primeira delas, não
dial e alocá-los na segunda parte de Econo- estabeleça conexão clara entre o “burocra-
mia e Sociedade sob o nome de Capítulo 09 tismo” – como o tema é chamado nessa ver-
- Sociologia da Dominação. Ela também se são –, e o problema da legitimidade (BADER,
deu ao trabalho de incluir neste capítulo um 1989 e HANKE, 2001). O que lhe interessava,
escrito chamado As cidades. Já Johannes naquele momento, era refletir sobre os fun-
Winckelmann não viu problema nenhum em damentos da administração, razão pela qual
considerar partes dos escritos jornalístico- ele empregava a expressão “dominação bu-
engajados de Weber [Parlamento e Gover- rocrática”. Na versão tardia, a distinção en-
no na Alemanha reordenada] como uma es- tre o princípio da legitimidade e o princípio
pécie de sociologia do Estado. Mas, segundo organizacional será mais clara, como indica
os editores da coleção Max Weber Gesam- a expressão “dominação legal com adminis-
tausgabe, esses antigos manuscritos (excluí- tração burocrática”.
dos os acréscimos acima), por vezes incom- Apesar desse desajuste, corrigido pe-
pletos, são pouco articulados entre si, o que lo autor em sua versão tardia, não cabe fa-
os levou a desmontá-los em texto indepen- lar, propriamente, de duas teorias distintas
dentes intitulados 1) Dominação, 2) Buro- ou de duas concepções diferentes de domi-
cratismo, 3) Patrimonialismo, 4) Feudalismo, nação legal-burocrática ao longo da obra de
5) Carismatismo, 6) Transformação do caris- Weber. Inútil procurar qualquer ruptura no
ma, 7) Manutenção do carisma e 8) Estado e pensamento weberiano. Mas isso não signi-
Hierocracia. Já o escrito weberiano do pós- fica que não existam outros desdobramen-
-guerra, bem mais enxuto, foi parar na pri- tos. Um dos mais importantes é que Weber
meira parte com o título de Capítulo 03 - Os começou a desenvolver conceitos que visa-
tipos de dominação. vam caracterizar variações internas no seu
Existe uma ampla e polêmica discussão modelo geral. Na versão mais recente de
a respeito da evolução da sociologia webe- Economia e Sociedade, ao descrever a for-
riana da dominação em seu conjunto, mas ma racional-moderna de dominação, Weber
não pretendo discutir todas estas questões tratou do assunto em dois blocos separados,
histórico-exegéticas aqui (BREUER, 2011). colocados, respectivamente, no início e no
Limito-me a uma descrição bastante sumá- fim do capítulo sobre a dominação. Primei-
ria dessa evolução textual no que tange ao ro ele tratou da dominação legal e burocrá-
primeiro dos seus tipos (a dominação legal tica em sua forma pura (dos parágrafos 3
com quadro burocrático), tendo em vista que a 5). Depois de tratar dos demais tipos de
ele é indispensável para o desenvolvimento dominação, ele voltou ao tema, agregando
posterior do meu argumento. Mais especifi- à dominação racional novas variáveis, no-
camente, há uma questão da qual não pode- tadamente a colegialidade, divisão dos po-
mos escapar e que assim reza: quais são as deres e formas de representação (parágrafos
principais semelhanças e diferenças entre o 15 a 21). Portanto, naquele primeiro bloco
texto da fase antiga, intitulado “burocratis- temos a análise típico-ideal da burocracia
mo”, e os parágrafos 1 a 6 do novo capítu- monocrática, e neste segundo uma variante
lo sobre a dominação que trata da burocra- intitulada burocracia colegiada. Poucos co-
cia? O principal ponto a considerar é que, mentadores se dão ao trabalho de conectar
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Quadro 1 - Eixo da legitimidade
Caráter do direito
1. Estatuído de modo racional referente a fins ou valores
2. Abstrato cosmos de regras abstratas
3. Impessoal 1 superior está submetido ao direito
4. Impessoal 2 obediência do comandado como membro (não como súdito)
5. Impessoal 3 obediência à norma (e não a pessoa)
Fonte: autor
Caráter da burocracia
1ª versão 2ª versão
Contínua
Competência: Competência:
(Autoridade Burocrática) (Autoridade institucional)
a) Atividades 2. Com âmbito delimitado
b) Poderes limitados 3. Com poderes de mando correspondentes
II. Qualificação 5. Com limitação dos meios coercitivos
Hierarquia de cargos Hierarquia oficial
Baseado em documentos Princípio da documentação
Instrução na matéria (incluído na hierarquia)
Pleno emprego da força de trabalho (eliminado)
Regras gerais Regras (técnicas ou normas) e qualificação profissional
Separação absoluta entre quadro administrativo e meios
de administração
Caráter objetivo do cargo (sem apropriação pessoal)
Fonte: autor
14 Rev. Pós Ciênc. Soc., São Luís, v.18, n.1, 9-24, jan/abr, 2021
