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ISSN 1808-6810

Podridão da Uva Madura ou Podridão de


52
?? Glomerella – Biologia, Epidemiologia e Controle
__________________________________________________________

Introdução
Circular
Técnica
A podridão da uva madura ou podridão de Glomerella tem, nos
últimos anos, causado perdas expressivas na produção de uva
para processamento na Serra Gaúcha. Como o nome indica,
incide nas uvas maduras ou em processo de amadurecimento. A
doença, até a safra de 2000/2001, ocorria nos vinhedos, porém a
níveis relativamente baixos. Epidemias desta doença começaram
a partir de mudanças por melhores padrões de qualidade do
Bento Gonçalves, RS
Dezembro, 2004
vinho, o que resultou em uvas com melhor maturação (maior
ºBrix), associadas a presença de condições climáticas altamente

Autor favoráveis a infecção pelo patógeno e a suscetibilidade deste


estádio fenológico à doença. Embora as cultivares americanas e
Lucas da
Ressurreição Garrido híbridas sejam atacadas, as viníferas são as que apresentam os
Eng. Agrôn., PhD.,
Embrapa Uva e Vinho, maiores problemas. A doença é conhecida em outros países como
Caixa Postal 130,
CEP 95700-000 “ripe rot”, é amplamente distribuída, ocorrendo mais intensamente
Bento Gonçalves, RS
em regiões com clima quente e úmido durante a fase de
Olavo Roberto
Sônego
Eng. Agrôn., M.Sc.,
maturação da uva, podendo continuar a causar dano mesmo
Embrapa Uva e Vinho,
Caixa Postal 130,
depois da uva colhida.
CEP 95700-000,
Bento Gonçalves, RS

Etiologia
A podridão da uva madura da videira é causada pelo fungo
Glomerella cingulata (Stonemam) Spauld & Schrenk, fase perfeita
ou sexual de Colletotrichum gloeosporioides (Penz.) Penz. &
Sacc., a fase imperfeita ou assexual. A fase perfeita tem pouca
importância no ciclo da doença, sendo, porém, responsável pelos
processos que levam à variabilidade genética do patógeno. Os
peritécios são subesféricos, com 42-60 x 10-12 µ, e os acérvulos
são sub-epidérmicos e dispostos em círculos. Os conídios são
hialinos, ligeiramente curvados, com dimensões que variam de 12-
21 x 4-6 µ, com as extremidades arredondadas.
Estão envolvidos por uma substância diagnosticada. As bagas apodrecidas
mucilaginosa, rosada, solúvel em água e apresentam depressões no ponto de
que impede sua germinação. infecção e gradualmente tornam-se
murchas e mumificadas, enquanto as
Hospedeiros pústulas continuam a produzir os
esporos. O sintoma primário desta
Além da videira, diversas plantas
doença é o apodrecimento de frutos
frutíferas são hospedeiras do patógeno
maduros.
como as Rosáceas (macieira, ameixeira,
abricó, marmeleiro, nespereira,
Epidemiologia
pessegueiro, pereira, cerejeira,
amendoeira), goiaba, mamoeiro, Durante o inverno, o fungo sobrevive em
maracujá, mangueira, cajueiro, jaqueira, frutos mumificados e pedicelos que são
abacateiro, citrus, pinha, cherimóia, a fonte de inóculo primário. Na
meloeiro, figueira, morangueiro, dentre primavera ascosporos ou conídios
outras. produzidos pelo micélio sobrevivente
causam a infecção primária. Os conídios
Sintomas causam todas as infecções secundárias
durante todas as estações, tão logo a
Os sintomas iniciam-se quando
temperatura e umidade tornam-se
pequenas manchas se espalham sobre a
favoráveis. O fungo sobrevive
baga, com o desenvolvimento de zonas
satisfatoriamente de um ano para o outro
concêntricas. A baga apodrecida torna-
na forma de micélio estromático que, em
se densamente coberta com numerosas
condições favoráveis de umidade e
pústulas cinza-escuras das quais, com
temperatura, produz conídios em
tempo úmido, massas rosadas de
abundância. Além disso, a massa de
esporos são produzidas. Mais tarde, a
conídios, quando dessecados, conserva
massa de esporos torna-se escura
seu poder germinativo por vários meses.
(marrom-avermelhada). A doença pode
ser confundida com a podridão amarga A infecção pelo patógeno pode ocorrer

quando se observa as pústulas cinza- em todos os estádios de

escuras (acérvulos), entretanto, estas desenvolvimento do fruto desde a

não são tão negras e grandes quanto as floração até a colheita. A hifa penetra na

produzidas por Melanconium. cutícula e permanece latente até a

Posteriormente, estas pontuações cinza- maturação da uva, quando então,

escuras abrem-se exibindo um aparecem os sintomas primários.

