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A classificação do fungo como mofo ou levedura se baseia na aparência microscópica verificada no tecido ou no

meio de cultura de rotina (fase assexuada). Caso no exame microscópico se observem hifas, o fungo é denominado
mofo. Caso se constate uma estrutura unicelular com brotamento, o fungo é denominado levedura. Em meio de
cultura de rotina, o mofo, ou fungo, tem aparência “de flocos” ou “de lã”, enquanto a morfologia e a uniformidade
das colônias de levedura se assemelham às de bactérias. Alguns fungos patogênicos produzem estruturas
semelhantes a hifas ou a leveduras, dependendo das condições nas quais se multiplicam. Esses fungos são
denominados dimórficos (Capítulos 46 e 47).

Neste capítulo são discutidos três importantes representantes de fungos/leveduras: Cryptococcus neoformans,
Malassezia pachydermatis e Candida albicans.

C. neoformans

C. neoformans geralmente está associado à produção de lesões ulcerativas nas membranas mucosas do trato
respiratório superior (inclusive nos seios nasais), no sistema nervoso central (meninges) e nos olhos (coriorretinite);
há relato em várias espécies animais, inclusive em gatos (o gato doméstico é mais comumente acometido), cães,
furões, equinos, ovinos, caprinos, bovinos, lhamas, papagaios e alces. É a micose sistêmica mais comumente
constatada em gatos, mas é uma causa incomum de mastite em vacas e raramente tem sido associada à ocorrência
de doença intestinal, endometrite e aborto em equinos. No entanto, essa levedura é capaz de infectar todos os
animais, inclusive os seres humanos. É um patógeno oportunista de humanos, especialmente pacientes com
imunossupressão, em todo o mundo. Em todas as espécies há uma tendência de infectar o sistema nervoso central.

Características descritivas

Morfologia

C. neoformans é uma levedura. As células esféricas (com 2 a 20 µm de diâmetro) produzem (em geral) um único
brotamento fixado por um pedúnculo fino, recoberto por cápsula de polissacarídio (Figura 44.1). É um fungo
monomórfico com morfologia semelhante no tecido infectado e no ambiente. Apresenta uma cápsula bem espessa,
muito característica desses fungos.

Produtos celulares de interesse médico

Cápsula. A cápsula de polissacarídio (composta principalmente de glicuronoxilomanana) é um importante fator de


virulência que atua como mediador de vários efeitos que comprometem a resposta imune do hospedeiro. Esses
efeitos prejudiciais incluem, mas não se limitam a: inibição da efetividade da fagocitose mediada por anticorpos,
estimulação de linfócitos T reguladores (antigamente conhecidos como supressores), inibição da migração de
leucócitos, prejuízo à produção de citocinas, inibição de moléculas coestimuladoras e limitação da ativação do
complemento, por uma via alternativa. O tamanho da cápsula é influenciado significativamente pelo ambiente.

Melanina. A melanina (que é produzida de fenóis, por meio da fenol oxidase, pela via lácase) é um potente
antioxidante (inibe radicais livres) e, assim, reduz a toxicidade dos radicais hidroxila, superóxidos e oxigênio singleto,
presentes no interior do fagolisossomo. Além disso, a melanina propicia tolerância à temperatura e protege o
microrganismo contra degradação enzimática, radiação e metais pesados, ao mesmo tempo que possibilita a
obtenção de nutrientes, a agregação de grânulos de melanina na parede celular reduz a entrada de compostos
antifúngicos.
Figura 44.1 Esfregaço por impressão (imprint) de lesão bucal causada por C. neoformans, em um gato. Observe o
brotamento de base estreita (seta) (coloração de Wright modificada, 1.000×).

Fosfolipase. A fosfolipase é importante para a sobrevivência do microrganismo no interior dos macrófagos. Além
disso, é necessária para a disseminação sistêmica da levedura do trato respiratório para o sistema nervoso central.
Acredita-se que a fosfolipase esteja envolvida no dano da membrana, no hospedeiro.

