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História Cultural da Imprensa: Brasil 1800-1900

Leitor: esse ilustre conhecido


Leitor: esse ilustre conhecido


No final do século XIX, jornais chegavam a imprimir 150 mil
exemplares em um único dia;

Mas quem é o leitor desse material? Como eles se apropriam e
produzem significado a partir daquilo que é dito nos jornais?

Responder a essas perguntas é um desafio quando esses
leitores estão tão longe no tempo, mas eles deixaram
evidências de quem eram e como pensavam: cartas,
fotografias, obras de ficção e, sobretudo, os textos que liam.
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Leitor: esse ilustre conhecido


Há aquele que Marialva chama de leitor de primeira natureza,
que tem a habilidade de ler ele próprio. Lê debaixo do poste,
no bonde, na mercearia, no trabalho ou em casa e não raro
comenta aquilo que pensa;

E há o leitor de segunda natureza, aquele que escuta a leitura
em voz alta ou que “ouve dizer” sobre determinada notícia e
que se apropria dela para significar o próprio universo ainda
que não saiba ler.
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Leitor: esse ilustre conhecido

“A carta assinada pelo detento Hidelbrando Mello Pedra é parte do


arquivo pessoal de Coelho Netto e conduz a uma reflexão sobre a
descoberta desse leitor anônimo que, muitas vezes, com sacrifício
compra o mais popular jornal de então, o Jornal do Brasil, não
apenas estar em contato com as informações do mundo, mas para,
através dos textos, encontrar significações extremamente
populares. Quando o leitor, através da leitura, se apropria do texto,
na verdade, escreve um outro texto em usa cabeça, quando a
levanta, olha ao redor ou faz um comentário sobre aquela leitura.”
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Leitor: esse ilustre conhecido


Para o semiólogo Roland Barthes, o texto é, sobretudo, uma leitura;

Isso significa dizer que o leitor “escreve o impresso” no momento
em que se apropria da narrativa;

De maneira que o que se constitui é não o leitor, mas essa leitura;

Para isso, o leitor usa de uma lógica simbólica que associa o texto a
outras ideias, imagens e significações possíveis encontradas
naquele impresso;

O texto e feito para um leitor imaginário que se torna real.
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“Esse leitor pertence a uma mesma comunidade, no caso, a comunidade


do público, compartilhando nesse universo as mesas habilidades, códigos,
hábitos e práticas. Como público dos jornais, sabe o significado das letras
impressas, reconhece aqueles impressos como os diários que produzem
informações do mundo. Como público, lê o jornal sozinho, em voz baixa,
em voz alta, para um outro, para um grupo, numa infinidade de hábitos e
práticas que se desenvolvem. Reconstruir a leitura portanto, é apreender
a lógica simbólica da narrativa no espaço cultural no qual o leitor se
insere. Remontando essas formas de apreensão do texto e as maneiras
como se apropriam dos textos, estaremos reconstituindo a leitura.”
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Leitor: esse ilustre conhecido


Ou seja, importa não apenas quem lê os jornais, mas principalmente
como esses leitores, muitas vezes anônimos, leem e o que entendem
dos sinais impressos naquelas páginas;

O que buscam nesses periódicos como se apropriam daquelas
mensagens e que significações elas passam a ter?

Para o filósofo Paul Ricoeur, não exite possibilidade de texto sem a
apropriação crítica dos que completam a autoria da obra pela ação
da leitura.

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“O texto se refere ao mundo, descrevendo, particularizando, inserindo a face desse


mundo e se oferta a um auditório constituído de leitores que habitam igualmente
um mundo. Portanto, ‘a configuração do texto se transforma nesse momento em
reconfiguração’. Mas ainda resta um terceiro momento dessa passagem do ‘mundo
do texto ao mundo do leitor’. A partir do seu mundo interior, o leitor realiza
interpretações, refiguração da obra, lançando novamente a obra no mundo, agora
retransformada por uma nova interpretação. Temos, portanto, o terceiro momento
pela ação de qualquer individuo que, vivendo, compreendendo e explicando,
transforma a vida. A comunicação tem seu ponto de partida no ator, atravessa a
obra e encontra o seu ponto de chegada no leitor. O alvo é o leitor e, sobretudo as
leituras. É o leitor que se apropria da proposta inscrita no mundo do texto. O leitor,
tal como o autor implicado no texto, também é construído no e pelo texto.”
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Voltamos, então, a Hidelbrando, preso em Campos;

