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Espacializações

de Anna Bella Geiger


a imaginação é um ato
de liberdade
Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de
São Paulo

Tese de Doutorado
Gabriela Barzaghi De Laurentiis

Orientadora
Vera Maria Pallamin

Programa de Pós-graduação

Área de concentração
Projeto, Espaço e Cultura

São Paulo
2022

1
GABRIELA BARZAGHI DE LAURENTIIS

Espacializações de Anna Bella Geiger:


a imaginação é um ato de liberdade

Versão Original

Dissertação apresentada à Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo para obtenção do título de Doutora
em Arquitetura e Urbanismo

Área de concentração:
Projeto, Espaço e Cultura

Orientadora:
Vera Maria Pallamin

São Paulo
2022

1
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço Técnico de Biblioteca
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

De Laurentiis, Gabriela Barzaghi


Espacializações de Anna Bella Geiger : a imaginação é um
ato de liberdade / Gabriela Barzaghi De Laurentiis;
orientador Vera Maria Pallamin. - São Paulo, 2022.
487.

Tese (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


da Universidade de São Paulo. Área de concentração: Projeto,
Espaço e Cultura.

1. Anna Bella Geiger. 2. Espaço. 3. Arte. 4. Feminismo.


I. Pallamin, Vera Maria, orient. II. Título.

Elaborada eletronicamente através do formulário disponível em: <http://www.fau.usp.br/fichacatalografica/>

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3
4
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projeto gráfico
João Mascaro
diagramação
Gabriela De Laurentiis
e João Mascaro

6
SUMÁRIO

Resumo 9

Abstract 11

Introdução Espacializações 13

Capítulo I
Movimentos espirais: dentro, fora, dentro... 25
Saídas: práticas educacionais e artísticas 43
Imagens do centro: localidades 73
Inícios espirais ou solos poéticos 97
Reentrâncias labirínticas 125
Referências bibliográficas 155

Capítulo II
Experimentações críticas: situações/limites/passagens 175
“A imaginação é um ato de liberdade”:
passagens entre o moderno e o contemporâneo 187
Desaparecimentos/aparecimentos 205
Movimentando imagens 237
Reflexividades: experimentações e exposições do eu 257
Corpos de mulheres: entre seduções e burocracias 269
Referências bibliográficas 295

Capítulo III
Aberturas: entre mesas, mapas e camuflagens 313
Camuflagens: articulações feministas 331
Variáveis: o pão nosso de cada dia 357
Antropofagia: outros lados 377
Locais da ação: cartografias 409
Referências bibliográficas 427

Finalizações Sobre o riso ou histórias, histórias, histórias... 443

Agradecimentos 451

Lista de imagens 455

7
8
Resumo

Nesta tese de doutorado, escrevo sobre o


trabalho de Anna Bella Geiger, analisando
suas práticas artísticas e educacionais, bem
como suas obras produzidas durante o
período da ditadura civil-militar brasileira
(1964-1985). Com foco nas espacializações,
as discussões são elaboradas a partir de
perguntas, problemas e críticas em torno de
múltiplas formas de Anna Bella Geiger criar
espaços imagéticos, expositivos, institucionais,
psíquicos, geográficos, cartográficos, históricos,
arquitetônicos, poéticos. De uma perspectiva
teórico-metodológica, a pesquisa conta com um
referencial filiado aos estudos feministas.

9
10
Abstract

In this doctoral dissertation, I write about the


work of Anna Bella Geiger, analyzing her
artistic and educational practices, as well as
her works, produced during the period of the
Brazilian civil-military dictatorship (1964-1985).
Focusing on spatializations, the discussions
are elaborated on questions, problems, and
criticisms around multiple ways in which
Anna Bella Geiger creates imagery, exhibition,
institutional, psychic, geographic, cartographic,
historical, architectural, and poetic spaces. From
a theoretical-methodological perspective,
the research has a reference affiliated with
feminist studies.

11
imagem 1
Anna Bella Geiger em sua casa/
ateliê
2018
fotografia de Gabriela
De Laurentiis

12
Introdução - Espacializações

A imaginação que me ajuda a colocar meus


sentimentos, a sentir o ser-sozinho, a dimensão da
angústia da condição humana, a sentir o mistério
do universo, do tempo, a procurar os centros, as
semelhanças mais que as diferenças, as passagens
mais que os contrários, a perceber tudo enfim que
povoa um momento…

Anna Bella Geiger (2007b, p. 135)

Se oriente [...] pela constelação do Cruzeiro do Sul…

Gilberto Gil (“Oriente”, 1972)

Escrever é também não falar. É se calar. É berrar


sem fazer barulho...

Marguerite Duras (1994, p. 26)

Anna Bella Geiger, nascida em 1933, na cidade


do Rio de Janeiro, trabalha como artista e
professora elaborando perguntas, problemas
e críticas em torno de múltiplas formas de
criação de espaços imagéticos, expositivos,
institucionais, psíquicos, geográficos,
cartográficos, históricos, arquitetônicos,
poéticos. As linhas seguintes versam sobre o
trabalho de Anna Bella Geiger tomado com base
os pontos acima, que surgem entrecruzados,
sobrepostos, em densidades e ocorrências
distintas.

O texto resultou da pesquisa de doutorado


realizada na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, entre 2017 e 2022. Durante
esses anos entrevistei Anna Bella Geiger uma
série de vezes, tomei parte, na condição de
estudante, em curso oferecido por ela, assisti
a inúmeras palestras e rodas de conversa com
a participação da artista, pude acompanhar a
confecção e montagem de trabalhos dela, estive
em sua companhia em exposições individuais e
coletivas, nacionais e internacionais.

13
As conversas informais na cozinha de sua casa/
ateliê, as visitas que ela fez a minha casa/
ateliê, refeições, mercados, telefonemas, trocas
de e-mail, risos são igualmente importantes
na aproximação que tive com as práticas
e obras de Anna Bella Geiger. A presença
da artista e sua possibilidade estendida de
conversação, a grande generosidade em como
escutou minhas perguntas sobre espaços e
espacialidades, respondendo diversas vezes algo
como “você gosta desse assunto, né?”, são parte
imprescindível da construção da escrita.

A pesquisa concentrou-se – não exclusiva, mas


majoritariamente – no trabalho desenvolvido
pela artista durante a ditadura civil-militar
(1964-1985), notando que o regime autoritário
teve forte impacto na subjetividade de Anna
Bella e sua produção. O recorte – para além
de ser uma necessidade inescapável numa
pesquisa, a delimitação – expressa a vontade
de compreender os processos de criação diante
da explicitação do autoritarismo de Estado, que
segue se atualizando e metamorfoseando, ainda
hoje, no Brasil.

As relações entre as práticas artísticas e


a preocupação social são particularmente
conjugadas na parte latina do continente
americano (AMARAL, 2003, p. 19). Fortemente
comprometida com problemas econômicos e
políticos, Anna Bella Geiger é indiscutivelmente
uma investigadora do território artístico.
Em suas travessias entre o moderno e o
contemporâneo, em experimentações contínuas
de técnicas e materiais, em processos que
estabelecem conversações com artistas
trabalhando no Brasil, entre os anos de 1960
e 1980, como Anna Maria Maiolino, Artur
Barrio, Lygia Pape, Lygia Clark, Hélio Oiticica.
E fora, como Ana Mendieta, o grupo CADA,
Cindy Sherman, Nancy Holt, Valie Export, Vito
Acconci, Robert Smithson. Reflexões sobre
espaços, em variadas dimensões, compõem uma
das linhas de conexão com tais artistas, como
sublinho ao longo destas páginas.

Cartografar e produzir sentidos com foco nas

14
dimensões espaciais orientou a organização dos
materiais consultados em arquivos do Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu de Arte
Contemporânea da USP, Fundação Bienal de
São Paulo e Bienal de Veneza. Em arquivos on-
line de jornais, tais quais o Correio da Manhã,
O Globo e o Jornal do Brasil. E, ainda, os
arquivos pessoais da artista. Ao mesmo tempo,
foi no contato com os arquivos, com Anna
Bella Geiger e, principalmente, suas obras que
notei a frequência com que os espaços ganham
importância em suas ações. Dessa maneira
construí a pesquisa e o texto: estudei os
materiais iniciais (notícias de jornais, entrevistas,
catálogos de exposição etc.), que apontaram
ser as análises sobre espacialidades frutíferas
para uma aproximação de Geiger e, em seguida,
passei a organizar os materiais de pesquisa com
esse foco.

Às variadas maneiras de tomar/criar espaços


realizadas por Anna Bella Geiger, proponho
o nome espacializações. O termo refere-se às
ações por meio das quais a artista instaura
espacialidades: quando oferece um curso pelas
ruas da cidade, realiza exposições e atividades
criativas em instituições, transita por diferentes
mídias para a criação artística.

Espacializações é uma denominação que surge


do contato com Anna Bella Geiger e suas
obras, que permitiu observar a prevalência
em suas ações da operação de modos críticos
de construir/utilizar espaços. Ao indagar-lhe
se seria possível afirmar que a preocupação
com os espaços constitui uma marca em seu
trabalho, Anna Bella Geiger respondeu-me
afirmativamente, dizendo ser – provavelmente
– algo que a acompanha como efeito de sua
iniciação artística pelas possibilidades de
composição que a abstração informal lhe
apresentou, sob a influência de sua professora
Fayga Ostrower.

As referências ao espaço permeiam o


vocabulário de Anna Bella Geiger e os títulos
de seus trabalhos: Local da ação, Mapas
elementares, Circumambulatio, Centerminal,

15
Near, para citar alguns explícitos. Estão também
invariavelmente relacionadas ao tempo, como
indicam acentuadamente denominações como
Passagens e Circa, que ganham sentidos
políticos em dimensões, indissociáveis, pessoais
e coletivas, adensadas em pensamentos Sobre a
arte, Burocracias e Declarações e Retratos.

Variáveis são as dimensões espaciais mobilizadas


por Anna Bella Geiger, articulando-se, em uma
série de camadas, às teorias e práticas femi-
nistas e sua potência de pensamentos críticos
sobre os espaços. Há, nesse sentido, a criação de
um vocabulário espacial: “saberes localizados”
(HARAWAY, 1995), “um teto todo seu” (WOOLF,
1985), “lugar de fala” (GONZALEZ, 2020; RI-
BEIRO, 2017), “fronteiras” (ANZALDÚA, 2000),
“margens” (HOOKS, 2019), “espaço biográfico”
(ARFUCH, 2010), para citar algumas. As palavras
compõem a terminologia criada pelos feminis-
mos para abordar problemas sociais, econô-
micos, políticos e culturais, considerando uma
multiplicidade de sujeitos (MCDOWELL, 2005).

É, precisamente, a atenção voltada aos espaços


de maneira ampliada uma das contribuições
mais instigantes, teórica e metodologicamente,
dos feminismos às ciências sociais. Sustento
que tomar as espacializações de Anna Bella
Geiger como ponto de partida para a construção
da pesquisa contribui com o adensamento dos
debates feministas, extrapolando o circuito das
artes. Sendo assim, se as práticas de Anna Bella
Geiger se aproximam aos feminismos devido à
atenção aos espaços, são os estudos feministas
que permitem compreender mais amplamente
a dimensão das espacializações de Anna Bella
Geiger.

O texto é organizado em três capítulos: “01 -


Movimentos espirais: dentro, fora, dentro…”’;
“02 - Experimentações críticas: situações/
limites/passagens” e “03 - Aberturas: entre
mesas, mapas e camuflagens”. No capítulo 01,
as considerações são feitas tendo como base a
realização da exposição Circumambulatio (1972),
no MAM-RJ, em parceria com estudantes da
instituição, em que Anna Bella Geiger atuava

16
como professora desde o final da década de
1960. No capítulo 02, as análises se iniciam a
partir de formulações sobre a mostra individual
Situações-limites, exibida pela artista em 1975,
no mesmo MAM-RJ, mas àquela altura Geiger
não ensinava mais ali. No capítulo 03, tomo
como centro da análise a videoinstalação Mesa,
friso e vídeo macios, criada para a XVI Bienal
de São Paulo, em 1981, com curadoria de Walter
Zanini, ganhando destacada importância,
também, as montagens de O pão nosso de cada
dia, realizadas na galeria do Centro Cultural
Candido Mendes (1979), Rio de Janeiro, e na
Bienal de Veneza (1980).

A divisão dos capítulos justifica-se com base


no interesse em produzir análises envolvendo
as situações histórico-espaciais da produção
de Anna Bella Geiger; pelas atuações e
preocupações recorrentes da artista com as
instituições no sistema das artes, em particular,
as relativas aos modos de ensino e exibição;
por se tratar de três importantes momentos
no trabalho de Geiger e por constituírem, cada
qual a sua maneira, pontos de abertura para um
trânsito pelos problemas suscitados pela artista
em formas circulares, retomando-os e adensando
seus sentidos.

No “Capítulo 01 - Movimentos espirais: den-


tro, fora, dentro…”, as discussões sobre o centro
surgem a partir da própria denominação da
exposição, Circumambulatio – movimento de
concentração no centro. Perpassam as preocupa-
ções sobre a construção de programas para um
centro de arte, notadamente o MAM-RJ, articu-
lando-se, assim, a uma série de ações em torno
do Museu, no Aterro do Flamengo, como Apo-
calipopótese e Domingos de criação, e situadas
no contexto de reformas urbanas, autoritarismo
e resistência política no Brasil. Articulo as ações
ao projeto educacional proposto pelo MAM, em
particular, entre 1970 e 1973, com o qual Geiger
teve fundamental envolvimento.

Apresento relações entre as discussões instaura-


das por Circumambulatio e as produções femi-
nistas que recuperam imagens da Grande Deusa,

17
como no caso das artistas Ana Mendieta e Mary
Beth Edelson, considerando seus limites, tensões
e aberturas poético-políticas. Desdobrando essa
linha de sentido, trago as contribuições de Lucy
Lippard, e suas preocupações com o centro e
lugar da arte feminista, e de Lélia Gonzalez, com
suas análises sobre o lugar e a fala. Os pensa-
mentos de Judith Butler auxiliam a conjugar tais
discussões aos pensamentos sobre a produção
da crítica, estabelecida como a possibilidade de
elaborar a si, eticamente, diante da alteridade e
da despossessão.

Em Circumambulatio a discussão latente sobre


a construção de mitos, da produção de origens,
está expressa, também, nas imagens ligadas às
histórias da Torre de Babel e suas metáforas
sobre a construção de cidades e de linguagens.
Aqui há uma articulação importante com a
videoinstalação Circa, montada e remontada nos
últimos anos por Geiger. Palavras de Fernando
Pessoa – apresentadas em Circumambulatio
– são relacionadas a outros fragmentos
apresentados na exposição, tais quais imagens
da Via Láctea.

O corpo, trazido pelas gravuras viscerais


criadas por Anna Bella Geiger na década
anterior, também surge com importância
destacada, lembrando que corpo/psique não são
apartados, como poderia supor-se a partir de um
pensamento binário. Relações com os trabalhos
de Anna Maria Maiolino, Maria Martins e Artur
Barrio contribuem para articulação de um
pensamento sobre o corpo e o autoritarismo no
território artístico.

No “Capítulo 02 - Experimentações críticas:


situações/limites/passagens” a compreensão do
MAM-RJ como espaço de experimentação artís-
tica, os debates a respeito da Área Experimental
do Museu estão articulados aos pensamentos
sobre a construção do espaço no plano da ima-
gem. Fotografia, gravura, colagem, vídeo surgem
como possibilidades de uma imaginação cria-
dora, em perguntas sobre os limites produzidos
pelo autoritarismo, machismo, burocracias. Bem
como sobre os limites da própria imaginação

18
subjugada aos meios de produção de imagem
homogeneizantes, como a televisão – discus-
sões em destaque nos anos 1970 no Brasil –, e a
expansão desse meio de comunicação em massa
pelo território nacional.

A fragmentação que marca a poética de


Anna Bella Geiger é tomada como ponto de
discussão importante e articulada aos escritos de
pensadoras feministas, como Luana Tvardovskas
e Norma Telles, sobre a imaginação. Do mesmo
modo, os pensamentos sobre a fragmentação
são tomados como as formas de apresentar
“um lugar no mundo”, diante de “situações”
e “limites”, trabalhados na relação com Lygia
Clark e Lygia Pape, considerando as análises de
Ricardo Fabbrini, Tania Rivera e Suely Rolnik.

A relação entre as mulheres artistas e a


videoarte, levando em conta uma perspectiva
mundializada, permeia as análises propostas,
sendo apresentadas artistas, como Cindy
Sherman e Valie Export. As imagens de si, a
exposição ao outro, os enfrentamentos de um
corpo feminizado ao estar nas ruas da cidade,
no interior dos museus e galerias, são temas
explorados em articulação com escritos de
Djamila Ribeiro, Leonor Arfuch, Margareth
Rago, Michelle Perrot, Rosalind Deutsch,
perguntados sobre os espaços psíquicos/físicos
que são negados, oferecidos e conquistados pelas
mulheres.

O público e o privado, o pessoal e o político, o


imaginário misógino brasileiro são considerados
na elaboração de sentidos para os trabalhos
de Anna Bella Geiger exibidos em Situações-
limites, que estabelecem conversações com
outras exposições realizadas no MAM, naquele
momento, como Eat me: a gula ou a luxúria?, de
Lygia Pape, e Medidas, de Letícia Parente. Uma
importante discussão apresentada nesse capítulo
é sobre a reflexividade trazida pelas palavras
de Judith Butler e Athena Athanasiou, levando
a adensadas articulações sobre possibilidades
de construção de um pensamento crítico nos
movimentos de exposição de si.

19
No “Capítulo 03 - Aberturas: entre mesas,
mapas e camuflagens” há uma abertura para
pensamentos sobre as relações da artista com
Walter Zanini e a Bienal de São Paulo e são
trazidas algumas dimensões históricas que
as envolvem. São trabalhados o pensamento
feminista de Sara Ahamed sobre o objeto
mesa, as considerações de Barbara Smith sobre
operações de base e mesas de cozinha, bem
como articulações com trabalhos como os de
Carrie Mae Weems, Martha Rosler, o projeto
Womenhouse, de Judy Chicago e Miriam
Schapiro.

Discussões sobre América Latina, América do


Sul e Brasil são apresentadas de uma perspectiva
histórica do pensamento e das instituições, numa
relação com os debates sobre o local da ação.
A situação política de abertura da ditadura, as
lutas antirracistas e feministas são trazidas para
situar a produção de Anna Bella Geiger. Trago
alguns pontos importantes sobre os debates que
envolvem a construção da ideia de latinidade e
o Brasil diante deles. Discussões críticas sobre
figurações brasileiras do feminino são trazidas a
partir de considerações de Emanoel Araújo, Lélia
Gonzalez e Sueli Carneiro.

O modernismo artístico e os debates sobre


antropofagia (de grande importância nas
práticas artísticas, críticas e historiográficas
brasileiras) são articulados a partir das obras
de Geiger, sendo destacadas considerações
sobre Tarsila do Amaral, com auxílio das
análises ligadas às críticas de Ana Paula
Simioni e Renata Bittencourt. Os outros lados
da antropofagia são tomados, também, a partir
da fome, problema sociopolítico-econômico
que ainda assola o continente americano, e são
trabalhados na relação da produção de Anna
Bella Geiger com Anna Maria Maiolino, Victor
Grippo e o grupo CADA.

O local da ação, os pensamentos sobre os mapas


e a cartografia, tão presentes na poética de
Anna Bella Geiger, são pensados com auxílio
de pesquisas como a de André Mesquita e Suely
Rolnik. Tais pontos são articuladas às discussões

20
sobre a educação – que permeia de modo amplo
as práticas/pensamentos/obras de Geiger – e
pensadas na articulação de seus trabalhos com
os estudos de Norma Telles sobre a cartografia
nos livros didáticos. Faço associações, nessa
perspectiva, entre colonialismo e autoritarismo,
que se expandem com o pensamento de Jerry
Dávila. As mesas, os mapas, as imagens em
movimento trazidos por Anna Bella Geiger
encerram o capítulo e criam aberturas para
pesquisas futuras.

Permeiam o trabalho pesquisas e textos críticos
sobre Anna Bella Geiger, com destaque para
os de Dária Jaremtchuk, Estrella de Diego,
Fernando Cocchiarale e Roberto Pontual, não
podendo esquecer nomes como os de Adolfo
Navas, Dore Ashton, Fernanda Albertoni, Karin
Stempel, Luiza Interlenghi, Mário Pedrosa, Paulo
Herkenhoff, Tadeu Chiarelli e Zana Gilbert.

Peço a quem se adentrar na leitura paciência no


contato com a escrita. Temas, problemas, análi-
ses ocorrem – seguindo um movimento de Anna
Bella Geiger – de modo espiral: são retomados,
desdobrados e transformados ao longo do texto.
São camadas de sentido que se criam na inten-
ção de explicitar as inúmeras sensações abertas
pelas espacializações de Anna Bella Geiger.

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Referências bibliográficas

AMARAL, A. A. Arte para quê?: a preocupação social na


arte brasileira, 1930-1970: subsídio para uma
história social da arte no Brasil. São Paulo:
Studio Nobel, 2003.
ANZALDÚA, G. Falando em línguas: uma carta para as
mulheres escritoras do Terceiro Mundo. Estudos
Feministas, v. 8, n. 1, 2000.
ARFUCH, L. O espaço biográfico. Dilemas da subjetividade
contemporânea. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
DURAS, M. Escrever. Trad. de R. Figueiredo. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994.
GEIGER, A. B. Poéticas da artista. In: A. M. NAVAS (Org.),
Anna Bella Geiger: territórios, passagens e
situações. Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2007b.
GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In:
F. RIOS; M. LIMA (Orgs.), Por um feminismo
afro-latino-americano: ensaios, intervenções e
diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência
para o feminismo e o privilégio da perspectiva
parcial. Cadernos Pagu (5), 1995.
HOOKS, B. Teoria feminista: da margem ao centro. São
Paulo: Perspectiva, 2019.
MCDOWELL, L. Spatializing feminism: geographic
perspectives. In: N. DUNCAN (Org.), Bodyspace:
destabilizing geographies of gender and
sexuality. Londres e Nova York: Routledge, 2005.
RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte:
Letramento, 2017.
WOOLF, V. Um teto todo seu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.

22
23
24
Capítulo 01 - Movimentos espirais: dentro, fora, dentro…

– Arte pode ser ensinada? Deve?


– Deve? Este verbo tem uma solicitação moralista. Eu
perguntaria – como? E responderia que: fazendo-o
(estudante) sentir o caos que se equilibra a todo
instante, fazendo-o duvidar do real e do irreal,
fazendo-o não precipitar resposta alguma ao que
nem deveria ser perguntado, desafiando-o a destruir
o que foi instituído, e vice-versa, perguntando-lhe o
que é amor, morte, explicitando-lhe como evoluiu a
rede urbana, o que a metrópole significa para satélite,
o que a rede bancária significa para estrutura e o que
estrutura significa para o processo, levando-lhe visões
da sensação de velocidade numa autoestrada, e tudo
mais que possa imaginar, até a periferia do absurdo.

Anna Bella Geiger (1970a)

Era um sábado quando desembarquei no Rio de


Janeiro para a abertura da exposição individual
de Anna Bella Geiger – Aqui é o centro (2019).
Ao chegar ao Museu de Arte Moderna, no
Aterro do Flamengo, não pude deixar de me
impressionar pelo grande número de pessoas
que conversavam e bebiam sob a marquise. Os
pensamentos saltaram no tempo e focaram uma
série de fotografias – dali a poucos minutos
eu saberia – expostas no interior do prédio. As
fotografias registravam as conversas de Anna
Bella com estudantes e visitantes de diferentes
idades presentes à mostra Circumambulatio –
exibida em 1972 naquele mesmo museu e, no
ano seguinte, no MAC-USP, por iniciativa de
Walter Zanini. Aqui é o centro, com curadoria
de Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes,
divide-se em duas partes: vinte obras de
Geiger – produzidas entre 1960 e 1990 – que
pertencem ao acervo do museu e uma releitura
de Circumambulatio (FORTES, 2019).

imagem 1 Circumambulatio é uma exposição que resultou


Anna Bella Geiger conversando do curso oferecido por Anna Bella Geiger em
com o público na exposição 1972 no MAM-RJ. Na ocasião, a artista e os
Circumambulatio estudantes deixaram o prédio do museu e
MAM-RJ realizaram experimentações na região da lagoa
1972 de Marapendi, no bairro da Barra da Tijuca.

25
imagens 2 e 3
vistas da exposição
Aqui é o centro
MAM-RJ
2018
fotografias de Paulo Jabur

A experiência constrói-se como uma espécie


de iniciação na qual uma série de processos
criativos é mobilizada por meio de ações nos
solos arenosos da região (GEIGER, 2012). Essa
é uma primeira dimensão significativa que
Circumambulatio traz: a saída da ação artística
de dentro do prédio do museu – na região
central da cidade – para um local distante do
centro e, naquela altura, pouco habitado.

No contexto histórico, político e artístico dessa


realização serão destacados alguns pontos
que auxiliam a expandir as possibilidades de
seus recursos, entre os quais, os nexos com
a espacialidade urbana do museu, em que se
dialetizam as relações interno/externo, dentro/

26
fora, perto/longe, compreensão essa que engloba
a apreensão dos processos de transformação
urbana que envolvem a construção de um museu
de arte moderna naquela região da cidade e sua
importância na cena carioca; a situação política
da ditadura civil-militar em suas relações com
esse campo de produção artístico-cultural; e as
ações educacionais que ocorreram com base no
prédio do MAM.

As ações com a terra realizadas pelo grupo


foram registradas pelo fotógrafo Thomas
1 Atualmente professor de Lewinsohn1. Para a exposição, os registros foram
Biologia na Unicamp, Lewinsohn editados e apresentados em formato de fotos
atuou como fotógrafo no início e um filme super-8 articulado com um áudio,
da década de 1970, registrando trabalho realizado por Geiger em conjunto
trabalhos de artistas – como os com os estudantes Abelardo Jacobina Santos,
da própria Anna Bella Geiger, Evando A. Escobar, Lígia Teixeira Ribeiro e
de Carlos Vergara e Renina Suzane Geyerhahn. Não tendo sido elaborados,
Katz –, de músicos como Naná a princípio, com a intenção de ser parte de uma
Vasconcelos e Hermeto Pascoal, exposição, os registros acabam, no entanto,
entre outros. produzindo uma outra camada de sentido para
o trabalho: trazer para dentro do museu a
experiência no exterior da cidade.

imagem 4
vista da exposição
Circumambulatio
MAM-RJ
1972
fotografia de Thomas Michel

Dentro do MAM cria-se um ambiente-instalação


(JAREMTCHUK, 2007) composto, ainda, por
fotografias apropriadas da Via Láctea, do Estádio
do Maracanã, de conchas em forma espiral, entre
outras. Há, nessa composição espacial, excertos

27
de textos, entre os quais, de O cão sem plumas,
de João Cabral de Melo Neto, e “O segredo da
busca é o que não se acha”, de Fernando Pessoa;
pensamentos de autores, como Carl Jung, Mircea
Eliade, Abraham Moles, e de artistas, como Paul
Klee. Muitas dessas palavras escritas no espaço
expositivo são ouvidas no audiovisual, que traz
uma articulação entre os registros das ações do
grupo de estudantes e apropriações.

Os elementos, todos colocados em conjunto,


resultam “numa forma híbrida, fragmentada”
(GEIGER, 2012). Anna Bella Geiger distingue
duas formas de fragmentação: uma, que apenas
corta e que é instrumentalizada pela sociedade, e
outra, que é intensa, rica e permite uma abertura
para o mundo (GEIGER, 2007, p. 96). Elabora-se
uma terceira dimensão para Circumambulatio: a
articulação entre as questões relativas ao espaço
e à subjetividade. Trata-se de uma procura pela
construção de outros modos de criar, nos quais
dentro e fora, interior e exterior, psíquico e
social estabelecem relações múltiplas.

As formas espirais, circulares e labirínticas estão


presentes tanto entre os registros das ações
no solo quanto entre as imagens apropriadas,
apresentadas na montagem da exposição. Para
a pesquisadora Fernanda Albertoni, no texto
“Economia de apropriações e redistribuições
de imagens na prática artística de Anna
Bella Geiger”, a artista e os estudantes que
a acompanham até a lagoa de Marapendi
envolvem-se, durante os processos criativos,
com os pensamentos do historiador das religiões
Mircea Eliade (Bucareste, 1907 – Chicago, 1986)
e criam ações permeadas por perguntas sobre
a sobrevivência, na cultura contemporânea, de
longínquas imagens simbólicas e/ou mitológicas
ligadas às formas circulares (ALBERTONI,
2016, p. 19).

Geiger observa, naqueles anos 1970, a


experiência de uma crise instauradora de
perguntas sobre “o que significam os objetos
de arte em termos de sua natureza, de seu
significado e da própria função do objeto
dentro de nossa sociedade” (GEIGER, 2018a).

28
Essa crise encontra correspondências com
aquela vivenciada por artistas de contextos
muito distintos, como aqueles existentes em
Nova York e Londres, com base na crítica ao
“suporte tradicional da arte”. “Aqui”, essas
questões somam-se “à crise do artista dentro
do momento ditatorial”, e é nessa situação
que, em seus cursos, começa “a querer sair de
dentro do prédio do MAM” (GEIGER, 2018a).
Esse movimento presente em Circumambulatio
está em diálogo com outros artistas brasileiros,
como Lygia Pape (Nova Friburgo, 1927 – Rio de
Janeiro, 2004), Hélio Oiticica (Rio de Janeiro,
1937 – 1980) e Artur Barrio (Porto, 1945).

Esses pensamentos estão intimamente ligados a


discussões – inesgotáveis ainda hoje – sobre a
passagem do moderno para o contemporâneo na
arte, conceitos de vanguarda e pós-vanguarda
(BURGER, 1993), modernismo e pós-modernismo
(HUYSSEN, 1992), utopia e pós-utopia
(FABBRINI, 2012), produção e pós-produção
(BOURRIAUD, 2009), história e fim da história da
arte (BELTING, 2006), entre outros. Nas décadas
de 1960 e 1970 – ao menos entre alguns artistas
– põem-se em curso grandes transformações nas
concepções sobre conceitos da história da arte
e das práticas artísticas. Alguns autores, como
Andreas Huyssen (Düsseldorf, 1924), examinam
esses deslocamentos com base no termo “pós-
modernismo” – destaco que em Anna Bella
Geiger e outros artistas brasileiros é sobretudo o
termo “contemporâneo” o privilegiado.

Na perspectiva de Huyssen, entram em ação,


como novidade, duas operações: de um
lado, o abandono de qualquer reivindicação
crítica, transgressão ou negação, recorrendo-
se à emergência de uma cultura do ecletismo,
uma direção que reduz a vida, a imagem e
os pensamentos a cortes despolitizados e
despolitizantes. De outro lado, uma crítica ao
modernismo que se abre para uma redefinição,
em termos não vanguardistas, da crítica e a
negação das estabelecidas conjunturas políticas,
sociais, econômicas e culturais, como observa
o autor em “Mapeando o pós-modernismo”
(HUYSSEN, 1992, p. 31). Há uma “nova luz

29
sobre o modernismo” e uma apropriação “de
muitas de suas estratégias e técnicas estéticas,
inserindo-as e fazendo-as trabalhar em novas
constelações” (HUYSSEN, 1992, p. 75). Dito de
outro modo, uma parte da crítica à modernidade
– seus preceitos estéticos e éticos – estabelece
discussões sobre os limites do moderno e suas
categorias.

imagem 5
vista da exposição
Circumambulatio
MAM-RJ
1972

As práticas artísticas contemporâneas


elaboraram-se mediante a mobilização de,
entre outras, proposições questionadoras sobre
as possibilidades de construções contínuas
das obras, por meio das relações geradas entre
elas e os participantes. Do mesmo modo,
entram em circulação práticas que visam a
trabalhar qualquer matéria do mundo e nele
interferir diretamente, com a saída dos espaços
expositivos tradicionais, por exemplo, como
sublinha a psicanalista e crítica Suely Rolnik
(2001, p. 6). Em Circumambulatio essa dimensão
reverbera, associada a uma vontade que se
formula em meio às práticas educacionais
de Geiger no MAM e a uma necessidade –
compartilhada com o crítico Frederico Morais
(Belo Horizonte, 1936) e Lygia Pape – de
transformação daquele espaço.

Em um relatório produzido por Geiger em 1970


a respeito de seu trabalho com os estudantes dos
cursos do MAM, ela afirma serem necessárias
práticas artísticas adaptadas “aos meios próprios
da nossa realidade”, assim como a observação

30
de movimentos culturais de contestação – como
o dos hippies –, procurando-se a valorização de
suas manifestações “modificadoras de estruturas
estáticas, consolidadas” (GEIGER, 1970b). Deli-
neiam-se na fala duas necessidades conjugadas:
uma reelaboração dos modos de criar no terri-
tório artístico e uma reestruturação da institui-
ção visando à construção de outras formas de
abordagem do ensino de arte no museu. Busca-
-se abri-lo para o mundo, para movimentos de
contestação dos modos de vida vigentes, articu-
lados e reformulados por meio da arte.

imagem 6 Envoltas nesses debates, as ações em Marapendi


registro das ações na lagoa constroem-se não com base em diretrizes
de Marapendi utilizado no sistematizadas e fechadas, mas em disparadores,
audiovisual apresentado em como os textos de Jung e Eliade (LEWINSOHN,
Circumambulatio 2020). De acordo com seus relatos, em sua
fotografia de Thomas Lewinsohn casa-ateliê, Geiger estava sempre em companhia
de estudantes e artistas, promovendo situações
constantes de produção e de criação. As pessoas
entravam e saíam a todo momento, em uma

31
situação na qual os papéis de professores e
estudantes eram borrados, em meio a um
contágio forte entre as diferentes formas de
manifestação artística (LEWINSOHN, 2020).

Nas palavras de Geiger, em uma entrevista em


1971, não havia mais “hora de aula”.

Toda hora, minuto, segundo extra-aula é a extensão


deste tempo deflagrador. Aula não é um tempo que
se passa, mas um processo que engloba todos os
outros tempos numa ação mais total de vida-arte.
Além desta dinâmica, outra se coloca à medida que
caminho no meu processo como indivíduo, minha
relação na proposta ao aluno também se transforma
(GEIGER, 1971).

Ressoa em sua fala uma intersecção entre a vida


e a arte, presente nas manifestações locais e
globais naquele momento histórico. Na prática
estética de Anna Bella Geiger esse cruzamento
constitui-se, em grande medida, centrado nas
relações com os estudantes. É precisamente
com base na ocorrência dessas conversas com
os alunos que a artista impulsiona as saídas à
Barra da Tijuca, em um movimento de expansão
psíquica, social, espacial e cultural.

As ações na lagoa de Marapendi são produzidas


como possibilidades de abertura para o processo
criativo, na procura por um “conhecimento
maior do ser humano”. Uma importante linha
de investigação é estabelecida, segundo Geiger,
“pelos mundos imersos do inconsciente”
trazidos por Freud (GEIGER, 1973a). Mas a
psicanálise apresenta-se, em Circumambulatio,
mais fortemente apoiada nos estudos de Jung
(JAREMTCHUK, 2007, p. 81).

Os pensamentos de Jung circulavam entre


intelectuais e artistas cariocas. Nise da Silveira
(Maceió, 1905 – Rio de Janeiro, 1999), médica
psiquiatra, funda em 1952 o Museu de Imagens
do Inconsciente, originado das experiências
na Secção de Terapêutica Ocupacional, que já
havia sido criada por ela no Centro Psiquiátrico
Nacional, Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.
Nise da Silveira trabalha com base em princípios

32
antimanicomiais, em tratamentos que têm as
práticas artísticas como propulsores, contrapon-
do-se a métodos como a terapia do eletrocho-
que e como o insulínico, estabelecendo assim
uma série de conversações com o crítico Mário
2 Sobre o trabalho de Nise Pedrosa2.
da Silveira, ver o artigo do
psicanalista João A. Frayze- Nise da Silveira organiza uma exposição no
Pereira, “Nise da Silveira: MAM-RJ em 1975 e convida Anna Bella Geiger
imagens do inconsciente entre para participar de uma mesa sobre Jung. No
psicologia, arte e política” (2003). texto “Arte em torno do centro”, publicado por
E o material produzido pelo Geiger no Jornal do Brasil em 1972, a artista
Grupo de Pesquisa Memória, explicita de forma fragmentária as ideias
Museus e Patrimônio, para o mobilizadoras das ações que antecedem a
“Seminário Leitura de Imagens: montagem da exposição. Quase ao fim do texto,
a epistemologia de Nise da Geiger transcreve um trecho de Psicologia e
Silveira” (2017). Ferreira Gullar alquimia, de Jung (1944),
escreve sua biografia, intitulada
Nise da Silveira: uma psiquiatra o caminho é primeiramente sem discernimento e
rebelde (1996). Sobre as relações caótico, e não é, a não ser progressivamente, que se
entre ela e Mário Pedrosa, multiplicam as indicações que assinalam a existência
consultar o artigo “Loucura, de um alvo. Este caminho não vai em linha reta.
expressão e abstração: a tensa É aparentemente cíclico. Um conhecimento mais
relação entre Nise da Silveira preciso mostra que se eleva em espiral (Jung, citado
e Mário Pedrosa” (2020), da em GEIGER, 1972a)3.
psicanalista Tania Rivera.
O texto do psicanalista refere-se ao
3 O trecho de Psicologia e funcionamento do mundo onírico, às formas
alquimia na versão consultada de aproximação dos sonhos. Na sequência do
para a escrita deste texto é trecho citado por Geiger, o psicanalista afirma
um pouco distinto do citado que os sonhos, “enquanto manifestações dos
por Geiger: “O caminho para processos inconscientes, traçam um movimento
a meta a princípio é caótico e de rotação ou de circum-ambulação em torno
imprevisível, e só aos poucos do centro, dele se aproximando mediante
vão se multiplicando os sinais amplificações cada vez mais nítidas e vastas”
de uma direção a seguir. O (JUNG, 1990, p. 39).
caminho não segue a linha reta,
mas é aparentemente cíclico. Nos sonhos, supõe Jung, os temas “sempre
Um conhecimento mais exato reaparecem depois de determinados intervalos,
o define como uma espiral [...]” sob certas formas que designam à sua maneira
(JUNG, 1990, p. 39). o centro”, e “o processo de desenvolvimento
revela-se cíclico ou em espiral” (JUNG, 1990, p.
37). Em Circumambulatio essas considerações
reverberam, extrapolando as discussões relativas
aos sonhos e configurando-se como um modo
de criar ações e imagens envoltas em indagações
sobre aquilo que constitui o inconsciente
individual ou coletivo. Ou, em outros termos,

33
como perguntas sobre a vida psíquica.
As formulações de Jung citadas por Geiger
ampliam as possibilidades de sentido para
Circumambulatio. Em Psicologia e alquimia, os
sonhos são tomados em séries “conectadas entre
si”, e os quatrocentos sonhos – de um mesmo
sonhador – são avaliados como diferentes
textos. Tomados em conjuntos, em séries, eles
iluminam-se uns aos outros, “de modo que a
leitura dos vários textos já basta para esclarecer
as dificuldades de sentido de cada um deles”
(JUNG, 1990, p. 55).

Trata-se de uma operação que prioriza a relação


entre os fragmentos para a construção das imagem 7
interpretações. Os processos e materiais que cartaz I Exposição Nacional de
permitem a criação da mostra Circumambulatio Arte Abstrata
podem ser lidos com base nesse tipo de
operação: as imagens e textos adensam-se
mutuamente, criam e recriam seus significados,
dependendo da série considerada. Dessa
maneira, são propostas três séries compreensivas
e entrelaçadas: saída do museu, ações na terra –
e seus registros – e reentrada no museu. 4 Fayga Perla Krakowski muda-
se, no ano seguinte ao seu
As séries são configuradas por experiências e nascimento, com a família para
formulações ligadas à construção do espaço, a Alemanha, onde vivem até
marcada na trajetória de Anna Bella Geiger pe- 1933. Fugindo do nazismo em
las formulações da artista, professora e escritora ascensão, vão ilegalmente para a
Fayga Ostrower (Lodz,1920 – Rio de Janeiro, Bélgica, onde aguardam durante
2001)4, uma das figuras mais importantes da um ano o visto brasileiro.
abstração brasileira. Interessada nos processos Desembarcam no Rio de Janeiro,
de criação, na constituição do universo sensível, indo viver na cidade de Nilópolis,
Ostrower publica uma série de livros, como Cria- na Baixada Fluminense. Aos
tividade e processos de criação (1977), Universos 13 anos, a garota começa a
da arte (1983) e A sensibilidade do intelecto trabalhar como auxiliar de
(1998). Evitando dicotomias corriqueiras que escritório e, em seguida, como
insistem em opor sensível e intelectual, psíquico secretária estenodatilógrafa,
e material, os escritos de Ostrower têm grande para complementar a renda
preocupação com as relações entre o espaço e as familiar. Em 1939 passa a
formas de expressão. frequentar a Sociedade Brasileira
de Belas-Artes, na cidade do
As travessias artísticas de Anna Bella Geiger têm Rio de Janeiro, para onde havia
como ponto de partida o ano de 1949, com o se mudado com a família no
interesse pela abstração informal e a gravura nos ano anterior. Com o gravador
cursos oferecidos por Fayga Ostrower em seu austríaco Axel Leskoschek,
ateliê. Na primeira metade da década de 1950, inicia experiências com pintura,
começa a participar de variadas mostras, entre desenho, composição e gravura.

34
Ao final da década de 1940, as quais a I Exposição Nacional de Arte Abstrata
Fayga Ostrower – sobrenome (1953), no Hotel Quitandinha (Petrópolis, Rio de
adotado após o casamento Janeiro). A abstração em sua vertente informal é
(1941) com Heinz – tem suas marcante na poética da artista.
gravuras publicadas numa
edição especial de O cortiço, de A importância da formação com Ostrower é
Aluísio Azevedo. A ilustração recorrentemente apresentada por Geiger em
torna-se, assim, uma de suas textos e falas. Sobre Ostrower, ela diz:
profissões. A partir das aulas
com Leskoschek, começa a Tudo o que eu aprendi, através de um professor e da
elaborar a própria metodologia prática com um professor, sobre o que significava arte
de ensino, recebendo em sua naquele momento, em um momento tão complicado
casa/ateliê para cursos práticos da passagem da arte da figuração, e de uma figuração
de desenho e gravura, entre política para o abstracionismo, eu aprendi, não há
1950 e 1953, quando decide dúvida, no ateliê da Fayga (GEIGER, 2018a).
dedicar-se exclusivamente aos
cursos teóricos. No MAM-RJ, Conteúdos expressivos ligados à materialidade
ministra durante dezesseis anos física da obra, uma valorização da dimensão
os cursos de “Composição”, psíquica e intensas considerações sobre a
“Estrutura espacial e expressão construção do espaço marcam a abstração
na arte”, “Análise de estilos”, informal no território nacional e internacional
“Teoria da Gestalt” e “Teoria da (GEIGER, 2008, pp. 15-18). Desdobrados,
percepção”. Ostrower recebe tais pensamentos permeiam a criação de
importantes bolsas, como a Circumambulatio. A descoberta do espaço é,
da Fulbrigth, que lhe permite para Ostrower, uma experiência ao mesmo
estudar no Brooklyn Museum tempo pessoal e universal, vivenciada
of Art (1955). É convidada a inconscientemente e constitutiva dos processos
lecionar em universidades no de estruturação da percepção consciente
Brasil e no exterior, como UFRGS (OSTROWER, 1987, p. 30). Sentar, engatinhar,
(1971) e Spelman University andar, tocar os objetos constitui uma maneira
(1964). Os pensamentos da primeira de compreender o mundo, sendo o
escritora produzem interesse espaço um meio e um modo dessa compreensão.
em diferentes áreas, levando-a Ao tratar dessas questões no campo das artes,
palestrar em lugares como o Fayga afirma que a figuração e a abstração
Centro Brasileiro de Pesquisas se inscrevem numa mesma lógica, na qual a
Físicas/CNPq, e os institutos de forma nunca pode ser pensada como um mero
Matemática, Física e Ciências invólucro do conteúdo. Ao contrário, criar
Sociais da UFRJ, entre outros. formas distintas tem como efeito alterações do
Nas práticas artísticas, a paixão próprio conteúdo (OSTROWER, 1987, p. 43).
pela abstração e pela gravação
acompanha Ostrower ao longo Ostrower considera o espaço o referencial pri-
dos anos. Participa de uma meiro de todas as linguagens e argumenta que
série de exposições individuais conteúdos de uma experiência, sempre e em
e coletivas, sendo premiada por qualquer idioma, são comunicados verbalmente
instituições como a Bienal de por meio de imagens espaciais. Compreender é
São Paulo e a Bienal de Veneza um exemplo do uso de imagens espaciais: com =
(GEIGER; OSTROWER, 2008, pp. junto; prender = ligar uma coisa à outra. Um ou-
48-54). tro exemplo é o verbo “pôr”, em que as suas va-

35
riações traspor, expor, impor, compor etc. trazem
a indicação espacial que define como se configu-
ra a ação (OSTROWER, 1988, pp. 173-174).

Pensamentos intimamente relacionados à prá-


tica estética elaborada pela própria Ostrower,
que, relatando a experiência de cortar uma linha
curva em uma gravura em linóleo, conta ter tido
a sensação de que a sua importância na obra se
torna quase maior do que a própria figura na
qual trabalhava. Para a artista, a constatação faz
com que suas preocupações em relação à forma
passem a ser construídas com base nos proble-
mas da estrutura do espaço e de sua relação com
o conteúdo expressivo (GEIGER, 2015, p. 6).

No texto curatorial para o catálogo da exposição


itinerante Caminhos de Fayga (2006/2008),
Geiger enfatiza como Fayga Ostrower formula
uma série de concepções sobre a arte (filiadas
aos pensamentos de Cézanne) como sendo
puramente linguagem e espaço (GEIGER, 2008,
p. 15). Referindo-se aos estudos da historiadora
da arte Liliane Brion Guerry (Paris, 1916 –
2006), Geiger observa que, em suas composições,
Cézanne não concebe paisagem ou objeto
preexistentes à ação de construí-los na tela. O
continente espacial não antecipa nem é distinto
de seu conteúdo; os objetos e intervalos é que
são instaurados em confluência com estruturas
conceituais de um novo mundo (GEIGER, 2008,
p. 15). A produção de Ostrower toma como
ponto inicial essas compreensões, para friccioná-
las e traçá-las para os caminhos da abstração.

Trata-se de um movimento no qual os


processos de produção espacial e subjetiva
são indissociáveis e transformam-se cada vez
que novas formas são criadas. No território
artístico, o que se expressa inconsciente
e conscientemente é vinculado a imagens
espaciais que constituem a subjetividade do
artista e para as quais ele jamais pode criar
formas sem, imediatamente, transformá-las.
Psiquicamente, a prática estética instaura a
possibilidade de produção de novas imagens
espaciais que permitem a elaboração de novas
formas para a subjetividade do próprio artista.

36
Há outra dimensão imprescindível: o tempo,
ou mais precisamente os tempos vividos e
vivenciados. Na elaboração das formas, são
os tempos da memória que, impossíveis de ser
cronometrados com relógios, são registrados
afetivamente na duração (OSTROWER, 1998, p.
75). As relações com o espaço formam imagens
psíquicas que, mobilizadas no ato criador em
termos da duração, possibilitam reelaborar as
próprias relações espaciais. Circumambulatio
traz reverberações e desdobramentos de
tais pensamentos. Os tempos vividos são
considerados em formas individuais e
coletivas, sobrepostas por meio das sensações
movimentadas, que produzem os espaços em sua
vertente dinamizada. São formas não fixadas em
uma origem formatadora, mas constantemente
reconstruídas na sobreposição de tempos
vivenciados e imaginados.

Importante nas formulações de Fayga


Ostrower, o tempo é ponto de partida para as
elaborações sobre a sociologia da arte feitas pela
pesquisadora Hanna Levy-Deinhard (Osnabrück,
5 Anna Bella Geiger exibiu 1912 – Basel, 1984)5. Ostrower e Levy-Deinhard
algumas das cartas trocadas estabelecem uma duradoura conversação,
por Ostrower e Levy-Deinhard expressa numa troca de cartas entre 1958 e
na apresentação “A historiadora 1979. No livro de Levy publicado em alemão
de arte Hanna Levy-Deinhard em 1967, e traduzido para o inglês em 1970,
no exílio e sua atualidade hoje”, Meaning and Expression. Towards a sociology
na Biblioteca de Frankfurt. of art [Significado e expressão. Rumo a uma
Essa notícia está no site de sociologia da arte], lê-se: “toda grande obra de
Fayga Ostrower datada de arte é atemporal” e “toda grande obra de arte é
2014. Disponível em: <https:// uma expressão de seu tempo”.
faygaostrower.org.br /
noticias/2014/correspondencia- As sentenças relativas ao tempo são, de acordo
entre-fayga-e-hanna-levy- com Levy-Deinhard, de extrema importância
deinhard>. para a criação de abordagens sobre a arte.
Para autora, tomar a arte como atemporal,
sem considerar as forças políticas, religiosas,
econômicas e sociais atuando no momento
de sua produção, não auxilia na compreensão
sobre a historicidade de distintas manifestações
artísticas. Ao contrário, considerar os objetos
artísticos como mera “expressão de seu tempo”
tem como efeito uma redução da arte a uma
exemplificação das condições históricas em que
ela é produzida (LEVY-DEINHARD, 1970, p. 1).

37
A proposta de Levy-Deinhard, em torno da
sociologia da arte, pergunta, por um lado,
como é possível obras de arte viverem além
de seu tempo e serem vistas como expressivas
e significativas em épocas e sociedades
completamente diferentes? Em outras palavras
como artigos originados como produtos da
atividade humana, dentro de um determinado
tempo e sociedade e para um determinado
tempo, sociedade ou função – mesmo que não
sejam necessariamente produzidas como “obras
de arte” –, ganham sentidos atualizáveis? Por
outro lado, como a idade e a sociedade que os
produziram podem ser reconhecidas nas obras?
(LEVY-DEINHARD, 1970, p. 3).

Hanna Levy-Deinhard é professora importante


na trajetória de Geiger durante o ano de sua
estada em Nova York, a partir de 1954: “Ela
era uns quarenta anos mais velha do que eu,
mas eu me identificava muito com ela”, conta
Anna Bella na entrevista concedida a Agnaldo
Farias e Adolfo Navas (GEIGER, 2007, p. 81).
Em 1954, a artista frequenta o curso de Hanna
Levy-Deinhard, na New York University (NAVAS,
2007, p. 189). Naquele mesmo ano, abre sua
primeira exposição individual na Eglington
Gallery (Toronto, Canadá).

De volta ao Brasil, em 1955, Geiger continua


valorizando os estudos universitários e forma-
se em línguas anglo-saxônicas pela Faculdade
Nacional de Filosofia (atual Universidade
Federal do Rio de Janeiro), em 1957. Em 1961,
expõe gravuras abstratas na VI Bienal de São
Paulo e, em 1963, recebe menção honrosa na I
Bienal Americana de Gravura. Ganha o Primeiro
Prêmio de Gravura na I Exposição Jovem
Gravura Nacional, organizada por Walter Zanini
no MAC-USP (1964).

