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APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO

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PARTE IV

FÍSICA DO SOLO

Baseado em Reichardt, 1985 ψP é componente de pressão, que aparece toda vez que
a pressão que atua sobre a água do solo é
1. A ÁGUA EM EQUILÍBRIO NO SOLO maior que a pressão P0, que atua sobre a
água padrão (na superfície=0);
1.1 Potencial total da água no solo ψg é componente gravitacional, que aparece devido à
presença do campo gravitacional terrestre;
O potencial da água no solo (ψ) representa a diferença ψos é componente osmótica, que aparece pelo fato da
da energia livre de Gibbs, G, entre o estado de água no solo e um água no solo ser uma solução de sais
estado padrão. A fim de determinar esta diferença, uma unidade de minerais e outros solutos e a água padrão ser
massa (ou volume ou peso) de água deveria ser levada do estado pura;
padrão para o solo, e como G (ou ψ) é uma função de ponto, ψm é componente matricial, que é a soma de todos as
dependendo apenas do estado inicial e final, qualquer processo outras energias que envolvem a interacção
pode ser utilizado. Se escolhermos uma transformação isotérmica entre a matriz sólida do solo e a água; tais
e isobárica, a energia livre de Gibbs representa todos os trabalhos como as relacionadas com forças capilares,
que não o mecânico contra a pressão externa. Podemos então de adsorção e eléctricas.
definir o potencial da água no solo da seguinte forma: a somatória
dos trabalhos realizados quando a unidade de massa (ou volume Vejamos agora, separadamente, cada componente com
ou peso) de água em estado padrão é levada isotérmica, isobárica um pouco mais de detalhe.
e reversivelmente para o estado considerado no solo. O estado
padrão (ponto zero) normalmente escolhido é uma superfície de
água livre. 1.2 Componente de pressão

O potencial pode ser expressa de várias maneiras: ψ = ψP + ψg + ψos + ψm


(1) em unidades de energia por unidade de massa (J.kg-1);
(2) como energia por unidade de volume (J.m-3). A energia A componente de pressão, ψP, aparece apenas quando a
por volume expressa uma pressão: pressão que actua sobre a água é maior que a pressão atmosférica
J.m-3 ≡ Nm.m-3 ≡ N.m-2 ≡ Pa; P0 do padrão. Seu cálculo é feito como indicado abaixo:
(3) como energia por unidade de peso (J.N-1). Esta forma
possui dimensões de comprimento (carga hidráulica), ψP = ∫ VdP
pois da mesma forma como energia pode ser expressa Seja, por exemplo, a barragem indicada na Figura IV.1, na
como uma pressão, esta pode ser expressa em termos qual se deseja determinar o potencial de pressão no ponto A.
de coluna (altura) de líquido: J.N-1≡Nm.N-1. Por exemplo: Nestas condições, como a água é incompressível, o elemento de
uma pressão de 1 atm corresponde a uma coluna de volume de água em torno de A, igual a V, é constante e:
1033 cm de água ou uma de 76 cm de mercúrio.
(4) uma outra maneira bastante conveniente de expressar o ψP[A] = ∫ VdP = V ∫ dP = V[P]# = V[PA - P0]
potencial da água no solo é pelo pF. O pF é definido
como o logaritmo decimal do inverso da carga de e como a pressão P0 do padrão é tomada como nula (P0=0), pois é
pressão matricial, expressa em cm: pF = 10log(-h), com h a referência:
em cm (em analogia com pH para indicar grau de
acidez) veja apontamentos das aulas práticas para uma ψP[A] = VPA
tabela de conversão.
Para o caso de potencial medido em energia por unidade
O potencial de água no solo define, então seu estado de de volume, precisamos dividir ψP por V e resulta apenas PA. Da
energia no ponto considerado. A tendência espontânea da água no hidrostática sabemos que PA = ρ.g.hA; portanto: ψP[A] = ρ.g.hA.
solo é assumir estados de menor potencial. Conhecendo os
potenciais da água em diferentes pontos do solo, podemos então Como já discutimos, PA pode ser medido de três formas
determinar sua tendência de movimento. O potencial da água no diferentes: energia por volume (ρ.g.hA), energia por massa (g.hA) e
solo é composto de uma série de componentes: energia por peso (ou carga hidráulica) (hA). Assim, se hA = 5 m,
teremos:
ψ = ψp + ψg + ψos + ψm (2)
-3 1
ψP(A) = 1000 kg.m x 9,8 N.kg x 5 m
4 -2
onde: = 4.9.10 N.m = 49 kPa
ψ é potencial total da água do solo;
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ou energia/massa: ψg = g.z
-1 -1 -1
ψP(A) = 9.8 N.kg x 5 m = 49 Nm.kg = 49 J.kg
energia/peso: ψg = z
ou
ψP(A) = 5 m; ou 500 cm de H2O No exemplo da barragem, considerando z = 0 na superfície
livre da água, temos em A: z = -hA; em B: z = hB e em C: z = -hC.
Como o ponto B está na superfície do solo, submetido à
pressão atmosférica, P0, seu potencial de pressão é nulo: ψg(A) = -ρghA , ou -ghA , ou -hA
ψg(B) = +ρghB , ou +ghB , ou +hB

Figura IV.1 Esquema de uma barragem

ψP(B) = 0 ψg(C) = -ρghC , ou -ghC , ou -hC


O ponto C se encontra dentro do solo saturado e, como a ψg(D) = 0
pressão hidrostática da água se transmite através dos poros do
solo, a pressão em C é dada por P0 = ρ.g.hc. Assim: Nota-se que utilizando a unidade carga hidráulica, ψg fica
igual a h, isto é, a própria coordenada vertical z. Devido a isto, em
ψP(C) = ρ.g.hc; ou g.hc; ou hc (6) z .
muitos trabalhos científicos indica-se ψg simplesmente por

O potencial de pressão é só considerado para pressões Nota-se que z é medido a partir de um referencial de
positivas, isto é, acima da pressão atmosférica. Para pressões posição, considerando-se o sentido de baixo para cima como
negativas (tensões, sucções), isto é sub-atmosféricas, considera- negativo e o sentido de cima para baixo como positivo. Tanto estes
se a componente matricial ψm que mede tensões capilares etc. Por sentidos, como o referencial de posição são estritamente
isso, a componente de pressão é relevante apenas para solos arbitrários. No entanto, valores de ψg sempre diminuem (ficam
saturados com água. menos positivos ou mais negativos) de cima para baixo.

