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#9
Direção
Fernando Martinho
fernando@leiacorner.com.br
Editor
Mauro Beting
maurobeting@leiacorner.com.br
Colaboradores
Carina Itaborahy
Clayton Fagundes
Fabio Felice
Felipe Rolim
Guilherme Jungstedt
Guilherme Mendes
Joshua Law
Luã Reis
Lucas Sposito
Matheus Steinmetz
Miguel Lourenço Pereira
Projeto gráfico
Éric Chinaglia
@eric.chinaglia
Capa
Fotografia: Fernando Martinho
Agradecimentos
especiais
Djalminha
e Ariel Palacios,
Os textos são de responsabilidade dos autores. A Revista Corner Ltda não se responsabiliza pelas idéias, opiniões e análises expressas nos artigos. São
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Editorial
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orner é canto. E no cantinho do editor não é só Como então fazer em Amsterdã? A capital sem derby.
levantar a bola para a área. Ainda mais neste Conheça as ovelhas negras do futebol holandês que dei-
canto privilegiado da imprensa esportiva que xaram a cidade do rio Amstel sem rival. Aproveite nossa
me convidou para editar. O que não é chefiar. viagem, desça até a Itália e, sob o sol da Toscana, conheça
É “escolher” na acepção do latim “Mister” básico do o guardião das grandes relíquias do Calcio.
ofício de jornalista. “Mister” com a última sílaba tônica.
Faça o nosso giro europeu e conquiste a Espanha como
Trabalhar com futebol é prazer de ofício.
o Super Depor, o rival impensável de Real e Barça, noa
Essa paixão que exerço há 29 anos por aprender a ler com anos 1990. Djalminha, filho da arte, elevou o Super Depor
revistas de futebol e aprender a história do jogo com o a “Euro Depor” com lambretas e outras confusões que
futebol de botão da minha infância que perdura. Se eu ele mesmo conta, sem camisa, do seu jeito, simples e
fosse menos velho talvez minhas horas em 2001/02 se- autêntico, na entrevista de capa.
riam com os saudosos Tó Madeira e Maxym Tsigalko do
Craque também daquele Palmeiras de 1996, uma aula de
inesquecível Championship Manager. Lendas que a gente
futebol da Academia 3.0, que foi eterno enquanto durou
traz de volta a campo aqui neste Corner #9 como a velha
um só semestre no Paulistão que, então, era tão forte que
canção [anterior ao meu tempo!]: “Love Potion #9”.
até o Flamengo de Romário quis jogar!
Temas de amor que parecem histórias de mentirinha como
Estadual onde Pelé marcou 467 gols pelo Santos dos 767
as de personagens que parecem reais como nossos heróis
oficiais “Dele”, numa carreira com 1.282 gols. Isso você
de CM. Realidades que parecem da “Copa do Mundo da
já sabe. Mas você conhece Josef Bican, o homem dos mais
Irlanda de 1968”. Você não conhece? Tudo que não acon-
de cinco mil gols?
teceu no futebol ocorreu na Copa do Mundo na Irlanda de
1968. Meu colega Marcon Beraldo criou esse inesquecível Prazer, Mauro Beting. Quem assina com prazer esta apre-
torneio para que todas as histórias do futebol pudessem sentação de uma edição feita por uma seleção que respei-
ter um local e uma data para que fossem menos lorotas. ta o esporte. Não é ser saudosista contar a melancólica
passagem de Garrincha pelo Olaria. É fato.
Até porque contra fatos existem argumentos no jogo.
Um país na Costa da Guiné formado por escravos libertos Quem vive de passado é quem tem história. Como o
e que teve um craque foi o melhor do mundo e acabou Atlético de Madrid, campeão mundial sem Champions!
presidente do país, parece até Sessão da Tarde. Mas é E o Figueirense campeão da Mercosul! Como assim?
tudo verdade na Libéria de George Weah.
Histórias que parecem de ficção e são coisa de cinema
Se você quiser também uma “turma da pesada que apronta como um time de uma fábrica de cimento na Argentina
mil confusões” — como se fosse chamada global pra que tirou a invencibilidade da poderosa União Soviética
sessão de cinema na telinha —, a gente tem a solução: do início dos anos 1980.
Beijoca! Artilheiro do Bahia da época de Sapatão que
Como o futebol e o narcotráfico bateram bola na Colômbia.
também jogou com Zico no Flamengo.
Corner não é bola parada. Nosso time levanta a poeira e dá
O canto do editor atira para todos os lados. Parece nome a volta lá pra cima mostrando o que este editor não tem
de espião. Mas é um cara de casa. O curioso caso de Matt a menor ideia do que seja: quem foi Lamar Hunt? Série
Le Tissier que não quis deixar o Southampton, nasceu na da Netflix? Não: é o nome da mais antiga competição dos
Ilha de Guernsey que fica quase na França, mas é “mais EUA: Lamar Hunt US Cup.
ou menos” da Inglaterra.
Para que serve essa Copa? Faça como eu. Leia. E faça
Entendeu? Não se preocupe. A gente está aqui para alternar como sempre devemos quando queremos entender a
o jogo. A gente vai e volta. Revive a atmosfera em torno inexplicável América Latina que tanto parece o nosso
do Boleyn Ground, numa fotorreportagem da antiga casa futebol: perguntemos a Ariel Palacios. O jornalista fala
do West Ham. sobre esse continente esquinado do planeta. Esse canto
esquecido. Essa pelota que se perde pela linha de fundo
Na fronteira entre os EUA e o México, o bicho pega e o
em escanteio. Corner pra gente!
futebol não foge à luta. No norte da África, a primavera
árabe tomou as arquibancadas no Egito. O futebol não Melhor: Corner pra vocês.
aliena. Ele faz a gente jogar junto. Ou minimiza as dife-
renças essenciais na vida em que, para que alguém ganhe,
é necessário que outro perca.
Ouro africano
38 As origens de um país e a trajetória de George Weah no futebol e na política,
por Clayton Fagundes
De Zwarte Schapen
44 As Ovelhas Negras e o derby perdido de Amsterdã,
por Fernando Martinho
Entrevista: Djalminha
64 Djalma Feitosa Dias como ele é,
por Mauro Beting, Fernando Martinho & Felipe Rolim
C
ada jogo de “Manager”, no qual você contrata Veio então o CM 2, em 1996 praticamente, que trazia uma
e vende jogadores, tiveram sua base de fãs complexidade de atributos ainda maior e bem superior a
e seu momento. O Championship Manager do Elifoot mas parecia ter ficado pequeno muito rápido
não chegou a ter um concorrente à sua altura diante da ambição da garotada que jogava seguidamente
embora houvesse outros jogos na época. O mais popular por horas e horas.
— e até precursor — foi o Elifoot. Tão simples que, por
A espera pelo CM 3 era enorme. Toda a ansiedade no jogo
isso, conseguiu ter tanta popularidade, a interface não
fez sentido quando aqueles adolescentes se depararam
permitia muito além de escalar, comprar e vender joga-
com uma interface revolucionária em comparação com
dores, mostrar resultados e classificações.
aquelas telas em 8bit, mas o jogo ainda estava concentrado
Justamente por isso, o Elifoot era pouco pra quem queria em textos. E esse era o grande gatilho.
mais além de “sair contratando e jogando” e sem esbar- Quando a EA Sports lançou o FIFA Soccer 1996 pra PC,
rar nas virtuoses dos jogos de futebol como FIFA Soccer com gráficos nunca antes vistos, seguido da edição 1997
ou International Super Star Soccer que invariavelmente e da inesquecível versão “Road to World Cup 1998” [que
tinham algum macete pra se conseguir um gol, o famoso tinha como trilha “Song 2”do Blur],a Sports Interactive
“gol apelão” que perdurou nos games de futebol. vinha com um jogo baseado em mensagens que pisca-
vam na tela quando havia um gol, cartão, enfim, o jogo
Além disso, por mais avançados que estivessem pra época,
era narrado lance a lance assim, e você era obrigado a
tanto o FIFA quanto o ISSS, tinham limitações gráficas
imaginar aquilo tudo.
que impediam muito realismo dos movimentos, a ima-
ginação era limitada pela tecnologia disponível. Por mais Essa experiência lúdica fazia o Championship Manager
que quando chegou o primeiro “Fifinha” — como ficou se parecer muito mais a um livro, enquanto a série “FIFA
conhecido depois — todo mundo tenha ficado perplexo e Soccer” buscava imitar a realidade como o cinema, além
soltado aquele: “nossa, é muito futebol”, bastava algum de exigir habilidades com os joysticks. Já o CM exigia
tempo pra se ter noção de que era um gráfico “16bit” atenção aos detalhes, aos números, às estatísticas e à
muito distante das verdadeiras imagens de TV de tubo história que se contava com o passar do tempo.
daqueles anos 1990, diferentemente do que viria acontecer
Um jogo de estratégia que chegou ao ápice desse equi-
nos anos 2010, com video-games renderizados em Full
líbrio entre imaginação e base de dados na sua edição
HD e posteriormente em 4k, os quais são “mais reais que
2001/02. Absolutamente tudo que existisse no futebol
a própria realidade.”
estava contemplado naquele jogo: Lei Bosman; pressão
E foi justamente nessa limitação tecnológica que surgiu de imprensa que fazia perguntas, as quais se você não
o Championship Manager. Lançado pela primeira vez em respondesse assertivamente, teriam um impacto nega-
1992 com times e jogadores fictícios, os desenvolvedores tivo no seu elenco; jogadores que brigavam entre si, se
do jogo se preocupavam muito mais com os atributos desentendiam com você e tinha que ser vendido, ou com
dos jogadores e com a simulação mais realista possível algum outro técnico em outro clube e era a oportunidade
à diferença do Elifoot que caía em um reducionismo de para comprá-lo; alguns atletas exigiam titularidade ou
forças básicas de jogadores e times. renegociar seus contratos; enfim, passou a existir uma
gestão de seres humanos virtuais. Os atributos psicoló-
Em 1993, o jogo abriu-se para o mundo real e passou a in- gicos começaram a pesar muito, tal como na vida real.
cluir jogadores e clubes reais, mas somente da Inglaterra.
A edição 2001/02 permitia uma sensação de que com pla-
Depois surgiu uma versão idêntica porém com a base de
nejamento, você pode pegar um time da segunda divisão
dados toda da Itália. Esse “Championship Manager 1”
de qualquer país e elevá-lo ao primeiro nível continental.
atingiu o coração de milhares — ou até milhões — de
O modesto estádio passava por reformas, as condições
adolescentes no mundo todo na incipiência da popula-
de treino evoluíam, tudo de acordo com a performance
rização dos PC’s nos lares de classe média.
desempenhada ao longo das temporadas.
E nesse universo de lendas, algumas eram reais e outras A Sports Interactive, criadora do jogo, contactou a equipe
sequer existiam. Houve quem “hackeasse” a base de portuguesa de pesquisa para informar-se sobre este pro-
dados para entrar para a eternidade na realidade virtual dígio. Por essa altura já existiam clubes, especialmente
e também aqueles que por um erro de “scouting” se tor- britânicos, que utilizavam a base de dados do jogo para
naram os melhores de suas épocas, superando a Ronaldo, procurar jogadores para os seus plantéis e muitos con-
Zidane, Shevchenko ou qualquer outro jogador mítico do tactaram a produtora para saber informações sobre um
início dos anos 2000. Esse tipo de jogador fazia você criar jogador que ninguém parecia conhecer. O modelo da SI,
um vínculo maior com ele do que com jogadores reais e especialmente desde a sua expansão para o futebol con-
ficaram guardados na memória de quem vivia esse uni- tinental, passava por criar uma equipe de pesquisadores
verso paralelo tão real quanto os melhores livros de ficção. em cada país que apresentava anualmente um relatório
sobre todos os jogadores desse país, com os atributos e
Por isso e por muito mais, em 2008, o jogo foi disponibili-
classificações que ditavam o seu valor futuro no jogo.
zado para download gratuitamente, já que muitas pessoas
Começou então a procurar-se por quem descobriu Tó
ao redor do mundo ainda queriam continuar a jogar aquela
Madeira. É aí que entra em cena António Lopes.
versão e não as subseqüentes com mais recursos tecno-
lógicos, inclusive. Devido à particularidade do equilíbrio Depois de várias pesquisas, que incluíram telefonemas de
entre base de dados, jogabilidade e complexidade dentro vários pesquisadores portugueses para o próprio Clube
de uma interface, nasceu um fenômeno cultural único. Desportivo de Gouveia, a equipe de investigação da CM
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Portugal descobriu que Tó Madeira era um nome fictício, Durante alguns anos vários clubes e técnicos procura-
criado pelo próprio investigador da zona, um estudante ram o nome de Maxim Tsigalko na realidade à procura
de engenharia civil, natural de Gouveia e a residir em da solução para os seus males. Nunca o encontraram. O
Coimbra. António Lopes tinha sido efetivamente jogador avançado apontou apenas 53 gols como profissional em
do clube, mas ficou pelos juvenis. Quando foi nomeado dez anos de carreira.
pela CM Portugal como pesquisador oficial das divisões
Mas como Tsigalko se tornou um mito? Na edição 2001/02,
secundárias, na zona centro de Portugal, decidiu fintar
os “técnicos” encontraram na base de dados uma pérola
o destino e criar o espelho do jogador que ele gostaria de
de marcar gols.
ter sido. E assim nasceu Tó Madeira.
Um jovem de 19 anos que despontava nas camadas jovens
Mas não só. Lopes criou igualmente perfis falsos para
do Dynamo Minsk e que parecia ter capacidades gole-
amigos seus de escola, como os irmãos Peralta, que tam-
adoras reservadas para os predestinados. Jogasse onde
bém apresentavam dados de jogadores de primeiro nível
jogasse, Tsigalko era garantia de gols, muitos gols. O
mundial. Naturalmente António Lopes acabou por ser
seu baixo preço permitia aqueles que utilizavam clubes
desmascarado, despedido pela SI e a distribuidora Eidos
humildes bater-se de igual com os tubarões do futebol
considerou em lançar uma nova versão à venda nas lojas
europeu. E, ao contrário do que sucedia com Tó Madeira,
sem o célebre Tó Madeira na base de dados.
desta vez os jogadores podiam pesquisar no google e
Mas o jogador tinha atingido já condição de mito e tor- encontrar um rosto a ser reconhecido no futuro.
nou-se num dos exemplares mais vendidos da história
Numa altura em que a popularidade do jogo começava a
do jogo e poucos são os que abdicaram de ter o avançado
alcançar dimensões de culto, o nome rapidamente pas-
português no seu time.
sou do anonimato das telas de computador para espaços
Tó Madeira tornou-se um símbolo e ainda há muitos midiáticos. Os treinadores e dirigentes que consultavam o
nostálgicos que utilizam o editor do jogo para recriá-lo, jogo e a base de dados originais, cientes de que os valores
edição atrás de edição. A internet está repleta de artigos da esmagadora maioria dos jogadores desconhecidos
sobre este avançado fictício, capaz de apontar mais de 50 dentro do jogo se aproximavam bastante à realidade,
gols por temporada. Uma espécie de Cristiano Ronaldo começaram a interessar-se pelo jogador. Alheio a tudo
surgiu em uma brincadeira de um jovem universitário, isto, Tsigalko continuava a marcar gols pela equipe júnior
mas acabou por se tornar num dos mais célebres jogadores do Dynamo Minsk.
da história do futebol virtual.
Maxim Tsigalko:
o goleador fantasma
Poucas vezes a realidade e ficção se confundiram de forma
tão evidente. Maxim Tsigalko é um mito como goleador
no mundo virtual. A realidade foi bem diferente. O avan-
çado bielorrusso é a prova de que nem sempre os mundos
alternativos se assemelham ao dia a dia. Herói da saga
Championship Manager, os seus dotes como goleador na
vida real foram apenas suspiros de uma lenda perdida.
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O seu treinador seguramente não jogava Championship futebolista capaz de marcar uma era, vencer Champions
Manager porque só um ano depois o começou a convocar Leagues com clubes de segundo nível e de vencer, ano sim
de forma regular para o time principal. Nos cinco anos ano também, os mais prestigiosos prêmios individuais
seguintes, em 53 jogos, o avançado apontou 24 gols. Na internacionais, leia-se: Ballon D´Or.
realidade não tinha passado de uma promessa, como
Se os sonhos virtuais tivessem sentido, Tonton Zola
tantas outras, do futebol bielorrusso. No espaço virtual,
Moukoko estaria para o futebol africano como Nelson
era uma figura de contornos mitológicos.
Mandela está para os seus políticos. Um exemplo único
As suas estatísticas eram resultado do trabalho de pes- e absolutamente inimitável. Mas a realidade é, habi-
quisa do observador da produtora Sports Interactive tualmente, mais dura que a ficção. Não houve finais de
no Leste da Europa. Mais tarde soube-se que o olheiro Champions League, não houve prêmios individuais e não
tinha estado presente em três jogos de Tsigalko com os houve sequer essa odiosa comparação com os heróis do
juniores do Dynamo Minsk e um pela seleção de sub-19 passado. O maior futebolista africano de todos os tem-
do país. Foram quatro jogos inesquecíveis do atacante pos nunca esteve perto de ser o homem que previram.
que convenceram o observador que ali estava o material Enganaram-se tanto sobre o futuro de Zola Moukoko
para o sucessor do então popular dianteiro ucraniano: que acabaram por fazer dela uma estrela involuntária
Andrey Shevchenko. dos nossos tempos.
O risco de tomar a parte pelo todo tornou-se claro. Os Claro que a história de Zola Moukoko é um sinal dos
jogos não foram o reflexo real do valor imaginário de tempos, uma era onde o virtual ganha cada vez mais
Tsigalko e à medida que a realidade ultrapassou a lenda, importância na vida quotidiana.
os seus registos ficaram às claras. Na edição seguinte do
Aliás, apesar de ser fisicamente um exemplo do fute-
jogo Tsigalko ainda estava na base de dados mas os seus
bolista do continente negro, como tantos emigrantes,
valores tinham sido aproximados à realidade. Mesmo
Moukoko viveu muito pouco na sua terra natal. Aos sete
assim vários jogadores procuravam comprá-lo e sonhar
anos seguiu com a família para a Suécia onde cresceu e
reeditar velhas glórias. E vários clubes europeus conti-
viveu a maioria da sua etapa como jogador profissional.
nuaram a perguntar por ele. De tal forma que em 2004 o
Ao contrário de outros casos midiáticos, como Tó Madeira
dianteiro chegou à Portugal para assinar pelo Marítimo da
ou Maxim Tsigalko, o atacante formado nas escolas do
Ilha da Madeira, treinado por Manuel Cajuda, reconhecido
Djurgårdens era visto por uma larga maioria de obser-
por utilizar o CM como fonte para as suas contratações.
vadores de futebol nórdico como uma imensa promessa.
