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Regeneração:

Uma nova
narrativa cultural.
A regeneração é um conceito chave na biologia e é definida por essa ciência como sendo a
capacidade dos tecidos, órgãos e mesmo organismos se renovarem ou se recomporem após danos
físicos consideráveis. A ecologia expande a escala da definição e entende regeneração como sendo
também a capacidade de ecossistemas inteiros retomarem um caminho de recuperação após um
distúrbio severo. Para o grupo Regenesis, expoentes da prática regenerativa e mentores do IDR, a
regeneração implica uma busca consciente por uma parceria co-evolucionária com a natureza.

O desenvolvimento regenerativo trabalha desenvolvendo a capacidade dos lugares, entendidos


como sistemas socioecológicos vivos, de expressarem o seu potencial para diversidade,
complexidade e criatividade assim como de colocarem-se — juntamente com o sistema maior de
que fazem parte — em um caminho sinérgico de evolução.

A partir deste olhar, a regeneração sistêmica implica uma investigação profunda sobre o papel que
eu e o meu projeto podemos desempenhar a fim de facilitar a revelação e a realização de um
potencial de ordem superior do lugar em que pertencemos. Tendo, como eixos de existência o
equilíbrio, resiliência e coevolução que dão a um sistema capacidade de manter-se saudável frente a
um distúrbio.

A visão de mundo mecanicista, estabelecida nos séculos XVI e XVII, é majoritariamente atribuída
às ideias de Francis Bacon, René Descartes e Isaac Newton, sendo referida também como
paradigma cartesiano ou newtoniano. A revolução científica que aconteceu ao longo desses séculos
substituiu a noção medieval de um universo orgânico, vivo e espiritual pela metáfora do ‘mundo
como máquina’. Apesar dos êxitos que essa abordagem produziu, ela é inadequada e ineficiente
para lidar com o aumento de complexidade, incerteza e volatilidade nos sistemas econômicos,
sociais e ecológicos dos dias atuais.
Ela continua sendo válida e aplicável para lidar com problemas lineares e bem delimitados, mas é
imprópria para os problemas complexos que são característicos do mundo contemporâneo, entre
eles a questão da sustentabilidade.

Se “o mundo como máquina” é a metáfora central do paradigma mecanicista, “o mundo como redes
ou ecossistemas” é a metáfora central do paradigma ecológico que entende o mundo como um
sistema vivo em evolução ou como um sistema de sistemas.

O paradigma regenerativo é um paradigma emergente que implica uma profunda e radical mudança
na maneira como pensamos e fazemos as coisas.

Cultivar uma nova mentalidade, abraçando a complexidade e a incerteza que se apresentam, em


detrimento de uma cultura que trata logo de identificar qual peça iremos reparar, trocar ou remover.
Ou seja, com bordagem apropriada para lidar com o dinamismo e complexidade do mundo à nossa
volta.

Em vez de ver o mundo como uma máquina que precisa de reparos,


devemos entendê-lo como uma rede de sistemas vivos
interdependentes e em constante mudança em direção a maiores
ordens de organização e complexidade. Assim, deixamos de focar nos
objetos e passamos a observar as relações; deixamos de medir e
passamos a mapear e qualificar os processos da vida.

O pensamento sistêmico é a abordagem que utilizamos para entender contexto e interdependência.


A visão sistêmica da vida capta a inteligência dos sistemas vivos e nos inspira a construir práticas
sociais coerentes com o funcionamento dos sistemas naturais. Guiados por princípios universais da
vida, como potencial e desenvolvimento, alinhamos o nosso pensamento e prática com a sabedoria
dos sistemas vivos. Essa nova mentalidade nos permite observar o funcionamento do mundo vivo,
suspender condicionamentos obsoletos e honrar os bilhões de anos de evolução da vida.
Ver os humanos como sendo natureza.

Precisamos participar dos sistemas socioecológicos a partir da premissa de que também somos
natureza, alinhando nosso pensamento e interesses com a dinâmica intrínseca da natureza de cada
lugar em particular.
Praticantes regenerativos devem assumir o papel de criar e manter as condições para a saúde dos
sistemas vivos com os quais se envolvem. Somos responsáveis pela qualidade das nossas relações e
pelo resultado de cada interação. O nosso objetivo, então, é a participação apropriada. Para tanto, a
nossa atuação deve estar em constante evolução nas esferas do eu, da equipe ou comunidade e do
sistema e lugar do que participamos. A todo momento devemos nos engajar em uma prática
reflexiva sobre qual papel somos chamados a desempenhar em cada contexto, e o que devemos
fazer para aprimorar o exercício desse papel.

Princípios
Os princípios da regeneração estão entre os principais componente conceituais da tecnologia de
pensamento que podemos utilizar para compreender os princípios de funcionamento dos sistemas
vivos.

Ao utilizá-los, tenha em mente que toda e qualquer abordagem, no final das contas, é uma
simplificação da complexidade estonteante da vida e de suas misteriosas formas de organização. No
entanto, é essa síntese que nos permite olhar as questões a partir de uma nova lente, que trate dos
sistemas não como coisas. Mas como os sistemas vivos, capazes de produzir tanto. Mas sempre
dependentes de trocas e relações que se estabelecem em todos os momentos.

