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PALESTRA

Claviceps. 35

CLAVICEPS

Pedro Carlos Kruppa


Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal
São Paulo, SP
E-mail: pckruppa@biologico.sp.gov.br

As doenças causadas pelo fungo Claviceps recebem ergot comum. É um patógeno comum em grãos de
a denominação comum de ergot (do francês, esporão cereais e pastagens, ocorrendo na África, Ásia, Aus-
de galo) por apresentarem uma estrutura escura entre trália, Oceania, Europa e Américas. Quase todos os
as glumas das inflorescências, na forma de um esporão, gêneros da subfamília Pooidea são suscetíveis a esse
denominada de esclerócio. Elas também são conheci- fungo, como Agrotis, Avenna, Dactylis, Festuca, Hordeum,
das pelos nomes de doença açucarada, mela das Lolium, Poa, Secale e Triticum. Outras espécies de
inflorescências, gota-de-mel ou secreção doce. No Claviceps, tais como C. africana e C. sorghi preferem
campo, as doenças são identificadas pela presença regiões quentes ou subtropicais. A maioria das espé-
de gotas de um líquido viscoso opaco e pelos cies de Claviceps são encontradas nas Gramineae,
esclerócios produzidos nas inflorescências das plantas enquanto que umas poucas espécies são encontradas
atacadas. em outras famílias de monocotiledôneas (Cyperaceae
Ergot é uma doença que se encontra distribuida em e Juncaceae).
todo o mundo, aparecendo com maior frequência no
centeio, mas também no trigo, cevada, aveia, milho, Ciclo da doença na planta
sorgo e pastagens. O ataque nas inflorescências pode
causar perda na quantidade de grãos; redução na qua- O fungo é um parasita especializado na infecção
lidade dos grãos sadios devido a presença de saprófitas de inflorescências de gramíneas, atacando o ovário
crescendo sobre o líquido açucarado, bem como afetar de hospedeiros suscetíveis no período de
a viabilidade das sementes. Além disso, as toxinas pro- florescimento das plantas. Nenhuma outra parte da
duzidas pelo Claviceps são responsáveis pelo ergotismo, planta é infectada. A infecção na inflorescência ocorre
doença que pode afetar homens e animais. na época de abertura das flores e antes da polinização;
nos casos em que há fecundação, as plantas geral-
Etiologia mente tornam-se resistentes à doença. As flores
infectadas não produzem sementes. Na maioria das
O gênero Claviceps pertence a família gramíneas o período de suscetibilidade é curto, indo
Clavicipitaceae na classe dos Ascomycetes, cuja do florescimento até o início da frutificação.
forma anamórfica, a mais freqüente na natureza, No estádio inicial da doença, denominada de fase
corresponde ao gênero Sphacelia da família conidial ou esfacelial, conídios ou ascosporos do fungo
Tuberculariaceae na classe dos Deuteromycetes. Já ao atingirem o estigma, germinam e emitem o tubo
foram descritas cerca de 45 espécies de Claviceps ocor- germinativo que cresce através do estilo e coloniza o
rendo entre as plantas da família Poaceae. ovário formando um estroma. Durante a infecção,
As espécies de Claviceps são diferenciadas pelas macro e/ou microconídios (em alguns casos também
características dos estromatas (ascostroma) incluindo os conídios secundários) do fungo na forma de
coloração, distribuição dos peritécios dentro do Sphacelia são produzidos no interior do ovário das
estroma, dimensões do peritécio, ascas e ascosporos, flores. Nessa fase, o patógeno provoca o sintoma
características da morfologia do estipe, esclerócio e conhecido como mela das inflorescências
conídios e mais recentemente por diferenças genéticas ("honeydew") onde se observa a presença de um
moleculares. Os hospedeiros também podem ser uti- líquido pegajoso, exsudado dos ovários das flores
lizados no reconhecimento das espécies de Claviceps. infectadas, constituido pelo micélio e conídios do
patógeno. As gotículas exsudadas são inicialmente
Hospedeiros claras, tornando em seguida opaca pelo grande
número de conídios em suspensão. No decorrer do
A maioria das espécies de Claviceps tem uma gama processo, observa-se a formação de uma massa branca
de hospedeiros limitados a alguns gêneros de do fungo sobre o líquido exsudado. A produção do
gramíneas, com exceção de C. purpurea que ataca mais líquido chega a tal volume que há um gotejamento
de 200 espécies de hospedeiros distribuídos em regiões sobre as folhas e o solo, os quais ao secarem tornam-se
de clima temperado. C. purpurea é a espécie mais brancos pela presença de açucares. Os conídios podem
conhecida, frequentemente referida como o agente da ser disseminados pelo vento, gota de chuva e sementes.