A partir de meados da década em 1960,


instaura-se uma crise para Anna Bella Geiger
quando, em 1964, cria sua última gravura
abstrata (COCCHIARALE, 1978, p. 9). Ela
explica:

38
Quando se vai abrindo mão de uma coisa que você
não acredita, você sofre muito com isso, porque
você está perdendo conhecimento e não está mais
podendo olhar para trás. Não é nada simples! [...]
Participar de um movimento, como eu participei
do abstracionismo, dava um respaldo. Porque
o abstracionismo não morreu ali em 1965, ele
continuou muito tempo. Eu que esgotei a minha ideia
de que aquilo significasse para mim alguma coisa. [...]
Uma crise terrível! Eu não consigo mais saber o que
significa o abstracionismo, por que discutir a questão
do espaço e do tempo (GEIGER, 2018a).

imagem 8
vista da exposição
Circumambulatio
MAM-RJ
1972
fotografia de Thomas Michel

Nos anos seguintes, Geiger estabelece uma


série de procedimentos para ressignificação e
recolocação de suas práticas artísticas – um
movimento conjugado com as atividades
didáticas, que encontram outras formas de
pensar as espacialidades e temporalidades. No
processo de Circumambulatio, as preocupações
imagem 9 não envolvem apenas o trabalho de Geiger, mas
Anna Bella Geiger conversando as possibilidades na área de ensino do MAM-RJ
com o público na exposição (GEIGER, 2007, p. 84).
Circumambulatio
MAM-RJ
1972

39
40
41
42
Saídas: práticas educacionais e artísticas

O meu approach à questão da arquitetura do Museu


começa a mudar. Cada vez mais eu começo a sair [...]
para mim começa a interessar que apenas o suporte é
a terra [...] a minha questão é chegar em um terreno
baldio. Mas por quê? Para me distanciar do MAM.
Eu começo a ver o MAM, o espaço arquitetônico
do MAM, como não servindo para eu transmitir
questões sobre liberdade, sobre espaço, ali dentro das
salas do MAM. Eu vou me afastando, mas dizendo
“são os cursos do MAM”. E vou parar lá na lagoa de
Marapendi... (GEIGER, 2018e).

Sair do MAM-RJ é importante operador em


Circumambulatio, como narra Geiger: a procura
por um espaço afastado desse centro cultural,
no qual ela atua em diversas instâncias, bem
como a partilha coletiva dessa saída. Nos anos
anteriores, 1970-1971, nos cursos do MAM,
Geiger e estudantes já exploram algumas
possibilidades de ação no solo, que entram em
conversações com as formulações propostas.
Respondendo ao meu questionamento sobre
as dimensões políticas e artísticas de levar os
estudantes para fora do museu, Geiger diz:

Primeiro é o verão, é o Rio de Janeiro. Há informação


de que aquilo é um prédio moderno, com uma
extensão de um jardim moderno. Tudo isso começava
a ser uma ironia na minha ideia da questão do que
é o moderno, mas não teórica; a gente, o artista, faz
a coisa, depois a teoria pega. [...] O museu como um
prédio aberto ao jardim. Pergunto onde começa o
jardim, onde acaba o prédio? Começo a ver que não
cabe em uma sala de aula com as cadeiras aquilo de o
professor falando sobre os exercícios (GEIGER, 2018a).

Nas saídas ela propõe diferentes exercícios,


como com novelos de lã coloridos para serem
trabalhados em relação aos caminhos de pedra
organizados dos jardins em torno do MAM.
Com a lã, os estudantes criaram linhas que
imagem 10 extrapolaram os limites das pedras sem, no
registros das ações realizadas entanto, destruí-las. A leveza da lã não se
durante os cursos de Geiger no contrapõe, como poderíamos supor a priori, à
MAM-RJ rigidez da pedra. Ao ver os registros da ação, a
1970/1971 sensação de sobreposição de camadas materiais

43
imagem 11 e 12
Registros das ações realizadas
durante os cursos de Geiger no
MAM-RJ
1970/1971

e simbólicas é o que prevalece. Pedras, linhas e


arbustos compõem uma nova situação. Nela há
tempos distintos intercalados: o das pedras e da
vegetação do parque e o das linhas.

No verão de 1971, Geiger e Lygia Pape


organizam o curso Atividade/Criatividade e 6 Antonio Manuel (Avelãs de
convidam Antonio Manuel6 para que se junte Caminho, Portugal, 1947 – Rio
a elas. Trata-se de um curso que explora as de Janeiro, 2018) apresentou
possibilidades para a criatividade, em uma na exposição o trabalho Urnas
proposta que, nas palavras de Geiger, “mais quentes, no qual o público
globalmente, não discriminou os resultados a é convidado a abrir caixas
serem apresentados, fosse tela, desenho, filme, de madeira, nas quais são
obra escrita, experiências ecológicas ou outra encontrados recortes de jornais
manifestação qualquer” (Geiger, citada em e frases referentes às violências
SWANN, 1971). do regime político.

44
Em Atividade/Criatividade há uma grande
preocupação em constituir movimentos de
liberação, aberturas para práticas de liberdade.
“Liberdade total no curso do MAM” são as
palavras destacadas em uma matéria do jornal
O Globo, em 20 de janeiro de 1971. Matérias de
jornais sobre as atividades do museu, bem como
textos dos que trabalham ali, como Frederico
imagem 13 Morais e Geiger, são frequentemente publicadas,
matéria do jornal O Globo naquele momento. Há uma estratégia de
20 de janeiro de 1970. utilização da mídia para divulgar e legitimar as
iniciativas institucionais.

45
A matéria relata que 33 alunos estão inscritos
no curso e contém depoimentos das artistas
explicando suas propostas. Pape comenta que,
para a realização do curso, os docentes estão
se “valendo de todos os sistemas de expressão
possíveis, os sons, os efeitos de luz, os próprios
sentidos, a grande experiência das artes,
incluindo o cinema”. Ela afirma tratar-se de
“algo novo”, cujo objetivo é possibilitar ao aluno
“acordar para o mundo que nos cerca, seja ele
um jardim, um viaduto, seja a água”.

imagem 14
registros das ações realizadas
durante os cursos de Geiger no
MAM-RJ
1970/1971

Há um interesse em “atingir pela criatividade


a única forma que nos parece ainda restar ao
homem para se libertar da máquina, da rotina
que embota a sensibilidade do dia a dia”. Explica
que nem todos os inscritos são iniciados em arte,
não sendo a principal preocupação “formar”,
mas “desenvolver em cada um deles o poder de
captar as coisas em torno de si”. Pape reforça um
desejo de abertura para “criar sem medo”, uma
possibilidade de “ver o mundo ao redor e captá-
lo sem medo, sem prevenções” (Pape, citada em
SWANN, 1971).

Enfatiza Geiger que essa “nova experiência”


tem mais “ares de uma iniciação à vida, e não
necessariamente às artes plásticas”. O curso
traz essa “liberação”, à qual cada aluno dará
continuidade ou com a qual abrirá novos
caminhos, “cada artista tem sua ‘forma especial

46
de trabalhar’”. A Geiger interessa mobilizar ações
que tragam a dimensão do inconsciente – de
onde, em suas palavras, surge “nosso mundo
mais rico” (Geiger, citada em SWANN, 1971).

imagem 15 “Criar sem medo” e “liberdade para a criação”


ativação da obra Ovos de Lygia são expressões que tomam sentidos expandidos,
Pape sendo rompidos. considerando-se a situação de censura do país,
Frames do vídeo que piorará desde 1968, com a promulgação do
Apocalipopótese – Guerra e Paz Ato Institucional número 5. A crítica Galciane
(1968) feito por Neves sustenta que, nas décadas de 1960 e
Raymundo Amado 1970, ocorre no Brasil “uma espécie de pico, de
ebulição artística, apesar da ditadura militar,
à revelia de toda a repressão e censura à livre
criação, que fechavam exposições (como a
II Bienal de Artes Plásticas da Bahia, 1968),
confinavam, amedrontavam e torturavam
artistas, músicos, jornalistas, intelectuais”
7 Na década de 1960, até a (NEVES, 2016, p. 73)7.
promulgação do AI-5, há certa
prevalência de um pensamento Destaca-se a realização do evento
de esquerda no território da Apocalipopótese, em 1968. O título é uma
produção imagética, defende fusão das palavras “apoteose”, “hipótese” e
Roberto Schwarz em “Cultura e “apocalipse”, inventada pelo artista Rogério

47
Duarte (Ubaíra, 1939 – Brasília, 2016), política, 1964-1969” (1978). No
organizador do evento, em parceria com texto – bibliografia considerada
Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, 1937 – 1980) fundamental nas investigações
(SALOMÃO, 2015, p. 66). Durante um fim de sobre a cultura e a política
semana, o público participou e construiu ações brasileira nos primeiros anos
propostas pelos organizadores e por artistas, após o Golpe de 1964 – afirma
como Lygia Pape e Antonio Manuel. Fez parte que, após o Golpe, “apesar da
da experimentação, segundo Oiticica, admitir ditadura de direita há relativa
“a direta interferência do imponderável: a hegemonia cultural de esquerda
desconhecida participação coletiva” (OITICICA, no país” (SCHWARZ, 1978, p.
1986, p. 128). O artista associou Apocalipopótese 62). Schwarz trabalha com
à “criação da liberdade no espaço dentro- perspectivas teóricas na órbita
determinado, intencionalmente ‘naturalista’, do pensamento marxista e
aberta como o campo natural para todas as opositoras ao ideário nacional-
descobertas: o comportamento que se recria, que desenvolvimentista (QUERIDO,
nasce [...]” (OITICICA, 1986, p. 130). Nascer e 2019, p. 239). Em “Cultura
criar são palavras mobilizadas por uma série de e política, 1964-1969”, a
artistas naquele período. noção de cultura é marcada
por tal referencial conceitual,
Oiticica, artista de extrema importância relacionando-se aos materiais
nos debates sobre os limites do moderno produzidos por “grupos
e as possibilidades contemporâneas na diretamente ligados à produção
arte brasileira8, considera Apocalipopótese ideológica, tais como estudantes,
fundamental em seus percursos e pensamentos artistas, jornalistas, parte dos
nas artes (OITICICA, 1986, p. 130). O evento, sociólogos e economistas, a
em 1968, faz parte de um dos maiores parte raciocinante do clero,
acontecimentos artísticos do Rio de Janeiro, Arte arquitetos etc. – mas não
no Aterro: um mês de arte pública (PEQUENO, ultrapassam essas delimitações,
2018, pp. 141-145). Organizado por Frederico nem podem, por razões policiais.
Morais, o evento construiu-se com base em Os intelectuais são de esquerda,
um interesse compartilhado do crítico em e as matérias que preparam, de
“práticas multissensoriais, que dinamizassem e um lado, para as comissões do
usufruíssem do espaço urbano, na exploração governo ou do grande capital
criativa do processo, do acontecimento e na e, de outro, para as rádios,
imaterialidade da arte” (NEVES, 2016, p. 97). Em televisões e os jornais do país,
um cartaz de divulgação lê-se: “Qualquer um não são de esquerda. Somente a
pode fazer arte. E boa arte. Para tanto deve ver matéria que o grupo – numeroso
obras de arte. Feitas (em exposições públicas) a ponto de formar um bom
ou que estejam sendo feitas. E conversar, dar mercado – produz para consumo
palpites sobre tudo o que vê, diretamente com próprio pode ser considerada
os artistas, críticos e professores”. No parágrafo de esquerda. Esta situação
seguinte: “Tudo isso será feito no Aterro” (Arte cristalizou-se em 1964, quando
no Aterro, citado em NÓBREGA, 2017, p. 124). grosso modo a intelectualidade
socialista, já pronta para a
Arte no Aterro traz o interesse em estabelecer prisão, desemprego e exílio,
relações entre a arte e o público “longe das foi poupada. Torturados e
catracas do museu, do controle dos espaços longamente presos foram
institucionalizados, com o intuito de confrontar somente aqueles que haviam

48
organizado o contato com a lógica dos espaços expositivos convencionais,
operários, camponeses, desencadear situações abertas à participação e
marinheiros e soldados” atingir o grande público” (NEVES, 2016, p. 97).
(SCHWARZ, 1978, p. 62). O evento foi realizado no Pavilhão Japonês e
não tinha relações institucionais com o MAM.
8 Sobre os pensamentos e Cerca de 25 minutos de caminhada separam o
práticas artísticas de Oiticica, prédio do museu da área onde Arte no Aterro
consultar Favaretto (2015/1992). foi realizado: o MAM está em uma extremidade
do Parque do Flamengo, próximo ao Aeroporto
Santos Dumont, e o Pavilhão Japonês, no bairro
do Flamengo (PEQUENO, 2018, p. 142).

imagem 16 No convite para Apocalipopótese, publicado


ativação da obra Ovos de Lygia no jornal Diário de Notícias (1968), Frederico
Pape sendo rompidos. Morais, em tom de manifesto, filia a proposta de
Frames do vídeo Arte no Aterro às experiências da arte dadá, da
Apocalipopótese – Guerra e paz pop art e do iê-iê-iê. De acordo com o crítico,
(1968), feito por são todas “gritos de protesto, uns mais fortes,
Raymundo Amado outros menos, conforme aqueles que gritam,
conforme os locais e época”. A mobilização para
esses gritos vem de “uma sensação de mal-estar,
de certo asco, um sintoma de inconformismo, de
insatisfação. E não apenas ou necessariamente
política. Inconformismos artísticos, vontade
de abrir, renovar, pesquisar” (MORAIS, 2017,

49
p. 145). Os protestos contra a ditadura e
contra certas categorias estanques da arte são
frequentemente realizados em conjunto por
artistas e críticos no Rio de Janeiro, entre os
quais, Anna Bella Geiger.

Apocalipopótese traz experiências para o fim do


mundo, hipóteses para os novos nascimentos,
aberturas artísticas diante do fechamento
político. As práticas de liberdade, às quais
se refere Oiticica, surgem no evento “como
nas marchas de protesto”. De acordo com o
artista, a Passeata dos Cem Mil (1968) foi uma
“introdução” para o evento (OITICICA, 1986,
p. 129). Como lembra Fernanda Pequeno, em
1968, a despeito da transferência da capital
federal do país para Brasília (1960), a cidade
do Rio de Janeiro mantinha-se como um
importante espaço político, no qual ocorriam
protestos fundamentais do movimento
estudantil (PEQUENO, 2018, p. 142). Entre essas
manifestações, a Passeata dos Cem Mil, segundo
Oiticica, é uma das mais rememoradas em
pesquisas sobre o período.

Ocorrida em 26 de junho de 1968, a


manifestação leva às ruas artistas, intelectuais,
trabalhadores e estudantes em protestos
contra o regime ditatorial. As manifestações
intensificavam-se pelas ruas do centro do Rio
de Janeiro desde o assassinato, pela Polícia
Militar, do estudante Edson Luís de Lima Souto,
durante um protesto no restaurante Calabouço
(PEQUENO, 2018, p. 142). Em 28 de março de
1968 os estudantes reivindicavam, entre outras
coisas, melhores condições para o restaurante –
inaugurado em 1950 –, quando foram atacados
pela Polícia Militar. O local era de extrema
importância para o movimento estudantil,
em especial para os jovens vestibulandos e
secundaristas.

Edson Luís, afirma Elio Gaspari, é o primeiro


cadáver surgido, desde 1964, nos enfrentamentos
diversos entre estudantes e a polícia pelo país.
O autor lembra que os estudantes “impuseram à
polícia uma derrota inicial e decisiva”, ou seja,
“conquistaram o cadáver”. Tomando o corpo da

50
polícia, que tentava levá-lo ao Instituto Médico
Legal, os jovens caminharam até a Assembleia
Legislativa. “Sem camisa, Edson Luís foi
colocado sobre a mesa” e, no dia seguinte, as
páginas dos jornais locais estampavam aquele
garoto morto (GASPARI, 2014, p. 276).

­imagem 17
capa do jornal Correio da Manhã,
30 de março de 1968a.
A edição traz registros das
manifestações ocorridas no dia
anterior, que lembrava o assassi-
nato do estudante secundarista
Edson Luís de Lima Souto.

Essas imagens auxiliam na produção de um


imaginário de morte, violência e censura. Não
à toa, nascer e criar, em contraposição, são
palavras utilizadas por Oiticica ao rememorar
Apocalipopótese. A morte do estudante, as

51
manifestações nas ruas e o MAM não estão
conectados apenas pela realização de Arte no
Aterro. Os eventos que culminam na morte
de Edson Luís estão diretamente associados à
matéria do Correio da Manhã sobre a reunião do
FMI no museu e os processos de reforma urbana
no Rio de Janeiro. O restaurante Calabouço
havia sido transferido de local alguns meses
antes, como parte de uma ação de reforma
urbana para a construção de avenidas no Aterro
do Flamengo (GASPARI, 2014, p. 273).

imagem 18
matéria do jornal O Globo,
02 de agosto de 1967

Por esse motivo, fazia algum tempo era


notícia frequente nos jornais cariocas. O
Globo informa sobre o “último jantar no
restaurante Calabouço”, que será transferido em
consequência da construção de um trevo que
“dará sorte” à cidade, “segundo os engenheiros
responsáveis pelas obras” (O Globo, 1967a). A
notícia lembra o Museu de Arte Moderna, no
qual acontecerá a reunião do Fundo Monetário
Internacional e que passará por reformas,
inclusive a do bloco escola, de onde já haviam

52
sido retirados “todos os escritórios do MAM para
dar lugar aos do FMI” (O Globo, 1967a).

As reformas não são entendidas como positivas


entre os jovens estudantes que faziam suas
refeições no Calabouço. Muitos deles se voltaram
contra as máquinas da Sursan destinadas a
demolir o restaurante. “Armados com pedras”,
eles “danificam duas betoneiras” e o “bate-
estaca” (O Globo, 1967b). De acordo com
Luís Raul Machado, um dos vice-presidentes
da União Nacional dos Estudantes (UNE), o
restaurante era um ponto de encontro politizado,
onde

estudantes de várias escolas, na sua maioria


secundaristas ou do ensino técnico, se organizaram
intensamente em cursinhos, lojas de prestação de
serviços diversos e se encontravam duas vezes por
dia no restaurante, onde faziam suas assembleias.
Ali se constituiu a Frente Unida dos Estudantes do
Calabouço [FUEC] (Machado, citado em RIDENTI,
1993, pp. 143-144).

Sob protestos, o Calabouço foi transferido para


poucos metros dali e no ano seguinte volta às
matérias de jornal, que narram manifestações
contra as condições do restaurante – que, por
fim, será fechado –, agravadas com o assassinato
de Edson Luís (GASPARI, 2014, p. 273). As
reformas urbanas que envolvem o MAM e a
reunião do FMI são constitutivas dos protestos
no Rio de Janeiro em 1968.

Elinor Brito – líder secundarista em defesa do


restaurante (RIDENTI, 1993, p. 143) –, em meio
a gritos de “queremos o Calabouço”, enfatiza:
“os galpões inacabados que recebemos com a
promessa de em breve serem concluídas as obras
não foram um presente, mas um pagamento do
Governo pelo prédio que nos foi tomado para
o embelezamento da cidade para receber ‘os
patrões do FMI’” (Brito, citado no Correio da
Manhã, 1968b).

Em um horizonte de perda do status de


capital federal, de um ideário nacional-
desenvolvimentista e das reformas urbanas,

53
acontece a construção do MAM, e essas questões
reverberam nas manifestações estudantis nas
ruas do centro do Rio de Janeiro.

Intensificam-se as manifestações contra a


ditadura, e Apocalipopótese acontece. Maria
Hermínia Tavares de Almeida e Luiz Weis
afirmam que “testar os limites da ação permitida
torna-se uma rotina comum aos membros das
oposições intelectualizadas” (ALMEIDA; WEIS,
1998, p. 330).

imagem 19
Correio da Manhã, 30
de março de 1968a. A
edição traz registros das
manifestações ocorridas no
dia anterior, que lembrava
o assassinato do estudante
secundarista Edson Luís de
Lima Souto.

Em “Carro-zero e pau-de-arara: cotidiano da


oposição da classe média ao regime militar”
(1998), enfatizam que faziam parte da vida
cotidiana perguntas sobre a censura: imagens 20 e 21
ação do grupo Poema/
o que se pode escrever em uma coluna de jornal, o Processo, durante o Arte no
que se pode compor e cantar, o que se pode encenar Aterro, julho de 1968.
ou ensinar sem represálias pessoais; que grau de Fotografias de
repressão enfrentará o protesto público – o panfleto, Roberto Moriconi.

54
a assembleia, a passeata, o comitê, a manifestação.
Faz parte do cotidiano interessar-se ou participar –
como militante, simpatizante ou mero curioso – no
inesgotável debate de ideias, estas estão inesgotáveis
[...] (ALMEIDA; WEIS, 1998, p. 330).

55
A dimensão crítica de testar limites surge em
Arte no Aterro, menos como um debate de ideias
do que como ações coletivas de interferência
no imaginário. As faixas com dizeres políticos
caracterizavam as manifestações e surgem como
imagens frequentes no cotidiano, auxiliadas
pelos jornais. Durante o Arte no Aterro, o uso
desse tipo de material amplia-se em sentidos
poéticos, trazidos pelo grupo Poema/Processo.
Fundado por Neide Sá (Rio de Janeiro, 1940),
Moacy Cirne (São José do Seridó, 1943 – Natal,
2014), Wlademir Dias Pino (Rio de Janeiro,
1927 – 2018), entre outros, chega a contar com
mais de setenta participantes; tendo lançado um
manifesto inaugural em 1967, simultaneamente
realiza exposições nas cidades do Rio de Janeiro
e Natal (NÓBREGA, 2017, p. 12).

Entre o grupo, poema é definido como algo


diferente da poesia e tem um aspecto material,
pode ser manipulado, tem possibilidade de
transformação. O poema expande-se para o
objeto, happening-poema, filme-poema, e
estende-se mesmo em direção à arquitetura,
com pensamento de estruturação em relação
ao espaço (NÓBREGA, 2017, p. 12). Palavras
e imagens são associadas na ação do Poema/
Processo no Aterro, em combinações cambiantes
de acordo com as experiências do público. Uma
obra em construção, na qual cartazes com frases
curtas ou palavras transformam a paisagem
urbana. Manifestações artísticas e políticas
combinam-se, afetam-se e ressignificam-se.

Naquele momento, em 1968, o Aterro, o Museu


de Arte Moderna, as manifestações políticas,
a produção do espaço urbano e as práticas
artísticas associavam-se de múltiplas maneiras.
Em uma entrevista nos anos 2000, Frederico
Morais recorda a intervenção de Rogério Duarte
em Apocalipopótese, para a qual o artista
convida um adestrador e seus cachorros para se
apresentarem no evento (MORAIS, 2013, p. 342).

Dog’s act traz um adestrador que “instrui dois


[cães] pastores alemães a realizarem ações
dentro de um círculo formado pelo público”
(PEQUENO, 2018, p. 161).

56
imagens 22, 23 e 24
Ronaldo Duarte e seu Dog´s act.
Frames do vídeo
Apocalipopótese – Guerra e paz
(1968), feito por
Raymundo Amado

57
Duarte pede atenção e silêncio durante as
manifestações dos cães, que “fazem coisas do
arco da velha: procuram objetos entre pessoas,
eles atacam qualquer lance meio suspeito, eles
avançam” (Duarte, citado em PEQUENO, 2018,
p. 161). O artista lembra que a ideia de levar
aqueles cachorros para o Aterro conectava-se
fortemente à prisão e à tortura: “eu estava sendo
ameaçado de morte” (Duarte, citado em LIMA
Jr., 2016).

Rogério Duarte é um dos criadores da Tropicália.


Atuou como artista, designer e ilustrador,
fazendo cartazes para filmes como Deus e o
diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha
(1939, Vitória da Conquista – 1981, Rio de
Janeiro), e LPs de artistas como Gal Costa (1945,
Salvador), Caetano Veloso (Santo Amaro, 1942)
e Gilberto Gil (1942, Salvador). Rogério Caos –
como Duarte era apelidado – estava altamente
envolvido com a contracultura em sua vertente
tropicalista daqueles tempos (FAVARETTO,
2017). Militante político, a partir de 1962
atua na União Nacional dos Estudantes (UNE),
cujo prédio, localizado na Praia do Flamengo,
132, foi incendiado pelo Estado militar no dia
seguinte ao Golpe9. 9 A UNE é fundada em 1937 e
instala-se em 1942 no prédio
Ele é preso junto com o irmão Ronaldo durante da Praia do Flamengo, em um
a missa de sétimo dia de Edson Luís. Os irmãos processo que envolve uma série
“ficaram pouco mais de dez minutos em uma de tensões políticas. Sobre o
cela do Serviço de Vigilância do Departamento tema, ver Portilho (2010).
de Contraterrorismo (DCT), para então serem
transferidos em uma Kombi de cor creme, que
os irmãos identificaram como um veículo do
Estado”, como consta no Relatório da Comissão
Nacional da Verdade (2014).

O artista relata: “Fomos submetidos a torturas,


espancamentos, interrogatórios, lavagens
cerebrais, todo um pacto sistemático de
técnicas para desestruturar completamente uma
personalidade, que chamei de desinformativo”
(DUARTE, 2003, p. 16). Os irmãos relataram
publicamente, na edição de 14 de abril de 1968
do Correio da Manhã, as torturas (Comissão
Nacional da Verdade, 2014).

58
imagens 25 e 26
ativação da obra Ovos de Lygia
Pape sendo rompidos.
Frames do vídeo
Apocalipopótese – Guerra e paz
(1968), feito por
Raymundo Amado

Na perspectiva de Morais, “alguns lances de


Arte no Aterro foram premonitórios”. Lembra,
assim, que “no dia seguinte à realização de
Apocalipopótese, uma segunda-feira, a polícia
empregaria jatos de água colorida e cães na
perseguição aos manifestantes de mais uma
passeata no centro do Rio de Janeiro contra a
ditadura militar”. Ele conclui, então: “Como se
vê, a arte, quando levada à rua, acaba sempre
ganhando uma moldura política” (MORAIS,
2013, p. 342).

Nesse texto, uma abordagem distinta é estabe-


lecida. Apocalipopótese não é entendido como
uma espécie de prenúncio da violência – con-
cepção com a qual outros autores, como Wally
Salomão, concordam (SALOMÃO, 2015, p. 6).

59
O evento é, sobretudo, efeito de um tempo e de 10 A artista nasce em 1927, em
um local específicos, surge em meio a embates, Nova Friburgo, Rio de Janeiro,
traduz e subverte a “ordem” (palavra da repres- e falece na capital do estado
são policial), imaginando outras possibilidades em 2004. Em 1954, integra o
para a criação. Grupo Frente – marco histórico
do movimento concretista. Em
Imagens em movimento de Dog’s act de Duarte 1959 é uma das criadoras do
foram registradas por Raymundo Amado (1968), Manifesto Neoconcreto. Entre
bem como outras ações de Apocalipopótese, 1969 e 1971, ministra aulas
tal qual Ovo, de Lygia Pape10, na qual uma no Curso Livre no MAM-RJ.
dimensão de morte estabelece-se, porém, em um Em sua própria definição, é
sentido distinto. “intrinsecamente anarquista”
(MATTAR, 2003, p. 16).
A proposta para Apocalipopótese constrói-se
numa ação na qual pessoas saem de cubos de 11 Vanessa Machado, em Lygia
madeira e polipropileno nas cores vermelho, azul Pape: espaço de ruptura (2010),
e branco. Duas delas tocam pandeiros enquanto diz que aqueles nascidos do Ovo
rompem as películas coloridas em ato poético, de Lygia em Apocalipopótese
no qual há sentido cíclico de tempo “NASCER- são Oiticica, Nildo e Santa
MORRER-NASCER” (PAPE, 2012, p. 242)11. Nas Tereza, passistas da Mangueira
palavras do impulsionador Hélio Oiticica – o “Trio do embalo maluco”.
Essa informação é repetida em
os “ovos” de Lygia Pape seriam o exemplo clássico catálogos como Lygia Pape: A
de algo puramente experimental, por isso mesmo, multitude of forms (CANDELA,
diretamente eficaz; estar, furar, sair o contínuo 2017, p. 171). No entanto, no
“reviver” e “refazer”, na tarde, na luz, na gente: o filme Apocalipopótese: Guerra
ovo é o que mais generoso se pode dar: é nascer e & paz (1968), de Raymundo
alimentar, aqui também – o ovo do ovo (OITICICA, Amado, não é possível confirmar
1986, p. 129). essa informação. Do Ovo branco
vemos duas pessoas saindo
Um segundo nascimento, um recomeço instaura das estruturas, e Oiticica não
aberturas para a imaginação. Romper, rasgar aparece realizando o ato de
as cascas do Ovo é a proposição de Pape, nascimento, para citar dois
numa metáfora do indivíduo como ser social exemplos. É importante ressaltar
(PEQUENO, 2013, p. 41). Esse nascimento é que há certa dificuldade em
necessário para a vida, a permanência no Ovo precisar os participantes de
é sufocantemente mortífera. Uma saída para o ações como aquelas ocorridas
mundo, para a Apocalipopótese. Sair do museu, em Apocalipopótese, uma vez
sair do Ovo, sair para fora de si. Do mesmo que muitos escritos sobre o tema
modo, os limites entre a vida e a morte, os trazem informações genéricas a
limites da prática artística, os limites do prédio respeito dos participantes, sem
do MAM, tudo isso entra em reverberação nomeá-los.
naquele fim de semana de julho no Aterro do
Flamengo. 12 Uma segunda Comissão
atuou entre “1974 e 1978 e
Há um sentido de reformulação, de um novo contou com a participação, em
nascimento, de transformação de si no Ovo diferentes momentos, da dire-
de Pape que, em 1972, constrói-se – sob tora-executiva do MAM, Heloisa

60
Aleixo Lustosa; do diretor de formas distintas – em Circumambulatio. Algo
exposições, Roberto Pontual (que alquímico (JUNG, 1990) inscreve-se nas ações
também ocupava o cargo de crí- de Geiger e, parafraseando Rogério Duarte, uma
tico de arte do Jornal do Brasil); alquimia instala-se não como uma ideia de
dos artistas Alair Gomes, Anna transformar pedra em ouro, mas de transformar
Letycia, Carlos Vergara, Sergio a si mesmo (Duarte, citado em LIMA Jr., 2016).
Camargo e Waltercio Caldas; dos As possibilidades de produção de aberturas
críticos Aracy Amaral (diretora para novas formas de constituição da vida ou
da Pinacoteca do Estado de São possibilidades de outros modos de produção
Paulo entre 1975-1979), Frede- subjetiva são dimensões instigantes do Ovo de
rico Morais (naquele momento Pape e das circumambulações de Geiger.
responsável pelo setor de cursos
do museu e crítico de arte do Após um ano da realização de Apocalipopótese
jornal O Globo), Olívio Tavares de houve uma grande reestruturação da área
Araújo (crítico de arte da revista de ensino do museu, orientada por Frederico
Veja) e Ronaldo Brito (crítico de Morais, chefe do departamento educativo
arte do semanário Opinião entre entre 1969 e 1973. A primeira Comissão de
1972 e 1977); além de integran- Planejamento Cultural do Museu é formada
tes da equipe do museu Cosme por Geiger em parceria com Aloísio Carvão,
Alves Netto e José Carlos Avellar Frederico Morais e Cosme Alves Netto (1971-
(representantes da Cinemate- 1973)12. No texto, antes referenciado, sobre a
ca), Irma Arestizábal (parte do reunião entre Geiger e os estudantes do MAM, a
Departamento de Exposições, artista afirma haver uma nova ética, como parte
responsável pela montagem de um processo cultural contemporâneo, à qual
das exposições, expografia e o museu deve estar atento (GEIGER, 1970b).
produção), Karl Heinz Bergmiller
(diretor do Instituto de Desenho O processo cultural a que ela se refere está
Industrial – IDI, setor indepen- envolto em uma série de disputas sobre a
dente dos demais, que fornecia estruturação do espaço urbano, as possibilidades
assessoria na área de design de usos de um museu de arte, os modos de
para o MAM), Nelson Augusto elaborar práticas educacionais e artísticas.
(integrante da equipe de moni- Nele ressoam críticas às intenções de formação
tores do museu) e Sidney Miller de “mentalidades” por meio da educação
(responsável pela Sala Corpo e (SANT’ANNA, 2011). Pretensões são constituintes
Som)” (LOPES, 2013, pp. 37-38). dos discursos e imagens que produzem o MAM
– em especial, no prédio do Aterro – como um
centro de extrema importância cultural, em
13 Carmem Portinho é enge- princípios da década de 1960.
nheira, uma das fundadoras e
primeira presidente da Associa- É imprescindível historicizar que Carmem
ção Brasileira de Engenheiras e Portinho (Corumbá, 1909 – Rio de Janeiro,
Arquitetas (ABEA), em 1937. A 2001)13 – diretora executiva adjunta e
militância feminista marca sua engenheira responsável pela construção da sede
vida. Participa da organização do do museu no Aterro do Flamengo (1957) –, com
movimento sufragista, ao lado auxílio da artista Edith Bering (Rio de Janeiro,
de Bertha Lutz, e da criação da 1916 – 1996), estabeleceu quais deveriam ser
União Universitária Feminina as diretrizes para a criação do Ateliê. Portinho
(1932) (CPDOC/FGV, s./d.). conta que Niomar Sodré – diretora executiva

61
do museu – “autorizou a gastar tudo, fazer
tudo, gastar o que precisasse naquele ateliê que
acabou virando a menina dos olhos do Museu”
(Portinho, citado em TAVORA, 2007, p. 61). As
discussões sobre a gravura e o moderno que se
formulam por meio do e no ateliê marcam o
território artístico carioca, sendo um importante
local na formação artística de Anna Bella Geiger.

A historiadora da arte Maria Luisa Tavora, no


texto “O ateliê livre de gravura do MAM-Rio –
1959/1969: projeto pedagógico de atualização
da linguagem”, conta que “o ateliê é inaugurado
em 1959, com um curso do artista franco-
alemão Johnny Friedlaender (Silésia, 1912 –
Paris, 1992) (TAVORA, 2007, p. 61). Geiger passa
a frequentar o ateliê, para produzir trabalhos, em
1960, logo após a abertura do museu. “Menina
dos olhos de Niomar”, o ateliê ocupa lugar
central nos projetos de produção do MAM como
um centro não só de exibição, mas de ensino de
arte moderna (TAVORA, 2007, p. 60).

Perguntas relativas às práticas educacionais


são fundamentais para o museu. O deputado
Jorge Lacerda – em meio às negociações sobre
a nova sede no Aterro – defende na Câmara a
importância da instituição e diz que museus com
a natureza do MAM “não se confinam apenas
nas funções de mero arquivo de obras de arte,
mas atuam como instrumentos dinâmicos e
eficientes de educação ativa do público” (Boletim
do Museu de Arte Moderna, 1952b, p. 12).

Anos mais tarde, o presidente em exercício


Juscelino Kubitschek, em discurso feito durante
a inauguração do prédio, reforça o papel
educativo do MAM: “este Museu não será
apenas um mostruário passivo, uma coleção de
finas produções, escolhidas entre o que de mais
expressivo e original tem criado a arte do nosso
tempo. Será também, e essencialmente, uma
escola” (Boletim do Museu de Arte Moderna,
1958).

O primeiro bloco a ser concluído na construção


é o Bloco Escola, sublinhando a “vocação
didática” da instituição (SANT’ANNA, 2011,

62
p. 103). A educação é não apenas um debate
tangencial, mas constitutivo do próprio projeto
do MAM, sendo o Ateliê de Gravura um grande
representante dessa “vocação”.
Desde 1965, Geiger fica menos próxima do
ateliê e começa a oferecer aulas em sua casa. Os
alunos eram pessoas que “apareciam no ateliê
do MAM, às vezes sem nenhuma iniciação, e
queriam aprender gravura” (GEIGER, 2018a).
As discussões sobre a gravura e o moderno que
se formulam por meio do e no Ateliê marcam
o território artístico carioca. De acordo com
Geiger, tratava-se de um ambiente extremamente
político, onde ocorria uma série de discussões da
esquerda socialista (GEIGER, 2018a).

Ampliar as possibilidades de sentido para


Circumambulatio, com base na intersecção entre
arte e educação, implica adensar o entendimento
de dimensões políticas e urbanas da cidade do
Rio de Janeiro no momento de sua realização.
Uma matéria de 1967, publicada pelo jornal
carioca Correio da Manhã com o título “Museu
antes, durante e após o FMI”, é significativa
a esse respeito. Seu conteúdo versa sobre as
transformações ocorridas no Museu de Arte
Moderna, e nos seus arredores, em decorrência
de um aporte econômico associado ao Fundo
Monetário Internacional (FMI).

Chama a atenção a minuciosa descrição dos


trabalhos realizados na parte externa do museu:
lembram o “Trevo dos Estudantes”, realizado
pela Superintendência de Urbanização e Sanea-
mento (Sursan), os jardins e lagos; o calçamento
em pedras brancas e cor-de-rosa e a grama,
que acompanham o desenho das ondas do mar.
Fontes luminosas ficam na região fronteiriça do
museu, enquanto na área que dá para o mar foi
feito um gramado, ornamentado com dezenas de
palmeiras (Correio da Manhã, 1967b).

A construção do Parque do Flamengo é envolta


em disputas e tem o primeiro projeto elaborado
pelos arquitetos Edwaldo Vasconcelos, Hélio
Mamede e Affonso Reidy em 1943, sem ter sido
concluído. O parque atravessa uma grande área
da cidade, numa região que envolve os bairros

63
do Centro, Lapa, Glória, Catete, Largo do Macha-
do e Flamengo (PEQUENO, 2018, p. 142).
Em inícios da década de 1960 a construção é re-
tomada. Carlos Lacerda – naquela altura gover-
nador do Rio de Janeiro (1960-1965) – nomeia
(1961) Maria Carlota de Macedo Soares (Paris,
1910 – Nova York, 1967), Lota, como assessora
do Departamento de Parques da Secretaria Geral
de Viação e Obras e a Sursan, para coordenar o
projeto do parque (OLIVEIRA, 2006).

imagem 27
matéria do jornal
Correio da manhã
15 de setembro de 1967

64
A arquiteta torna-se presidente de uma equipe
formada por Reidy, Jorge Moreira, Hélio
Mamede e Roberto Burle Marx. Lota Macedo
“assume a empreitada da urbanização da área,
incumbida de completar o sonho da burguesia
carioca − um espaço cosmopolita idealizado
segundo o ideário moderno − na orla da Baía
de Guanabara” (BOHRER, 2001, p. 45). O citado
texto do Correio da Manhã é elaborado nesse
contexto e corrobora uma série de discursos
sobre o “ideário moderno”.

As imagens da matéria, no entanto, chamam a


atenção para o interior do museu, em registros
que trazem formas circulares. Em uma delas, a
escada em espiral é fotografada de tal modo que
ao seu final surgem as formas retangulares das
grandes janelas que caracterizam construções
modernas brasileiras e pretendem uma maior
interação com a cidade. As escadarias produzem
a sensação de uma espécie de imaginário de
ascensão ao moderno como algo valorizado
positivamente. Os sentidos da circularidade
nessa imagem são distintos daqueles trazidos
por Geiger e os estudantes. Nos trabalhos
desses artistas, a circularidade não pretende
enaltecer estruturas modernistas, mas constroem
sobretudo uma possibilidade de crítica aos usos
do espaço.

Há entre o texto e a imagem da matéria


uma articulação entre o interior e o exterior
do museu, associada às comemoradas
transformações da paisagem da cidade com
a construção de um prédio de aspirações
arquitetônicas modernistas. Enquanto nas
espirais dos artistas são as próprias categorias
que constroem a arte, a arquitetura, os modos
de vida e as narratividades modernas que são
tensionadas, a fotografia do MAM valoriza a
modernidade. Essa formulação pode ser mais
bem compreendida no Boletim do Museu
publicado em 1955.

Em um dos textos, cujo título, “Inauguração da


pedra fundamental do MAM”, oferece indícios
do tom e do tema, lê-se: “O Museu de Arte
Moderna do Rio foi finalmente iniciado [...] em

65
uma bela manhã de sol, em atmosfera de festa
perfeitamente enquadrada entre as águas da
Guanabara, as montanhas e a vida intensa da
cidade” (Boletim do Museu de Arte Moderna,
1955). A descrição, uma espécie de crônica
publicitária, cria imagens da paisagem da
cidade, considerando que ficará ainda mais bela
com a obra que se inicia.

Como observa Sabrina Sant’Anna, no livro


Construindo a memória do futuro: uma análise
da fundação do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro (2011), a construção da sede
definitiva do MAM ocupa lugar importante
em um ideário de modernização da paisagem
urbana. Os discursos sobre o projeto enfatizam
positivamente a intervenção do homem na
natureza. São escolhidos os jardins de Burle
Marx (São Paulo, 1909 – Rio de janeiro, 1994),
por constituírem um modelo de controle da
paisagem, que ali será cortada “pelas vias
expressas para automóveis, por passarelas
de concreto e um traçado que denotava
indiscutivelmente o planejamento urbanístico”
(SANT’ANNA, 2011, p. 101).

A pesquisadora analisa as disputas para a


constituição do museu e os discursos sobre a
modernidade que a envolvem: dois projetos de
modernidade, um ligado à figura do primeiro
presidente do museu, Raymundo Ottoni de
Castro Maya, e outro ligado a Niomar Moniz
Sodré, diretora executiva a partir de 1951
(SANT’ANNA, 2010; 2011).

O MAM tem sua primeira sede nas dependências


do prédio do Banco Boavista (1948), em seguida
passa para o edifício do Ministério de Educação,
atualmente Palácio Gustavo Capanema (1952)
e, por fim, instala-se no prédio projetado pelo
arquiteto e marido de Carmem Portinho, Afonso
Reidy (Paris, 1909 – Rio de Janeiro, 1964), em
1959.

Os anos 1950 são marcados no Brasil pelo


governo do presidente Juscelino Kubitschek
(Diamantina, 1902 – Resende, 1976) e o slogan
“50 anos em 5”, que preconizava grandes

66
desenvolvimentos estruturais e econômicos
no país. No território artístico-arquitetônico, o
moderno se consagrava, sendo Oscar Niemeyer
(Rio de Janeiro 1907 – 2012), Lúcio Costa
(Toulon, 1902 – Rio de Janeiro, 1998) e o
próprio Reidy, entre outros, os fundadores
desse pensamento sobre a arquitetura no país,
por meio do qual a vida urbana é posta como
símbolo de um futuro planejado (SANT’ANNA,
2010, p. 67).

A sede definitiva do museu localiza-se no Aterro


do Flamengo. Na época tratava-se de uma área
de 40.000 m², ainda não aterrada. No Boletim do
Museu de Arte Moderna (1953b), um texto em
tom festivo comenta a demarcação do terreno
aprovado pelo prefeito, coronel Dulcídio Car-
14 Vital foi do Conselho de doso. Lembra, ainda, que João Carlos Vital14,
Mobilização Econômica durante em seus últimos dias de administração, enca-
o Estado Novo de Getúlio Vargas minhou à Câmara dos Vereadores uma proposta
(1937-1945). Foi retirado do de doação “dos terrenos que resultariam da área
governo em meio a uma série conquistada ao mar com o aterro que circunda
de polêmicas com o Legislativo a Avenida de Beira-Mar” (Boletim do Museu de
carioca a respeito de um Arte Moderna, 1953b, p. 8).
projeto de lei tributária que
desencadeou intensa polêmica
na imprensa e incompatibilizou
o prefeito com a Câmara,
resultando, em dezembro de
1952, na sua demissão da
prefeitura. O presidente Getúlio
Vargas – naquele momento
presidente do que seria seu
último governo (1951-1954) –
nomeou o secretário do Interior
do Distrito Federal, Dulcídio
Cardoso, como novo prefeito
(CPDOC/FGV, verbete João Carlos
Vital s./d.).

imagem 28
fotografia que acompanha Há uma série de possibilidades de sentidos
notícias sobre a construção do em relação à implementação de um Museu de
MAM-RJ. Arte Moderna em uma “área conquistada ao
Boletim n. 13, 1955 mar”. Destaco, entre elas, a construção de um
imaginário de dominação da natureza para
ascensão à modernização da vida e das cidades.
As duas construções, a do MAM-RJ e a do

67
Aterro, não apenas estão intimamente ligadas,
mas legitimam uma à outra em meio às disputas
relativas a um projeto de reformulação do
espaço urbano carioca (BOHRER, 2001).

O MAM de Niomar Sodré erguia-se em um


espaço construído para “fazer fluxo da vida
moderna”, com uma concepção de arte moderna
enquanto formadora de mentalidades, e “exigia
a construção do moderno contra a natureza”
(SANT’ANNA, 2011, p. 103). A forma espiral
na fotografia do Correio da Manhã está
envolta nesses discursos sobre o moderno e a
modernização. Publicada no mesmo boletim de
1953 há uma série de notícias que enaltecem
a construção do museu e a figura de Niomar
Sodré. Em uma delas sublinha-se que
imagem 29
num dos cenários urbanos mais belos do mundo, fotografia que acompanha
à Beira-Mar, nos terrenos do Calabouço, foi batida notícias sobre a construção do
ontem [nove de dezembro de cinquenta e quatro] MAM-RJ.
a estaca fundamental da sede do Museu de Arte Boletim n. 14, 1956
Moderna do Rio de Janeiro. A cerimônia esteve
festiva, enquanto em volta prosseguiam acelerados os imagem 30
trabalhos de desmonte do Morro de Santo Antônio e fotografia que acompanha
de aterro da nova zona conquistada ao mar (Diário notícias sobre a construção do
de Notícias, citado em Boletim do Museu de Arte MAM-RJ.
Moderna, 1955). Boletim n. 15, 1957

68
O desmonte do morro Santo Antônio ao qual se
refere o texto remonta às reformas urbanas de
15 Pereira Passos (São João Pereira Passos15 em princípios do século XX, à
Marcos, 1836 – Rio de Janeiro, criação e criminalização das favelas. Ali viviam
1913), engenheiro amplamente milhares de pessoas em casas autoconstruídas,
conhecido pelas reformas que foram postas abaixo seguindo preceitos
urbanas realizadas no Distrito de discursos médicos, jurídicos e midiáticos
Federal do Rio de Janeiro, entre que corroboravam ideais de embelezamento e
1902 e 1904. A reforma e o higienização da cidade (VALLADARES, 2000). O
prefeito ficaram conhecidos Correio da Manhã – que pertencia à família do
pelo apelido “bota-abaixo”, marido de Niomar Moniz Sodré – realiza intensa
tendo havido uma grande cobertura jornalística do desmanche, na qual o
reconstrução do centro da maquinário é figura privilegiada na construção
cidade, em medidas que visavam de um imaginário de progresso e modernização
a substituir o uso de animais e a partir das reformas urbanas (AMOROSO, 2009,
carruagens por trens e bondes. pp. 13-16).
A obra da reforma fica a cargo
do governo federal e trata-se Textos jornalísticos, por sua vez, criam
da “abertura da avenida Central metáforas de dominação da natureza, referindo-
– posteriormente, avenida Rio se à “imponência do morro” que devagar vai
Branco –, que uniu o Rio de se perdendo como efeito da ação de caminhões
Janeiro de ‘mar a mar’, isto é e escavadeiras (AMOROSO, 2009, p. 13). A
do porto, na então Prainha, até fotografia que acompanha os textos sobre o
a recém-construída avenida início das obras do MAM, nessa perspectiva, é
Beira-Mar [...]” (MOTTA, sd). bastante importante. Em meio à fumaça e aos
As reformas foram inspiradas andaimes, ergue-se uma placa com o logotipo
naquelas idealizadas pelo do museu. Repete-se a ideia de uma ascensão

69
à modernidade com a construção não apenas Barão Haussmann, entre 1852
do museu, mas com os aterros e o “desmonte e 1870, em Paris. Como lembra
do Morro de Santo Antônio, velha aspiração a arquiteta e urbanista Paola
da população do Distrito Federal” (Boletim do Berenstein Jacques, Haussmann
Museu de Arte Moderna, 1953c). As estruturas e Pereira Passos têm, também,
verticalizadas trazidas na fotografia do boletim em comum a contratação
do MAM contrapõem-se às autoconstruções de fotógrafos oficiais para o
fragmentadas das favelas16. registro das transformações
urbanas radicais: Charles
Retomando Circumambulatio, os registros de Marville (Paris, 1813 – 1879)
Lewinsohn das vivências em Circumambulatio e Marc Ferrez (Rio de Janeiro,
trazem uma relação com a terra distinta daquela 1843 – 1878) (BERENSTEIN
sugerida na imagem veiculada pelo MAM. Neles, JACQUES, 2004).
as explorações no solo não pretendem dominar
a natureza selvagem. Há neles vivências que 16 Nessa linha de sentido, é
constroem aberturas para experimentações importante destacar a pesquisa
múltiplas com o solo, com camadas de sentido de Paola Berenstein Jacques,
artísticas, psíquicas e políticas. As fotografias Estética da ginga – A arquitetura
apresentadas na montagem trazem sensações de das favelas através da obra
expansão das possibilidades de vida. de Hélio Oiticica (2011), sobre
as potencialidades críticas do
Nas ações registradas e expostas em trabalho de Hélio Oiticica na
Circumambulatio há, também, máquinas. Em intersecção arte e arquitetura
uma das fotografias veem-se marcas deixadas e exploração da construção
por um trator que se distancia da câmera. Ao labiríntica das favelas.
fundo, a paisagem com morros. Na composição
da mostra, a máquina ganha sentidos distintos
daqueles do ideário modernizador envolvido na
construção do MAM-RJ.

A perspectiva dissonante instaura-se nas


práticas de Geiger na experiência didática. De
acordo com ela, com os cursos há mudança de
sua relação com o museu:

começo a levar os alunos para fazer umas coisas ali


no jardim do MAM... eu estava totalmente, vamos
chamar de conciliada, com a arquitetura do MAM, Imagem 31
esse lugar de ensino de arte. Começo a sair para esses registro das ações de Marapendi,
locais, a fazer eles entrarem dentro dos exercícios, exibida em Circumambulatio.
das propostas. Cada vez mais eu vou mais longe no Fotografia de Thomas Lewinsohn
próprio jardim, com turmas diferentes, até onde já
não é o jardim do MAM... porque tem a beira do mar. Imagem 32
Começo a dizer para o pessoal fazer uns trabalhos que Matéria no Jornal do Brasil
são uns pedaços de formas... e vão avançando pelo sobre programação do MAM-RJ,
mar, têm uns tecidos, metros de tecidos. E começam incluindo Atividade/Criatividade
com esses tecidos a entrar no mar... (GEIGER, 2018e). e Domingos de criação.
11 de janeiro de 1971.

70
As memórias de Anna Bella Geiger trazem o mar
em sentidos não conquistadores – relacionados
aos processos de colonização, escravização,
violência e morte, fundadores dos modos
produção capitalista. “Avançando ao mar” está
longe de estabelecer-se como a procura por uma
“área conquistada ao mar”. Diferentemente, o
mar torna-se local para uma ação de liberação
para a criação. Essa é uma procura recolocada
em Circumambulatio por meio da procura por
centros múltiplos.