1.3 Componente gravitacional Pelo fato do campo gravitacional estar sempre presente, o
potencial gravitacional sempre existe. Sua importância em
ψ = ψP + ψg + ψos + ψm comparação com as outras componentes do potencial total
depende da situação. Em termos gerais, podemos dizer que em
A componente gravitacional ψg está sempre presente. solos saturados ou próximos à saturação, a componente
Também pode ser medida em energia por unidade de volume, gravitacional é de maior importância, e ela tem um peso
energia/massa ou energia/peso. Ela é a própria energia potencial significante no potencial total. Quando um solo perde água,
do campo gravitacional, igual a m.g.h, sendo h medido a partir de gradualmente a componente matricial passa a ter maior
um referencial arbitrário. importância que a gravitacional. Porém, é importante frisar
Sendo m = ρ.V teremos: novamente que a componente gravitacional está sempre presente.
energia/volume: ψg = ρ.g.z (7)
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1.4 Componente osmótica seca fisiológica das plantas (Vide Parte III, Capítulo 5.1.3).
A componente osmótica não é importante no que se refere
ψ = ψP + ψg + ψos + ψm ao movimento de água, a não ser que haja alguma membrana
semi-permeável no sistema. Quando existem diferenças de
Ainda porque a água do solo é uma solução de sais minerais concentrações salinas sem que hajam estas membranas, os sais
e substâncias orgânicas, ela possui componente osmótica ψos, que movimentam-se livremente e o equilíbrio é logo atingido.
contribui para seu potencial total ψ. Como no solo existe variação
da concentração de sais de ponto para ponto, existem também
diferenças na componente osmótica do potencial total. O potencial 1.5 Componente matricial
osmótico é definido por:
ψ = ψP + ψg + ψos + ψm
dψos = µdn (10)
A componente matricial, devido à sua complexidade, não
sendo dn a variação de moles de solutos e µ a variação do pode ser calculada facilmente como fizemos para psig, psiP, e
potencial químico da água devido à variação do número de moles mesmo psios. Na maioria dos casos ela deve ser medida
de solutos. experimentalmente. Isto pode ser feito com instrumentos de
pressão ou sucção, ou, no campo, com tensiómetros.
No solo este potencial é de difícil determinação, existindo
porém instrumentos especiais para a sua medição. A equação O potencial matricial da água do solo foi frequentemente
acima, devidamente integrada entre os limites ψos = 0 (água pura: denominado de potencial capilar, potencial de tensão, sucção ou
padrão) e ψos e ainda utilizando a equação de Raul para soluções pressão negativa. Este potencial é resultado de forças capilares e
ideais, resulta na equação de Van 't Hoff (medida em termos de de adsorção, que surgem devido à interacção entre a água e as
energia por volume (pressão): partículas sólidas do solo. Estas forças atraem e "fixam" a água no
solo, diminuindo sua energia potencial com relação à água livre. Os
ψos = Pos = RTC fenómenos capilares resultam da tensão superficial da(11)
água e das
forças de adesão, indicadas pelo ângulo de contacto entre a
em que superfície da água e as partículas sólidas.

Pos é a pressão (ou sucção) osmótica (kPa≡.001*N.m-2); Quando um tubo capilar é imerso em uma superfície de um
R, a constante dos gases ideais (=8.314 J.K-1.mol-1); líquido (Figura IV.2), este formará um menisco resultante do
T, a temperatura absoluta (K) ângulo de contacto (α) entre as paredes do tubo e o líquido. O valor
C, a concentração de ions na solução (mol.l-1); de α depende das forças de adesão entre as moléculas do líquido,
do sólido e o gás (sobre o líquido). Se as forças entre o líquido e o
Verifique as unidades!! sólido forem maiores do que as forças coesivas dentro do líquido e
maiores que as forças adesivas entre o gás e o sólido, α tende a
então, para T=298K (25oC) e C=0.1 mol/l: Pos =247.8 kPa = 2.4 ser agudo, e diz-se que o sólido atraiu o líquido (p.e. vidro com
atm água). Caso contrário, α>90o, diz-se que o líquido é repelido pelo
sólido (p.e. vidro com mercúrio).
Para soluções não ideais onde há parcialmente dissociação
de moléculas em ions, a relação é mais íngreme. Para solos vale Sem entrar em detalhes da teoria da capilaridade, limitamos
aproximadamente: nos em constatar que no primeiro caso a pressão P1,
imediatamente sob o menisco é menor que a pressão atmosférica
ψos = Pos = 37 x CE ≈ 3.7 x C P0; e no segundo P1 é maior que P0. (11)
A diferença de pressão P (Pa) entre a água sob o menisco (P1) e a
em que CE é a condutividade eléctrica e C a concentração (em atmosfera (P0), é dada pela equação:
meq.l-1) de sais; então para C=100 meq.l-1 (corresponde com
CE=10 mS.cm-1: salino), Pos = 370 kPa = 3.6 atm. P = P1 - P0 = -(2σ cos(α))/r
onde,
Na maioria dos solos não salinos, a componente osmótica é σ é a tensão superficial do líquido (N.m-1);
desprezível; principalmente quando a humidade do solo não é α é o ângulo de contacto líquido-sólido-gás;
muito baixa. Concentrações típicas para estes solos são C = 10-4 a r é o raio do capilar (m);
10-3M, o que implica em valores desprezíveis de ψos (verifique).
Devido a esta diferença de pressão, o líquido sobe no tubo
A componente osmótica torna-se importante no potencial capilar no primeiro caso (vidro e água), e no segundo o líquido é
total da água quando a concentração salina é significante, o que repelido do capilar (vidro com mercúrio), de tal maneira que no
acontece quando o teor de água no solo é baixo e quando existe caso de equilíbrio a pressão gravitacional relacionada com a altura
acúmulo de sais, como pode ser o caso nas proximidades de da coluna de água h, compensa a diferença de pressão.
fertilizantes aplicados ao solo e em solos salinos. Em solos
fortemente salinos o potencial osmótico pode mesmo causar a Da hidrostática sabemos que P = ρ.g.h e, por isso, é fácil
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verificar que no tubo capilar de vidro a altura da água/mercúrio é se o equilíbrio. Considerando o solo como constituído de