A odisseia de Tsigalko começou antes de chegar à Ilha
Tinha talento, tinha conceitos tácticos assimilados a uma
da Madeira. O atacante teve problemas em sair do país,
idade bastante precoce e parecia ter também o funda-
com um visto caducado, e nos primeiros treinos deixou
mental: a cabeça no lugar para enfrentar as exigências
evidente que a realidade era bem mais crua do que os
do futebol profissional. Em 1998, quando completou 15
dirigentes insulares imaginavam. Uma oportuna lesão
anos, foi-lhe outorgada a nacionalidade sueca e no dia
foi o pretexto ideal para o Marítimo devolver Tsigalko
seguinte foi convocado pelo treinador do time sub-16 do
ao futebol bielorrusso de onde não voltou a sair até ter
país. A sua popularidade era tal que Moukoko foi convi-
terminado a carreira, com apenas 28 anos, para se dedicar
dado a treinar com vários clubes italianos no verão de
a vender janelas em Minsk. Um destino bem distinto da-
1999. Acabou por preferir viajar até Inglaterra e assinou
quele que os que o utilizaram para conquistar Champions
pelo Derby County. Começou a chamar atenção no sub-
League consecutivas com clubes tão anônimos seriam
19 do clube a tal ponto que muitos viam nele o sucessor
capazes de imaginar. Para eles a lenda continua a valer
de Henrik Larsson, então uma das grandes estrelas do
mais do que a realidade e Tsigalko é um dos mitos virtuais
futebol sueco e também de ascendência africana.
que o futebol real não soube entender.
Foi rodeado de todo esse ruído midiático que saiu, em
2001, a nova versão do popular jogo Championship
Manager. Naturalmente a equipe de olheiros contrata-
da pela Sports Interactive seguiu o jogador durante o seu
Tonton Zola Moukoko: primeiro ano em Inglaterra e pareceu chegar à conclusão
de que o potencial para ser uma estrela mundial era real.
o melhor jogador africano Não era um relatório de um observador do leste-euro-
peu como Tsygalko nem uma invenção de um estudante
português como Tó Madeira. Era algo fácil de observar,
O que seria da história do futebol africano se todos os so-
semanalmente, por quem geria o jogo. E automaticamente
nhos virtuais se tornassem realidade. Hoje, talvez, em vez
Zola Moukoko tornou-se uma estrela do jogo.
do mundo discutir os méritos de Lionel Messi ou Cristiano
Ronaldo, falariam do gênio superlativo de um futebolista Na edição 2001/02 desse jogo surgiu como uma referência
que redefiniu a natureza do jogador africano. Melhor mundial. Começava com 17 anos a temporada e em três
do que Weah, melhor até mesmo do que Eusébio. Um anos já se emparelhava com os melhores do mundo tanto
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em gols como em valor monetário. Estivesse o jogador peso antes de ser, realmente, um jogador de excelência,
no Brasil, na Coreia do Sul, no Canadá ou em Portugal, fosse a melhor forma de o condenar a um final precipi-
o resultado era o mesmo. Comprar o atacante do Derby tado e angustioso.
era comprar um passaporte para a fama.
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se afundou numa crise psicológica. Ele roubava analgési- O excelente material nem consegue passar a mensagem
cos no clube. Depois de mais ou menos quatro semanas, de um conteúdo de Relações Públicas, por mais que tente
ele tomou uma enorme quantidade de remédios e caiu em algum momento se vender como produto, afinal o
desmaiado. Graças a um companheiro de clube que dava Football Manager pode ser considerado que já deixou
carona pra ele diariamente, ao perceber que Samba não de ser só um jogo.
estava no local e hora combinados, resolveu ligar e ao não
Vários relatos que viraram Stand-Up comedy, como os
atender, percebendo que algo estava errado, decidiu ir
de Tony Jameson que conta para o público geral e para
atrás do menino, então com 19 anos, e teve de arrombar
fanáticos do jogo coisas que são tão banais para os fãs
a porta pra entrar em seu apartamento onde o encontrou
e absurdas para quem nunca jogou. “É uma alucinação,
desfalecido. Samba foi levado ao hospital urgentemente
uma idiotice e uma obsessão de um cara já deveria ter
e conseguiu escapar da morte.
maturidade mas que claramente não tem”, diz Jameson
Samba disse que acreditava que nunca teria depressão, que desde um ângulo externo ou de uma maneira mais inter-
nunca aconteceria com ele: “Mas você nunca sabe o que na ao jogo: “vocês já tentaram explicar pra alguém que
é, até acontecer contigo”. Depois de recuperar consciên- nunca jogou, que é um jogo de computador que você é um
cia, Cherno Samba disse que precisou fugir pra Espanha técnico de futebol”, tudo fica muito ridículo.
depois de fracassar na Inglaterra, mas que aquele não
O documentário dá diferentes visões, desde um aspecto
era ele, que precisava sair daquela: “o acordo frustrado
religioso do jogo, passando por entretenimento, ou seja,
com o Liverpool estava constantemente na minha cabeça,
um lazer no tempo livre, até declarações como a do cantor
foram tempos sombrios e ter ficado sozinho não ajudou,
escocês Paolo Nutini de que se tratava de um escapismo.
tudo saiu do meu controle.”
O Championship Manager ou sua variação moderna, o
Sua carreira nunca mais foi trilhada como se imaginava
Football Manager, de fato tem uma capacidade de abs-
nos “saves” de Championship Manager, o jogador jamais
tração da realidade como poucos jogos têm ou tiveram.
atingiu o nível esperado e se aposentou dos gramados aos
Uma imersão que somente os melhores livros conseguem
30 anos em 2015 depois de passagens por diversos clubes
dar, mas com uma diferença: os livros acabam um dia.
da Inglaterra, Finlândia, Grécia e Noruega.
No CM — ou no FM —, não. Você sempre está a alguns
Após deixar os campos, Samba fez curso de treinador e cliques da glória.
conseguiu a Licença B da UEFA. A “lenda do Championship
O documentário mostra muito bem todos os aspectos,
Manager”, como ele mesmo se auto-intitula na sua conta
passando por jogadores que nunca conseguiram se tor-
no Twitter, lançou um livro em 2018. Ele diz que teve muita
nar tudo aquilo que o jogo previu, até outros futebolistas
raiva, ansiedade e dor e que o livro ajudou a colocar pra
que jogavam CM no tempo livre nas concentrações ou
fora definitivamente. Ele só tinha contado da overdose
nas viagens, que muitas vezes compravam a si mesmos
pra amigos e familiares um ano antes da publicação de sua
e às vezes se viram obrigados a venderem suas próprias
biografia: “eu não estava aliviado até finalizar o livro.”
versões virtuais por preços inferiores aos que pagaram
Samba não guarda nenhuma mágoa do jogo, diz que ado- por terem se decepcionado com os seus rendimentos.
rava o Championship Manager: “Eu amava e era parte de Algo como “Quero ser John Malkovich”.
mim, que rendeu tantas histórias. Era só um jogo, você
E o fenômeno transcende gerações. São vários os casos
precisa ter a sua própria mentalidade.”
de jogadores de diferentes épocas que jogaram o CM ou o
FM, desde os tempos de Ole Gunnar Solskjær ou Demetrio
Albertini que aparecem no documentário. O norueguês
relata, inclusive, que aprendeu muito com o jogo para
se tornar técnico e que usava muito ainda nos tempos
Documentário de jogador do Manchester United.
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A edição 2001/02 ficou marcada por vários jogadores controversa, liderada por Peter Winkelman, de realocar
como Tó Madeira, Maxim Tsigalko, Adrian Mihalcea, o clube para a cidade de Milton Keynes, a 90 quilômetros
Julius Aghahowa, Cherno Samba, Mark Kerr, Kennedy da sua sede. Os torcedores se rebelaram, obviamente, e
Bakircioglü e outros. Esses jogadores desenvolveram um começou ali uma disputa pelo verdadeiro Wimbledon.
vínculo afetivo muito maior com quem jogava do que as
Em 2002, porém, surgiu uma idéia de se refundar o clube.
grandes estrelas reais. Talvez, a sensação de ter sido quem
A nova agremiação seria controlada pelos torcedores,
enxergou um Messi, faça de quem jogava Championship
mas a iniciativa previa recomeçar tudo do zero. A Football
Manager com um desses jogadores alguém privilegiado,
Association autorizou a mudança do FC Wimbledon para
uma espécie de Celso Garcia, que ficou eternizado como
Milton Keynes com seu lugar na liga que disputava, a
“o homem que levou Zico para o Flamengo”, e estabeleça
segunda divisão. O clube permaneceu com o nome ori-
essa ligação inabalável com essas lendas virtuais.
ginal até a temporada 2003/04, quando foi à falência
No Brasil e em todo o mundo, há diversas comunidades, e logo em seguida adquirido por um consórcio do qual
sejam grupos de Facebook ou perfis no Twitter dedicados Peter Winkelman fazia parte. O clube foi rebatizado como
ao velho CM 01/02. A cada ano lançam diferentes edições Milton Keynes Dons FC.
atualizadas do jogo que encontrou, sem querer, dentro
Mas os torcedores rebeldes, liderados por Ivor Heller, não
da limitação tecnológica da época, um equilíbrio perfeito
imaginavam que seus sonhos seriam realizados justa-
entre a ilusão e a simulação. No fracasso ou na glória,
mente por um jogo de fantasias. Afinal, o Championship
tudo era tão real.
Manager é um “Fantasy Game”. Ivor entrou em contato
com a Sports Interactive que dias após o primeiro contato
se tornou patrocinadora e viabilizou a existência do novo
clube, o AFC Wimbledon.
No início dos anos 2000, o futebol inglês viveu um el- Desde então os clubes voltaram a se enfrentar em ins-
dorado de investimentos privados no futebol. Várias tâncias de copas, até que, em 2016, após várias promo-
aquisições de clubes por magnatas ou aventureiros que ções desde as divisões mais baixas do futebol inglês, os
se respaldavam nos direitos de transmissão negociados “dois Wimbledons” se encontraram na League One, a
a valores cada vez maiores desde o início da Premier terceirona da Inglaterra, formando uma rivalidade que
League em 1992. só foi possível graças a amantes e criadores de um jogo,
capaz de realizar sonhos no universo virtual e também
O Wimbledon FC, fundado em 1889, tomou uma decisão no mundo real. Afinal, o que é a realidade?
15
16
S
ucesso no futebol normalmente é medido em tro- Le Tissier nasceu em outubro de 1968, na ilha de Guernsey,
féus, glórias, gols marcados em jogos importantes uma das Ilhas do Canal da Mancha, que ficam no trecho
e muitas partidas pela seleção do seu país. Mas se de mar entre Inglaterra e França. Guernsey, como Jersey,
um jogador não alcançar tudo isso, ainda se pode falar a outra grande ilha do arquipélago, é uma dependência da
que sua carreira foi um grande êxito? Pode-se dizer que Coroa Britânica mas oficialmente não faz parte do Reino
foi um dos melhores que se viu jogar? Para muita gente Unido nem da União Europeia.
na Inglaterra isso aconteceu no caso de Matt Le Tissier.
Essa condição dá à ilha a segurança de ser protegida in-
Le Tissier foi um jogador talentosíssimo, mas só jogou ternacionalmente pelo Reino Unido enquanto ela tem a
no Southampton, um clube modesto da pequena cidade liberdade de fazer suas próprias leis e, significativamente,
de mesmo nome no litoral sul da Inglaterra, e nunca ne- decidir os níveis de impostos. Guernsey é livre de impos-
nhuma taça sequer. Só fez tos comerciais e tem taxas
oito partidas pela seleção baixas de outros tributos,
inglesa, sendo titular em o que transforma o lugar
duas, nunca foi para um em um paraíso fiscal.
Mundial ou Eurocopa.
O nome da ilha está numa
Mas pergunte a alguém lista da UE dos países in-
que viu Le Tissier jogando fratores, que não estão
e todos vão falar a mesma em conformidade com as
coisa: que ele era incrível, normas internacionais
um fenômeno, um jogador de transparência fiscal.
que podia fazer tudo que Guernsey também se
quisesse com a bola nos destacou recentemente
pés. Ele trazia uma ale- quando seu nome apare-
gria para o campo e dei- ceu com alta frequência
xou muitas pessoas, principalmente os torcedores do nos “Panama Papers”, documentos revelados pelo The
Southampton, com muitas memórias maravilhosas de Guardian mostrando como milhares de pessoas poderosas
lances sensacionais e momentos inesquecíveis. de vários países evitam impostos.
Ele mesmo falou, em uma entrevista dada ao The Guardian, Além de albergar dinheiro sujo de parte da elite econô-
que considera sua carreira um sucesso: “Quando eu era mica mundial, Guernsey é um lugar sossegado, calmo, e
criança eu tinha duas ambições na vida: uma era ser jo- sereno, e Le Tissier acha que ser criado nesse ambiente
gador profissional, e a outra era jogar pela Inglaterra. E lhe deu uma certa tranquilidade que ele carregou por
com 25 anos de idade eu fiz as duas.” toda sua carreira.
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Guernsey não é um celeiro de futebolistas. Ele foi a pri- Na temporada 1989/90, os Saints chegaram a fazer sua
meira pessoa da ilha a vestir a camisa branca da seleção melhor campanha durante a passagem do jogador pelo
inglesa do futebol e isso é uma fonte de muito orgulho clube, ficando em sétimo lugar na classificação final.
para o Le Tissier e a sua família. Com o quarteto de atacantes: Paul Rideout, Le Tissier,
Alan Shearer e Rodney Wallace — não aquele do Sport, o
Começou a jogar com os três irmãos num campinho na
original —, o Southampton marcou 71 gols na temporada,
frente da casa do seus pais, e junto com seu irmão mais
o segundo maior número de qualquer time na primeira
velho, Carl, se destacou jogando pelo time da sua escola.
divisão, só atrás do campeão Liverpool.
Carl foi convidado a mudar-se para Southampton e jogar
com os times de base do clube, mas infelizmente não Le Tissier marcou 20 vezes em 35 jogos e foi votado pelos
aguentava ficar longe dos pais e amigos e voltou para a seus colegas o “PFA Young Player of the Year”, o prêmio
ilha um ano depois. dado ao melhor jovem jogador do ano.
Carl contou tudo sobre a vida lá para Matt e, seguindo As campanhas seguinte foram mais difíceis para o clube
o técnico da época, Chris Nicoll, isso preparou o irmão e jogador. Um novo técnico chegou e Le Tissier teve que
mais novo para a sua mudança bem sucedida para o clube, jogar no lado direito, uma posição que não gostava. Mas
pra onde ele foi com 16 anos. A base do Southampton é ainda assim foi se destacando, e, nesses anos, marcou
considerada uma das mais produtivas do país e formou uns do seus gols mais espetaculares.
vários jogadores ingleses de alta qualidade como Alan
Agora todos os jogadores de todos os cantos do mundo
Shearer, Theo Walcott, Adam Lallana e Alex Oxlade-
têm um vídeo do seus melhores momentos no YouTube,
Chamberlain, todos jogadores de seleção inglesa, além
mas existem poucos clipes mais bonitos do que o de Le
do próprio Gareth Bale, grande craque galês, que venceu
Tissier. Os gols mais lembrados são três. Dois marcados
Ligas dos Campeões da Europa com o Real Madrid.
na mesma partida contra o Newcastle, e um outro, contra
Durante sua primeira temporada no seu novo ambiente, o Blackburn.
Le Tissier marcou 59 gols pelo time de base e, logo na
O primeiro gol no jogo contra Newcastle foi o momento
sequência, lhe foi dada a primeira oportunidade como
que se anunciou seu nome internacionalmente. Foi um
titular, jogando bem numa partida contra o Tottenham
dos poucos jogos do Southampton transmitidos pelo
Hotspur. Depois disso, ele foi se estabelecendo como
canal recém formado Sky Sports e seu talento estava lá
membro insubstituível do time.
para todo mudo ver.
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Ele recebeu a bola a 35 metros da meta e dominou com Numa partida pela Inglaterra B, pouco tempo antes da
o calcanhar, aí tocou a bola para um lado do zagueiro e Copa do Mundo de 1998, ele marcou um hat-trick num
correu para o outro, chegando no limite da grande área. jogo amistoso contra Rússia B. Le Tissier acha que essa
Com a bola ainda quicando, Le Tissier deu um chapéu foi a melhor oportunidade de ir a um torneio interna-
no outro zagueiro e, cara a cara com o goleiro, mostrou cional, mas o Glenn Hoddle, então técnico da seleção,
toda aquele tranquilidade que aprendeu na ilha aonde foi não o convocou.
criado, colocando a bola na bochecha da rede.
Le God vê isso como o começo do fim do seu tempo jo-
É considerado o seu melhor gol por muitos comentaristas gando profissionalmente. Teve um efeito psicológico
e fãs, mas Le Tissier não concorda. Ele é um perfeccio- muito profundo no jogador e ele nunca mais recuperou
nista assumido e acha que, na finalização, ele tocou na o nível técnico que tinha chegado antes. Ele foi se ma-
bola com a sola da chuteira. Não era exatamente como chucando muito e cada temporada posterior, jogando
ele queria. Ele prefere o gol contra Blackburn, quando ele menos e menos vezes.
colocou a bola no ângulo a 30 metros de distância depois
Mas ainda sobrou tempo para mais um momento especial.
de driblar um jogador duas vezes.
A última partida do Southampton no seu velho estádio,
Foram lances assim que o fez ganhar o apelido de ‘Le God’ chamado The Dell, antes da mudança para o moderno St.
dos torcedores do Southampton, e era exatamente isso Mary’s Stadium, foi contra o Arsenal no dia 19 de maio
que ele sempre quis fazer. Claro que ele gostava de ganhar, de 2001, no último dia da temporada.
como todos os atletas profissionais, e mais do que isso,
Le Tissier não tinha jogado muito naquele ano por causa
ele gostava de se divertir em campo e alegrar a torcida
de várias lesões, e não tinha marcado nenhum gol na
como relatou a documentário de Sky Sports de 2015:
Premier League, mas o Técnico Stuart Gray lhe prometeu
que ele entraria em campo nos últimos minutos por tudo
que o jogador — eleitor em 2012 o melhor da história do
“Eu queria entreter as pessoas Southampton — tinha feito pelo clube.
e colocar um sorriso nos rostos Ele entrou com o jogo empatado em 2 a 2. O Southampton
delas, e colocando a bola no foi para cima com uma bola longa do goleiro. Ela sobrou
para Le Tissier e ele não errou; com o pé esquerdo, virou
ângulo a 25 metros de distância e colocou a bola bem no cantinho, fora do alcance do Alex
era um bom jeito de fazer isso.” Manninger. Os Saints conseguiram segurar a vantagem
e a vitória foi um momento emocionante para o jogador
que estava com a carreira chegando bem perto do fim.