considerados individualmente” (MWG I/23, soal, na segunda versão esse corte é elimi-
III, §4, p. 459). Comparando as duas tipo- nado e a lista de características é duplica-
logias que Weber nos apresentou a respei- da, chegando ao número de dez componen-
to dos burocratas, as correções foram bem tes. Do elenco antigo, somente três aspectos
maiores, pois enquanto na versão antiga o restaram (nomeação, remuneração e carrei-
funcionário vinha caracterizado pela opo- ra), como ilustra, mais uma vez, o esquema
sição entre posição exterior e posição pes- comparativo abaixo:
o caráter do burocrata
1ª versão 2ª versão
I. Cargo é profissão
II. Posição pessoal
1.Estima pessoal 1. Livre: obrigações objetivas
2. Nomeado 2. Nomeados (hierarquia rigorosa)
3.Vitalício 3. Competências funcionais fixas
4. Remuneração 4. Livre seleção
5. Carreira 5. Qualificação profissional
6. Salários fixos
7. Cargo c/ profissão principal
8. Carreira
Fonte: autor
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essa razão, ficam fora da análise “casos im- descritas em lugares separados do seu escri-
portantes dentro da dominação legal e da to. No parágrafo 05, ele dedica-se apenas à
tradicional: a colegialidade e o princípio “administração puramente burocrática”, isto
feudal” (MWG I/23, III, §13, p. 527). Afinal, é, da “administração burocrática-monocráti-
de que “casos” Weber está falando e como ca” (MWG I/23, III, §5, p. 463). Como esta já
eles afetam a “dominação legal”? foi exposta acima, resta acompanhar agora
Parte da resposta a essas perguntas po- o que ele desejava “falar adiante”.
de ser obtida examinando os parágrafos 14 Tanto a dominação tradicional quanto a
a 21 da versão mais recente da sociologia racional podem ter sua autoridade limitada,
da dominação. Eles foram situados por We- seja pela tradição, seja pela lei (MWG I/23,
ber depois de sua exposição sobre os tipos III, §15, p. 542). Mas, além da tradição e da
puros (legal, tradicional e carismático) e dos legislação, tais limites também decorrem
tipos mistos (o feudalismo e a democracia da existência de outras instituições ou
plebiscitária – uma forma de reinterpretação organizações com elas concorrentes. No
não autoritária do carisma) e parecem suge- caso dos regimes feudal e patrimonial, esse
rir que ele desejava diversificar sua análise limite costuma estar dado pela existência
das instituições políticas modernas, incluin- de privilégios estamentais. Já a “dominação
do os temas da colegialidade (§15), da divi- burocrática pode ser limitada (e o deve ser,
são de poderes (§16 e 17), dos partidos polí- no caso do desenvolvimento pleno do tipo
ticos (§18), da democracia antiga (direta ou legal de modo que esta seja gerida apenas
dos honoráveis) e dos tipos de representa- através de leis), por meio de outros órgãos”
ção (§19 a 21). Esse bloco ainda não exis- (MWG I/23, III, §15, p. 542). Esses órgãos,
tia na versão antiga. O modo fragmentado que existem ao lado da hierarquia burocrá-
da disposição do material indica um esfor- tica, podem exercer o controle da aplica-
ço que não se consumou plenamente, e para ção dos estatutos, seu monopólio de criação
facilitar a exposição podemos aglutiná-los ou mesmo o monopólio da concessão dos
em dois grandes eixos: as formas colegiada meios de administração. Existe ainda uma
de administração e a representação. Ambas segunda situação, na qual “todo tipo de do-
serão examinadas, separadamente, a seguir. minação pode estar despojado de seu cará-
ter monocrático, vinculado a uma pessoa,
3.1. Administração colegiada e pelo princípio da colegialidade” (MWG I/23,
divisão dos poderes III, §15, p.543). É a este tema que Weber se
volta no §15. O raciocínio mostra que, em
Diz Weber que “o conjunto do quadro seu fundamento, Weber entendeu os con-
administrativo se compõe, no tipo mais pu- selhos antes como formas de limitação do
ro, de funcionários individuais (monocracia) poder monocrático e não tanto como uma
em oposição à “colegialidade”, da qual fala- forma de substituição do poder indireto pe-
rei ainda adiante” (MWG I/23, III, §4, p. 459, lo poder direto. Não obstante, a distinção
negrito meu). Trata-se de uma indicação “administração monocrática x administra-
muito clara de que existem duas variantes ção colegiada” não deixa de possuir um cla-
de administração burocrática em sua obra: ro sentido democrático, na medida em que
a versão “monocrática” e a versão “colegia- se mostra uma forma de desconcentração e
da”. Essas duas variantes de burocracia são pluralização das fontes decisórias.