Figura IV.2 Capilar imerso em água e em mercúrio

capilares regulares, quais os poros dos quais a água será


dada por: retirada, e quais os poros que continuam com água?
(T = 30oC; α=5o; ρ=1.0 g.cm-3).
h = -(2σ cos(α))/ρ.g.r (13)
Solução: A partir da Equação (12) verifica-se que capilares de raio
Onde ρ é a densidade do líquido e g a aceleração da maior que r podem ser esvaziados se aplicarmos sobre a água dos
gravidade. Nota-se que o sentido de cima para baixo foi capilares uma pressão P para compensar a pressão capilar
(arbitrariamente) escolhido como positivo. negativa -P. Assim:

-3 o 3
Exemplo r = (2σ cos(α))/P = 2 x 71.1 10 x cos(5 ) / 30 10
-6
Questão: Um capilar de raio 0.1 mm é inserido em uma = 4.67 10 m
superfície plana de água. A temperatura é de 30oC, e o ângulo
de contacto com o material do tubo capilar é de 5o. Qual a e podemos dizer que poros de raio maiores que 4.67 µm foram
altura atingida pela água dentro do tubo. esvaziados enquanto poros de raio menor permanecem com água.

Solução: Segundo a Tabela IV-1, a 30oC a água tem uma Assim, como a água sob uma superfície plana tem um
densidade, ρ=995.68 kg.m-3; e uma tensão superficial, σ=71.1 10- potencial de pressão positivo (+h.ρ.g; ponto A na Figura IV-2), na
3
N.m-1. Então teremos: superfície tem potencial de pressão nulo (ponto B) e dentro de um
capilar tem potencial de pressão negativo (-h.ρ.g; ponto C), no solo
-3 o 3
h = 2 x 71.1 10 x cos(5 ) / (995.68 x 9.81 x 0.1 10 ) ela também pode estar sob pressões positivas, nulas ou negativas,
= 0.144 m = 14.4 cm sendo seu potencial respectivamente positivo, nulo ou negativo.
Para solos não saturados, devido à presença de superfícies de
adsorção (interfaces sólido-líquido) e meniscos (interfaces líquido-
O solo é um emaranhado de capilares de diferentes formas, gás), a pressão é negativa, conferindo-lhe potencial matricial
diâmetro e arranjo. Quando a água se aloja nestes espaços negativo. Daí sua frequente designação de 'tensão da água no
capilares, formam-se meniscos de todos os tipos. Cada material solo".
sólido tem seu próprio ângulo de contacto, etc. Vê se portanto que
é difícil aplicar fórmulas com a Equação (12) para o solo. De maneira geral podemos dizer que o potencial matricial é o
Considerando valores médios ("efectivos") de poros algo pode ser resultado do efeito combinado de dois mecanismos: capilaridade e
feito. adsorção, que não podem ser facilmente separados. A água em
meniscos capilares está em equilíbrio com a água de 'filmes' de
Exemplo adsorção, e a modificação do estado de um deles implica na
Questão: Toma-se um torrão de solo, saturado de água e modificação do outro. Desta forma, o termo mais antigo 'potencial
aplica-se sobre ela uma pressão de 0.3 atm (30 kPa), e espera- capilar' é inadequado, e um termo melhor é 'potencial matricial',
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pois ele se refere ao efeito total resultante das interacções entre a do sistema não varia com o tempo, a curva característica é única e
água e a matriz sólida do solo. não precisa ser determinada em cada experimento. Como pode ser
verificado na Figura IV-3, a humidade de saturação, θs de um solo
argiloso é maior do que a de um solo arenoso. Para o solo
Tabela IV-1 Propriedades físicas da água
Tensão Viscosidade
Calor latente de
Temperatura ( C) o Densidade Calor específico superficial (kg.sec-1.m-1)
vaporização
(kg.m-3) (J/kg) *103 (N/m) *10-3 *10-3
(J.kg-1) *106

-10 997.94 4.269 2.524 - -

-5 999.18 4.227 2.511 - -

0 999.87 4.215 2.919 75.6 1.787

4 1000.00 4.206 2.491 75.0 1.567

5 999.99 4.202 2.488 74.8 1.519

10 999.73 4.190 2.477 74.2 1.307

15 999.13 4.186 2.465 73.2 1.139

20 998.23 4.181 2.453 72.7 1.002

25 997.08 4.177 2.441 71.9 0.890

30 995.68 4.177 2.429 71.1 0.798

40 992.25 4.177 2.405 69.5 0.653

50 988.07 4.181 2.382 67.9 0.547

Em solos arenosos, com poros e partículas relativamente compactado, θss é menor também, porque a compactação diminui
grandes, a adsorção electro-química é pouco importante, ao passo a porosidade, que é igual θs. Em um solo saturado, em equilíbrio
que fenómenos capilares predominam na determinação do com água pura, o potencial matricial é nulo. Aplicando-se uma
potencial matricial. Para texturas finas, dá-se o contrário. Variações pequena sucção à água do solo saturado, não ocorrerá nenhuma
no potencial também se dão para um mesmo solo, com diferentes saída de água até o momento em que a sucção atinge um
teores de humidade. Quando relativamente húmido, forças determinado valor para esvaziar o poro de maior diâmetro. Esta
capilares são de maior importância, e a medida que a humidade sucção ou tensão crítica é denominada de 'valor de entrada de ar'
diminui, as forças adsortivas vão tomando seu lugar. (Ing: air entry value). Para solos de textura grossa, este valor é
pequeno, e para solos de textura fina pode ser considerável.
Aumentando-se mais a tensão, mais água é retirada dos poros que
1.6 Curva característica da humidade não conseguem reter água contra a tensão aplicada.