O celebrado gol contra Blackburn veio durante seu período
Le God pendurou as chuteiras em 2002 com 209 gols
mais produtivo, quando marcou 45 gols em 64 partidas,
marcados em 541 partidas, além de muitas assistências
jogando no meio-campo. O técnico Alan Ball levou o time
dadas para os seus colegas. Uma de suas estatísticas mais
à décima colocação na liga em 1994/95, e Le Tissier con-
notáveis é que ele marcou 47 dos 48 pênaltis batidos.
sidera essa a segunda melhor campanha da sua carreira,
Ninguém na história tem um aproveitamento melhor
um pouquinho atrás daquela de 1989/90.
e isso mostra aquela calma e frieza que sempre tinha
Apesar dessas duas temporadas fantásticas, em muitos dentro das quatro linhas.
dos 16 anos do Le Tissier como jogador do Southampton
Alguns comentaristas e jornalistas o acusam de não ter
o time escapou de rebaixamento por muito pouco, devido
tido ambição suficiente durante o seu tempo como jo-
somente aos seus gols e suas habilidades. Mas ele nunca
gador por não ter mudado para um clube que podia ter
quis deixar os Saints, ainda que houvesse interesse dos
lhe dado títulos e mais oportunidades na seleção. O que
grandes clubes do país como Manchester United, Chelsea
ele diria para essas pessoas? Bem, na mesma entrevista
e Tottenham. Ele era feliz com sua vida no litoral e gos-
com The Guardian ele respondeu: “As pessoas que fa-
tava de ser o craque do time e o centro das atenções do
zem essas acusações não me conhecem, então consigo
técnico e da torcida.
entender porque elas pensam assim. Minha resposta é
Talvez seja por isso que nunca ganhou o reconhecimento sempre: ‘quando você era criança o que você queria ser?
que merecia com a seleção. Ele jogou pela Inglaterra em Você já cumpriu esse sonho com 25 anos?’ Me diz se eu
oito ocasiões sem marcar nenhum gol. É verdade que a se- não tenho ambição.”
leção inglesa tinha muitos craques naquela época, atacan-
Sem ganhar nada, sem ir para nenhum torneio interna-
tes incríveis como Alan Shearer, Teddy Sheringham, Les
cional, Le Tissier tornou-se uma lenda do futebol in-
Ferdinand, Andy Cole, Robbie Fowler, Steve McManaman
glês. Ele é lembrado pelas torcidas dos todos os times
e Paul Gascoigne, mas se Matt Le Tissier tivesse jogado
da Inglaterra. No Southampton, porém, ele é o maior, o
num dos clubes mais tradicionais, com todo o talento
melhor, ele é: Le God.
que tinha, seria difícil imaginar que ele não teria vestido
a camisa dos Three Lions mais vezes.
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J
á se foi o tempo em que a Green Street era fre-
qüentada por hooligans. Desde que a Premier
League foi instaurada, o fenômeno de afasta-
mento dos torcedores assíduos atingiu a todos
os clubes da elite do futebol inglês. Com as melhorias exi-
gidas pelo Relatório Taylor, encomendado por Margaret
Tatcher, os ingressos passaram a custar muito mais,
afugentando, assim, o maior problema dos estádios lo-
cais: os hooligans. A medida, no entanto, também atingiu
os torcedores comuns – aqueles que realmente torcem,
que gostam de futebol e que amam seus times. O fim do
hooliganismo também decretou o fim das torcidas, que
foram substituídas por platéias nos estádios ingleses.
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Memórias do Boleyn Ground
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político na
douro de Hosni Mubarak, no que foi o ápice da série de
manifestações pela região: a “Primavera Árabe”. No meio
da massa de descontentes, alguns elementos eram ainda
Árabe
do país: Al Ahly e Zamalek. Torcedores eram boa parte
do povo que desafiava o governo, mas era difícil precisar
a importância deles naquele movimento revolucionário.
Um ano depois, foram os próprios remanescentes da velha
ordem ainda no poder que confirmaram a dimensão da
participação torcedora. No Estádio de Port Said, cobrou-
-se o preço das torcidas organizadas pelo envolvimento
político com a morte de 74 pessoas e milhares de feridos,
no que permanece sendo a maior tragédia envolvendo o
futebol no século XXI.
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As torcidas se organizaram no Egito em meados da década para a legitimação política, Nasser, junto com outros
de 1990, substituindo as torcidas oficiais, vinculadas e líderes nacionalistas africanos, funda a Confederação
domesticadas pelas diretorias dos clubes. Essas novas or- Africana de Nações [CAN] em 1957. A organização foi
ganizadas eram independentes e contestavam as decisões fundada como o braço esportivo do movimento Pan-
de cartolas e da Federação. A partir dos anos 2000, surgem Africanista, que reivindicava o fim da dominação europeia
no país os Ultras, seguindo a organização das torcidas ita- no continente. Já na primeira competição, a CAN teve que
lianas, modelo que se espalhava no período também pelos assumir uma posição política: a expulsão da África do
países mediterrâneos como Argélia, Marrocos, Turquia, Sul — sob o regime do Apartheid — da Copa Africana de
Líbano, Líbia, Sérvia e Grécia. A popularização da internet Nações, pela recusa em incluir negros na sua seleção. O
e das transmissões de campeonatos via satélite foram Egito se sagrou campeão no torneio disputado no Sudão.
fundamentais na disseminação e na organização dessa Nasser utilizou a conquista para reforçar o elo entre a
cultura torcedora. Em 2007, foi fundada a Ultras Ahlawy, sua política nacionalista com um Egito líder das nações
a maior organizada do time mais popular e vencedor do africanas e árabes. O esporte era usado para aproximar
país, o Al Ahly. O exemplo foi seguido pelos torcedores a população do regime, especialmente a juventude. Após
dos outros grandes do país: Zamalek, Ismaly e Al Masry. o Brasil conquistar o bicampeonato mundial, um editor
de uma revista esportiva do Cairo convidou a Seleção
Nas arquibancadas dos estádios egípcios, os ultras seguiam
Brasileira para uma série de amistosos no Egito em 1962.
a cartilha consagrada da cultura torcedora: festa colorida e
O presidente Nasser telefonou para o jornalista: “Você
incessante, com bandeiras, faixas, sinalizadores e cânticos,
os está convidando para virem aqui nos derrotarem?” As
formando um bloco coeso e impactante atrás dos gols a
justificativas técnicas do editor não convenceram Nasser,
cada partida. A intensidade da festa desafiava as regula-
que preferia se precaver de uma derrota.
mentações impostas pela federação e pelo governo, que,
como em tantas outras partes do mundo, lançava as forças A derrota do Egito na Guerra de 1967 contra Israel mo-
de segurança contra os torcedores. Nestes confrontos, os tivou a suspensão da liga egípcia de futebol. O governo
mesmos desenvolveram técnicas de resistência e combate. temia que os estádios se tornassem palco de manifes-
Gritos, cânticos e faixas passaram a denunciar o governo tações contrárias ao fracasso na guerra. Os estádios se
de Hosni Mubarak, tornando o estádio de futebol um dos constituíam em espaço de politização de uma sociedade
poucos lugares onde essa crítica era possível. que se modernizava. Em um período de prosperidade
que vivia o Egito após a Segunda Guerra, o papel dos
A história do futebol no Egito se confunde com a história
estádios era favorável ao governo. Após a derrota para os
política e social do país. O esporte chega ao país do norte
israelenses, Nasser percebeu que os torcedores poderiam
da África junto com a ocupação britânica em 1882, tor-
se opor ao governo. A arquibancada poderia ser um campo
nando-se um sucesso imediatamente. Como em outras
de disputa política.
partes do mundo, os primeiros clubes, formados nas
décadas iniciais do século XX, carregavam as contradições Por todo Oriente Médio, o estádio serviu historicamente
da colonização e da influência estrangeira: os estudan- como um espaço privilegiado para a expressão política e
tes, a classe média urbana formada por profissionais a contestação dos governos autoritários. Exemplos dessa
liberais e a baixa oficialidade do exército formaram, em relação não faltam: no próprio Egito, as partidas do Al
1907, um clube que seria uma sede da discussão e da luta Ahly se tornavam manifestações de repúdio à ocupação
pela independência. Nascia o Al Ahly [“O Nacional”, em britânica do país na década de 1920; nos estádios irania-
árabe]. Aqueles favoráveis ao regime vigente, próximo nos, em 1968, ouviram-se os primeiros gritos contrários
à Inglaterra e aos colonizadores europeus em geral, for- a Israel. No final dos anos 2010, nos mesmos estádios,
maram o Qasr El Club, que, dois anos depois, tornou- expressam-se as questões étnicas das minorias no Irã;
-se El-Mokhtalat Club [“O Misturado”, em referência além disso, os curdos reforçam o desejo de autodeter-
à participação de estrangeiros e nativos], para depois minação nos estádios da Síria e da Turquia.
se chamar com o nome do monarca egípcio Rei Farouk
O Egito vivia desde 1981 a ditadura do Marechal-do-Ar
Club. No período entre as guerras mundiais, o país era
Hosni Mubarak, um governo repressor e autoritário, que,
nominalmente independente, inclusive participou da
seguindo o antecessor, promovia um programa econômico
Copa do Mundo de 1934. Na prática, porém, permanecia
liberalizante, mas só para os empresários próximos, em sua
sendo um protetorado britânico. A rivalidade do Cairo
maioria militares. Os clubes mais populares também eram
condensava essa disputa política que se travava no país.
presididos por militares. Na década de 2000, a estagnação
O Egito se tornou de fato um país independente, liderado econômica se tornou crise social, agravada dramaticamente
pelo nacionalista General Gamal Nasser. Com um projeto pela crise financeira de 2008. Nesse momento começa um
socialista, Nasser estimulou o subsídio aos ingressos nos período de mobilizações da sociedade egípcia, com o sur-
eventos esportivos, permitindo um amplo acesso das gimento de sindicatos independentes, como o Movimento
camadas populares aos jogos. O futebol se torna um fe- 6 de Abril, e grupos da juventude da classe média urbana
nômeno das massas no Egito, penetrando profundamente como o “Somos todos Kaled Said”, nome dado em home-
na cultura popular do país. Atento à utilidade do futebol nagem a uma vítima da violência policial.
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Em 2009, Argélia e Egito disputam a última vaga africana antes do jogo foram ignoradas; os torcedores do Al Masry
para a Copa do Mundo da África do Sul, na reedição do entraram armados sem revista; ao tentarem escapar, os
confronto que ficou conhecido como o “Jogo do Ódio”. torcedores do Al Ahly encontraram os portões fechados
Na primeira partida, disputada no Cairo, torcedores egíp- por fora, acesso que era controlado pela polícia; no mo-
cios atacaram o ônibus da Argélia. Na volta foi a vez dos mento que começaram os ataques, as luzes do estádio
argelinos hostilizarem a delegação e os torcedores do foram apagadas.
Egito. O governo de Mubarak, em um momento de cri-
Imediatamente, líderes políticos e manifestantes es-
se, aproveitou a rivalidade para estimular um discurso
pecularam sobre o envolvimento de remanescentes do
nacionalista, enaltecendo os torcedores que defendiam o
antigo regime com o episódio de Port Said. Para os ultras
país contra as agressões estrangeiras. Pela primeira vez
há uma certeza: o ataque não foi planejado pelos torce-
os ultras estavam no centro da política do país.
dores do Al Masry, ainda que haja uma grande rivalidade
Se nas partidas contra a rival nacional Argélia, o envol- entre as equipes. Port Said foi uma espécie de aviso para a
vimento político dos torcedores foi bem recebido pelo Revolução, na qual os torcedores se envolveram. Mubarak
governo, o mesmo não seria dito no momento seguinte. não mais governava, mas a estrutura de poder, baseada em
Em dezembro de 2010, manifestações tomam conta da violência, corrupção e impunidade permanecia. Os ultras
pequena vizinha Tunísia, cujos problemas sociais eram do Al Ahly cantam que: “Em Port Said, as vítimas viram a
muito semelhantes aos dos egípcios. Nos estádios do traição antes da morte. Eles viram o regime que oferece
Egito, os torcedores apoiavam o movimento do povo tu- o caos como única alternativa. O regime que pensou que
nisiano, e nas arquibancadas se escutava “Túnis! Túnis!”. suas garras o fariam intocável. E faz o povo revolucionário
ajoelhar diante da lei militar. Nunca mais! Apenas liberta
Quando as organizações da sociedade civil lançaram
mais seus cães e espalha caos por todo lado. Eu nunca
a convocação para uma grande manifestação contra o
vou confiar em você, não vou deixar você me controlar
governo Mubarak, no final de janeiro de 2011 na Praça
nenhum dia mais.”
Tahir, as torcidas ultras negaram a participação através
dos canais oficiais, temendo represálias. No entanto, na Controlar o território do oponente é essencial tanto no fu-
praça estavam lá com seus sinalizadores, bandeiras, gritos tebol quanto na política. Os torcedores do Egito entraram
de guerra e organização, contagiando os manifestantes. com tudo no jogo político do país, em seguida sofreram
A presença se tornou mais marcante ainda diante da re- um duro contra-ataque. A violência do regime, no entanto,
pressão do governo. Diante da violência da polícia e das é proporcional à força que os torcedores organizados já
milícias civis pró-Mubarak, os ultras demonstraram nas demonstraram ter. As faixas das torcidas penduradas nos
ruas o que tinham aprendido nos estádios, confrontando alambrados dos estádios ainda insistem: “Nós somos o
semanalmente as forças de segurança. Nos dias entre o Egito”. Das arquibancadas e para as arquibancadas, a
início dos protestos e a queda do governo, eles se tornaram Revolução e a Contra-Revolução.
essenciais para a resistência dos manifestantes.
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A
África foi o eixo central no expansionismo co-
lonizador europeu. Além de se instalar e ocupar
diferentes terras no continente africano, fosse
Portugal, França ou Inglaterra, o objetivo era um só: ex-
trair o máximo que pudessem das relações comerciais ou
territoriais, desde quando o objetivo era chegar às Índias
até o sempre. O mercado de escravos, que durou séculos,
acabou culminando com um processo de ilegalidade da
aquisição de escravos, dos filhos de escravos que passa-
vam a ser livres, e posteriormente com a libertação da
escravidão em diferentes colônias da América do Norte
e Caribe — somente mais tarde na América do Sul —, e
também no Reino Unido.
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Localizada na África Ocidental, a Libéria, do latim “Terra enquanto o garoto talentoso partia para França, seu país
dos Livres”, foi por um breve momento a esperança e o vivia mergulhado em um caos político sem precedentes.
sonho para os ex-escravos americanos. Criada para os
O ano de 1989 marcou outro golpe de estado no país.
negros libertos e já nascidos livres, a capital da Libéria,
Mesmo ano que Weah começava sua brilhante trajetória
Monróvia, leva esse nome desde 1824, em homenagem a
no Monaco. Logo em sua primeira temporada no prin-
James Monroe, presidente dos EUA na época, que defendia
cipado, marcou 14 gols em 23 partidas na Ligue 1, o que
o envio de escravos libertos para o novo país.
lhe ajudou a conquistar o primeiro de seus três prêmios
Os negros americanos, ex-escravos se depararam com de melhor jogador africano, ainda aos 23 anos de idade.
tribos locais, e além de não se identificarem com os povos No Monaco ele conquistou um título da Copa da França.
nativos, nada se sabia de suas origens, culturas, reli-
Ao mesmo tempo em que Weah brilhava no futebol fran-
giões ou línguas ancestrais. Em 1847, proclamou-se a
cês, se tornando um dos principais jogadores do futebol
independência da República da Libéria, era o início de
francês, na sua terra natal iniciava uma guerra civil entre
um pesadelo, marcados por guerras, conflitos étnicos
grupos étnicos que disputavam o poder. As tribos que
e intolerância, fomentados por interesses econômicos
vinham sendo discriminadas por Samuel Doe ocuparam
e imperialistas ao longo do século XX, que fizeram do
a linha de frente da revolta. No comando, estava Charles
sonho e da ilusão uma triste realidade.
Taylor, que havia sido ministro de Doe, afastado por
corrupção. Essa guerra duraria sete anos.
Bola de ouro
país. Liderado pelo sargento Samuel Doe pertencente a
tribo étnica Krahns.
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Q
uando o destino é Amsterdã, o roteiro certamente
conta com idas ao Rijksmuseum, ao Stedelijk,
à estação de trem Amsterdam Centraal, linda
por sinal e, claro, aquela clássica foto nas insignas
“I AMSTERDAM” são paradas obrigatórias.
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A Holanda tem uma posição geográfica que a coloca no Entretanto, mesmo em Roterdã quanto em Eindhoven,
centro de zonas de influências culturais. O holandês é existem clubes rivais locais, de menor projeção, mas que
uma língua que demonstra perfeitamente isso. Parece servem de contraponto ao grande clube da cidade. O Sparta
alemão e parece inglês. Um país que precisou lutar contra Rotterdam e o FC Eindhoven são os primos pobres. Mas lá
o mar para conseguir mais espaços, e segundo o escritor estão seus torcedores que se sentem num refúgio para os
inglês, David Winner, isso determinou o estilo holandês menos favorecidos. Nessas duas cidades, esses refúgios
de enxergar o futebol. Um estilo obcecado por encontrar existem, coisa que não acontece em Amsterdã.
espaços físicos que não existem, como relata Jonathan
A visita a Amsterdã também permite uma experiência
Wilson em um artigo para a Folha de S. Paulo em 2018.
futebolística espetacular. O museu do Ajax, chamado
No entanto, não é correto afirmar que este seja o único Ajax Experience, no centro da cidade tem, além de toda a
jeito holandês de enxergar futebol. Existem outras for- memorabilia do clube, imersões tecnológicas que marcam
mas de se enxergar o jogo e o país conta com outros dois bem a forte cultura do clube.
grandes clubes que rivalizam com o Ajax: Feyenoord de
Johan Cruijff, Marco van Basten, Dennis Bergkamp. Todos
Roterdã e o PSV Eindhoven.
esses caras começaram no Ajax. Os melhores jogadores
Os três clubes já foram campeões europeus. Mas claro, o de três diferentes gerações holandesas vieram da base
Ajax é o único a vencer por quatro vezes [até 2019, quando do clube da capital.
chegou à semifinal]. Os outros clubes conseguem duelar
Mas onde ficam aqueles que querem ser oposição? Sejam
domesticamente com o gigante da capital e usam diferen-
eles rebeldes ou não. Por qual clube torcer? O melhor é
tes abordagens de futebol. Mais alemã ou mais inglesa,
escolher entre Feyenoord e PSV. Em se tratando de uma
tal como é o país, um lugar de proximidade cultural com
capital, o monopólio esportivo-cultural é enorme, ainda
duas potências econômicas e também do futebol.