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realçar o efetivo papel desses conselhos bém não é da opinião de que a colegialida-
como esferas decisivas na tomada de decisão de é sinônimo de eficiência, pois ela quase
política, capazes, portanto, de sobrepor-se sempre dificulta decisões precisas, inequí-
às decisões das instâncias administrativas vocas e rápidas. Em termos da disputa po-
e parlamentares de poder: resulta daí o uso lítica, os governantes sempre procuraram
do termo “cassação”. Ao mesmo tempo, de- enfraquecer a existência de colegiados, en-
ve-se notar que ele não entendia esses con- quanto seus opositores costumam ver ne-
selhos como instâncias localizadas no inte- les uma forma de combater o dirigente. Em
rior do aparelho do Estado, mas fora dele, contrapartida, Weber reconhece que “a co-
qual seja, como instâncias paralelas de po- legialidade garante maior ‘solidez’ na consi-
der. É por isso que Weber vai enfatizar que deração das administrações” (MWG I/23, III,
os conselhos revolucionários duraram “até a §15, p. 555), o que significa que ela opera
emancipação da administração regular desta como um mecanismo pelo qual as decisões
instância controladora” (MWG I/23, III, §15, são divididas e instauram formas de co-res-
p. 543). Com efeito, sabemos que Weber não ponsabilidade.
era otimista frente ao caráter carismático No sentido histórico, a colegialidade te-
dos conselhos revolucionários, pois enten- ve um efeito duplo. Por um lado, ela po-
dia que eles sucumbiriam frente ao poder da de ser considerada uma forma de “divisão
burocratização. Neste sentido, Weber pare- técnica de poderes para minimizar a domi-
cia pender para uma avaliação mais positiva nação”, e de outro lado, um mecanismo de
dos conselhos de tipo consultivo nos quais “formação colegial da vontade”, ou seja, de
ele enxergou uma “moderação da domina- produção de decisões majoritárias e consen-
ção no sentido da racionalização” (MWG suais. Este mecanismo pode ser considera-
I/23, III, §15, p. 543). do “o conceito moderno de colegialidade”
Este último ponto já nos conduz para (MWG I/23, III, §15, p.555-556). Partindo
o tema da avaliação da relevância política da modernidade, temos uma nova lista de
da colegialidade. De fato, é mister acompa- formas de colegialidade: 1) a colegialidade
nhar Weber na transição de sua caracteriza- de direção, 2) a colegialidade de autoridades
ção para sua avaliação dos efeitos que a li- executivas e 3) a colegialidade de autorida-
mitação do caráter monocrático da burocra- des consultivas.