71
72
Imagens do centro: localidades

No audiovisual apresentado na exposição,


Anna Bella Geiger, citando Mircea Eliade, diz:
“Circumambulatio, palavra do latim, significa
o processo de concentração sobre o centro,
que se perpetua no ser humano consciente ou
17 A referência a Eliade é inconscientemente” (GEIGER, 2012)17. Daria
lembrada mais de uma vez por Jaremtchuk afirma ser com base nos escritos
Geiger ao trazer o conceito de de Eliade que a artista entra em contato com
Circumambulatio. Apesar de concepções sobre o espaço em dimensões
não ter conseguido verificar religiosas e envoltas em um imaginário sobre
essa frase nos escritos do o sagrado, os mitos e o “centro da terra”
autor, considero importante (JAREMTCHUK, 2007, p. 84). As perguntas
trazê-la por explicitar um ponto sobre o centro são diretamente explicitadas na
fundamental nos pensamentos montagem de Circumambulatio.
poéticos que envolvem
Circumambulatio. “O que representa o centro para você?”,
questionam Geiger e os estudantes nas ruas
do Rio de Janeiro. A pergunta e as respostas
são gravadas e fazem parte do audiovisual. Os
centros multiplicam-se. São lembrados o jardim
do Aterro do Flamengo, o estádio do Maracanã,
a Central do Brasil, o Corcovado, entre outros
pontos da cidade.

As múltiplas localidades trazem uma dimensão


pessoal na determinação desse centro, enfatizada
pela inclusão da resposta “minha casa, meu
lar”. Trata-se de um centro estabelecido com
base em certa localidade construída de acordo
com variações sociais, econômicas, políticas e
subjetivas compartilhadas e compartilháveis.

Em Anna Bella Geiger – Aqui é o centro


(2019), mencionada nas linhas anteriores,
Circumambulatio é remontada. Em texto
curatorial, Fernando Cocchiarale e Fernanda
Lopes afirmam que, “no caso específico do
processo poético de Anna Bella Geiger, parece
ser possível entender a noção de centro como
imagem 33 local de inscrição e ação, cuja dinâmica até
vista da montagem de hoje permeia a obra da artista” (COCCHIARALE;
Circumambulatio, no SESC- LOPES, 2019). O centro é um voltar-se a si para
Paulista como parte da conversar com o outro, sendo “eu” e “outro”
exposição Brasil nativo/Brasil permanentemente reformulados.
alienígena (2019/2020).
fotografia de Gean Carlo Seno A preocupação em localizar as singularidades

73
das práticas artísticas realizadas no Brasil
em relação a centros de produção do Norte
global, como as cidades de Nova York e
Londres, explicita um interesse – localizável de
diversas formas no modernismo brasileiro – em
estabelecer diálogo com o sistema de arte numa
dimensão planetária. São pertinentes, portanto,
as aproximações entre os repertórios imagético
e discursivo mobilizados em Circumambulatio
e aqueles de artistas que produzem em outras
partes do globo na década de 1970.

Um eixo importante em Circumambulatio


constrói-se com base nas experimentações
com o espaço e o tempo, relacionadas com
leituras do pensamento de Jung e da noção de
inconsciente coletivo. Os desenhos de figuras
humanas, pequenas silhuetas feitas nas areias de
Marapendi, manifestam tal relação. E ressoam
com a série Siluetas (1973-1980), da artista
Ana Mendieta18, na qual realiza intervenções no 18 Ana Mendieta (nascida em
espaço, construindo figuras femininas (RUIDO, Havana em 1948 e falecida
2002). em Nova York em 1985) é uma
importante artista que trabalhou
nas questões relativas aos
debates de raça e gênero que
permeiam o campo artístico
estadunidense a partir da década
de 1970. Ao lado de artistas
como Tracey Emin, Judy Chigago,
Orlan, Sarah Lucas, elabora uma
poética com “pautas políticas,
como o preconceito sexual e
racial e a violência doméstica”
(TVARDOVSKAS, 2008, p. 10).

imagem 34
registro das ações de Marapendi,
exibida em Circumambulatio.
fotografia de Thomas Lewinsohn
(provavelmente)

74
imagem 35
registro das ações de Marapendi,
exibida em Circumambulatio.
fotografia de Thomas Lewinsohn

Mendieta diz serem suas obras “veias de irri-


gação do fluido universal: a seiva ancestral. As
crenças originais, as acumulações primordiais, os
pensamentos inconscientes que animam o mun-
do passando por elas”. No repertório de Mendieta
há, em suas próprias palavras, “um tempo que
consideramos desde o centro da terra”, presente
numa “busca pelas origens” (Mendieta, citada
em RECKITT e PHELAN, 2005, p. 98).

A compreensão da localidade está presente na


poética de Ana Mendieta, com contornos es-
pecíficos ligados à utilização de narratividades

75
autobiográficas vazadas para o campo político
sob influência dos feminismos. A artista e a irmã
Raquel saem de Cuba para viver nos Estados
Unidos em 1961. As garotas são parte das apro-
ximadamente 14 mil crianças que fazem esse
trajeto com o auxílio da “Operação Peter Pan”,
incentivada por famílias cubanas, associações
religiosas e corporações estadunidenses (LÓPEZ-
-CABRALES, 2006).

imagem 36
Ana Mendieta
Silueta (trabalhos no México)
1973-1977

Ana e Raquel Mendieta viveram num orfanato


católico dirigido por freiras no estado, majori-
tariamente branco, de Iowa, no centro-oeste do
país. Essa experiência para a artista foi “arra-
sadora”: “Me senti distante de tudo e absoluta-
mente deslocada. Foi um choque cultural. Assim,
a tentativa de encontrar um lugar na terra e de
definir-me surgiu daquela experiência de desco-
brir diferenças”.

O primeiro trabalho de Mendieta foi realizado


em 1973 numa tumba invadida por ervas. Foi
“o crescimento daquelas plantas” que a levou a
“lembrar o tempo. Comprei flores no mercado,
deitei-me sobre a tumba e cobri-me com flores

76
brancas. A analogia era a de que estava coberta
pelo tempo e pela história” (MENDIETA,
2006, p. 26).

imagem 37
folder Arquivo Circumambulatio
publicado pelo MAM-RJ
2012

Talita Trizoli, na tese Atravessamentos


feministas: um panorama de mulheres artistas
no Brasil 60/70 (2018), aponta aproximações
entre Circumambulatio e os trabalhos de
Mendieta, em ações que deixam “registros do
seu corpo em espaços idílicos” (TRIZOLI, 2018,
p. 394). Saliento, entre os registros das ações em
Marapendi, um desenho de uma figura humana
na areia que se aproxima muito das Siluetas de
Mendieta. Uma dimensão ritualística, sensível
aos processos de individuação marca o trabalho
de uma série de artistas estadunidenses na

77
década de 1970. Pesquisas como as de Merlin 19 Merlin Stone é pesquisadora
Stone (Nova York, 1931-2011)19 e de Marija e escultora, autora de livros
Gimbutas (Vilnius, 1921 – Los Angeles, 1994)20 como When God was a Woman/
ressignificam imagens arqueológicas e históricas Quando Deus foi uma Mulher
e ressoam nas práticas artísticas feministas e (1976). Em suas pesquisas,
nas explorações da figura da deusa de mil faces interessou-se por “imagens da
(ORENSTEIN, 1996, p. 176). arte referentes ao poder das
formas femininas, o que a levou,
É possível estabelecer mais precisamente esses por exemplo, à descoberta de
pontos pondo-se em relação Circumambulatio deusas do Paleolítico, como a
e a obra Goddess head/Cabeça da deusa (1975), Vênus de Willendorf [...] uma
de Mary Beth Edelson (East Chicago, 1933 imagem de uma cultura pré-
– Ocean Grove, 2021)21. Luana Tvardovskas, patriarcal” (TVARDOVSKAS, 2008,
na dissertação Figurações feministas na p. 109).
arte contemporânea. Marcia X., Fernanda
Magalhães e Rosângela Rennó (2008), observa 20 Marija Gimbutas “é um dos
que “na fotomontagem cola-se a imagem nomes mais respeitados na área
de fóssil de concha em formato espiral no de conhecimento de antigas
lugar de sua cabeça, criando a figura de uma civilizações da Deusa. Em seu
‘deusa’ enigmática” (TVARDOVSKAS, 2008, p. livro The gods and goddesses
107). A concha, essa espécie de pele calcária of old Europe, Gimbutas estuda
de proteção, torna-se a cabeça desse corpo a antiga Europa, entre 7000 e
feminino e traz a sensação – no registro 3500 a.C., onde teria existido
fotográfico – de uma integração com as pedras o antigo culto matrifocal da
que constroem a paisagem. Grande Deusa e seu consorte, o
Deus Cornífero” (TVARDOVSKAS,
2008, p. 109).

21 Mary Beth Edelson dedica-


se a vida toda às questões
feministas, auxiliando na
fundação de uma série de
organizações dirigidas por
mulheres, incluindo Heresies
(1977), um jornal feminista, e a
AIR Gallery (1972), em Nova York
(BASCIANO, 2021).

imagem 38
Mary Beth Edelson
Goddess head
1975

78
Tvardovskas retoma os escritos das
pesquisadoras feministas Helena Reckitt e
Peggy Phelan (2005, p. 81), sublinhando o
interesse da artista pelos símbolos e mitos de
uma história perdida das mulheres. Há nessa
atitude a procura por uma herança feminina
e a vontade de uma comunidade feminina
contemporânea (TVARDOVSKAS, 2008, p. 107).
A colagem traz a dimensão construtiva das
imagens que circulam culturalmente. Faz pensar
que esquecimentos e visibilidades são efeitos
de perspectivas específicas, como símbolos
e signos são construídos historicamente.
Os estudos feministas e pós-coloniais das
últimas décadas dedicaram-se a recontar essas
histórias apagadas, reinventando as próprias
narratividades históricas.

imagem 39 Em Circumambulatio, as conchas fazem-


Anna Bella Geiger exposição se presentes no grande mosaico de imagens
Aqui é o centro espiraladas. As sensações das duas imagens
MAM-RJ em conjunto produzem uma associação com
2018 uma frase atribuída a Paul Klee que compõe
Fotografia de Paulo Jabur o audiovisual do ambiente-instalação: “Eu
sou inapreensível na imanência. Porque eu
imagem 40 vivo tão bem entre os mortos como entre os
vista da exposição embrionários. Algo mais próximo do coração
Aqui é o centro da criação” (GEIGER, 1973a). As palavras fazem
MAM-RJ imaginar as possibilidades de si em histórias
2018 nascentes e aquelas que ainda estão por vir.
Tempos que se cruzam, que se atravessam e

79
formam constelações em movimento, abrem- 22 Em 1966, Lucy Lippard
se para o inesperado e para as potencialidades publica o artigo “Eccentric
criativas. Fragmentos de mundos passados, de abstraction/Abstração excêntri-
situações presentes e de futuros imagináveis ca” no jornal Art International.
habitam Circumambulatio, criando condições de Tratava-se de um complemento
expansões do sensível e do cognitivo. à exposição com sua curadoria
na Fischbach Gallery, em Nova
Revisitando os feminismos, é necessário tensio- York. Camille Morineau, no catá-
nar certas apropriações feitas por mulheres bran- logo da exposição Elles: mulheres
cas de classe média acerca de imagens ancestrais na coleção do Centro Pompidou,
e indígenas. É preciso perguntar pelas formas de realizada no Rio de Janeiro em
imperialismo que se tem com a apropriação de 2013, escreve: “As palavras do
imagens de outras culturas. Essa foi uma crítica título foram escolhidas cuida-
bastante presente entre as teóricas da década dosamente, e seu efeito parece
de 1990, segundo Gloria Orenstein (1996, p. intacto. ‘Excêntrico’: desviante,
177). No seu entender, em um contexto em que diferente, segundo regras que
se adota a noção junguiana de arquétipos do não são redutíveis em si mesmas
inconsciente coletivo – como foi entendido no a um princípio. ‘Abstração’: um
começo da década de 1970 –, imagina-se que dos cânones da modernidade
esse inconsciente coletivo é acessível para qual- [...]”. A palavra “excêntrica” tem
quer um, em qualquer lugar, e que essas ima- sentidos de fora do centro,
gens transcenderiam qualquer barreira cultural cujos sentidos feministas são
patriarcal (ORENSTEIN, 1996, p. 177). múltiplos. Abstração excêntrica
é “visual, tátil e visceral” e, diz
A análise de Orenstein reverbera em Morineau, uma expressão que
Circumambulatio. Existe um aspecto obliterante pode “ser aplicada a toda uma
de questões como raça, classe, etnia e geração de mulheres contem-
sexualidade, efeito múltiplo dos debates nos porâneas” (MORINEAU, 2013, p.
quais Geiger está envolvida naquele momento. 49). Observo que os sentidos de
Há, no entanto, no processo que o envolve centro são complementares, mas
uma preocupação com a atuação coletiva, com distintos em From the center:
o estabelecimento de modelos que permitam feminist essays on women’s art.
partilhar o sensível em conversações com outros.
Trata-se de uma importante abertura para 23 Os debates no interior
pensamentos imagético-espaciais críticos. de grupos feministas com
perspectivas político-sociais
Lucy Lippard (Nova York, 1937), curadora, distintas são inesgotáveis. De
crítica e ativista feminista, escreve, em 1976, modo esquemático, no contexto
From the center: feminist essays on women’s estadunidense, o “feminismo
art/A partir do centro: ensaios feministas sobre radical” é focado nas diferenças
a arte de mulheres. A autora, contemporânea entre mulheres e homens,
de Geiger, conta como o movimento feminista sendo a capacidade reprodutiva
transformou suas aproximações da crítica. Algo a mais significativamente
que talvez, diz ela, não possa ser visto “de fora”, explorada. Entre as feministas
mas dali de onde ela vive, “de dentro”, há uma radicais do início dos anos
nova liberdade para responder a todas as artes, 1970, a possibilidade de gerar
em nível pessoal (LIPPARD, 1976, p. 2). Para filhos é um impedimento para
Lippard, o centro refere-se às sociabilidades e a liberação, que nas décadas

80
seguintes será compreendida e possibilidades de individuação instauradas em
celebrada como um poder do suas vivências feministas22.
corpo das mulheres (definidas
pela coerência entre o sexo Na década seguinte, a autora publica Overlay:
e o gênero). O “feminismo contemporary art and the art of prehistory/
socialista” concentra-se Sobreposição: arte contemporânea e a arte
sobre as análises das relações da pré-história (1983). Em um dos capítulos,
econômicas, políticas e sociais “Feminismo e pré-história”, ela afirma serem
que estruturam e mantêm o habituais em diferentes culturas “pré-históricas”
patriarcado, sendo a libertação as associações entre as formas da natureza e
das mulheres impossível numa o corpo feminino. Há a compreensão de que
sociedade capitalista, atentando existem na história psíquica feminina vestígios
densamente para a divisão de outros tempos-espaços, associação que
sexual do trabalho (McLAREN, produz nexos de significações entre corpos
2016, pp. 18-23). O “feminismo feminizados e natureza. Um exemplo é a vagina
cultural” parte da defesa de uma identificada como caverna, lugar de nutrição,
“cultura feminina”, pautada em morte, vinculada ao sexo e à maternidade, numa
atributos biológicos, por exemplo conexão direta dentre o corpo feminino e a Mãe
a vagina. Há uma procura pelo Terra (LIPPARD, 1983, p. 42).
estabelecimento de um espaço
de liberdade feminista em uma Esse tema gerou debates extensos entre
cultura centrada na mulher, cuja feministas culturais, radicais ou socialistas23, por
premissa pode ser interpretada exemplo, sendo importante destacar a crítica aos
como a existência de uma estereótipos pautados no destino biológico, que
“essência feminina” (ALCOFF, consideram que a identificação da mulher com a
2002, pp. 3-7). natureza e dos homens com a cultura contribui
para a manutenção da dominação masculina
24 Lélia de Almeida Gonzalez (LIPPARD, 1983, p. 42).
é formada em Filosofia (1962)
pela Universidade Estadual da Entre as autoras brasileiras que escreveram
Guanabara, atual UERJ. É funda- naquela mesma década de 1980, destaca-se a
dora e militante da organização intelectual, professora, militante antirracista
Movimento Negro Unificado e feminista Lélia Gonzalez24 (Belo Horizonte,
(MNU), em 1978. É a primeira 1935 – 1994, Rio de Janeiro), em fundamental
mulher negra eleita uma das texto “Racismo e sexismo na cultura brasileira”,
mulheres do ano pelo Conselho apresentado pela primeira vez em 1980. Em
Nacional das Mulheres do Brasil uma crítica ao “mito da democracia racial”,
(1981). Participa de uma série de a autora afirma que “o lugar em que nos
eventos feministas e antirracis- situamos determinará nossa interpretação do
tas. É representante brasileira duplo fenômeno do racismo e do sexismo”
no Fórum da meia década da (GONZALEZ, 2021, p. 76)25.
mulher (Copenhague, 1981) e
representante brasileira no fó- O lugar é a forma como se é identificado
rum de encerramento da década enquanto Negro, Mulher, Índio a partir de
da mulher (Nairóbi, 1985). Para práticas discursivas e imagéticas coloniais. É
maior conhecimento sobre a po- também uma forma de reconhecimento de si em
tência da trajetória de Gonzalez, uma sociedade misógina e racista, na medida em
ver Rios e Ratts (2010). que potencializa e multifaceta tais categorias e,

81
simultaneamente, movimenta-se para romper as 25 Sobre o pensamento de Lélia
bases epistemológicas nas quais são estruturadas Gonzalez e os usos da noção de
as construções de estereótipos violentos e “lugar”, consultar Ribeiro (2017)
aprisionantes. e Ambra (2020). Retomarei essas
discussões no próximo capítulo.
O comum entre as diferentes artistas e teóricas
referidas é uma crítica aos modelos de
produção psíquico, imagético, espacial, entre
outros, formulados por meio da racionalidade
ocidental moderna. Fernando Cocchiarale,
em texto publicado em 1978, lembra que em
Circumambulatio há uma procura por elementos
considerados alheios à cultura ocidental, na qual
a investigação sobre o centro é fundamental. O
crítico transcreve trechos escritos por Geiger no
catálogo da mostra26: 26 O catálogo ao qual se refere
Cocchiarale é o produzido no
O esforço para compreender os modos de pensa- ano de 1973 para a exibição de
mento alheios à tradição da razão ocidental para Circumambulatio no MAC-USP e
decifrar o significado de seus mitos e símbolos será abordado adiante.
enriqueceu a consciência do homem contem-
porâneo... Para o homem arcaico, o espaço não
é homogêneo, isto é, apresenta rupturas. Ele
considera algumas porções de espaço qualita-
tivamente diferentes de outras, e esta situação
de não homogeneidade do espaço constitui sua
experiência primordial... Nesta extensão que en-
tende como não homogênea, na qual nenhuma
orientação pode se efetuar, escolhe um lugar, um
ponto fixo, absoluto, um centro (Geiger, citada
em COCCHIARALE, 1978, pp. 20-21).

Há no texto expressões generalizantes, a


exemplo de “o homem arcaico” ou “o homem
contemporâneo”, cujo modo de construção
é aproximado daquele tensionado por Gloria
Orenstein. No entanto, ressalto a preocupação
de Anna Bella Geiger com o centro um lugar,
um ponto fixo e, em suas palavras, “a escolha
ou projeção deste ponto fixo equivale à gênese
[...]” (GEIGER, 1973a). O estabelecimento deste
ponto a partir de onde é possível voltar-se para
fora de si, tradução pertinente de “o esforço para
compreender os modos de pensamento alheios à
tradição da razão ocidental”. Uma atitude crítica
diante da realidade.

As perguntas sobre os limites da racionalidade

82
ocidental e das possibilidades de constituição
de práticas críticas marcam o pensamento do
filósofo Michel Foucault (Poitiers, 1926 – Paris,
1984), cujas ideias circulavam no Brasil na
27 Foucault esteve no Brasil em década de 197027. A filósofa contemporânea
1965 e, a cada ano, entre 1973 e Judith Butler (Cleveland, 1956) – em Relatar a si
1976. É marcante sua presença mesmo: crítica da violência ética (2015) – afirma
no Rio de Janeiro em 1974, que Michel Foucault, ao tratar da constituição
quando oferece seis conferências do sujeito, aponta a produção da verdade como
no Instituto de Medicina Social problema incontornável quando pergunta pelas
(CONDE, 2020, pp .20-22). possibilidades da elaboração de uma atitude
Em 1979, o filósofo Roberto crítica (BUTLER, 2015, pp. 34-35).
Machado organiza o livro
Microfísica do poder, aberto com É diante desses efeitos de poder, das normas
“Verdade e poder”, entrevista estabelecidas por meio de certo regime de
concedida por Foucault em verdade, que o sujeito encontra o quadro
1977. Nela é possível observar referencial a partir do qual se relaciona e
que Foucault compreende por reconhece a si mesmo (BUTLER, 2015, p. 35). No
verdade não o conjunto de entanto, observa Butler, “Foucault não defende
coisas verdadeiras a descobrir ou apenas que exista uma relação com essas
fazer aceitar, mas o conjunto de normas, mas também que qualquer relação com
regras pelas quais se distingue o o regime de verdade será ao mesmo tempo uma
verdadeiro do falso e se atribui relação consigo mesmo” (BUTLER, 2015, pp.
efeitos específicos de poder 35-36).
(FOUCAULT, 2008a, p. 13).
Como destaca a autora, a crítica não se refere
apenas “a uma prática social determinada ou
a certo horizonte de inteligibilidade em que
surgem as práticas e instituições; ela também
significa que sou questionada por mim mesma.
Para Foucault, o questionamento de si torna-
se consequência ética da crítica” (BUTLER,
2015, pp. 35-36). Dito de outro modo, é no
reconhecimento de si diante das normas que se
torna possível para o indivíduo observar como
um regime de verdade específico determina
os modos de subjetivação aos quais ele está
vinculado.

O indivíduo encontra possibilidades não ape-


nas para questionar determinadas instituições
ou discursos produtores de verdade, mas suas
próprias verdades enquanto sujeito. Trata-se de
um trabalho crítico sobre si na relação com a al-
teridade. Uma busca por correspondências com o
outro, que se abrem para a criação de processos
de subjetivação nos quais a ética é aquilo a ser
permanentemente conquistado.

83
Em nossa formação como sujeito, existe uma imagem 41
opacidade incontornável. Corpos passam por Robert Smithson
experiências das quais não temos recordações na Spiral jetty
infância, ao menos não claramente configura- 1970
das. É a possibilidade da linguagem que estabe- Fotografia de Gianfranco
lece as condições para a construção narrativa. Gorgoni
Nas palavras de Butler, “Eu sempre recupero,
reconstruo e encarrego-me de ficcionalizar e fa-
bular origens que não posso conhecer” (BUTLER,
2015, p. 55).

As formulações de Butler e Foucault criam


um interessante ponto de aproximação de
Circumambulatio: uma ficcionalização de um
mito – em torno dos pensamentos sobre o
centro – a partir do qual Geiger instaura novos
procedimentos relativos à prática artística. Um
mito que não o antropofágico do modernismo,
por meio do qual relaciona às formas espirais
suas significações possíveis de tempo e espaço, imagem 42
de tensionamento dos locais de produção e Anna Bella Geiger, extraído do
exibição de arte. audiovisual de Circumambulatio
1972.
Nesse sentido, lembro de Spiral jetty (1970), do fotografia de Thomas Lewinsohn

84
28 Robert Smithson criou uma estadunidense Robert Smithson (Nova Jersey,
série de trabalhos artísticos 1938 – Texas, 1973)28, no qual uma grande
e textos que versam sobre a forma espiral produzida nos solos da costa de
natureza, o espaço, os limites Great Salt Lake, Estados Unidos, utiliza 6 mil
do museu e da prática estética. toneladas de rochas de basalto preto e a terra
Criou trabalhos como Broken local. Smithson é um dos primeiros artistas a
circle/Spiral hill (1971) e Amarillo trabalhar com formulações ligadas a land art/
ramp (1973), esse último earthwork, elaborada como possibilidade de
interrompido por sua morte subverter a estabilidade do museu. Smithson
em um acidente de avião. A desenvolve uma prática artística marcada pela
esposa Nancy Holt e os amigos busca por lugares inacessíveis em contraposição
Richard Serra e Tony Shafrazi ao meio artístico nova-iorquino, no qual tudo
completaram Amarillo ramp “parecia estar demasiado à mão”, como afirma a
(HOLT/SMITHSON FOUNDATION). historiadora Estrella de Diego (2015, p. 93).
Smithson e artistas como Serra,
Robert Morris, Michel Heizer De acordo com o crítico Craig Owens (Chicago,
e Nancy Holt problematizam 1950 – 1980), o trabalho de Smithson traz um
a categoria modernista de deslocamento radical da arte, removida do
escultura e produzem obras em museu e da galeria para lugares inacessíveis
locais demarcados (KRAUSS, (OWENS, 1979, p. 123). Simultaneamente, a
1984, p. 135). produção de jetty é permeada por discussões
sobre o centro, mais precisamente sobre
29 No texto de Owens e de a dialética entre centro e circunferência,
Smithson o mote inicial das sublinhadas anos antes por Smithson no texto
análises é o mito da Torre de “A museum of language”/“Um museu da

85
linguagem” (1968) (OWENS, 1979, p. 122)29. Babel, em discussões sobre a
O título Spiral jetty refere-se a três operações: linguagem e o espaço. Vale
a estrutura de rochas realizada no solo, um lembrar que a pesquisa de
filme feito durante a sua construção e um texto Garry Shapiro, Earthwards:
publicado pela primeira vez em 1972, no qual Robert Smithson and art after
se discute a ação no solo e o filme, em uma Babel (1997), versa também
linguagem que varia entre as discussões da essa perspectiva. Neste capítulo
história da arte, da geologia e da mitopoética trarei considerações sobre a
(SHAPIRO, 1995, p. 7). Textos e registros são história de Babel com base em
parte constituinte de Spiral jetty, mobilizando Circumambulatio.
discussões sobre lugar/não-lugar e o local de
onde se observa. Com jetty há um deslocamento
radical da noção de ponto de vista, afastando-a
de uma função ligada à posição física e
aproximando-a de debates sobre o modo –
fotografia, cinema, texto – de confrontação com
o trabalho de arte (OWENS, 1979, p.128).

O universo poético de Smithson contém


indagações sobre as reverberações do passado no
tempo presente. No texto Spiral jetty, o artista
afirma que o sangue e os mares primordiais
têm composições análogas. “Seguindo os passos
espirais retorna-se às origens, ao protoplasma, imagem 43
um olho flutuante à deriva em um oceano Nancy Holt
antediluviano” (SMITHSON, 1979, p. 113). (Al Poynter, Dannis Siroky, Gregg
Sair do museu e mobilizar tempos e espaços Tillman e Rick Westby)
são dimensões compartilháveis entre jetty e Enclosure: Rock rings,
Circumambulatio. 1977-1978
fotografia de Matthew Anderson
No entanto, cada qual assume suas
particularidades de acordo com as localidades
político-artísticas nas quais é produzida. Trata-
se de uma dimensão instigante que é efeito
dos múltiplos tempos operados entre a criação
e a exibição das obras. A ação de marcar o
solo mobiliza signos, figuras e espaços físicos
e psíquicos, em tempos imemoriais e outros
rememorados, recriados, inventados.

São sentidos desdobrados por meio de os regis-


tros fotográficos. No caso de Circumambulatio, a
dobra associa-se, ainda, ao fato de as fotografias
das ações formarem um ambiente-instalação
no qual associam-se a registros apropriados
de construções arquitetônicas e obras de arte,
textos e áudios. Elabora-se uma narratividade
audiovisual, na qual se explicita que as imagens

86
fotográficas, longe de serem documentos incon-
testes e intrinsecamente verdadeiros, são produ-
zidas em meio a uma série de práticas discursi-
vas e apresentam um recorte do olhar, marcam
uma localidade.

O ambiente-instalação Circumambulatio traz en-


trecruzamentos-pensamentos sobre a construção
do espaço e da imagem, narratividades históricas
30 Nancy Holt trabalha com e míticas, arte e natureza. As proposições acima
escultura no campo expandido são adensadas na aproximação com trabalhos da
(KRAUSS, 1984), realizou artista Nancy Holt (Massachusetts, 1938 – Nova
trabalhos de site-specific como York, 2014)30. Stone enclosure: Rock rings/Cerco
Sun tunnels, em 1973-76, em de pedra: Anéis de rocha (1977-1978) foi cons-
Great Basin Desert, Utah, e truída na Western Washington University, em
Dark Star Park, em 1970-84, parceria com os trabalhadores Al Poynter, Dan-
em Arlington County, Virginia. nis Siroky, Gregg Tillman e Rick Westby. Trata-
Começou seus trabalhos com a -se de uma estrutura circular na qual quatro ar-
poesia concreta e atuou como cos estão alinhados no eixo norte-sul calculado
artista conceitual na década pela Estrela Polar, lembrando os procedimentos
de 1970 (HOLT/SMITHSON de navegadores da costa noroeste estadunidense,
FOUNDATION). conta Holt (2011, p. 96).

87
imagens 44 e 45
Nancy Holt
(Al Poynter, Dannis Siroky, Gregg
Tillman e Rick Westby)
Enclosure: Rock Rings,
1977-1978
fotografia de Matthew Anderson

Na pesquisa citada, Talita Trizoli ressalta uma


aproximação entre Circumambulatio e obras
de Holt como Sun tunnels/Túneis de sol (1973-
1976) (TRIZOLI, 2018, p. 394). Aqui, esses
contatos são trazidos considerando-se um
movimento que encadeia simultaneamente
perguntas relativas às relações entre imagem e
espaço em Circumambulatio e Stone enclosure:
Rock rings. A construção de Holt cria diferentes
vistas, delimitadas a partir de uma estrutura
circular colocada no nível do olho e apontada
em distintos eixos direcionais, movimento em
que o centro sempre precisa ser restabelecido
(HOLT, 2011, p. 96). Uma das camadas

88
importantes das obras de Holt são os registros
fotográficos, considerados parte fundamental
e constitutiva do trabalho, ou seja, tão
importantes quanto a escultura (HOLT, 2012).

É importante para esta pesquisa remarcar


a relevância dos registros de obras como
constituintes das práticas artísticas
contemporâneas. Recorrendo aos escritos de
Estrella de Diego, ressalto que as obras de
Smithson, por exemplo, só são acessíveis ao
público por meio de registros (DIEGO, 2015, p.
95). Fotografias são recortes específicos de um
determinado espaço-tempo.

Em Rock rings, no entanto, não é apenas por


meio delas que um “frame” da paisagem é
construído, pois a sua própria estrutura produz-
se nesse sentido. Pelas doze aberturas, diferentes
aspectos da paisagem são emoldurados e
focados, como, por exemplo, parte de uma
montanha, o trecho de uma estrada, um caminho
de asfalto. Além disso, mover-se de dentro para
fora e no dentro e no fora da construção tem
como efeito a criação de visões múltiplas (HOLT,
2011, p. 97).

Fragmentos da paisagem criam uma constelação


de imagens possíveis de serem formadas para
cada indivíduo que experiencia a obra. Em
Circumambulatio há também essa constelação.
As fotografias trazem um corte, um fragmento
da realidade, e são apresentadas em conjunto
com outros fragmentos selecionados. O conjunto
apresenta uma pesquisa sobre o centro/self
(JAREMTCHUK, 2007, p. 139), cujos sentidos
não se impõem como verdade absoluta. Cada
qual pode estabelecer um centro, e, no entanto,
há algo partilhado e que pode reverberar em
conjunto.

O centro é retrabalhado por Geiger em um


vídeo de 1974 intitulado Centerminal, no qual
a artista é registrada por Jom Tob Azulay e no
qual a busca pelo conhecimento do self (centro
de si) ressoa (JAREMTCHUK, 2007, p. 127). Com
duração inferior a 2 minutos, traz na primeira
metade filmagens da palavra que intitula o

89
trabalho inscrita no solo, aos modos de uma
brincadeira da infância. Em seguida, o plano
abre, e Anna Bella é registrada em sua ação de
caminhar em círculos. O local de filmagem é
a floresta que integra o Parque Lage no Rio de
Janeiro, onde no ano seguinte seria inaugurada
a Escola de Artes Visuais31. 31 A escola livre do Parque
Lage torna-se um “centro de
A ação da artista encaminha-se para o final convergência de um grande
quando ela agarra um pedaço de pau com o número de artistas jovens nos
qual marca um ponto no solo, lançando-o em anos 80, e Anna Bella é figura
um movimento acompanhado pela câmera. Ao surpreendente nesse espaço”,
fim, Geiger surge segurando um papel em frente relata o ex-aluno Armando
ao rosto, no qual está desenhado um quadrado Mattos (citado em NAVAS;
– sem muita precisão – e um círculo com um PEQUENO, 2007, p. 112). Sobre
“X” dentro a partir do qual sai uma linha a importância desse local no
curva feita com traços descontínuos. Abaixo território das artes visuais no
do papel está escrito “any directions out of the Brasil, ver o capítulo “O ativismo
center”/“qualquer direção para fora do centro”. institucional em ação”(JORDÃO.
As palavras escritas em inglês justificam-se 2018).
pela intencionalidade de enviar o vídeo, por
intermédio e financiamento do MAC-USP, para a
exposição Video Art (1975), no Instituto de Arte
Contemporânea da Universidade da Pensilvânia,
retomada ao longo deste texto.
32 Vito Acconci trabalha com
Centers/Centros (1971) é o título do vídeo do problemas relativos à linguagem,
artista e arquiteto estadunidense Vito Acconci ao espaço e às tecnologias
(Nova York, 1940 – 2017)32, com o qual a pes- de produção de imagem,
quisadora Thamara Venâncio de Almeida (2017) em intersecção entre arte e
relaciona Centerminal (ALMEIDA, 2017, pp. arquitetura. Ações performáticas
23-24). Centralizado pela câmera, em um plano marcam suas práticas artísticas,
fechado, Acconci sustenta o braço em frente ao tais como o encaminhamento
rosto, apontando com o dedo indicador para a de sua correspondência para
câmera durante pouco mais de 20 minutos. o MoMA durante a exposição
Information/Informação (1970).
Rosalynd Krauss abre seu texto “Vídeo: a es- O artista comparecia todos
tética do narcisismo” (1976) discorrendo sobre os dias ao museu para abri-
Centers. A autora interessa-se em discutir a re- la. Ou em Seedbed /Canteiro
flexividade, “fratura entre duas entidades catego- (1972), apresentada na galeria
ricamente diferentes que podem elucidar uma à Sonnabend, que consistia
outra, à medida que a separação é mantida”, em no artista masturbando-se,
relação à reflexividade especular, a qual “implica enquanto o público passeava
vencer essa fusão” (KRAUSS, 2008, p. 150). Em pela galeria. Ele narra suas
Centers seria a segunda a operar, em um movi- fantasias, enquanto a voz é
mento no qual self e sua imagem refletida têm projetada em alto-falantes. A
suas diferenças “ilusionisticamente” apagadas. ação foi registrada e um vídeo
Acconci mira o centro da tela; porém, “o que produzido.

90
está latente nessa configuração é o monitor em
que ele mesmo está olhando [...]. Assim, para
nós tanto quanto para Acconci, o vídeo é um
processo que permite a fusão desses dois termos”
(KRAUSS, 2008, p. 146).

Discussões sobre a reflexividade e a videoarte se-


rão retomadas com mais intensidade no capítulo
imagem 46 seguinte. Neste ponto, sublinho a preocupação
Vito Acconci compartilhada entre Geiger e Acconci com o
frame do vídeo Centers centro ou os centros. No vídeo do estaduniden-
1971 se, os centros são multiplicáveis na variação
das relações tela-dedo-câmera-espectador. Em
Centerminal há uma volta a Circumambulatio,
diz Geiger, numa preocupação com a terra e,
simultaneamente, com o movimento circular em
dimensões ritualísticas (GEIGER, 2021).

O ritual de Circumambulatio é um dos rituais


variados entre diversas crenças e tempos
ao longo do planeta, estando presente no
judaísmo e no islamismo, e sendo realizado,
invariavelmente, em torno de um polo central
(FENTON, 1997). Geiger caminha em torno do
ponto marcado no solo, em uma ação “obsessiva
de procurar o centro”. No entanto, ao final o
desejo de “sair desse mito do centro” manifesta-
se pelo cartaz (GEIGER, 2021), sentido expresso
pelo próprio título, que contém as palavras
center/centro e terminal.

A relação entre Geiger e Acconci ganharia


outras densidades em 1975, quando têm
alguns encontros em Nova York. As conversas
são amplas, e ambos se entusiasmam com as
proximidades entre suas discussões. Os dois
partilham o interesse por literatura inglesa,
sendo que Geiger é graduada em línguas anglo-
saxônicas na Faculdade Nacional de Filosofia
(atual UFRJ), e Acconci estudou literatura no
Holy Cross College. Trocam correspondências
e, em 1980, reencontraram-se como artistas
expositores da Bienal de Veneza (1980), como
relata Anna Bella Geiger (2021).

Em Centerminal, há um caminhar em ares de


travessia, presentes em vídeos como Passagens I
e II (1975), trabalhados adiante. A travessia do

91
imagens 47, 48 e 49
Anna Bella Geiger
frames do vídeo Centerminal
1974

moderno para o contemporâneo e a liberação de


certas categorias dos movimentos modernos – os
ismos, como se refere a artista – trazem um forte
sentimento de despossessão: “Quando aquilo
começa a sair dos meus pés, eu mesma tirando
meu próprio tapete, em nome de alguma coisa
que se torna de novo – como é a arte: perigosa!”
(GEIGER, 2018c). Ideia circulante, no final da
década de 1960, na voz da cantora Gal Costa,
com a música de Gilberto Gil e Caetano Veloso
e a explosão da alegria tropicalista: “Tudo é
perigoso, tudo é divino, maravilhoso”.

No audiovisual de Circumambulatio surge o


registro no qual os estudantes, cobertos por
tecidos, caminham pelas areias. Escuta-se –

92
pronunciado sem identificação – um trecho
do poema de Fernando Pessoa:

O segredo da busca é o que não se acha


Eternos mundos infinitamente,
Uns dentro de outros, sem cessar decorrem
Inúteis; Sóis, Deuses, Deus dos Deuses,
Neles intercalados e perdidos.

O poema de Fernando Pessoa reforça a


ideia do infinito da busca, da importância
do processo de abertura para errância. A
procura de mundos uns dentro dos outros,
que retornam e traduzem uns aos outros,
como nas interpretações dos sonhos
propostas por Jung. Um novo cosmo que se
abre nas travessias.

imagem 50
registro das ações de Marapendi
exibida em Circumambulatio.
fotografia de Thomas Lewinsohn
(provavelmente)

93
Ao som dessas palavras, o audiovisual
encaminha-se para o fim. Após os peregrinos,
surge a imagem do trator. Por fim, uma outra na
qual ao fundo há uma montanha, e, no restante,
vê-se um solo marcado, imagino, pelas rodas
da ferramenta. Produz-se em mim uma forte
sensação de uma procura para a qual não há
fim, pelo que ainda se pode descobrir, por aquilo
que ainda há para apreender do mundo e de si
mesmo. Um retorno que sempre traz o acúmulo
memorial e imemorial, psíquico e social. O
centro do qual fala Geiger (1972)

não é simplesmente estático. Ele é o núcleo de


onde partem o movimento do uno para o múltiplo,
do interior para o exterior, do não-manifestado
ao manifestado, do eterno ao temporal, todos os
processos de emanação e de divergência, e onde se
juntam como em seu princípio todos os processos
de retorno e de convergência para sua procura
de unidade. A passagem da circunferência para
seu centro equivale à passagem do externo para
o interno, isto é, da forma à contemplação, da
multiplicidade à unidade, do espacial ao inespacial,
do temporal ao intemporal.

Um caminhar do interior para o exterior, do


exterior para o interior, sem finitude, elabora-se
numa dimensão sensível de Circumambulatio.
O movimento físico de sair do MAM, de uma
área do Rio de Janeiro envolta em uma série de
embates relativos à produção do espaço da ci-
dade, para uma área ainda a ser construída. Um
deslocamento por meio do qual se constroem e
se expandem as ações educacionais/artísticas.

imagem 51
registro das ações de Marapendi,
exibida em Circumambulatio.
fotografia de Thomas Lewinsohn

94
95
96
Inícios espirais ou solos poéticos

Circumambulatio foi remontada em 2019/2020,


na exposição Anna Bella Geiger: Brasil nativo/
Brasil alienígena. Com curadoria de Adriano
Pedrosa e Tomás Toledo, a mostra, realizada na
cidade de São Paulo, divide-se entre os prédios
do Masp e do Sesc-Paulista (2019-2020), onde
é instalada. Como lembra Dária Jaremtchuk, a
exibição no Sesc “[...] seguiu a versão guardada
pela própria artista, anteriormente mostrada
no MAM/RJ. Talvez pela ausência do material
pertencente à coleção do Museu da Universidade
de São Paulo (MAC-USP), adquirido em 1973, o
aspecto documental não se evidencia nessa nova
montagem” (JAREMTCHUK, 2020).

No espaço do Sesc, a montagem traz um mapa


– no qual é mostrada a variação do clima da
Terra entre 1970 e 2018 – e um texto assinado
por Geiger. Ali, a artista diz que denominou
Circumambulatio (1972) como um “‘ambiente
parcial’ com um sentimento e sentido da
ideia, emergente naquele momento, de caráter
ecológico, de certo modo uma atitude espiritual
em relação ao próprio planeta. Eu estava
imbuída desse espírito” (GEIGER, 2012).

Simultaneamente, Geiger participa da 16ª


Bienal de Arte de Istambul, Turquia, com a obra
Circa (2006), na qual as questões apresentadas
no texto da parede de Brasil nativo/Brasil
alienígena reverberam. Circa traz significados
semânticos e poéticos de um tempo incerto,
algo para o qual não há precisão de datas.
Geiger produz uma instalação na qual se
conjugam construções efêmeras – realizadas
em areia, cimento seco, terra – e objetos pré-
fabricados, como uma pequena réplica de uma
casa Bauhaus, um trenzinho e pedaços de vidro
que formam uma piscininha. Há ainda um
imagens 52, 53, 54 e 55 vídeo construído em conversação com a ópera
Anna Bella Geiger Akhnaten, de Philip Glass (Baltimore, 1937).
Circa
2019 A primeira instalação dessa obra foi realizada
Bienal de Istambul como parte do Projeto Respiração (2006), na
fotografias de Gabriela Casa Museu Fundação Eva Klabin, no Rio de
De Laurentiis Janeiro, com curadoria de Marcio Doctors.

97
Entre as especificidades da montagem de
Istambul estão as estradas de areia branca,
inspiradas nas vistas aéreas durante a viagem do
Brasil para a Turquia: “Eu notei essas estradas
no meio do deserto. Esse traçado das estradas
eu não tinha feito em nenhuma das instalações
anteriores” (GEIGER, 2019b).

98
A fragilidade da matéria e as construções
arquitetônicas em desmanche trazem uma
sensação de destruição, de um território
sendo devastado. Geiger lembra que a
primeira construção de Circa estava envolta
no imaginário da Ocupação do Iraque – que
ocorrera três anos antes –, adensando, por
meio das palavras, as sensações de devastação
operadas pelas formas e as matérias da
instalação. Para a pesquisadora e artista
Ana Hortides, que realizou uma série de
montagens da obra, incluindo a da Bienal de
Istambul, “Circa apresenta uma espécie de
cidade que mescla, à primeira vista, diferentes
culturas e espaços temporais em situação de
ruínas ou aparentemente próximas a ruir”
(HORTIDES, 2019).

imagem 56
páginas da matéria “O pão nosso
de cada dia” (2018-2019), de
Bernardo Mosqueira,
publicada junto com ensaio de
Renato Mangolin da montagem
de Circa
Solar dos Abacaxis
2018

A Bienal de Istambul, sob a curadoria de Nicolas


Bourriaud, leva o título O sétimo continente
(2019). A expressão se refere a uma área,
flutuante no Oceano Pacífico, de 3 milhões
e quatrocentos mil quilômetros quadrados,
composta por 7 milhões de toneladas de
plástico. Entram em curso na Bienal de Istambul
os impactos da ação humana em dimensões
catastróficas no marco do Antropoceno −
conceito dos pesquisadores Paul Crutzen e
Eugene Stoermer para denominar a era geológica
e o efeito da atuação humana no globo − ou
do Capitaloceno − como proposto por Andreas
Malm, dimensionando politicamente essas

99
imagens 57,58, 59 e 60
Anna Bella Geiger
Circa
2019
Bienal de Istambul
fotografias de Gabriela
De Laurentiis

100
questões contemporâneas (BOURRIAUD, 2019,
p. 47). As guerras motivadas por interesses
econômicos, entrecruzados com problemas
religiosos, os impactos nas infraestruturas de
recursos básicos e nos modos de vida existentes
em diversas regiões do planeta compõem a
contemporaneidade. Circa traz essa dimensão.

Uma das sensações mais intensas construídas


na relação com a instalação foi a de tempos e
espaços históricos distintos, que se desfazem
com o surgimento de tempos e espaços
inventados por justaposição e aproximação
(overlay), sobreposição de camadas. Uma
sensação que se expande e se reformula diante
de Circumambulatio. A montagem de Circa, da
qual pude participar, durou dez dias, durante
os quais Anna Bella Geiger e Ana Hortides –
assistente de Geiger por mais de uma década –,
auxiliadas pela equipe da Bienal, construíram
uma pirâmide de areia, e com o mesmo material
das montanhas.

Nos ambientes-instalação de Circumambula-


tio e de Circa, a areia surge como matéria. Na
lagoa de Marapendi, com os estudantes, Geiger
trabalha no solo. Ali, interfere com materiais
distintos, que vão de tratores a enxadas, empre-
gando, em certos momentos, as próprias mãos
no solo. Anos depois, em Circa, as areias voltam
a compor a obra e a fragilidade aí instaurada,
e instigam uma aproximação com o conto “O
livro de areia”, do escritor argentino Jorge Luis
Borges (Buenos aires, 1899 – Genebra, 1986).

A história fala sobre um homem que certo dia


recebe a visita de um vendedor de bíblias que
lhe oferece seus produtos. Com certo tom de
pedantismo, ele responde à oferta: “Nesta casa
há algumas bíblias, inclusive a primeira, a de
John Wiclif. Tenho também a de Cipriano de
Valera, a de Lutero, que é literalmente a pior, e
um exemplar latino da Vulgata. Como o senhor
vê, não são exatamente bíblias o que me falta”
(BORGES, 2011, p. 101). O vendedor, então,
propõe-lhe que compre um outro livro, cujas
páginas “estavam impressas em duas colunas à
maneira da Bíblia” (BORGES, 2011, p. 101).

101
imagens 61, 62 e 63
Anna Bella Geiger
Circa
2019
Bienal de Istambul
fotografia de Gabriela
De Laurentiis

102
Tratava-se do Livro de areia, no qual o número
de folhas é “exatamente infinito”, explica o
vendedor de bíblias. No tal livro “nenhuma
página é a primeira; nenhuma é a última”. Cada
vez que manuseadas, as páginas alteravam-
se numa “série infinita” que admite “qualquer
número” (BORGES, 2011, p. 102). O homem
adquiriu o estranho livro por uma quantidade
de moedas e o exemplar da “Bíblia de Wiclif, em
letra gótica”, herdado dos pais (BORGES, 2011,
p. 103).

O medo instaura-se naquele homem. Em


uma primeira forma, concebe-se a partir dos
pensamentos de que alguém pode roubar o
precioso objeto, que esconde atrás de uma
edição d’As mil e uma noites. Mas não é
suficiente. Nos intervalos da insônia, sonha com
O livro de areia e decide, por fim, livrar-se do
“monstruoso objeto” e, por efeito de sua própria
monstruosidade, que “percebia com olhos e o
apalpava com dez dedos e unhas”, O livro de
areia. Ele narra o desespero: “Senti que ele era
um objeto de pesadelo, uma coisa obscena que
inflamava e corrompia a realidade”. Por fim,
decide livrar-se do objeto “perdendo-o” na
Biblioteca Nacional, em alguma prateleira junto
com “os periódicos e os mapas” (BORGES, 2011,
p. 105).

A descoberta do tempo expandido, do tem-


po sem começo ou fim, apavora o narrador
de Borges: “Se o espaço for infinito, estamos
em qualquer ponto do espaço. Se o tempo for
infinito, estamos em qualquer ponto do tem-
po” (BORGES, 2011, p. 103), diz o vendedor de
bíblias. Essa constatação atormenta o narrador,
e sua solução é colocar o livro naquele lugar em
que os outros objetos trazem bem delimitados os
espaços – mapas – e não deixam dúvidas sobre a
linearidade do tempo – periódicos.

Em Circumambulatio e Circa, Anna Bella Geiger


aproxima-se de O livro de areia, os tempos e es-
paços são tensionados sem medo de causar uma
despossessão. Ao contrário, embarca-se nessa
travessia, imaginando outras possibilidades de
imagens para o pensamento.

103
O livro de areia leva esse nome porque “nem o
livro nem a areia têm princípio ou fim” (BOR-
GES, 2011, p. 102) – um nexo que reverbera na
poética de Geiger, expresso em Circumambulatio
e Circa. O personagem-narrador de Borges não
suporta a incerteza de tal constatação e precisa
livrar-se do objeto que a faz real. Geiger, por sua
vez, aventura-se nesse caminho.

Quando Circumambulatio começa a ser tecido,


como sublinhado, vem acompanhado de uma
busca pelo centro, cuja possível dimensão é uma
procura por um ponto do qual se parte para essa
experiência, o território mínimo necessário para
ação, “o material sobrevivente da primeira
origem, o núcleo ou ovo irradiante que deve
bastar para re-produzir tudo”, conforme o
pensamento de Gilles Deleuze (2006, p. 20). A
citação refere-se aos pensamentos do filósofo
sobre a ilha deserta.

Nas ações em Marapendi e na montagem da


exposição há uma constante preocupação com
os processos de abertura: para os significados de
símbolos em outras culturas, para outros modos
de produção dos espaços e das subjetividades,
movimento que traz questionamentos sobre
a posição que se ocupa no mundo e sobre as
formas de constituição do inconsciente. As ações
conformam-se, nas palavras de Geiger, como
uma “iniciação” (GEIGER, 2018a). Cria-se um
começo, uma fabulação de uma nova origem.

A imagem da Torre de Babel reforça tal sentido,


uma vez que traz significados simbólicos do
recomeço. Confundir as linguagens em Circu-
mambulatio – fotografia, vídeo, texto, arquitetu-
ra – é uma abertura para práticas de liberdade,
do mesmo modo que o é confundir as línguas
no mito. É abrir-se ao infinito. A ilha, como se-
gunda origem, pertence aos humanos, e não aos
deuses. Nas palavras do autor de Gilles Deleuze,
“o começo partia de Deus e de um par, mas não
o recomeço, que parte do ovo [...]. No ideal do
recomeço há algo que precede o começo, que o
retoma, para aprofundá-lo e recuperá-lo no tem-
po. A ilha deserta é matéria desse imemorial ou
desse mais profundo” (DELEUZE, 2006, p. 22).