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mais Amsterdã sendo tão cosmopolita como é. O clube esse. Tanto o escudo bordado na camisa quanto o mascote
incorporou na sua base de torcedores, inclusive, a comu- do time eram exatamente uma ovelha negra.
nidade judaica, ou seja, até uma minoria muitas vezes
O Beroepsvoetbalclub Amsterdam [que significa Clube
perseguida é contemplada no “único” clube de Amsterdã.
de Futebol Profissional de Amsterdã e carregava a sigla
Houve um momento em que foi possível coexistir com BVC] foi fundado em 1954, com o status de profissional,
o Ajax em Amstedã. Mas a força econômica do clube fez como diz no nome, e durou quatro anos exatos até a sua
com que os clubes vizinhos sucumbissem a fusões ou fe- fusão com o DWS Amsterdam em 1958.
chassem as portas. Amsterdã virou uma cidade sem derby.
O clube seguiu adiante com o nome de DWS e foi pro-
Na segunda divisão, o único clube de Amsterdã é o Jong movido à primeira divisão na temporada 1962/63. Logo
Ajax, o time B dos Ajacieden. E na terceira divisão estão o na primeira temporada na Eredivisie, o clube sagrou-se
Amsterdamsche FC e o Ajax Zaterdag [em tradução livre: campeão, um feito nunca mais repetido por um time recém
Ajax Sábado], o time amador ajacied, ou seja o time C do promovido. Graças ao título, o clube disputou a Copa dos
principal clube da cidade. Campeões em 1964/65, na qual o DWS Amsterdam chegou
às quartas-de-final. A capital holandesa parecia ter uma
O Amsterdamsche FC, conhecido como AFC, foi fundado
nova força no futebol.
em 1895, cinco anos antes do Ajax, mas nunca deixou o
status de amador. As rivalidades em Amsterdã são coisas Em 1972, outra fusão com clubes de Amsterdã aconteceu.
de um tempo remoto. Talvez a busca por um modelo de sucesso semelhante
àquela junção em 1958 fosse a razão que motivou a nova
Curiosamente, um desses clubes que coexistiram tinha a
iniciativa: somando forças com outras agremiações lo-
alcunha de Zwarte Schapen [Ovelhas Negras], e não era
cais para se consolidar como, no mínimo, uma segunda
só coincidência, afinal o símbolo do BVC Amsterdam era
potência de Amsterdã.
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Foi a vez do DWS se fundir com o Blauw-Wit Amsterdam o Ajax foi eliminado nesta fase para a Juventus. Mesmo
para formar o FC Amsterdam. Logo na primeira tem- com saldo empatado, a Juve passou pelo gol feito fora de
porada, o modelo atraiu outro clube local, o AVV De casa, na derrota por 2 a 1 em Amsterdã depois de perder
Volewijckers e uma nova fusão foi feita. Em 1973/74, por 1 a 0 em Turim.
após o Ajax conquistar seu terceiro título europeu, a cidade
Nas quartas de final, porém, viria o choque de realida-
parecia ter finalmente um rival à altura com o fortale-
de. O FC Amsterdam foi derrotado por 5 a 1 fora de casa
cido FC Amsterdam. O novo clube da capital terminou a
contra o Colônia e sofreu outro revés em casa por 3 a 2.
Eredivisie na quinta posição que lhes rendeu uma vaga
No campeonato holandês o FC Amsterdam terminou
da Copa da UEFA da temporada seguinte graças ao títu-
em nono lugar e daí em diante passou a lutar contra o
lo da Copa da Holanda por parte do PSV que terminou
rebaixamento que aconteceria finalmente no final da
em quatro lugar e abriu espaço pro clube da capital que
temporada 1977/78.
teria companhia do fragmentado Ajax, já sem Cruijff e
Neeskens, que terminou em terceiro. No mesmo ano que a Holanda terminava, pela segun-
da vez, com o vice da Copa do Mundo, na Argentina, o
Em 1974/75, o FC Amsterdam fez bonito na Copa da UEFA,
segundo clube da capital era rebaixado e duraria mais
eliminando, na primeira fase, o Hibernians de Malta por
quatro anos até que em 1982 o FC Amsterdam fechou
um placar acumulado de 12 a 0 [5 a 0, em Amsterdã; e 7 a o,
as portas após terminar em décimo terceiro na segunda
na volta, em Paola] e, na segunda eliminatória, venceram
divisão holandesa.
a tradicional Internazionale após vitória em Milão por 2
a 1 e empate em casa, no Olympisch, por 0 a 0. O FC Amsterdam enfrentou o Ajax 12 vezes e venceu ape-
nas em duas ocasiões, perdeu dez jogos e nunca foi capaz
Veio então o Fortuna Düsseldorf na terceira fase. Triunfo
de terminar acima dos Ajacieden na tabela.
por 3 a 0 na Holanda e, fora de casa, outra vitória: 2 a 1. Já
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As Ovelhas Negras
cruzam a ponte
Os “órfãos” das Ovelhas Negras, insatisfeitos com a vezes, se chamaria então VV De Zwarten Schapen entre
fusão, fundaram o clube amador De Zwarte Schapen, 1994 e 1996; quando a cidade de Almere, do outro lado
em 1959. O time disputou os campeonato amadores nos da ponte Hollandse, resolveu atrair atividades esportivas
mais baixos escalões até chegar no segundo nível mais para si, num plano de desenvolvimento municipal e o
alto do amadorismo holandês. Em 1978, mesmo ano do clube acabou atravessando a ponte, deixando Amsterdã.
rebaixamento do FC Amsterdam, o De Zwarte Schapen se
Nascia ali Sporting Flevoland, aludindo a região onde
fundiu com o AVV Argonaut e dava origem ao [Argonaut
está situada a cidade de Almere. Mas o nome duraria
Zwarte Schapen] AZS Amsterdam.
até 2001, quando o projeto ganhou corpo e fundaram
Em 1986, o AZS Amsterdam conquistou a Copa KNVB de oficialmente o FC Omniworld, denominação que durou
futebol amador e começou a trilhar um caminho sinuoso até 2010, quando foi adotado, finalmente, o nome Almere
envolvendo mudanças de nome e de endereço mas com a City FC, que herdou também o apelido de Ovelhas Negras.
mesma ambição original daquele clube fundado em 1954.
Na temporada 2019/20, o Almere City disputa a segunda
Entre 1988 e 1992, o clube passou a se chamar FC De divisão do campeonato holandês e a cidade de Amsterdã
Sloterplas, em alusão a um grande lago no oeste de segue sem um derby, afinal, o que significa “ovelhas ne-
Amsterdã. Em 1994, o famoso ex-jogador do Ajax e da gras”, senão aqueles que são renegados ou que renegam
seleção holandesa, Johnny Rep, assumiu o comando téc- a própria família?
nico do time, que mudaria de nome novamente algumas
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P
ouco mais de um minuto depois da campainha
tocar, surge um senhor de andar cadenciado, com
um chapéu-panamá na cabeça e um par de óculos
com lentes quadradas para abrir o portão na rua. A alguns
quilômetros do centro de Florença, na Itália, ele toma
conta do Museo del Calcio. Este senhor é Fino Fini, nove
décadas de vida, a maioria delas dedicadas ao futebol.
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U
m amigo que morou em Praga por um bom tempo
recomendou um passeio ao forte de Vyšehrad [em
português, quer dizer “Castelo do Alto”]. Mas
não é bem um castelo. É uma fortaleza localizada no alto
de uma montanha à beira do rio Vltava, que corta a cidade.
A fantástica vista do alto das muralhas — que datam do
século X — permite um ângulo perfeito pra contemplar a
capital tcheca. A lenda local diz que Vyšehrad foi a cons-
trução que deu origem à cidade, mas não há registros que
a confirmem essa informação. Lá no topo, a basílica de
São Pedro e São Paulo. Ao lado da basílica, um cemitério.
Que ali jazia Josef Bican, era um fato. Que ele tivesse
marcado cinco mil gols, despertava uma só conclusão:
a de que no Brasil, poucos sabem que o maior artilheiro
de todos os tempos não é Pelé. No entanto, o que menos
importa é a quantidade de gols marcados por Bican, seja
em jogos oficiais ou em amistosos. A lenda em torno do
jogador vai muito além.
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A lenda
Ele jogou por três seleções: Áustria, por quem disputou a
Copa de 1934; Boêmia e Morávia, por alguns jogos em
1939; e República Tcheca, onde pediu cidadania quando
Durante a Copa do Mundo de 2014, os argentinos inva- foi jogar no Slavia Praga. Foi impedido de jogar a Copa do
diam o país e provocavam os brasileiros com a já clássica Mundo pelos tchecos, mas seu sucesso na seleção chegou
“Decime qué se siente”. O troco veio em seguida: “Mil ao ponto de o time tentar boicotá-lo por puro ciúme.
gols, mil gols, mil gols. / Só Pelé, Só Pelé / Maradona chei-
Durante a Segunda Guerra Mundial, ele foi o artilheiro
rador”. Era uma resposta convincente. Para um paulista,
absoluto da Europa por cinco temporadas seguidas jo-
Maradona nunca foi tão bom quanto Pelé. E ninguém
gando pelo Slavia Praga. Quando a guerra terminou, o
marcou mais gols do que o rei do futebol.
atacante recebeu uma proposta da Juventus, mas recusou
Mas o torcedor que saía de São Paulo e ia ao Maracanã após ouvir rumores de que os comunistas tomariam o
ouvia uma versão diferente da música: “Mil gols, mil poder na Itália.
gols, mil gols / Só Pelé, Só Pelé / o Romário e o Túlio!”
Ironicamente, o Partido Comunista tomou o poder em
O carioca acredita nos números que apontam Romário e
Praga, mas Bican recusou-se a aderir aos comunistas —
Túlio como detentores de gols contados em quatro dígitos.
ele havia feito o mesmo com o Partido Nazista, enquanto
Mesmo que o botafoguense não seja fã do baixinho e o
vivia na Áustria. Mas os comunistas foram mais duros e o
vascaíno não goste do Maravilha, vale a pena contradizer
expulsaram da cidade, fazendo com que ele passasse dois
os paulistas.
anos jogando em Vítkovice até voltar a Praga, onde en-
E se alguém entrasse nessa briga dizendo que tem cinco cerrou a carreira em 1955.
mil gols? É isso o que diz a lenda de Josef Bican, o atacante
austríaco que teria deixado Pelé, Romário, Túlio, Puskás
e Gerd Müller no chinelo. Tanto em gols oficiais como em
suas próprias contas.
Bican nasceu em Viena, em 1913. Seu pai era um jogador Mas e os cinco mil gols?
de futebol, lutou na Primeira Guerra Mundial, voltou
sem ferimentos, mas morreu aos 30 anos de idade por se Essa história surgiu em 1969, quando Pelé marcou seu
recusar a operar um dos rins após uma lesão sofrida numa milésimo gol. Como o acontecimento despertava o inte-
partida. Sua mãe — obrigada a criar os quatro filhos resse de todo o planeta, repórteres procuravam por outro
sozinha — já invadiu uma partida para dar uma “guar- jogador que tivesse atingido tal marca. O austríaco Franz
da-chuvada” num garoto que fez uma falta em Bican, Binder — 11º maior artilheiro da história — indicou Bican
nos tempos de categorias de base. aos jornalistas. Quando perguntado sobre o porquê de
jamais ter clamado pelo feito, Bican respondeu: “se eu
Seu fantástico controle de bola era relacionado à pobre-
dissesse que marquei cinco vezes mais gols que Pelé,
za de sua família, que não tinha condições para com-
quem teria acreditado em mim?”
prar chuteiras e fez com que ele jogasse descalço em
seus primeiros anos. Jogou no Schustek e no Farbenlutz De fato, ninguém acreditaria. Bican teria que manter uma
até tornar-se profissional pelo Rapid Viena. Em 1934, aos média de 185 gols por ano — desde os 15 até os 42 anos
21 anos, já tinha feito quase 250 gols [95 deles, oficiais]. de idade, tempo total de sua carreira — para conseguir
Isso rendeu-lhe uma transferência para o Slavia Praga, essa marca. De acordo com o RSSSF, sua média de gols,
onde consagrou sua carreira. contando jogos oficiais e amistosos, foi de 54 por ano.
A história diz que os treinos do Slavia Praga eram um Mas ele era convencido demais para aceitar estes números.
show à parte. Centenas de torcedores pagavam para ver os Para ele, foram cinco mil e ponto final. E assim foi até
truques que Bican era capaz de fazer, na maioria das vezes, o ano de 2001, quando morreu aos 88 anos, em Praga.
exibindo sua pontaria refinada. Dizem que ele colocava Até o fim de seus dias, não aceitava que os atacantes da
diversas garrafas sobre o travessão — cada uma a alguns atualidade tivessem mais créditos que os de antigamente:
centímetros de distância da outra —, posicionava algu-
“Eu ouvi muitas vezes que era mais fácil marcar gols na
mas bolas na entrada da área e derrubava as garrafas,
minha época. Mas as chances eram as mesmas há cem
uma por uma.
anos e serão as mesmas daqui a cem anos. A situação é
Os números de Josef Bican, de acordo com o RSSSF, são idêntica e todos concordariam que, de uma chance, deveria
de 805 gols em 530 jogos oficiais e 663 gols em 388 par- sair um gol. Se eu tivesse cinco chances, eu marcaria cinco
tidas amistosas. A soma totaliza 1468 gols em 918 jogos, gols — se eu tivesse sete, então seriam sete.”
marca superior à de Pelé: 1284 tentos em 1375 exibições.
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Por Miguel
Lourenço Pereira
B
ebeto, Djukić, Fran, Mauro Silva, Donato, Aldana,
López Rekarte. Nomes próprios desta história
que mergulha na mitologia do futebol europeu
uma das suas maiores surpresas. Numa era onde o di-
nheiro começava a fazer, cada vez mais, a diferença, o
Deportivo La Coruña apresentou uma versão alternativa
de como encarar o futebol de alta competição. E trans-
formou a sua política esportiva em gesta. E, de gesta em
gesta, tornou-se lenda.
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guarda-redes Liaño venceu o “Zamora” e as bases para os galegos para o título que confirmaram a duas rodadas
o futuro estavam definitivamente consolidadas. do final da Liga. Nessa temporada, o Depor perdeu apenas
dois jogos em casa [inesperadamente contra Racing e
O ano seguinte foi ainda mais épico e traumático. Os
Numancia] e goleou por 5 a 2 o Real Madrid. Os pontos
homens de Iglesias bateram Barcelona e Real Madrid,
conquistados em casa deram gordura suficiente para gerir
outra vez, e chegaram ao último dia do campeonato como
a vantagem na liga e consumar um milagre histórico.
líderes. Jogavam em casa, contra o Valencia — que perdido
no meio da tabela só fazia figuração — e a vitória era Um título que marcou também uma metamorfose na vida
necessária para assegurar a conquista de um título ines- do clube. Lendoiro ambicionou ir mais longe e começou
perado mas justo mesmo que Barcelona ganhasse o seu a investir mais e mais dinheiro para melhorar a equipe.
jogo no Camp Nou. Os homens de Cruijff cumpriram o Chegaram jogadores como Juan Carlos Valerón, Diego
seu dever e o La Coruña não podia empatar. No Riazor, Tristán, Sérgio, Luque, Pandiani e a equipe tornou-se um
as celebrações antecipadas subitamente sofreram um mata-gigantes das provas européias, transformando-se
sobressalto. No último minuto o Deportivo, que seguia indiretamente num fenômeno de popularidade no Velho
empatado a zero, viu um pênalti ser marcado a seu favor. Continente.
Bebeto, o herói do time durante todo o ano, não quis bater
Vitórias frente ao Manchester United, Arsenal, Bayern,
e o central Djukić errou, adiando assim o primeiro título do
Milan e Juventus no Riazor ajudaram a criar a marca “Euro
clube. A derrota na última jornada da temporada 1993/94
Depor” ao mesmo tempo que o clube mantinha-se como
marcou profundamente Arsenio Iglesias.
a grande alternativa interna aos grandes, terminando no
Na pré-temporada seguinte, o técnico anunciou que se segundo lugar em 2000/01 [atrás do Real Madrid] e em
aposentaria no final do campeonato e deixou os adep- 2001/02 [apenas batido pelo Valencia, no primeiro ano,
tos do clube coruñés a pensar no que seria o seu futuro. desde 1983 que nenhum dos dois grandes de Espanha
Pelo segundo ano consecutivo o Deportivo acabou em termina nos dois primeiros lugares da tabela]. Na tem-
segundo, perdendo agora o título para o Real Madrid de porada seguinte o clube foi terceiro e lançou o definitivo
Jorge Valdano, mas dessa vez antes da última rodada. ataque a um grande título europeu. A gesta definitiva do
Terminar à frente do Barcelona, repetir a medalha de Super Depor terminou em Abril de 2004 num mano a
prata e vencer a Copa del Rey — pela primeira vez! — não mano intenso com o FC Porto de José Mourinho.
foi suficiente para mudar a opinião de Iglesias e para o
Os espanhóis eram favoritos para chegar à final de
seu lugar Lendoiro, o presidente que resgatou o clube
Gelsenkirchen depois de terem eliminado de forma con-
da obscuridade, encontrou no basco Javier Irureta, o
tundente o campeão de 2003, Milan, mas depois de um
homem ideal.
empate sem gols no Estádio do Dragão, marcado pela
“Jabo”, como era conhecido, manteve de pé a filosofia expulsão de Jorge Andrade, um gol de pênalti de Derlei
de Iglesias. Uma equipe sólida na defesa, com um meio- no Riazor acabou com as esperanças da equipe galega.
-campo com muito músculo e espaço para um criativo Foi a sua última gesta.
solitário e uma linha ofensiva móvel e vertical.