cia possui sobre o processo decisório. Co- A burocracia monocrática e a burocra-
mo é comum, quando Weber avalia ques- cia colegiada não são apenas tipos opos-
tões políticas do ponto de vista sociológico, tos, mas também lógicas políticas em con-
ou seja, desprovida de referência a seus pró- flito. Qual o resultado dessa luta? Na avalia-
prios valores [Wertfrei], trata-se de ponde- ção de Weber, “o desenvolvimento moderno
rações essencialmente técnicas. Talvez por da dominação burocrática levou sempre ao
isso, o autor esclarece logo que “a colegia- enfraquecimento da colegialidade” (MWG
lidade não é em absoluto nada especifica- I/23, III, §15, p. 559). Os motivos que ele
mente “democrático”” (MWG I/23, III, §15, elenca para explicar esse fenômeno são co-
p.553). Esse mecanismo também pode ser- nhecidos: 1) prontidão das decisões, 2) uni-
vir aos ditames das camadas dominantes formidade da liderança, 3) responsabilidade
contra um poder monocrático que represen- inequívoca do indivíduo, 4) ações sem ini-
te o interesse dos dominados. Weber tam- bições em face do exterior e a manutenção
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que sociologia weberiana é especialmente Considerações finais: o lugar da democracia
atual quando se trata de pensar, para além na ordem burocrática moderna
do mero institucionalismo, a dinâmica so-
cial dos regimes democráticos. Esses dois blocos de temas analisados,
Não que nesta parte de seu escrito We- ou seja, a dominação legal-burocrática-mo-
ber não esteja tratando de instituições, pois nocrática (parágrafos 3 a 5), de um lado, e
é dos governos representativos que se tra- as questões da colegialidade e da represen-
ta. É claro que não vamos encontrar aqui tação (parágrafos 15 a 21), de outro, pare-
nenhuma grande inovação, pois a tipolo- cem, à primeira vista, não combinar. Como
gia weberiana que distingue entre represen- Weber imaginava integrar estes dois con-
tação apropriada, representação vinculada, juntos? De início poderíamos supor que a
representação livre e a representação de in- primeira variante é um tipo puro, enquanto
teresses não é nenhuma revolução concei- esse segundo bloco seria um tipo misto ou
tual. No seu cerne, está a célebre distinção até mesmo um sub-tipo. Mas este não pare-
entre mandato imperativo e mandato repre- ce ser o caso, dada a diferença de conteúdo.
sentativo. De todo modo, as pistas abertas O que sabemos é que eles representam uma
pela representação apropriada e, principal- tentativa de diversificar a análise, incluindo
mente, pela representação de interesses, fi- no tipo moderno da dominação outras vari-
caram esquecidas. Este último conceito po- áveis dos sistemas políticos contemporâne-
deria iluminar muitos dos problemas da os. Esse dado tem uma importância histó-
chamada democracia participativa que, sob rico-exegética fundamental, pois demons-
certo aspecto, enquadra-se muito bem nes- tra que Weber não limitou sua tipificação
se tipo. Quanto à representação no seu todo, da estrutura política moderna ao monolítico
recorda Weber, ela não é nenhuma exclusi- tipo da dominação racional-legal-burocrá-
vidade ocidental, mas a representação “li- tica-monocrática. A realidade política con-
vre”, sim (MWG I/23, III, §21, p. 583), por- temporânea tem uma natureza complexa
tanto, pode assumir duas formas institucio- que podemos exprimir com a seguinte fór-
nais. A primeira é o chamado “governo par- mula: dominação racional-legal com admi-
lamentar de gabinete”, típico dos sistemas nistração burocrática-“colegiada” e repre-
parlamentaristas. A outra variante é o go- sentação “livre”. A formulação abaixo, su-
verno representativo plebiscitário, marca- gerida por Wolfgang Schluchter (1988, p.
do pela co-existência de uma “presidência 237), nos apresenta uma visão sintética dos
plebiscitária e um parlamento representati- esforços de Weber em pensar, na sua com-
vo”. Seu modelo mais acabado é o “siste- plexidade e diversidade, a ordem político-
ma representativo-plebiscitário americano” -institucional moderna:
(MWG I/23, III, §16, p. 565-583).
Fonte: autor
Para além do aspecto histórico, esta ti- plebiscitária do líder). No entanto, em seus
pologia tem uma repercussão fundamental estudos teórico-sistemáticos (em particular
também no modo como o tema da democra- na versão final de Economia e Sociedade),
cia está posto teoricamente na obra de We- a relação entre o complexo administrativo
ber. Embora haja quem lamente que sua te- e o complexo representativo (cuja diferen-
oria geral da política (centrada na domina- ça não deve ser simplesmente dissolvida) é
ção) e sua teoria particular da democracia pensada em chave institucional, ou seja, pa-
tenham sido desenvolvidas de forma para- ra além dos indivíduos, permitindo que ele
lela e até estanque, o esforço indica, por ou- contemple não só as formas democrático-
tro lado, que Weber estava em busca da in- -colegiadas de administração, mas também
tegração de ambos os temas em seu esque- o lugar da representação no quadro buro-
ma teórico. Dito de outra forma, ele esta- crático do Estado moderno racional. Nestes
va tentando acomodar o tema da democra- termos, está posta a possibilidade de pensar
cia no interior do tipo ideal da dominação os nexos intrínsecos entre a dimensão ad-
racional, seja em relação âmbito interno da ministrativa do Estado Moderno (com suas
burocracia (com a colegialidade e a divisão possibilidades de divisão vertical e horizon-
do poder), seja em relação ao âmbito exter- tal do poder) e sua dimensão democrático-
no da representação. -representativa, ou seja, burocracia e demo-
Portanto, a relação entre burocracia e cracia não aparecem aqui como temas es-
democracia, em Weber, não pode ser lida tanques.