104
A ilha é o núcleo. O núcleo do mundo, o núcleo
de si, que reverbera em Circumambulatio. As
areias da ilha deserta não marcam o tempo como
aquelas colocadas em ampulhetas e mensuráveis.
Elas são a imensidão do tempo: diante dela o in-
finito se abre, do mesmo modo que ocorre quan-
do deparamos com a imagem da Via Láctea na
montagem de Circumambulatio. A imensidão da
psique, do dentro de si. Na imensidão que procu-
ra alcançar o centro da terra – como na figura
humana desenhada nas areias de Marapendi.
Uma procura pelo mais profundo no solo e pelo
mais longínquo no universo. Uma busca pelas
diversas camadas que constituem cada indivíduo
e as sociedades, sobrepostas e ressignificadas na
forma fragmentária de Circumambulatio.

imagem 64
apropriações de A confusão das
línguas (ca. 1865-1868) de Paul
Gustave Doré
frame do audiovisual de
Circumambulatio.

O nexo início-fim está presente em Circumam-


bulatio em uma outra camada em torno das
imagens da Torre de Babel, em particular na
apropriação de um registro da gravura de A
confusão das línguas (ca. 1865-1868), de Paul
Gustave Doré, que traz uma versão em pintura
para a história bíblica da Torre de Babel. No
relato bíblico lê-se:

105
1
Todo o mundo se servia de uma mesma língua e das
mesmas palavras. 2Como os homens emigrassem para
o oriente, encontraram um vale na terra de Senaar e
aí se estabeleceram. 3Disseram um ao outro: “Vinde!
Façamos tijolos e cozamo-los ao fogo!” O tijolo lhes
serviu de pedra e o betume de argamassa. 4Disseram:
“Vinde! Construamos uma cidade e uma torre cujo
ápice penetre nos céus! Façamo-nos um nome e não
sejamos dispersos sobre toda a terra!” 5Ora, Iahweh
desceu para ver a cidade e a torre que os homens
tinham construído. 6E Iahweh disse: “Eis que todos
constituem um só povo e falam uma só língua.
Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum
desígnio será irrealizável para eles.7 Vinde! Desçamos!
Confundamos a sua linguagem para que não mais se
entendam uns aos outros”.8 Iahweh os dispersou dali
por toda a face da terra, e eles cessaram de construir
a cidade.9 Deu-se-lhe por isso o nome de Babel, pois
foi lá que Iahweh confundiu a linguagem de todos os
habitantes da terra e foi lá que ele os dispersou sobre
toda a face da terra (A Bíblia de Jerusalém, 2002).

imagem 65
apropriações de A confusão das
línguas (ca. 1865-1868), de Paul
Gustave Doré.
folder Arquivo Circumambulatio
publicado pelo MAM-RJ
2012.

106
A história da Torre de Babel tem uma série
de usos artísticos, conceituais, teóricos e
metodológicos, aprende-se com o historiador
Paul Zumthor e seu livro Babel ou o
inacabamento. Uma reflexão sobre o mito
de Babel (1998). Apresento alguns sentidos
possíveis para a relação dos mitos de Babel e de
Circumambulatio.

A confusão das línguas repete-se nas montagens


e materiais de divulgação de Circumambulatio.
É capa do catálogo da exposição produzida por
Walter Zanini, no MAC-USP, em 1973, com
um pequeno corte em relação à original. A
capa é reimpressa em um folder pelo MAM-RJ
(2012), lembrando os quarenta anos de criação
do ambiente-instalação e está na entrada da
montagem do Sesc Paulista.

No audiovisual o corte na imagem é mais


acentuado: apenas uma figura humana aparece,
com braços erguidos para os céus. Ao fundo,
a grande torre em forma espiral que toca as
nuvens. Nos contatos com o audiovisual A
confusão das línguas prende particularmente
a atenção. Provavelmente em consequência
da escolha dessa gravura como instalação,
não instaura sensações de desespero diante da
fragmentação.

A gravura de Doré – por efeito do contato


com as outras imagens que compõem
Circumambulatio – emerge misteriosa. Nuvens, a
torre em espiral, os braços aos céus configuram
uma dança breve. Inserida na situação de
Circumambulatio, A confusão das línguas,
em vez de produzir desespero e despossessão
mortífera, torce seus sentidos: o caos é criador.

No início poderá parecer uma Babel e é preciso criar


este caos inicial para o surgimento de um novo
comportamento – isto definirá a própria existência do
Museu (GEIGER, 1970b).

Com essas palavras, Geiger encerra o relatório


sobre a reunião com os estudantes do MAM.
Como dito linhas atrás, a reunião era uma
conversa sobre os cursos do MAM, e Geiger

107
enfatiza, no texto, a necessidade de o museu
acompanhar os movimentos de contestação de
estruturas estáticas.

Um caos inicial. As palavras fazem-me lembrar


as primeiras linhas do livro Metamorfoses,
de Ovídio (8 d.C.). Pensamentos sobre o caos
inicial, uma mitologia do caos está presente
no compêndio de mitos (MENNINGHAUS,
1996). “Caos: massa confusa e informe,
apenas peso inerte, amálgama discordante
de elementos mal unidos”, define o poeta
(OVÍDIO, 2017, p. 43). O caos de Ovídio traduz-
se como uma indiferenciação contrária à vida
(MENNINGHAUS, 1996, p. 128). Com o caos
nada mantém sua própria forma, em um único imagem 66
corpo lutam elementos como quente e frio, frame do audiovisual de
seco e úmido, mole e duro, pesado e sem peso Circumambulatio.
(OVÍDIO, 2017, pp. 43-44).

Metamorfoses (8 d.C.) é uma narração sobre


as origens do mundo (OLIVA NETO, 2017, p.
7), que apresenta 250 mitos gregos e romanos.
O caos, ali, antecede o mundo, a forma e, de
um modo ou outro, é presença contínua nos
seres e no mundo (MENNINGHAUS, 1996, p.
129). Qualquer movimento, por mais leve que
seja, pode agitar a matéria e produzir uma
metamorfose, uma transformação em algo
totalmente diferente, lembra Italo Calvino,
retomando o poeta (CALVINO, 1990, p. 21).

O mito da construção da Torre de Babel associa-


se ao caos inicial de Geiger. A indiferença
é o caos que antecede o cosmos em Ovídio,
enquanto em Geiger é o caos que traz condições
de possibilidade para a diferenciação. Na
perspectiva do psicanalista lacaniano Paolo
Lollo, Babel trata da interferência de Deus
diante do desejo dos humanos pelo Uno. A
interferência divina consiste, primeiramente,
em confundir as línguas do povo de Babel. Esse
verbo “confundir” é a tradução do verbo hebreu
NaVeL (noun, vet, lamed), que significa, mais
precisamente, “separar” (LOLLO, 2017, p. 17).

Provém daí o nome Babel – do hebraico


Balal (confundir) –, “pois foi lá que o Eterno

108
confundiu”, está no Gênesis, “a linguagem de
todos os habitantes da terra” (LOLLO, 2017, p.
17). Mas, não apenas as línguas são separadas,
uma vez que o Senhor desce à Terra, também,
para dispersar aquele povo sobre toda a
sua superfície. O caos instaura-se diante da
intervenção divina e impede os humanos de
tornarem-se um só povo, com uma mesma
língua, em uma única cidade. O Uno é desfeito,
entra em curso a diferenciação: haverá na Terra
povos, línguas e cidades distintas, múltiplas.

A introdução da confusão divina foge ao Uno e


lembra que há inúmeras maneiras de dizer uma
coisa, e isso quer dizer que “essa coisa não é
sempre a mesma. Ela muda continuadamente”
(LOLLO, 2017, p. 17). A destruição da Torre
significa a fragmentação da linguagem e do
espaço. Na ambiente-instalação de Geiger a
fragmentação ocorre, aos modos do mito, não
só na linguagem, mas nos espaços: o museu, a
lagoa, as fotografias, as imagens apropriadas.
As formas fragmentárias, ao serem colocadas
em conjunto, estabelecem novos modos de
pensar, produzem uma tradução dos elementos
mobilizados. Há uma busca pelo reconhecimento
da alteridade, a procura de compreender o
outro ou, nas palavras de Lollo, “reconhecer sua
singularidade e interpretá-lo” (LOLLO, 2017,
p. 17).

No rastro do caos nos pensamentos de Geiger,


surge o texto escrito em parceria com Paulo
Guilherme Samy (1972), publicado em duas
partes com o título “Dialética e metavanguarda”:

Deste caos, exatamente deste caos é que nós nos


apropriamos, porque o estamos inventando dentro
e fora de nós. Dentro de nós pelo desmantelamento
de uma estrutura mental inócua e insuficiente para
fazer a experiência do presente; fora de nós pela
participação possível no tempo presente, buscando
conhecer direções (GEIGER; SAMY, 1970b).

O texto traz latente o desejo pela imaginação


de outras realidades, novos modos de criar
dentro e fora de si, outras realidades materiais
e psíquicas. O caos como possibilidade de

109
produzir a dúvida, a antítese do Único, do Uno.
O conhecimento histórico da estruturação do
espaço em que vivem, nesse caso, artistas em
contextos metropolitanos, uma compreensão
dessa localização.

Trata-se de um desejo de reformular o esta-


belecido, abrir-se para o caos, sem procurar
delimitá-lo, mas operando para levá-lo ao
limite. Apropriado e recolocado em séries de
discussões sobre o espaço e as práticas artísticas,
o fragmento do mito de Babel abre-se para o
desconhecido. O caos como possibilidade cria-
dora, como início. Há em Circumambulatio uma
dimensão de iniciação. O processo que o envolve
marca um “ponto de inflexão” nas práticas artís-
ticas de Geiger, na leitura de Jaremtchuk (2007,
p. 81).

Diante de uma situação política de repressão,


as ações na lagoa de Marapendi estão envoltas
em pensamentos sobre o simbólico, a alquimia e
imagem do labirinto. Há certa atmosfera para-
noide ligada à situação da repressão da ditadura.
Interessa marcar que é em uma Kombi que eles
se deslocam até a Barra da Tijuca, como é numa
Kombi que Rogério e Ronaldo Duarte são trans-
feridos para os locais de tortura. Geiger explica
que, “se o momento era de perigo, de medo das
reuniões, ali não havia nenhuma insinuação de
assunto político, interessava o simbólico do ser
humano” (GEIGER, 2018a).

Constitui-se um modo de abordagem que se


desvia de uma ação mais explicitamente política,
para produzir possibilidades de sentido amplos,
de reelaboração dos imaginários, que regimes
totalitários pretendem sequestrar e aprisionar
em categorias estanques. Geiger reconhece essa
dimensão política de Circumambulatio (GEIGER,
2018a). Do mesmo modo, na trajetória da artista,
estão instaurados questionamentos sobre a
própria arte.

Rememorando aqueles tempos, Geiger diz:

as coisas vêm em sentimentos, crises e sensações. Eu


sei o que não é, mas não sei o que é. Isso fica num

110
campo muito blurred. E, ao mesmo tempo, preciso
tomar definições como qualquer artista em qual-
quer época. Mas, ali, a crise que pega é indagada, do
ponto de vista do próprio momento político (GEIGER,
2018a).

A destruição da cidade de Babel é a construção


da possibilidade de cidades múltiplas. O fim da
língua única é o começo da complexidade da
multiplicidade. Em Circumambulatio instaura-se
uma abertura para a alteridade multifacetada,
um escape do autoritarismo do Uno. No proces-
so, houve uma preocupação em criar condições
para “outro modo de agir na arte”, por meio de
considerações sobre o simbólico (GEIGER, 2012).

Thomas Lewinsohn conta que naqueles


tempos sopravam ares da contracultura, do
movimento hippie, de contestação a certos
valores e padrões estabelecidos. As leituras dos
textos eram disparadoras para as ações nunca
imagem 67 categóricas (LEWINSOHN, 2020). É constitutivo
vistas da exposição Aqui é o de Circumambulatio um pensamento envolto na
Centro crítica a certos valores do pensamento ocidental
2018 e pensamentos que estabelecem “uma progressão
MAM-RJ lógica da história”, como observa Fernanda
fotografia de Paulo Jabur Albertoni (2016, p. 222).

111
Para a pesquisadora, uma “direção antropológi-
ca” escolhida pela artista constrói-se como uma
“metodologia e estratégia para a busca de novas
conexões da arte com formas e contextos do seu
entorno” (ALBERTONI, 2016, p. 15).

Ao abrir-se para procura de sentidos da espi-


ral, das figuras circulares em outras culturas,
as ações na lagoa de Marapendi expandem os
imaginários em construções cambiantes. Uma
confusão das línguas, que é o começo da pró-
pria possibilidade da diversidade das linguagens.
No território artístico brasileiro, o fundamental
crítico e escritor Mário Pedrosa (Timbaú, 1900
- Rio de Janeiro, 1981), interessado pela psica-
nálise (Freud e Jung, em densidades variáveis),
compreende que “a arte é uma forma de conhe-
cimento, mas também um fenômeno vital, no
qual está implicado o homem não mutilado e,
com ele, a sociedade global”, como explica Otília
Arantes no livro Mário Pedrosa. Itinerário crítico
(1991, p. 66).

Em textos escritos na década de 1950, tal qual


Forma e personalidade (1951), Pedrosa sublinha
que há uma preocupação com manifestações 33 Sobre a psicanálise em Mário
“primitivas da arte”, debatendo sobre “substratos Pedrosa, ver o texto “Estética da
emocionais que poderiam estar por detrás do forma: Mário Pedrosa – crítica
prazer estético”, numa articulação que “obri- de arte, psicologia e psicanálise”
ga-o a questionar a relação entre as fantasias (2007), apresentado pelo
ou valores simbólicos e as estruturas formais”. psicanalista João A. Frayze-
No texto, diz Otília Arantes, é a noção de Ges- Pereira e elaborado para o
talt que “fornece a chave”, uma operação “da Colóquio Utopias Geométricas e
qual ele nunca se dissolidarizará inteiramente” Construtivas – Projeto Arte no
(ARANTES, 1991, p. 67). Brasil: Textos Críticos do século
XX, sob coordenação de Ana
Aproximações com o território da psicanálise, Maria de Moraes Belluzzo, com
dos sentidos simbólicos e de artes de tempos o apoio da Fapesp, realizado
históricos milenares são um interesse comparti- na Faculdade de Arquitetura e
lhado por Geiger e Pedrosa33. A artista relatou- Urbanismo da USP.
-me: “Mário Pedrosa era muito amigo do Pedro,
do meu marido, que é um geógrafo com uma 34 Pedro Pinchas Geiger (Rio
constância de um pensamento marxista. Então, de Janeiro-RJ, 1923), marido
antes e depois do momento político [a ditadura], de Anna Bella Geiger, geógrafo
vem lá em casa, mas é para conversar com o interessado em dimensões
Pedro”34. Importante é sublinhar como as discus- sociopolíticas, teve importante
sões de Circumambulatio ressoam preocupações atuação no Instituto Brasileiro
circulantes no território artístico brasileiro. de Geografia Estatística (IBGE).

112
imagem 68
capa do catálogo de
Circumambulatio
produzido pelo MAC-USP
1973

A repetição da forma espiral, seja nas represen-


tações do mito de Babel, seja nas imagens do
Estádio do Maracanã ou da Via Láctea, é parte
fundamental em Circumambulatio. O trabalho,
de acordo com Geiger, “tenta situar e relacionar
os significados ligados ao simbolismo do centro
de circum-ambulação, que vão desde o mito da
montanha cósmica, umbigo do universo, até
o planejamento urbano de Friedman e Moles”
(GEIGER, 1973a).

A esta altura do texto, A imagem sobrevivente.


História da arte e do tempo dos fantasmas se-
gundo Aby Warburg, de Georges Didi-Huberman
(Saint-Etiènne, 1953), permite ampliar as cama-
35 Não é objetivo aqui tratar das de sentido para Circumambulatio35. De acor-
do denso pensamento do do com Didi-Huberman, a imagem para Warburg
historiador/filósofo Didi- é “aquilo que sobrevive de uma dinâmica e uma
Huberman. No entanto, ao tratar sedimentação antropológicas tornadas parciais,
do pensamento do historiador virtuais, por terem sido em larga medida destruí-
da arte Aby Warburg (Hamburgo, das pelo tempo” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 35).
1866-1929), traz para estas
páginas a espiral de modo Imagem e tempo têm relações complexas, que
instigante e ativador de outras se transformam com o desenvolvimento de
camadas. aparatos técnicos, tal qual o daguerreótipo, a

113
câmera fotográfica, o super-8, o vídeo e, antes,
o sismógrafo, aparelho que capta a vibração da
terra, criando registros gráficos.

É a partir da “imagem técnica de um


gravador dos movimentos invisíveis da terra,
o sismógrafo”, que estabelecerei algumas
aproximações (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 107).
Uma “sismografia dos tempos moventes” é o que
propõe Didi-Huberman a respeito de Warburg,
sendo o historiador sismógrafo aquele não
apenas atento aos movimentos visíveis, mas aos
invisíveis “que sobrevivem, que são urdidos sob
o nosso solo, que se aprofundam, que aguardam
o momento – inesperado – de se manifestar
subitamente” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p.112).

Aby Warburg tem como último grande projeto


a elaboração, a partir de 1924, do Atlas
Mnemosyne, uma série de painéis expositores
em que temas distintos de seu interesse são
apresentados em imagens de obras de arte,
artefatos, textos (WARNKE, 2010, p. V). Uma
montagem que, propõe Warburg, cria um
“dispositivo complexo, destinado a oferecer – a
abrir – as demarcações visuais de uma memória
inesperada [...]” (DIDI-HUBERMAN, 2013,
p. 401).

Diante do abismal projeto, o historiador,


como medida para não se perder, mantém em
perspectiva o seu grande tema de interesse, ou
seja, pesquisas sobre a influência da Antiguidade
nas obras do Renascimento. Mnemosyne
torna-se um “inventário de formas” em “um
movimento vivo” (Warburg, citado em DIDI-
HUBERMAN, 2013, p. 401).

Circumambulatio é, a seu modo, um


“inventário de formas”, orientado por uma
busca pelo centro, pela repetição e diferença
em seus surgimentos poéticos-históricos, por
exemplo, das formas espirais. No catálogo de
Circumambulatio, feito em parceria com Walter
Zanini por ocasião da montagem no MAC-USP
(1973) – que naquele momento funcionava no
prédio da Bienal de São Paulo –, Geiger escreve
sobre “imagens exemplares que sobrevivem

114
ainda no comportamento do homem moderno,
em sua língua e clichês, projetando esta
necessidade de centro das formas mais variadas
[...]” (GEIGER, 1973a).

A própria concepção do catálogo pode ser


aproximada da criação de um painel com
múltiplos tempos e imagens espiraladas. Walmir
Ayala, em junho de 1973, escreve que, para
aqueles que viram Circumambulatio ao vivo no
MAM, há um impacto “muito maior através do
catálogo da edição paulista”. Na compreensão do
crítico,

a montagem do catálogo, as fotos selecionadas, a


apresentação e os textos-legendas realizam a síntese
da ideia de Anna Bella Geiger [...] (AYALA, 1973).

Ayala compreende o trabalho de Geiger como


conceitual e considera o catálogo produzido pelo
MAC “integralmente a obra”.

A exploração das possibilidades de sentido


a partir das relações com a arte conceitual é
o objetivo da pesquisa referenciada de Dária
Jaremtchuk (2007), delimitado por ela como
trabalhos realizados na década de 1970, nos
quais as ideias são privilegiadas, o caráter de
experimentação, latente, e a requisição de um
público ativo, instaurada (JAREMTCHUK, 2007,
p.13).

Nessa perspectiva, Cristina Freire, pesquisadora


do MAC-USP, traz formulações instigantes em
Poéticas do processo. Arte conceitual no museu
(1999), que mostra a importância da montagem
de catálogos em trabalhos aproximados da arte
conceitual. Um exemplo são as publicações que
trazem instalações, obras transitórias no tempo e
espaço, nas quais há necessidade de criar formas
de registros que acompanhem os projetos artísti-
cos. Uma vez que as fotografias não são capazes
de mostrar por completo trabalhos instalativos,
a visão do espaço é fragmentária, sendo preciso
apresentar a ideia mobilizada no trabalho, “sem
necessariamente se reportar a um objeto tangível
presente na exposição” (FREIRE, 1999, p. 124).

115
116
117
A especificidade do catálogo produzido imagem 69
para montagem em São Paulo de páginas do catálogo de
Circumambulatio possivelmente está Circumambulatio
relacionada com a própria concepção produzido pelo MAC-USP
de museu instaurada pelo diretor Walter 1973
Zanini, à frente do MAC-USP entre os
anos 1963 e 1978, e seu incentivo para
criar o museu como “território livre e
experimental em plena ditadura militar”
(FREIRE, 2013, n.p.).

O catálogo, como parte integral da obra, é


uma forma de comunicar por outros meios
as ideias sobre o centro, trabalhadas no
processo que envolve Circumambulatio.
Com o layout criado por Geiger e Abelardo
Jacobino Santos, o impresso não traz
registros da montagem da exposição, mas imagem 70
algumas imagens e palavras que compõem apropriação de A Torre de Babel
a peça instalada no MAM-RJ e no MAC- (c.1563) de Pieter Bruegel
USP, sejam as presentes nas paredes, sejam frame audiovisual
as do audiovisual, ou de ambos. Circumambulatio

118
imagem 71 É pertinente uma atenção à página dupla central
Anna Bella Geiger e Ana Hortides do material, em que estão imagens das ações na
montagem de Circa lagoa de Marapendi, de solos terrestres/marinhos
2019 e uma apropriação de A Torre de Babel (c.1563),
Bienal de Istambul pintura a óleo de Pieter Bruegel, O Velho (?
fotografia de Gabriela 1525/1530 – Bruxelas, 1569). A torre do artista
De Laurentiis está no audiovisual, com um corte distinto.

Observo que há uma particularidade na


representação dessa versão de Torre de Babel de
Bruegel: a torre está colocada em um contexto
urbano (MANSBACH, 1982, p. 45), algo que
se dissipa nas manipulações da imagem para
seu uso nos materiais de Circumambulatio,
desde o original registrado e impresso em um
livro fotografado e, posteriormente, exibido em
foto ou slide. No audiovisual, é possível notar
algumas casas e pessoas, enquanto no catálogo
apenas a torre está visível.

O corte da cidade na imagem de Bruegel


demonstra menos um interesse pelos contextos
de produção das imagens apropriadas do
que uma procura pela repetição das formas
circulares, a permanência no inconsciente
coletivo das espirais, obliterando sentidos

119
históricos, antropológicos e culturais singulares.
Retomando as relações entre Circumambulatio
e a montagem de Circa em Istambul, as cidades
e as pessoas estão presentes. Voando sobre
o deserto, e ao notar as estradas brancas –
introduzidas na montagem –, Anna Bella Geiger
imagina que são caminhos que unem pessoas
que vivem no deserto. São caminhos que ligam
pequenas aldeias umas às outras. Do mesmo
modo, em Circa são

“reconstruídas” algumas ruinas, tanto de templos


(Babilônia) como de banheiros para mulheres (Judeia),
assim como das pirâmides baseadas em fotos
arqueológicas e em documentos sobre esses locais. imagem 72
Importante é que essa cultura surgida lá com Moisés, Anna Bella Geiger
Jesus e Alá é o berço da nossa Civilização. Ainda se montagem de Circa
crê e ainda se mata pelo predomínio de uma delas 2019
(GEIGER, 2019b). Bienal de Istambul
Fotografia de Gabriela
A instalação foi montada no prédio projetado De Laurentiis.
por Emre Arolat que, a partir de 2020, passou Publicado no catálogo
a abrigar o Museu de Pintura e Escultura de da exposição Anna Bella
Istambul. Ao entrar-se no prédio, é impossível Geiger:Brasil nativo/Brasil
desconsiderar as vistas das numerosas janelas. alienígena (2019/2020)

120
imagem 73 Da grande maioria delas, o que se pode ver do
Anna Bella Geiger exterior são trabalhadores, andaimes e estruturas
montagem de Circa inacabadas. Forma-se um canteiro de obras em
2019 meio às águas do Bósforo; prédios e mesquitas
Bienal de Istambul compõem a paisagem da região, que naquele
fotografia de Gabriela momento passava por um grande projeto de
De Laurentiis. reurbanização. A arquiteta e artista Laura Nakel
relata que “a transformação do antigo Armazém
n˚ 5, situado na orla da região de Karaköy, em
museu compartilha características com grandes
empreendimentos recentes, como o Puerto
Madero, em Buenos Aires, o Porto Maravilha, no
Rio de Janeiro, e o V&A Waterfront, na Cidade
do Cabo” (NAKEL, 2019).

A produção de Circa nesse local tem como efeito


um questionamento sobre as relações entre o
dentro e o fora do museu. A cidade em ruínas de
Geiger faz pensar nas construções de Istambul
e vice-versa. Como lembra Geiger, Circa lida
com “questões relativas à espiritualidade,
memória, história e estórias, em uma dimensão
de um espaço-tempo que se estende” (GEIGER,
2019b). Na cidade de Istambul, todas essas
questões ressurgem na própria estruturação

121
do espaço urbano, por vezes em dimensões
catastróficas. Nakel observa que na região do
museu ocorre “um processo que começa nos
anos 1990, no qual galerias e coletivos de arte
ocupam os antigos armazéns abandonados,
iniciando um processo de gentrificação da
região, intensificado com a chegada dos grandes
investidores privados” (NAKEL, 2019).

Na travessia entre continentes, as construções


de Circa ganham uma outra camada de
possibilidade: de uma transformação
esperançosa. Há uma terra escura que se sugere
úmida, colocada em pequenos retângulos ao
longo da instalação, como canteiros ou áreas
separadas para o cultivo. Para Ana Hortides,
“a inclusão de uma terra molhada, viva e
aparentemente fértil faz com que na montagem
da Bienal de Istambul a passagem do tempo
contenha um pouco mais de esperança no
que está por vir, prenúncio de construção
e transformação, apesar das catástrofes”
(HORTIDES, 2019). Anna Bella Geiger, com
suas passagens por tempos incertos, faz
imaginar espaços múltiplos e agonísticos,
elaborando uma poética vibrante e viva. Penso
que a montagem de Circa traz uma dimensão
aproximada de Circumambulatio em 1972.
Há uma aposta na vida e nas possibilidades de
transformação de si e do mundo, não por um
futuro utópico e distante, mas pela presença e
pelo compartilhamento dos espaços.

122
imagem 74
texto de Anna Bella Geiger para
revista Paper
Búzios
2016

123
124
Reentrâncias labirínticas

Como lembra Anna Bella Geiger, naquele


momento surge a seguinte ideia: “Eu estou
trabalhando com essa gente, e o resultado, seja
qual for, vou meter ele dentro do museu, como
exposição. Ele tem que entrar no museu. A
ideia de uma arte terra, algo que traz materiais
estranhos ao lugar, pela própria sujeira, por
estragar as coisas. E aquilo emplaca como
Circumambulatio” (GEIGER, 2018a).

Para apresentar as experiências da lagoa de


Marapendi dentro do museu, Geiger e os
estudantes não utilizaram apenas os registros,
como se poderia supor. Ao produzir a exposição,
escolhem elaborar, no MAM-RJ, uma expografia
labiríntica (JAREMTCHUK, 2007, p. 82) e inserir
uma série de fragmentos e textos que expandem
as camadas sensíveis para as ações. Entrar no
museu, trazer aquela “sujeira” do exterior, como
diz Geiger, é algo não usual naquele momento.
Dito de outro modo, dentre as ações realizadas a
partir do MAM, a maior parte não se desdobrava
em projetos para o interior do museu.

Após as ações na lagoa “há uma volta ao MAM”,


segundo Geiger. Ela e Frederico Morais – como
membros do Conselho Cultural – entendem
que aqueles alunos formavam um coletivo e
que, com eles e aquele material, “iriam retornar
para dentro do museu” (GEIGER, 2018d). Nesse
movimento, as imagens que vão compor o
ambiente-instalação são escolhidas e, entre elas,
a de uma mulher grávida.

A fotografia é de Thomas Lewinsohn; trata-se de


uma moça cujo companheiro havia sido preso
por portar uma pequena quantidade de maco-
nha. Ela, então, pediu ao fotógrafo registrar sua
barriga para que ela pudesse mostrá-la para o
rapaz. Lewinsohn explica que, envolvido naque-
le universo de Circumambulatio – e quando se
imagem 75 decide que aquilo iria se tornar uma exposição
página do catálogo de –, ele leva a fotografia para Anna Bella. Eles
Circumambulatio concluem que a imagem traz fortes significações
produzido pelo MAC-USP correlatas aos trabalhos realizados a partir da
1973 ideia de centro e que comporia a montagem.

125
A fotografia integra o catálogo de
Circumambulatio produzido pelo MAC-USP. Ali,
sobre a imagem, lê-se um trecho do poema de
João Cabral de Melo Neto, “O cão sem plumas”
(1949-1950):

Difícil é saber
Onde a terra
Começa da lama,
Onde o homem,
Onde a pele
Começa da lama
Onde começa o homem
Naquele homem

Os trabalhos da artista (identificação


intensamente problematizada por ela) e
psicanalista Lygia Clark são incontornáveis.
O dentro é o fora é o título de um de seus
Bichos, construído sem dobraduras no ano de
1963. Bichos (1960) são estruturas maleáveis
criadas em alumínio, com articulações que
permitem transformar suas formas a partir de
seu manuseio. Eles “não têm avesso”, são “um
organismo vivo” com o qual se estabelece uma
interação total, existencial. Na relação que se
estabelece com o Bicho “não há passividade,
nem sua nem dele” (CLARK, 1977, p. 248). Ao
descrever as sensações despertadas nas relações
com as obras da artista, Suely Rolnik diz que,
ao trazer a sentença “dentro é fora”, Clark ativa
“um dentro fora de mim, mas que curiosamente
me habita e ainda por cima me faz diferir de
mim mesma” (ROLNIK, 1998, p. 4).

Os debates sobre a construção do espaço surgem


como um problema privilegiado. Com os Bichos,
de acordo com Mário Pedrosa, e “refutando
uma visão puramente ótica”, Clark almejava
que o espectador fosse “jogado para dentro da
obra” para sentir, atuando sobre ele, todas as
possibilidades espaciais sugeridas pela obra. “O
que procuro”, ela dizia, numa profunda intuição
de realidade futura, “é compor um espaço”
(PEDROSA, 1986). Compor, construir, produzir
um espaço refere-se não a uma preocupação
isolada da artista ou do crítico, mas a um pro-
blema compartilhado naquele território artístico.

126
Lygia Clark, segundo Aracy Amaral, chegaria
da “total liberdade formal ao rompimento do
quadro e deste à sua integração no espaço real,
rompendo com o virtual...” (AMARAL, 1977, p.
313). Essa dimensão é sublinhada por Ferreira
Gullar no texto “Lygia entre o brinquedo e a
máquina” (GULLAR, 1977, p. 256), publicado
na Revista Arquitetura em 1964, no qual afirma
que, “partindo da experiência concretista,
Lygia Clark dá um passo adiante, ao romper
a unidade da superfície e, progressivamente,
fazendo-a desagregar-se como tal, para integrar-
se no espaço real, tridimensional. Daí surgem
os ‘bichos’ [...]” (GULLAR, 1977, p. 255). Essa
dimensão de integração, de produção do “espaço
real”, e não apenas do espaço no plano da obra,
relaciona-se diretamente com as relações entre a
arte e o público que marcam os debates sobre as
significações da arte nos anos de 1960.

Lygia Pimentel Lins nasce em Belo Horizonte


em 1920, em uma família tradicional de juristas.
O casamento aos 18 anos e a maternidade
de três filhos correspondem a um modelo de
feminilidade adequado aos padrões morais
daquele tempo/espaço. O nascimento do último
filho é experienciado como uma forte ruptura
de si, para a qual a retomada do desenho e
da pintura foram os caminhos buscados no
ateliê de Burle Marx, onde estuda entre 1947
e 1950. Ali, o “excelente mestre” ensina sobre
técnicas de pintura e desenho e a respeito de
“personalidades marcantes”, como Picasso,
Matisse e Mondrian (FABBRINI,1994, p. 19).

Estuda com Fernand Léger (Argenta, 1881 –


Gif-sur-Yvette,1955), Arpad Szénes (Budapeste,
1897 – Paris, 1985) e Isaac Dobrinsky (Makarov,
1891 – Paris, 1973). Em Paris, entre 1950 e 1952,
a artista Zélia Ferreira Salgado (São Paulo, 1909
– Rio de Janeiro, 2009) é, naquele momento,
importante na formação Lygia Clark e, em suas
palavras, “uma mulher extraordinária”, que lhe
propiciava “uma visão muito boa das coisas”.
Salgado foi, também, professora de Pape e
trabalhou no ateliê de Burle Marx por cerca
de três anos, até 1950. Sobre a experiência
didática, ela afirma: “O essencial com efeito

127
na educação não é a doutrina ensinada, é o
despertar” (SALGADO, 1987, p. 191)36. A ideia de 36 Sobre essas questões ver
um “despertar”, de um “acordar” para o mundo, Herkenhoff (2017).
é sublinhada por Lygia Pape e Anna Bella Geiger
na supracitada entrevista publicada no jornal O
Globo em 1971.

Sobre o curso Atividade/Criatividade, Lygia Pape


fala sobre “acordar” para a arte, enquanto Geiger
sublinha a preocupação em “despertar para a
percepção” dos “meios de manipulação da arte”,
“psíquica e fisicamente” (SWANN, 1971). Anna
Bella Geiger diz se tratar de um curso “sem
disciplinas, sem matéria, sem área determinada”,
por meio do qual se incita a percepção dos
alunos para o seu “inconsciente criador” e para
“a compreensão de que a arte é a liberdade
total de criação [...], sem modas ou estilos
inventados por um grupo”. Ela enfatiza que cada
um dos professores tem caminhos específicos,
e, no seu caso, manifesta-se um interesse em
ativar processos de invenção que transmitam
a sensação ao aluno de que “não deve haver
medo da sua imaginação, da sua invenção,
ou melhor, do desconhecido”(Geiger, citada em
SWANN, 1971, grifos meus).

Como enfatiza Geiger, o curso pode “ajudar cada


um a se perceber melhor” e, no entanto, não
necessariamente leva à formação de um artista,
algo que estaria em “outro plano”. Para ela, os
estudantes ali são como alguém no primeiro
ano de um curso de física, “que ainda não é um 37 Exibida pela primeira vez no
cientista e poderá não ser” (Geiger, citada em MAM-RJ e remontada na Bienal
SWANN, 1971). As palavras de Geiger explicitam de Veneza (1968), a obra foi
um pensamento mais amplo que circula a partir enviada para o museu carioca,
do MAM-RJ, de que o ensino é uma abertura ficando parada na alfândega,
para uma sensibilidade artística em sentidos sem nunca ter sido recuperada.
amplos e comprometidos com as práticas de Clark lembra que o trabalho,
conhecimento/criação de si. enviado ao “ferro-velho”,
havia custado “o preço de um
Dentro/fora do museu, dentro/fora de si, dentro/ apartamento em Copacabana”,
fora das práticas artísticas são combinações que a artista vendeu para
que se recolocam a todo momento nos debates construir o trabalho (CLARK,
brasileiros. A casa é o corpo37 de Lygia Clark 1987, p. 150), em uma anedótica
é uma situação de enorme relevância para tais explicitação das condições de
preocupações. Sobre o trabalho a artista diz: produção da arte no Brasil
naquele momento.

128
É uma estrutura de 8 metros de comprimento
como dois compartilhamentos laterais. O centro
dessa estrutura constitui-se de um grande balão
de plástico. As extremidades são fechadas com
elásticos, e as pessoas, ao se encostarem neles,
provocam as mais variadas formas. Ao penetrar no
labirinto, o visitante afasta os elásticos da entrada,
sentindo um rompimento semelhante ao de um
hímen complacente e tendo acesso assim ao primeiro
compartimento chamado “penetração”. Nessa cabine a
pessoa chega na “ovulação”, espaço igual ao anterior,
cheio de balões. Ao prosseguir, o visitante alcança o
amplo espaço central, onde é possível ver e ser visto
do exterior. Nesse local há uma imensa boca, através
da qual a pessoa entra na “germinação”, ali tomando
as posições que lhe convierem. De volta ao túnel,
continuando o passeio, penetra no compartimento
da “expulsão”, que, além de bolinhas macias de vinil
espalhadas pelo chão, possui uma floresta de pelos
pendentes do teto. Esses pelos começam muito finos
e se tornam gradativamente bastante grossos, e o
visitante vai abrindo caminho no escuro em meio a
essa massa peluda, de contexturas diferentes. Após
uma curva, a pessoa encontra um cilindro giratório.
Através da manipulação, o cilindro gira, e ela se vê
diante de um espelho deformante todo iluminado. É o
fim do labirinto (CLARK,1980, p. 34).

O corpo-casa de Clark é feminizado (ao menos


em relação aos códigos culturais dominantes
no Brasil na década de 1960) e faz menção ao
processo de gestação. O público é convidado
a adentrar o espaço, cujos sentidos simbólicos
trazidos pela artista são bastante associados às
suas experiências com o parto e as sensações
que ele desencadeia. Instigante na fala é a
menção ao rompimento do hímen, se con-
sideradas as situações histórico-político-culturais
que envolvem sujeitos como a própria artista.

Outro elemento relevante e relacionado a


corpos feminizados é a menção ao “hímen
complacente”. O hímen refere-se fisicamente
à “prega formada por membrana mucosa e
que fecha parcialmente o orifício externo da
vagina virginal”, de acordo com dicionário
Oxford (on-line). O Michaelis (on-line), por sua
vez, define-o como a “membrana que fecha

129
imagens 76, 77 e 78
Lygia Clark
A casa é corpo
MAM-RJ
1968

130
em parte a entrada da vagina da mulher e que
geralmente se rompe na primeira relação sexual;
cabaço”, trazendo o complemento sobre o hímen
complacente, “o que permite a penetração do
pênis, sem que se rompa”. A relação entre o
rompimento ou não da membrana e o sexo
delimita-se, sobretudo, como uma definição com
base em certos códigos de moralidade, efeito da
produção e regulamentação da sexualidade.

Simbolicamente o hímen atesta a pureza,


a virgindade exigida para as mulheres não
casadas, e marca os debates públicos entre
1920 e 1930. As discussões surgem em meio a
campanhas ostensivas pela suposta proteção da
honra das mulheres, com tons sensacionalistas
na imprensa e uma “himenolatria” (obsessão
pelo hímen) (CAULFIELD, 1996, p.168),
atualizando valores patriarcais herdados
do processo de colonização, em particular
na Capital Federal do Rio de Janeiro. As
regulamentações sobre a virgindade são de
extrema importância para a definição dos “tipos
femininos”, que variam entre as figuras da
“mãe-esposa-dona-de-casa” e da “prostituta”.
Normatizações que se formam como um ideal
moral e elemento de “posse material” (material
possession), ou seja, o hímen íntegro, como
sublinham as historiadoras Sueann Caulfield e
Martha de Abreu Esteves (1993, p. 55).

A posse material do hímen é tópico de uma


série de processos penais, nos quais, anunciando
interesses pela proteção das mulheres, acabam
por levá-las ao julgamento moral por meio
do questionamento de suas condutas (BESSA,
1994, p. 176). No Código Penal Brasileiro de
1940, define-se o crime de sedução: “seduzir
mulher virgem, menor de dezoito anos e maior
de catorze, e ter como ela conjunção carnal,
aproveitando de sua inexperiência ou justificável
confiança. Pena: reclusão de dois a quatro anos”
(BESSA, 1994, p. 175).

38 A autora trata desses Karla Adriana Martins Bessa, pesquisadora do


temas com base em processos Núcleo de Estudos de Gênero Pagu (Unicamp),
arrolados na cidade mineira de pensando sobre “o crime de sedução e as
Uberlândia entre 1950 e 1960. relações de gênero” (1994)38, diz: “uma das

131
condições ‘objetivas’ necessárias para a
caracterização do crime é a de que não basta
cogitar a existência de contatos íntimos [...]
requer-se que os sinais da relação sexual
estejam literalmente inscritos no corpo da
mulher, visíveis aos olhos dos médicos legistas”.
Investiga-se o tempo da ruptura do hímen e,
caso seja antiga, a mulher perde o direito ao
recurso judiciário. Afinal, uma mulher “de
bem” não demoraria a revelar a transgressão.
Em sentidos morais, a culpa do acusado é
inversamente proporcional à “‘complacência
da ofendida’, isto é, quanto mais complacente
a seduzida, menos culpado o sedutor”. A
complacência física do hímen, por sua vez,
suspende possibilidades de verificações físicas
(BESSA, 1994, p. 181).

Pesquisando os casos anteriores à tipificação do


crime de sedução, a historiadora Débora Souza
do Nascimento (2019) apresenta uma série de
arquivos nos quais o hímen complacente sur-
ge como importante informação nos relatórios
ginecológicos investigativos. Na tese Corpos vio-
lados: Crimes de defloramento na cidade de São
Paulo (1900-1932), leem-se trechos de laudos:

Examinamos às dezesseis horas hoje, no Gabinete


Médico Legal, a menor Angelina Amabile, com
quatorze anos de idade, branca, costureira, italiana,
filha de Miguel Amabile [...] com o fito de verificarmos
possível defloramento. Informou-nos a paciente que
não se acha deflorada e que resolveu submeter-se
exclusivamente para desfazer as suspeitas de sua
mãe. Disposta em posição ginecológica, verificamos
o seguinte: que o óstio himenal, de forma irregular
circular e pouco amplo, não permitindo sequer a
passagem da extremidade de um dedo mínimo.
Concluímos que Angelina Amabile não se acha
deflorada e que nem mesmo é portadora de hímen
complacente (Arquivo do Estado de São Paulo, Acervo
Polícia Técnica, Livro EO8012, 27 de maio de 1930,
citado em NASCIMENTO, 2019, p. 10).

As violências físicas e psíquicas compreendidas


a partir do relato são inúmeras. Angelina
Amabile é submetida a um processo inútil
apenas para satisfazer os anseios de sua

132
família, representada por uma figura materna
moralizante, assujeitada como guardiã da honra
familiar. Prende a atenção a minuciosa descrição
do hímen e a lembrança de não se tratar de um
daquele tipo complacente.

Lygia Clarck nasceu e foi criada em meio


ao controle sociomoral, médico e jurídico
sobre o próprio hímen. Ela, conjecturo, vive
39 ver p. 196 a despossessão39 diante do casamento e da
maternidade compulsórios, transforma as
experiências em motivo para a conversação com
os outros. O corpo-casa de Clark – considerando
a narratividade instaurada pela artista –
reverbera uma série de sentidos históricos em
relação à condição feminina, com a menção ao
40 Carmem Silva,“que informou hímen complacente. Debates que no momento
e formou a cabeça das brasileiras da realização de A casa é o corpo não se
durante algumas décadas” esgotavam, tendo variações entre cidades,
(CUNHA, 2001, p. 206), publica, classes sociais e grupos.
entre 1963 e 1985, a seção
“A arte de ser mulher” na De modo geral, é forte no pensamento nos anos
revista feminina Claudia, que, 1950 a ideia de que a não virgindade – entre
publicada pela Editora Abril, aquelas que pretendiam casar-se – deveria
está em circulação desde 1961. ser mantida em sigilo (BASSANEZI, 2007, p.
Sobre a atuação da psicóloga 610). Mentalidade bastante presente na década
na imprensa, ver Duarte (2002). seguinte, sendo que, um ano após a montagem
Sobre a revista Realidade, do trabalho de Lygia Clark, a psicóloga Carmem
saliento que se trata de um Silva (Rio Grande, 1919 – Volta Redonda, 1985)
marco no jornalismo brasileiro, publica na revista Realidade (1969) um texto
tendo sido fundada em 1966 que ironiza os desejos masculinos pautados em
pelo presidente da Editora Abril, valores como a virgindade (CUNHA, 2001, p.
Victor Civita (Nova York, 1907 206)40. No subtítulo “um defensor do lar e do
– São Paulo, 1990). A revista casamento”, Carmem Silva afirma que, àquela
adota posturas políticas mais à altura, 83% dos homens brasileiros exigem
esquerda ou à direita em suas casar-se com uma mulher virgem (SILVA, 1969,
diferentes fases e relativamente p. 207).
a distintos temas (PEREIRA,
JUNIOR, s./d.). Sublinho que é Em A casa é o corpo há de se romper o hímen
numa edição de 1971, sobre para poder penetrar o primeiro compartimento
a Amazônia, que a fotógrafa da obra, liberar-se do peso moral das
Claudia Andujar (Neuchâtel, convenções sociais. O “hímen complacente”
1931) publica pela primeira de Clark cresce em sentidos, considerando-se
vez suas emblemáticas fotos a materialidade do trabalho. O elástico – tal
do povo yanomami, que são como um hímen complacente – abre-se e, ao
de grande importância para as fim da passagem do participante, contrai-se.
histórias das visualidades no Não deixa vestígios da penetração, suspende
Brasil. as possibilidades de comprovação da pureza

133
virginal. Não há exclusividade na experiência
– como desejam homens assujeitados ao
machismo, pois ela pode ser repetida inúmeras
vezes.

No trabalho de Lygia Clark, o participante, diz


Ricardo Fabbrini, no livro O espaço de Lygia
Clark, “penetra o labirinto, como no coito a
vagina, rompendo os elásticos da entrada: a
membrana do hímen” (FABBRINI, 1994, p.147).
Espacialidades corporais labirínticas, que tam-
bém eram preocupação de Hélio Oiticica, como
se vê na coletânea de escritos do artista, Aspiro
ao Grande Labirinto (1986). As reentrâncias,
as cavidades, o interno e o externo em relação
contínua, são camadas de sentido para as formas
labirínticas.

Criações a partir do corpo como labirinto,


das vísceras como uma potencialidade para
a discussão de problemas artístico-políticos,
encontram ressonância nos trabalhos de Anna
Bella Geiger produzidos entre 1965 e 1969.
Viscerais, como as nomeou o crítico Mário
Pedrosa, são expostas pela primeira vez na
Galeria Relevo, no Rio de Janeiro, em 1967.
Ao se referir aos trabalhos de Geiger em 1967,
Pedrosa enfatiza suas qualidades e afirma que
a artista Geiger fez, “por conta própria”, uma
grande descoberta: “a realidade maior é a do
corpo”. Uma descoberta associada pelo crítico
ao seu “forte sentimento de maternidade”
(PEDROSA, 1996, p. 27).

A formulação do crítico é bastante sutil, se


comparada à de Flávio Macedo Soares, para
quem “as donas de casa que vivem reclamando
que os filhos não as deixam fazerem o trabalho
de casa direito deveriam mirar-se no exemplo
de Anna Bella Geiger, que tem quatro filhos e é
apesar disso umas das melhores gravadoras em
metal destes tempos tão confusos” (SOARES,
1968). No mesmo jornal Correio da Manhã,
em 1962, a coluna “A mulher e a notícia”
anuncia a premiação da artista no I Concurso
Interamericano de Grabado (1962), organizado
pelo centro cultural Casa de las Américas, em
Cuba. Os poucos parágrafos que compõem

134
o texto recordam como a vida no lar, com
seus quatro filhos, havia demandado quase
totalmente suas atenções, afastando-a das
atividades artísticas.

Em tons mais ou menos enfáticos, esses textos


sobre Geiger demonstram uma constante
singularidade quando se discorre sobre os
trabalhos das mulheres. A maternidade
é – ou pelo menos era naquele momento –
recorrentemente lembrada. Curiosamente, ao
ver uma série de corpos desmembrados, Mário
Pedrosa, associando-os à maternidade, não
imagina a possibilidade de uma experiência
de despossessão por ela causada. Corpos
dilacerados, vísceras expostas, constroem-
se como uma experiência dilacerante,
desconstituinte do centro/self. Anna Bella
Geiger, contou-me:

Tive quatro filhos, em três anos. Não é heroína não, é


falta de pílula mesmo. Difícil de criar... não é para isso
a entrevista, mas como era difícil, às vezes chorava,
ficava chorando em um canto, “o que eu faço?”, “o
que eu faço?”. Perguntar a quem? Vou perguntar isso
à minha mãe? A minha mãe não entendia por que
eu fazia arte... É tudo meio assim... difícil, difícil. Foi
muito difícil a ditadura aqui [...]

Comecei a ter filhos, eu carregava aquelas crianças


para lá e para cá [...]não é que era ótimo, mas eu ia
para o museu trabalhar no ateliê de gravura, para usar
o aço que eu não podia usar em casa. E quem tomava
conta dos meus filhos, naquela rampa do MAM [...]
era a Carmen [Portinho] e a Niomar [Sodré] (GEIGER,
2018a).

As palavras de Geiger sublinham que há relações


possíveis entre a maternidade e suas práticas
artísticas. Pensando-as conjuntamente, surgem
as histórias de amizade e companheirismo entre
mulheres, bem como o choro, a tristeza e a
solidão como fortes vivências.

Pedrosa, ainda no texto de 1967, não se furta a


expressar seu contentamento com a “passagem”
da artista da “abstração para as vísceras”. Con-
sidera-a como uma passagem “da gratuidade

135
tachista para a funcionalidade de uma pesquisa
em profundidade da realidade orgânica” (PE-
DROSA, 1996, p. 27). A crítica de Pedrosa corro-
bora as impressões de Anna Bella Geiger sobre o
pouco interesse do crítico em sua obra abstrata
(GEIGER, 2018a). A profundidade da realidade
orgânica, se pensada a partir das relações entre
maternidade e arte, ganha sentidos múltiplos.
Entram em circulação discussões sobre as pro-
fundezas do corpo materno, as possibilidades de
gestações da vida, violências efeito da materni-
dade compulsória, defrontação com o desconhe-
cimento de si, entre outras.

imagem 79
Anna Bella Geiger
As vísceras mergulham no
profundo azul do mar
1968

Em As vísceras mergulham no profundo azul


do mar (1968), órgãos do trato digestório
estão colocadas em meio a camadas variantes
de tons de azul. As profundezas do oceano,

136
que podem surgir como imagem para a
despossessão e, simultaneamente, como abertura
para imensidão. Anna Bella Geiger, em uma
entrevista sobre a exposição de suas Viscerais
na Galeria Relevo, diz estar “procurando novos
espaços, uma terceira dimensão para conter estes
órgãos e vísceras” (Geiger, citada em O Globo,
1967). Uma procura que se desdobra numa série
de ações mobilizadas pelas práticas pedagógicas
e artísticas. As travessias de Geiger seguirão
reformulando-se nos anos seguintes nas relações
com o MAM como um centro para ação e
criação.