Para cada amostra de solo homogéneo o potencial matricial, Relembrando a equação da capilaridade, podemos
ψm, tem um valor característico para cada teor de humidade, θ, e imediatamente prever que um aumento gradual da tensão resultará
vice versa. O gráfico de θ em função de ψm é então uma em um esvaziamento de poros progressivamente menores, até que
característica da amostra, e é comumente denominada de "curva a tensões muito altas, somente poros muito pequenos conseguem
característica da humidade do solo", ou, simplesmente, "curva de reter água.
retenção de água". A altos teores de humidade, nos quais
fenómenos capilares são de importância na determinação da A curva de θ versus ψm é determinada experimentalmente.
relação ψm-θ, a curva característica depende da geometria da Como já vimos nas aulas práticas, esta determinação não requer
amostra, isto é, do arranjo e das dimensões dos poros. Para baixos aparelhagem muito sofisticado, mas deve ser efectuada muito
teores de humidade, o potencial matricial praticamente independe cuidadosamente e é demorada. Até o momento nenhuma teoria
de factores geométricos, sendo os factores mais importantes a satisfatória existe para a previsão da curva característica da
superfície específica e as características das superfícies de humidade. No entanto existem na literatura vários trabalhos que
adsorção (mineralogia da argila). Na Figura IV.3 são apresentadas apresentam equações empíricas que possibilitam descrever a
algumas curvas de retenção para diferentes amostras. maioria das curvas, e cujos parâmetros podem ser correlacionados
com outras características do solo mais facilmente determináveis
Conhecendo a curva característica de um solo, pode-se (p.e. granulometria, porosidade total, %
estimar θ conhecendo-se ψm ou vice-versa. Desde que a geometria
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de matéria orgânica). Estas correlações nunca têm validade


universal, e devem ser estabelecidas regionalmente e/ou para cada
tipo de solos.

│ │
0.5├─ 0.5├─
│ │
│ │
0.4├─ 0.4├─
│ │
θ │ θ │
0.3├─ B 0.3├─
│ │
│ │ D
0.2├─ 0.2├─
│ A │ C
│ │
0.1├─ 0.1├─
│ │
│ │
└────┴────┴────┴────┴────┘ └────┴────┴────┴────┴────┘
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
log (-ψ,cm)=pF log (-ψ,cm)=pF
Figura IV.3 Curvas características da humidade do solo.
(A) solo arenoso; (B) solo argiloso;
(C) solo franco não compactado; (D) solo franco compactado

Cada método fornece uma curva contínua, mas as duas em geral


1.7 Histerese são diferentes. Este fenómeno é denominado histerese. A
humidade do solo θ na condição de equilíbrio a uma dada tensão,
A relação ψm x θ geralmente não é unívoca. Esta relação é maior na curva de "secamento" do que na curva de "molha-
pode ser obtida de duas maneiras distintas: a) por "secamento", mento". Na Figura IV-4 é apresentado o fenómeno de histerese.
tomando-se uma amostra de solo inicialmente saturada por água e Como se pode verificar, θs é o mesmo pois, sendo o mesmo solo,
aplicando-se gradualmente tensões maiores, fazendo medidas quando saturado deve sempre ter o mesmo teor de humidade. As
sucessivas de θ (como é feito nas aulas práticas); e b) por curvas também se aproximam a tensões elevadas. Se uma curva
"molhamento", tomando-se uma amostra de solo inicialmente seca de retenção é obtida por molhamento a partir de um solo seco e,
ao ar e permitindo-se seu molhamento gradual por redução da por exemplo, para o valor de ψm em A (Figura IV-4), o solo é
tensão. novamente seco aumentando-se a tensão, obtém-se outra curva,
representada por AB. Estas curvas intermediárias são
Curva de avaliação denominadas "scanning curves", enquanto as duas curvas
θ completas são designadas "ramos principais de histerese".

A origem da histerese é atribuída à não-uniformidade dos


Secagem poros individuais em relação a fenómenos capilares, bolhas de ar
que permanecem fixas dentro dos macroporos e contracção de
argilas durante secamento e molhamento. A Figura IV-5 apresenta
um exemplo simplificado de como a não-uniformidade de poros
individuais pode causar histerese.
Molhamento
A histerese traz sérios problemas para a descrição
matemática do fluxo de água no solo. Veremos que o gradiente de
potencial é a força responsável pelo movimento da água e, se a
relação ψ(θ) não for unívoca, dψm/dθ, dψm/dx e dθ/dx também não
ψ serão. O problema pode ser contornado parcialmente utilizando a
curva de molhamento quando se descreve fenómenos de
molhamento como, por exemplo, infiltração; e a curva de
Figura IV.4 Histerese da curva secamento em fenómenos de secamento, como no caso da
de retenção de água evaporação. Quando os dois fenómenos ocorrem
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simultaneamente, o problema torna-se sério. Na maioria das vezes


a histerese precisa ser desprezada. Define-se, então, o potencial hidráulico H, como o potencial
2. O MOVIMENTO DA ÁGUA NO SOLO total, ψ, sem a inclusão da componente osmótica. Nestas
(Baseado em Reichardt, 1985) condições, a Equação (2) se simplifica em:

│ │
│ │
├─ a ├─
│ │ │ l │
│ ├────┤ t ├───┐
a├─ │ │ u ├─ │
l│ │ │ r │ │
t│ └─┐ ┌┘ a │ └─┬──────┐
u├─ │ │ ├─ │ │
r│ ┌┘ │ d │ │ │
a│ │ └┐ a │ │ │
├─ │ │ ├─ B│ │A
│ │ ┌┘ á │ └─┐ │
│ │ │ g │ │ │
├─ └┐┌┘ u ├─ └────┴─────┐
│ ││ a │ │
│ ││ │ │
└─────────┴┴────────────── └────┴────┴────┴───┴┴────┘

Figura IV.5 Histerese relacionada à não uniformidade dum capilar.
curva A: secagem; curva B: molhamento