Nas temporadas seguintes, e à medida que os seus grandes
Os resultados não acompanharam as exibições nos pri- nomes individuais deixavam progressivamente o clube, as
meiros anos e o Deportivo sofreu para manter-se no arcas ressentiam-se da falta dos milhões da Champions
topo da tabela nas épocas seguintes, particularmente League. A saída de Irureta fechou o ciclo iniciado por
depois das saídas de Bebeto e Aldana. Pouco a pouco o Iglesias e o Deportivo tornou-se de novo numa figura
clube começava a rearmar-se, particularmente graças à secundária do futebol espanhol. Mas para os seus torce-
paciência e olho clínico de Lendoiro, e com as chegadas dores, e para muitos seguidores europeus que fizeram do
de Djalminha, Roy Makaay e Pauleta, o clube encontrou clube azul e branco um dos seus símbolos alternativos,
a combinação certa para voltar a lutar pelo título que lhe a épica lenda do Super Depor permanece viva, guardada
tinha escapado das mãos anos antes. no baú da história de um jogo controlado pelo dinheiro
mas gerido pela ambição de homens como os que fizeram
Irureta alinhava um time onde o virtuosismo de Victor,
daquele La Coruña uma equipe mítica.
Fran e Djalminha que era contra-balanceado pelo traba-
lho de Mauro Silva, Flávio Conceição ou Donato. Os gols
de Makaay e a eficácia defensiva de Naybet, Romero e
Manuel Pablo garantiam um equilíbrio em ambos vér-
tices do campo. E com esse alinhamento, o Super Depor
renasceu de forma definitiva.
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U
ma espécie em extinção em seu habitat natural.
Relaxado, à vontade, sem nenhuma formalida-
de, como ele mesmo quis. “Vamos fazer aqui
mesmo”, Djalminha preferiu falar com a Corner no Rei
do Caranguejo, em Barra de Guaratiba, onde tomava sua
cerveja com amigos de longa data. Um refúgio na Zona
Oeste do Rio de Janeiro, a mais de 20 quilômetros do Barra
Shopping e distante de qualquer badalação.
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A tua relação com o teu pai, o fato de terem o mes- “Eu não tenho nenhuma
mo nome, ajudou, atrapalhou?
mágoa do Zagallo.
Na verdade, futebolisticamente, eu não me lembro dele
jogando profissionalmente, ele parou em 1973 e eu nasci Minha mãe tem,
em 1970. Mas é a minha referência maior. Quando as com certeza.”
pessoas me perguntam, o meu ídolo, é o meu pai. Era meu
amigo, um cara que me cobrou muito e nunca exigiu que eu
fosse jogador de futebol. A obrigação era estudar. Futebol
era algo que eu gostava muito, um dom que eu tinha. Eu
fui sozinho pro futebol, me viram jogando pelada na rua,
fui pro futsal, e meu pai só começou a me acompanhar
um ano depois. Ele foi fundamental na minha vida, uma
pena que eu o tenha perdido cedo. Eu estou dando essa Seu pai era titular com João Saldanha nas elimi-
entrevista e gostaria que ele estivesse sabendo que essa natórias da Copa de 1970, mas não foi convocado
é a verdade. Foi uma referência principalmente como pelo Zagallo pro Mundial. Existia alguma mágoa?
pessoa muito mais do que como atleta. Ele falava disso?
Nunca falei sobre isso com o meu pai. Mas se perguntar pra
Ele queria que você fosse o que?
minha mãe, ela tem, pois em 1998 era o Zagallo também e
Ele queria que eu estudasse. Se eu não estudasse ele não eu não fui. Eu não tenho nenhuma mágoa com o Zagallo,
deixava eu jogar futebol. Como eu amava futebol, estu- foi o primeiro técnico a me convocar pra Seleção, mas a
dava. Era assim. Ele me cobrava no estudo e não pra que minha mãe com certeza tem! Ele não levou meu pai em
eu fosse alguma coisa. 1970, ele foi titular em todos os jogos das eliminatórias e
não foi pra Copa. As pessoas se lembram muito mais que
Seu pai era primo de Carlos Alberto Torres. Não eu fiquei de fora da Copa de 2002, mas em 1998 eu estava
era muito talento pra poucas Copas do Mundo? bem melhor em todos os aspectos do que em 2002, e o
Inclusive o Alexandre Torres, que foi um excelente jogador Zagallo não me levou. Mas sinceramente, eu não tenho
e poderia ter uma Copa. Eu acho que sim, mas são coisas nenhuma mágoa. Minha mãe tem, com certeza.
que acontecem. Carlos Alberto jogou só a de 1970. Meu
pai não jogou nenhuma, eu não joguei nenhuma, mas Você não foi pra Copa de 2002, por conta da cabe-
enfim… Mas sim, ter quatro jogadores nesse nível numa çada no Irureta..
mesma família é difícil. São poucos os casos de pais e Há controvérsias…
filhos que sejam grandes jogadores.
Então, fale sobre isso. Você teria ido no lugar no
Seu pai ficou quase sete meses sem jogar no Kaká, que era um garoto daquela geração. Ou me-
Palmeiras antes de ir pro Galo, tinha a questão do lhor, o Kaká foi no teu lugar…
passe. Ele ter passado por isso, te fez mais feroz
Sendo bem claro. Felipão foi ver um jogo. Barcelona e La
para brigar pelos teus direitos?
Coruña no Camp Nou e tinha um da Champions League
Me fez mais forte sim. Eu sempre fui um cara, como todos logo depois. Eu estava jogando todos os jogos do campe-
sabem, de personalidade forte. E é muito bom tocar nesse onato espanhol e às vezes não era titular na Champions.
assunto. A questão da lei do passe é muito conhecida Esse jogo em Barcelona, o Irureta não me coloca pra jogar.
pelo Afonsinho de quem meu pai era muito amigo e eu Eu fiquei louco, porque eu sabia que o Felipão estava lá,
também sou. Ele foi sempre muito presente nas nossas era uma oportunidade maravilhosa. Mas nós saímos
vidas. Mas foi meu pai que começou essa briga de ficar pra jantar depois do jogo, ele falou: “Djalma, tu tem
sete meses parado brigando pelo direito de jogar. Assim, 31 anos, eu conheço o teu futebol, você não precisa me
eu já nasci com essa visão de que os dirigentes não são mostrar nada.” Eu ainda perguntei a ele se eu saísse em
bonzinhos. Não pensam no atleta como ser humano, é só dezembro, se ele achava que ia ser melhor, ele disse que
sugar, sugar, e quando não serve mais não te respeitam, não precisava. Eu forçaria a minha saída, porque eu tinha
te execram. Não respeitam que você queira mudar de uma proposta do Lyon, pra poder jogar até a Copa, pra
local de trabalho. Não aceitaram que meu pai quis ir pro estar jogando. Ele disse que não precisava. E aconteceu a
Santos naquela época e teve que ficar sete meses parado, confusão com o treinador que eu realmente não gostava
ir pro Atlético Mineiro emprestado pra depois poder ir há muito tempo. Se ele quisesse realmente me convocar,
pro Santos. Interromperam sete meses de uma carreira. me convocaria, só que ele tinha muita pressão na época
Não é fácil ficar tanto tempo sem jogar. Eu levei muito em função do Romário, que ele disse que não convocou por
isso pra mim. Você tem que buscar o seu espaço e pensar indisciplina e quando acontece meu episódio na Espanha,
só em si na sua profissão, porque se você depender de um o caso explode nos jornais aqui no Brasil. Como eu não
clube ou de dirigente, você está ferrado. seria titular, que contava comigo pra quando os jogos
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Christoph Daum.
Quem mandou contratar ele? Ele reclamou do meu
individualismo?
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Por isso eu era mais individualista. disse que não queria prêmio, não queria nada. Rescinde
agora! E o treino era em outro lugar, tinha que ir no clube
Tem aquela frase de que time ruim enterra craque pra poder rescindir, o Marcelo, meu representante está
e time bom consagra perna de pau. É isso? puto comigo até hoje porque ele deixou pra ganhar as
É claro! Óbvio. Quando cheguei era outro treinador. Era comissões dele só no final, quando eu fosse contratado
maravilhoso, o Walter Schachner. Foi um grande jogador em definitivo. Vai me chamar a atenção porque eu perdi
de lá. Ele era muito gente boa e um ótimo treinador. Só que um vôo? Deu uma merda lá no aeroporto, eu perdi o car-
o chefão lá quando me contratou, eu avisei pra ele, com tão de embarque, mas já estava na área de embarque, já
esse time nós não vamos. Aqui na Áustria até dá, vamos estava na porta, e quiseram me chamar a atenção. Então
ganhar tudo, mas pra jogar a fase de grupos da Champions, rescinde! Assinei a rescisão, não recebi prêmio, dei tchau
não vamos conseguir passar da fase prévia. Terminamos o e peguei um vôo pra Espanha na mesma hora. Meus filhos
campeonato com mais de 20 pontos na frente do segundo, precisavam terminar o colégio e eu voltei antes. Assim,
ganhamos a copa de lá, ganhamos tudo. Mas eu sabia que não tinha mais tesão de ficar lá, num campeonato fraco,
não dava [pra disputar a Champions League]. Ainda demos ruim, e pro objetivo deles, eu até abracei a idéia, mas teria
o azar de cair pro Porto [na segunda fase da Copa da UEFA que contratar mais jogadores.
2002/03, o Porto viria a ser campeão daquela edição com
Mourinho como técnico]. Eles tinham um time 50 vezes Aí você volta pra Espanha, com o Irureta ainda,
melhor que o nosso. Primeiro jogo, o Porto ficou parado como foi isso?
sem atacar a gente. Tentamos, tentamos e o Porto foi lá Irureta nunca foi o problema pra mim. Foi o treinador
e fez 1 a 0 em Viena. Lá, em Portugal, perdemos de 2 a 0. com quem eu mais tempo trabalhei na vida.
Ou seja, eu avisei.
Teve uma notícia da Folha
Mas voltando ao louco do
na época, dizendo que o
Daum, que e um bom treina-
Irureta tinha te perdoado.
dor mas e maluco, tem uma
filosofia meio louca, uns trei- Me perdoar de que? O que
acontece, na Áustria eu joguei
namentos loucos e me encheu “Irureta achava que e ainda me sentia competitivo,
o saco. A gente estava 10 pon-
tos a frente e ele chegava no eu e o Valerón não por isso que abandonei e quis
domingo, marcava o treino às poderíamos jogar voltar pra Espanha. Não me
sete da manhã e ficava falando arrependo de nada. Mas eu
por duas horas, falava que o
juntos” poderia ficar “roubando” lá
time jogou mal. Eu perdi a pa- mais dois aninhos, ia ser cam-
ciência. Quando veio o inverno peão. Eu sabia que a parada
eu desanimei geral. Quando na Espanha ia ser difícil, não
eu cheguei e vi aquele clima que o Irureta não gostasse de
maravilhoso, uma cidade ma- mim, mas ele achava que eu e
ravilhosa, no verão… o Valerón não poderíamos jogar juntos. Mas aí eu optei
pela qualidade de vida. Não vou me acomodar também,
Fala de Viena. vou lutar pela posição. Mas eu tinha um problema com
a Receita Federal de lá. Embargaram tudo meu. E foi por
Cidade espetacular, as pessoas nem tanto, são distantes…
culpa do clube, não minha. O clube não pagou meu imposto
quando eu fui pra Áustria. O presidente do La Coruña
Mas isso é bom pra você como jogador, de poder
até me ajudou, pois se ele me pagasse ia ficar retido. O
andar na rua…
presidente disse que ia resolver e como eu tinha muita
Sim, eu gostava disso, nunca me reconheciam em lugar moral lá, o Irureta teve que me engolir, digamos.
nenhum.
Então era um problema, apesar de você dizer que
Em Corunha, você tinha essa liberdade? não era.
Como a gente ganhava, não nos incomodavam, lá era Sim, porque ele sabia que eu ia querer jogar, eu ia ar-
paixão e eu sou apaixonado por aquele lugar. Mas voltando rumar confusão pra jogar. Eu no treino não dava bola
ao Daum, ficava cheio de coisa e eu me sentia na obrigação pra ninguém, treinava como um louco, queria jogar. Eu
de fazer mais pelo time. Eu não fui só pelo dinheiro. Tanto tinha muita moral, o time nunca tinha sido campeão e foi
que um dia eu enchi o saco, porque eu fui à Espanha e campeão comigo jogando. O Valerón nunca foi campeão.
perdi o vôo de volta, eles me chamaram pra conversar, Os caras me amam. Eu tinha muito prestígio no clube.
pra me dar um puxão de orelha, nisso eu nem quis saber, Como eles não resolveram a questão do meu imposto, eu
falei pra rescindir meu contrato. “Mas falta um jogo pra esperei o time chegar nas quartas de final da Champions
acabar o campeonato e você vai perder os prêmios”, eu pra entrar na justiça contra o clube. Se eu entrasse na
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justiça só depois que eu saísse, nunca mais ia receber. você é bom, você faz o que você quer em campo. O Messi
Quando bateu na justiça a juíza já deu o parecer favorável faz o que ele quer. Mas quando não, tem que seguir o
pra mim. Eu terminei o campeonato e tinha mais um ano baile. Quando você é acima da média você impõe as tuas
de contrato. Pedi pro presidente me deixar livre. “regras”.
Você consegue imaginar como seria o Djalminha Você falou da influência do seu pai na sua for-
jogador no mundo com redes sociais? mação como indivíduo, mas fala da tua formação
Estava fodido! Seria complicado. Eu não sou dessa geração. como jogador. Você jogou futsal até que idade?
É diferente. Mas eu ia conseguir me mover, mas aquele Até os 14 anos.
Djalminha teria muitos problemas. Mas isso aqui [aponta
pra mesa com o copo de cerveja na mão], esses caras Dali você vai pro Flamengo e faz o infantil, juvenil,
são meus amigos de longa data. Minha vida sempre foi júnior e profissional…
essa. Chegava de férias e pro bar com eles, pra resenha, Nenhum treinador me cobrou mais do que meu pai. Eu
minha vida é essa. Tomar a minha cerveja sempre foi fazia quatro gols no futsal e ele dizia que foi uma mer-
sagrada. Eu ia me dar mal, não ia ficar trancado em casa da. Eu: “uma merda? O jogo foi 5 a 0 e eu fiz quatro!” O
fazendo festinha, eu gosto da rua, de estar em contato papo era reto, ele disse que eu tinha perdido três gols e
com os outros. poderia ter feito sete. Era assim. Minha mãe pedia pra
ele não cobrar tanto. Eu ficava puto.
Você tem idéia de quanto
você corria em campo?? Teu pai te ajudou em como
Eu sempre estive bem fisica- bater na bola, em como
mente. Mas jamais colocaria proteger a bola, onde você
um negócio daquilo no peito. acha que se desenvolveu
Ia me rebelar com isso. mais? No futsal? Teve
algum técnico que te esti-
Riquelme já disse algo
“No Flamengo foi a mulou mais?
semelhante. Ele questio- melhor base que eu Meu pai me levava pra Quinta
nou essa aferição. Pois poderia ter tido. Graças da Boa Vista e a gente ficava
aquilo não mede se o cara
correu errado. Só mede a a Deus peguei uma batendo bola. Passe longo,
passe curto. Ele não errava, era
distância. época que era um muito bom tecnicamente e eu
Ia me incomodar, qualquer Flamengo de verdade.” não podia errar. A gente ia só
coisa no meu corpo ia me in- nós dois. Entrava no carro e ia
comodar. E segundo, que em pra lá. Foi o que me doutrinou.
vez de marcar o quanto eu
corro, marca o que eu faço. E posicionamento, ele
Sendo bem sincero. Não vou corrigia?
dar nomes. Jogadores que Não, nisso não, mais tecnica-
ainda jogam me disseram que mente mesmo. Ele era zaguei-
prejudica o rendimento, porque não deixa você pensar. ro, nisso ele não interferiu.
Tem horas que você tem que ficar parado, que por in-
tuição, você percebe que a bola vai chegar naquele lugar. Peladas, futsal, campo. Onde você aprendeu mais?
Mas você não pode mais ficar parado, porque vão ver que
No Flamengo, no campo, foi a melhor base que eu poderia
você não correu. Quantas vezes eu nem precisei ir marcar
ter tido. Graças a Deus peguei uma época ali que era um
o volante contrário, pois eu sabia que ele era ruim, que
Flamengo de verdade. Tinha o Projeto Soma, né? Que era
ele ia perder sozinho, hoje eu teria que ir lá, correr à toa,
pros moleques franzinos. Eu, Marquinhos, Marcelinho,
e isso prejudica o jogo. Mas pra peitar, tem que ser bom.
Fabinho, Paulo Nunes. Tudo Projeto Soma. Tinha o Luis
Quem erra mais passe no Barcelona? Messi. Então tira ele,
Antônio, mas ele já era forte, não precisava. Nem ele nem
porque ele é quem erra mais passes. Eu não tenho a menor
o Rogério [Lourenço], que aliás, a gente dizia: “não é
idéia do quanto eu corria, nem me preocupava com isso.
possível, tu é gato”, e pode ver, hoje ele está muito mais
Em todos os clubes que eu joguei, eu nunca estive abaixo
acabado que a gente. Eu era o melhor, mas era franzino.
dos oito melhores fisicamente em qualquer aspecto.
No time campeão brasileiro de 1992, você joga
Então, você não usaria aquele medidor? Se você muito pouco. Nélio e Paulo Nunes eram titulares.
tivesse vinte anos a menos e ainda jogasse. Marcelinho jogava bastante também e o Rogério
Obrigado, eu usaria, se estivessem me pagando dez mi- era o substituto imediato na zaga.
lhões, jogaria até de óculos. Mas não concordaria. Quando
71
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Eu começo o campeonato de titular, na ponta esquerda, Como foi essa passagem pelo Bugre?
porque o Nélio estava na Seleção. Aí joga com aquele Mas jogamos pouco tempo juntos. Eu cheguei e o Amoroso
meio de campo: Uidemar, Júnior e Zinho; Paulo Nunes, tinha metido 40 gols no aspirante e o treinador era o Levir
Gaúcho e eu. Mas ali não dava pra mim. Não era a mi- Culpi. Eu tive muita influência e pedi pro Levir subir o
nha. E o Carlinhos honestamente me diz, que não ia dar moleque. Antes de começar o Brasileiro, o Levir caiu e
pra eu jogar enquanto o Júnior estivesse jogando. Eu veio o Carlos Alberto Silva. Eu jogo o primeiro jogo contra
não conseguia correr igual ao Zinho. Não dava pra jogar o Cruzeiro, faço dois gols, Amoroso me dá o passe pra
Uidemar, Júnior e eu. Eu ia entrar um jogo ou outro, ele um. Joguei mais uns dois ou três jogos e fui pro Japão
foi muito honesto, eu me revoltei com ele, mas depois nesse brasileiro que ele foi destaque. Se eu não tivesse ido
fiquei apaixonado por ele. embora, ia ser difícil, jogar nós três, eles arrebentaram,
fizeram aquela dupla maravilhosa. Fiquei seis meses no
Você se revoltou com o Carlinhos? Japão e volto em 1995, quando fizeram aquela música
Sim, me revoltei porque ele me falou a verdade que eu “não é mole não, é Amoroso, Djalminha e Luizão”, só
não queria ouvir. Fiquei puto, eu queria jogar, eu sabia que ele jogou uns poucos jogos e sentiu o joelho e teve
que eu tinha potencial. E quando eu fui mandado embora que operar. Com o Luizão eu joguei bastante, mas com o
do Flamengo e vou pro Guarani, quem era o técnico do Amoroso joguei pouco.