Ácidos siálicos. Os ácidos siálicos presentes na parede celular têm como alvos as proteínas do sistema complemento,
por via degradativa, mais que a produção de fragmentos de opsonização efetiva e anafilatoxinas.

Características de crescimento

C. neoformans se multiplica em meio laboratorial comum, em temperatura ambiente ou em 30°C. A encapsulação é


ótima em placa com ágar chocolate (ver Capítulo 13), incubada em ambiente com 5% de dióxido de carbono, em
temperatura de 37°C. A multiplicação das colônias pode ser evidente dentro de 2 dias. As colônias são convexas,
branco-acinzentadas a brancas e mucoides, cujo diâmetro pode alcançar vários milímetros.

Reações bioquímicas

Cryptococcus spp. hidrolisa ureia. Seus padrões de assimilação de carboidrato são utilizados como procedimentos de
identificação. C. neoformans (e alguns outros Cryptococcus spp.) utiliza creatinina e produz colônias pigmentadas por
melanina em meio de cultura que contém compostos difenólicos e polifenólicos. Essas substâncias são utilizadas em
meios seletivos de isolamento de C. neoformans.

Resistência

A concentração de ciclo-heximida presente em alguns meios de isolamento de fungos inibe C. neoformans. A


replicação cessa em temperatura acima de 40°C. Ambientes de alta alcalinidade matam o microrganismo.

Variabilidade

Foram descritos 4 tipos antigênicos, A, B, C e D, com base na composição antigênica dos polissacarídios capsulares.
As diferenças fenotípicas, genéticas e epidemiológicas entre os tipos antigênicos resultaram no estabelecimento de
três variedades de C. neoformans: var. grubii (sorotipo A), var. gattii (sorotipos B e C) e var. neoformans (sorotipo D).
As variedades grubii e neoformans predominam em regiões de clima temperado, exceto em uma área no sul da
Califórnia, na qual predomina a variedade gattii.

Ecologia

Reservatório. C. neoformans (var. grubii e neoformans) vive em superfície empoeirada e suja. No solo, ele não
compete bem com a flora residente. Acanthamoeba, uma ameba, fagocita e destrói algumas cepas de Cryptococcus.
O interessante é que há outras cepas capazes de sobreviver no interior da ameba, usando as mesmas estratégias de
sobrevivência intracelular empregadas para sua sobrevivência no interior de macrófagos. Assim, algumas cepas são
destruídas, enquanto outras são endossimbiotes que utilizam as amebas como um nicho ambiental. Em excrementos
secos de pombos (ricos em creatinina, a qual inibe outros microrganismos), o fungo alcança alta concentração e
sobrevive por mais de 1 ano em um tamanho de célula e de cápsula muito reduzido. C. neoformans var. gattii
atualmente é considerada uma espécie diferente de Cryptococcus gattii. Essa espécie vive principalmente em
madeira em decomposição de eucaliptos do grupo red river gum. Ocasionalmente, C. neoformans var. neoformans e
C. neoformans var. grubii são isolados de madeira em decomposição, em ocos de várias espécies diferentes de
árvores.

Transmissão. Em geral, a transmissão do microrganismo ocorre por via respiratória e, raramente, pela via
percutânea. A criptococose não é uma doença contagiosa.