Não se trata de um leitor comum, com recursos suficientes para financiar a compra
regular do Jornal do Brasil;

Compra as edições com sacrifício, em nome da leitura;

Toma conhecimento da obra de Coelho Neto e agora quer entrar em um universo até
então desconhecido, o da literatura;

A interpretação da leitura do texto de Coelho Neto faz com que Hidelbrando o
identifique como “sábio”;

Portanto, na refiguração do mundo imposta pela leitura a Hidelbrando, aqueles textos
estão repletos de saberes e de sabedoria. Não os visualiza como simples informação ou
como meras opiniões.
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Aparecendo quase sempre como obrigação matinal, o jornal é descrito como
leitura habitual nos bondes, nos trens, num umbral de uma porta à beira da
calçada, compondo as horas vagas do dia;

As referências à leitura nos transportes coletivos faz supor um hábito comum,
como também o de ler em voz alta após o jantar, em torno da família ou no
trabalho nas poucas horas vagas. O jornal não é exclusivo de um leitor isolado;

Elmano Cardim cita, em evento do Jornal do Commercio, o hábito de
“senhoras lerem em voz alta m romance folhetinesco para o entretenimento e
a exaltação sentimental de um público caseiro predominantemente composto
de mulheres”.
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“A leitura — em voz alta, em torno da família e dos amigos, no ambiente da casa ou,
silenciosamente, no trajeto de casa para o trabalho e vice-versa, nos bondes, nos
trens, ao ar livre, e das duas formas, no ambiente privado do trabalho, nas horas
vagas do dia — coloca em evidência uma forma de sociabilidade particular. Muitos
sabem ler, sem saber escrever. Outros não sabem ler, nem escrever, mas tomam
contato com os sinais impressos naquelas páginas. Os jornais têm seguramente
mais ouvintes do que leitores e são, certamente mais ouvidos e vistos do que lidos.
O tipo de leitura coletiva permite também supor uma particular apropriação desses
textos. Comentados, a partir de uma experiência coletiva e não individual, sofrem
reelaborações não de segunda, mas de terceira, quarta, quinta ordem. A mensagem
suscita dúvidas, comentários, discussões, controvérsias, favorecendo apreensões
de sentidos distintos e diferenciados. Traz, também, emoção.”
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Mulheres leitoras


Jornais iniciam estratégias para fidelizar o público feminino, de forma que as
mulheres deixem de ser leitoras eventuais e se tornem assíduas;

Entre estas estratégias estão a aposta em temas diferenciados. Correio da
Manhã, O Paiz, Gazeta de Notícias e Jornal do Brasil, por exemplo, apostam
na ampliação de assuntos voltados para mulheres e crianças;

Entre as rubricas preferidas pelas leitoras habituais estão as notas sociais e o
folhetim, que as coloca em contato com a realidade e a fantasia;

Criam-se colunas de moda, entretenimento, “concursos femininos” (beleza,
relacionamento, vida no lar), acompanhados de artigos e enquetes. No
noticiário, destacam-se moda e beleza.
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Leitores do futuro


Embora mais eventuais, vez ou outra aparecem referências esporádicas
aos jovens como leitores;

Em 1906, O Paiz abre espaço, aos domingos, “para a publicação de artigos,
contos, poesias, fantasias que os seus jovens leitores lhe enviassem”;

No carnaval, promove concurso dando prêmios às crianças melhores
fantasiadas e que obtêm ampla repercussão;

Em 1907, cria uma seção denominada “O Paiz das Crianças, com jogos de
entretenimento. Volta a promover concursos, dando como prêmio “cycle e
bonecas”.
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Os excluídos também são leitores


Os “excluídos da história” também são leitores;

Recuperar sua leitura é quase impossível, não por que não tenha história,
mas porque a memória não contempla a voz dos anônimos;

Adicionalmente, na maioria das vezes fazem leitura de segunda natureza;

O Paiz oferece apólice de seguro e pedreiro ganha;

No seu Diário do Hospício, são incontáveis as referências de Lima Barreto
ao hábito de leitura de jornais no Hospital dos Alienados;

Diários publicam cartas de detentos pedindo intermediação para amenizar
suas penas.
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Mas, afinal, quem são os leitores?


Em 1890, o Rio de Janeiro tem 40,2% de analfabetos em uma
população de 522.651 habitantes, ou de apenas 59,8% de
alfabetizados numa população de 818.113 habitantes em 1906.

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