Guarani? Carlinhos! Eu estou subindo pra sala do presi-
dente e ele fala com essas palavras: “Presidente, dá tudo Você vai pro Palmeiras e joga naquele time de
pra esse aí que ele é o cara”. Não é que eu não gostava 1996…
dele, mas a verdade dói. E o Maestro [Júnior] na época O melhor time que eu joguei na minha vida como
estava jogando pra caramba, não tinha jeito. profissional.
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Estão falando. Mas se eles entendem eu não sei. Se você me E o Showbol? Tem a ver com isso?
ensinar a falar sobre um assunto, eu vou aprender, mas Ali é prazer máximo. Você não faz idéia do que é o teu
não vou entender necessariamente. Os jogadores de hoje ídolo te agradecer por você ajudar a encher a geladeira
sabem falar de tática, mas entender é outra coisa. Sabe o dele. Você não tem noção do que é isso. Retribuir à minha
que eu fazia? Falava pros meus companheiros em campo, classe, os ex-atletas. E era um prazer porque eu estava em
você vai pra lá, você vem pra cá. O que tem de tática nisso? alto nível ali. Eu tenho vontade de jogar, mas não volto.
Linguagem de campo. Eu mandava o cara tomar naquele Não dá mais. Eu vou fazer 50 anos. Não posso fazer feio.
lugar, falava pra ele não passar dali.
Maurinho, ex-lateral, o Mauro Fonseca, certa vez
E como você fez isso na Áustria e no Japão? confessou que ele jogava o Showbol por conta da
Eu xingava de tudo quanto era nome o tempo inteiro. Mas adrenalina da competição. Existe isso? É viciante?
no Japão, o Rivelino xingava mais do que eu, aí eu só ria. Eu sou assim, mas a minha competição passou a ser no
Eu entendia muito ele. Tentar explicar pra um cara que futevôlei. Quando eu comecei o Showbol, era só com joga-
não tem qualidade e ele não entender é muito complicado. dores da minha geração de 1970, só tomamos porrada. Eu
Por isso que eu nunca pensei em ser treinador, porque comecei a pegar um aqui outro ali pra competir. Cheguei
eu acho que não ia ter paciência. Eu vou chamar o cara no posto de gasolina um dia e o frentista veio me cobrar
de burro e não pode fazer isso. que tinha perdido no Showbol. Não, cobrança de novo,
não! Armei um time bom e ganhamos tudo. Ninguém
Como isso te influenciou na tomada de decisão pra gosta de perder.
parar de jogar?
Influenciou porque eu senti que não tinha mais o mesmo Essa é a questão, da abstinência da adrenalina.
rendimento. Eu me cobrava Eu morro se não tiver.
muito e não conseguia mais Consegui no futevôlei, já estou
resolver sozinho as coisas no surfe, no pôquer, qualquer
que eu costumava resolver. A parada. Isso pra mim é vida.
cabeça funciona, mas o corpo Ficar tenso é muito bom.
não é mais o mesmo. Eu tinha “Eu morro se não tiver
certeza que se eu voltasse pro
Brasil, a cobrança ia ser pelo
[adrenalina]. Consegui Tem um outro lado, você
falou da ajuda financeira
Djalminha que eles viram e no futevôlei, já estou no pros ex-jogadores mas…
isso ia me incomodar.
surfe.” Tem a qualidade de vida. Eu
sempre falo com a galera. O
E o pior, pois você jogou
cara pára de jogar, fica gordão,
num time que todo mundo
enfarta e morre. Aí o cara se
via aqui no Brasil, pri-
cuida mais.
meiro foi o Bebeto, depois
o Rivaldo, todos viam aquele La Coruña mas sem
Tem um passo além, alcoolismo ou qualquer outro
tanta exposição, só os principais jogos. Logo, iam
vício pra suprir a abstinência, o Showbol ajuda?
querer aquele melhor Djalminha.
Olha, não tem tanto poder, pois o Showbol dura um mês,
Exato. E o que me ajudou muito, foi o fato do meu pai ter
três vezes por ano, não dura um ano. Não dá pra mudar
sido jogador. Eu vi todo o processo. Ele parou, na época
um ser humano. Se ele observar que ali ele consegue
não se ganhava tanto, mas eu sempre tive uma vida boa.
ganhar um trocado, ele vai se cuidar, mas ele não vai
Ele parou em 1973, eu nasci em 1970. Mas eu percebi que
conseguir só por causa disso. Mas quando o cara deixa
as coisas iam caindo de padrão. Eu guardei isso na minha
de ter a competição, pra ele se viciar em alguma coisa é
cabeça. Eu tinha que parar com uma cabeça boa. Porque
mole. Álcool ou qualquer droga. A pessoa fica perdida, ela
muito jogador se fode por isso, por não saber fazer ou-
precisa encontrar outras coisas. Eu encontrei rapidinho
tra coisa e não aceita parar. Eu admiro quem joga até os
no Showbol. Tive sorte. Parei de jogar e já comecei com
quarenta. Nada contra. Opção de cada um.
o Showbol.
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seis anos que quer, pra ganhar o teu salário, aí é foda. Eu nem gosto
muito de falar disso, eu gosto de fazer.
fiquei lá, eu Por falar em técnico, você falou dos seus proble-
nunca perdi pro mas com o Irureta no Deportivo, mas você chega
bem antes, ainda no Super Depor. Esse “proje-
Barcelona ou to” começou com Bebeto, Mauro Silva e Donato,
depois chega o Rivaldo e você na seqüência. Teve
pro Real Madrid outro jogo que você jogou com o Rivaldo.
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do Deportivo. Eu gosto de bater récordes. cabeça, ele nem tinha o direito de reclamar, só porque
perdi aquela? Ele começou a gritar comigo, eu respondi,
A força desse Depor era impressionante. Na me chamou de moleque e eu fui pra cima. Brigamos.
Champions de 2000/01, na fase de grupos, jogo Entramos no vestiário e ele começa a falar que “essa
de volta, contra o Milan no San Siro, o jogo estava molecada é muito abusada” e eu já estava no chuveiro,
zero a zero. Pênalti pro La Coruña. Você bate. ouvi no banho, e respondi “foda é aturar esses velhos que
Quando o Capdevilla sofreu aquele pênalti, eu já peguei não servem pra nada, esses velhos mortos, que a diretoria
a bola e ele veio me dizer pra não dar a cavadinha. Que encobre”, enfim. Ficou nisso. No dia seguinte, cancelaram
não o quê! Eu vi o goleiro, o Rossi, grandão, ele ia pular o treino, chamaram ele às 9h e eu às 10h. Não sei se ele
com certeza. Nem duvidei. Tchau. O treinador nunca teve influência nisso. Mas nem conversaram comigo, já
falou nada comigo. Eu nunca perdi um pênalti, pô. Ele chegaram falando que iam rescindir o meu contrato. Eu
não gostava, mas nunca me pediu pra não bater daquele acho que eles esperavam outra reação minha. Mas eu
jeito. O Vanderlei já. Mas eu bati tranquilão, foi moleza, falei “está bem”. Eu sozinho, sem empresário, nem tinha
colocar a bolinha ali na marca... empresário. Eu tinha 22 anos. Aí eu perguntei se o passe
era meu. Quando eu disse isso, mudaram o semblante,
Djalma, desculpe te interromper, mas era contra o e disseram que eu tinha direito a falar. Falar o que? Não
Milan no San Siro pela Champions League, como tinha nada pra falar. Perguntei de novo se o passe era
assim moleza? meu, disseram que não era bem assim. Eu saí, peguei
tudo meu, minhas chuteiras, tudo. Fui embora. Nunca
Difícil é fazer um gol de fora da área. Agora, eu coloco a
mais voltei ao Flamengo. Aí, o Carlos Alberto Torres,
bola na marca do pênalti, o gol está ali, eu olho e posso
que até passei grande parte da infância junto com eles,
chutar em qualquer lugar sem ninguém do meu lado.
mas era uma pessoa mais distante, quando ele soube o
Difícil é fazer um de cabeça naquela defesa com o Maldini…
que aconteceu, ele foi comigo lá no clube e todo mundo
Agora, pênalti? Fácil, já era.
tremeu quando ele chegou. Ele disse que tinham que pagar
Quem você odiava quando te marcava? tudo que me deviam e disseram pra marcar uma reunião.
Marcamos. Isaías Tinoco, que foi quem me deu a notícia
Makélélé. E no Brasil, o Amaral. Eles não faziam falta,
da rescisão do contrato, Edmundo Santos Silva, ele era
ficavam te mordendo, você driblava, eles vinham de novo.
do financeiro, eu e Carlos Alberto Torres na reunião.
Quando o cara te dá uma porrada é mole, você dribla e
Eles vieram dizer que tinham mudado de idéia, que iam
é falta. Esses dois eram incansáveis. O Makélélé desde a
me aplicar uma suspensão. O Carlos Alberto já disse que
época do Celta e o Amaral quando eu jogava contra ele
estava tudo errado. Nisso me emprestaram, pagaram o
no Brasil.
que me deviam, fui embora e nunca mais voltei.
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E com o Renato, você se resolveu com ele? Conceição e eu. Eu falei mesmo, “vim pra ser campeão”.
É meu cliente no futevôlei! Ele não tem culpa de nada. Eu me lembro num jogo que eu foi o primeiro pênalti
Quem manda no clube é o dirigente. Não foi o Renato. que eu perdi na vida, La Coruña e Mérida, com o Navarro
Normal, coisa de bola. Na época, no início ficou um clima Motoya no gol. Estava 0 a 0 e na seqüência eles fizeram o
ruim entre eu e ele. Mas no final daquele ano, teve uma gol, no segundo tempo já. Eu comecei a querer resolver
pelada na praia, e ele já veio falar comigo. A gente se dava tudo sozinho, foi o pior jogo da minha vida, só fiz merda.
muito bem, foi uma coisa de campo. No futebol a gente Acabou o jogo, eu fui lá e falei: “hoje o La Corunã perdeu
briga muito. Já briguei com um monte de companheiros, por minha culpa, mas eu tenho certeza que vai ganhar
isso é normal. Faz parte. muitos jogos por minha causa também”.
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E
u vi o que Vanderlei Luxemburgo profetizou no
jantar em janeiro de 1996, depois do amistoso
de estreia da temporada contra o Grêmio (vice
mundial um mês antes). O Palmeiras venceu por 2 a 1
em casa. Mas poderia ter sido fácil o repeteco dos 5 a 1
da Libertadores de 1995. O Brasil também veria o que ele
planejou. Pena que a América e o mundo não puderam
ver mais do que cinco meses de um melhores futebóis
da história.
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Arquivo/Agência Estado
Na zaga, melhor protegida pelos volantes, Luxemburgo na armação, Luizão no comando do ataque, Muller mais
recuperara a confiança e a condição física de Cléber. E pela esquerda em parceria com Júnior, com o corredor
ainda apostara com ele que o zagueirão ajudaria na frente direito aberto para Cafu apoiar.
fazendo gols. Só o zagueiro pela direita ficaria mais atrás.
Pelo contrato com as televisões fechadas, a ESPN Brasil
Era para ser titular Cláudio, ex-Guarani. Mas lesões e a
tinha o direito de escolher o jogo que transmitiria no
eficiência naqueles meses de Sandro Blum [ex-Juventude,
Paulista. O Sportv ficava com a segunda partida. Quase to-
irmão de leite gaúcho também patrocinado pela Parmalat]
dos os jogos palmeirenses passaram na ESPN. Jornalistas
garantiram uma zaga firme de um time que jogou como
faziam questão de ver o Palmeiras jogar. E o bolão era
raros na história, e não deixava os rivais chegarem perto
“quanto seria?”, Independentemente do rival e do mando.
da meta de Velloso — também em grande fase.
Fui convidado a dirigir um documentário a respeito da-
No Paulista, o Palmeiras de 1996 repetiu a proeza da quele time. Algo então raro. Os caros direitos de TV en-
“Primeira Academia” de Filpo Núñez, que ganhou os tão inviabilizaram a produção de um time com futebol
dois turnos do torneio Rio-São Paulo e cancelou as finais. de cinema. Insaciável em campo. E fora dele. Marcado
No estadual, foram absurdas 27 vitórias, dois empates, dentro e fora de campo, ótima parte daquele time tinha
e uma derrota em Campinas para o Guarani. Foram 102 apetite insaciável também nas horas de folga. Foi um
gols marcados. Seis deles na goleada contra o Santos vice dos elencos mais encantadores da história do futebol.
brasileiro em 1995. Um 6 a 0 na Vila Belmiro! Um alviverde Imponente.
Teve outros dois 8 a 0 em Ribeirão Preto e Aracaju contra Uma maravilha que durou apenas cinco meses e segue
Botafogo e Sergipe. “O time entrava em campo discutindo sendo exemplo de um futebol espetacular. O que ajudou
quanto seria o placar”, lembra Muller. Luxemburgo in- meu primogênito a ser palmeirense quando o time estava
sistia para que fosse sempre mais. Fazia um gol, buscava na Série B em 2003. Em vez de ver os jogos sofridos na
muitos mais. A melhor maneira de respeitar o rival era Segundona, o pai mostrava os VHS de 1996. Uma aula
querendo mais gols. E eles vinham. Djalminha e Rivaldo de futebol e de Palmeiras. Foi eterno enquanto durou.
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Dias após ser contratado pelo Flamengo, Romário voltou Kléber também confirmou que todas as conversas exis-
à Europa para receber o prêmio de melhor jogador do tiram tanto com a FPF quanto com o Araçatuba, não foi
mundo. Era uma realidade que já podia ser considerada simplesmente uma notícia plantada sem sustentação.
fantástica nos anos 1990. O futebol europeu já concen- Farah tinha ambições de atingir a presidência da CBF na
trava os melhores jogadores do planeta, mesmo antes da eleição de 2000 e fez várias inovações no campeonato
Lei Bosman ser sancionada, no final daquele ano de 1995. paulista para, no fim das contas, se auto-promover.
Voltando ao final de 1997, com o título “inesperado” do No final, Flamengo e FERJ chegaram a um acordo. Os
Vasco naquele campeonato brasileiro que contou com a rumores do Flamengo disputar o Paulistão foram descar-
melhor versão de Edmundo, artilheiro do com 29 gols — tados, mas mais uma cisão ainda estava por vir. O ano de
outro jogador que passou pelo Flamengo de Kléber Leite 1998 começou e, outra vez, regado de reforços ao melhor
mas sem deixar saudade —, o presidente Rubro-Negro estilo Kléber Leite.
chacoalhou a imprensa com uma “bomba”.
Era a segunda volta de Romário ao Flamengo. O craque
Radialista por muitos anos, Kléber Leite entendia a força da tinha deixado o clube no meio de 1996 rumo ao Valencia
mídia esportiva para conseguir mudanças impossíveis so- mas retornou ao Flamengo no final daquele mesmo ano
mente com articulações políticas. Ele foi repórter de campo após desentendimento com o técnico Luís Aragonés. No
e fazia dupla com Loureiro Neto nos tempos de Jorge Cury final de 1997, foi a vez do Baixinho tretar com Claudio
com o saudoso jargão “Kléber Loureiro, Loureiro Kléber”. Ranieri e acertar o retorno ao Flamengo.
Naquele final de 1997, o diário esportivo Lance! acabava Juntamente com Romário, foram apresentados outros jo-
de ser lançado para competir com o histórico Jornal dos gadores de luxo: Rodrigo Fabri e Zé Roberto pertencentes
Sports, de papel rosa. O Lance! adotava um formato mais ao Real Madrid além de Cleisson e Palhinha, vindos do
parecido ao do argentino Olé, com outro design, mais Cruzeiro, que conquistaram a Taça Libertadores com o
“atual” e promoções que marcaram uma época, como a técnico Paulo Autuori que comandava aquele Flamengo.
coleção de 20 selos para se conseguir uma bola de futebol.
Rodrigo Fabri e Zé Roberto vieram em contrapartida
Kléber Leite articulou com o presidente da Federação de pela venda de Sávio, que conquistou os corações me-
Futebol Paulista da época, Eduardo José Farah, a partici- rengues após uma excursão do Flamengo à Europa no
pação do Flamengo no Campeonato Paulista. As conversas verão europeu. No troféu Palma de Mallorca, Sávio teve
envolviam o Araçatuba que tinha uma dívidas trabalhistas uma atuação sublime diante do campeão da Champions
— e também com a própria FPF — e o clube carioca arcaria League e foi contratado.
com as pendências, na casa de R$ 1,3 milhão.
Apesar da baixa, os reforços recolocavam o Flamengo
Segundo o então presidente do Flamengo, o campeonato no centro das atenções da mídia. Era o último ano de
carioca tinha que sofrer mudanças para compensar o in- Kléber Leite na presidência e um título de expressão se
vestimento. “Tenho uma folha de pagamento de R$ 650 fazia necessário.
mil mensais e não posso mais disputar um campeonato
Aquele 1998 até chegou a iludir os rubro-negros, mas
sem datas e jogos marcados”, como conta a Folha de S.
o clube resolveu abandonar o campeonato estadual que
Paulo em 7 de novembro de 1997.
terminaria com o Vasco campeão. Fluminense e Botafogo
Tanto o presidente do Araçatuba quanto o Eduardo José se juntaram ao “boicote” por divergências no calendário
Farah, que presidia a FPF, confirmaram as tratativas que com a federação de futebol carioca.
não tinham ainda detalhes como e onde o clube carioca
Já o Vasco, que tinha boas relações históricas com a FERJ
treinaria ou qual uniforme seria usado. Chegou a surgir
seguiu adiante e levantou a taça “dentro de campo” e nos
a idéia de uma camisa, com detalhes em amarelo, cores
bastidores. Os três clubes não concordavam com as par-
do clube paulista e o restante em vermelho e preto.
tidas adiadas que beneficiavam o Cruzmaltino. À medida
Kléber Leite, como bom comunicador que era e até marke- que avançava na Copa do Brasil e na Libertadores, o ca-
teiro, soube usar bem a mídia para pressionar a FERJ, pre- lendário espremia as datas entre um jogo e outro e a FERJ
sidida por um desafeto: Eduardo Vianna, o famoso Caixa se sensibilizava diante dos pedidos de Eurico Miranda que
D’Água. As insatisfações entre o Rubro-Negro e a federação sempre soube colocar os regulamentos debaixo do braço.
carioca ficaram ainda mais evidentes no ano seguinte.