crescimento róseo do fungo, sendo Quando os frutos estão maduros, a hifa

então a doença facilmente coloniza o pericarpo inter e


intracelularmente e os acérvulos são uva, devido à presença de frutos em
formados sobre a superfície do fruto. estado de apodrecimento.
Estudos histológicos do processo de
A disseminação do fungo efetua-se
infecção indicam que a germinação dos
através do vento associado a chuva,
conídios, formação de apressório e
insetos e outros animais.
penetração em bagas em
Depois da deposição sobre a superfície,
desenvolvimento ocorrem dentro de 48 a
conídios e ascosporos germinam
72 h, entretanto o patógeno permanece
produzindo o apressório que é essencial
em estado latente até a maturação dos
para infecção, pois se fixa firmemente na
frutos quando então reinicia seu
superfície do hospedeiro. As paredes
desenvolvimento.
grossas do apressório apresentam duas
Os conídios e ascosporos são
a três camadas compostas por
embebidos em um material mucilaginoso
carboidratos, com melanina
hidrofílico, freqüentemente chamado de
preferencialmente depositada em uma
matriz de esporos. Este material é
delas. Vários modos de penetração são
constituído principalmente de
possíveis: através de aberturas naturais,
polissacarídeos e glicoproteínas com
como p.ex. estômatos, através de
vários componentes secundários
ferimentos e pela penetração direta.
incluindo várias enzimas. Quando esta
Nesta última o apressório desenvolve
estrutura reprodutiva (peritécio ou
um peg de infecção que penetra pela
acérvulo) amadurece sob condições
cutícula e pela parede de células do
secas, a matriz mantém os esporos
hospedeiro com pressão hidrostática e a
agrupados. A matriz pode ter várias
assistência de enzimas cutinolíticas e
funções como: inibir a germinação
celulolíticas. A fase inicial de colonização
prematura dos esporos, assegurando a
do hospedeiro é biotrófica e depois de
distribuição dos esporos após
um tempo variável a lesão necrotrófica
subseqüente diluição; manter a
se desenvolve.
viabilidade dos mesmos sob condição de
Quando isolados do patógeno são
baixa umidade; proteger os esporos de
crescidos em cultura, na presença de
temperaturas extremas, ultra-violeta e de
parede de células de planta, enzimas
efeitos tóxicos de metabólitos da planta.
capazes de degradar carboidratos
A literatura mostra que há dois picos de
complexos são produzidas de maneira
liberação de conídios, no início da
sequencial. As primeiras enzimas a
primavera, quando muitos frutos
serem produzidas são aquelas que
mumificados, da safra anterior, estão
degradam os polímeros de pectina
presentes e, durante a maturação da
como p. ex. poligalacturonase seguida
pela pectina liase, e também pela estádio de suscetibilidade do
protease. Nas fases finais da infecção, hospedeiro com condições úmidas é
enzimas com a α- e β- sempre necessária para o
galactopiranosidade e a α- desenvolvimento da doença. A
arabinofuranosidase são produzidas. O habilidade do patógeno sobreviver na
primeiro grupo de enzimas tem a função forma de uma apressório de parede
de estabelecer a infecção e de macerar grossa, que fica dormente na superfície
os tecidos. O segundo grupo, mais do hospedeiro, ou na condição de uma
provavelmente esteja envolvido na infecção latente no tecido vegetal,
nutrição do patógeno. quando as condições do ambiente ou a
fisiologia da planta impedem seu
O desenvolvimento de epidemias da
desenvolvimento continuado, são
doença é restringido pela disponibilidade
características que permitem que o
de água livre em todas as fases do ciclo
patógeno sobreviva longos períodos
do patógeno. Não somente a
desfavoráveis. O curto período latente
esporulação requer alta umidade, mas
na fase ativa contribue para a ocorrência
também a liberação e a dispersão dos
de epidemias durante o estádio de maior
esporos é dependente de água livre
suscetibilidade dos tecidos, e que
(usualmente chuva). No mínimo,
coincide com condições úmidas. Evitar
molhamento de 4 horas de duração e
as condições de predisposição é uma
temperatura ótima de 20 a 25ºC são
aspecto muito importante, e ajuda
condições requeridas para a germinação
significativamente a reduzir as perdas
e a infecção.
com a doença.

