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Como está seu trabalho sobre a Amazônia? Estou envolvido nele há vários anos e ainda
restam três histórias por fazer. Serão no total 30 reportagens sobre 13 tribos, com muita
fotografia aérea, porque assim é possível dar uma ideia da grande extensão da floresta e
dos rios. O maior volume de água no Amazonas vem pelas evaporações, autênticas
correntes aéreas de umidade que garantem a chuva em grande parte do planeta ao
deslocarem-se como nuvens. Acho que nessa série as fotografias do sistema montanhoso
do Amazonas irão surpreender. Você tem a impressão de que está nos Alpes, são colossais.
A última reportagem será sobre animais.
Como são essas tribos com as quais conviveu? Há de tudo. Os korubos, no vale do
Javari, foram contatados pelo homem branco em 2015, mas outras o foram no século XIX.
Há uma tribo que é herdeira da cultura inca, chegaram ao Brasil deslocados pelos
espanhóis. Têm uma agricultura sofisticada, criadouros de peixes e tartarugas...
Mas o que te surpreendeu dos que vivem na floresta? O que mais me impressiona é que
não há surpresa, já não há muito a descobrir. Eu pensava que demoraria meses a me
adaptar a eles e foram horas. Porque somos nós mesmos. Só há uma pequena diferença
física, os pés. Veja seus pés, Manuel! São uma deformação, estão doentes porque estão
sempre em um sapato que os deforma. Os pés dessas comunidades, entretanto, são
triangulares, a parte de trás é fina e a da frente é larga; utilizam os dedos para se equilibrar,
subir nas árvores, e saltar de uma para outra.
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Em 1982 você recebeu o Prêmio W. Eugene Smith de Fotografia Humanitária. Desde
então foi nomeado cavaleiro da Legião de Honra na França, ganhou um World Press
Photo em 1985, o Hasselblad em 1989; Na Espanha foi o primeiro fotógrafo a receber
o Príncipe de Astúrias das Artes. Agora ganhou em Madri um prêmio da Sociedade
Geográfica Espanhola “pela qualidade e espírito de seu trabalho de viagens”. Se é por
isso, mereço porque sou, provavelmente, uma das pessoas do planeta que mais
caminharam [risos]. Quando estava no avião e via pela janela as montanhas, os rios... o
planeta é maravilhoso. Sempre pensei que, por meu tipo de fotografia, sou como aqueles
homens que na Idade Média, movidos pela curiosidade, iam de cidade em cidade para
conhecer as coisas e transmiti-las. A vida dos fotógrafos é assim: ir, descobrir, conhecer e
transmitir. A fotografia que faço é o espelho da sociedade. É uma função que não existia há
100 anos e que não acho que irá existir daqui a 20...
Por quê? Hoje, com um celular são feitas imagens de uma qualidade incrível, mesmo que
isso não seja fotografia. É uma linguagem de comunicação, mas a fotografia é algo que
você toca, guarda. As demandas, entretanto, estão mudando.
As imagens de um celular têm uma qualidade incrível, mas não são fotografia.
Fotografia é algo que você toca, que guarda”
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Sebastião Salgado. GORKA LEJARCEGI
Também sempre teve claro que sua obra de peso seria em preto e branco? Claro, em
cores era para as encomendas... Olhe ali! [Salgado mostra um lado do vestíbulo do hotel em
que ocorre a entrevista, decorado com sofás violetas e vermelhos]. Lá, um retratado se
perderia entre essas cores. A fotografia colorida acentua as cores, e isso me distraía. Com o
preto, o branco e o cinza isso não ocorria. Sabe outra coisa que me desconcentrava?
Quando, na época em que se utilizava filme, tinha que parar, tirar o rolo e trocá-lo por outro.
Foi dito que eu fazia estética da miséria. Meu cu! Eu fotografo meu mundo, sou uma
pessoa do Terceiro Mundo”
E o que fazia? Cantava. Como conseguia trocar o filme de olhos fechados, cantava MPB e
assim não perdia a concentração.
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Em algumas de suas célebres fotografias, como a de um garimpeiro em Serra Pelada,
apoiado em uma estrutura de madeira, se vê referências da iconografia cristã. Isso lhe
serviu de inspiração? É possível, eu sou de Minas Gerais, o Estado mais barroco do
Brasil. Quando fotografo, sempre há um pequeno rastro de algo que me influenciou.