apenas sob a chave da oposição, como vemos Há muitas lições a serem extraídas des-
na maior parte da literatura que discute o se esforço weberiano, mas, a título de sín-
tema (AVRITZER, 1995). Com efeito, se tese final, gostaria de acentuar o seguin-
partimos apenas dos escritos conjunturais de te aspecto. Ele nos permite libertar Max
Weber, toda a reflexão parece articulada em Weber da equívoca etiqueta do “elitismo
torno das múltiplas relações entre liderança democrático” com o qual costuma ser ro-
política e quadro administrativo. Por esse tulado pelos manuais de ciência política
ângulo, Weber estava em busca de um (HELD, 1987). Para além disso, a ciência
formato institucional capaz de restabelecer política nos permite também explorar Max
a precedência do primeiro elemento sobre Weber para além de outra visão restriti-
o segundo, levando-o a defender o reforço va vigente na literatura secundária: aque-
dos elementos carismáticos da moderna la que que enxerga, na visão weberiana da
democracia de massas (a democracia burocracia, um impedimento para a de-
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mocracia, em particular para sua versão MAYNTZ, R. Max Webers Idealtypus der Bürokra-
participativo-deliberativa. Apesar das su- tie und die Organisationssoziologie. Kölner Zeit-
as preferências normativas, no nível analí- schrift für Soziologie und Sozialpsychologie, n.
tico Max Weber sabia que a realidade con- 17, p. 493-502, 1965.
temporânea do Estado exige um tratamen- SCHLUCHTER, W. Rationalismus der Weltbe-
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to o lugar da burocracia na ordem demo- ismus: Eine Analyse von Max Webers Entwick-
crática. Nestes termos, importa frisar que lungsgeschichte des Okzidents. Frankfurt a.M:
a análise de Weber está muito longe de ser Suhrkamp, 1988.
apenas uma sociologia das organizações ou
TREIBER, H. Moderner Staat und moderne Büro-
uma sociologia da administração pública kratie bei Max Weber. Max Webers Staatssozio-
(MAYNZT, 1965 e DERLIEN, 1994), até por- logie. Baden-Baden 2007, p.121-15.
que Estado não é simplesmente sinônimo de
WATERS, M. Collegiality, Bureaucratization and
burocracia. Em Weber, o que temos, na ver-
Professionalization: A Weberian Analysis. Ameri-
dade, é uma sociologia do Estado em senti-
can Journal of Sociology, v. 94, n. 5, p. 945-972,
do amplo, ou seja, do formato jurídico-ins-
1989 .
titucional da ordem política atual (ANTER,
2014). Nesta sociologia há um lugar ana- ______. Alternative Organizational Formations: A
Neoweberian Typology of Policratic Administra-
lítico tanto para legalidade (Estado legal)
tion. The Sociological Review, v. 41, n. 1, p. 54-
quanto para a burocracia (Estado burocrá-
81, 1993.
tico), mas também para a democracia (Esta-
do representativo). Em fórmula sintética va- WEBER, M. (MWG I/17). Wissenschaft als Beruf
leria dizer: trata-se de uma ampla e comple- 1917/1919 / Politik als Beruf 1919. Wolfgang J.
ta sociologia do Estado Democrático (Admi- Mommsen, Wolfgang Schluchter e Birgitt Morgen-
brod (Orgs.). Tübingen: Mohr Siebeck, 1992.
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AVRITZER, L. A moralidade da democracia: en- e Petra Kolonko (Orgs.). Tübingen: Mohr Siebeck,
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BREUER, S. Legitime Herrschaft. Max Webers schaft. Herrschaft. Edith Hanke e Thomas Kroll
tragische Soziologie: Aspekte und Perspektiven. (Orgs.). Tübingen: Mohr Siebeck, 2005.
Tübingen: Mohr Siebeck, 2006. WEBER, M. (MWGI/23). Wirtschaft und Gesell-
HANKE, E. Max Webers Herrschaftssoziologie: schaft. Soziologie. Unvollendet. 1919–1920. Knut
Studien zu Entstehung und Wirkung.Tübingen: Borchardt, Edith Hanke e Wolfgang Schluchter
Mohr Siebeck, 2001. (Orgs.). Tübingen: Mohr Siebeck, 2013.
24 Rev. Pós Ciênc. Soc., São Luís, v.18, n.1, 9-24, jan/abr, 2021