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Modelagem de Equações estruturais na área da saúde

Structural equation modeling in health research

Fernanda Salloume Sampaio Bonafé1, Andréa Corrêa Carrascosa2, João Maroco3,


Juliana Alvares Duarte Bonini Campos4
Resumo
A modelagem de equações estruturais (AEE) tem sido cada vez mais
empregada no desenvolvimento de pesquisas devido algumas vantagens que esta técnica
apresenta como a capacidade de avaliar modelos teóricos estabelecidos à priori, podendo
apresentar alta complexidade, incorporar múltiplas variáveis latentes e/ou manifestas,
computar o erro de medida e as relações entre as variáveis independentes. Estudos de
validação de instrumentos de medida, de estimação do escore global e de confirmação de
modelos preditivos são de grande importância para a área da saúde. Assim, realizou-se este
estudo com intuito de apresentar essas três aplicações da AEE. A validade do
Geriatric/General Oral Health Assessment Index (GOHAI) foi testada por meio da análise
fatorial confirmatória e a confiabilidade por meio do Coeficiente alfa de Cronbach
padronizado. O escore global do GOHAI foi estimado utilizando a matriz de pesos de
regressão. A significância das trajetórias do modelo preditivo elaborado foi atestada pelo
teste z. O GOHAI foi válido e confiável para os dados da amostra. O modelo preditivo
apresentou contribuição significativa das variáveis independentes. A utilização de modelagem
de equações estruturais em estudos da área da saúde pode contribuir de maneira significativa
para aquisição de dados de maior qualidade (validade/confiabilidade) e para confecção de
modelos preditivos múltiplos que preservem a natureza das variáveis de estudo
(latente/manifesta) e a sustentação teórica subjacente.
Palavras-chave: Modelagem de Equações Estruturais, Saúde, Escalas

Abstract
Structural equation modeling (SEM) has been employed in the health research. This
study presented three applications of SEM: validation of measuring instruments, overall score
estimation and confirmation of predictive models. The use of SEM can contribute to
improving the quality of data and preserve the nature of the variables (latente/manifest).

1
Faculdade de Odontologia de Araraquara, Universidade Estadual Paulista – UNESP, fernandassbnaf@foar.unesp.br
2
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara-UNESP, acarrascosa@uniara.com.br
3
ISPA –IU, Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, Lisboa, Portugal,
jpmaroco@ispa.pt
4
Faculdade de Odontologia e de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, Universidade Estadual Paulista-UNESP,
jucampos@foar.unesp.br
Key-words: Structural equation modeling, Health, Scales