Certamente quando fiz essa foto eu via São Sebastião com as flechas, mas minhas
fotografias não são modernas e pós-modernas, são barrocas porque vêm desse mundo.
Você foi fotojornalista, mas após o genocídio de Ruanda, em 1994, perdeu por um
tempo a fé na fotografia e se refugiou na geografia de sua infância, na fazenda de seu
pai, seca e arrasada pela criação de gado. Foi aí que nasceu sua preocupação pela
natureza? Não, eu nasci e cresci na natureza. Meu pai tinha fazendas e eu passava o dia a
cavalo e caminhando. Aos domingos, eu e vários amigos acordávamos às quatro da
madrugada para caçar; voltávamos de tarde, exaustos, e íamos nadar. A parte principal de
meu trabalho foi a fotografia da natureza, não as pessoas...
Justamente, a carta do presidente do México pedindo ao rei Felipe VI que peça perdão
pela conquista causou um reboliço. A Espanha não deve se desculpar. Foi uma proposta
oportunista de um político, não de um povo. Mas não é um problema que isso seja discutido,
e os primeiros a o fazer, os mexicanos, que em 90% são indígenas. Você vai em uma festa
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da burguesia no México e todos os garçons são índios. A conquista foi uma aventura total,
30% dos espanhóis que foram não voltaram, morreram. Quando Cortés diz a Montezuma
que seus soldados estão doentes e que o único remédio é o ouro... é a história da
humanidade.
Em 2014, sua vida e obra inspirou o premiado documentário ‘O Sal da Terra’, dirigido
por seu filho Juliano e Wim Wenders. Como foi a experiência? Muito difícil, porque o
fotógrafo precisa se relacionar com o que fotografa e quando você se transforma em
intermediário é um produto de quem está filmando. Meu filho já havia me filmado... e eu
brigava com ele, mas era meu filho, era mais simples. Na filmagem com ele e Wim existiam
três câmeras, uma equipe de som..., um carnaval! Eu o fiz por Juliano.
Sebastião Salgado, retratado por sua esposa tirando uma fotografia de membros de uma tribo da
Indonésia. LÉLIA DELUIZ WANICK
Sua esposa, Lélia Wanick, planeja e produz seus livros. Como é sua relação
profissional em um casal que está casado há meio século? Não é complicado, amo
profundamente minha mulher, tem um gosto excepcional, uma capacidade de organização
que eu não tenho, se ocupa das exposições que temos por todo o planeta e adoro os livros
que ela produz para mim. E assim vamos, lutando... Comecei com ela há 55 anos. Desde o
começo me apoiou porque as coisas que eu procurava não estavam na porta de casa,
precisava ficar tempos fora e ela cuidou de nossos filhos [além de Juliano, têm outro,
Rodrigo, com síndrome de Down].
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Em uma entrevista em 2007 ao EL PAÍS, jornal em que publicou seus principais
trabalhos, disse que nunca utilizaria o digital, mas acabou por fazê-lo. A qualidade do
digital no começo não era tão grande e depois foi uma facilidade porque permitia usar uma
câmera leve, rápida. Além disso, a qualidade em filme caiu porque era muito caro... Em
minhas viagens, levava 600 rolos de filme, pesavam 35 quilos, brigava nos aeroportos...
Hoje, com uma caixa do tamanho de um celular levo esses 600 filmes.
As redes sociais lhe interessam? Há uma conta em seu nome no Instagram... Não é
minha! E no Facebook há outras duas que também não são..., são falsas. Uma vez briguei
por meses para que retirassem uma conta e apareceram cinco. Não me interessa, o que é
exposto ali é... como se você abaixasse as calças e mostrasse a bunda pela janela. Não é
da minha geração, não é o meu mundo.
Teve tempo para fazer um balanço? Acho que contribuí à consciência do cuidado do
planeta. Tive sucesso e cheguei com meu trabalho às pessoas graças a organizações como
a Unicef, Save the Children, Médicos Sem Fronteiras..., mas eu sozinho com minhas
imagens não teria feito nada, seria como o pó.
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