Primeiro, o Botafogo não compareceu para um duelo
A estratégia era desestabilizar o poder na FERJ e mos- contra o Vasco. Depois, houve uma Fla-Flu com duplo
trar o interesse do Flamengo em um campeonato mais WO. O Vasco precisou vencer o Bangu por 1 a0 pra garantir
rentável. O próprio Kléber Leite confessou ao UOL em o título da Taça Rio e como havia obtido o título da Taça
2012 que o objetivo era esse, de chacoalhar as coisas. Guanabara, consolidou-se como campeão carioca. Era o
“Foi uma sacudida para acordarem e levarem a sério. primeiro título do ano do centenário do Vasco.
Criamos a possibilidade de disputar o Paulista, foi uma
Em 1995, ano que o Flamengo comemorava cem anos,
confusão danada, surtiu efeito e chamou a atenção”,
ficou conhecido como ano do “sem ter nada”, afinal o
disse o ex-presidente do Flamengo.
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clube só ganhou uma Taça Guanabara, o que gera um peonatos estaduais ou até mesmo excursões à Europa.
imenso debate sobre sua importância e quanto a ser um O campeonato brasileiro demorou até ter seu formato
título ou não. Título é, simbólico é, e só. unificado e ser chamado assim, também acabava coli-
dindo com os campeonatos estaduais em importância e
Aliás, existia um charme em torno desse formato no qual
por isso cada campeonato era disputado em um semestre
os campeões de cada turno, batizados de Taça Guanabara
por razões políticas, econômicas, geográficas e culturais.
e Taça Rio, se enfrentavam no final, sempre proporcio-
nando grandes bilheterias e, a cada ano, uma renovação Mas com o tempo, a Champions League passou a con-
das rivalidades no Rio de Janeiro. Era um formato que centrar em seis ou oito times os melhores jogadores
deixava o campeonato bem disputado, sem se arrastar do mundo, ficou difícil sustentar economicamente um
por seis meses — os estaduais duravam um semestre campeonato estadual pautado só no aspecto cultural e
inteiro! — para se definir o campeão. da rivalidade. A geografia esportiva obedece também à
ordem econômica e embora toda a estrutura política do
O Vasco seria ainda campeão da Libertadores em
futebol brasileiro ainda obedeça às federações estadu-
1998 e jogaria contra o Real Madrid de Sávio a Taça
ais, é normal que haja muita resistência, mas o futuro
Intercontinental. Restou aos rubro-negros criarem a
dos campeonatos estaduais não é diferente do futuro do
torcida Fla-Madrid e secar o rival. Até uma camisa meio-
jornal impresso.
-a-meio foi criada, metade do Flamengo, metade do Real
Madrid. A torcida rubro-negra foi grande, e precisou, As manchetes que ilustravam as capas dos jornais e os
afinal, o time do Vasco era incrível e jogou demais naquele pôsteres encartados a cada ano no dia seguinte do título
duelo em Tóquio, mas perdeu por 2 a 1. estadual ficaram no passado, assim como essas histórias
que são infindáveis e compõem o folclore mágico do
O Flamengo mudaria de presidente no final de 1998.
futebol brasileiro.
Chegaria junto com Edmundo dos Santos Silva um in-
vestimento multimilionário da tal ISL, uma empresa que
tinha vínculos comerciais com a FIFA. Chegariam Petković,
Alex, Gamarra, Denílson e Edílson como fruto do acordo
entre clube e empresa. E isso foi o combustível que permitiu
o Rubro-Negro encarar o seu arqui-rival.
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ouca gente sabe além do básico mas, depois da
passagem singularmente sublime pelo Botafogo,
Garrincha se perdeu pelo Brasil afora e até por
outros países, indo trabalhar como embaixador do café
brasileiro na Europa. Quis o destino — e um grupo de
empresários — que as pernas mais admiradas e enge-
nhosas do Brasil fossem parar na Rua Bariri.
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tapas
atacante ficou
famoso por
comemorar os
gols jogando
e beijos
beijos para
torcida
J
orge Augusto Ferreira de Aragão nasceu na capital Os anos seguintes seguiram a cartilha de Beijoca, gols,
da Bahia, Salvador, no dia 23 de abril de 1954, dia artilharia, títulos e muita confusão. Depois de uma pas-
de São Jorge e, como seu santo protetor, era guer- sagem e título pelo Sport Recife em 1977, Beijoca retornou
reiro e lutador, mas também encrenqueiro e baderneiro. para o Bahia para conquistar o título de 1978 e de quebra
a artilharia da competição.
Surgiu nas categorias de base do Esporte Clube Bahia,
e logo foi campeão no ano de 1970. No ano seguinte foi O decisivo e controvertido artilheiro foi beneficiado na
para o São Domingos de Alagoas onde conquistou o título época pela exibição de seus gols no quadro “Gols do
alagoano de 1971; seguiu para o Fortaleza em 1973 onde Fantástico” do programa das noites dominicais da TV
foi artilheiro do cearense naquele ano e do ano seguinte. Globo que consagrou o artilheiro maluco do Bahia e, de
Retornou para o tricolor baiano em 1975 onde se sagrou quebra, rendeu para ele um contrato com o Flamengo.
novamente campeão baiano.
Mesmo antes de estrear no Flamengo, Beijoca já causou
Junto com os gols, Beijoca levava um pacote cheio de con- uma grande confusão. Uma semana antes de se apresentar
fusões. Uma das mais notáveis foi na final do campeonato ao time rubro-negro, o artilheiro dos beijos e dos excessos
baiano de 1976 contra o Vitória. Na verdade Beijoca saiu foi preso em Salvador por causa de uma briga na chamada
da concentração na noite anterior a partida, retornando “Ladeira da Montanha”, conhecida pelos prostíbulos.
apenas às quatro da madrugada completamente alcoo-
Depois de passar alguns dias em cana, Beijoca se apre-
lizado. A solução foi dar um banho no fujão junto com
sentou a delegação do Rubro-Negro, que embarcaria para
doses de glicose. Acordando apenas no ônibus a caminho
Espanha para a disputa do Torneio Ramón de Carranza.
do estádio, beijoca não hesitou. Seu primeiro pedido foi o
No voo, o recém-chegado artilheiro não hesitou, foi logo
mesmo de um faraó egípcio no romance “Noites Antigas”
mostrando suas armas, não de matador dentro de cam-
do escritor estadunidense Norman Mailer: uma cerveja.
po, mas de um especialista em causar confusão fora dos
Mesmo sem estar 100 % o centroavante entrou em campo gramados. Já não bastasse beber sem parar a viagem toda,
para decidir a partida a favor do Bahia, mesmo contra a Beijoca, desafiado por Cláudio Adão, não se fez de regrado,
vontade do técnico Orlando Fantoni. Beijoca marcou o acariciou as pernas e as nádegas de uma aeromoça.
gol e comemorou com beijinhos para torcida o título de
A confusão foi total, Beijoca foi obrigado a pedir desculpas,
campeão baiano.
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A
FIFA reconheceu — deixou de reconhecer e A agressividade foi tanta que o regime militar argentino
voltou a convalidar — como campeões mun- interveio. O presidente “de facto” Juan Carlos Ongania
diais aqueles clubes que conquistaram a Copa demandou à AFA severas medidas em nome do esporte
Intercontinental, que era disputada entre os campeões nacional. O órgão leu essas demandas nas entrelinhas e
europeu e sul-americano e possuía um formato diferen- aplicou uma suspensão permanente em Poletti. O goleiro
te do atual — em vigor desde 2005, quando a Copa do também foi preso pelo regime por 30 dias, junto com
Mundo de Clubes passou a ser organizada pela entidade Eduardo Manera e Ramón Suárez.
máxima do futebol mundial e a reunir os campeões das
A reputação violenta da competição derivou na recusa em
seis associações continentais.
disputar o troféu por parte de vários campeões europeus
A Copa Intercontinental começou a ser disputada em nos anos subseqüentes. Em 1971, o Panathinaikos, vice
1960, colocando frente a frente o campeão europeu, Real campeão da Europa, substituiu o Ajax que havia levan-
Madrid, e o sul-americano, Peñarol. Os espanhóis levaram tado a taça europeia. O Nacional do Uruguai sagrou-se
a melhor no confronto que era disputado em ida e volta. campeão do Mundial Interclubes ao vencer os gregos.
Após o empate por 0 a 0 em Montevidéu, os Merengues
Em 1974, o Bayern de Munique foi o segundo clube a
venceram por 5 a 1 em Madrid e ficaram com o primeiro
se recusar a disputar o duelo intercontinental, abrin-
título “mundial” disputado.
do vaga para o vice campeão Atlético de Madrid. Os
Até 1968, o saldo de gols nos jogos não era critério de Colchoneros perderam o primeiro jogo na Argentina,
desempate. Era disputado um jogo extra — às vezes em contra o Independiente, por 1 a 0. Mas no jogo de volta,
país neutro. A polêmica e violência presentes no con- venceram por 2 a 0 e levantaram o caneco. A partir de
fronto de 1967 entre Celtic e Racing fez a disputa passar então, Liverpool, duas vezes [1977 e 1978] e Nottingham
a considerar a diferença de gols. A violência já era recor- Forest [1979] se recusaram a jogar a Intercontinental. Mas
rente. Há relatos de que a partida extra entre Santos e nenhum dos vice-campeões europeus depois do Atlético
Milan, em 1963, foi marcada por subornos e doping por de Madrid conseguiram conquistar o título.
parte dos santistas, segundo a auto-biografia de Almir
O desprestígio da competição levou à criação da Copa
Pernambuquinho. O ex-jogador, que substituiu Pelé no
Toyota, disputada em jogo único, em Tóquio, a partir de
terceiro jogo, no Maracanã, afirmou que subornaram o
1980, o que convenceu os campeões europeus a partici-
juiz argentino Juan Brozzi, mas essa história nunca foi
parem da competição anualmente. A disputa durou até
comprovada nem investigada.
2004 pois, em 2005, a FIFA passou a organizar a Copa do
A competição era organizada e supervisionada por Mundo de Clubes. Em 2000, a FIFA já havia realizado um
Conmebol e UEFA, o que impedia intervenções e punições Mundial de Clubes no Brasil, cujo campeão, Corinthians,
da FIFA aos clubes envolvidos. A mesma FIFA se negou a ingressou como campeão do país sede. O representante
reconhecer o título mundial ou sequer o intercontinental, local ainda integra a competição, seja ela disputada no
atribuindo à competição um caráter amistoso. Em 1968, Marrocos, Japão, ou Emirados Árabes Unidos.
uma carnificina provocada pelos jogadores do Estudiantes
Desde então, mesmo após ter conquistado a Libertadores
de La Plata — que conquistou o título naquela edição
em 2012 e, posteriormente, o Mundial sobre o Chelsea, os
— contra o Manchester United, rendeu aos platenses a
corintianos ainda são provocados por torcedores rivais por
alcunha de Animals por parte dos ingleses. Matt Busby,
terem dois títulos mundiais — um reconhecido e o outro
treinador do United, se pronunciou dizendo que a FIFA
organizado pela FIFA — e somente um título continental.
deveria banir o clube de qualquer competição.
A discussão fica acirrada pois entra em pauta um suposto
A violência explícita se repetiu em 1969, novamente pelo
título mundial do Palmeiras de 1951 — e do Fluminense
Estudiantes. O Milan era a vítima da vez. O centroavan-
de 1952! —, quando a UEFA sequer existia. Mas esse é
te rossonero Pierino Prati chegou a ficar inconsciente
outro capítulo, e está na Corner #8, sob o título “O mundo
após sofrer uma agressão. Nestor Combin, um argentino
é das pessoas”.
naturalizado francês que jogava no Milan, quebrou o
nariz após levar um chute na cara dado pelo goleiro do
Estudiantes, Alberto Poletti. Tudo isso negligenciado pelo
árbitro chileno Domingo Massaro.
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O
futebol é terreno para gols, gritos, táticas e es-
tratégias. Mas é também uma gigantesca terra
fértil para verdadeiros contos de fadas e poucas
histórias se assemelham tanto a esse tipo de narrativa
quanto a do Loma Negra. O pequeno time da cidade in-
teriorana de Olavarría, na Província de Buenos Aires, na
Argentina, ganhou as manchetes esportivas em todo o
mundo quando, em 1982, acabou com a incrível inven-
cibilidade de 18 jogos da então temida seleção soviética.
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Todo carnaval
tem seu fim
Terminado o encontro, a festa foi do tamanho do feito
do Loma Negra. Pela primeira vez, o nome do clube es-
tampava páginas de jornais pelo mundo. Poucos podiam
acreditar que um time pequeno havia batido a famosa
União Soviética. Foi o ápice naquela construção de ci-
mento. No ano seguinte o clube voltou a se reforçar e
conseguiu entrar na disputa do Campeonato Argentino
de 1983, chegando ainda mais longe em relação à cam-
panha anterior: avançou até as oitavas de final para cair
somente para o Racing de Avellaneda.
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R
esidente em Buenos Aires desde os anos 1990.
Seu sempre impecável figurino, da vestimenta
ao corte de cabelo e barba suavemente por fazer,
além de seu sotaque que lhe é peculiar são os temperos de
um jornalista que faz um trabalho igualmente distinto.
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rivais não votem É uma coisa engraçada. Buenos Aires é uma cidade his-
toricamente complicada de se administrar. As pessoas
nele, uma coisa não reclamam muito aqui. Os portenhos têm vários esportes
e um deles é reclamar. Aqui tudo é pior pra eles. “É o pior
tem nada a ver com tráfico do planeta, a cidade mais corrupta do planeta”,
a outra. Na torcida
e essas pessoas nem conhecem outras cidades pra dizer
isso. Os argentinos passaram de achar, há meio século
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delas é o MetroBus e a outra as BiciSendas. As duas sur- Na Argentina há uma frase que diz “com o petróleo
preenderam. Era um paradoxo. Buenos Aires é uma cidade não se brinca”, mas com o futebol também não se
plana com paixão pelo ciclismo, não ao mesmo nível da brinca…
Espanha ou da França, mas talvez é o país com maior É como se fosse uma área sacrossanta. As pessoas tem
interesse na modalidade da América Latina e, no entanto, medo de mexer com o futebol. O melhor exemplo disso,
ninguém andava de bicicleta, nem os ciclistas, exceto é com a Guerra das Malvinas em 1982, quando houve
por questões esportivas. Um ciclista não ia de bicicleta uma onda anti-britânica. Monumentos que faziam re-
pra faculdade, ele usava algum transporte público. Mas ferência à Inglaterra ou a ingleses foram apedrejados,
são daquelas coisas esquisitas que explico pro pessoal do escolas inglesas foram atacadas. Lugares tradicionais
Brasil, sim o Macri tem uma imagem neo-liberal, mas como Farmácia Franco-Inglesa e o Bar Británico, tive-
enquanto prefeito de Buenos Aires não privatizou nada ram que trocar o nome rapidamente, a farmácia tirou
e desde que é presidente não privatizou nada. Até, aliás, o “Inglesa” e ficou como “La Franco”, o Bar Británico,
estatizaram duas ou três rodovias na província de Buenos com mais pressa ainda, apagou a primeira sílaba e virou
Aires. Não dá pra comparar o Brasil com a Argentina nem Bar Tánico, até que anos depois voltou ao nome original.
pra comparar as direitas e as esquerdas de um país com Mas não se mexeu nos nomes dos times de futebol com
o do outro. nomes ingleses. River Plate, Banfield, Chaco For Ever,
Newell's Old Boys, enfim, é como se fosse outra esfera,
E tem um outro personagem que faz o caminho não fizesse parte deste universo. A fúria anti-britânica
inverso do Macri. Ele sai da política, do sindica- não se direcionou contra os times que tinha, ostensiva-
lismo, e vai pro futebol: Hugo Moyano. Ele perdeu mente, nomes ingleses. Se direcionou contra a Inglaterra.
um pouco de protagonismo. O Uruguai que sempre foi o grande rival durante seis dé-
Ele foi, digamos assim, um dos sindicalistas mais com- cadas e depois o Brasil era o rival, mas a Inglaterra passou
bativos dos anos 1990, cresceu muito naquele período, a ocupar esse espaço no imaginário coletivo argentino.
pois foi quando o sistema ferroviário argentino encolheu Tanto que os gols mais recordados da torcida argentina
de forma drástica e aí se expandiu o poder dos cami- não são gols nem contra o Brasil nem contra o Uruguai,
nhoneiros. O Moyano soube articular muito bem, ele são os dois gols de Maradona contra a Inglaterra na Copa
conseguiu absorver tudo que tivesse algum vínculo com de 1986 no México.
caminhões, os garis, o pessoal do pedágio, tudo dentro
do mesmo sindicato. Depois ele virou secretário geral da Falando agora do vácuo de poder que a morte do
CGT, e havia já um certo desgaste com a figura dele, o Grondona gera, quando parecia que não dava pra
tempo dele estava chegando. O Moyano é muito esperto, ficar pior, mas sem ele as coisas pioraram.
percebeu que tinha que fazer uma transição. Ele sai da Deve ter acontecido a mesma coisa quando Al Capone foi
área sindical e vai pra outra também muito lucrativa que preso. Deve ter havido brigas entre os outros mafiosos em
é o futebol. Chicago que disputavam o poder. Ou quando morre um
narco-traficante em alguma favela e que outros brigam
E ele consegue colocar o genro no comando da AFA pra ocupar aquele espaço. Mais ainda porque o Grondona
[Chiqui Tapia é casado com a Paola Moyano, filha tinha linha direta com a FIFA, ele era o Vice-Presidente.
do ex-líder sindical]. Com a morte do Grondona, Quando desaparece a figura desse mega-gângster o pes-
que por sua vez se associou aos militares durante soal ficou perdido como baratas tontas. Tinha tudo pra
o regime, passando por quem tivesse no poder, se começar do zero e fazer as coisas direito, mas não,
Menem e Cristina Kirchner… porque todo o segundo escalão continuava sendo um
Quando não se associava, como era o caso do Alfonsín, o bando de mafiosos. Caiu o grande chefão e apareceu uma
Alfonsín temia mexer com o futebol. Havia um medo, pois feudalização de mafiosos no lugar dele.
o Grondona tinha uma grande vínculo com a FIFA. Mesmo
aqueles que evitaram alguma relação com o Grondona, No retorno político de Cristina Kirchner, ela usou
sempre temeram qualquer interferência no futebol com o Fútbol para Todos no seu discurso?
ficar de fora de alguma Copa, pois o Grondona teria o Não vi nenhuma referência. Ela se concentrou na pobreza,
respaldo da FIFA. no desemprego, na inflação, na crise econômica em si.