Introdução
A utilização da modelagem de equações estruturais (AEE) na área da saúde tem
ganhado espaço nos últimos anos. Apesar desta técnica não ser recente, a mesma tem-se
popularizado devido à maior divulgação de suas aplicações em diferentes áreas do
conhecimento e ao desenvolvimento de programas computacionais com interface mais
simples.
Entre as vantagens desse tipo de análise, em relação à estatística clássica, MAROCO
(2014) ressalta que a mesma é capaz de avaliar modelos teóricos estabelecidos à priori,
podendo apresentar alta complexidade, incorporar múltiplas variáveis latentes e/ou
manifestas, além de ser capaz contabilizar o erro de medida e as relações entre as variáveis
independentes.
Na área da saúde, essa modelagem tem sido empregada tanto em estudos
observacionais quanto experimentais com aplicações que variam desde a validação de
instrumentos de medida até a elaboração de modelos preditivos complexos.
Na literatura, diversos estudos também empregam e recomendam a AEE para
diferentes finalidades como validação de escalas psicométricas (DA SILVA et al, 2014),
elaboração de escores globais de conceitos relacionados à saúde (ZUCOLOTO et al, 2014),
estimativa de modelos preditivos e avaliação de efeitos hierárquicos (mediação, moderação...)
(GIUFFRIDA et al, 2005).
A grande utilização de escalas psicométricas como instrumento de medida tanto em
estudos observacionais quanto experimentais em diferentes áreas da saúde (Medicina,
Odontologia, Fisioterapia, Psicologia etc) torna necessária a realização de estudos de
validação dos instrumentos quando aplicados à diferentes amostras/contextos, uma vez que,
essa é condição fundamental para avaliação da qualidade dos dados obtidos. Cabe lembrar
que a validade e a confiabilidade não é uma propriedade do instrumento em si, mas apenas
dos dados recolhidos com um determinado instrumento quando este é aplicado a uma amostra
e portanto, essas devem ser cuidadosamente avaliadas antes da utilização de qualquer escala
psicométrica (CAMPOS et al, 2013).
Outro aspecto a ser considerado é que, se uma escala pode se comportar de maneira
distinta em diferentes amostras/contextos, o estabelecimento de pontos de corte fixos (ou
cômputo de um escore global fixo) pode não ser adequado para avaliação do conceito medido
devido: i) a estrutura fatorial pode ser variável entre as amostras ii) geralmente, escores fixos
considerarem que todos os itens apresentam o mesmo peso para formação do conceito
avaliado e para diferentes amostras o que não é realístico.
Assim, realizou-se este estudo com intuito de apresentar algumas possibilidades de
utilização da análise de equações estruturais na área da saúde. Foram selecionadas três
aplicações: validação de instrumentos de medida, estimação do escore global e confecção de
modelos preditivos. Essa escolha foi realizada devido à importância que essas apresentam
para a área.
Material e Métodos
Serão apresentados alguns exemplos de utilização da modelagem de equações
estruturais como técnica de análise de dados para trabalhos epidemiológicos abordando: i)
validação de instrumento de medida; ii) estimação de escore global; iii) confecção de modelos
preditivos.
i) Validação de instrumento de medida
Modelos teóricos estabelecidos a priori – estratégia confirmatória
Validade fatorial: análise fatorial confirmatória
i.1) Sensibilidade Psicométrica: Indicada por Assimetria (SK<3), Curtose (Ku<7);
i.2) Métodos de Estimação: Máxima Verossimilhança, Mínimos quadrados não-ponderados,
Mínimos quadrados generalizados, Mínimos quadrados ponderados
i.3) Peso fatorial: ≥0,40
i.4)Índices de Modificação: Método dos Multiplicadores de Lagrange (LM)
i.5) Índices de avaliação da qualidade do ajustamento: Absolutos (2/gl≤2,0; GFI≥0,90),
Relativos (CFI e TLI≥0,90), Parcimônia (PGFI; PNFI e PCFI≥0,60), Discrepância
populacional (RMSEA≤0,10), Baseados na Teoria da informação (AIC, BIC, BCC)
(MAROCO, 2014; KLINE, 1998)
Validade convergente:
i.6) Variância Extraída Média (VEM≥0,50) (FORNELL & LARCKER, 1981; HAIR, 2005)
Consistência Interna:
i.7) Coeficiente alfa de Cronbach padronizado (≥0,70) (MAROCO & GARCIA-
MARQUES, 2006)

Exemplo 1: Validação do Geriatric/General Oral Health Assessment Index (GOHAI)


(ATCHINSON & DOLAN, 1990; PINTO, 2000; CAMPOS et al, 2014)
- 12 itens, proposta unifatorial: construto – Percepção de Saúde Bucal
- escala de resposta: Tipo Likert de 5 pontos (1=sempre, 5=nunca)
- três itens formulados em direção inversa aos demais
ii) Estimação de Escore Global
Após obtenção de um instrumento com propriedades métricas adequadas (Exemplo 1)
estimou-se o escore global do construto que se pretende medir utilizando a matriz de pesos de
regressão.
iii) Confecção de Modelos Preditivos
iii 1) Elaboração de modelo causal (teoria estabelecida a priori)
iii.2) Qualidade do ajustamento do modelo aos dados utilizando os índices acima descritos
iii 3) Significância das trajetórias causais (β) – teste z, p<0.05
Exemplo 2: Confecção do modelo preditivo: variável dependente=percepção de saúde bucal,
variáveis independentes=severidade de DTM, utilização de medicamento, incapacidade
funcional e dificuldade de alimentação.
Resultados e Discussões
Para apresentação dos exemplos de aplicação da modelagem de equações estruturais
foi utilizado um banco de dados5 cujas características do estudo estão apresentadas
resumidamente a seguir:
Desenho de estudo: Observacional do tipo transversal
Delineamento amostral: probabilístico estratificado segundo setor censitário
Amostra: 701 mulheres, 44,4 (DP=16,3) anos de idade, população normativa, moradoras do
município de Araraquara – SP.
i) Validação de instrumento de medida
O método de estimação do modelo utilizado foi o da Máxima Verossimilhança. Todos
os itens apresentaram sensibilidade psicométrica adequada. O ajustamento do modelo original
do GOHAI foi inadequado (Figura 1A). Assim, os itens 5 e 9 foram removidos da estrutura
por apresentarem baixo peso fatorial. A correlação entre os erros dos itens 1 e 2 foi inserida
por indicação dos índices de modificação (LM=73,03;p<0,001). O modelo refinado (Figura
1B), quando comparado com o modelo original, apresentou-se mais parcimonioso e com
melhor ajustamento à amostra. A validade convergente esteve comprometida (VEM=0,405) e
a consistência interna foi adequada (=0,865).