2.1 Introdução H = ψP + ψm + ψg

A água move-se no sistema solo-planta-atmosfera em Como ψP refere a pressões positivas e ψm a pressões


qualquer uma de suas fases. No solo e na planta, os principais negativas, eles podem ser agrupados em uma única componente
movimentos dão-se na fase líquida, apesar de fluxos de vapor h = ψP + ψm, que cobre todas as faixas de pressões. Tanto h como
poderem assumir grande importância quando o solo se encontra a componente gravitacional ψg podem ser expressa em termos de
"mais seco" e em certos órgãos da planta, como é o caso das uma altura de coluna de água (carga hidráulica) e, se a superfície
câmaras estomatais na folha. Na atmosfera, o principal movimento do solo é tomada como referência, ψg se identifica com a
dá-se na fase de vapor, mas em condições especiais, o movimento profundidade z. Assim, é comum apresentar a Equação (14) na
na fase líquida (chuva) e na fase sólida (granizo ou neve) pode forma de:
assumir proporções importantes.
H=h-z
O movimento na fase líquida dá-se em resposta a diferenças
de potencial da água. Vimos no capítulo anterior que toda vez que se o ponto de referência para o potencial de gravidade for
ψtotal é constante, há equilíbrio e toda vez que ψtotal varia no escolhido na superfície e o sentido de cima para baixo escolhido
espaço, deverá haver movimento. Nestas condições é, porém, como positivo.
necessário discutir o problema das "membranas semi-permeáveis". Nesta forma é que se costuma apresentar as equações referentes
Isto são "estruturas" que permitem a passagem da água, mas não ao fluxo de água na fase líquida sem a presença de membranas
dos solutos. No sistema solo-planta-atmosfera, as principais semi-permeáveis.
membranas encontram-se nas membranas celulares das plantas e
nas interfaces água-ar, nas quais a água passa na forma de vapor, 2.2 Equações de fluxo de água
deixando para traz os solutos. Quando não existem membranas, os
solutos movem-se com a água e na existência de diferenças de A água no estado líquido move-se sempre que existirem
potencial osmótico podem difundir de uma região para outra. O diferenças de potencial hidráulico H em diferentes pontos do
movimento de água devido a este potencial é desprezível, pois são sistema. Este movimento dá-se no sentido do decréscimo do
os sais que se movem, e o equilíbrio é atingido. Por isso, no caso potencial H, isto é, a água sempre se move para pontos de menor
de movimento de água na fase líquida, sem presença de potencial.
membranas, para efeito de quantificação do movimento, o
potencial total da água não inclui a componente osmótica (mesmo
sendo ela não desprezível). Havendo membranas, a componente
osmótica torna-se importante e deve ser incluída.
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Darcy (1856) foi o primeiro a estabelecer uma equação que v = Q/(A.θ.t)


possibilitasse a quantificação do movimento da água em materiais
porosos saturados. Ele verificou que a densidade de fluxo de água e é fácil verificar que v = q/θ
é proporcional ao gradiente de potencial hidráulico dentro do solo.
Sua equação foi mais tarde adaptada para solos não saturados e, Se no exemplo de cima, θ for 50%, v = 0.667 10-3cm.seg-1 =
apesar de suas limitações, é a equação que melhor descreve o 0.4 cm.min-1, que é a velocidade real com que a água se move no
fluxo de água no solo. Da maneira mais geral, ela pode ser escrita solo.
na forma:
Devido às variações da forma, direcção e largura dos poros,
q = -K ∇H (16)de ponto
a velocidade actual da água no solo é altamente variável
para ponto e não se pode falar em uma única velocidade, mas na
onde q é a densidade de fluxo (ing: flux density) de água melhor das hipóteses, em uma velocidade real média. No exemplo
(cm3.cm-2.seg-1 = cm.seg-1); ∇H o gradiente de potencial (cm.cm-1) acima, a velocidade real média da água no solo é de 0.4 cm.min-1.
e K a condutividade hidráulica do solo (cm.seg-1).
O gradiente de potencial ∇H também é uma grandeza
A densidade de fluxo é uma grandeza vectorial e portanto, vectorial, que deveria ser simbolizado por ∇H→. Ele é definido no
deveria ser simbolizado por q→, tendo módulo, direcção e sentido. sistema cartesiano de três dimensões, pela equação:
Seu módulo é o volume de água Q que passa por unidade de
tempo (t) pela unidade de área (A) de secção transversal grad H = ∇H = ∂H/∂x + ∂H/∂y + ∂H/∂z
(perpendicular ao movimento):
que representa a variação do potencial H ao longo das direcções x,
q = Q/A.t y e z. (17)

Desta forma, se 10 cm3 de água atravessam 5 cm2 de solo A equação de Darcy (16) simplesmente nos diz que o fluxo q
em 10 min, a densidade de fluxo será 10/(5*10*60) = é proporcional à força que atua sobre a água, isto é o gradiente de
0.333 10-3cm3.cm-2.seg-1 ou 0.333 10-3cm.seg-1 = 0.2 cm.min-1. potencial. O coeficiente de proporcionalidade K é a condutividade
Apesar deste fluxo ter dimensões de velocidade, ele não hidráulica. Aparece ainda um sinal negativo na equação, que
representa a velocidade com que a água se move dentro do solo. A unicamente indica que o sentido do fluxo é o inverso do gradiente.
velocidade real v da água no solo é o volume de água Q que passa A condutividade hidráulica pode, então, ser definida pela relação
por unidade de tempo pela área disponível ao fluxo, isto é, secção entre o fluxo e o gradiente:
transversal de poros ocupados pela água. Esta secção transversal
-1 -1
de poros é o produto da área efectiva A e a porosidade ocupada K = -q/∇H (cm.sec )/(cm.cm ) = cm/seg
por água, θ. Assim:
sendo suas dimensões iguais às do fluxo (se o potencial H for

θs,A θs,B
2├─ 2├─
│ │ C
1├─ 1├─
│ │
0├─ 0├─
│ │
logK ├─ A logK ├─
│ │
-2├─ B -2├─
│ │
-3├─ -3├─ θs,C
│ │ θs,D
-4├─ -4├─
│ │ D
-5├─ -5├─
│ │
└───┴───┴───┴───┴───┴───┘ └───┴───┴───┴───┴───┴───┘
0 θ 0.6 0 θ 0.6

Figura IV.6 Curvas indicativas da condutividade hidráulica (K,cm.d-1) vs. Θ


(A) solo arenoso; (B) solo argiloso;
(C) franco não compactado; (D) franco compactado
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
60

expresso em energia por unidade de peso = carga hidráulica).