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“Dar um soco dentro não? O humor argentino tem muita influência do humor
judaico, tem muitas figuras das ciências e das artes. É uma
dentro de um estádio
famosa casa de shows] em duas ocasiões, uma delas para
celebrar o Anschluss. O exército argentino era ultra-an-
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anos 1930 em produção cinematográfica em ídiche de- tem que lembrar que a esquerda européia é a favor do
pois de Varsóvia e Nova Iorque e também a terceira em aborto, do casamento gay, e o Maduro é categoricamente
publicação de jornais e periódicos em ídiche, atrás de contra o casamento homo-afetivo, anti-abortista e usa
Varsóvia e Nova Iorque. Chegou a ter três jornais diários um palavreado religioso, não é laico. Aí, ficam de novo sem
em ídiche, era impressionante. saber o que dizer. E quando digo que ele tem muitos pontos
em comum com a direita, e não estou dizendo que ele seja
Falando em extremos, como é ser correspon- de direita, pois ele é um reacionário, e ser reacionário
dente num mundo no qual noticiar algo ruim na não é um privilégio de algum ponto da direita somente,
Venezuela, você é tachado de fascista e se você ele pode estar em qualquer lado do espectro ideológico.
criticar o Macri, você é chamado de comunista? E E as pessoas usam a palavra fascismo e comunismo pra
além disso, você gasta bastante energia no Twitter qualquer coisa. Macri é fascista, dizem. Fascismo implica
onde reside muito dessa polarização. em mobilização de massas e em militarismo. O Macri
O caso é que se eu tivesse outra profissão, se eu fosse não faz nenhuma das duas coisas. Maduro é comunista.
açougueiro, talvez eu não tivesse uma conta no Twitter. Depois de 18 anos da “Revolução Bolivariana”, a maior
Mas como eu sou jornalista, parte dos leitores, ouvintes parte da economia venezuelana está em mãos privadas.
ou telespectadores estão lá. Tenho que começar a usar o Se isso é comunismo, o pessoal está indo bem devagar.
Instagram, aliás, pois são nichos de mercado e do futu- A Revolução Soviética sim, em meses estatizou tudo. É
ro. É interessante também pra estar instantaneamente como o PT no Brasil, não fez a reforma agrária, não esta-
antenado, profissionalmente é bom. Você consegue ver tizou praticamente nada, ao contrário, privatizou, quem
as tendências, as coisas legais ou as loucuras sobre as mais lucrou foram os bancos e a “pejotização”, durante
quais as pessoas estão comentando. Talvez se eu fosse o período do PT, expandiu a doidado. Só as empregadas
psicólogo eu me divertiria mais no Twitter. domésticas tiveram algum avanço trabalhista. São tempos
esquizofrênicos.
O mundo está num momento de extremos, mas
na Argentina não apareceu nenhum louco de
extrema-direita.
Não, mas tampouco de extrema-esquerda. É um país que
a esquerda tradicional foi dinamitada pelo peronismo
que é algo que oscila entre a centro-direita e a centro-
-esquerda, com toques de populismo, que incorpora
setores da direita e da esquerda. Tem de tudo. Perón era
um admirador de Mussolini, declaradamente. Não era
exatamente um democrata, era amigo do Stroessner.
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Getty
Após eliminar o Everton nos playoffs, na fase de grupos Seu time não foi campeão da Champions League, nem
o time da “Comunitat Valencià” encarou Lille, Benfica da Premier League, sequer da FA Cup ou da Copa da Liga
e Manchester United, passando às oitavas de final em Inglesa e nem a sua seleção foi campeã do mundo. Mas o
primeiro lugar o que lhe permitiu enfrentar um time papelzinho de Lehmann ficou entalado na garganta dos
“menos complicado”, o Rangers da Escócia. Dois empates argentinos naquele ano.
com os escoceses, 2 a 2 no Ibrox Stadium e 1 a 1 em El Riquelme não pôde se vingar. O camisa 10 da Argentina
Madrigal, deram as espanhóis a vaga nas quartas graças foi substituído por Cambiasso, um dos jogadores que
ao gol qualificado. Vinha a Internazionale e esse duelo falharam naquela partida das quartas-de-final contra a
merece uma capítulo à parte. Uma carnificina no segundo Alemanha de Lehmann e do maldito papelito.
jogo, uma batalha característica dos velhos tempos de
Copa Libertadores, ambos os elencos eram recheados de
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As lavanderias de Cali,
Bogotá e Medellín
Os carteis atuavam no futebol colombiano de acordo Os dias dourados terminaram junto com a incursão de
com a cidade onde estavam estabelecidos e o América outro traficante de grife no meio futebolístico colom-
de Cali parece ter sido um dos primeiros clubes a usu- biano. Gonzalo Rodríguez Gacha, sócio de Pablo Escobar
fruir do dinheiro do tráfico de drogas. Sob o comando no cartel de Medellín, assumiu-se publicamente como
dos irmãos Miguel e Gilberto Rodríguez Orejuela, os acionista do Millonarios de Bogotá e, em 1987, o clube
Diablos Rojos viveram o período mais glorioso de sua conquistaria o título nacional depois de nove anos. No
história. Entre 1982 e 1986, o time conquistou todos os ano seguinte, novo título, mas nada de jogadores con-
campeonatos nacionais graças a seu poderoso elenco que sagrados. Gacha era mais afeito às compras de árbitros
alinhava com nomes do calibre de Willington Ortiz — do que de jogadores midiáticos.
um dos expoentes do futebol colombiano e cujas cifras
Pablo Escobar, o mais proeminente e poderoso dos tra-
da contratação se desconhece até hoje —; a dupla estelar
ficantes colombianos, não estava alheio a essa festa.
peruana Cesar Cueto e Guillermo La Rosa; o paraguaio
Apesar de jamais assumir vínculos oficiais, sabia-se
Roberto Cabañas, ídolo do Boca Juniors no início da dé-
que ele injetava dinheiro no Independiente e no Atlético
cada seguinte e Ricardo Gareca, herói da classificação
Nacional, ambos de Medellín — com claros privilégios
argentina para o Mundial de 1986.
para este último. Em 1987, gastou cifras estratosféricas
Os triunfos não se limitaram apenas ao território nacional. para atravessar as negociações de seus rivais com as
Apesar de jamais ter conquistado a Libertadores, o América estrelas colombianas Leonel Álvarez, Gildardo Gomez e
de Cali foi por três vezes seguidas o vice-campeão do maior Luis Carlos Perea, além do treinador Francisco Maturana,
torneio do continente, entre 1985 e 1987. Hegemonias do- que também treinava a seleção do país. Com o timaço que
mésticas à parte, é bom apontar que antes dos “inves- formaria a base da Colômbia na Copa do Mundo de 1990, o
timentos” dos irmãos Orejuela, o clube detinha apenas Atlético Nacional foi o primeiro time do país a conquistar
uma taça em sua sala de troféus: a de campeão nacional uma Libertadores — não sem uma arbitragem polêmica
de 1979. Nada mais. num clássico local.
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É
provável que não haja adjetivo mais utilizado — e
desgastado — como sinônimo de latinidade que
“caliente”. O estereótipo se constrói em referência
à vibração e ao tal poder de sedução atribuídos, sobretudo,
aos hispanohablantes. Neste mundo de simplificações, o
adjetivo cai como uma luva sobre os mexicanos, apesar de
serem eles, curiosamente, os latino-americanos com o
território mais isolado em relação aos de seus “irmãos”. É
justo ali, mais precisamente onde México e Estados Unidos
se encontram, que “caliente” vira também substantivo, e
o futebol se desenvolve lado a lado com a contravenção.
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de extinção. Novamente, pagou fiança para não ser preso. dalo policial. À 0h50 do dia quatro de junho, três homens
O envolvimento de Hank com animais exóticos também foram detidos no hotel Suites Royal de Tijuana por porte
rendeu a ele um lado excêntrico: além de manter um de armas de fogo, com o argumento de que as haviam
zoológico particular — o Parque Zoológico Internacional recebido de Jorge Hank Rhon e que faziam parte da sua
— nas dependências do hipódromo, também é conhecido equipe de segurança. Com essa informação, militares
por apreciar drinks misturando tequila e pênis de leão, do exército foram à casa do empresário no complexo do
tigre ou cachorro. Seu gosto por bichos também foi, aliás, hipódromo, onde o encontraram acompanhado de sete
a inspiração na criação do Tijuana. Hermoso era o nome do dos seus guarda-costas. No local havia quase dez mil
xodó de Hank Rhon, um raro exemplar vermelho da raça cartuchos de munição, uma bomba de gás e 88 armas.
xoloitzcuintle [Pelado Mexicano] que venceu 28 corridas Dessas, apenas dez estavam registradas legalmente. A
durante seus oito anos de vida, antes de morrer vitimado perícia ainda descobriu que duas das armas haviam sido
por um câncer. Portanto, é de Hermoso a imagem no utilizadas em dois assassinatos: uma pistola 380 matou
escudo do clube, assim como o nome “Xoloitzcuintles” o guarda Olegário Figueroa Leandro, em 16 de dezembro
que batiza o time. de 2009; e uma pistola calibre 40 foi usada para executar
o vendedor de carros Mario Feliciano Camacho Ontiveros,
em 28 de junho de 2010. Hank e seus seguranças ficaram
sob custódia até a madrugada do dia 14 de junho, quando
liberados pela juíza Blanca Evelía Parra Meza por incon-
“Um político pobre é um sistências na versão oficial do Exército sobre a apreensão.
pobre político”
“Serviu para eu
Já em 1999, a Operação White Tiger, do Centro Nacional
de Inteligência sobre Drogas dos Estados Unidos, vazou perder uns oito
quilos”
um relatório preliminar à imprensa em que o clã Hank,
formado pelos irmãos Jorge e Carlos Hank Rhon, Carlos
e Carlos Hank González [pai], era acusado de lavagem de
dinheiro e tráfico de drogas junto ao cartel de Tijuana,
— Jorge Hank,
segundo informações do Swiss Leaks no site do Consórcio
Internacional de Jornalistas Investigativos.
ao sair da prisão
Filho de mãe mexicana e pai alemão, González foi um dos
nomes mais influentes do PRI [Partido Revolucionário Mas antes que Hank pudesse ir embora, a Procuradoria
Institucional], que governou o país ininterruptamente Geral de Justiça do estado o levou para prestar esclareci-
entre 1928 e 2000. González nunca pôde concorrer à mentos sobre o assassinato da sua nora, Angélica María
presidência por causa de uma lei que permitia apenas Muñoz Cervantes, de 24 anos, em agosto de 2009. Uma
políticos mexicanos cujos ambos os pais fossem nascidos testemunha teria dito às autoridades que recebeu ordens
no México a ocuparem o cargo. Mesmo assim, construiu para matar a moça, mãe de uma menina de 11 meses junto
uma carreira sólida na política como prefeito de Toluca, com Sergio Antonio Hank Krauss, um dos 19 filhos do
governador do Estado do México, chefe do Departamento bilionário. De acordo com as informações publicadas
do Distrito Federal, Secretário do Turismo e Secretário pela revista Zeta, Jorge Hank poderia ter participação
da Agricultura e Recursos Hidráulicos. no homicídio. Libertado novamente por falta de provas,
definiu os dez dias encarcerado com inesperado bom
Carlos repetia que “um político pobre era um pobre políti- humor: “Serviu para eu perder uns oito quilos”.
co”. Pelo jeito, a lição foi aprendida pelo filho caçula. Três
anos após a morte do pai, Jorge Hank assumiu a prefeitura Intocável, Jorge Hank Rhon voltaria à vida normal. Dois
de Tijuana em 2004. Em 2007, foi alvo de polêmica quando dias antes da ida da final do campeonato Apertura de
concorreu ao posto de governador de Baja California. A 2012, revelou o desejo de se candidatar novamente ao
sua candidatura chegou a ser cancelada pela justiça do governo de Baja California no ano seguinte. Questionado
estado pelo fato de ainda não ter concluído o mandato sobre a influência de um possível título do clube a favor
como prefeito àquela altura. A justiça federal revogou o da sua campanha, respondeu que qualquer membro do
cancelamento. Jorge Hank foi liberado para concorrer, PRI se beneficiaria com a vitória do Tijuana e emendou
mas não para fazer campanha. Acabou sendo derrotado que o time “é dos bajacalifornianos, claro, mas quando
por pouco menos de 54 mil votos pelo candidato do Partido o assunto é voto, ele é do partido”.
Acción Nacional [PAN], José Guadalupe Osuna Millán. Os Xolos venceram o Toluca nos dois jogos da decisão
Quatro anos depois, os Xolos conquistaram o acesso à e levantaram seu primeiro título mexicano, mas Jorge
primeira divisão do México. 2011 seria um ano somente Hank não conseguiu transformar a taça em prestígio e
de festejos para Jorge Hank, não fosse mais um escân- não passou de pré-candidato do PRI às eleições de 2013.
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A passagem de Maradona
pelo México virou série
(Foto: Netlfix)
Sinaloa, Dorados
e El Pibe
A frustração na política não impediu a ampliação dos ne- No dia dez de setembro de 2018, já sob a presidência de
gócios da família. Em maio daquele mesmo 2013, o Grupo Jorge Alberto Hank Inzunza, os Dorados apresentaram
Caliente adquiriu 60% dos Dorados de Sinaloa, da capital Diego Armando Maradona como novo técnico da equipe.
Culiacán que — coincidentemente [!?] — também abriga Ademais, toda mídia espontânea atraída para o clube com
o Cartel de Sinaloa, cujo território dominado abrange a a chegada de Dios — o que por si só já configurava uma
Baja California de Hank Rhon. eficiente ação de marketing —, a presença de Maradona
trouxe consigo a memória afetiva mais especial que o
No final dos anos 1980, Joaquín Archivaldo Guzmán
imaginário coletivo mexicano pode resgatar. Como ca-
Loeira, “El Chapo”, deu início ao processo que trans-
pitão, El Diez carregou a Argentina ao título mundial de
formou o estado na casa do maior cartel narcotraficante
1986, no México, e realizou, contra a Inglaterra, dois dos
do planeta. A “Aliança de Sangue” superaria o império
lances mais icônicos da história do esporte.
construído por Pablo Escobar em Medellín. Por dividir a
mesma cidade com o grupo criminoso, os Dorados vivem O retorno de Maradona devolveu ao povo mexicano a
sob a constante suspeita de influência do cartel. chance de desfrutar de um ídolo mundial tão forte cujo
futebol local nunca pôde forjar. Além disso, a sua perso-
Os questionamentos se acentuaram quando Pep Guardiola
nalidade concentra em si os holofotes que a família Hank
desembarcou no Aeroporto Internacional Bachigualato
certamente não gostaria de ter sobre os seus negócios.
para vestir a camisa dos Dorados — onde, inclusive,
Em uma demonstração de poder, o Grupo Caliente virou
encerraria sua carreira como jogador em 2006—, porque
coadjuvante — propositadamente — do próprio jogo.
todos se perguntavam de onde vinha o dinheiro para ar-
car com a contratação do ex-jogador do Barça, já que se A conexão entre o cartel e os Dorados de Sinaloa nunca
tratava de uma equipe modesta que mal se mantinha na chegou a ser comprovada. Também não é possível cravar
primeira divisão. Em janeiro de 2016, El Chapo foi preso que a compra do clube pela família Hank se deu apenas
pela última vez, o que reorganizou as lideranças internas por puro interesse esportivo. Mas a história sugere que os
do cartel sem enfraquecer sua atuação. interesses não são nada dorados mas, sim, bem calientes.
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Sir Thomas Dewar, um escocês que viajava o mundo di- O jornalista Thomas Floyd, editor do site Goal.com, aponta
vulgando o uísque da família e interessado em promover como um problema a adoção do mata-mata desde o início
o futebol na América, doou a primeira taça da competição, da competição: “Há uma falta de entendimento entre tor-
que sobreviveu até 1979 e hoje está exposta no National cedores casuais quanto ao formato do torneio. Torcedores
Soccer Hall of Fame, em Nova Iorque. americanos são acostumados ao formato simples da NFL,
NBA, NHL, MLB, que é uma temporada regular seguida de
Num país em que pouco se sabia sobre futebol, era um
finais. A idéia de um torneio envolvendo times de níveis
grande desafio criar uma liga nacional. No entanto, o pon-
inferiores ainda é estranha para muitos torcedores e para
tapé inicial foi dado em 1914. Um campeonato democrático,
a mídia. Então, não há investimentos. Muitos jogos não
que reunia times amadores e profissionais em um sistema
são acessíveis e a torcida não se engaja. Se a torcida não
único de mata-mata desde as primeiras rodadas, o que
se importa, o time também não se importa.”
dava mais emoção às partidas.
Mas apesar do desinteresse da grande mídia, há quem se
Mais de cem anos se passaram e a fórmula de disputa conti- esforce para preservar os mais de cem anos de história da
nua a mesma. Apenas o nome mudou. Em 1990, passou a se Open Cup. Em 2003, Josh Hakala criou o site Thecup.us —
chamar US Open Cup mas, no final da década, foi modificado até hoje, o único com cobertura exclusiva da competição.
para Lamar Hunt US Open Cup — em homenagem a Lamar Antes disso, Josh era apresentador do Soccer Fanatics Radio
Hunt, um dos fundadores da MLS (Major League Soccer) Show, que basicamente cobria a competição e discutia
e grande entusiasta do futebol nos EUA. Hunt também foi as notícias do futebol no país. Com o maior número de
o fundador da NASL (North American Soccer League), no torcedores interessados no assunto, ele resolveu criar um
final da década de 60. site independente que pudesse não apenas reunir tabelas,
notícias das partidas e fotos, mas resgatar a história do
campeonato: “As pessoas estão muito interessadas em
descobrir mais sobre o torneio e, principalmente, sua
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