Para um controle eficiente da doença, a


Controle
retirada do vinhedo e a, subsequente,
Várias características do patógeno destruição das fontes de inóculo é o
influenciam seu comportamento e as ponto inicial a ser adotado. Após a
estratégias necessárias para o seu colheita da uva todos os cachos
controle. Primeiramente, sua natureza mumificados, que foram deixados para
facultativa ou oportunística, limita sua tráz, devem ser coletados e eliminados.
patogenicidade a um tipo de tecido Outras medidas de controle são: adotar
particular (maduro ou fisiologicamente espaçamentos que proporcionem boa
enfraquecido), mas, em contraposição, é aeração e insolação; realizar poda
capaz de, rapidamente, colonizar ou verde, a fim de manter o ambiente mais
matar o tecido, resultante do aumento do arejado, reduzindo a duração do
inóculo. Segundo, a coincidência do molhamento e facilitando o contato e a
penetração do fungicida nos cachos de aparecimento de isolados do fungo
uva; utilizar adubação adequada resistentes ao produto. A rotação com
evitando o excesso de adubos fungicidas de contato é prática
nitrogenados; evitar ferimentos nas recomendada.
bagas por meio do controle dos insetos-
pragas; proporcionar um bom Bibliografia consultada
distanciamento dos cachos; evitar a
exposição direta dos cachos ao sol; AGRIOS, G. N. Plant Pathology. New
transformar as raquis e os pedicelos da York: Academic Press. 1997. 635p.
uva, procedentes da vinícola, em
BAILEY, J. A.; JEGER, M. J.
composto orgânico antes de despejá-los
Colletotrichum: biology, pathology and
no vinhedo, a fim de evitar o aumento do
control. Wallingford: CAB International,
inóculo no local; tratamento de inverno
1992. 388 p.
com calda bordalesa e calda sulfocálcica
para reduzir as fontes de inóculo. PEARSON, R. C.; GOHEEN, A. C.
O controle químico deve ser efetuado Compendium of grape disease. St.
nos seguintes estádios: após a floração, Paul: APS, 1994. 93 p.
na fase de grão chumbinho, no início da
RIBEIRO, I. J. A. Doenças. In:
compactação do cacho, no início da
POMMER, C. V. Uva: tecnologia de
maturação e durante a maturação da
produção: pós-colheita, mercado. Porto
uva, respeitando o período de carência
Alegre: Cinco Continentes, 2003. p. 525-
do fungicida utilizado. O momento da
567.
aplicação e a cobertura alcançadas pelo
fungicida são críticos para o sucesso do SÔNEGO, O. R.; GARRIDO, L. da R.;
controle químico. Os fungicidas devem GRIGOLETTI JÚNIOR, A. Doenças
ser aplicados para proteger os tecidos fúngicas. In: FAJARDO, T. V. M. Uva
contra infecções durante o período para processamento: fitossanidade.
úmido. Vários produtos encontram-se Brasília, DF: Embrapa Informação
registrados conforme Tabela 1. Tecnológica, 2003. p. 11-44. (Série

Fungicidas sistêmicos costumam ser Frutas do Brasil, 35)

efetivos pela habilidade em penetrar no


tecido e erradicar infecções latentes,
porém não devem ser utilizados
intensivamente a fim de evitar o
Tabela 1. Relação de fungicidas recomendados pela Embrapa Uva e Vinho para controle
da podridão da uva madura.

Princípio ativo Produto Dosagem (ml Intervalo Período de Classe


comercial ou g / 100 l) de carência toxicológic
aplicações (dia) a
(dia)
Azoxystrobin Amistar 24 10 a 15 7 IV
Captan Captan 240 7 a 10 1 III
Difenoconazole Score 8-12 10 a 15 21 I
Famoxadone + Midas 120 10 a 15 7 II
mancozeb
Folpet Folpan 135 -180 7 a 10 1 IV
Imibenconazole Manage 100 10 a 15 14 II
Mancozeb Manzate 250 a 350 7 a 10 7 III
Tebuconazole Folicur 100 10 a 15 14 II
A B C

D
E

Fig. 1. Sintomas da podridão da uva madura em uvas brancas (A, D e E) e tintas (B e C). Massa
de esporos sobre a baga (E).
Peritécio produzido em
tecidos infectados

Ascos e ascosporos

Frutos são Conídio germinado, formação do apressório e


suscetíveis infecção e colonização dos tecidos
durante todo o
desenvolvimento

Infecção Acérvulo sobre tecido infectado


Sobrevivência sobre
frutos infectados e
mumificados
Conídios liberados
pela chuva, vento e /
ou animais

Infecção pouco freqüente

Fig. 2. Ciclo de vida do fungo Glomerella cingulata na uva.


Infecção
Sobrevivência

Fig. 2. Ciclo de vida do fungo Glomerella cingulata na uva.


Bagas atacadas Bagas mumificadas
Esporos Pedicelos infectados

Vento e chuva Insetos


Disseminação

Direta Ferimentos
Infecção

Colonização
Umidade

Sintomas
Infecção
Temperatura

Fig. 3. Esquema ilustrativo do processo de infecção primário e secundário.


Circular Exemplares desta edição podem ser adquiridos na: Comitê de Presidente: Gilmar Barcelos Kuhn
Técnica, 52 Embrapa Uva e Vinho Publicações Secretário-Executivo: Nêmora G. Turchet
Rua Livramento, 515 – C. Postal 130 Membros: Francisco Mandelli e Gildo A.da Silva
95700-000 Bento Gonçalves, RS
Fone: (0xx)54 455-8000
Fax: (0xx)54 451-2792 Revisão do texto: Autores
http:// www.cnpuv.embrapa.br
Expediente Tratamento das ilustrações: Autores

1ª edição (2004): Online


CGPE 6222

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