A condutividade hidráulica depende das propriedades do


fluido (densidade, viscosidade), do material poroso (distribuição de
tamanhos de poros e tortuosidade), e da fracção dos poros que
está ocupada pelo fluido (humidade no caso de água), que co-
determina a secção transversal útil para o fluxo. Para efeito prático,
assume-se normalmente que, para o sistema solo-água, K varia
apenas com a humidade. Já dissemos que a área útil para fluxo é
proporcional à humidade θ.

-L = - 50

diferença finita ∆H/∆z = (HA - HB)/L, e a Equação 21 fica:

q = -K0 (HA-HB)/(zA-zB)

q = Q/At = -30/(10x60) = -0.05 cm.min-1


(considerando o fluxo de baixo para cima negativo)
Figura IV-7 Medição do fluxo saturado no solo
HA = -zA + hA = 0 + 150 = 150 cm (Equação 15)
HB = -zB + hB = 50 + 0 = 50 cm
Assim, podemos dizer que a condutividade hidráulica é uma função
de θ, ou K = K(θ). Normalmente, a condutividade hidráulica de um
-0.05 = -K0 (150-50)/(0-(-50)) => K = 0.025 cm/min
solo saturado com água (θ = θs, ψm = 0) é simbolizada por K0. Este
é o valor máximo de K. O valor de K decresce rapidamente com o
Nota bem
decréscimo de θ. Na Figura IV-6 são apresentados alguns
(1 A escolha de cima para baixo como positivo é puramente
exemplos de curvas de condutividade hidráulica. Como K depende
arbitrária. Se o fluxo de baixo para cima fosse escolhido
da geometria do espaço poroso, o seu valor varia enormemente de
como positivo, ∆H devia ser escolhida como HB-HA, e valor
solo para solo, e mesmo dentro do mesmo solo, com variações de
de K teria sido a mesma, pois não é vectorial.
estrutura, compactação, etc.

Em muitos casos na prática só existem gradientes de


(2 Os cálculos acima só valem para um sistema com
potencial em uma direcção, então podemos rescrever a equação
condutividade das mangueiras m1 e m2 desprezíveis em
de Darcy para uma dimensão:
comparação com a condutividade da amostra de solo
(compare com condutores eléctricos em série).
q = -K(θ) ∂H/∂x (21)

A Aplicação da lei de Darcy fica muito mais complicada para


onde x é a coordenada horizontal de posição para casos de fluxo
o sistema com solo não saturado, como é muito comum na prática
horizontal, que poderá ser substituída por z, coordenada de
agrícola, por exemplo durante a redistribuição da água de chuva ou
posição para fluxo vertical.
de rega no solo. Na falta de lençol freático e sendo o solo
suficientemente profundo, o perfil típico de humidade depois da
Exemplo: Na Figura IV-7 temos uma coluna de solo pela qual
aplicação consiste de uma camada superior húmida, e uma zona
passa um fluxo de água que se mede na proveta graduada. A
inferior não molhada, como indicada na Figura IV-8, para o instante
coluna de solo tem secção transversal A = 10 cm3 e comprimento
t0=0. A velocidade inicial de redistribuição depende da profun-
L = 50 cm. Em uma hora um volume Q = 30 cm3 é colectado na
didade da camada molhada na infiltração, bem como do teor de
proveta.
humidade da zona seca mais profunda e da condutividade
hidráulica do solo a diferentes teores de água. Se a camada
Questão: Qual é a condutividade hidráulica do solo?
inicialmente molhada for pouco profunda e se o solo da parte
inferior estiver bem seco, os gradientes de potencial (∂H/∂z) serão
Resposta: Como o solo acha-se saturado, determinaremos K0. Na
grandes e a velocidade de redistribuição será relativamente rápida.
equação de Darcy, o gradiente ∂H/∂z pode ser aproximado por uma
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
61

Por outro lado, se a camada inicialmente molhada for profunda e redistribuição de água durante o tempo ∆t. Depois disto calcula-se
se o solo abaixo estiver bem húmido, o gradiente de potencial os novos valores de θ e [através das curvas de retenção de água
matricial será pequeno e o processo de redistribuição ocorre (ψm vs. θ) e da condutividade hidráulica (K vs. θ)] os novos valores
principalmente sob a influência da gravidade. de K e H em todas as camadas. Em seguida começamos de novo
o ciclo com a resolução da Equação 22. Estes ciclos devem ser
Em qualquer caso, a velocidade de redistribuição geralmente repetidos até que a soma dos ∆t's é igual ao tempo de interesse.
decresce com o tempo por duas razões: a) o gradiente de potencial Como o grau de acerto deste método depende muito do tamanho
entre as zonas húmidas e secas diminui à medida que as primeiras de ∆z e ∆t (quanto menor mais confiável), são necessários muitos
cálculos. Portanto, este método só pode ser aplicado para
situações práticas, com o uso de um computador. Um exemplo da
aplicação deste método para um sistema simplificado é dado no
Apêndice 1.