Patogênese

Em um ambiente úmido e rico em nutrientes, C. neoformans produz pouco, se algum, material capsular. Em
condições áridas, a cápsula colapsa e protege a levedura de desidratação. Em outras circunstâncias, o tamanho
(cerca de 3 µm) é pequeno o suficiente para alcançar os alvéolos pulmonares. Em concentrações fisiológicas de
bicarbonato, CO2 e ferro livre, o microrganismo produz uma cápsula. A cápsula de Cryptococcus é um ativador muito
eficiente da via alternativa do sistema complemento, resultando em deposição de C3b em sua superfície. Embora
opsonizada, mesmo na presença de anticorpo anticapsular, a levedura é pouco fagocitada, pois os componentes da
cápsula impedem a ligação de IgG por interferir na interação da porção Fc dos anticorpos ligados com os receptores
de fagócitos do hospedeiro. O polissacarídio capsular exacerba a participação de linfócitos T reguladores
(antigamente conhecidos como linfócitos T supressores) e reduz o processamento do antígeno, ocasionando baixa
resposta de anticorpos. O polissacarídio capsular também reduz os efeitos quimiotáticos das anafilotoxinas C3a e
C5a produzidas pela ativação da via alternativa do sistema complementar. Durante a fagocitose, a produção de
melanina e manitol pela levedura inibe a ação de radicais livres e minimiza o ambiente hostil do interior do
fagolisossomo por inativar os radicais superóxido, hidroxila e oxigênio singleto. Além disso, há produção de
fosfolipase, diminuindo adicionalmente a capacidade das células fagocíticas para destruir o fungo. Desse modo, a
resposta inflamatória é mínima e ocorre multiplicação de Cryptococcus em grandes tumores “mixomatosos” que
ocupam espaço, compostos de limo capsular, leveduras e poucas células inflamatórias. Por fim, esses tumores
adquirem histiócitos, inclusive macrófagos multinucleados e epitelioides.

O desenvolvimento de lesões pulmonares é errático. Com frequência, a infecção se instala no sistema nervoso
central (talvez em decorrência da menor concentração de complemento no sistema nervoso central e da alta
concentração de catecóis, um substrato para fenol oxidase, a enzima que a levedura utiliza para produzir melanina),
após disseminação desde os pulmões; manifesta-se na apresentação de sintomas neurológicos (ver Figura 71.3, no
Capítulo “Sistema Musculoesquelético”). O envolvimento ocular é relativamente comum, ocorrendo coriorretinite e
cegueira.

Padrões de doença

Gatos e cães. Mais frequentemente, gatos e cães manifestam doença clínica. Os sintomas incluem lesões ulcerativas
nas membranas mucosas de nariz, boca, faringe e seios nasais ou tumores nasais mixomatosos. É comum o
envolvimento do sistema nervoso central. Essas lesões podem surgir de infecções localizadas. A maioria das lesões
cutâneas é, provavelmente, de origem hematógena. A infecção é menos comum em cães que em gatos. Em geral, a
doença acomete gatos com 3 a 7 anos de idade.

Bovinos. Os bovinos adquirem criptococose durante a administração de medicamento intramamário contaminado.


Observam-se edema, endurecimento da glândula mamária e alterações gradativas na secreção láctea. A destruição
do epitélio dos ductos lactíferos é extensa. Várias glândulas podem apresentar lesão irreversível. Raramente a
doença progride além dos linfonodos regionais.

Equinos. Em equinos, C. neoformans causa meningite, granulomas nasais e, ocasionalmente, rinite e pneumonia
granulomatosa. Em raras ocasiões, o fungo está associado à ocorrência de doença intestinal, endometrite e aborto.

Há relato de criptococose em outros animais, como aves domésticas, faisões, caprinos, ovinos, coalas, gambás e uma
chita (leopardo-caçador). A criptococose não é comum em ovinos e caprinos.

Epidemiologia
Provavelmente Cryptococcus pode infectar qualquer mamífero. Sua ocorrência é esporádica e mundial. Com
frequência, as aves, principalmente pombos, portam o microrganismo no conteúdo intestinal, o que contribui como
reservatório do microrganismo. Raramente manifestam infecção clínica, na maioria das vezes em superfícies
mucosas.

Com frequência, a criptococose humana está associada a imunossupressão (transplantes de órgão, doença de
Hodgkin, prenhez, síndrome da imunodeficiência adquirida e câncer) ou exposição intensa ao fungo. Tentativas para
relacionar as infecções animais com condições similares têm sido especulativas.

Em geral, a mastite criptocócica bovina se inicia como uma infecção iatrogênica causada pela inoculação do
microrganismo.

Características imunológicas

Imunossupressão é um fator predisponente. Os polissacarídios capsulares ocasionam paralisia imune, depleção de


complemento e “ocultam” os anticorpos.