É precisamente da experiência abstrata que


partem, transformando-se ao longo das décadas,
as discussões sobre as espacialidades nas
práticas artísticas e educacionais da artista. As
discussões a respeito da abstração em meio às
disputas sobre o moderno e a modernidade,
articuladas às preocupações com deslocamentos
radicalizados em relação à representação e
às possibilidades de constituição espacial,
foram destacadas por Geiger no livro, de sua
autoria, em parceria com Fernando Cocchiarale,
Abstracionismo geométrico e informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinquenta,
publicado em 1987. Conversando com a artista
sobre o tema, ela delimitou, assim como no
livro, aquelas que considera as três vertentes
importantes da abstração brasileira: os concretos
de São Paulo; os neoconcretos do Rio de Janeiro,
com seus embates a respeito do abstracionismo
geométrico; e, paralelamente, o abstracionismo
informal, centrado na figura de Fayga Ostrower
(GEIGER, 2018a).

Os primeiros núcleos de artistas abstratos


em São Paulo e no Rio de Janeiro, surgidos
no final dos anos 1940, são condenados por
diversos representantes modernistas nacionais.
Di Cavalcanti (Rio de Janeiro, 1897 – 1976) –
como lembram Geiger e Cocchiarale – acusa
a abstração de ser uma anarquia no aspecto
moral e filosófico. As críticas à abstração
situam-se, sobretudo, no campo ético-político,
“compreendido como lugar onde o sentido
último da obra se realiza”. O campo plástico-

137
formal é posto em segundo plano, de acordo
com as argumentações de Di Cavalcanti,
em ressonância ao pensamento da esquerda
brasileira naquele momento (COCCHIARALE;
GEIGER, 1987, p. 12).

Os abstracionistas, por sua vez, insistem, de


acordo com as discussões formais, na procura
por uma inserção na cultura visual brasileira.
Consideram que o compromisso social de artistas
como Candido Portinari (Brodósqui, 1903 –
Rio de Janeiro, 1962) e Di Cavalcanti não faz
com que desempenhem um papel renovador
no campo estético-formal. Circunscritos em
territórios heterogêneos, as oposições entre
figurativos e abstratos – que, em um primeiro
momento, são indispensáveis para a afirmação
da abstração – logo se deslocam para um
debate sobre os limites da própria abstração
(COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 12). 41 Nascida em Minas Gerais,
Maria Martins, cujo nome de
Nesse contexto, entrelaçam-se as batismo é Maria de Lourdes Faria
preocupações de Anna Bella Geiger quanto Alves, é filha do político João
às espacialidades modernas e a situação do Alves e estudou em colégios
espaço/das espacialidades em sua própria frequentados pela elite da cidade
poética: a aproximação com as compreensões de Petrópolis, Rio de Janeiro,
do abstracionismo informal da obra como onde passou sua juventu-
constituidora do espaço, a partir de uma de. Para além da prestigiada
ação liberada, cujo único princípio é a não carreira como artista, Martins
representação e uma abertura para expressão era mecenas, colecionadora e
da subjetividade do artista. Cada trabalho atuava como embaixatriz ao
se organiza considerando uma necessidade lado do esposo Carlos. Ela auxilia
expressiva interna e traz temporalidades Niomar Sodré na construção do
variadas de acordo com a estruturação espacial e MAM-RJ e participa ativamente
com o gesto registrado (COCCHIARALE; GEIGER, na realização das duas primeiras
2004, pp. 21-23). Essa dimensão expande-se e edições da Bienal de São Paulo
transforma-se dentro da poética de Anna Bella (CERCHIARO, 2020, pp. 245-258).
Geiger, em meio a uma série de debates sobre os
limites da abstração, do corpo e suas vísceras. 42 Há três versões da escultura
O impossível, as três datadas de
Entre os trabalhos viscerais está Masculino- 1944-1946. Uma delas, confor-
feminino (1967), que desperta uma associação me Raul Antelo, integra o acervo
com o trabalho de Maria Martins41. Mais do MoMA; outra, o acervo do
precisamente para uma versão em gravura da MAM-RJ; e a terceira – que não
sua conhecida escultura O impossível42 (1946). é feita de bronze, como as duas
Em O impossível há Masculino-feminino, duas primeiras, mas em gesso – está
figuras, colocadas lado a lado. Luana Saturnino no MALBA, em Buenos Aires
Tvardovskas, no livro Dramatização dos corpos: (ANTELO, 2013, p. 35.).

138
arte contemporânea e crítica feminista no Brasil
e na Argentina (2015), trata da importância de
Maria Martins no território artístico brasileiro,
destacando a participação da artista na
organização da I Bienal de São Paulo (1951)
(TVARDOVSKAS, 2015, p. 96). Martins, como
outros artistas que viviam na América Latina,
tais quais Remedios Varo (Anglés, 1908 – Cidade
do México, 1963) e Leonora Carrington (Clayton
Green, 1917 – Cidade do México, 2011), é
bastante próxima do movimento surrealista.

imagem 80
Anna Bella Geiger
Masculino- feminino
1968

Norma Telles, discorrendo sobre o tema, diz


que o surrealismo se construía com o desejo de
ultrapassar dicotomias e binarismos. De acordo
com a autora, entre os seus mais “importantes
focos de atenção estava o corpo, que era
desfeito em suas partes ou órgãos e refeito de
outros modos. O corpo fragmentado ou ausente
des-realiza a forma humana, recusa fixá-la
de modo estável” (TELLES, 2010a). Os corpos

139
retorcidos em O impossível fazem imaginar essa
des-realização da forma humana, a criação de
uma nova pele aberta às práticas de liberdade
(STIGGER, 2013, p. 33).

As gravuras, bem como as esculturas, são


produzidas na década de 1940, marcada pela
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), pela
violência, pelos questionamentos sobre os
limites da racionalidade e pelas possibilidades
de ativação do inconsciente – como desejam
os surrealistas. Na gravura de Martins, as duas
figuras de frente uma para outra – cada qual
com seus dentes, tentáculos, ramos – estão
num ponto de tensão entre os movimentos
de separação e aproximação. Os limites do
humanismo, do corpo, da racionalidade vibram
em O impossível, estabelecendo conversações
com autores ligados ao pós-estruturalismo,
como Michel Foucault (ANTELO, 2013, p. 50). A
arte, diz Maria Martins, é oposta à guerra, que
por centenas de anos esteve exclusivamente
relacionada às religiões, ou seja, “à comunhão
do homem em seu melhor entendimento”
(MARTINS, 2013, p. 206).

imagem 81
Maria Martins
O Impossível
gravura pertencente ao catálogo
numerado da exposição
realizada na Valentine Gallery,
Nova York, 1946

140
As palavras de Martins trazem algo próximo das
palavras de Geiger relacionadas à Circumambu-
latio, algo de espiritual na arte que, muito
anteriormente às instituições religiosas, se
relaciona com as explorações das possibilidades
de existência. Um procura por apreender o
universo, pensar sobre os princípios da vida –
assim como as Metamorfoses de Ovídio. Diante
do horror das guerras, dos autoritarismos, das
prisões e campos de concentração, o que é o
humano, o humanismo, a democracia?
(DAVIS, 2018; LEVI, 1988).

imagem 82 Perante a impossível aproximação e compreen-


trabalhos Viscerais, vista da são total da alteridade, a única coisa que resta é
exposição Anna Bella Geiger a violência, a aniquilação do outro, o aprisiona-
Brazilian Art Pioneer. mento e a tortura? Essas perguntas surgem no
Fran Hals Museum, contato com O impossível e rever-beram em
Haarlem, 2022 Masculino-feminino. Geiger produz as Viscerais
fotografia de João Mascaro em meio à vontade de superar o preciosismo da
técnica (GEIGER, 1967), envolta em embates que
teriam como efeito, poucos anos depois, a
reestruturação dos cursos do MAM, que, em uma
perspectiva mais ampla, tensionam os problemas
relativos ao moderno.

141
imagem 83
Anna Bella Geiger
Fígados conversando
1968

Há um modo de produção dos imaginários/


vida cujas práticas que engendram produzem
não apenas guerras em proporções globais,
regimes baseados na censura e na tortura, mas
estabelecem os limites do próprio corpo sexuado
em masculino e feminino. Enquanto em O
impossível as figuras se distinguem bastante,
em Masculino-feminino elas têm formas mais
aproximadas. Na gravura de Geiger, uma linha
branca bastante fina separa a figura da esquerda,
em tons de bege, vermelho e marrom, da figura
da direita, em tons de vermelho.

Os fragmentos corporais criados pela artista


podem ser tomados, nessa linha de sentido, não
como separados, mas juntos, formando uma
espinha dorsal, uma sustentação compartilhada.
Apesar das diferenciações de cores, as duas
figuras produzem a sensação de terem formas
aproximadas, espelhadas.

São duas figuras que compõem Fígados


conversando (1968) em uma imagem com versão
topográfica do corpo, que traz elementos tanto
da abstração informal quanto de trabalhos que
fará na década de 1970. Para Jaremtchuk, essa
obra, produzida em água-forte, “compõe-se de
duas formas iguais e invertidas extremamente
marcadas pelos limites da chapa e pela trama
de linhas internas. A nuance das cores contribui
para acentuar o volume” (JAREMTCHUK, 2007,

142
p. 72). Imaginam-se as entranhas expostas,
não de um, mas de dois corpos, que tentam
conversar. Pedaços de um e de outro corpo
que procuram estabelecer o território mínimo
da ação; estão na ilha deserta, no re-começo
do próprio corpo, após a dilaceração. Há nas
Viscerais, como em O impossível, camadas de
sentidos distintas que operam entre violência e
conversa, erotismo e morte, potencialidades de
recomeços e finitudes.

Nas análises realizadas em 1978, Fernando


Cocchiarale afirma que, a partir de 1965, Anna
Bella Geiger “rompe com a abstração”, colocan-
do figuras em suas gravuras cuja temática são os
órgãos humanos (COCCHIARALE, 1978, p. 14).
Recém-graduado em Filosofia na PUC-RJ (1978),
Cocchiarale estabelece relações entre as obras de
Geiger e as discussões de Gilles Deleuze e Félix
Guattari no livro O anti-Édipo: capitalismo e
esquizofrenia, lançado em 1972, na França, e em
1976, no Brasil.

Os escritos dos autores franceses constroem-se,


em muitos momentos, em tons de manifesto –
efeito das lutas estudantis e operárias do maio de
68 – e pretendem estabelecer uma crítica política
às práticas e pensamentos sobre a psicanálise.
Pouco frutífero para esta pesquisa adentrar-se
em tais questões – uma vez que o próprio autor
o faz –, sendo interessante, no entanto, marcar
que argumentações de Cocchiarale a partir de
Guattari e Deleuze articulam-se às preocupações
em analisar como a visceralidade é anunciada
nos trabalhos de Geiger (COCCHIARALE, 1976,
pp.14-15).

Seguindo as análises do crítico, tem-se que, em


trabalhos como Coração e outras coisas (1966),
43 Na edição consultada de opera-se a vontade de separar o órgão (coração)
O anti-Édipo há uma pequena do conjunto ao qual pertencia. Nas análises de
diferença de tradução: “O Cocchiarale há uma relação entre “as outras
desejo não para de efetuar coisas” referenciadas pelo título da gravura à
o acoplamento de fluxos noção de desejo trabalhada em O anti-Édipo.
contínuos e de objetos parciais Citando Guattari e Deleuze, diz que “o desejo
essencialmente fragmentários não cessa de efetuar o acoplamento de fluxos
e fragmentados” (DELEUZE; contínuos e de objetos parciais essencialmente
GUATTARI, 2010, p. 16). fragmentários”43.

143
O texto dos autores é aproximado das gravuras
de Geiger (COCCHIARALLE, 1976, pp. 12-16),
compreendidas como essas “partes” – órgãos
– que existem em relação ao “todo” – corpo.
Simultaneamente, cada uma das “partes” existe
em sua “totalidade”, sendo suas transformações
operadas em diferentes dimensões, internamente
– em relação a si próprias – e externamente –
em relação ao corpo, em fluxos de rearranjos
contínuos:

Bolsa de águas e cálculos do rim; fluxo de cabelo,


fluxo de baba, fluxo de esperma, de merda ou de
urina produzidos por objetos parciais, constantemente
cortados por outros objetos parciais que, por sua
vez, produzem outros fluxos também recortados por
outros objetos parciais44 (DELEUZE; GUATARRI, 2010, 44 A noção de objetos parciais
p. 16). é circunscrita à prática
psicanalítica, fundamental nas
análises de Melanie Klein (Viena,
1882 – Londres, 1960), com
quem os autores estabelecem
conversações múltiplas.

imagem 84
Anna Bella Geiger
Coração e outras coisas
1966

Coração e outras coisas (1966) explicita os


movimentos de Geiger em direção à figuração,
de acordo com Cocchiarale. Enquanto o coração
surge em uma figura, ainda que tímida, as “ou-
tras coisas” aproximam-se da abstração, em um
movimento traduzido pelo crítico como a saída
da própria abstração (COCCHIARALLE, 1978, p.
15). Perspectiva compartilhada por Maria Luisa
Tavora, em “Anna Bella Geiger: inquietações no
corpo fragmentado” (2000) e sua orientanda,
Istefânia Marcadini Rubino, em A visceralidade
na obra de Anna Bella Geiger (1965 -1969).

144
A polaridade abstração/figuração marca os
debates artísticos da década de 1960 no Brasil,
como salientam as formulações dos autores.
Daisy Peccinini dedica-se especificamente a tais
articulações no livro Figurações: Brasil anos 60
(1999), no qual relaciona diretamente Coração e
outras coisas à nova figuração. Jaremtchuk, em
direção aproximada, considera que o conjunto
das Viscerais de Geiger é influenciado pelos ares
da nova figuração (JAREMTCHUK, 2007, p. 69).

Historicamente, no Brasil, durante a segunda


metade da década de 1960, as perspectivas
oferecidas pela abstração não tinham como dar
vazão ao complexo de forças implementadas
após o golpe militar, como defende Luiz Renato
Martins, no texto “Nova figuração como
negação” (MARTINS, 2006, p. 63). Seguindo com
o historiador, observa-se que a nova figuração é
uma das possibilidades de elaborações poéticas
diante de um regime totalitário, na qual artistas
se apropriam da “ironia ácida da arte pop,
para fazer a crítica combativa” (MARTINS,
2006, p. 69).

Em uma camada pessoal/artística, a passagem


da abstração às vísceras é traduzida por Geiger
como um interesse em

[...] lidar com as partes do corpo cujo significado


simbólico, ou metafórico, tratava de uma
visceralidade [...]. Fiz vários cérebros, vários estômagos
e sobretudo o coração. Eu não tinha com quem
falar sobre isso e tampouco como solucionar a
interpretação, passagem de um desenho no plano
branco do papel para o que eu queria na gravura em
metal. E então me veio uma espécie de vontade total
de recortar, de fragmentar as partes que compunham
cor, forma, matéria, para em um próximo ato
reorganizá-las como num quebra-cabeças, por
superposições submetidas à pressão de uma prensa
[...] resultados dessa fragmentação quase infinita
em pedaços do que é possível na gravura em metal
(Geiger, citada em RUBINO, 2015, p.16).

A experiência com a gravura abstrata trans-


forma-se por meio da elaboração de figuras. A
prática física de embate com a materialidade da

145
construção de uma gravura, em suas diferentes
camadas de tinta, opera-se uma reconfiguração
da própria prática artística, transformada por
meio da realização de figuras e a procura por
seus sentidos simbólicos marcada na fala de
Anna Bella Geiger.

imagem 85
Anna Bella Geiger
Sem título
segunda metade da década de
1960

As transformações nas práticas da artista não se


manifestam, exclusivamente em relação à gra-
vura e ressoam em um trabalho Sem título feito
com nanquim e ecoline sobre papel recortado45. 45 Esse trabalho de Geiger não
Ali, em meio a uma paisagem fragmentária, pe- tem data precisa, mas de acordo
daços de corpos surgem entre manchas verme- com ela foi criado entre 1965 e
lhas. Três dedos tentam recuperar um pedaço de 1968, como parte dos estudos
carne que escapa – dimensão trazida pelo recorte viscerais.
do papel. Uma dilaceração que faz pensar nas
aflições da carne, imaginar as entranhas.
Glu, glu,glu (1966), de Anna Maria Maiolino,
traz possibilidades de sentido aproximada a esse
trabalho de Geiger. Anna Maria Maiolino nasce
na Calábria em 1942. As vivências na América

146
Latina iniciam-se aos 12 anos, ao mudar-se
com a família para a Venezuela. Aos 18 anos
chega ao Brasil e se instala no Rio de Janeiro. A
chegada ao país possibilita um encontro frutífero
com a explosão do neoconcretismo, seguida
pelas exposições Opinião 1965, Opinião 1966
e Nova Objetividade (1967), todas ocorridas no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Entre
1968 e 1971, Maiolino instala-se em Nova York,
onde fervilham as liberdades de experimentação
de suportes, meios e procedimentos no território
artístico (ROLNIK, 2001, pp. XVI-XVII).
No trabalho Glu, glu, glu, Maiolino traz
fragmentos de uma figura humana feita com
tecido estofado e colorido com tinta acrílica.

imagem 86
Anna Maria Maiolino
Glu, glu, glu
1966

147
A figura encontra-se sem olhos e com a boca
escancarada, cheia de dentes. Em seu pescoço,
leem-se as palavras que dão título ao trabalho,
escritas em branco, Glu, glu, glu. Trata-se
de uma onomatopeia que se associa – em
língua local – ao som produzido pelo ato de
engolir. Essa parte superior do corpo preserva
sua pele, o que não acontece com a parte
inferior. As entranhas, o sistema digestório, são
exteriorizadas por Anna Maria Maiolino, estão
sem a proteção da pele.

A obra remete a uma expressão que há no


Brasil: “engolir em seco”, que significa reprimir
uma reação, “ficar preocupado, nervoso, aflito”.
Glu, glu, glu tem como um de seus sentidos uma
referência à ditadura. Em português brasileiro, a
expressão “enfiar goela abaixo” (enfiar algo pela
garganta) significa a imposição de algo, um ato
autoritário, tal qual um Golpe de Estado.

Glu, glu, glu de Maiolino, A casa é corpo


de Clark, em como os Viscerais de Geiger,
são trabalhos que, por meio de um retorno
à figuração, relacionam-se às “formas de
tomada de consciência do corpo na arte como
matéria significante”. Para Maria Luisa Tavora,
a exploração do corpo está em conformidade
com “reflexão, protesto e resistência à opressão
imposta pelo regime militar, que calava vozes
de insatisfação”. A figuração naquele momento
constitui-se numa relação de “arte e política”
(TAVORA, 2001, p. 67).

O dilaceramento e a fragmentação dos corpos


humanos, como componente da violência, são
temáticas frequentes naquele período, afirma
Jaremtchuk, apontando para Artur Barrio
(JAREMTCHUK, 2007, p. 73). O artista nasce na
cidade do Porto, Portugal, em 1945, e migra com
a família para o Brasil aos 10 anos de idade.
Estudou na Escola Nacional de Belas-Artes da
Universidade do Rio de Janeiro e tem aspirações
políticas ligadas aos anarquismos (CALIRMAN,
2014, p. 81).

Em Situação...Orhhh...ou...5.000...T.E. ...em N.
Y. ... City...1969, o artista constrói um ambiente

148
no qual sacos com jornal, cimento, espuma
de alumínio e tinta vermelha transformam-se
em trouxas ensanguentadas (TE). Trata-se da
primeira parte do trabalho montado durante
46 O Salão da Bússola leva o Salão da Bússola – ou Salão dos Etc.46 – no
esse nome como referência ao MAM, em 1969. Durante um mês, o público foi
promotor da mostra, Aroldo convidado a interagir com a obra (CALIRMAN,
Araújo Propaganda Ltda., que 2013, p. 86; JAREMTCHUK, 2007, p. 41).
tinha como símbolo o objeto.
Os trabalhos expostos eram em
grande parte influenciados pela
nova figuração (JAREMTCHUK,
2007, p. 41).

imagem 87
Artur Barrio
Situação...Orhhh...ou...5.000...T.E.
...em N. Y. ... City...
1969

Colocadas dentro do museu, as trouxas


ensanguentadas, como corpos estripados,
lembram a violência da ditadura civil-militar,
incitam a pensar sobre as burocracias e
institucionalizações que sufocam não só a vida,
mas também a arte. A violência está instaurada
dentro do espaço institucional. Barrio, afirma
Jaremtchuk, mobiliza materiais baratos,
perecíveis, precários, condizentes, segundo o
artista, “com os aspectos socioeconômicos do
Terceiro Mundo” (JAREMTCHUK, 2007, p. 42).

As tripas de Barrio tensionam os valores que


produzem os espaços e os corpos, no interior das
instituições de arte e abrem possibilidades para a
formulação de um pensamento crítico à situação
político-social nacional. Em Situação... Orhhh...
imagem 88 ou...5.000...T.E. ...em N. Y. ... City...1969, a
cartaz do Salão da Bússola violência institucional é criticada a partir da
1969 suspensão de direitos, censura e truculência do
regime ditatorial.

149
Finalizada a exposição, a obra foi levada pelo
artista para o Aterro do Flamengo. Ao sair do
museu, Barrio acrescentou carne às peças, que
foram depositadas nos arredores do MAM Ali,
as peças chamaram atenção da polícia, que,
sem conseguir confirmar sua procedência com
o MAM, jogou-as no lixo (CALIRMAN, 2014, p.
86; JAREMTCHUK, 2007, p. 41).

Claudia Calirman, em Arte brasileira na ditadura


militar: Antonio Manuel, Artur Barrio, Cildo
Meireles (2013), afirma que o registro mais
significativo do trabalho é realizado no exterior
do museu. O fotógrafo César Carneiro capta
o momento em que o artista está agachado,
assinando a peça47. De acordo com Calirman, a 47 Sobre os registros
imagem produz um ato simbólico de reverência fotográficos da obra de Barrio,
à obra. ver o livro de André Mesquita,
Esperar não é saber: Arte entre o
Ainda que Barrio não tenha propriamente silêncio e a evidência (2015).
pedido autorização para colocar as peças do lado
de fora do MAM, o espaço institucional se fazia
presente naquele entorno. Sendo assim, a obra
estava sujeita às regulamentações do museu.
Nas palavras da autora: “a interação entre a
criação artística às margens da sociedade, de um
lado, e, de outro, a cumplicidade com o sistema
institucional, do qual todo artista dependia,
era algo que Barrio explorava continuamente”
(CALIRMAN, 2014, p. 86). Na situação política
da ditadura, as críticas às instituições, que
marcam o período no território artístico
internacional, estão envoltas na particularidade
de que aqui há poucos espaços consolidados
(JAREMTCHUK, 2007, p. 40)48. 48 De acordo com Jaremtchuk,
foram exibidas no Salão três
A atitude de Barrio é oposta à de Geiger em gravuras de Anna Bella Geiger,
Circumambulatio, assim como o espaço do MAM relacionadas ao momento
havia passado por considerável transformação abstrato. Em entrevista
em 1969, com a reestruturação dos cursos. Do concedida à autora (2012),
mesmo modo, a mudança de década aumenta Geiger afirma não se lembrar
as aflições sobre a ditadura, que não se sabe dessa participação, pois no
quanto durará. Pode-se dizer que Barrio, naquele período de realização da mostra
ano, leva a “sujeira” do museu para a ruae estava nos Estados Unidos
Geiger, três anos depois, leva a “sujeira” para (JAREMTCHUK, 2007, p. 40).
dentro do museu. Reafirma-se a preocupação de
Geiger em constituir o MAM como local para
a criatividade.

150
No mesmo ano de Situação...Orhhh...
ou...5.000...T.E. ...em N. Y. ... City...1969,
Geiger realiza Carne na tábua (1969), na qual,
como sugere o nome, tem-se a figura de um
pedaço de carne, construído em duas partes
separadas. A primeira feita com semicírculos em
tons amarronzados, alaranjados, esverdeados e
azulados está posto em uma prancheta como de
prontuários médicos ou burocracias em geral.
Uma outra parte é vermelha e está apoiada na
tábua, uma superfície amarronzada. Uma série
de cortes, a partir de diferentes ângulos, cria
espaços em branco, “uma certa agressividade da
ação permanece nessas arestas”, sustenta Tavora
(2000, p. 70).

imagem 89
Anna Bella Geiger
Carne na tábua
1968

Dilaceramento, tortura, burocracias se imbricam


na gravura. Tratava-se de um momento em
que “a carne estava literalmente na tábua” e
em cuja dureza objetivava-se com tratamento
rígido às formas (TAVORA, 2000, p. 70). Nas
palavras de Anna Bella Geiger, “há questões
que visceralmente estão ali não por conceitos a

151
priori ou por filosofias vãs. Dentro da situação
brasileira, é um momento de virar das tripas
coração mesmo, não é?”49(Geiger, citada em 49 O sentido das palavras
TAVORA, 2000, p. 68). Um despossuir-se, virar- de Geiger amplia-se ao ser
se do avesso, virar-se para as reentrâncias. considerada a expressão “fazer
das tripas coração”, que traz
sentidos de um esforço extremo
para agir na transformação
positiva de uma situação-limite
de adversidade.

imagem 90
vista da exposição AI5 – 50 anos
– não terminou de acabar
Tomie Ohtake
2018
fotografia de Ricardo Miyada

Em Circumambulatio a fragmentação reelabora-


se como procura por um centro/self “que não se
esgotava em nenhum momento e em nenhuma
das partes do trabalho” (JAREMTCHUK, 2007, p.
85). Movimentação para a vida é o que instaura
o ambiente-instalação, uma vida não una, mais
potencialmente múltipla; lembrando Babel, a
destruição e a construção são simultâneas. A
vida que surge de forma inegável na fotografia
de um corpo grávido. Voltar ao museu, trazer as
experiências compartilhadas para aquele local, é
uma procura por transformar o próprio espaço,
alargar suas possibilidades. Circumambulatio
é um processo que envolve as experiências
de cada participante naquela relação coletiva.
Dentro do museu, torna-se exposto, público
e pode ampliar seus compartilhamentos, em
tempos em que o autoritarismo pretende sufocar
as experiências, liberdade para imaginar a
imensidão.

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173
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Capítulo 02 - Experimentações críticas:
situações/limites/passagens

1 De uma perspectiva da Atuo em SITUAÇÕES-LIMITES1, como chamo certas


gramática da língua portuguesa, condições de possibilidades ou impossibilidades de
a expressão usual seria um modo de ser
situações-limite. No entanto,
todos os documentos da época
trazem grafado no plural ambas As considerações de Anna Bella Geiger referem-
as palavras, sendo por vezes se à exposição realizada no MAM no ano de
hifenizado, e por vezes não. 1975, cujo título – Situações-limites – constitui
Nas publicações recentes os um importante problema nas práticas da artista.
títulos das obras são grafados A expressão pode ser compreendida como o
como “situações-limite”. Dessa nome utilizado para uma série de trabalhos
forma, aqui foram mantidas as operados por travessias entre as mídias, em
diferentes grafias para exposição especial, a partir de 1973. Da mesma maneira,
e obras. faz referência à intolerável realidade política da
ditadura brasileira (FITCH; DINANT, 2012, p. 64).

A articulação entre situações e limites, antes de


ser título da exposição de 1975 no MAM, surge
no repertório da artista intitulando um trabalho
de fotomontagem formulado em quatro partes
em 1974. Adolfo Navas defende que palavras
escolhidas por Geiger como títulos de exposições
e obras são, muitas vezes, “conceitos operativos”
(NAVAS, 2007, p. 17). Eles “se reportam
semanticamente a campos artísticos específicos,
como também a toda uma cartografia conceitual
de rica simbologia, a uma navegação artística de
formas e interesses que não deixam de aparecer
de maneiras diferentes” (NAVAS, 2007, p. 17).

A mostra Situações-limites é o ponto de partida


deste capítulo e traz perguntas relativas aos debates
e disputas que envolvem um projeto estético-
político para o MAM-RJ, perguntas sobre a
posição do artista no sistema das artes, indagações
sobre a produção de fronteiras (geográficas,
artísticas, psíquicas) e formulações imagéticas
para a “exibição de si”. De uma perspectiva
interna sobre processos artísticos e educacionais
elaborados por Anna Bella Geiger, a exposição
abre importantes linhas de sentido.
imagem 1
Anna Bella Geiger A criação da mostra ocorre com base em “uma
série Passagens (fotografia) pesquisa feita no Setor de Integração Cultural do
1975 MAM”, na qual a preocupação com a crítica é de

175
176
grande importância. Geiger observa que o “ca-
ráter crítico” não é uma “abordagem temática”,
mas ocorre pelos “próprios meios usados”, como
vídeos, cadernos e fotografias (Geiger, citada em
SILVA, 1975). “É importante compreender que
o Setor de Integração Cultural visa estabelecer
diálogos consistentes entre os cursos e o acervo
do Museu”, escreve a artista em um documento
interno da instituição datado de março de 1972.

O objetivo é a integração entre seus sistemas de


informação – biblioteca, cinemateca, arquitetura
–, bem como entre o Museu e aqueles que o per-
correm ou o frequentam, explica Geiger (1972b).
Considerações apresentadas igualmente na
comunicação da artista durante o VI Colóquio
de Museus de Arte do Brasil, quando defende
“tornar cada vez mais o MAM um centro cultu-
ral e artístico, podendo influir de maneira mais
efetiva no nosso meio cultural artístico” (GEI-
GER, 1972a).

A vontade manifesta de Geiger em ampliar a


relevância da instituição e a compreensão da
importância de uma integração entre o acervo
e os cursos do MAM articulam-se na propos-
ta da artista de um laboratório experimental.
imagem 2 e 3 Durante a fala no colóquio, ela estabelece que
folder (frente e verso) da o laboratório, no qual os processos artísticos
exposição Situações-limite seriam desenvolvidos, deveria ser composto de
MAM – RJ artistas, professores, psicólogos, educadores e
1975 sociólogos. O laboratório traria uma relação total
artista-obra-público, com o objetivo principal de
2 Frederico Morais explica combater a inércia do sistema artístico (GEIGER,
que, “no âmbito do setor de 1972a).
cursos, a UE era para ser um
laboratório pedagógico visando As posições de Geiger ressoam a proposta de
a novas propostas de ensino. Cildo Meirelles (Rio de Janeiro, 1948), Guilher-
Para o grupo idealizador da me Vaz (Araguari, 1948 – Rio de Janeiro, 2018),
UE, o tato, o olfato, o gosto, a Luiz Alphonsus (Belo Horizonte, 1948) e Frederi-
audição e a visão eram formas co Morais, que fundam a Unidade Experimental
de linguagem, de pensamento em 1969. No artigo “Um laboratório de van-
e de comunicação. Encarada guarda” (1969), o crítico anuncia como uma das
como laboratório de linguagem, motivações da iniciativa a “evolução” da “ideia
a UE pretendeu explorar ao de acervo e/ou exposição (que não se excluem,
máximo a capacidade lúdica do porém, não se limitam a isso) para outra mais
ser humano” (MORAIS, 2017b, ampla e rica, que é ser um local onde se dão
p. 237). situações artísticas” (MORAIS, 2017a, p.146)2.

177
imagem 4
documento do Setor Integração
Cultural
MAM-RJ
1972

O artista Luiz Alphonsus diz: “Nosso


pensamento em cima da Unidade Experimental
eram os trabalhos experimentais que a gente
estava fazendo. A ideia era discutir sobre as
experiências, os trabalhos, os pensamentos. Essa
era a Unidade Experimental” (ALPHONSUS,
2017, p. 226). A relação direta entre produção
e circulação, obra e espaço expositivo, indicada
na fala de Alphonsus, é também preocupação
presente na realização de Situações-limites.

A expressão refere-se às condições de


possibilidade e impossibilidade que instauram
um modo de produzir arte. Uma formulação
estabelecida no interior da prática artística

178
de Geiger, relacionando-se diretamente aos
processos de passagem de um fazer artístico
moderno, ligado à abstração informal, para
algo desconhecido até aquele momento. A
experimentação surge entre esses artistas como
forma de pensar amplamente sobre o sistema das
artes.

Concepção presente no pensamento de Hélio


Oiticica, cujo trabalho tem grande influência
nas reflexões sobre arte no Brasil e tem o tema
do experimental como problema destacado. No
texto “Experimentando o experimental” – escrito
em 1972 e publicado dois anos depois –, ele par-
te, também, de suas próprias práticas artísticas e
afirma que o termo não se refere a “uma arte ex-
perimental”, mas a um campo de possibilidades
a ser explorado por meio da arte (Oiticica, citado
3 Na procura de estabelecer uma em REINALDIM; SOMMER, 2020)3.
compreensão mais ampla sobre
o experimental na arte brasileira, Em entrevista a Ivan Cardoso, durante as
destaca-se uma publicação: filmagens de HO (1979), o artista completa:
REINALDIM; SOMMER, 2020.
Os pesquisadores estabelecem experimental é justamente a capacidade que as
como ponto de partida “as pessoas têm de inventar sem diluir, sem copiar, é
zonas fronteiriças da passagem a capacidade que as pessoas têm de entrar num
‘moderno-contemporâneo’ na estado de invenção, que é o experimental, e ele tem
arte brasileira”, focando nos a tendência de ser simultâneo, há tantos níveis de
escritos de Mário Pedrosa e experimentalidade quantos indivíduos pode haver
Oiticica e em eventos ocorridos (Oiticica, citado em FIGUEIREDO; ROSLER, 2008,
no MAM entre 1976 e 1978, p. 39)4.
particularmente aqueles ligados
à Área Experimental no MAM, A ênfase na individualidade trazida na fala de
que será abordada. Oiticica trata de pensamentos de abandono dos
“ismos” modernos, questionador dos modos de
4 Entrevista a Ivan Cardoso fazer arte em dimensões estéticas e políticas
realizada em 1979, durante as descentralizadas.
filmagens de HO.
Em uma perspectiva histórico-cultural faz-se
necessário dimensionar aspectos das discussões
sobre arte no Brasil dos anos 1960. Aracy Ama-
ral, em Arte para quê? A preocupação social na
arte brasileira, 1930-1970, que tem a primeira
publicação em 1984, retoma o pensamento do
crítico Ferreira Gullar (São Luís, 1930 – Rio de
Janeiro, 2016). Amaral escreve sobre “a fun-
ção do artista”, considerando o texto do crítico
“Cultura posta em questão” (1964): “o artista

179
exercerá função social na medida em que tenha
consciência de sua responsabilidade coletiva”
(Gullar, citado em AMARAL, 2006, p. 327).

Como sabido, Gullar foi presidente do Centro


de Cultura Popular (CPC)5, constituído em 1962 5 Estão na formação do CPC
no Rio de Janeiro por intelectuais de esquerda Oduvaldo Viana Filho, o cineasta
e associado à União Nacional dos Estudantes Leon Hirszman e o sociólogo
(UNE), cujo objetivo centrava-se em criar e Carlos Estevam Martins
divulgar uma “arte popular revolucionária” (CALLICHIO, sd). Carlos Estevam
(CALICCHIO, sd). Roberto Schwarz recorda que Martins (Rio de Janeiro, 1934-
no momento pré-Golpe, o CPC no Rio de Janeiro 2009), primeiro presidente do
leva teatro político improvisado a fábricas, CPC, escreve em 1962 e publica
sindicatos, grêmios estudantis, favelas, lança no ano seguinte “Anteprojeto
discos e faz cinema (SCHWARZ, 1978, p. 21). do manifesto do CPC”, no qual
afirma que “o que distingue os
O caráter paternalista das ações do CPC é artistas e intelectuais do CPC dos
sublinhado por Heloisa Buarque de Holanda demais grupos e movimentos
(1992)6. No entanto, diz Holanda, a noção de existentes no País é a clara
“arte popular revolucionária” relaciona-se com compreensão de que toda e
as demandas diante da efervescência político- qualquer manifestação cultural
cultural e poética do momento. Assim, “apesar só pode ser adequadamente
de seu fracasso enquanto palavra política e compreendida quando colocada
poética, conseguiu, no contexto, um alto nível sob a luz de suas relações com
de mobilização das camadas mais jovens de a base material sobre a qual se
artistas e intelectuais” (HOLANDA, 1992, p. 28)7. erigem os processos culturais de
superestrutura” (Martins, citado
Os efeitos dos pensamentos gestados pelo em AMARAL, 2006, p. 319).
CPC podem ser localizados nas disputas e
conceituações sobre uma arte de vanguarda 6 Texto adaptado da tese
no Brasil durante a década de 1960. Paulo defendida em 1978, na
Reis, historiador, destaca textos, publicados à Faculdade de Letras da UFRJ, sob
época, sobre o tema: “Situação da vanguarda orientação de Afrânio Coutinho.
no Brasil” (1966), “Por que a vanguarda
brasileira é carioca” (1966), de Frederico Morais; 7 Nesse ponto é interessante
“Notas sobre a vanguarda e conformismo” considerar as palavras do
(1967), de Roberto Schwarz; “Vanguarda e sociólogo Marcelo Ridenti,
subdesenvolvimento” (1969), de Ferreira Gullar para quem “as críticas ao CPC
(REIS, 2006, p. 12). em geral tomam por base o
‘Anteprojeto do Manifesto do
No texto coletivo “Declaração de princípios CPC’”, e foram cada vez mais
básicos da nova vanguarda” (1967), publicado tensionadas internamente
na ocasião da exposição Nova objetividade após a saída de Carlos Estevam
brasileira, lê-se que o movimento “adotará todos Martins. Continuava-se, porém,
os métodos de comunicação com o público, do “a defender uma arte nacional
jornal ao debate, da rua ao parque, do salão à e popular, voltada para a
fábrica, do panfleto ao cinema, do transístor conscientização política, o que
à televisão”. Entre os assinantes do manifesto levou sobretudo alguns cineastas

180
a buscar outra alternativa de estão Oiticica, Lygia Pape, Anna Maria Maiolino,
arte politizada e esteticamente Lygia Clark, Frederico Morais.
revolucionária, caso de Carlos
Diegues” (RIDENTI, 2014). Vale trazer as considerações de Celso Favaretto
sobre a Nova objetividade. Ele explica que
Oiticica

identificou o conjunto das várias experiências de


vanguarda que vinham se apresentando em uma
série de exposições [...] que culminam na Nova
objetividade brasileira, um balanço das correntes
de vanguarda que vinham se desenvolvendo,
principalmente depois do golpe de 1964
(FAVARETTO, 2007, p. 90).

Favaretto lembra as palavras de Oiticica sobre


as produções experimentais e vanguardistas
com ênfase na “diferença brasileira”: aqui “não
se distinguiam os modos de efetivar programas
estéticos e exigências ético-políticas, fazendo
coincidir inconformismo estético e inconformis-
mo social” (FAVARETTO, 2007, p. 90).

O desejo vanguardista manifesto nos anos


1960 tem sido, de muitas formas, tensionado.
As contradições entre um movimento que
“nega a importância do mercado de arte”
(1967), formado, em sua maioria, por figuras
da elite financeira, são evidentes. No entanto,
tais discussões são constituidoras dos
enfrentamentos artísticos no Brasil, mobilizando
um pensamento sobre o experimental.

Em “Depois das vanguardas”, conferência


ministrada na FAU-USP (1981), Otília Arantes
observa que, entre 1965 e 1969, “boa parte dos
artistas brasileiros pretendia, ao fazer arte, estar
fazendo política”. E, após o primeiro momento
do Golpe, intelectuais e artistas estabelecem a si
próprios como agentes da resistência à repressão
do Estado (ARANTES, 1983, p. 5).

Arantes defende o “caráter vanguardista e


pioneiro” daqueles anos e, sublinhando os
pensamentos de Oiticica, caracteriza-os pelo
abandono das imposições de “um acervo de
ideias e estruturas acabadas ao espectador”,
assim como uma abertura para o descobrimento

181
e a criação de objetos, “na tentativa de instaurar
um mundo experimental onde os indivíduos
pudessem ampliar seu campo imaginativo”
(ARANTES, 1983)8. 8 Nesta pesquisa não trabalharei
mais amplamente sobre o
Na década de 1960, discussões intensas mar- problema da vanguarda no
cam divergências entre a “arte revolucionária” Brasil. É importante considerar,
do CPC e o “experimental” da autointitulada porém, mesmo que de
vanguarda, Heloisa Buarque de Holanda afirma, modo esquemático, tal qual
entretanto, que “supostos adversários, o experi- formula Otília Arantes, três
mentalismo formal e as propostas da arte popu- momentos que, “de certo modo,
lar revolucionária criam uma forte tensão”, que, reproduzem o projeto das
de uma perspectiva histórica, fomenta a produ- vanguardas históricas escandido:
ção cultural brasileira (HOLANDA, 1992, p. 37). 17/32 — cubo/futurista; 45/60 –
abstrato/concreta (ainda no filão
do construtivismo); 65/69 (74?)
– dadaísta/pop (sem abandonar
inteiramente esta componente
construtiva dos momentos
anteriores)” (ARANTES, 1983).

imagem 5
capa da revista Malasartes nº3
1976

As condições de possibilidade para os debates


são desarticuladas com a promulgação do
AI-5. Nas análises de Celso Favaretto, “a
vigorosa atividade que tensionava as relações
entre experimentalismo e política, vanguarda
e participação, foi interrompida com o
recrudescimento da censura, com as prisões e

182
o exílio, forçado ou não, de muitos artistas”
(FAVARETTO, 2019, p. 8).

Os debates sobre a experimentalidade marcam a


criação da Área Experimental no MAM. Criada
em 1975, em meio a negociações e disputas
entre artistas, executivos e diretoria, estabelece-
se como “zona de criação que alimentou uma
geração de artistas cujas obras não tinham mais
relação com os parâmetros tradicionais da arte –
fossem os suportes, fossem os materiais, fossem
os discursos empregados por eles” (COELHO,
2013, p. 11). Cerca de quarenta exposições foram
realizadas como parte do programa da Área,
cujas atividades se encerram com o incêndio no
museu em 1978.

Fernanda Lopes, no livro Área experimental


(2013), afirma, em sua análise, que os debates
e a falta de consenso a respeito do conceito
de experimental para o projeto do MAM
resultaram na decisão de não o atrelar à escolha
dos suportes – vídeo, fotografia, pintura ou
outro qualquer. Experimental delineia-se
então, precisamente, como a atitude de pensar
criticamente os suportes, numa intersecção
entre os debates sobre a estruturação e o fun-
cionamento dos espaços artísticos, a sociedade e
os sistemas de poder (LOPES, 2013, p. 49).

9 Com apenas três números, Anna Bella Geiger, àquela altura, não era
editados entre setembro mais parte do Conselho Cultural do Museu,
de 1975 e junho de 1976, cultivando, entretanto, a preocupação com
a revista “tomava para as diretrizes da instituição. Sobre a Área
si a função de analisar a Experimental, ela escreve um artigo para a
realidade contemporânea da revista Malasartes (1976)9. Intitulado “Sala
arte brasileira e de apontar experimental”, é assinado por Geiger, Paulo
alternativas”. Eram editores Herkenhoff (Cachoeiro de Itapemirim, 1949) e
os artistas Carlos Vergara, Ivens Machado (Florianópolis, 1942).
Carlos Zilio, Cildo Meireles,
José Resende, Luiz Paulo O texto traz um tom crítico, a começar pelo
Baravelli, Rubens Gerchman título, afirma Lopes. A autora observa que
e Waltercio Caldas, o crítico “Área” é um espaço sem limites físicos, algo
de arte Ronaldo Brito, além que pode viver em diferentes lugares. “Sala”,
do poeta e letrista Bernardo contrariamente, restringe-se a um lugar fixo,
Vilhena” (LOPES, 2013, p. pré-delimitado (LOPES, 2013, p. 55). No texto,
23). O texto está incluído em Geiger sustenta seu interesse em discutir e
Ferreira e Cotrim (2006). transformar o “próprio conceito e, portanto,

183
função do Museu” (GEIGER, 1976). Anna Bella
contou-me que interessava a eles ocupar todo o
espaço do Museu. O texto, escrito em 1976, diz
ela, tinha o intuito de uma crítica à delimitação
desse espaço “experimental” – apenas o terceiro
andar do Museu (GEIGER, 2019a).

A experimentalidade – em confluência com os


pensamentos de Oiticica, Morais, Alphonsus,
Meireles – refere-se a uma situação de
produção e circulação da arte. No texto da
Malasartes Anna Bella Geiger posiciona o MAM,
historicamente, no sistema das artes. Considera
que o Museu pode surgir como uma “alternativa
à situação cultural concreta vigente” (GEIGER,
1976), que apresenta “defasagem resultante da
importação de modelos culturais de discussão”,
“dependência cultural” e as tentativas de
“intervir de uma maneira ou de outra no seu
[da arte] trajeto” (GEIGER, 1976) – referindo-se
à tensão entre os artistas e a direção do Museu
sobre a Área Experimental.

Encerrando sua participação no artigo, questiona


o que se pretende com a criação de uma área
experimental. Haveria nessa iniciativa apenas a
necessidade de cumprir a programação anual da
instituição e uma vontade de, “junto a acervos
imprecisos e impressionistas, impressionar o
público com uma história da arte contada pelo
seu status e aparência” ou “discutir o próprio
conceito e função de um museu” (GEIGER,
1976). Houve no MAM, em 1976, a mostra “Um
século de pintura em Paris: do impressionismo
ao contemporâneo” (1976), sendo esse talvez
mais especificamente o alvo de suas palavras.
Geiger assina, ao lado de artistas como Lygia
Pape, Tunga, Paulo Herkenhoff e Cildo Meireles,
uma carta na qual relatam “gravíssimas
ocorrências” durante a montagem dos projetos
da Área e pedem que os próprios artistas passem
a administrá-la, afirmando haver boicote ao
projeto pelo diretor de exposições, Roberto
Pontual (LOPES, 2013, pp. 57-58).

Apesar de algumas fontes incluírem Situações-


-limites no programa da Área Experimental,
Anna Bella afirma não ser esse o caso. Na pro-

184
posta da exposição e nos documentos do setor
de divulgação do MAM, não há menção alguma
à Área Experimental, diferentemente do que
ocorre com os projetos de outras artistas, como
Lygia Pape, Leticia Parente e Amélia Toledo.

Como observado até aqui, Anna Bella Geiger,


entretanto, expressava forte interesse na cons-
trução de um espaço de experimentação para as
práticas de uma arte não mais moderna, e sim
contemporânea (GEIGER, 2019a, pp. 23-28), sen-
do que Situações-limites é criada dentro do MAM
e com base nas discussões fomentadas ali. De
acordo com Galciane Neves (2016), Anna Bella
Geiger expressa em seus textos uma atuação
institucional e educacional no MAM, bem como,
em sua prática estética, o intuito de “alargar os
ambientes institucionais e propor reavaliações
em seus domínios” (NEVES, 2016, p. 106).

As preocupações sobre a função do artista e


das instituições de arte surgem a todo tempo
nas obras e nas atuações institucionais de
Geiger. Questionando a posição do artista –
em um release da mostra –, Geiger declara a
impossibilidade de se manter a relação do artista
com o sistema da arte. E, simultaneamente,
indaga sobre a função do artista na atualidade
do país (GEIGER, 1975b). O fortalecimento das
instituições de arte no Brasil – sem que sejam
completamente determinadas por modelos
estrangeiros e pelo mercado – é algo marcante
nos debates instaurados a partir do MAM na
década de 1970. As formulações sobre as formas
de atuação na/da instituição, tanto em relação
a suas estruturas, quanto em relação ao público,
expandem-se com a proposta Situações-limites.

185
186
“A imaginação é um ato de liberdade”: passagens
entre o moderno e o contemporâneo

Na cartografia conceitual criada por Geiger, os


conceitos operados na década de 1970 estão
intimamente relacionados com as discussões
sobre as passagens entre o moderno e o contem-
porâneo na arte, suas situações e seus limites.
imagem 6 Situações-limites, antes de ser título da expo-
Anna Bella Geiger sição de 1975 no MAM, surge no repertório da
série Situações-limites artista intitulando um trabalho de fotomontagem
1974 formulado em quatro partes em 1974. Obras que
vista da exposição AI5 – 50 anos misturam imagens apropriadas, por exemplo, de
– não terminou de acabar revistas nas quais houvesse “essas situações de
Tomie Ohtake passagens muito estreitas”, e outras feitas em
2018 seu ateliê, como no caso de um serrote sobre
fotografia de Ricardo Miyada uma mesa de mármore (GEIGER, 2018d).

187
As quatro fotomontagens são compostas pelos
seguintes textos:

Seu lugar no universo é um modo de ser

Revelações:
1 – Passagens como (situações-limites)
2 – Abolir polaridades
3 – Iminência de passar

A imaginação é um ato de liberdade

Geiger explica que há “uma lógica” nessa


composição textual: “Eu vou dizendo, ‘seu lugar
no universo é um modo de ser’”. E continua
embaixo: “A imaginação é um ato de liberdade.
Quando falei essa frase, Mário Pedrosa adorou”
(GEIGER, 2018d).

A seriação de Situações-limites traz o texto imagem 7


como um elemento comum na composição de Lygia Pape
suas quatro partes, em repetições com pequenas Poema Xilogravura
alterações. Em cada uma delas há marcações e 1957
cortes que indicam seu assunto, explica a artista
(GEIGER, 2018d). As palavras criam direções
para a construção de sentidos para os trabalhos,
sem encerrá-los em uma definição fixa. No-
vas leituras, textos e imagens transformam-se
com um movimento de olhar repetidamente. Os

188
10 Nesse mesmo ano, 1957, significados se recolocam tanto de uma perspec-
Pape cria Livros-poemas. tiva interna de cada colagem, quanto ao serem
“Nos Livros-poemas, Lygia consideradas em conjunto, como uma série.
operou recortes e colagens
com formas e palavras. Essas Na aproximação desse trabalho de Anna Bella
duas experiências com poemas Geiger, penso nos Poemas-xilogravuras (1959)
inserem-se no caminho aberto de Lygia Pape, que são articulados como livros
pelo poeta francês Stéphane (1957 e 1960) (TAVORA, 2004; MARTINS,
Mallarmé (1842-1898), de 1996)10. Publicado pela Coleção Espaço, editada
rompimento com as estruturas pelo Jornal do Brasil11, no trabalho,
tradicionais da poesia, levando a
sua exploração visual” (TAVORA, cada gravura surge do poema correspondente, não
2004, p. 63). como uma ilustração, mas como a configuração
plástica da disposição gráfico-espacial das palavras
11 “A Coleção Espaço nasceu na página. Como se cada palavra irradiasse, sobre o
na redação do Jornal do Brasil espaço da página, até um determinado limite, uma
em 1958 [...]. Apesar do apoio duração própria [...] (PAPE, 1960)12.
do Suplemento Dominical
do Jornal do Brasil (SDJB) na Preocupações sobre espaço-tempo são trazidas
divulgação da Coleção Espaço, o por Pape na construção da visualidade de seu
Jornal do Brasil não patrocinou poema.
a sua impressão, e os recursos
financeiros foram conseguidos Poema-xilogravura é composto por treze peças
pelos artistas. A Coleção Espaço soltas dentro de uma “capa/caixa” quadrada.
teve cinco números. Além de Ao abri-la pelo lado esquerdo, o público vê “em
Lygia Pape com o nº 5, outros quebra” e, pelo lado direito, encontra a palavra
artistas tiveram seus trabalhos “revela” (MARTINS, 1996, p. 37). Em uma das
editados, como Ferreira Gullar páginas lê-se “fio” e “foz” alinhadas entre si,
com o primeiro número, Theon postas na parte inferior da folha. Palavras e
Spanudis com o no 2, Reynaldo imagem estabelecem relações com a constituição
Jardim com o no 3, e Carlos de livros, revistas, jornais, nos quais as
Fernando Fortes de Almeida com páginas são construídas como duplas. Ao lado,
o no 4” (MARTINS, 1996, p. 18). compondo a dupla, uma das xilogravuras cria
um tipo de onda – formada por linhas verticais –
12 “A posição crítica/criativa de que atravessa a página direita.
Lygia em relação à tradição da
gravura faz parte certamente De acordo com Pape, Poema-xilogravura
do exercício de uma vontade consiste em “um livro formado por duas partes
negativa, identificada pelo crítico distintas: poema e gravura. As duas, lado a
Ronaldo Brito como própria lado, perdem sua independência expressiva por
do neoconcretismo. Para ele, o uma outra catalisadora, que abrange as duas
rompimento com os esquemas partes, fundindo-as num todo de conteúdo
formais dominantes e a abertura novo” (PAPE, 1960). O espaço branco da
da obra à participação do página, seguindo as concepções neoconcretas,
espectador, proposta comum “integra-se à estrutura da poesia, conferindo-
em muitos trabalhos do grupo, lhe significação, compondo poema como forma
levaram esse movimento a visual” (TAVORA, 2004, p. 63).
uma situação paradoxal em

189
“Fio” e “foz” postos no quadro são parte do relação à experiência original da
todo retangular que traz a gravura. Maria Luiza arte construtiva europeia; daí
Tavora traz contribuições instigantes sobre caracterizá-lo como uma filiação
essas relações, dizendo ser o fio “uma junção, maldita. Nesse sentido, e por
encadeamento, ligação” e a foz, “desaguamento, extensão, Hélio Oiticica chamou
mutação para outra água, encontro”. Propõe que as gravuras de Lygia Pape de
“a imaginação das águas provoca as imagens ‘antigravuras’, e, poderíamos
poéticas. Imagens da mobilidade [...] Lygia completar, gravuras malditas?
cria uma espacialidade imaginativa”. Há no A ousadia da artista não a
trabalho uma “espacialidade que incrementa a desviou, todavia, da preocupação
participação do ‘leitor’ no próprio processo de de realizar uma obra gráfica”
criação da obra. Viver essa tensão, em forma de (TAVORA, 2004, p. 62).
poesia, é a proposta dos Poemas-xilogravuras”
(TAVORA, 2004, p. 64).