2.3 Capacidade de campo

Desde cedo observou-se que o fluxo e a velocidade das


variações da humidade do solo decrescem com o tempo após o
processo de infiltração. Verificou-se que o fluxo torna-se
desprezível ou mesmo cessa, depois de alguns dias. A humidade
do solo, na qual a drenagem interna praticamente cessa,
denominada capacidade de campo (CC), (Ing: field capacity), foi
por longo tempo assumida universalmente como uma propriedade
física do solo, característica e constante para cada solo. Em 1949
Veihmeier & Hendrickson definiram a CC como "a quantidade de
água retida pelo solo após a drenagem de seu excesso, quando a
velocidade do movimento descendente praticamente cessa, o que
Figura IV-8 Perfis mostrando o processo de usualmente ocorre dois a três dias após a chuva ou irrigação, em
redistribuição da humidade solos permeáveis, de estrutura e textura uniformes".
no solo depois da rega
O conceito de capacidade de campo foi derivado
perdem e as últimas ganham humidade; b) à medida que a zona
originalmente de medidas pouco precisas da humidade do solo no
húmida perde humidade, sua condutividade hidráulica cai
campo, onde medidas e amostragem necessariamente limitaram a
bruscamente.
precisão e a validade dos resultados. Pesquisadores procuraram
explicá-la em termos de um equilíbrio estático. Foi comumente
Somente em alguns casos específicos é possível determinar
assumido que a aplicação de certa quantidade de água no solo
analiticamente1 a humidade em qualquer momento em qualquer
preencheria o déficit à capacidade de campo até uma profundidade
profundidade no solo. A situação fica ainda mais complicada se o
bem definida, além da qual a água penetraria. Calcula-se a
padrão de humidade inicial for irregular, devido a alternância de
quantidade de água a ser aplicada por irrigação na base do déficit à
períodos chuvosos e secos, e/ou a presença de um lençol freático.
CC da camada de solo a ser molhada.
Portanto, na maioria dos casos é necessário recorrer a soluções
numéricas.
Mais tarde, o conceito de capacidade de campo, como
originalmente definido tem sido considerado arbitrário e não como
Nas soluções numéricas divide-se o solo em pequenas
uma propriedade intrínseca do solo, independentemente do modo
camadas com espessura ∆z, e calcula se o fluxo qi,j entre duas
de sua determinação. Alguns autores chegam mesmo a afirmar
camadas i e j, como
que o conceito de CC causou mais males do que esclarecimentos.
Como pode-se determinar que a redistribuição praticamente
qij = -Kij ∆H/∆Z qi,j = -Ki,j ∆H/∆z (22)
cessou ou tornou-se desprezível? Obviamente os critérios para tal
determinação são subjectivos, dependendo, entre outros, da
em que ∆H representa a diferença (média) em potencial hidráulico
frequência e da precisão com que a humidade do solo é medida.
entre as camadas i e j e Ki,j é um valor médio para representar K na
Na realidade, o processo de redistribuição é contínuo e não mostra
transição entre as camadas i e j. Em seguida aplica-se o resultado
interrupções abruptas, ou níveis estáticos. Factores como a
para um pequeno intervalo de tempo ∆t, para calcular a
humidade do solo antes da infiltração, profundidade do
molhamento, quantidade de água aplicada, heterogeneidade do
1
Analiticamente neste sentido quer dizer através de uma única equação que descreve θ como função de t e z. solo etc. Também não constam da definição. Por exemplo, a
Para obter esta função é necessária uma integração da equação de Darcy no tempo e na profundidade. Isto presença de uma camada limitante ao fluxo em qualquer posição
só é possível se houver condições limítrofes bem definidas (p.e. sem fluxo da atmosfera para a camada dentro do perfil retarda a saída de água de todas as camadas
superior e da camada inferior para baixo e vice versa), e se existir uma equação simples que descreve K em acima.
função de ψm (p.e. exponencial) que pode facilmente ser integrada.

Apesar de tudo, a CC ainda é considerada por muitos como


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
62

um critério prático e útil para o limite superior de água que o solo Outros pesquisadores encontraram evidências que a
pode reter. O uso da CC facilita muitos cálculos simplificados do disponibilidade da água às plantas decresce com a diminuição da
balanço hídrico e das necessidades de água de irrigação. humidade do solo, e que a planta pode sofrer deficiência de água e
Um outro conceito derivado da CC é a capacidade de ar (CA) (Ing: redução de crescimento antes de alcançar o ponto de
air capacity), definida como a quantidade de poros enchidos com ar murchamento (curva b). Outros ainda procuraram dividir o intervalo
quando o solo estiver sob CC (CA=θs-CC). Solos com CA pequena de água disponível em dois intervalos: "a água imediatamente
(<8-10%) apresentam problemas de drenagem interna, o que pode disponível" e "a água decrescentemente disponível", e procuraram
causar anaerobioses. um "ponto crítico" entre a CC e a CE, como um critério adicional
para a definição da água disponível (curva c). Certos autores
A CC deve necessariamente ser determinada no campo e o consideram este ponto crítico um constante do solo, geralmente
interessado deve estar ciente de suas limitações. Não existe e nem expressa como a humidade retirada a uma determinada tensão
pode existir um método de laboratório para sua determinação, (p.e. 100 kPa). Em vários trabalhos da FAO, (Doorenbos &
pelas razões mencionadas acima. Os valores dos vários métodos Kassam, 19#) este ponto crítico foi denominado de factor de
de laboratório que mesmo assim foram propostos, tais como deplecção, p, que nos seus cálculos de balanço hídrico para várias
valores obtidos na placa de pressão a 10 ou 33 kPa (1/10 ou 1/3 culturas a nível continental é constante e considerado como uma
bar), nunca poderão representar a CC medida no terreno. Em característica de cada cultura. Segundo seu método a água
alguns casos pode haver uma boa correlação entre a CC e a facilmente utilizável (AFU) é definido como AFU = p(FC-EC).
quantidade de água retida sob uma determinada pressão, mas é
fundamentalmente errado esperar que tal critério seja Recentemente, uma mudança fundamental ocorreu na
universalmente válido. interpretação das relações solo-planta com respeito à água. Com o
desenvolvimento do conhecimento teórico do estado da água no
solo, na planta e na atmosfera, e com o desenvolvimento das
2.4 Disponibilidade de água para as plantas técnicas experimentais (e ainda pela disponibilidade de
computadores baratos e velozes), uma interpretação mais sólida
O conceito de disponibilidade de água para as plantas trouxe pode ser dado ao problema. Viu-se então que o fenómeno da
por muitos anos controvérsia entre os pesquisadores. A principal disponibilidade da água depende de factores do solo
causa da controvérsia é provavelmente a falta de uma definição (condutividade hidráulica, relações entre humidade e potencial,
física do conceito. Pode-se distinguir três critérios "clássicos" para presença de camadas adensadas), da planta (densidade radicular
este conceito, que são ilustrados na Figura IV-9, indicadas pelas em diferentes profundidades, taxa de crescimento das raízes,
curvas a,b e c: Veihmeier & Hendrickson (1927, 1955) afirmam que fisiologia das raízes, área foliar, morfologia foliar (cera,
a água do solo é igualmente disponível em um intervalo de pubescência, localização e densidade das estomatas); e da
humidade que vai de um limite superior (a capacidade de campo, atmosfera (déficit de saturação, vento, turbulência, radiação).
CC) até um limite inferior, o coeficiente de emurchecimento
permanente2 (CE) (Brasil: ponto de murchamento permanente Segundo as metodologias mais modernas, o sistema solo-
(PMP); Ing: permanent wilting point). Então o total de água planta-atmosfera deve ser analisado como um todo (sistema
disponível às plantas (AD) pode ser definido como AD = CC-CE. integrado). No entanto, um problema sério desta aproximação é
que as características de todos os componentes do sistema, bem
Estes autores postulam que as funções biológicas das plantas como as interacções entre os componentes, devem ser
permanecem inafectadas neste intervalo, variando abruptamente minuciosamente descritas. Isto envolve muitas determinações
uma vez ultrapassado o limite inferior (Figura IV.9, curva a). detalhadas, e posteriormente, muitos cálculos dos fluxos entre os
componentes, e das mudanças no estado dos componentes. Para
situações práticas este problema torna-se muitas vezes proibitivo.