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O líquido açucarado é uma substância atrativa aos variedades resistentes ao patógeno, entretanto como
insetos e outros pequenos animais que dessa forma isso nem sempre é possivel, é importante a adoção de
contribuem na disseminação da doença. O líquido medidas de manejo da cultura:
também é freqüentemente colonizado por outros fun- - plantio em épocas que permitam prever uma boa
gos como Cerebella, Cladosporium e Fusarium dando à condição climática para o período de polinização das
inflorescência um aspecto de sujeira. plantas (insetos e vento), evitando que o florescimento
Com o progresso da doença, o ovário é substituido ocorra em períodos de alta umidade;
por uma estrutura especializada denominada esclerócio - eliminação ou redução das plantas voluntárias e
(fase esclerocial). Cada ovário infectado pelo fungo é hospedeiras do patógeno e dos restos de cultura;
substituído por um único esclerócio. A morfologia dos - uso de sementes sadias procedentes de áreas livres
esclerócios é variável conforme o hospedeiro, o ambiente do patógeno ou tratadas com fungicidas apropriados
e fatores nutricionais da planta; em alguns casos po- para eliminar os conídios do fungo presentes no
dem ser confundidos com o próprio grão. Esses melado ressecado sobre as sementes;
esclerócios são colhidos juntamente com os grãos o que - pulverização nas inflorescências afetadas com
favorece a disseminação do fungo. Os esclerócios que fungicidas apropriados;
permanecem no campo, nos restos de cultura ou em plan- - uso de sementes certificadas que passaram pelo
tas voluntárias, germinam formando estromas com processo de beneficiamento (limpeza e classificação)
peritécios sobre um estipe que liberam ascosporos que para a eliminação dos esclerócios colhidos juntamente
são disseminados pelo vento e podem infectar flores com as sementes;
suscetíveis, reiniciando o ciclo da doença. - manejo nutricional da planta, com o uso de adubação
equilibrada de cobre, nitrogênio e potássio;
Ergotismo - rotação de cultura com plantas não hospedeiras do
fungo para reduzir o nivel de inóculo no campo;
Além de prejudicar diretamente a quantidade e a - inspeção das pastagens na época do florescimento,
qualidade das sementes produzidas no campo, o principalmente após períodos chuvosos e quentes.
Claviceps também é responsável pelo ergotismo. O Nas áres de pastagens, além das medidas mencio-
ergotismo é uma doença que pode afetar homens e nadas acima, outras medidas preventivas devem ser
animais, causada pela ingestão de grãos ou seus adotadas para se evitar a ocorrência do ergotismo nos
subprodutos contendo toxinas (alcalóides) produzi- animais:
das pelo fungo. - emprego de cultivares de gramineas forrageiras que
O envenenamento devido ao efeito de alcalóides não florescem;
presentes no esclerócio de C. purpurea é conhecido - manutenção do porte baixo das forrageiras pelo
desde a muito tempo, como o ocorrido na Idade Mé- manejo dos animais ou da poda, evitando o
dia, no ano de 994, quando ficou conhecido como florescimento;
"Fogo de Santo Antonio". Nessa época, a ingestão de - nas áreas onde já houve o registro do ergotismo, rea-
grãos infestados pelo fungo, ocasionou a morte de lizar a retirada dos animais dos pastos na época do
milhares de pessoas no oeste da Europa. Mais re- florescimento.
centemente, em 1951, numa pequena aldeia france-
sa, cerca de 30 pessoas foram intoxicadas, sendo que
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
5 delas morreram devido ao consumo de farinha con-
taminada.
Os esclerócios de algumas espécies de Claviceps, BANDYOPADHYAY, R.; MUGHOGHO, L.K.; MANOHAR, S.K.;
assim como a secreção açucarada, pode conter S ATYANARAYANA , M.V. Stroma development,
alcalóides tóxicos aos animais que se alimentam das honeydew formation, and conidial production in
gramíneas forrageiras; esses alcalóides (p.e.
Claviceps sorghi. Phytopathology, v.80, n.9, p.812-
ergotamina e ergotina) têm um efeito sobre o sistema
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