Maria Clara Amado Martins, em sua introdutória


dissertação, Os livros de Lygia Pape, sugere
que na xilogravura a forma “não se encerra
no papel, uma vez que seus limites não se
definem/fecham no suporte, com a possibilidade
de completar-se no espaço, ao prazer da
imaginação do leitor” (MARTINS, 1996, p. 43).
Poema-xilogravura traz ao leitor a possibilidade
de manusear e reler cada uma das peças
colocadas em sua “caixa/capa”, a formulação do
trabalho convida-o a “criar uma ordem só sua”
(MARTINS, 1996, p. 39).

A imaginação ativa-se pelo tato/contato com


as folhas. Um modo de criar operações que
engajem imaginativamente o público é trazido
por Pape em seus Poemas-xilogravuras. Nas
xilogravuras de Lygia Pape as articulações
sobre tempo-espaço elaboram-se com base nas
relações entre texto e objeto em um processo
imaginativo.

Retomando as montagens de Anna Bella Geiger,


os textos são de grande importância – tal como
nos poemas de Pape – para as composições de
sentidos da obra. Em Situações-limites o olhar
é convidado a mobilizar a imaginação, que,
conforme se lê em uma das partes, refere-se a
“um ato de liberdade”.

“A imaginação é um ato de liberdade” é uma


importante sentença estético-política que Anna
Bella Geiger estabelece, como Situações-limites.

190
Formulação elaborada em meio a um ambiente
artístico, no Brasil, que faz uso refinado das
palavras na composição de obras áudio|visuais.
Sublinho que as palavras – escritas e faladas –
são recurso recorrente nos trabalhos de Anna
Bella Geiger, como está explícito ao longo deste
texto.

Nesse ponto é interessante ressaltar que a ima-


ginação é valorizada por Geiger também em re-
lação às experiências didáticas. Ao referir-se ao
curso Atividade/Criatividade (1971) – trabalhado
no capítulo anterior –, ela ressalta a importância
de um “processo de invenção de formas” no qual
“não deve haver medo da sua imaginação, da
sua invenção, ou melhor, do desconhecido” (Gei-
ger, citada em SWANN, 1971). Imaginar é uma
prática que tensiona os limites do medo, uma
forma de abrir possibilidades criativas.

Entre pesquisadoras feministas brasileiras,


nas últimas décadas há uma compreensão da
imaginação em sentidos aproximados aos de
Anna Bella Geiger. Nessa perspectiva, lembro
Encantações: escritoras e imaginação literária
no Brasil, século XIX, tese de doutorado de
Norma Telles, defendida em 1987 e publicada
em 2012. Ali a autora utiliza-se dos escritos de
Gaston Bachelard (Bar-sur-Aube, 1884 – Paris,
1962) para pensar as potencialidades críticas dos
textos de figuras como Julia Lopes de Almeida
(Rio de Janeiro, 1862 – 1934), Maria Firmina dos
Reis (São Luís do Maranhão, 1822 – Guimarães,
1917), Maria Benedicta Bormann (Porto Alegre,
1853 – Rio de Janeiro, 1895).

Luana Saturnino Tvardovskas, em sua pesquisa


anteriormente referida – Dramatizações dos
corpos. Arte contemporânea e crítica no Brasil
e na Argentina –, filiando-se aos escritos de
Telles e Bachelard, confere importância de peso
à imaginação para pensar sobre as práticas
artísticas contemporâneas no Brasil e na
Argentina (2015). A historiadora enfatiza as
contribuições políticas de trabalhos artísticos
para a construção de pensamentos críticos
às hierarquias de gênero, possibilitadoras de
outros modos para elaborar o passado brasileiro.

191
Focaliza para isso, no Brasil, as artistas Ana
Miguel (Rio de Janeiro, 1956), Cristina Salgado
(Rio de Janeiro, 1957) e Rosana Paulino (São
Paulo, 1967), relacionando suas poéticas a outras
importantes artistas nacionais e internacionais,
incluindo entre elas Anna Bella Geiger.

“A imaginação [...] é a faculdade de formar


imagens que ultrapassam a realidade, que
cantam a realidade”, diz Norma Telles
ao traduzir Bachelard (2012, p. 39). Nas
formulações do autor francês, imaginar é uma
noção de relevância incontornável para seus
estudos sobre poéticas, espaços e tempos. Em
suas propostas, como em O ar e os sonhos:
ensaio sobre a imaginação do movimento (1943),
a faculdade não de formar, como se poderia
supor, mas de “deformar as imagens fornecidas
pela percepção é sobretudo a faculdade de
libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as
imagens” (BACHELARD, 2001, pp. 1-2).

Instaura-se a imaginação pela “união inesperada


das imagens”, sem a qual “não há ação
imaginante”. O movimento é imprescindível
para a imaginação, nas palavras do autor,
“uma imagem estável e acabada corta as asas
à imaginação” (BACHELARD, 2001, pp. 1-2).
Desfazer imagens estáveis, esse é o movimento
de imaginar. Ao inscrever “a imaginação é um
ato de liberdade”, Anna Bella Geiger reconduz
a compreensão da série Situações-limites,
desestabilizando polaridades entre os trabalhos
materiais e imaginativos.

A mobilização das palavras nessa série pode ser


compreendida em uma dimensão aproximada
dessa sugerida por Navas para os títulos de
trabalhos de Geiger:

territórios, passagens, situações são também


a descanonização como estéticas estáticas [...]
tudo é, em última instância, passagem, tanto os
territórios estabelecidos e desmistificados como as
situações – passagens que respondem diretamente imagem 8
a circunstâncias e motivos [...] (NAVAS, 2007, p. 18). Anna Bella Geiger
Situações limite 3 (série)
1974

192
193
O repertório mobilizado pela artista, nessa
perspectiva, produz um modo de criar no qual
Geiger situa-se com base em determinadas
coordenadas, sem que, no entanto, elas a
assujeitem a um lugar estático, ou identitário.

As palavras funcionam como caminhos


possíveis, como passagens. Em uma de nossas
conversas, mostrando-me Situações-limites 3,
Geiger diz: “nessa são passagens como situação-
limite, são caminhos, eu vou interpretando...”
(GEIGER, 2018d). Entre os quatro trabalhos,
os três itens apresentados como “Revelações”
são escritos à máquina, sofrendo pequenas
alterações em cada uma das obras, feitas a
lápis pela artista. Em Situações-limites 3, as
transformações são feitas nos três pontos:

Seu lugar no universo é um modo de ser (máquina)


caminhos (mão)
1 – Passagens como (situações limites) (máquina)
Abolindo (mão)
2 – Abolir polaridades (máquina)
Na (mão)
3 – Iminência de passar (máquina)

A imaginação é um ato de liberdade (mão)

As mudanças trazem para as palavras maior


movimento e espacialização. Caminhos são
locais de passagem, servindo de ligação ou
comunicação terrestre entre dois ou mais lugares
(Dicionário Oxford Online). A transformação do
infinitivo em gerúndio do verbo abolir denota
algo que está em processo, em andamento;
e, por fim, o acréscimo de “Na” antes do
elemento de sentença Iminência de passar traz
para ela uma dimensão espacial; a iminência
de passar amplia-se de uma ação para um
lugar. Situações-limites 3 traz uma outra
particularidade: há o autorretrato da artista.
Ao lado da imagem de Geiger há uma outra de
pessoas caminhando em uma paisagem afastada
de centros urbanos, como montanhas nevadas.
Abaixo e centralizada em relação às outras
duas fotografias está a imagem de uma porta
entreaberta, uma “passagem muito estreita”.

194
Anna Bella Geiger põe a imagem de si ao lado
de sentenças com conotação de um movimento
de reelaboração de si, de “descanonização” do
artista, retomando o termo de Navas. Pessoas ca-
minhando pela neve e uma porta entreaberta são
imagens que compõem e reforçam essa sensação.
Um caminhar que não sugere seu fim, uma porta
que não sabemos aonde levará. Um movimento
de passagem de práticas estéticas referenciadas
na arte moderna para outras mais próximas
daquilo que depois se convencionaria chamar de
arte contemporânea. Esse movimento é – como
ela sublinha durante as entrevistas – algo extre-
mamente importante em sua trajetória poética.

Expandindo considerações de Navas sobre a


cartografia conceitual de Anna Bella Geiger,
proponho que as palavras em Situações-limites
articulam uma série dos conceitos operativos que
não buscam o “todo quimérico”, mas uma “nova
articulação dos fragmentos”: “uma nova relação
entre as partes (cada peça basta-se a si mesma
e, no entanto, não é mais do que o interstício
de suas vizinhas no arquipélago de formas), o
que significa que abriga à luz de outra ênfase
interpretativa” (NAVAS, 2007, p. 17).

É instigante observar como referências à


fragmentação são regularmente evocadas na
poética de Anna Bella. Ao falar sobre o tema,
ela diferencia dois modos de fragmentação:
uma que apenas corta e que é instrumentalizada
pela sociedade; e outra, intensa e rica, na qual
a construção de “séries” – de “seriações”, se
retomado o termo empregado por Chiarelli –
permite uma abertura para o mundo (GEIGER,
2007a, p. 96).

No catálogo da mostra Anna Bella Geiger:


Constelações (1996-1997), Fernando Cocchiarale
discorre sobre como os trabalhos de Geiger
são marcados por variações de técnicas e
de matérias e apresentam a fragmentação
da forma e da imagem. Há na artista uma
indisponibilidade para a definição de um
estilo individual, em confluência com uma
perspectiva histórica de crítica à identidade
fixa e unitária do sujeito e de crise dos estilos

195
artísticos da modernidade. Essas características
marcantes nas práticas artísticas de Geiger,
afirma Cocchiarale, impedem-nos de pensá-las
por meio de parâmetros cronológicos lineares,
aproximando-as da noção de constelações
imagéticas (COCCHIARALE, 1996, p. 9). Uma
constelação formada por séries que se afetam e
se rearranjam, transformando seus sentidos.

Pensamentos em torno das constelações


circulam com frequência entre os escritos
contemporâneos no campo expandido das artes.
Mais recentemente, permearam fortemente a
proposta curatorial da 30ª Bienal de São Paulo,
A imanência das poéticas (2012)13. Tobi Maier 13 A 30ª Bienal de São Paulo
escreve, no catálogo da mostra, que a noção ocorreu entre os dias 7 de
evoca o procedimento de trabalho de Walter setembro e 9 de dezembro de
Benjamin (1892-1940), em Passagens (1927- 2012. A curadoria foi assinada
1940), e de Aby Warburg (1866-1929), no Atlas por Luis Pérez-Oramas, André
Mnemosyne (1924-1929). Em seus trabalhos, Severo, Tobi Maier e Isabela
Benjamin e Warburg estabelecem movimentos Villanueva.
que induzem uma ativação da criação de
percursos e arranjos pessoais, afastados de
constructos estabelecidos e fatos familiares
(MAIER, 2002, p. 75).

Georges Didi-Huberman, preocupado com


discussões sobre a produção de imagens,
aproxima-se da noção de constelação em
seus escritos, precisamente mobilizando
os procedimentos e textos de Benjamin e
Warburg. Nesse empreendimento, observa
que, em Mnemosyne, Warburg se dispõe a
formar quadros com fotografias e criar variados
agrupamentos de imagens, que podem deslocar-
se ou repetir-se em outros quadros, formulando
sentidos históricos múltiplos para as imagens
com as quais trabalha (DIDI-HUBERMAN, 2013,
pp. 383-389).

Há, em Mnemosyne, “um caráter sempre


permutável das configurações obtidas a cada
vez”, que lhe oferece um sentido constelar
(DIDI-HUBERMAN, 2013, pp. 389). Os atlas
imagéticos percorrem o pensamento de
Warburg e trazem considerações sobre o
tempo – em sua duração não linear e/ou
progressiva –, criando constelações nas quais se

196
inscrevem, simultaneamente, o tempo pessoal,
microscópico, tal como o de uma caminhada, e o
impessoal, gigantesco como uma grande erosão
(DIDI-HUBERMAN, 2013, pp. 121-122).

O sentido constelar proposto por Cocchiarale


para os trabalhos de Anna Bella Geiger amplia
suas possibilidades de significado diante
dessas aproximações conceituais. Em suas
considerações para aquela mostra retrospectiva,
o crítico propõe uma divisão de seu trabalho
em fases: fase visceral (1965-1968); uma
investigação sobre a função e a natureza da
obra de arte (a partir de 1973); a redescoberta
da pintura (a partir da década de 1980) e,
por fim, os trabalhos da década de 1990, dos
quase-objetos, da quase-gravura, das quase-
pinturas, que seriam “uma espécie de síntese
constelar de seus diversos tempos e territórios”
(COCCHIARALE, 1996, p. 15).

Divisões não são estáticas e permitem múltiplas


conexões entre grupos de imagens aparente-
mente dissonantes e que, ao serem observadas
em agrupamentos, produzem um dos aspectos
mais interessantes na obra de Geiger e justifi-
cam, segundo Tadeu Chiarelli, o título da ex-
posição: Constelações (CHIARELLI, 2007, p. 81).
Anos antes, em seu afetuoso “Fax para Anna
Bella Geiger”, o pesquisador pontua como o uso
insubordinado de várias linguagens fazia alguns,
precipitadamente, pensarem ser a produção
da artista excessivamente fragmentada. Uma
característica pouco positiva, que faria de seus
trabalhos uma “seriação”, sem relação entre si.
Um argumento do qual Chiarelli parece discor-
dar (CHIARELLI, 1996, p. 39).

Tomando a fragmentação em sua positividade


– como proponho fazer com Anna Bella Geiger
–, ela torna-se potente, construtiva, aproximada
dos modos de pensar de Warburg e Didi-Huber-
man. Assim, mobiliza tempos microscópicos e
gigantescos, atualizados pelas forças contem-
porâneas, e que estão disponíveis aos rearranjos
em novas constelações. Retornando à Mnemosy-
ne, pode-se lembrar que nela “coexiste toda uma
sorte de efeitos seriados”, como escreve Didi-Hu-

197
berman (2013, p. 385). Warburg produz séries de
fragmentos históricos, afetivos, políticos, sociais,
astronômicos, espaciais. Em conjunto, suas ima-
gens atualizam a história. A fragmentação não
deve ser analisada em busca de uma totalidade
narrativa, mas na instauração de narratividades
possíveis, nas quais o escritor marca suas posi-
cionalidades e tensiona verdades estanques.

Durante a pesquisa para a escrita deste trabalho,


apresento tais questões a Anna Bella Geiger.
Falamos sobre o texto de Chiarelli e de ideias
sobre a “fragmentação”. Ela diz: “Esse meu
fragmentário, o fragmentado é no sentido
linguístico, onde as coisas são partes”. Em
seguida explica: “Quando eu descrevo para
você essa, vamos chamar, passagem, tudo são
passagens nas quais tinham se esvaziado as
questões de ordem formal e, na verdade, o
abstracionismo” (GEIGER, 2018b, p. 220).

Situações-limite traz explícita a dimensão que


permeia a poética de Geiger, questionadora
das organizações internas/psíquicas referentes
aos seus processos como artista de travessia do
moderno para o contemporâneo:

é uma coisa que vai no meu âmago, eu faço das


tripas coração, do coração tripas. É a iminência
do abandono de alguma coisa. Ao me desven-
cilhar da arte abstrata, fica um vazio. Mas esse
vazio já está me cutucando em relação à própria
situação política (GEIGER, 2018b, p. 220).

A articulação entre a experiência da


despossessão diante dessa transformação do
trabalho e da prática artística e a situação da
ditadura evidencia-se a todo momento nas
falas de Anna Bella Geiger. Psíquico (dentro)
e político (fora) são uma continuidade, um
movimento tal qual na “fita de Moebius”,
figuração importante no imaginário artístico
brasileiro naqueles anos, em decorrência, espe-
cialmente, dos usos dessa noção por Lygia Clark.

No livro O avesso do imaginário: arte


contemporânea e psicanálise, Tania Rivera
lembra que Clark começa a usar a ideia da

198
“fita de Moebius” em 1963, um ano após
Jacques Lacan (1901-1981) mobilizá-la em
imagem 9 seu Seminário. Para o psicanalista, o sujeito
Lygia Clark é divisível e – tal qual a fita faz – inaugura a
Caminhando distinção entre dentro e fora numa relação de
1963 continuidade (RIVERA, 2013, p. 142).

199
Rivera traz para suas análises a proposição de
Caminhando (1963), que diz ser “uma revolução
na obra da artista”, permitindo-lhe “ultrapassar
a distinção sujeito/objeto e, portanto, recusar
radicalmente a noção de objeto de arte em
prol de uma primazia do ato” (RIVERA, 2013,
p. 142)14. Criada com base na fita de Moebius, 14 Suely Rolnik, uma das
é construída por meio de uma torção de 180 principais pesquisadoras do
graus na ponta de uma fita, colada sobre a outra trabalho de Clark, propõe “dividir
ponta – trabalhada poeticamente por Lygia a obra de Lygia em duas partes,
Clark –, “na qual avesso e direito se tornam tendo como marco divisório
indistinguíveis” (ROLNIK, 1999, pp. 12-13). Caminhando (1963). A primeira
parte (1947-63) se desenrola
Caminhando consiste em uma proposição após o fim da Segunda Guerra
que envolve uma tesoura e um papel torcido Mundial e da ditadura de Getúlio
em 180 graus e colado nas extremidades – Vargas, fatos que antecedem e
transformado em uma fita de Moebius, na qual preparam os anos 1950 de um
avesso e direito não são discerníveis. Corta-se Brasil desenvolvimentista que,
a fita longitudinalmente, escolhendo um ponto sob a presidência de Juscelino
qualquer para iniciar, pela esquerda ou pela Kubitschek, sonha com sua
direita (FABBRINI, 1994, pp. 92-93). Sugere-se integração à modernidade. É o
evitar incidir sobre o mesmo ponto a cada vez momento da construção da nova
que se completa uma volta na superfície. A fita capital, Brasília, emblema maior
afina-se com o ato, até um momento em que desse sonho, embalado ao som
a tesoura não tem como evitar o ponto inicial. da bossa nova. Nesse ambiente,
Então, “a tira separa-se em duas, readquire não só no Brasil, mas em outros
avesso e direito, e a obra se encerra” (ROLNIK, países da América Latina que
1999, p. 13). vivem um processo semelhante,
reatualizam-se as tendências
As práticas artísticas de Clark se iniciam, construtivistas, pela ressonância
em 1947, para sobreviver à crise depois do da nova paisagem local com o
nascimento do terceiro filho (Clark, citada em contexto em que elas haviam se
ROLNIK, 1999, p. 5). Na abordagem das crises desencadeado na Europa após a
de Clark – que acompanham toda a sua obra –, Primeira Guerra Mundial. Assim
é importante dimensionar que não se trata de surgirá o movimento concretista
“um dado secundário ou pitoresco, nem objeto e sua dissidência neoconcretista,
de uma frívola curiosidade acerca da intimidade dos quais Lygia Clark será uma
da artista ou de sua ‘conturbada personalidade’, das mais vigorosas expressões.
mas estão no próprio cerne de sua obra”, Tais movimentos são precedidos
defende Suely Rolnik (1999, p. 6). pela criação dos Museus de Arte
Moderna de São Paulo (1948)
A experiência de criação de Caminhando tem e do Rio de Janeiro (1949), da
essa como uma de suas dimensões. Rolnik (1999) Bienal de São Paulo (1951) e
lembra-se de um texto escrito naquele momento, do movimento Ruptura (1952)”
no qual Clark diz: “Tenho pavor do espaço, mas (ROLNIK, 1999, p. 7).
sei também que através dele me reconstruo. O
seu sentido prático sempre me falta nas crises,
pois a primeira coisa que sinto é a falta de

200
percepção dos planos e perco o equilíbrio físico”
(Clark, citada em ROLNIK, 1999, p. 5). Clark
articula com essas palavras a crise do corpo e do
espaço, algo constitutivo de Caminhando.

Ricardo Fabbrini, no livro resultante de sua


dissertação de mestrado, O espaço de Lygia
Clark (1994), aproxima-se dos escritos de Gaston
15 “Gaston Bachelard é Bachelard e seu O novo espírito científico15 para
testemunha das transformações analisar Caminhando:
científicas que ocorrem
no início do século [XX] e ao cortar a fita o caminhante percebe que o
que modificam conceitos “essencial não é o que se persegue, essa ou aquela
pensados como imutáveis direção”, abertas pelo seu movimento corporal,
até então. ‘O novo espírito mas o que ele desvela aqui e agora: “a abertura
científico’ (1937) vai indicar de uma rede de possibilidades, o surgimento de
essas mudanças: ‘A mecânica um mundo em sua visibilidade, o nascimento
não-newtoniana’, ‘Ondas e de um sentido”. O ato de cortar, que “dura um
corpúsculos’ ‘Determinismo momento”, é na verdade um “estado”. É um estado
e indeterminismo’, ‘A de transformação, “de tal modo que cada gesto,
epistemologia não-cartesiana’ cada palavra ou cada coisa possa tornar-se livre”,
são discursos significativos que adquirindo uma “mobilidade de significações”,
apontam como a ‘Teoria da ou uma “constelação de sentidos”, pois, em tudo
Relatividade Einsteiniana’ e a que há – sendo mundo – não posso nada que seja
‘Física Quântica’ (na perspectiva destituído de importância (FABBRINI, 1994, p. 98).
da ‘Mecânica Quântica’)
modificaram para sempre As palavras de Fabbrini ativam a potencialida-
conceitos antes inabaláveis. de de Caminhando e seus sentidos constelares.
Foram essas teorias que Fazem pensar na transformação da percepção do
apareceram no século XX que mundo por meio da ação de feitura da mate-
modificaram o modo de pensar rialidade da proposição. Dito de outro modo,
sobre a ciência. A Teoria da Clark possibilita que o público se embata com
Relatividade (contrariando a algo daquilo que o artista experiencia na relação
ideia de tempo e espaço absoluto com a matéria, ou seja, no enfrentamento com a
da Teoria Newtoniana). A noção materialidade da tela, do papel, do aço. A visão
de realidade (res = coisa) com do público é mobilizada, “é colocada em movi-
características específicas mento” (FABBRINI, 1994, p. 102).
como individualidade (finitude),
temporalidade (origem, O “surgimento do mundo em sua visibilidade”
Quando?) e espacialidade tem relação com a instauração da percepção de
(Onde? situação, lócus). A Física que a ação sobre a matéria tem efeitos. Como
Quântica não responde a essas propõe Tania Rivera, o “sujeito que retorna
características, surge aí um novo na arte contemporânea se desmaterializou e
tipo de realidade, que responde à problematizou as fronteiras em relação ao outro,
pergunta de Gaston Bachelard ‘O no mesmo passo em que temporalizou e se
átomo é uma coisa, não-coisa?’” deslocou em uma nova concepção, fragmentada,
(BARBOSA, 2011, p. 83). do espaço” (RIVERA, 2013, p. 190).

201
A crise é algo que se repete em Caminhando e
em Situações-limite. No entanto, os disparado-
res das crises são distintos entre Lygia Clark e
Anna Bella Geiger. Em Clark constitui-se com
base em uma experiência, suponho, próxima ao
que Betty Friedan (Peoria, 1921 – Washington, imagem 10
DC, 2006) descreve, naquele mesmo ano, como Anna Bella Geiger
“o problema que não tem nome”. Em A mística Nearer
feminina (1963), a autora, situando-se em uma 1975
perspectiva das mulheres da classe média branca
dos subúrbios americanos, evidencia os efeitos
aprisionantes da identidade da mãe-esposa-
-dona-de-casa na produção de subjetividades
femininas.

As experiências de crise em Geiger constituem-


se com base na própria prática artística e
referem-se a um questionamento político e
estético em relação aos princípios da abstração
como marco final das vanguardas do século XX.

A crise é terrível! Eu não consigo mais saber o que


significa o abstracionismo, o porquê de discutir a
questão do espaço e do tempo [...]. Você, quando
vai para o abstracionismo de verdade, daquele
momento, ele é um compromisso – não é com os
outros pares –, mas é com esse pensamento, esse
teu trabalho (GEIGER, 2018a).

É, ainda, engendrada pelo momento político.


Enquanto Caminhando é elaborada antes
do Golpe e da instauração de um governo
militarizado, Situações-limite é produzida após
dez anos de autoritarismo. De qualquer maneira,
ambas se configuram na procura do outro. De
acordo com Tania Rivera, o caminhante para
Clark é, justamente, um “itinerário interior fora
de si” (RIVERA, 2013, p. 144). Uma dimensão
que, proponho, se apresenta no trabalho de
Anna Bella Geiger.

202
203
204
Desaparecimentos/aparecimentos

Seguindo o rastro das conversações entre


interior e exterior nas práticas artísticas/
educacionais e obras de Anna Bella Geiger, é
preciso destacar a utilização de retratos de si
em suas obras. Na série Situações-limite ela
utiliza uma foto feita durante o curso Lixo no
Aterro (1973, MAM). Motivados pela artista, os
estudantes saem “por trás do prédio do MAM”
e percorrem “o Aterro, cada dia um trecho,
catando, garimpando o lixo, emprestando signi-
ficado para esses ‘lixos’” (GEIGER, 2017, p. 195).

Ressignificar imagens é um procedimento


proposto por Anna Bella Geiger em suas práticas
artísticas/educacionais e cujos sentidos são
instigantes quando relacionados às imagens de
si por ela trabalhadas. No registro produzido
durante Lixo no Aterro, Geiger é fotografada de
costas, sendo possível ver apenas seu rosto de
perfil. As mãos estão posicionadas um pouco à
frente do corpo, na altura dos olhos, e seguram
uma estrutura retangular preta, por meio da qual
ela enquadra o céu azul com nuvens.

Na colagem número 3 da série Situações-


limite, a fotografia é espelhada e – como
todas as outras imagens utilizadas na série
– está em preto e branco, deixando, ainda,
de ser retangular para se tornar quadrada.
As possibilidades de trabalhar e retrabalhar
registros fotográficos dobram seus sentidos se
considerada a cena de Geiger produzindo com
estrutura retangular um enquadramento, uma
moldura/um corte no espaço. As relações entre
dentro e fora estão sublinhadas na colagem com
a imagem retangular de uma porta entreaberta.

Anna Bella Geiger relaciona o uso de seu retrato


em Situações-limite à preocupação maior com
respeito ao efêmero da imagem. E o associa
a uma outra série, na qual, diz ela, “eu vou
imagem 11 desaparecendo” (GEIGER, 2018d). Relendo nossa
Anna Bella Geiger conversa, recordei a colagem Indagação sobre
Lixo no Aterro a natureza, significado e função da obra de
MAM-RJ arte (1973), que traz uma montagem bastante
1973 aproximada de Situações-limite.

205
Composta por três peças, exibe fotografias e
palavras, lado a lado, formando narratividades.
Uma distinção importante entre os dois trabalhos
e o processo de criação, pois as colagens –
Indagação sobre a natureza, significado e função
da obra de arte – não passam pelo procedimento
das matrizes de fotolito, diferentemente do que
ocorre em Situações-limite.

imagens 12 e 13
Anna Bella Geiger
Indagação sobre a natureza,
significado e função da obra de
arte (série)
1973

Indagação sobre a natureza, significado e função


da obra de arte é criada com fotografias apro-
priadas de montanhas, registros de uma navalha
em seu ateliê, um corpo em contraluz, desenhos
de um mapa, paisagens e textos feitos a lápis
e uma sequência de três fotografias na qual a
figura de Anna Bella Geiger se esvai. Nessa mes-

206
ma peça – na qual a artista vai desaparecendo
– há desenhos e registros fotográficos de monta-
nhas colocados lado a lado.

16 No livro Anna Bella


Geiger, editado pela Funarte
em 1978, o título está como
referenciado aqui. No entanto, O desaparecimento e o aparecimento da
em publicações recentes, tal qual figura da artista é elemento principal na série
o catálogo Brasil nativo/Brasil fotográfica Situações-limite (passagens) (1975)16.
alienígena (MASP, 2019), lê-se Nela, Anna Bella Geiger aparece e desaparece em
apenas Passagens. Mantive a fragmentos de fotografias colocados um ao lado
versão verificada na publicação do outro, da direita para a esquerda, criando um
de 1975, mas vale considerar movimento contínuo em que o corpo da artista
que as noções de situações, vai e vem de um frame ao outro. A ação da
limites e passagens ganham artista registrada por Paula Gerson foi realizada
sentidos conjuntos e variantes no metrô da cidade de Nova York, trazendo
nos trabalhos de Anna Bella perguntas sobre avessos, espelhamentos,
Geiger. reflexividade nas relações entre aparição e

207
desaparição, que de modo mais amplo marcam
as imagens de Geiger.

Retorno à série de fotocolagens de Situações-


limite (1974), na qual Geiger deixa vestígios do
desaparecimento. Mostrando-me o trabalho, ela
explica que

havia uma série de textos escritos ali que logo depois


raspei. Está tudo raspado, e, então, eu já não sei o
teor. Não para fazer uma coisa demagógica, mas tinha
também essa ideia de alguma coisa que eu censurei
(GEIGER, 2018d).

Diante da situação repressiva no Brasil, a ação imagem 14


ganha contornos políticos fortes. Para uma Anna Bella Geiger
melhor compreensão dessa camada de sentido, Situações-limites (passagens)
fazem-se necessárias algumas notas sobre o 1975
processo de criação de Situações-limite. Após Fotografias de Paula Gerson
selecionadas as cenas, são produzidas matrizes
em fotolitos com as composições de Geiger,

208
que são então ampliados em papel Kodak. Um
procedimento, registra a artista, “que não é o
de agora, quando se faria isso com scanner”.
Ela afirma que há uma espacialidade própria
do procedimento, “como se as fotografias
estivessem em um jornal, dentro do papel”
(GEIGER, 2018d, p. 236).

Nessa perspectiva, a “raspagem” do papel tem


um sentido intimamente relacionado a uma
crítica à ditadura e sua censura à imprensa e à
liberdade de escrever, falar, desenhar. Censurar
“é um processo de repressão da liberdade de
expressão e de imprensa” articulado de diferen-
tes formas, seja pelo Estado ou por organizações
e grupelhos de todo tipo, com efeitos nos modos
de produção psíquicos, tal qual a autocensura
(FIGARO; NONATO, 2016, p. 73, grifos meus).

Os governos dos generais Costa e Silva (1967-


1969) e Emilio Medici (1969-1974) foram
particularmente repressivos ao longo do regime
ditatorial. Nos primeiros anos após o Golpe de
1964, no governo do general Castello Branco
(1964-1967), houve “relativa liberdade de
expressão”, o que não significa a inexistência
de ações e grupos de oposição ao regime, que
resultaram em prisões, inquéritos policiais
militares (IPMs) e censura a obras artísticas.
“Nada próximo”, entretanto, “da violência
sistemática e do fechamento da esfera pública
que ocorreriam a partir da edição do AI-5”
(NAPOLITANO, 2018, p. 50).

No dia 12 de dezembro de 1968, véspera da


promulgação do Ato Institucional número 5,
o general Jayme Portella de Mello, chefe do
Gabinete Militar, pede à Polícia Federal que
fique preparada para calar as emissoras de rádio
e televisão e enviar censores aos jornais do Rio
de Janeiro e de São Paulo. No dia seguinte,
os jornais das duas cidades são tomados por
delegados que levavam manuais explicativos
sobre as expectativas do regime ditatorial em
relação à imprensa. A versão carioca, com
assinatura do general Cesar Montagna de Souza,
da 1ª Região Militar, explicitava o objeto da
censura: “obter da imprensa falada, escrita e

209
televisada o total respeito à Revolução de Março
de 1964, que é irreversível e visa a consolidação
da democracia” (GASPARI, 2014b, p. 216).

O AI-5 é imposto por meio de uma retórica que


insiste em delimitar – sem compromisso com a
verdade – a tomada do Estado pelos militares
como uma Revolução em defesa dos processos
democráticos. Ao contrário, por meio da censura
instauram-se procedimentos para o cerceamento
do espaço público, problema diretamente
relacionado aos pensamentos desenvolvidos
nesta pesquisa.

A ação de Anna Bella Geiger na série Situações- imagem 15


limite – ao marcar os papéis com o apagamento Anna Bella Geiger
do texto – instaura um ponto instigante para série Situações-limites
ampliar as proposições. O vestígio da censura, 1974
a visualidade gerada por ele, a presença da vista da exposição AI5 – 50 anos
ausência de palavras, tornam aparente uma – não terminou de acabar
crítica à censura. Os jogos de desaparecimento e Tomie Ohtake
aparecimento que permeiam o trabalho de Anna 2018
Bella Geiger são complexos, abrindo-se para fotografia de Ricardo Miyada
possibilidades de conversações múltiplas.

210
Neste momento do texto é necessário ampliar a
compreensão de aparecimento, espaço e públi-
co, que permite adensar as camadas de sentido
diante do trabalho de Anna Bella Geiger. Propo-
nho que tais noções possibilitam criar visibilida-
des para aspectos pouco explorados das práticas
e obras da artista, em particular, àqueles que as
teorias filiadas aos feminismos apresentam. E,
relembrando, tais relações são pensadas, ainda,
com base nos problemas de espacializações, que
permeiam a escrita desta tese.

Parto, nessa perspectiva, da noção de público


estabelecida por Hannah Arendt, pois trata-se
do ponto de partida para uma série de autoras
interessadas nas discussões que envolvem a
produção do espaço público e de gênero. A
noção está diretamente relacionada às condições
de possibilidade de aparição – “aquilo que é
visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos”
– na constituição da realidade. Como afirma a
filósofa em A condição humana, cuja primeira
publicação data de 1959, o público é um espaço
constituído em um processo de aparição (space
of appearance) que está explícito, por exemplo,
“na narração de histórias e [...] na transposição
artística de experiências individuais” (ARENDT,
2007, p. 59).

Vale indicar que esta é uma das camadas


nas quais a censura da ditadura brasileira
afirma-se enquanto mecanismo de redução
das possibilidades de constituição do espaço
público, pois as formas de aparição permitidas –
relacionadas ao que pode ser lido e ouvido, e eu
ampliaria para visto, sentido, performado etc. –
são reduzidas.

Para uma primeira dobra nas proposições de


Arendt, recorro à conversa entre Athena Atha-
nasiou e Judith Butler (2013), quando interes-
sadas nos espaços de aparência e nas políticas
da exposição (spaces of appearance and politics
of exposure). Ali, a cientista social Athanasiou
desloca a concepção de público como espaço de
aparição (space of appearance) para a ideia de
aparecimento espacializado (spacing appearan-
ce). O deslocamento teórico implica que espaço

211
é compreendido não como algo fixo no qual se
publiciza a fala, mas como constituído no plano
performativo do lugar falante (talking place)
(ATHANASIOU;BUTLER, 2013, p. 194).

Os gerúndios das expressões em inglês adensam


a compreensão da continuidade do falar e do
espaço, uma ação permanentemente refeita e
reposta, de acordo com a transformação das
coordenadas. O movimento de Athanasiou
e Butler visa a correlatar de forma nodal a
construção do aparecimento e do espaço público.
Diagnosticar as formas de aparição/desaparição
circulantes em determinado momento temporal-
espacial possibilita compreender as condições
para a construção de específicas espacializações
públicas.

Pensando com Athanasiou e Butler, surgem


perguntas sobre a condição de possibilidades
para o aparecimento. É possível que qualquer
corpo (anybody – any body) apareça? Indaga-
se, dito de outra maneira, como a determinadas
formas corporais é ou não permitido aparecer.
E, ainda, com base em quais particularidades
da cultura normativa – em que são produzidos
e estão localizados tais corpos – estabelecem-se
suas condições de aparecimento (ATHANASIOU;
BUTLER, 2013, pp. 194-195).

O aparecimento encontra-se, nesses sentidos,


intimamente relacionado ao lugar e à fala,
ambos compreendidos como em permanente
construção. Os modos de criar lugares e falas
são instaurados por uma série de disputas que
estabelecem as condições, sempre cambiantes,
de aparecimento e desaparecimento. Por sua vez,
tais condições são marcadas pelas diferenciações
sexualizáveis, generificáveis, racializáveis,
nacionalizáveis, capitalizáveis.

A complexa rede que permite a produção do


lugar falante – enquanto espaço público – ganha
nos debates brasileiros relevância inegável.
Remetem à concepção de lugar de fala, como
visto no primeiro capítulo, trabalhada por Lélia
Gonzalez, ao considerar problemas psíquicos,
culturais e sociais sobre racismo e sexismo.

212
Nos últimos anos, Djamila Ribeiro (Santos,
1980) concretiza o termo como importante
instrumento de debates públicos, sendo essa
noção apresentada como “localização social”.

A escritora observa que pensar sobre o lugar


de fala remete aos estudos de pesquisadoras
feministas como Linda Alcoff (Panamá, 1955) e
Gayatri Spivak (Ballygunge, 1924), cujos escritos
conversam com os debates pós-estruturalistas e
com o repertório conceitual de Michel Foucault
(RIBEIRO, 2017, p. 56). Nessa perspectiva,
Ribeiro sublinha que o lugar social que se ocupa
– determinado por relações de classe, raça,
gênero, sexualidade, nacionalidade – tem como
efeito impedimentos e facilitações para acesso
de espaços, como as universidades, na política
institucional, meios de comunicação. Seguindo
com a autora, têm-se a distribuição desigual das
possibilidades de produção de conhecimentos,
imagens, discursos. É importante sublinhar,
então, que “o falar não se restringe ao ato de
emitir palavras, mas de poder existir” (RIBEIRO,
2017, p. 64).

Retomando considerações da pesquisadora


Rosane Borges (São Luís do Maranhão, 1974),
escreve Ribeiro: “saber o lugar de onde falamos
é fundamental para pensarmos as hierarquias,
as questões de desigualdade, pobreza, racismo e
sexismo” (Borges, citada em RIBEIRO, 2017, p.
84). Seguindo nesta linha de sentido, é preciso
não compreender lugar de fala como algo
reduzido às vivências pessoais, mas como a
possibilidade de uma crítica reflexiva, com base
na compreensão de si diante das normatividades
sociais (ver RIBEIRO, 2017, p. 67).

Para adensar tais considerações, é importante


levar em conta os estudos da historiadora
estadunidense Rosalyn Deutsche (New Jersey,
1946). Em diálogo, precisamente, com Hannah
Arendt e, também, com Jacques Rancière
(Argélia, 1941), Deutsche considera que não se
deve aceitar sem questionamentos que algum
espaço seja visto como público. Focalizando os
discursos sobre a arte pública, alerta-nos para o
fato de que é necessário não pressupor – como

213
no senso comum – que uma arte colocada fora
de instituição, em parque, praça, rotatória, é
intrinsecamente pública (DEUTSCHE, 2007, p. 2).

De acordo com Deutsche, a condição pública


de uma obra de arte não está vinculada
à sua realização em um espaço que seja
predeterminado enquanto público (que pode
ou não ser estatal). Refere-se, sobretudo, a
uma operação para elaborar um espaço como
público, ao transformar qualquer espaço que
a obra ocupa naquilo que se denomina esfera
pública (DEUTSCHE, 2007, p. 2). Ao considerar
as relações entre arte e espaço público, a autora
sustenta que ser público é “estar exposto à
alteridade”. Afirma, ainda, que o reconhecimento
da “legitimidade do debate sobre o que é
legítimo e o que é ilegítimo” é condição do
espaço público (DEUTSCHE, 2009, p. 176).

É incontornável mostrar que Rosalyn Deutsch


trata o problema da construção do público
com base na perspectiva de um regime político
democrático estadunidense. Ela não se furta, em
suas análises, a reconhecer os limites no interior
da democracia e suas contradições em relação
às possibilidades de liberdade na construção de
determinadas formas de aparição (DEUTSCHE,
1996, pp. 257-328). A democracia não funciona
como dado universal – como escancaram os mo-
vimentos sociais nas décadas de 1960 e 1970 –,
mas como algo a ser permanentemente conquis-
tado em diferentes dimensões da vida. A afirma-
ção repete-se em relação ao espaço público – em
construção permanente –, que, por sua vez, é
condição inevitável para a democracia.

Pensando sobre o Brasil, na situação da déca-


da de 1970, é pertinente compreender que o
autoritarismo ditatorial não é capaz de abafar
homogênea e simultaneamente as variadas ca-
madas das dimensões sociais, políticas, culturais.
Articulam-se a todo tempo negociações, ruptu-
ras, revoltas que tensionam, rompem, criticam a
ordem militar. Sendo assim, proponho pensar o
MAM-RJ como um local a partir do qual é pos-
sível estabelecer conversações públicas, tensio-
nando os limites impostos pelo regime político

214
ditatorial. Dito de outra maneira, as ações de
artistas e educadores instauram constantemente,
e em formas experimentais, práticas para a con-
quista daquele espaço como público.

Estabeleço tal compreensão como um dos


pontos nodais para a construção das análises
neste capítulo: o Museu de Arte Moderna
pensado, para além de sua espacialidade
arquitetural, como lugar de encontro para
narração de histórias político-individuais, seja
pelas experiências expositivas, seja pelos cursos
(amplamente abordados no capítulo anterior).
Como contou-me Geiger: “Os cursos chamaram
público de jovens que tinham abandonado
a universidade, que tinham sido torturados”
(GEIGER, 2018c). Ali se encontravam pessoas
que partilhavam antipatias – em vários graus,
evidentemente – pelo regime político vigente,
mas também pelos modos de produzir arte e
conhecimento.

Outro ponto de importância no âmbito das


discussões propostas constrói-se com base em
uma perspectiva filiada aos feminismos. Em
Eviction: art and spatial politics (Expulsão:
arte e política espacial, 1996), Rosalyn
Deutsche nomeia um dos capítulos, “Homem
no espaço”, criticando os modos de formação
e de compreensão do espaço público com base
em perspectivas alheias às teorias feministas
(DEUTSCHE, 1996, pp. 195-245).

Marcar como os espaços são pensados,


fundamentalmente, com base na modulação
identitária do homem é uma das preocupações
de Deutsche. A autora sublinha, nessa direção,
a importância do pensamento das pesquisadoras
Janet Wolff e Griselda Pollock para a construção
de críticas aos modos de produção espacial e
visual (1996, p. 196), às quais retornarei mais
adiante.

Em relação às situações das mulheres vivendo


no Brasil, é crucial destacar que, até os anos
1970, ser pública era sinônimo de “mulher
alegre” e “mulher da vida”, nomeações para
a prostituição pautadas numa concepção

215
pejorativa da profissão, muito distintas daquelas
mobilizadas por militantes como Gabriela Leite17 17 Gabriela Leite (São Paulo,
a partir daquela mesma década (RAGO, 2013a). 1951 – Rio de Janeiro, 2013)
estudou Ciências Sociais na USP.
* Fundadora da ONG Davida – que
defende os direitos de pessoas
Os (auto)retratos de Anna Bella Geiger são que se prostituem, tal qual a
um contraponto importante às imagens regulamentação da prostituição
inferiorizantes do feminino. Eles compõem –, ficou amplamente conhecida
um dos motes da exposição Brasil nativo/ ao fundar a grife “Daspu” (2005).
Brasil alienígena (MASP, 2019). O curador
Tomás Toledo divide a mostra em três temas
que, sugere, se repetem na produção da artista,
sendo os outros dois as vísceras e os mapas.
Aos retratos e autorretratos ele associa – talvez
um tanto apressadamente – questionamentos
sobre a “representação humana” em pintura,
vídeo, fotografia. Toledo identifica, então, na
produção da artista, duas miradas opostas: uma
de tom “intimista, autobiográfico e reflexivo” e
outra focada mais “no campo público e político”
(TOLEDO, 2019, p. 34).

O diagnóstico dos temas realizado pelo curador


é verificável, sendo bastante interessante
observar na montagem as várias obras em que
Geiger utiliza o próprio corpo para a construção
de sentidos. No entanto, a oposição entre
autobiográfico/reflexivo e público/político
é imprecisa, uma vez que, nos trabalhos da
artista, estas miradas são complementares, num
contínuo espiral.

Em “Sobre o mito do pertencimento: outras


formas de ser feminista”, para o catálogo de
Brasil nativo/Brasil alienígena, Estrella de Diego
apresenta proposições mais complexas para o
uso de (auto)retratos por Geiger:

em suas obras Geiger frequentemente atua como


protagonista, com uma proposta que vai muito
além do mero acaso de ser ela a modelo disponível
e a solução mais simples e barata. De fato, seu
autorretrato é sempre muito mais que uma fórmula
– e não em obras abertamente autobiográficas,
como Declaração em retrato I (1974), em que sua
imagem se transforma em veículo de denúncia
política (DIEGO, 2019, p. 65).

216
A produção de Anna Bella Geiger a partir de
meados da década de 1970 traz uma articulação
complexa entre a crise e a reelaboração de si en-
quanto artista contemporânea e o engajamento
crítico à situação política nacional. Declaração
em retrato I (1974) – que compõe a exposição de
1975 no MAM, Situações-limites e Brasil nativo/
Brasil alienígena – traz um importante ponto
para explicitação dessas considerações.

No vídeo com um gato branco no colo, a artista


diz, em inglês, ser latino-americana, brasileira, e
discorre sobre um olhar estrangeiro colonizador
que analisa a produção nacional. Simultanea-
mente, problematiza como a posição de coloni-
zado é, por vezes, aceita e incorporada em uma
atuação mimética. Mas “as coisas estão mudan-
do”, afirma. Segundos depois, corrige a informa-
ção: “As coisas não mudam, nós é que estamos
mudando a situação”. E “nós” não são todos os
brasileiros, alerta a artista, são apenas alguns.

Considerando sua Declaração em retrato I,


proponho que Geiger produz uma crítica – tanto
em texto quanto em obras – à importação
de certos modelos culturais, mantendo uma
situação de dependência e uma reafirmação da
posição de colonizado. Há uma forte dimensão
contemporânea, criada pela articulação entre o
lugar que ocupa – latino-americana, brasileira –
e o tensionamento das dinâmicas de poder que
constituem o sistema da arte global. A utilização
do vídeo reforça certos aspectos críticos ao
autoritarismo, aos quais voltarei mais adiante
neste capítulo. Autobiografia, reflexividade,
político e público são pontos para a formação da
rede multifacetada que é a poética de Anna Bella
Geiger.

O uso do próprio corpo nos trabalhos pode ser


tomado como uma prática autobiográfica em
seus sentidos feministas (DIEGO, 2019). Uma
camada de sentido ampliada, quando pensada
em relação às considerações trazidas por
Luana Tvardovskas no artigo “Autobiografia
nas artes visuais: feminismo e reconfiguração
da intimidade”, no qual a autora afirma que,
na arte contemporânea, diferentes mulheres

217
218
artistas performatizam e jogam com elementos
biográficos ao utilizarem agulhas, linhas
e outros elementos associados histórica
e culturalmente ao feminino. Trata-se de
elementos da vivência individual que, trazidos
a público, não correspondem a preocupações
de veracidade ou autenticidade, mas tensionam
memórias emblemáticas (TVARDOVSKAS, 2010).

Margareth Rago, notando a subversão do gênero


autobiográfico quando tomado no feminino,
ressalta que “as mulheres, ao narrar, borram as
fronteiras entre o público e o privado, ficção
e realidade, intimidade e política, o eu e o
mundo, especialistas na arte da transgressão e
do questionamento dos mecanismos de sujeição”
(RAGO, 2011, p. 252). A historiadora brasileira
estabelece em suas pesquisas conversações
diretas com a pesquisadora e professora de
filosofia Margaret McLaren, que destaca que
as biografias de mulheres dão voz a um saber
subjugado, pois suas perspectivas foram
até recentemente excluídas da história e da
literatura mainstream (MCLAREN, 2016).

Desde a década de 1970, destaca McLaren, há


uma proliferação de autobiografias de mulheres,
possibilitando que elas falem por si e desenhem
a própria existência. As práticas autobiográficas
ganham, como uma de suas dimensões, a
possibilidade da autoconstituição (2016, p. 199).
As narrativas autobiográficas possibilitam – para
os que as leem – a percepção de que indivíduos
são multifacetados e complexos. E – para os que
escrevem – um voltar-se para si, uma prática
reflexiva para a elaboração de si. McLaren,
bem como Rago, traz significações para as
narratividades de si com base nos escritos de
Michel Foucault sobre o cuidado de si – noção à
qual retornarei em outro momento deste capítulo.

Leonor Arfuch (2010), pesquisadora argentina


particularmente interessada nessas questões,
imagens 16,17,18 e 19 trabalha a autobiografia com base no conceito
Anna Bella Geiger de espaço biográfico, composto na contempora-
frames de Declaração neidade pelos cadernos de notas, vídeos, roman-
em retrato I ces, entrevistas, diários íntimos e autobiografias.
1974 A autora afirma que nas artes visuais há “uma

219
tendência muito reconhecível de incorporar
nas obras objetos, fotografias, roupas, cartas
e diversas marcas da vida pessoal do artista”
(ARFUCH, 2010, p. 60). A potência crítica dessa
tendência está em criar autoficções utilizando
memórias íntimas elaboradas por meio de práti-
cas artísticas, que excedem o narcisismo e abrem
possibilidades para a constituição de uma “arte
pública”, no sentido, trabalhado por Rosalyn
Deutsche, de uma arte que possibilita a criação
de um espaço como público (ARFUCH, 2018).