2
O coeficiente de emurchecimento permanente foi definido por Veihmeier & Hendrickson (1949) como a

humidade do solo na qual uma planta não túrgida não restabelece turgidez, mesmo quando colocada em

atmosfera saturada por 12 h. Comumente assume-se que esta humidade do solo corresponde a um potencial

de -15 atm.
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
63

Figura IV-9 Os três critérios clássicos de


disponibilidade de água para as
plantas
Portanto, para fins de cálculos práticos, por exemplo
deficiência hídrica durante um dado mês; necessidades de água de
rega; aptidão agrícola do solo etc., recorre-se geralmente ainda aos
métodos clássicos, usando os conceitos de CC, CE e AD. Para fins
de pesquisa são mais comumente usados os complexos modelos
integrados.

Actualmente existe uma tendência de desenvolvimento e


aplicação de modelos integrados simplificados: modelos
sumarizados. Estes modelos combinam o conceito de interdepen-
dência entre os componentes solo-planta-atmosfera, com alguns
conceitos clássicos, como por exemplo capacidade de campo, e
relações empíricas, por exemplo entre profundidade radicular e
absorção máxima de água.
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
64

APENDIX I

Questão: Considere um solo arenoso com três camadas, 0-20, 20-40 e 40-60 cm. Neste solo é aplicada uma rega, que deixa a
primeira camada saturada com água. Calcule a humidade de cada camada depois de 42 minutos usando os dados seguintes.

Camada (cm) 0-20 20-40 40-60


Situação inicial ψm(cm) 0 300 300

0.796 1.84 .543 2 -1


K(θ) pode ser descrita na forma de uma equação: K=(17.07xθ) x[1-(1-θ ) ] cm.hora
Calcule o valor médio de K (entre duas camadas) como (Ki+Kj)/2
2.186 0.543
Θ(ψ) pode ser descrita na forma da seguinte equação: θ=0.35/[1+(0.022xψ ]
A camada inferior a 60 cm tem ψm constante de 300 cm;
Não há evapotranspiração.
Use um intervalo ∆t de 3 minutos

Resposta:
Usando um intervalo ∆t de 3 minutos (0.05 horas):

camada θ ψm K Q
(cm) (cm.cm-1) (cm) cm.h-1 (cm)

.000 horas
0-20 .350 .000 .415E+01 ..
20-40 .037 300.000 .521E-04 ..
40-60 .037 300.000 .521E-04 ..

.050 horas
0-20 .267 37.226 .530E+00 .332E+02
20-40 .120 104.627 .108E-01 .521E-04
40-60 .037 300.000 .521E-04 .521E-04

.100 horas
0-20 .264 38.112 .499E+00 .118E+01
20-40 .123 102.274 .120E-01 .584E-01
40-60 .037 298.989 .530E-04 .521E-04

.150 horas
0-20 .261 38.921 .472E+00 .108E+01
20-40 .125 100.236 .132E-01 .654E-01
40-60 .037 297.866 .540E-04 .552E-04

.200 horas
0-20 .259 39.667 .449E+00 .987E+00
20-40 .128 98.448 .144E-01 .721E-01
40-60 .037 296.637 .552E-04 .587E-04
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
65

camada θ ψm K Q
(cm) (cm.cm-1) (cm) cm.h-1 (cm)

.300 horas
0-20 .254 41.006 .409E+00 .848E+00
20-40 .132 95.451 .166E-01 .848E-01
40-60 .038 293.893 .580E-04 .670E-04

.350 horas
0-20 .253 41.613 .393E+00 .793E+00
20-40 .133 94.180 .176E-01 .908E-01
40-60 .038 292.393 .596E-04 .718E-04

.400 horas
0-20 .251 42.186 .378E+00 .745E+00
20-40 .135 93.031 .186E-01 .964E-01
40-60 .038 290.817 .613E-04 .770E-04

.450 horas
0-20 .249 42.730 .364E+00 .702E+00
20-40 .136 91.987 .196E-01 .102E+00
40-60 .039 289.173 .631E-04 .827E-04

.500 horas
0-20 .247 43.246 .351E+00 .664E+00
20-40 .138 91.033 .206E-01 .107E+00
40-60 .039 287.468 .651E-04 .888E-04

.550 horas
0-20 .246 43.738 .340E+00 .630E+00
20-40 .139 90.160 .215E-01 .112E+00
40-60 .039 285.710 .672E-04 .953E-04

.600 horas
0-20 .244 44.209 .329E+00 .600E+00
20-40 .140 89.357 .224E-01 .116E+00
40-60 .039 283.906 .695E-04 .102E-03

.650 horas
0-20 .243 44.661 .319E+00 .573E+00
20-40 .141 88.617 .232E-01 .120E+00
40-60 .040 282.061 .719E-04 .110E-03

.700 horas
0-20 .241 45.094 .310E+00 .548E+00
20-40 .143 87.933 .240E-01 .124E+00
40-60 .040 280.182 .745E-04 .118E-03

Resolva a mesma questão, usando ∆t=0.2 horas (12 minutos).


Explique as discrepâncias!

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