Os princípios da regeneração:

Integralidade Um sistema vivo é um sistema integral constituído de múltiplos elementos,


dinâmicas de processos, estrutura com fronteiras e identidade singular que o fazem capaz de operar
de forma autodeterminada.

Aninhamento Ele é constituído de sistemas menores e está integrado em sistemas maiores. A


relação entre os sistemas menores e maiores é uma relação de interdependência dinâmica e nutrição
recíproca.

Essência Um sistema vivo tem um núcleo distinto, formado em sua origem, que pode ser
regenerado, mas nunca copiado. Ele tem uma natureza própria e qualidades distintivas que o fazem
único.
Potencial O seu potencial evolutivo está diretamente ligado à sua habilidade de fazer uma
contribuição benéfica, informada pela sua essência, para o funcionamento do sistema maior em que
está aninhado.

Desenvolvimento. Todos os sistemas vivos têm a capacidade e a direção de se desenvolver, isto é,


de expressar mais de quem são e do que têm potencial para se tornar. Desenvolvimento é a
construção de capacidades através da qual a essência se torna cada vez mais capaz de expressar a si
mesma em uma expressão de ordem superior.

A força do lugar como ponto de partida


A abordagem regenerativa do desenvolvimento toma o lugar como entidade central e ponto de
partida e se engaja na descoberta do padrão de aninhamento que organiza o sistema — qual
o todo mais próximo ao projeto, o todo mais amplo e como se dão os seus relacionamentos? Esse
passo é crucial para se trabalhar de forma holística.

Só é possível estabelecer uma relação de coevolução das dinâmicas humanas com os sistemas
naturais a partir de um lugar específico utilizando abordagens precisamente ajustadas para as
especificidades deste lugar. As características únicas do lugar lhe conferem singularidade e a partir
dessas características é possível identificar o potencial regenerativo do projeto a ser realizado no seu
lugar.

O fenômeno lugar ocorre em todos os níveis de existência, do microscópico ao cósmico. Um lugar é


um sistema aninhado. Uma casa existe em um bairro, que existe dentro de uma comunidade, que
existe dentro de uma biorregião e assim por diante. Nesse sentido, nenhum lugar está isolado e sim
necessariamente interconectado com outros lugares.

A vida se organiza em sistemas aninhados, ou seja, sistemas dentro de sistemas que possuem como
características a interdependência dinâmica e a nutrição recíproca. O aninhamento é uma das formas
de auto-ordenação da vida. Por serem sistemas abertos que interagem e coevoluem com seus
ambientes, eles não apenas influenciam uns aos outros, como não podem existir ou mudar a si
mesmos de forma totalmente independente e estruturalmente dissociada

Sistemas aninhados são representados graficamente por círculos dentro de círculos onde há uma
hierarquia de complexidade e escala, mas não de importância. Diferente de planos paralelos
(quadrados de tamanhos diferentes um ao lado do outro) que mantêm separação e independência,
sistemas aninhados (círculos menores dentro de círculos maiores) são ambientados e incorporados
uns nos outros.

Este quadro conceitual dos sistemas aninhados que, por sua vez, nos possibilita trabalhar com a
integralidade do sistema ao qual pertence nosso projeto.

O quadro mostra que o projeto está aninhado em um lugar, um sistema maior com o qual
estabelece trocas. Nós chamamos o lugar do projeto de todo próximo — o sistema integral em que o
projeto está inserido e que possui uma relação de influência mútua (indicado pelas setas).

O todo próximo ou o lugar do projeto, por sua vez, está aninhado em um sistema ainda maior. Este
sistema chamamos de todo maior. Ele já não possui uma relação direta com o nosso projeto, mas
uma relação intermediada pelo todo próximo que é a escala de atuação apropriada do nosso projeto.

Para exemplificar, um grupo de empreendedores do Rio de Janeiro, inspirado pelos movimentos de


transição e reconomia, entende o seu projeto como sendo a atividade de uma rede que tem
diferentes expressões como apoio mútuo, coworking, troca de aprendizados e de recursos etc. As
suas atividades acontecem principalmente no bairro de Laranjeiras e parte de Cosme Velho. Eles
definiram como todo próximo (a sua escala de atuação) o centro comercial de Laranjeiras por
perceberem que as suas trocas estavam mais concentradas ali. O todo maior foi considerado como
sendo a cidade do Rio de Janeiro em suas expressões culturais e de fomento às novas economias. A
partir do quadro dos sistemas aninhados, eles chegaram ao entendimento de que o seu projeto é a
rede local de empreendedores, o todo próximo o centro comercial do bairro Laranjeiras e o todo
maior o ecossistema das novas economias na cidade do Rio de Janeiro.

Conclusão

Entre a extensa e densa teia de lentes, elementos estratégicos, quadros conceituais e ideias que
estabelecem o desenvolvimento e o design regenerativo, a ideia de conhecer sua definição, seus
princípios e avaliar seu estado a partir da ideia de lugar é suficiente para despertar um importante
conjunto de medidas. Uma vez descoberta esta noção, é possível usar o paradigma regenerativo
como um valoroso direcionador. Seja para o planejamento e o dia a dia de instituições ou para nós,
gestores ou criadores, tornarmos nossos grandes propósitos e projetos em uma realidade que vale a
pena ser vivida e regenerada.

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