Considerando articulações entre autobiografia


(como possibilidade de elaboração de si), artes
(audio)visuais e produção do espaço público,
a compreensão de Declaração em retrato I é
ampliada. O vídeo é produzido para a exibição
Video Art, organizada por Suzanna Delehanty
(Worcester, 1944), do Instituto de Arte
Contemporânea da Universidade da Pensilvânia
(1975). A participação de Anna Bella Geiger
na mostra Video Art é resultado do trabalho
de Walter Zanini. Como diretor do MAC-USP,
Zanini negocia e envia trabalhos não só de
Geiger, mas de Sonia Andrade (Rio de Janeiro,
1935), Fernando Cocchiarale (Rio de Janeiro,
1951), Ivens Machado (Florianópolis, 1942) e
Antonio Dias (DELEHANTY, 1975, p. 5).
O texto em inglês e a situação na/para a
qual o Declaração em retrato I foi produzido
explicitam os embates nos quais Geiger está

220
envolvida durante a criação do vídeo. Logo
no começo do vídeo ela fala sobre pessoas do
sistema da arte, em especial, nos Estados Unidos
e na Europa, que vêm ao Brasil e assumem
uma posição de “ensinar, colonizar, civilizar”.
Violências coloniais e modos de criar imagens
emancipatórias de si articulam-se em Declaração
em retrato I.

imagem 20 No livro Feminismo y arte latino-americano:


capa do catálogo da exposição historias de artistas que emanciparon el cuerpo,
Video Art Andrea Giunta (Buenos Aires, 1960) constrói
organização de Suzanna instigantes percursos sobre as histórias de
Delehanty artistas de países como Argentina, Chile, México,
Instituto de Arte Contemporânea Paraguai. A autora defende a posição de que,
da Pensilvânia na história da arte latino-americana, o retrato
1975 é um lugar para uma ativação recorrente de
perguntas políticas sobre o desaparecimento e
desaparecidos (GIUNTA, 2019, p. 220).

Os retratos de Geiger permeiam a exposição


Situações-limites e são articulados a uma
série de outras imagens, produzindo críticas a
diversas das manifestações da violência colonial,
ditatorial. Focalizando tais discussões, retomo
Indagação sobre a natureza, significado e função
da obra de arte. Proponho pensar as fotografias
supracitadas nas quais Geiger “desaparece” em
aproximação com a imagem de uma navalha. O
objeto situa-se em uma peça diferente, inserida
um pouco abaixo das palavras: “passagens de
um modo de ser a outro”, “um modo de ser
paradoxal”.

A articulação entre texto e imagens faz pensar


nas tensões psíquicas que envolvem a passagem
da abstração (moderno) para as práticas
contemporâneas na arte, camada de sentido que
está, como já salientado, presente nos trabalhos
de Geiger naquele momento. Da mesma maneira,
ela traz nas passagens o sentimento

de estar, de certa maneira, ameaçada, dentro de um


momento da ditadura. De uma ameaça física, onde
também já tinham prendido o Pedro [marido], [...]
já tinham me pedido para ir [...] fazer declarações
sobre o porquê de eu ter ido a Cuba em 1963
(GEIGER, 2020).

221
Com gravuras abstratas, Geiger ganha o primeiro
prêmio Casa de las Américas no 1º Concurso
Internacional de Grabado (1962), em Havana.
Recebe, por esse motivo, um convite para visitar
Cuba, o que, dois anos mais tarde, lhe causaria
alguns problemas com a polícia. Com o golpe
civil-militar, no contexto da guerra fria e da
caça aos comunistas, a viagem da artista é
motivo de suspeita. É, assim, intimada a depor
aos militares, que – não convencidos com suas
respostas – decidem ir ao seu apartamento;
“queriam saber se fazia dinheiro na prensa de
gravura”, explica Geiger (2018a).

O peso das fronteiras cartográficas, das


burocracias e do ódio à experimentação
característico dos regimes autoritários permeia
a produção de Anna Bella Geiger na década de
1970. A navalha lembra o perigo das passagens,
das travessias, que, em uma dimensão da
história pessoal da artista, associa-se à palavra
hebraica pessach (GEIGER, 2020). No entanto,
a navalha cortante é objeto para a defesa de si,
para percorrer “um mundo aberto, um espaço
aberto”, tal qual ela escreve em sua Indagação
sobre a natureza, significado e função da obra
de arte. Uma abertura que é estruturante, como
uma “coluna vertebral”.

A navalha é elemento retrabalhado por Geiger,


na exposição do MAM em 1975, com Nearer
(1975). Produzido como livro (1974) na
montagem de Situações-limites foi colocado
na parede (GEIGER, 2018f, p. 334). O livro traz
imagens fotocopiadas de uma navalha, muito
parecidas com aquelas de Indagação sobre a
natureza, significado e função da obra de arte
(1973). Para a pesquisadora Zana Gilbert, nesse
trabalho Geiger “aprofundou-se na linguagem
da fotocópia”. A autora lembra que “o título do
livro é escrito à mão com caneta esferográfica,
sem a menor pretensão de se estabelecer como
‘arte’” (GILBERT, 2019, p. 53). imagem 21
Anna Bella Geiger
Sobre a feitura de Nearer, Geiger conta que Indagação sobre a natureza,
David, seu filho, “tinha laboratório em casa... significado e função da obra de
incrível como se fez coisas, aí eu dizia como arte
queria a foto, ele fotografava a navalha, depois 1973

222
223
cercava, no laboratório, de uma faixa preta”. O
resultado visual é de uma navalha que começa
“longe, vai chegando e chega; de repente, a
foto é só da lâmina atravessada” (GEIGER,
2018f). Dito de outro modo, uma página preta
retangular tem dentro dela um retângulo em
branco no qual está a navalha. Nas onze fotos-
sequências essa navalha começa a crescer ao
aproximar-se da câmera.

Estar “no fio da navalha” é uma expressão que


conota algo como estar em perigo, em uma
situação de ameaça iminente. A palavra Nearer
– mais perto, em português – refere-se, assim,
à aproximação do objeto da câmera e remete
à aproximação do perigo. Nearer é composta
por onze fotos. A palavra em inglês significa o
ato de aproximar-se de algo ou alguém. Uma
navalha é registrada em diferentes posições
e colocada nas paredes da mostra (GEIGER,
2018d). O uso da expressão em inglês faz
lembrar o patrocínio estadunidense aos golpes
de Estado na América. É curiosa uma obra
que convida à aproximação e traz um objeto
cortante capaz de matar. As fotografias, somadas
à estrutura do Museu, fazem imaginar que elas
próprias podem assumir significados destrutivos
na relação com a prática artística. Lembro
que embates entre a instituição e os artistas
permeiam as montagens de Situações-limites.

Voltando a Indagação sobre a natureza,


significado e função da obra de arte, a navalha
compõe o trabalho ao lado de ovos quebrados,
e vale aqui uma menção aos Ovos de Pape
apresentados no capítulo anterior. Os ovos
quebrados podem significar um esvaziamento
da vida, bem como ovos utilizados na feitura de
bolos e biscoitos, alimento. Na colagem, ovos
quebrados e navalhas compõem o espaço do
papel, que, na extremidade direita, traz, escritas
à mão, as palavras “porta estreita como uma
lâmina de navalha, um mapa”.

As imagens de Nearer evocam “perigo, violência,


claustrofobia” (GILBERT, 2019, p. 54). Na
extremidade de uma de suas folhas lê-se,
também no canto inferior direito: “nearer to the

224
edge” (mais perto da borda). A margem é um
ponto de ação importante nos escritos de bell
hooks. No consagrado texto Teoria feminista: da
margem ao centro, publicado em 1984, a autora
define “estar na margem” como “fazer parte de
um todo, mas fora do todo ideal”
(HOOKS, 2019, p. 2).

imagens 22 e 23
Anna Bella Geiger
Nearer (montagem e detalhe,
respectivamente)
1975

Desde uma perspectiva antirracista, feminista


e socialista, hooks traz a margem como
possibilidade para articulação de outras
sociabilidades, como espaço para uma abertura
radical. A autora propõe tomar a margem
como “posição e lugar de resistência”, “para as
pessoas oprimidas, exploradas, colonizadas”.
Para hooks, ver a margem apenas como espaço
de desesperança coletiva põe em risco a
imaginação, a criatividade, e, nele, a “mente da
pessoa é totalmente colonizada” (HOOKS, 2019,
p. 291). A marginalidade da qual fala hooks não
se refere a alguma coisa

que alguém quisesse perder – da qual quisesse


se livrar ou se afastar à medida que se aproxima
do centro –, mas sim de um lugar onde se fica,
e até mesmo ao qual se apega, por alimentar a
sua capacidade de resistência. Essa marginalidade

225
oferece a uma pessoa a possibilidade de ter uma
perspectiva radical a partir da qual possa ver e
criar, imaginar alternativas, novos mundos (HOOKS,
2019, p. 289).

As considerações de bell hooks constroem-se em


direção a deslocar a margem de uma posição de
inferioridade, que Lélia Gonzalez também com-
bate. Em discurso proferido em 1987 como parte
das discussões sobre a Constituição de 1988, a
pesquisadora observa que a marginalização é
estratégia colonial, racista, sexista para criação
de uma imagem da sociedade brasileira como
“branca, continental, masculina” (GONZALEZ,
2020, p. 245). Uma estratégia que visa ao desa-
parecimento da multiplicidade, bem como das
histórias de resistência às violências que fundam
o território Brasil.

Processos que a ditadura instaurada em 1964


promove e acentua. Quando Anna Bella
Geiger estabelece Indagações sobre a natureza,
significado e função da obra de arte, mobiliza
elementos aproximados dessas discussões. Neste
ponto é relevante tratar do trabalho Brasil
nativo/Brasil alienígena (1977). Lançado na
Livraria Muro18, é formado por dezoito cartões- 18 A Livraria Muro foi fundada
postais organizados – naquele momento – em em 1975 e estava situada no
displays utilizados nas bancas de jornais. Em subsolo de uma galeria no bairro
nove deles há imagens de pessoas identificadas de Ipanema, no Rio de Janeiro.
textualmente como pertencentes aos povos Ali ocorriam performances
Bororo, Suiá e Uaika. As imagens são coletadas ligadas à poesia marginal e
em postais coloridos e arquivos da Editora venda de livros de oposição ao
Bloch, que tinha como principal publicação a regime militar. Em 1986, agora
revista Manchete (JAREMTCHUK, 2007b, p. 119). localizada numa travessa da Rua
do Ouvidor, é nomeada Livraria
Os outros nove postais são criados a partir das da Travessa. Ver: <https://www.
fotografias feitas por Luiz Carlos Veloso, nas travessa.com.br/wpgquemsomos.
quais Geiger cria posições coincidentes com as aspx>.
do material da Bloch. Em suas palavras, “aquelas
cenas forçadas eram mais para factoides, e
eu parto para a série” (GEIGER, 2007a, p.
92). Os efeitos dos processos de urbanização
e de industrialização, do nacionalismo e do
autoritarismo, eram tomados às avessas da
realidade da artista, sendo, ao mesmo tempo,
a ela complementares. Geiger conta ouvir no
rádio as notícias do plano de governo para

226
a demarcação de terras e de assassinatos
de indígenas: “Eu questiono essas imagens
paradisíacas de cartões-postais da época”, diz
Geiger (2007a, p. 92).

Ocupar o território nacional, mais precisamente


a região amazônica, é uma política central do
governo militar (VALENTE, 2017, p. 26). Em o
“Conceito estratégico nacional”, documento que
permaneceu sigiloso na Presidência da República
até 2006, lê-se que é objetivo do Estado o

desenvolvimento de uma política ordenada de


expansão e distribuição espacial da população,
orientada e dirigida para a exploração do potencial
de recursos naturais do país, em setores prioritários
ou em regiões selecionadas, bem como para a
ocupação racional e efetiva do território nacional
(citado em VALENTE, 2017, p. 26).

Nas 45 páginas que compõem o documento


nada se diz sobre as populações indígenas, conta
Ruben Valente (2017). Um “vazio demográfico”,
era assim que a intelectualidade militar
concebia a Amazônia, obliterando a presença
de diversas populações que ali habitavam, diz
Adriana Aparecida Marques na tese Amazônia:
pensamento e presença militar (2007). A
construção da imagem da Amazônia como
região vazia, um vazio demográfico, é produzida
por uma série de estudos, especialmente
militares, sobre geopolítica produzidos entre os
anos de 1930 e 1980 (MARQUES, 2007, p. 49).

No que se refere ao ataque aos povos


originários, a ditadura assassina, de acordo com
a Comissão Nacional da Verdade – no capítulo
“Violações de direitos humanos dos povos
indígenas” – 3.500 Cinta-Larga (RO), 2.650
Waimiri-Atroari (AM), 1.180 Tapayuna (MT), 354
Yanomami (AM/RR), 192 Xetá (PR), 176 Panará
(MT), 118 Parakanã (PA), 85 Xavante de
Marãiwatsédé (MT), 72 Araweté (PA) e mais de
14 Arara (PA). Estima-se que esse número seja
maior (AMAZÔNIA REAL, 2014).

Diagnosticar a violência que permeia as imagens


utilizadas por Anna Bella Geiger em Brasil

227
nativo/Brasil alienígena é fundamental para uma
aproximação crítica ao trabalho. A violência
que se manifesta também na produção de
imagens de exportação do Índio como categoria
identitária fixa que serve ao apagamento da
diversidade dos povos indígenas. O escritor e
professor Daniel Munduruku defende que índio é

uma palavra que só desqualifica, remonta a


preconceitos. É uma palavra genérica. Esse
generalismo esconde toda a diversidade, riqueza,
humanidade dos povos indígenas. [...] A palavra
índio está quase sempre ligada a preguiça,
selvageria, atraso tecnológico, a uma visão de que
o índio tem muita terra e não sabe o que fazer
com ela. A ideia de que o índio acabou virando
um empecilho para o desenvolvimento brasileiro
(MUNDURUKU, 2019).

Ao considerar os cartões-postais como


“factoides”, Geiger expressa certa aproximação
da crítica contemporânea ao racismo que
estrutura o imaginário em relação aos povos
indígenas. A oposição entre desenvolvimento e
direitos humanos, no que tange aos problemas
políticos relativos aos indígenas no Brasil,
apresenta-se ainda nos dias de hoje.

O empreendimento de fazer desaparecer a


“diversidade, riqueza e humanidade” dos
povos originários no Brasil é acompanhado
da construção de imagens vendáveis do Índio.
Nessa lógica de desaparição e aparição, Brasil
nativo/Brasil alienígena ganha densidades
críticas mais contundentes. Nas palavras de
Tadeu Chiarelli na série,

a artista parece processar uma busca de


identificação nostálgica com o elemento nativo
brasileiro. Sem dúvida aqui há um erro, pois, na
realidade, essa busca aparente é apenas uma
operação crítica carregada de ironia para que
Geiger possa discorrer sobre si mesma (mulher,
artista, intelectual), sobre sua classe social (e tudo
o que isso significa) e sobre a real impossibilidade
de identificação com o outro (no caso da
população brasileira, sempre vista pelas elites
como guardiã das virtudes individuais e sociais, e

228
tradicionalmente convertida em símbolo por meio
da figura do índio (CHIARELLI, 1999, p. 116).

imagem 24
Anna Bella Geiger
Brasil nativo/Brasil alienígena
1977

229
Brasil nativo/Brasil alienígena é, seguindo as
considerações de Chiarelli, uma crítica reflexiva
à própria localização de Geiger. A relação entre
crítica e reflexividade é de interesse de Judith
Butler em conversação com Michel Foucault.
Ao tratar da constituição do sujeito, o filósofo
aponta a produção da verdade como problema
incontornável para a elaboração de uma atitude
crítica, afirma Butler (2015, pp. 34-35).

Observo que Foucault compreende por verdade


não o conjunto de coisas verdadeiras a descobrir
ou fazer aceitar, mas o conjunto de regras
pelas quais se distingue o verdadeiro do falso
e se atribuem efeitos específicos de poder
(FOUCAULT, 2008a, p. 13). É diante desses
efeitos de poder, das normas estabelecidas por
meio de certo regime de verdade, que o sujeito
encontra o quadro referencial como base no qual
se relaciona e reconhece a si mesmo (BUTLER,
2015, p. 35).

No entanto, observa Butler, o filósofo “não


defende apenas que exista uma relação com
essas normas, mas também que qualquer relação
com o regime de verdade será ao mesmo tempo
uma relação comigo mesmo” (BUTLER, 2015,
pp. 35-36). Como destaca a autora, a crítica
não se refere “a uma prática social determinada
ou a certo horizonte de inteligibilidade em que
surgem as práticas e instituições; ela também
significa que sou questionada por mim mesma.
Para Foucault, o questionamento de si torna-se
consequência ética da crítica” (BUTLER, 2015,
pp. 35-36; grifos no original).

Dito de outro modo, é no reconhecimento de


si diante das normas que se torna possível
para o indivíduo observar como um regime
de verdade específico determina os modos de
subjetivação ao qual ele está vinculado. Nesse
movimento, o indivíduo encontra possibilidades
não apenas para questionar determinadas
instituições ou discursos produtores de verdade,
mas suas próprias verdades enquanto sujeito.
Trata-se de um trabalho crítico sobre si mesmo
na relação com a alteridade. Uma busca por
correspondências com o outro, que se abrem

230
para a criação de processos de subjetivação nos quais
a ética é aquilo a ser permanentemente conquistado.

A série História do Brasil – little boys and girls (1975)


amplia as possibilidades nessa linha de sentido. A obra
é composta por seis peças de fotomontagem, nas quais,
sobre uma imagem de fundo – com prevalência de
tons preto e branco –, são colocadas outras coloridas.
Em três delas, sobre um rosto – precisamente em cima
dos olhos –, Geiger fixa fotografias de cores fortes nas
quais indígenas são retratados.

Para a escritora Laura Erber (Rio de Janeiro, 1979), no


artigo “Exercício de perspectiva” (2018), nesse trabalho

Geiger explicita a defasagem entre os discursos visuais de


afirmação da identidade nacional e a realidade do Brasil,
onde a cultura branca é o parâmetro de definição do
valor da natividade, ora atribuindo-lhe uma positividade
cultural oportuna e romântica, mas que a cristaliza como
peça museológica, ora excluindo-a e mantendo-a invisível
como parte de uma brasilidade na qual ela só cabe como
memória fóssil (ERBER, 2018).

A proposta de Erber enfatiza-se em três outras peças


de História do Brasil – little boys and girls, nas quais
as fotografias coloridas se sobrepõem à imagem de
uma cabeça/pescoço colocada como uma escultura
sobre um suporte, um fóssil humano. Seguindo
autora, trabalhos como História do Brasil – little
boys and girls e Brasil nativo/Brasil alienígena são
“performances cênicas” que tensionam os discursos
produtores da identidade brasileira. A crítica instaurada
pelas obras dobra-se em sua relação com o caderno
História do Brasil (1975).

O trabalho apresenta uma reprodução da pintura


Primeira missa no Brasil (1860), de Victor Meirelles
(Santa Catarina, 1832-Rio de Janeiro, 1903). No
quadro histórico, o padre português Henrique de
Coimbra (Coimbra, 1465-Olivença, 1532) reza uma
missa e tem como público soldados e indígenas. Uma
pintura que articula colonização e religião católica
com a fundação do Estado brasileiro (GILBERT, 2019,
p. 58).

Na obra de Anna Bella Geiger, surge em conjunto


com imagens coloridas utilizadas em História do

231
Brasil – little boys and girls. O movimentar
das páginas gera sobreposições que rearranjam
os sentidos para a obra. Durante dois anos,
entre 1974 e 1976, Anna Bella Geiger criou
mais de vinte cadernos, aos quais se refere
como “meus caderninhos”. Deles, uma série de
imagens e temas é retirada para a criação de
outros trabalhos. Eles são fundamentais para
compreender a relação da artista com a história
do Brasil e dos impactos do pensamento militar
a respeito da educação e do meio ambiente
(GILBERT, 2019, p. 51).

Zana Gilbert diz que eles constituem “um lugar


para expressar ideias que precisam de espaço
para se movimentar ou assumir seus ângulos
múltiplos. Da mesma forma que os vídeos” – e
suas as fotografias, eu acrescentaria –, “seus
livros são temporais e performativos”, afirma
a autora (2019, p. 59). Há em História do
Brasil – little boys and girls uma mobilização
do passado colonizador cristão por meio de
práticas artísticas – naquele momento, bastante
experimentais, e não mercadológicas (pois não
tinham valor comercial relevante).

Nas palavras de Dore Ashton (Nova Jersey,


1928), crítica de arte estadunidense, diante do
regime autoritário Geiger faz perguntas sobre
a natureza da arte, seu lugar na sociedade
e a situação do artista, resistindo às formas
convencionais da arte em um incansável
autoquestionamento (ASHTON, 2007, p. 161).
Por sua vez, Tadeu Chiarelli observa nos
procedimentos da artista uma problematização
da função e da natureza da obra de arte, uma
maneira de questionar um imaginário escorado
no ideal de brasilidade, que circula entre os seto-
res conservadores e institucionaliza-se por meio
do golpe de Estado (CHIARELLI, 2007, p. 82).

Uma brasilidade que pretende criar o Índio como


elemento visual exótico a ser comercializado
como cartão-postal, enquanto promove o
extermínio de populações originárias. A ideia de
uma menoridade sugerida pelo título História do
Brasil – little boys and girls, ao lado do caderno
com cenas da catequese e em conjunto com

232
as análises propostas até o momento, articula
de modo complexo processos pedagógicos
coloniais, produção de visualidades e violências.

imagem 25 Como abordado, o texto em inglês remete à De-


Anna Bella Geiger claração em retrato I, no qual são apresentados
História do Brasil – little boys desdobramentos de processos coloniais no siste-
and girls ma das artes: “querem ensinar, colonizar, civili-
1975 zar”. Enquanto no vídeo Geiger ocupa a posição
de sul-americana, brasileira, subalternizada,
em Brasil nativo/Brasil alienígena, História do
Brasil e História do Brasil – little boys and girls,
Geiger apresenta as contradições de sua própria
figura no território nacional.

As contradições em mobilizar figuras de pessoas
indígenas precisam ser pensadas. Geiger escora
seus trabalhos em fotografias apropriadas, nas
quais imagens clichês pretendem contrapor-se a
situações de violência e exploração. No entanto,
é necessário questionar se utilizar tais imagens
não acaba por recriar circuitos violentos. Uma
vez que os trabalhos são vendidos em grandes
feiras de arte por quantias significativas – e não
repassadas para organizações indígenas, por

233
exemplo –, não acabariam por atualizar a vio-
lência? As obras não acabam, por fim, corrobo-
rando aquilo que dizem querer combater?

imagem 26
Anna Bella Geiger
História do Brasil – little boys and
girls (detalhe)
1975

São indagações feitas sobretudo aos inúmeros


curadores e críticos que optam por não as fazer
– ainda hoje – quando tratam desses trabalhos. É
preciso compreender que a localização da artista,
como de grande parte de nós, é cambiante e
contraditória. É preciso trabalhar em favor de
uma atitude crítica permanentemente renovada,
ampliando as possibilidades de aparição de
múltiplos agentes, tensionando verdades e
ampliando possibilidade de recolocação contínua
do espaço público como lugar conversante.

Mobilizar tais camadas de sentido é seguir os


próprios movimentos de Geiger na construção de

234
práticas para uma crítica reflexiva e complexa,
afastada de dicotomias.

Enquanto escrevo estas linhas, recebo a notícia


de que o artista Jaider Esbell Makuxi (Norman-
dia, 1979-São Paulo, 2021), faleceu. Criado na
região de Roraima, na terra indígena Raposa do
Sol, o artista é destaque da 34ª Bienal de São
Paulo. É Dia de Finados, e o artista lembra que
o Brasil promove assassinatos políticos há mais
de cinco séculos. Não é demais escrever, ainda,
que dois mil indígenas foram assassinados no
país entre 2009 e 2019, um aumento de 21,6 %
(ACAYABA; ARCOVERDE, 2021).

Um trabalho de Jaider Esbell, de 2018/2019,


vem ao pensamento. Cartas ao Velho Mundo é
um livro com cerca de 400 páginas, realizado
a partir de intervenções no primeiro volume de
Galeria delta da Pintura Universal, uma enci-
clopédia ilustrada da história da arte ocidental.
Na Bienal, o trabalho está colocado em paredes,
assim como a montagem de Nearer de Geiger,
em Situações-limites.

Em uma das páginas, há uma garota branca


segurando uma bandeja na qual carrega uma
cabeça decepada. O artista interfere na obra
com canetas, colocando na cabeça adereços
facilmente associados a povos indígenas. Escreve
em branco, ao redor da figura feminina, dizeres
como: “carta ao velho mundo”; “a violência é
um ciclo longo”. “Ordens antigas continuam
ecoando e chegam agora às últimas florestas
virgens do mundo”. “A ordem exterminar”;
“Genocídio, indígena, Brazil”. Jaider Esbell
não se furta a construir perguntas incômodas,
atualizando a potencialidade crítica da arte para
a produção de modos de ver combativos ao ciclo
da violência do desaparecimento.

235
236
Movimentando imagens

Anna Bella Geiger é pioneira na videoarte


brasileira, e as relações que estabelece com a
mídia são nodais em suas práticas artísticas. Um
de seus mais reconhecidos vídeos é Passagens
(1974), primeiro trabalho da artista que conheci
e a partir do qual foram articuladas a primeiras
considerações sobre o trabalho de Geiger neste
projeto de doutorado.

Passagens I é filmado por Jom Tob Azulay e


elaborado em três movimentos: usando saia
e sapatos de salto, Geiger sobe três vezes a
escadaria de um prédio prestes a ser demolido
no Jardim Botânico, a escadaria situada na Rua
Santo Amaro, 29, e a escadaria do Instituto
Benjamin Constant, na Avenida Pasteur, 350,
criando sua geografia particular. No segundo
movimento, a exterioridade da cidade surge
marcada pela vivência pessoal da artista. Ela
caminha nas proximidades da casa em que seus
pais viviam ao imigrar da Polônia nos anos 1920
(BUTLER; SCHWARTZ, 2010, p. 360), trazendo
uma dimensão da história pessoal para a obra.

Passagens I traz assim intervalos que, sublinho,


podem significar tanto o espaço que separa
dois pontos como uma intermitência de tempo
entre dois momentos. Intervals (1969/1973) é
o título de um curta-metragem em 16 mm de
Peter Greenaway filmado durante uma estada
na cidade de Veneza no inverno de 1968 -1969.
As tomadas com câmeras estáticas filmam,
majoritariamente, a passagem de pessoas pelos
canais de Veneza.

No filme, quinze secções – uma de 13,5 segun-


dos, as outras de 6,6 segundos – são separadas
por um intervalo de 0,5 segundo e mostram três
vezes a mesma ordem, ocorrendo, ainda, outros
tipos de repetição. Os sons iniciam-se com um
metrônomo ao qual é adicionada uma variedade
imagem 27 de ruídos urbanos e uma voz que ensina a ma-
Jaider Esbell neira correta de pronunciar as letras do alfabeto
Cartas ao velho mundo (página em italiano. Ao final, escuta-se um trecho de
do livro) “Inverno”, das Quatro estações (1730) de Vivaldi
2018/2019 (MELIA; WOODS, 1999).

237
imagens 28, 29 e 30
Anna Bella Geiger
frames de Passagens I
1974

238
Passagens e Intervals são finalizados com um
ano de diferença. Discussões sobre o tempo-
espaço e as posicionalidades na construção de
imagens são mobilizadas pelos dois trabalhos.
Em Intervals a câmera está estática, fixada
em pontos específicos na cidade de Veneza,
apresentando recortes daquela urbanidade,
para os quais é produzida uma trilha sonora.
Em Passagens I a câmera acompanha o corpo
de Geiger, trazendo os sons do salto alto
quadrado da artista em contato com o chão.
Sons escutados durante o caminhar de Anna
Bella Geiger dentro de um prédio prestes a ser
demolido. Enquanto Anna Bella sobe a escadaria
da Rua Santo Amaro, latidos de cachorros e
assovios – ação recorrente dirigida a corpos
feminizados nas ruas de cidades brasileiras – são
ouvidos ao fundo.

Um corpo feminino que sobe e desce escadas,


passando de dentro (espaço privado) para fora
imagens 31, 32 e 33 (espaço público) evidentemente chama a atenção
Peter Greenway de pesquisadores interessados nas perspectivas
frames de Intervals feministas de análise (TRIZOLI, 2018, pp. 369-
1974 371). Os assovios enfatizam as especificidades
de um corpo feminizado caminhando pelas
ruas da cidade. Embora o uso de seu próprio
corpo no trabalho não carregue marcas de
uma expressão propriamente pessoal (FABRIS;
FABRIS, 2007, p. 168), tampouco se configura
como um espectro desencarnado. Dito de outro
modo, os discursos e práticas que produzem
corpos sexualmente diferenciados irrompem
no vídeo. Ao ser filmado em movimento pelas
ruas do Rio de Janeiro, o corpo da artista é,
inevitavelmente, compreendido com base nas
marcas de diferenciação produzidas como efeitos
das construções identitárias, pautadas no sistema
sexo/gênero.

Passagens I foi um dos vídeos de Geiger


apresentados na exposição Video art organizada
por Suzanna Delehanty, Ali, foram expostas
instalações com vídeos, como Tv Gardens (1974),
de Nan June Paik (Seul, 1932-Miami, 2006),
que em uma instalação mistura televisores e
plantas. Entre os trabalhos em película e vídeo
está Underscan (1974), de Nancy Holt, em que

239
aparece uma série de fotos da casa de sua tia
Ethel, gravadas enquanto são escaneadas. O
processo faz com que a foto estática adquira
uma versão mais alongada, mostrada no
trabalho nessa variação. Uma mesma vista da
sala de televisão tem, por exemplo, o aparelho
em dimensões distintas, ocorrendo o mesmo com
registros de sofás, cadeiras e outras peças de
mobiliário. Holt narra trechos de cartas de Ethel
escritas durante dez anos (HOLT, 2011).

imagem 34
página do catálogo da exposição
Video art
organização de Suzanna
Delehanty
Instituto de Arte Contemporânea
da Pensilvânia
1975

Valie Export (Linz, 1940) participa da mostra


Video art com Vendo e ouvindo o espaço
(Raumsehen und Raumhören, 1974)19. A artista 19 A câmera é de Wink van
explora o cinema expandido, entendido como Kempen, Henk Elenga e Frederic
“a expansão do fenômeno ótico, mas também Kappelhof (Lijnbaan Centrum,
a desconstrução da realidade dominante e da Rotterdam), Edição de Valie
linguagem que ele constrói” (Export, citada Export.
em LAMB-FAFFELBERGER, 2014, p. 24).
Vendo e ouvindo o espaço traz o corpo de
Export reposicionando-se no espaço não pelo
movimento, mas pela alteração do ângulo de
filmagem, instaurando discussões sobre espaço,
tempo e corpo que acompanharão sua trajetória.

240
Com uma poética marcada pelos debates
feministas, Valie Export investiga a produção
de imagens, explorando o próprio potencial do
instrumental fílmico e fotográfico. A artista
torna visíveis os mecanismos de produção dos
imaginários, das linguagens que constroem
os mapas cognitivos, sugere Margarete Lamb-
Faffelberger (2014, p. 26).

Na série de fotografias Configurações corporais


(Körperkonfigurationen), realizada a partir da
década de 1970, Valie Export explora a cons-
trução de imagens que priorizam a relação
entre seu próprio corpo e paisagens ambientais
e arquitetônicas. Em muitas dessas ações foto-
grafadas Export torna-se parte da arquitetura
(FORE, 2012). Em três fotos da série a artista
posiciona-se em escadarias em uma ação cujas
possibilidades de sentido aproximam-se do que
está no vídeo Passagens I. Uma dimensão mais
explícita dessa relação é a escolha desse tipo de
construção de passagem, esse intervalo, que são
as escadarias. As escadas das paisagens urbanas
de Geiger e Export são igualmente vazias (AL-
MOZARA; CAMNEV; DONATI, 2020, p. 177).

imagens 35 e 36
Valie Export
frames de Vendo e ouvindo o
espaço
1974

imagem 37
Valie Export
Alongamento
série Configurações Corporais
1972

Os dois trabalhos possibilitam debates sobre a


aparição dos corpos femininos no espaço público
e a produção imagética. Configurações corporais

241
pode ser compreendida, diz Margarete Lamb-
Faffelberger, como uma resistência aos modelos
de construção do espaço público, notadamente
entendido como masculino, interferindo
nas estruturas arquitetônicas (LAMB-
FAFFELBERGER, 2014, p. 27). Em Passagens
essa ação de expor a si pode, igualmente,
ser compreendida como uma forma de
“reivindicação do espaço público”, colocando-se
como “personagem ativa”, como sugere Isadora
Mattiolli (2018, p. 81). A produção de imagens
em movimento – seja o cinema de Hollywood
ou as propagandas de televisão – é marcada por
um grande interesse por corpos feminizados. No
mais das vezes, as mulheres nessas produções
são figuradas de formas passivas e erotizadas.

Laura Mulvey, no texto “Prazer visual e cinema


narrativo” – cuja primeira versão é elaborada
em 1973 (MULVEY, 1983) –, traz contribuições
importantes para as discussões que envolvem
cinema, psicanálise e feminismo. Para a autora, 20 A noção de falocentrismo
o prazer do olhar suscitado pelas imagens em configura-se, por um lado,
movimento constitui-se com base na divisão com base na crença na
ativo/masculino e passivo/feminino (MULVEY, constituição do sujeito pautado
1983, p. 444). As mulheres são exibidas na racionalidade, que domina
em papéis que reforçam as identidades do o pensamento moderno, um
imaginário erótico falogocêntrico20. Para Isadora sujeito construído a partir
Mattiolli, com Passagens I, Geiger caminha de um sistema de signos
no “contrafluxo” desse modo de produção de e de representações, que
imagens. Sugiro que Valie Export, no vídeo visa a estabelecer o real e a
Vendo e ouvindo o espaço, opera desse mesmo verdade e, desse modo, uma
modo, desfazendo estereótipos identitários. identidade fundada na razão
(logocentrismo). Apoiada, or
As artistas são ativas em suas proposições, in- outro lado, sobre a ideia de que
serindo seus corpos/olhares em debates sobre os o sujeito pensante se constitui
modos de produção de imagens em discussões em termos da masculinidade.
artístico-filosóficas sobre a produção de tempos Em outras palavras, um sujeito
e espaços. Laura Mulvey – no prefácio do livro constituído por meio de um
European women’s video art in the 70s and 80s sistema de representação
(Videoarte de mulheres europeias nos anos 70 no qual as mulheres estão
e 80, 2019) – diz que o vídeo materializa no- submetidas aos discursos e
vas formas de conceber o tempo e o espaço, imagens produzidos pelos
tornando possíveis a expansão e fragmentação homens (falocentrismo). A
do tempo presente e possibilitando a criação junção das duas noções tem
de níveis inesperados de simultaneidade (MUL- por efeito a definição de
VEY, 2019, p. XXI). Valie Export, em seu “Arte falogocentrismo (BRAIDOTTI,
de mulheres: um manifesto”, escrito em 1972 e 2004, p.189).

242
publicado em 1973 no número 228 da revista
Neues Forum (EXPORT, 2014), sugere que trazer
a situação específica da mulher para o contexto
artístico estabelece signos e sinais que possibi-
litam novas formas de expressões artísticas e
serve para transformar o entendimento histórico
sobre as mulheres (Export, citada em PATRIDGE,
2019, pp. 118-119).

Para Anna Bella Geiger, nos anos 1970, “o uso


da imagem virtual” levou “necessariamente
à mudança na própria relação com a forma
do objeto”. Assim, com “o uso do vídeo, do
super-8, da fotografia”, seu trabalho “irá, através
dessa necessidade de uma ação performática,
assumir diversas formas”. De acordo com Geiger,
pensando retrospectivamente sobre aquele
momento, essas práticas estéticas emergem em
meio à “busca de uma maior possibilidade de
indagar sobre um mundo em que as experiências
individuais assumem cada vez mais um caráter
coletivo. Isso criava sentidos específicos dentro
do contexto da época” (GEIGER, 2007b, p. 136).
O ato de expor a si é marcante nos trabalhos de
Anna Bella Geiger e Valie Export e compõe suas
práticas artísticas de modo mais ampliado. Criar
imagens em movimento é algo que se populariza
com equipamentos como o super-8 e o portapak,
nas décadas de 1960 e 1970. Do mesmo modo,
desde o pós-guerra a televisão progressivamente
começa a se tornar presente nas casas de pessoas
em diversas partes do mundo. No catálogo da
exposição Video art – na qual são apresentados
trabalhos em película e vídeo –, David Antin
pergunta se seria essa forma de arte um novo
gênero? (ANTIN, 1975, p. 57).

A indagação explicita a mudança que opera no


território das artes o uso das imagens em movi-
mento. Nessa transformação, a participação das
mulheres é fundamental. A inserção de figuras
femininas produzidas por mulheres no imaginá-
rio, permitida pelo uso da fotografia e do vídeo,
é um acontecimento inédito. As tecnologias de
produção de imagens massificáveis, que tanto
exploram as identidades femininas, são também
as que possibilitam às artistas produzirem ima-
gens de si de modos ampliados.

243
A participação de Anna Bella Geiger na mostra
Video art é resultado do trabalho de Walter
Zanini. Como diretor do MAC, Zanini negocia
e envia os trabalhos não só de Geiger, mas de
Sonia Andrade (Rio de Janeiro, 1935), Fernando
Cocchiarale (Rio de Janeiro, 1951), Ivens
Machado (Florianópolis, 1942) e Antonio Dias
(DELEHANTY, 1975, p. 5). Entre os trabalhos
enviados, apenas os de Antonio Dias não foram
feitos com a câmera Sony Portapak de Tom
Azulay. Video art viaja pelos Estados Unidos,
saindo da Pensilvânia para The Contemporary
Arts Center em Cincinnati, para o Museum of
Contemporary Art em Chicago e o Wadsworth
Atheneum em Hartford. Em 1975, Jack Boulton
– diretor do Museu de Cincinnati – organiza
Video art USA como parte do programa da 13ª
Bienal de São Paulo que, vale sublinhar, naquele
momento sofria um boicote por parte de artistas
nacionais.

Nos currículos dos artistas brasileiros apresen-


tados no catálogo de Video art, Sônia Andrade,
Fernando Cocchiarale e Ivens Machado refe-
rem terem sido alunos de Anna Bella Geiger
no MAM-RJ. A participação de Walter Zanini e
Anna Bella Geiger é fundamental no Brasil para
a construção de práticas educacionais e cura-
toriais abertas às práticas contemporâneas, tal
como fotomontagem, xerox, arte postal, video-
arte, performance. Trata-se de uma abertura para
a imaginação no território artístico, mobilizada
pelo uso de tecnologias de produção de imagens
para grande difusão e circulação.

A partir dos anos 1970 uma série de artistas


e intelectuais atua no interior das instituições
ligadas às artes áudio|visuais. A crítica e
curadora Fabrícia Cabral de Lira Jordão
define essas atuações e contribuições como
“ativismo institucional” – caracterizado como
uma estratégia de atuação política específica
do e para o meio das artes entre 1974 e 1989
(JORDÃO, 2018, pp. 82-83). A atuação de Zanini
como diretor do MAC (1963-1978) é trazida por
Jordão (2018, p. 246), recorrendo aos escritos
de Dária Jaremtchuk (2013), que lembra: “Em
meados dos anos de 1970, por exemplo, o

244
museu comprou um equipamento de vídeo e
disponibilizou-o para uso dos artistas, em um
momento em que seu custo era ainda proibitivo,
o que viabilizou a realização de inúmeros tra-
balhos de videoarte” (JAREMTCHUK, 2013, p. 8).
21 “Criado em maio de 1972
a partir do encontro da Aracy Amaral (São Paulo, 1930) é outra
historiadora e publicitária Maria facilitadora da inserção de trabalhos brasileiros
Luiza de Alencar e do cineasta em videoarte (DELEHANTY, 1975, p. 5) e
Abrão Berman, o Grupo de uma das primeiras a organizar uma mostra
Realizadores Independentes sobre o tema no Brasil. Na sede do Grupo
de Filmes Experimentais de Realizadores Independentes de Filmes
(Grife) consolidou-se como Experimentais (Grife)21, a Expo-projeção (1973)
importante espaço de formação exibe trabalhos das consideradas novas mídias,
e difusão artística, cultural como audiovisuais com slides, filmes em super-8
e cinematográfica, sendo o e 16 mm, além de obras sonoras. À época,
propulsor do uso da então Aracy Amaral defende que a mostra é concebida
novidade, o super-8 mm, na como uma manifestação crítica em relação ao
cidade e no país” (CRUZ, 2016). presente. A Expo-projeção configura-se, em suas
palavras, como uma

apresentação pública entre nós de formas novas


de expressão artística, coletivamente. [...] a fim de
mostrar que a criatividade, apesar de quaisquer
pressões, é sensível à ativação provocada pela
realidade ambiental. E tentar ler no gesto criativo traz
sempre a possibilidade de diagnosticar o estado de
saúde dessa mesma realidade (AMARAL, 1973).

Entre os artistas participantes estão Anna


imagem 38 Maria Maiolino, Iole de Freitas (Belo Horizonte,
capa do catálogo da exposição 1945), Lygia Pape, Marcelo Nitsche (São Paulo,
Expoprojeção 1942 -2017), Antonio Dias e Cildo Meirelles.
organização de Aracy Amaral Anna Bella Geiger participa com os slides
sede Grife sincronizados com áudio de Circumambulatio
1973 (AMARAL, 1973).

No mesmo ano, 1973, a curadora Regina


Cornwell (Estados Unidos, 1941) envia
videotapes de dezessete artistas da comissão
estadunidense para a XII Bienal de São Paulo.
Entre eles estão Richard Serra (São Francisco,
1938) e Vito Acconci (Nova York, 1940-2017),
exibidos em videocassetes vindos do MoMA de
Nova York, pois no Brasil não havia o aparelho
(AMARANTE, 1989, p. 222). Na abertura do
catálogo, lê-se uma “homenagem” a “Sua
Excelência, o Senhor General Emilio Garrastazu

245
Medici, Presidente da República” (Catálogo da
XII Bienal de São Paulo, 1973, p. 3). Noventa
por cento dos artistas brasileiros foram re-
provados para a Bienal, tendo como efeito uma
mostra paralela, a Bienal dos Recusados. Assim,
“no dia 5 de outubro, enquanto as autoridades
inauguravam a exposição no Ibirapuera, a
Galeria Espade, na Rua Pamplona, em São
Paulo, abria as portas para as obras de 78 dos
236 rejeitados pelo júri”, conta a jornalista e
curadora Leonor Amarante (1989, p. 214).

O crítico Roberto Pontual dedica uma série de imagem 39


escritos ao tema das novas mídias, em particular página do catálogo da exposição
a videoarte, publicados no Jornal do Brasil em Expoprojeção
1975. Evidentemente, o tema estava em voga, organização de Aracy Amaral
com a presença da mostra Video art USA na 1973
XIII Bienal de São Paulo e a expectativa de sua
itinerância para o MAM-RJ, em 1976. No texto
“Da fotografia ao vídeo-tape: detendo a imagem
em movimento” (1975a), que, publicado no
Jornal do Brasil, traz em destaque um frame do
vídeo Passagens I de Geiger, Roberto Pontual
critica incisivamente a produção brasileira de
imagens em movimento externas ao território
do cinema. Em suas palavras, com algumas
exceções, os artistas que trabalham com o
super-8 e o videoteipe, pouco preocupados
com a pesquisa dos novos meios, fazem dos
equipamentos “meros espelhos para o exercício

246
imagem 40
matéria de Roberto Pontual
Jornal do Brasil, Caderno B, Rio
de Janeiro, 7 jan. 1975

de um registro impressionista da realidade ou


para um ato narcisista gratificante a quem o
pratica, porém vazio da substância cultural, que
se poderá ver levantada eficazmente em termos
menos autobiográficos” (PONTUAL, 1975a).

Cerca de um mês depois, Pontual é mais elogioso


a respeito da produção estadunidense. O crítico
destaca o trabalho de Nan June Paik, citando as
palavras do artista para encerrar o artigo “De
uma viagem a Nova York IV: video art e arte
vídeo”: “a videoarte não consiste apenas em
uma tela de TV e em uma fita gravada – é toda
uma vida, uma nova maneira de vida” (Paik,
citado em PONTUAL, 2013a, p. 247). Frederico
Morais – por ocasião da abertura da Video art

247
USA no MAM, em 29 de janeiro de 1976 – diz
estarem equivocados aqueles que supõem ser a
videoarte um efeito do binômio arte-tecnologia.
O crítico afirma, em “Vídeo-arte: Revolução
cultural ou um título a mais no currículo dos
artistas?” (1976), que o surgimento da videoarte
está envolto num processo de “tornar a cultura
portátil” (MORAIS, 1976).

Morais defende que “a miniaturização do


equipamento, seu baixo custo e fácil manuseio
estão permitindo o acesso de um maior número
de artistas à criação individual num campo
antes dominado por grandes empresas e, ao
mesmo tempo, criando um novo público”.
Para ele, “surge, assim, uma cultura de bolso:
a videoperformance é chamada por alguns de
teatro de bolso” (MORAIS, 1976). Essa tecnologia
é usufruída no território artístico, abrindo
caminho para a criação de imagens inusitadas,
destoantes e muitas vezes consideradas pelo
público “dos circuitos fechados da arte erudita,
dos salões de exposições de artes plásticas,
enfim, o público de museus e galerias” um tanto
quanto “monótona devido à repetição exaustiva
da mesma imagem, ao seu caráter estático
(contra o dinamismo da TV convencional [...]”
(MORAIS, 1976).

Anna Bella Geiger, anos antes, questionada


sobre as relações entre a tecnologia e a criação
artística, faz um instigante comentário:

no barroco o artista viu Copérnico descobrir que a


Terra não era mais o centro do universo. O espaço
infinito surgiu como oposição ao espaço tensamente
controlado e claramente limitado do Renascimento.
A tecnologia ajuda a desmistificar, portanto, ampliar
nossos limites (GEIGER, 1970, p. 33).

Algo próximo ao que escreve Foucault, “o


grande escândalo da obra de Galileu não foi
ter descoberto, ou melhor, redescoberto que a
Terra girava em torno do Sol, mas ter construído
um espaço infinito e infinitamente aberto”
(FOUCAULT, 2009, p. 412). A relação entre
abertura de espaços e transformação nos modos
de ver é trazida na fala da artista e do filósofo.

248
Relacionalmente, as compreensões sobre o
espaço transformam e alteram os modos de
produzi-lo simbólica e materialmente. Geiger e
Foucault lembram Copérnico e Galileu em suas
potências imaginativas e científicas de abertura
do espaço. Galileu, diz Foucault, fez com que o
lugar das coisas e dos indivíduos significasse um
ponto em seu movimento, o espaço construindo-
se como uma extensão (FOUCAULT, 2009, p.
412). A modernidade instaura-se, no entanto,
por meio de múltiplas relações com o espaço, e,
por meio de uma relação menos imaginativa e
mais sacralizada, são sustentadas as divisões
entre público e privado, familiar e social, útil e
cultural, trabalho e lazer (FOUCAULT, 2009, p.
413). As sociedades disciplinares – situadas por
Foucault entre o século XVIII e princípios do
século XX (DELEUZE, 2006, p. 219) – são
marcadas por esse pensamento espacial binário
instaurador dos espaços de confinamento: lar,
fábrica, escola, prisão, hospital. E, assim,
“nunca temos tempo para sonhar” (DE DECCA,
1982, p. 11).

É fim da década de 1960 quando Foucault


escreve sobre esses temas no texto para o
Cercle d’Études Architecturales. Ali, diz que
a compreensão do espaço como extensão
começa a transmutar-se para uma ideia dele
como posicionamento. Isso significa que
ele é “definido pelas relações de vizinhança
entre pontos ou elementos”, sendo possível
formalmente pensá-los como “séries,
organogramas, grades” (FOUCAULT, 2009, p.
412). O problema do posicionamento compõe-se
de preocupações sobre as relações de vizinhança,
o tipo de estocagem, circulação, localização.
O espaço contemporâneo é constituído “sob
a forma de relações de posicionamento”
(FOUCAULT, 2009, p. 413).

Essas considerações encontram reverberações e


conversações com a “poética em arquipélago”
(NAVAS, 2007) de Anna Bella Geiger. Os
elementos de seu trabalho arranjam-se e
rearranjam-se, dependendo das relações entre
o problema do tema e do meio. Em práticas
estabelecidas pela compreensão, naquele

249
momento histórico, de que o espaço é, entre
outras coisas, “um elemento real, uma presença
em tudo o que concebemos. Tudo é espaço [...]”
(GEIGER, 1970, p. 35). Didi-Huberman, duas
décadas depois, pensando sobre O que vemos,
o que nos olha (1992), dirá que o espaço “não
é uma categoria ideal do entendimento, mas o
elemento despercebido fundamental de todas as
nossas experiências sensoriais ou fantasmáticas”
(DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 246).

As aproximações de sentidos entre Geiger e


Didi-Huberman são efeito das considerações
de Navas (2007). O autor, em texto sobre a
artista, usa como epígrafe as palavras de Didi-
Huberman:

as imagens – as coisas visuais – são sempre já lugares:


elas só aparecem como paradoxos em atos nos quais
as coordenadas espaciais se rompem, se abrem a nós e
acabam por se abrir em nós, para nos abrir e com isso
nos incorporar (NAVAS, 2007, p. 16; DIDI-HUBERMAN,
2013, p. 247).

A partir de tal avizinhamento, articulo a relação


entre produções imagéticas e espaciais. O espaço
só aparece “na dimensão de um encontro em
que as distâncias objetivas sucumbem, em que
o aí se limita, se separa do aqui, do detalhe,
da proximidade, do visível”. As formas de
visualidade são constituídas e constituidoras do
espaço e da arte contemporânea. E é condição
inerente do ser visível a relação, o outro. O
espaço “portamos [...] diretamente na carne”
(DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 246); em outras
palavras, o espaço e o corpo são um continuum
espiralado dentro-fora. Para se ver algo – escutar
deve ser acrescentado aqui –, é necessária uma
aproximação com o outro, que só é possível com
a separação entre o eu e o outro.

A impossibilidade de os seres humanos se verem


em perspectiva distanciada, a não ser pelo olhar
do outro ou por espelhos, fotografias, vídeos
– aparatos que permitem, cada qual de sua
forma, reflexividades –, é condição da imagem.
Da mesma maneira, é exigência do espaço que
“subitamente se apresenta, e com ele o jogo

250
paradoxal de uma proximidade visual que
advém numa distância não menos soberana,
uma distância que ‘abre’ e ‘faz aparecer’”
(DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 247). Rememoro
aqui linhas anteriores e as considerações
sobre as aberturas desérticas que Anna Bella
Geiger traz em Circa, nos caminhantes dos
registros de Circumambulatio nas areias da
lagoa de Marapendi e/ou naqueles da fotografia
apropriada que compõe Situações-limite.