5
A caracterização completa da amostra de estudo pode ser observada em CAMPOS et al (2014).
Figura 1. Estrutura unifatorial do Geriatric/General Oral Health Assessment Index (A:
completo, B: refinado). Araraquara, 2012.
ii) Estimação de Escore Global
O escore global da escala para cada indivíduo pode ser obtido substituindo o valor da
resposta dada a cada um dos itens (de 1 a 5) dispostos na Equação 1.
Escore _ Global  0,068GO1  0,068GO2  0,055GO3  0,117GO4  0,131GO6  (1)
 0,067GO7  0,056GO8  0,053GO10  0,158GO11  0,036GO12

iii) Confecção de Modelos Preditivos

Figura 3. Contribuição das variáveis severidade de DTM, utilização de medicamento,


incapacidade funcional e dificuldade de alimentação na percepção de saúde bucal de
indivíduos adultos (2/gl=3,478; GFI=0,908; CFI=0,935; TLI=0,925; PNFI=0,792;
RMSEA=0,059). Araraquara, 2012.
O modelo proposto apresentou adequado ajustamento. A variância explicada pelo
modelo foi de 81% sendo a contribuição de todas as variáveis independentes significativas
(p<0,05). De entre as variáveis estudadas, a Incapacidade Funcional é a que apresentou
melhor poder preditivo negativo (=-0.65; p<0.001) na percepção da saúde bucal.

Conclusões
A utilização de modelagem de equações estruturais em estudos da área da saúde pode
contribuir de maneira significativa para aquisição de dados de maior qualidade
(validade/confiabilidade) e para confecção de modelos preditivos múltiplos que preservem a
natureza das variáveis de estudo (latente/manifesta) e a sustentação teórica subjacente.
Bibliografia
ATCHINSON, K. A.; DOLAN, T. A. Development of the Geriatric Oral Health Assessment
Index. Journal of Dental education, v.54,p.680-687, 1990.
CAMPOS, J. A. D. B.; BONAFÉ, F. S. S.; DOVIGO, L. N.; MAROCO, J. Avaliação
psicométrica da Escala de Atitudes em relação à Estatística. Revista Brasileira de
Biometria, v.31 p.327-337, 2013.
CAMPOS, J. A. D. B; CARRASCOSA, A. C.; ZUCOLOTO, M. L.; MAROCO, J. Validation
of a measuring instrument for the perception of oral health in women. Brazilian Oral
Research, v.28, p.1-7, 2014.
DA SILVA, W. R; DIAS, J. C. R.; MAROCO, J.; CAMPOS, J. A. D. B. Confirmatory factor
analysis of different versions of the Body Shape Questionnaire applied to Brazilian university
students. Body Image, v.11, p.384-390, 2014.
FORNELL, C.; LARCKER, D. F. Evaluating structural equation models with unobservable
variables and measurement error. Journal of Marketing Research,v. 18, p. 39-50, 1981.
GIUFFRIDA, A.; IUNES, R. F.; SAVEDOFF, W. D. Health and Poverty in Brazil:
Estimation by Structural Equation Model with Latent Variables. 2005. Disponível em:
http://publications.iadb.org/handle/11319/5334
HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Multivariate
data analysis. 6th ed. Prentice Hall, 2005.
Kline, R. B. Principles and practice of structural equation modeling. New York: The Guilford
Press, 1998.
MAROCO, J. Análise de Equações Estruturais: Fundamentos teóricos, software & aplicações.
2 ed. Pero Pinheiro: ReportNumber, 2014.
MAROCO, J.; Garcia-Marques, T. Qual a fiabilidade do alfa de Cronbach? Questões antigas
e soluções modernas?. Laboratório de Psicologia, v.4, p.65-90, 2006.
PINTO, V. G. Saúde Bucal Coletiva. 4 ed. São Paulo: Santos Livraria, 2000.
ZUCOLOTO, M. L.; MAROCO, J.; CAMPOS, J. A. D. B. Psychometric Properties of the
Oral Health Impact Profile and New Methodological Approach. Journal of dental Research,
v.93, p.645-650, 2014.

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