A resposta imune humoral e a resposta imune mediada por célula (subpopulação de linfócitos T H1 que induzem
ativação de macrófagos) evidentemente contribuem para a defesa contra a infecção criptocócica. Os macrófagos
participam na eliminação do microrganismo. Há alguma evidência de que os linfócitos T (CD4 e CD8), bem como os
linfócitos matadoras naturais, causem destruição ou inibição direta de C. neoformans.

A imunização experimental tem propiciado resultados controversos. Não há vacina disponível.

A criptococose não é mais comum em gatos com infecções por retrovírus (p. ex., vírus da imunodeficiência felina
[FIV] e vírus da leucemia felina [FeLV]); todavia, é muito mais comum em pacientes humanos infectados com o vírus
da imunodeficiência humana (HIV). Gatos positivos para FIV ou FeLV podem ou não responder a tratamento
antifúngico apropriado; pacientes humanos positivos ao HIV respondem discretamente, quando respondem.

Diagnóstico laboratorial

Exame direto. Com frequência, na prática clínica utilizam-se preparações citológicas coradas com corantes do tipo
Romanowsky (corantes de Wright e Giemsa) para o diagnóstico de infecção por Cryptococcus spp., por meio da
visualização de uma cápsula clara ou púrpura/azul-clara que reveste a levedura corada de azul, a qual pode
apresentar brotamento de base estreita (Figura 44.1). Para melhorar a visualização pode-se misturar pequena
quantidade de sedimento de exsudato, lavado traqueobrônquico e fluido cerebroespinal com igual quantidade de
tinta nanquim, na lâmina. Coloca-se uma lamínula sobre a amostra e faz-se o exame microscópico. Em exame
microscópico em campo escuro, os microrganismos encapsulados se apresentam como uma lacuna circular brilhante
que contém levedura em seu centro. Observam-se leveduras, com ou sem células de brotamento. Quando se
utilizam os corantes hematoxilina e eosina, os microrganismos se apresentam como corpúsculos de levedura
arredondados a ovais no interior de uma cápsula clara (não corada). Os corantes para fungos – por exemplo, ácido
periódico de Schiff e metenamina de prata de Gomore – delimitam a parede celular, mas não a cápsula, a qual é
corada por mucicarmina.

Nos cortes de amostras preparadas mediante o uso de métodos histológicos convencionais, as cápsulas se
apresentam como halos não corados que separam as leveduras dos componentes teciduais ou as separam uma das
outras.

Cultura. Os meios de ágar-sangue e Sabouraud (sem ciclo-heximida) são incubados, respectivamente, em 30°C e em
temperatura ambiente (ver Capítulo 46). As colônias suspeitas são examinadas em uma preparação úmida corada
com tinta nanquim. Caso se verifiquem leveduras encapsuladas, confirma-se a presença de C. neoformans por meio
da demonstração de atividade da urease, ausência de lactose, melibiose e assimilação de nitrato. Há disponibilidade
de kits comerciais para a identificação de C. neoformans.
Para amostras obtidas do ambiente, utilizam-se meios seletivos contendo fármacos antibacterianos e antifúngicos,
creatinina e difenil.

Alguns cães e gatos sadios albergam pequena quantidade de C. neoformans em suas cavidades nasais. Portanto,
deve-se ter cuidado ao se interpretarem resultados de cultura de amostras obtidas desse local. O exame de
esfregaço direto (a quantidade de leveduras em esfregaços de animais clinicamente normais é muito baixa para se
ver) e/ou o exame sorológico para pesquisa de antígeno capsular são métodos úteis auxiliares à cultura do
microrganismo. O antígeno capsular não é detectado no soro de cães normais, independentemente de
apresentarem C. neoformans em suas vias nasais.

(Scott 321-323)

Scott, McVEY,, KENNEDY, Melissa, CHENGAPPA, M.M.. Microbiologia Veterinária, 3ª edição. Guanabara Koogan,
02/2016. VitalBook file.

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