Na poética de Geiger, a criação de um espaço


expandido relaciona-se com as formas de mon-
tagem – tal qual no cinema, no vídeo, na televi-
são –, por meio da qual os fragmentos estabele-
cem relações. A série Situações-limite evidencia
essa dimensão, sendo, para Geiger, importante

a escolha das imagens e a colocação delas, passando


por um processo de serem fotografadas, algumas são
uma situação ao vivo, como o serrote – que serra a
mesa de mármore, uma situação quase impossível.
Outras anônimas, como eu disse... de repente a goela
do peixe, situações que te engolem e mitologias. Fui
deixando a intuição vir para as imagens
(GEIGER, 2018d).

Ao mencionar situações que a engolem e à goela


de um peixe, Anna Bella refere-se a uma das
fotografias de Situações-limite 2 (1974). Nela
– abaixo de uma imagem na qual uma figura
humana está numa escala ínfima diante das
construções que observa – está colocada a boca
de um peixe lado a lado a uma arcada dentária
humana. A boca do peixe, como abertura para
um espaço ampliado e desconhecido, está no
verbete “Espaço”, publicado por George Bataille
(Billom, 1897-Paris, 1962), na revista Documents
(1930, p. 97). A imagem de peixes – tirada de
um documento zoológico – é acompanhada,
como lembra Didi-Huberman (2013, pp. 96-97),
das palavras “o espaço pode virar um peixe que
come outro” (BATAILLE, 1930, p. 43).

22 A revista foi organizada por Há uma relação entre o olhar, o espaço e a


Bataille e publicada em Paris voracidade que surge na montagem de Bataille
entre 1929 e 1930, contando para Documents22. Algo relacionado ao “ter lugar
com quinze números. e desaparecer ao mesmo tempo, se formar e se

251
252
imagem 41 deformar ao mesmo tempo” (DIDI-HUBERMAN,
Anna Bella Geiger 2013, p. 97). Em Situações-limite 2, a imagem
Situações limite 2 (série) do peixe como abertura está ao lado de uma
1974 figura humana que encara a imensidão de
construções arquiteturais. A pequena figura está
diante de enormes portas que não se pode saber
aonde levarão. São inúmeras as possibilidades
de sentido que a conversa entre as duas imagens
de Situações-limite 2 instaura. Aproximadas de
Bataille e Didi-Huberman, trazem a dimensão do
aparecimento e desaparecimento, que se abrem
no território filosófico para discussões sobre a
reflexividade.

imagem 42 Os modos de criar o espaço contemporâneo –


página do verbete Espaço cuja forma se constitui por meio de relações de
escrito por Bataille posicionamento – são indissociáveis, portanto,
na revista Documents das transformações dos modos de produzir,
Paris transmitir e receber imagens. Nessa relação,
1930 as mudanças trazidas pelos equipamentos de

253
filmagem – nas camadas psíquicas e materiais –
têm impacto na elaboração de imaginários. Há
outra dimensão fundamental relativa às imagens
em movimento e à tecnologia que se relaciona
diretamente com a produção artística daquela
situação histórica que é o acontecimento da TV.
No Brasil, a televisão consolida-se como “carro-
chefe da indústria cultural” nos anos 1970, em
uma relação íntima com o governo ditatorial
(HAMBURGER, 2006, p. 49).

A Rede Globo é central nessa relação entre a


produção e transmissão, bem como na recepção
de imagens em movimento no Brasil. No Canal
4 do Rio de Janeiro, começa a “transmitir em
rede uma programação única e de produção
centralizada em setembro de 1969, quando
estreou o Jornal Nacional” (KEHL, 1986)23. Em 23 Maria Rita Kehl, recorrendo
“Eu vi um Brasil na TV”, título sugestivo de aos “dados da revista Rede
Maria Rita Kehl, a psicanalista afirma que a Globo – 15 anos, editada e
Globo atua na busca pela unificação de um “país distribuída pelo Departamento
fragmentado”. Uma “integração” que ocorre de Comunicação da Rede
numa dimensão “do imaginário” (KEHL, 1986). Globo, janeiro de 1980”, relata
que, na década de 1970, “são
Nas análises de Kehl, com a programação cinco emissoras geradoras
nacional, a Rede Globo incumbe-se de criar em rede (o número máximo
a imagem de um “Brasil moderno, urbano, de emissoras para um mesmo
industrializado”, no qual a Empresa Brasileira grupo proprietário permitido
de Telecomunicações (Embratel) ocupa lugar pelo Código Nacional de
fundamental (KEHL, 1986). Criada em setembro Telecomunicações vigente), mais
de 1965, a Embratel marca “a retirada da 36 emissoras afiliadas (maneira
iniciativa privada dos serviços de telefonia tranquila de se contornar a
interestadual e internacional” (PEREIRA FILHO, limitação de geradoras imposta
2002, p. 37)24. pelo código, uma vez que a
geração da programação é
A partir 1967, o governo do general Costa totalmente centralizada em
e Silva determina que o Ministério das São Paulo e Rio) e centenas de
Comunicações deverá gerir a Embratel – estações repetidoras municipais.
antes subordinada diretamente à Presidência Esta imensa rede transmite
da República –, o Conselho Nacional de uma única programação para
Telecomunicações (CONTEL) e o Departamento cerca de 75% dos 15 milhões de
de Correios e Telégrafos (DCT). No mesmo ano aparelhos de televisão existentes
é transferida para a Embratel a exploração dos no país” (KEHL, 1986).
serviços telefônicos. Rapidamente, portanto,
telefones e televisões alcançam as regiões mais 24 Vale lembrar que, “desde
variadas do Brasil, facilitadas pela comunicação o final do século XIX até a
via satélite. Assim, “as televisões puderam segunda metade dos anos
transmitir a chegada do homem à lua em 1969 1960, o setor de telefonia

254
brasileiro foi operado por e o Campeonato Mundial de Futebol em 1970”
companhias privadas, em grande (PEREIRA FILHO, 2002, p. 38). A televisão torna-
parte formadas por capitais se constitutiva da paisagem, uma nova maneira
estrangeiros [...]” (PEREIRA FILHO, de vida, tal qual na obra de Nan June Paik,
2002, p. 33). De acordo com José TV Gardens; ela reorganiza o olhar e o espaço,
Eduardo Pereira Filho, a criação como na sala de TV de tia Ethel, no Underscan
da Embratel “nos anos 1960 de Holt.
correspondeu às expectativas
econômicas e políticas em favor
da atuação direta do Estado em
setores estratégicos, como foi e
é o caso das telecomunicações.
Naquele período, em várias
regiões do mundo, o Estado era
um ator central na formulação
das políticas econômicas e
sociais, fosse o regime socialista
da URSS, do Leste Europeu e da
China, ou o Welfare State da
Europa Ocidental ou, também, o
desenvolvimentismo da América
Latina” (PEREIRA FILHO, 2002,
p. 33).

255
256
Reflexividades: experimentações
e exposições do eu

Anna Bella Geiger “produz obras emblemáticas


para a história da videoarte no Brasil”, nas
quais “prevalece o experimentalismo, o mau
acabamento, as imperfeições das imagens, a
atitude crítica em relação ao contexto social e,
sobretudo, a rejeição da estética e da narrativa
televisiva” (JAREMTCHUK, 2007b, pp. 126-127).
A lentidão e a repetição dos movimentos são
outras características marcantes na produção de
imagens em movimento contrapostas ao aparato
televisivo. Em Passagem I, assim como em uma
série de outros vídeos, fotografias e fotocolagens
produzidas por Geiger, seu próprio corpo é
posto em ação para trabalhar problemas sobre
o espaço e o tempo. Geiger conta que naquele
momento estava envolvida

com a coisa do Circumambulatio e do vídeo


Passagens. Juntou tudo em uma coisa muito mais...
vou chamar de espiritual, em um sentido simbólico.
Estou jogando para o simbólico para falar do
momento. Encontrei esse modo, que não é uma
questão de metáfora, é um pouco diferente: eram
as minhas formas iniciáticas de lidar com o próprio
momento (GEIGER, 2018c, p. 212).

O simbólico na poética de Geiger tem sentidos


aproximados provenientes de Jung e Eliade,
como visto no capítulo anterior. No entanto, é
possível expandir a compreensão dessa noção
em suas práticas artísticas, considerando as
palavras de sua professora Fayga Ostrower. No
livro Criatividade e processos de criação (1977),
Ostrower afirma que “formas simbólicas” se
referem à “configuração de uma matéria física
ou psíquica (configurações artísticas ou não-
artísticas, científicas, técnicas, comportamentais)
em que se encontram articulados aspectos
espaciais e temporais” (OSTROWER, 1984,
p. 25).

imagem 43 Ostrower associa o simbólico – entendido como


Anna Bella Geiger figuras do espaço-tempo – a uma tradução de
Situações limite 4 (série) “momentos dinâmicos” daquilo que constitui
1974 um indivíduo. Para ela, é em termos espaciais e

257
temporais que é possível avaliar a si próprio e
as “experiências do viver” (OSTROWER, 1984,
p. 25). Jaremtchuk, analisando o simbólico em
Passagens, recorre ao Dicionário de símbolos
de Jean Chevalier e Alian Geenbrant (1986)
e aponta as escadarias como “progressão do
saber”, “ascensão para o conhecimento”. Uma
dimensão que, se associada à Circumambulatio,
localiza esse conhecimento como algo
direcionado ao self (JAREMTCHUK, 2007b,
p. 122). Adensando essa camada de sentido,
recordo que Jung traz a escada e os degraus
como “processo de transformação anímica e suas
peripécias” (JUNG, 1991, p. 72).

Circumambulatio e Passagens trazem a imagem


do movimento de ascensão: no primeiro
trabalho, com a história de Babel e a procura
pelo Céu, e no segundo com as escadarias
intermináveis pelas quais Geiger sobe.
Jaremtchuk remarca esse sentido em Passagens,
inspirando-se nas páginas do catálogo da
8a Jovem Arte Contemporânea (JAC, 1974).
Ocorrida no MAC-USP, a JAC exibiu, entre
outros, os trabalhos enviados para a mostra
Video art, nos EUA. No catálogo leem-se as
palavras “Ascender”, “Transcender”, “Passar” imagens 44 e 45
e “Passagens”, escritas na parte superior da capa e página do catálogo JAC
página, acompanhando um frame do vídeo MAC-USP
no qual Geiger sobe as escadarias do Instituto 1974
Benjamin Constant. organização de Walter Zanini

Esses sentidos estabelecidos por Jaremtchuk


para as escadarias em Passagens – de uma
“ascensão para o conhecimento” do self, de
um pensamento sobre a própria constituição
do sujeito – ampliam-se e deslocam-se
considerando uma genealogia sobre a noção de
conhecer a si. Nos estudos de Michel Foucault,
conhecer a si relaciona-se ao cuidar de si,
referindo-se simultaneamente a práticas pessoais
e sociais na procura por uma arte da existência
(FOUCAULT, 2007;2010;2019). Essas práticas do
cuidado de si, essas técnicas de si são elaboradas
na cultura greco-romana da Antiguidade e estão
ligadas à criação de certos valores morais, que
visam, fundamentalmente, à constituição de uma
ética pessoal (FOUCAULT, 2006, p. 290).

258
259
O cuidado de si refere-se a um “fenômeno que
envolve a ideia da necessidade de um trabalho
que cada indivíduo deve ter para consigo e que
a sociedade deve assegurar e apoiar” (FONSECA,
2007, p 125). Dessa maneira, o cuidado de si é
um princípio que organiza o desenvolvimento e
as práticas das artes da existência, referindo-
se aos exercícios que o indivíduo aplica,
simultaneamente, em seu corpo e em sua alma,
e que constituem, acima de tudo, uma atividade
de caráter social (FONSECA, 2007, p. 124).
Trata-se de práticas “sociais e pessoais” nas
quais o conhecimento de si ocupa “um lugar
considerável” (FOUCAULT, 2007, p. 63).

O princípio de conhecer a si está no limite


desse cuidado; em outras palavras, voltar-se
para si mesmo é necessário para sua elaboração
enquanto sujeito relacional (MUCHAIL, 2011,
p. 46). Conhecer a si não se refere – como na
tradição judaico-cristã – ao reconhecimento pelo
sujeito de uma “identidade estruturalmente já
construída e substancialmente sempre a mesma”
(MUCHAIL, 2011, p. 88). O sujeito ao qual se
refere o “si” é estabelecido como um “eu ético”,
ou seja, “compreendido como transformável,
modificável, é um sujeito que se constrói [...]” na
relação de si para consigo (GROS, 2006, p. 125).

Essa reflexividade – relação consigo – constrói-


se como uma prática para a elaboração de si
enquanto sujeito ético, em um movimento no
qual conhecer a si não procura estabelecer uma
identidade fixa, mas produzir a própria vida, o
bíos. Nas palavras de Foucault, “bíos é essa parte
da vida que é da esfera de uma técnica possível,
de uma transformação refletida e racional”
(FOUCAULT, 2019, p. 33). Dito de outra forma, as
técnicas de si emergem como práticas refletidas,
por meio das quais os indivíduos procuram
elaborar a própria vida, que é inseparável da
vida social.

Há, na escolha de Geiger com suas Passagens,


um gesto de exposição, um afirmar-se no
espaço público como artista, que se configura
como atitude crítica à construção dos modelos
de feminilidade na modernidade, que afirmam

260
serem as mulheres incapazes para a arte.
Atividade pública por excelência, a arte moderna
é frequentemente imaginada como prática
exclusivamente masculina. As mulheres, por
sua vez, pertenceriam naturalmente à esfera
privada, discurso reiterado de diferentes formas
nas distintas classes sociais. A separação entre
público e privado é simultaneamente forma de
racionalização e de governo (PERROT, 2005, p.
459), e essa diferenciação é produzida também
por uma série de imagens (MAYAYO, 2018).

As imagens em movimento construídas por


Anna Bella Geiger nos vídeos Passagens trazem
como uma forte dimensão o ato de “expor a
si”. Uma ação que ganha contornos específicos
quando observados os efeitos das marcas da di-
ferenciação de gênero, tais quais os assovios ao
fundo. Judith Butler formula interessantes con-
siderações a respeito da “exposição ao outro” e
lembra que as histórias que constroem um corpo
não são totalmente narráveis, há uma opacidade
parcial incontornável na relação que ele estabe-
lece consigo mesmo (BUTLER, 2015, p. 54).

Nas palavras de Butler: “Há uma parte da


experiência corporal – daquilo que é indicado
pela palavra ‘exposição’ – que não pode ser
narrada, mas constitui a condição corporal do
relato narrativo que damos de nós mesmos
[...]” (BUTLER, 2015, p. 35). Parte da infância
como imemorável e inacessível ou inconsciente
para mobilizar dimensões psicanalíticas que
interessam à autora. A opacidade, a parte
inenarrável de si é – na perspectiva Butler
– constituidora dos aparelhos psíquicos.
Pensando em articulações que se aproximam
das discussões que envolvem cuidado de si e
autobiografia, Butler diz que fazer um relato de
si é “um tipo de exposição de si, uma exposição
com propósito de testar se o relato parece
correto, se é compreensível pelo outro, que o
‘recebe’ por meio de um conjunto de normas”
(BUTLER, 2015, p. 166).

A exposição está relacionada com a norma


na medida em que, quando alguém publiciza
as histórias de si, o faz como adequações,

261
inadequações, revoltas, insubmissões diante das
determinações normativas. Dito de outro modo,
quando agimos e falamos, não só nos revelamos,
mas também agimos sobre os esquemas de
inteligibilidade que determinam quem será o ser
que fala, sujeitando-o à ruptura ou à revisão,
consolidando suas normas ou contestando
sua hegemonia” (BUTLER, 2015, p. 167). Cada
indivíduo é efeito de relações sociais que o
precedem, é com base nas normas constituídas
por meio de certo regime de verdade que o
sujeito encontra o quadro referencial com o qual
se relaciona e reconhece a si.

Os modos de exposição estão relacionados


aos modos de interpelação ao quais somos
expostos. Relações que trazem as condições
de possibilidade para o próprio surgimento
de um ser como “reflexivo”, ou seja, “dotado
de memória”, “com uma história para contar”
(BUTLER, 2015, p. 55). “A reflexividade do si
mesmo”, explica Butler, “é incitada por outro,
de modo que o discurso de uma pessoa leva à
reflexão de si” (2015, p. 160).

É nessa chave analítica, considerando


que os modos de produção psíquicos são
indissociáveis dos modos de produção social,
que situo as práticas artísticas de Anna Bella
Geiger. Há em seus trabalhos da década
de 1970 uma articulação complexa entre a
crise e a reelaboração de si enquanto artista
contemporânea e a situação política nacional.
Essa tensão não se estabelece de formas óbvias
ou polarizadas.

Fernanda Albertoni, no texto “Economia da


apropriação de redistribuição de imagens na
prática artística de Anna Bella Geiger nos anos
1970” (2016), afirma que

pode-se concluir que, desde suas primeiras


apropriações de fotografias que circulavam na
mídia de massa, Geiger criou estratégias para
conectar elementos gráficos da gravura com o
grafismo da nova cultura da imagem, além de
estabelecer conexões conceituais com os crescentes
canais de circulação dessas imagens e informações.

262
Com isso, argumenta-se, ela estabeleceu uma
operação crítica com os novos modelos e aparatos
de inscrição de uma memória cultural, social e
histórica. Além de estar participando da formação
do presente através do alcance e distribuição da
informação, esses novos mecanismos da mídia
de massa e sua cultura da imagem começavam
a afetar não só a formação do presente, mas
moldar uma nova relação com a memória – em
que o volume e a velocidade do que se “lembra”
e se “esquece” cresce vertiginosamente. Com os
ciclos de retorno dessas imagens, pode-se concluir
que essas novas formas de inscrições também
participam de uma projeção do futuro (ALBERTONI,
2016, p. 233).

A prática artística de Anna Bella Geiger


conforma-se, nesse sentido, como uma atitude
crítica diante do presente, interferindo nos
modos de produção e circulação de imagens.
Essa dimensão crítica ganha densidades
específicas, se forem consideradas as práticas
artísticas de mulheres como as elaboradas por
Valie Export. Recordo que, no território artístico,
a contaminação pelos feminismos faz com que,
mais explicitamente, passem a ser tensionadas
subjetividades concebidas como estáveis
(COLLADO, 1999, p. 73).

Os trabalhos de Cindy Sherman (Nova Jersey,


1954) ganham destaque no enfrentamento
dessas questões. A artista tornou-se globalmente
conhecida por seus retratos si mesma em mais de
cinco mil fotos nas quais mobiliza um repertório
existente no imaginário cultural, investigando
as imagens do feminino trazidas pelo cinema,
pela publicidade e pelas artes (RAGO, 2013a). De
acordo com Margareth Rago,

a arte aparece como uma forma de crítica à


cultura, de denúncia das formas de exclusão social
e de confinamento e opressão das mulheres em
determinadas identidades e papéis sociais, e revela
a capacidade refinada de observação da fotógrafa.
Como um meio de expressar sua interpretação
feminista do mundo, e subvertendo a noção de que
a fotografia representa fielmente a realidade, ela é
capaz de construir cenas teatrais ou pictóricas que

263
aludem a um cotidiano prosaico e entediante, como o
vivido pela dona de casa, a aeromoça ou a secretária
dos anos 1950. Outros modos de subjetivação podem
assim ser vislumbrados nessa contundente crítica à
normatividade social imposta às mulheres (RAGO,
2013a).

A construção de novas narratividades nas artes imagens 46 e 47


áudio|visuais – influenciadas pelos feminismos Cindy Sherman
– traz como central o discurso autobiográfico. sem título (film still) #17 e #21,
Elas são constituídas por meio da exposição de respectivamente
uma experiência vivida, e, simultaneamente, 1978
aparecem como o relato da própria ficção da
identidade e do autor. Trata-se de um relato
autobiográfico que mostra a constituição do
autor – e, ao mesmo tempo, do sujeito – como
ficção. Não se trata de revelar um ser ignorado
pela história, mas de mostrar a mesma ficção da
construção do sujeito (COLLADO, 1999, p. 80).

Com base em experimentações com o autorre-


trato, Sherman instaura possibilidades de outras
políticas visuais, para usar um termo mobilizado
por bell hooks (1995). Na série Stills cinemato-
gráficos sem título (Untitled film stills, 1977-
1980), Sherman figura a si própria trabalhando
com imagens do feminino produzidas pelo
cinema nas décadas de 1950 e 1960, tais como
a dona de casa, estudante, garota do interior na
cidade grande, entre outras (FABRIS, 2003, p.
64; PARPINELLI, 2015, p. 177).

264
Annateresa Fabris afirma que “a auto-
representação, que está na base de Stills
cinematográficos sem título, é um puro jogo de
superfícies, de aparências. Delas emerge uma
visão da mulher não como indivíduo, mas como
estereótipo cultural, como máscara social, como
“glossário de poses, gestos e expressões faciais,
de acordo com a análise de Laura Mulvey”
(FABRIS, 2003, p. 64). O aparecimento e o
desaparecimento articulam-se esteticamente
para a construção da crítica segundo os modelos
falogocêntricos de produção das visualidades.

Cindy Sherman constrói uma visualidade que


evidencia a dimensão construtiva das ima-
gens, operando uma crítica “às formas culturais
falocêntricas, e expõe suas próprias interpre-
tações da contemporaneidade” (RAGO, 2013a).
Margareth Rago (São Paulo, 1948) sustenta que
a artista “põe em cena as múltiplas maneiras
pelas quais as mulheres são trazidas na cultura
pela mídia, pelas artes visuais ou pelo cinema, e
revela a natureza construída dessas representa-
ções” (RAGO, 2013a). A reflexividade performada
por Sherman tem efeitos críticos em relação ao
seu próprio tempo. Usar a imagem de si surge
como tática de elaboração de si enquanto artista,
problema amplamente pesquisado no território
feminista e ao qual retornarei adiante.

Anna Bella Geiger, naquela mesma década,


explora exaustivamente o autorretrato, em
filmes, fotografias, colagens, pinturas. Na
exposição Situações-limites, muitas imagens
de si produzidas pela artista compõem a
espacialidade do MAM-RJ. Essa invasão da
própria figura não apenas na exposição, mas nos
trabalhos de Geiger, são de extrema importância
para a compreensão de suas práticas artísticas.

Em Passagens I, ela estabelece uma atitude


crítica aos modos de produção e circulação de
imagens em movimento. O tempo lento opõe-se
à dinâmica televisiva. Sobrepõem-se três
tempos/espaços em Passagens I. Os ângulos
alteram-se nos três movimentos do vídeo,
fazendo do corpo da artista uma imagem
fragmentada. Na escadaria do Instituto Benjamin

265
Constant – que encerra Passagens I –, Anna
Bella Geiger grava uma segunda ação, intitulada
Passagens II (1974), com duração de 5 minutos e
50 segundos. A câmera fica estática enquanto o
corpo de Geiger aparece e desaparece
lateralmente na imagem. Geiger surge
caminhando pelos degraus sempre da esquerda.

Passagens II reforça, ainda, a ideia da posição


do corpo diante da câmera, da artista diante de
sua própria imagem. Rosalind Krauss (1976),
na década de 1970, observa que o uso do
corpo é central no então “brevíssimo período
de existência da videoarte” (KRAUSS, 2008, p.
146). A autora afirma que, nesse uso, “é como
se o corpo estivesse centralizado entre duas
máquinas, que abrem e fecham parênteses. A
primeira delas é a câmera; a segunda, o monitor,
que reprojeta a imagem do performer com
imediatismo de espelho” (KRAUSS, 2008, p.
146). Ela lembra, nessa centralização, o trabalho
Boomerang (1974), de Nancy Holt e Richard
Serra. Holt surge em close-up usando headsets
profissionais e durante 10 minutos fala e ouve
suas palavras simultaneamente. Retransmitidas
pelos fones de ouvido, as palavras são ouvidas
com um atraso de cerca de 10 segundos
(KRAUSS, 2008, p. 147).

O tema da fala de Holt é sua própria situação


naquela ação. Ela fala “sobre a forma como o
feedback interfere em seu processo normal de
pensamento e a confusão causada pela falta imagem 48, 49, 50 e 51
de sincronismo entre seu discurso e o que Anna Bella Geiger
dele ouve” (KRAUSS, 2008, p. 147). Em outro frames de Passagens II
momento, Holt, falando sobre as luzes do 1974
estúdio, diz que elas estão brilhando sobre ela.
As luzes – que, como o som, são da ordem da
imaterialidade –, atingem seu corpo e se refletem
dele para a câmera. A fala de Holt explicita
a dimensão construtiva das visualidades e
sonoridades, chamando a atenção para o fato de
que o excesso – tal qual ocorre na programação
televisiva – impede a possibilidade de pensar.
Passagens II, reversamente, possibilita a
crítica aos meios de produção e circulação da
televisão, que não apresentam o ruído de uma
exacerbação de sua própria condição excessiva.

266
É nos intervalos em que Geiger não está na
imagem, em que some da câmera, bem como em
seus silêncios, que o trabalho atua criticamente.
Criando imagens em movimento (e sons) na
outra polaridade da TV, explorando imagens de
si e reflexividades, Geiger cria, no começo da
década de 1970, vídeos em ações radicalmente
críticas de sua atualidade/espacialidade.
imagem 52 A exploração das imagens de si em ações
Nancy Holt e Richard Serra performáticas ressoa com as ações de Sherman e
frame de Boomerang Export, apesar de não ser intenção consciente de
1974 Geiger estabelecer práticas feministas.

Nesse ponto, é preciso sublinhar algumas


considerações teórico-metodológicas de uma
perspectiva historicizada. Artistas a partir
da década de 1970 discutem amplamente
problemas relativos às visualidades, tecnologias,
espacialidades, mobilidades e produção
massiva de imagens. Entre as mulheres, esse
problema ganha contornos específicos, por
efeito das teorias feministas, que podem ser
mobilizadas pelas próprias artistas ou por
críticas, curadoras e historiadoras. Geiger,
assim como outras artistas no Brasil, tinha
conhecimento dos protestos que tomavam as
ruas das cidades do Hemisfério Norte. Com isso,
algum contágio feminista nas ações da artista,
mesmo inconsciente, poderia ser presumido,
sublinhando, ainda, suas constantes idas a Nova
York, às quais retornarei a seguir.

De qualquer forma, independentemente da


intencionalidade de Anna Bella Geiger, seus
trabalhos têm suas possibilidades de sentido
ampliadas, se consideradas as teorias feministas.
São recorrentes na década de 1970 – efeito
tecnológico, publicitário, artístico – imagens
de mulheres queimando sutiãs, performando
em passeatas, exigindo outros modos de vida e
reivindicando o direito a construir suas próprias
narratividades e corpos. A popularização de
aparatos fotográficos e fílmicos, assim como sua
inserção no território das artes (audio)visuais,
é historicamente indissociável do aparecimento
em escala inédita de imagens de mulheres e
produzidas por mulheres. Os modos de ver
ampliam-se, o espaço feminino expande-se.

267
As práticas artísticas de Anna Bella Geiger
instauram, nas linhas de sentido propostas,
perguntas e problemas feministas. Como Estrella
de Diego destaca, ao falar da artista, “há
diferentes formas de ser feminista na década de
1970 e agora – fora do âmbito estadunidense e
europeu” (DIEGO, 2019, p. 68).

imagem 53
Anna Bella Geiger
frames de Passagens I
1974

268
Corpos de mulheres: entre seduções e burocracias

Em suas Passagens I, Geiger caminha com


sapatos de salto alto – acessório associado
historicamente ao feminino (LAURENTIIS, 2017)
–, cambaleando em meio às manifestações
sonoras que surgem como resposta à presença
de seu corpo na rua. Uma ação destinada à
realização de um material que será exposto
ao público. Ao assistir ao vídeo, penso em seu
potencial questionador a respeito dos regimes de
verdade, por meio dos quais se estabelecem os
corpos sexuados e que marcam suas experiências
no espaço público. Nesse caso, duas tensões se
instalam: uma que se refere às ruas da cidade,
e a outra, à presença das mulheres no circuito
artístico, numa perspectiva historicizada.

Em inícios do século XX as elites intelectuais


e políticas nacionais – influenciadas pelo
pensamento médico vitoriano, concepções
religiosas e de filósofos como Jean-Jacques
Rousseau – pretendem redefinir o papel da
mulher na vida social. Era um momento em
que as possibilidades de trabalho se ampliavam
diante dos processos de industrialização
e urbanização (RAGO, 2007, p. 585). O
crescimento urbano é acompanhado de uma
série de discussões sobre o trabalho feminino
fora do lar. “Enquanto o mundo do trabalho
era representado pela metáfora do cabaré”, diz
Margareth Rago, “o lar era valorizado como o
ninho sagrado que ‘abrigava a rainha do lar’
[mãe-esposa-dona-de-casa] e o reizinho da
família [os filhos]” (RAGO, 2007, p. 588).

As práticas discursivas se pautavam pelos


modelos europeus, sobretudo francês e inglês,
que concebem o mundo público como perigoso
(RAGO, 2007, pp. 587-588). Michelle Perrot
observa a construção de “uma visão catastrófica
da cidade do século XIX, visão amplamente
moral da cidade perigosa para todos e ainda
mais para as mulheres cuja virtude ela
ameaça” (PERROT, 2005, p. 343). Médicos e
higienistas insistiam em afirmar que o trabalho
feminino remunerado levaria à destruição da
família. Embora esse discurso fosse destinado

269
especialmente às jovens da elite e da classe imagem 54
média – médicas, pianistas, advogadas, pintoras Anna Bella Geiger
–, as operárias, “mães dos futuros construtores série Passagens (fotografia)
da pátria”, eram também alvo dessas concepções 1975
moralizantes (RAGO, 2007, p. 588).
Passagens significa, para Geiger, “estar-não
estar, ir-não ir atravessar-não atravessar, onde
atuo como personagem, presente” (GEIGER,
1975a). Considerados os debates sobre a
construção de um modelo identitário para o
feminino, e em suas articulações com a divisão
dos espaços, o vídeo de Anna Bella nos leva

270
a refletir sobre essa ação de passar do privado
para o público e emerge como uma forma de
enfrentamento dos discursos que estabelecem
a identidade feminina. Na série de fotografias
Passagens (1975), Geiger também utiliza seu
próprio corpo para a construção da obra.

Relacionar ao vídeo ou às imagens da


série de fotografias às discussões propostas
anteriormente não significa afirmar que Geiger
assume uma perspectiva feminista da arte
para tensionar o lugar da mulher no espaço
público. Ao contrário, em nossas conversas,
contou-me ter conhecido a importante artista
feminista Judy Chicago, cujo trabalho lhe soava
excessivamente como um manifesto (GEIGER,
2018b, p. 184). Mas, ao se fazer fotografar
em locais públicos – no caso das fotografias
no metrô da cidade de Nova York –, produz
uma imagem do feminino divergente daquelas
mobilizadas pelos discursos médicos do início do
século XX.

Sentada em um banco do vagão de metrô,


Geiger é fotografada por Paula Gerson. As
imagens são apresentadas em Situações-limite
em duas versões cada: uma positiva e outra
negativa. A câmera está colocada, nas três
situações, mais ou menos na mesma posição,
sendo o corpo da artista que dela se distancia
ou se aproxima. Há uma literalidade poética
ao escolher o metrô – lugar de passagem por
excelência – para a construção da obra. Os
25 Um dos principais escritos duplos de imagens constroem uma narrativa
em que Charles Baudelaire fala não linear (NAVAS, 2009, p. 9), na qual a figura
sobre o flâneur é O pintor da feminina de Geiger surge em invertidas imagens
vida moderna, no qual se inspira de si. “Passagens, um termo caro a Walter
nas obras do pintor francês Benjamin, é também prioritário na poética de
Constantin Guys (1802-1892). Anna Bella Geiger”, sustenta Navas (2007, p. 18).
Originalmente, o texto foi
publicado em três partes pelo Considerando as Passagens de Benjamin, recordo
Le Figaro, na França, no ano de que ali, pensando sobre as grandes cidades do
1863. século XIX e a produção da arte, o autor recorre
à figura baudelairiana do flâneur. Uma das
26 Sobre essas questões nas figuras do artista moderno é a do homem que
poéticas de artistas brasileiras faz de todos os cantos da cidade o seu lar, o
desse período, ver Trizoli, 2018, flâneur25. Janet Wolff chama a atenção para a
pp. 301-409. inexistência da flâneuse. Griselda Pollock (2003,

271
pp. 99-105) e Whitney Chadwick (1999, pp.
231-232) retomam essa questão precisamente
para enfatizar que a concepção da prática
artística é produzida em torno da figura do
homem – às mulheres, o lar, e aos homens, a
cidade. Uma noção tão fortemente delineada na
modernidade, que se apresenta como uma das
estratégias principais para a retirada das
mulheres do território da criação (LAURENTIIS,
2017, pp. 194-196).

Nas cidades modernas, historicamente, a


cultura burguesa constrói-se com base em
binarismos tais como público/privado, natureza/
cultura, pai/mãe, homem/mulher, superior/
inferior. É um modo de pensar e produzir os
espaços e os sujeitos difundido pelos quatro
cantos do mundo, devido a seu próprio caráter
imperialista, como observa Norma Telles (2007b,
pp. 401-403). Ao figurar-se em negativo – na
série de fotografias Passagens –, com certos
aspectos fantasmagóricos, Geiger remete-me
a esses debates, que constroem uma possível
camada de sentido para os seus trabalhos.
Imagino, ao vê-los, uma figura feminina que
não desaparece, mas que transita, que circula
pela cidade.

No Brasil, tais discursos reverberam e são


combatidos por uma série de publicações
femininas/feministas desde o fim dos anos
1800, como A Mensageira (1897-1900) e
Revista Feminina (1914-1936). As publicações,
defende Rago, “buscavam elaborar uma nova
subjetividade para a mulher moderna, que
implicava necessariamente sua participação na
esfera da vida pública” (RAGO, 1991, p. 67).

As revistas exaltavam e enalteciam as


conquistas profissionais das mulheres, a exemplo
de Ermelinda de Sá, que, na Academia de imagens 55, 56, 57, 58 e 59
Medicina do Rio de Janeiro, fez “brilhantíssimo Lygia Pape
curso, merecendo treze distinções nos exames”, frames do material exibido em
ou Myrthes de Campos, que, em setembro de Eat me: A gula ou a luxúria ?
1899, ao ter seu cliente absolvido, “demonstrou, MAM-RJ
com eloquência, o progresso do movimento 1976
feminista”. Nos anos seguintes, essa estratégia
não cai em desuso. Basta lembrar que, em

272
1919, a Revista Feminina comemora a vitória
de Bertha Lutz no concurso, disputado por
candidatos de ambos os sexos, para a direção do
Museu Nacional (RAGO, 1991, p. 69).

O incentivo à maior participação feminina na


esfera pública foi acompanhado, no final do
século XIX e início do XX, por uma confirmação
do papel social da mãe. Nas considerações
de Rago, através da luta para destruir ideias
sobre a incapacidade física e intelectual das
mulheres, essas feministas “reafirmavam o papel
da mãe como educadora, como atividade mais
importante da mulher, porém, uma mãe racional,
inteligente, moderna, atuante na vida social,
em oposição à figura instintiva, ignorante e
conservadora do passado” (RAGO, 1991, p. 69).

Os discursos que pretendiam a recolocação da


maternidade na vida das mulheres foram, sem
dúvida, incorporados no imaginário das grandes
cidades brasileiras. Passadas as décadas, no
território das artes visuais, é comum críticos
discorrerem sobre as habilidades ou não das
artistas, rememorando seu papel por excelência:
a mãe. Mario Pedrosa, ao se referir aos trabalhos
de Geiger em 1967, enfatizando suas qualidades,
afirma que a artista fez, “por conta própria”,
uma grande descoberta: “a realidade maior é
a do corpo”. Uma descoberta associada pelo
crítico ao seu “forte sentimento de maternidade”
(PEDROSA, 1996, p. 27).

A formulação de Pedrosa é bastante sutil, se


comparada à de Flávio Macedo Soares, para
quem “as donas de casa que vivem reclamando
que os filhos não as deixam fazerem o trabalho
de casa direito deveriam mirar-se no exemplo
de Anna Bella Geiger, que tem quatro filhos e é
apesar disso umas das melhores gravadoras em
metal destes tempos tão confusos” (SOARES,
1968). No mesmo jornal Correio da Manhã, em
1962, a coluna A Mulher e a Notícia noticia a
premiação da artista no I Concurso Internacional
de Gravura, em Cuba.

Os poucos parágrafos que compõem o texto


recordam como a vida no lar, com seus quatro

273
filhos, havia demandado quase totalmente suas
atenções, afastando-a das atividades artísticas
(A Mulher e a Notícia, 1962). Em tons mais
ou menos enfáticos, esses textos sobre Geiger
demonstram uma constante singularidade
quando se discorre sobre os trabalhos das
mulheres. A maternidade é – ou pelo menos era
naquele momento – recorrentemente lembrada.

Partindo das articulações entre a identidade


mãe-esposa-dona-de-casa e na figuração
masculina da profissão artista moderno (em
imagens como a do flâneur e suas dobras), o
corpo de Geiger nos trabalhos Passagens emerge
como ponto de inflexão, de uma transição
mobilizada pela prática artística contemporânea.

Talita Trizoli, analisando o vídeo Passagens,


afirma que, em seu ir e vir, seja no ambiente imagem 60
privado das casas, seja no exterior, na cidade, capa do folder da exposição
Geiger expõe o dinamismo na vida feminina. Eat me: a gula ou a luxúria?
O desejo de atuar como personagem, de estar MAM-RJ
presente, que a artista manifesta ao referir-se 1976
às suas Passagens, ganha contornos específicos
com base na afirmação de Trizoli. Seu corpo
presente nas obras e no espaço público como
personagem feminina insere-se no imaginário
que envolve mulheres e cidades, mulheres e
museus, tensionando concepções majoritárias
(TRIZOLI, 2018, pp. 369-370).

As obras inserem imagens do feminino disso-


nantes daquelas que circulam de modo domi-
nante no imaginário. Partindo das concepções de
Deutsche, proponho que Geiger, com suas Passa-
gens, produz desvios nos regimes de visibilidade
que estabelecem a identidade feminina. Nesse
movimento, a artista introduz, por meio da
prática estética, novas legitimidades: é legítimo
ser artista e expor em sentidos ampliados a si
mesma. Apresentados no Museu de Arte Moder-
na do Rio de Janeiro, em meio a debates sobre
a própria função do artista e das instituições, os
trabalhos criam pequenos desvios na trajetória
estabelecida do pensamento.

Aproximo essas possibilidades de sentido para


os trabalhos de Geiger à interpretação de algu-

274
mas obras de Lygia Pape. No ano seguinte ao
da realização de Situações-limites, Pape cria a
exposição Eat me: a gula ou a luxúria?, que se
realizou em duas mostras: a primeira na Galeria
Global, em São Paulo, e a segunda no MAM-RJ
27 As discussões entre artistas (MACHADO, 2014, p. 220)27.
e Roberto Pontual a respeito da
utilização do espaço expositivo Vanessa Machado, em sua tese Dos “Parangolés”
do MAM fizeram com que a ao “Eat me: a gula ou a luxúria?”, conta que,
exposição programada para em São Paulo, o espaço da galeria divide-se pelo
1975 fosse adiada (LOPES, 2013, uso de luzes vermelhas e azuis em duas salas.
p. 189). Em cada uma delas, Pape instala uma estrutu-
ra cúbica de ferro na qual várias lâmpadas são
penduradas e cobertas com tecido transparen-
te, como numa tenda de venda. Saquinhos de
papel onde está impressa a inscrição “objetos de
sedução” compõem a exposição. Neles, calen-
imagem 61 dários com imagens de mulheres com pouca ou
registro da da exposição nenhuma roupa, pelos, textos feministas, loções
Eat me: a gula ou a luxúria? afrodisíacas, entre outras coisas que podem ser
MAM-RJ, compradas por 1,00 cruzeiro (MACHADO, 2014,
1976 p. 220).

275
Como diz Pape, essa atitude era uma “forma
de contestar o mercado da arte” (Pape, citada
em MACHADO, 2014, p. 220). Um gesto que,
sublinha Machado, “problematiza a mulher
como objeto de consumo”, em uma exibição
que desagradou os censores da ditadura e foi
fechada (MACHADO, 2014, p. 220). Do mesmo
modo, “a chamada televisiva (que a galeria
veicula através da TV Globo) – uma boca com
uma pedra preciosa dentro – foi tirada do ar
no dia da inauguração da exposição (FABRIS,
1976). Destaco que Pape havia sido vítima de
prisão e tortura durante dois meses do ano de
1973 por ajudar pessoas que estavam sendo
procuradas pela ditadura. Mas essa informação imagem 62
não era publicizada pela artista, pois “podia ser Lygia Pape
entendida como meio romântica e, ao mesmo frames de Eat me: A gula ou a
tempo, oportunista”, como explica ela pela luxúria?
primeira vez no livro de Denise Mattar (Pape, 1975

276
citada em MATTAR, 2003, pp. 79-80).
No ano seguinte a exposição abre como parte da
programação da Área Experimental no MAM-RJ.
Na fachada do Museu é projetado um trabalho
criado em super-8. O filme havia sido feito
dentro do Museu, em frente a uma das obras
da exposição na qual um letreiro luminoso em
vermelho trazia o título da mostra. O espaço
apresenta ares de um palco, e ali a artista faz-se
registrar sorrindo e realizando com a mão um
gesto de convite para aproximação daqueles que
o veem.

imagem 63
matéria de Francisco Bittencourt
Tribuna da Imprensa.
Rio de Janeiro, 21/22 ago. 1976

277
O projeto apresentado ao Museu liga-se ao que
Pape denomina Espaço poético, dividido em
Espaço patriarcal e Espaço de criação (PAPE,
1975). Espaço patriarcal traz, referindo-se à
mulher, objetos ligados à gula a à luxúria,
objeto ou não-objeto, e seu uso na sociedade
de consumo. Espaço de criação apresenta
projetos de seus estudantes de Arquitetura na 28 Os outros estudantes de
Universidade Santa Úrsula que realizaria em Pape que participaram da Eat
1978 Projeto para um espaço carioca, também me foram Amora, César Floriano,
na Área Experimental, no qual temáticas que Annabella Blyth, Bruno Madeira,
envolvem as mulheres e a produção do espaço Chico Cunha, Jayme Bastian
são exploradas28. Pinto Júnior, José Carlos Correa
de Barros, L. Felipe Cunha S.,
A ação de Pape, documentada e projetada no Lauro Cavalcanti, Oswaldo
exterior do MAM, apresentava-se como um Milward e Rosana Bazzo Lerer
convite para que o público penetrasse no corpo (LOPES, 2013, p. 190).
do museu onde estava instalada a mostra,
escreve Roberta Barros (2016, p. 121)29. As 29 Nesse ponto é necessário
paredes foram forradas com plástico preto e explicitar algumas divergências
foram montados três palcos (BARROS, 2016b, p. entre autores que abordam
123). Neles há Objetos de Sedução, vendidos a esse filme. À época, Francisco
1 cruzeiro, entre os quais, amendoim, “suposto Bittencourt descreve: “na
afrodisíaco para os machistas”, espelhos, vidros entrada há um filme-imagem
de perfume e cigarros marcados de batom, de uma mulher convidando com
como descreve Francisco Bittencourt no artigo um significativo gesto de mão e
“A gula e a luxúria segundo Lygia Pape”, no com movimentos de boca para
jornal Tribuna da Imprensa, em agosto de 1976 que entremos na exposição”, sem
(BITTENCOURT, 1976). maiores detalhes (BITTENCOURT,
1976). Roberta Barros descreve
Retomando as análises de Barros, destaco que, que, “com apenas meio corpo
em sua concepção, o fato de esses objetos não aparente, trajando uma blusa
estarem “expostos”, mas escondidos em em- de cetim preto com brilho
brulhos, como aqueles que contêm pipocas – e discreto em modelo bastante
amendoins, acrescento –, remete a uma “aproxi- masculino de gola e botões, a
mação entre a relação sexual e o ato de comer” artista se pôs a encarar de frente
(BARROS, 2016b, p. 123). Em um dos palcos/vi- os transeuntes das calçadas
trines de Pape há uma foto de Sandra Bréa nua, do Museu de Arte Moderna do
impressa em página dupla da revista Status. Rio de Janeiro [...] na projeção
A imagem da atriz – considerada um símbolo de Sedução, tal mulher
sexual naquele momento – está colocada ao lado gesticulava enfaticamente para
de manuais de corte e costura. Segundo as con- atrair/convidar os sujeitos a
siderações de Barros, Pape apresenta, “a partir de penetrarem, não em seu corpo,
um espaço particularizado: o espaço patriarcal”, mas no corpo do Museu, onde
uma crítica ao lugar historicamente delineado aguardava escondida a mostra
para mulheres: “colocar comida à mesa e ainda Eat me: a gula ou a luxúria?
oferecer-se como comida na cama” (BARROS, (BARROS, 2016a; 2016b, p.
2016b, p. 124). 121). No arquivo da Cinemateca

278
do MAM-RJ há um filme de Esse jogo de exposição/não exposição que
poucos segundos – consultado permeia Eat me: a gula ou a luxúria? produz um
durante esta pesquisa – que dentro-fora que estabelece conversações com as
traz as imagens em movimento Passagens de Anna Bella Geiger. Pape organiza
descritas nesse texto, nas o espaço “a partir do princípio matemático
quais Pape convida o público que é a fita de Moebius, isto é, um espaço que
a adentrar Eat me. A blusa de desliza pelo dentro e pelo fora do MAM. Sendo
Pape, entretanto, não condiz o próprio espaço do museu revirado para fora
com a descrição oferecida por e retorcido numa fita contínua – um espelho-
Roberta Barros. Talita Trizoli, em plano-infinito que retorna sempre. O dentro fora,
sua tese, diz que “a artista, em o fora dentro” (BITTENCOURT, 1976). A imagem
meio a seu site specific, convida do espelho como um elemento importante em
os transeuntes a adentrarem Eat me é associada ao brilho, segundo Frederico
o Museu com um gesticular Morais em texto para o jornal O Globo (1976).
do dedo indicativo e sorriso
posto nos lábios pintados de O crítico afirma ser o brilho o tema central da
vermelho, num misto de malícia exposição do MAM, e ele “não está nos objetos,
e contentamento que remete aos mas nos olhos do consumidor/espectador, que
convites sexuais das prostitutas” deseja des-velar o conteúdo dos pacotes [...], as
(TRIZOLI, 2018, p. 271). Ali, a vitrines também se apoiam no brilho (inclusive
autora insere um frame do filme do espelho) para envolver o consumidor no
que consta da Cinemateca do mundo ilusório do consumo”. E continua: “em
MAM e uma nota de rodapé uma das vitrines temos 20 maçãs vistosas (e/
na qual traz a descrição de ou brilhantes) distribuídas sobre um colchão
Roberta Barros, sem distingui- de cabelos (brilhantes e sedosos, como diz o
los (TRIZOLI, 2018, pp. 271-272). anúncio de shampoo [...]”. É no item “A maçã”
Annateresa Fabris, em texto de que Morais produz essas análises, fazendo
1976, oferece uma descrição imaginar o fruto de sedução pecaminoso
semelhante: “um espaço exterior brilhando aos olhos de Eva.
– a imagem móvel duma moça
piscando e chamando com Annateresa Fabris, no artigo “A história
o dedo – o clássico siga-me da maçã” (1976), lembra que nos textos
(veio-me à mente a vitrine bíblicos, “seduzida e sedutora, a mulher viu
dos bordéis holandeses, em a desobediência transformada em submissão”
que as prostitutas se expõem)” (FABRIS, 1976). Para essa autora, o fruto traz
(FABRIS, 1976). Destaco que, a tônica da exposição de Pape: “se foi a maçã
como Bittencourt, a autora não que determinou o Espaço patriarcal, será ela a
diz ser Lygia Pape a “moça” destruí-lo [...]. Eva, afinal, não foi personagem
do filme. Por fim, lembro que negativa” (FABRIS, 1976). As palavras fazem
Vanessa Machado afirma “que, lembrar as imagens de si em negativo nas
para chamar a atenção dos quais o corpo de Geiger se torna reluzente e o
transeuntes para sua exposição, problema da exposição do feminino no espaço
Lygia realizou um filme, público. A maçã sedutora brilhante é, portanto,
projetado numa empena do algo que marca os textos críticos daquele
MAM, em que através de gestos momento.
manuais sedutores chamava as
pessoas para visitar a exposição A associação de Fabris com a figura de Eva é,
[...]” (MACHADO, 2008, p. 104). sem dúvida, bastante contundente, e seu texto

279
assume tons feministas, algo pouco comum
naquele momento no país. Observo que na
imprensa, grosso modo, à palavra “feminismo”
era atribuída uma dimensão negativa. Francisco
Bittencourt, pretensamente elogiando a
montagem de Pape em Eat me, sublinha a
“sagacidade” e “inteligência” “desta artista,
que se recusa a participar do jogo ingênuo
do feminismo de ‘jogar fora o soutien’[...]”
(BITTENCOURT, 1976). Os usos e disputas da
palavra “feminismo” na década de 1970, no
Brasil, merecem um estudo específico. No
entanto, é sem dúvida possível afirmar que
Pape tinha interesses bastante direcionados aos
problemas relativos à construção da feminilidade
e da posição das mulheres no espaço público.

imagens 64, 65 e 66
capa e páginas, respectivamente,
do livro Mulher, objeto de cama
e mesa
Heloneida Studart
edição 1980

280
Nessa perspectiva, Fabris conta que um
dos objetos de sedução expostos no MAM é
composto por “amendoins (AFRODISÍACO) e
textos de Heloneida Studart sobre a condição
feminina” (FABRIS, 1976). Trata-se do livro da
escritora e política feminista Heloneida Studart
(Fortaleza, 1932-Rio de Janeiro, 2007), lançado
em 1974, a convite da Editora Vozes, intitulado
Mulher, objeto de cama e mesa. A publicação
de 53 páginas, composta de textos concisos e
irônicos, apropriações de ilustrações e até uma
intervenção na qual a Mona lisa (1503) de
Leonardo da Vinci tem uma faixa sobre a boca,
de modo a tapá-la por completo (CUNHA, 2008,
p. 271;STUDART, 1980, p. 53).

O livro tornava-se de grande interesse entre as


mulheres ligadas ao movimento feminista no
Brasil no início da década, sendo importante
destacar que, na dimensão global, a ONU
institui, em 1975, o Ano Internacional da Mulher
(CUNHA, 2008, p. 273). Em julho daquele
mesmo ano acontece a “Semana de Pesquisas
sobre o Papel e o Comportamento da Mulher

281
Brasileira”, no auditório da Associação Brasileira
de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro (BIROLI,
sem data). Dois meses depois, na Cinemateca do
MAM, ocorre “um conjunto de manifestações”
sob o título de “A mulher no cinema brasileiro:
de personagem a cineasta”, que envolve debates,
exibição de filmes, exposições, entre outras
atividades, conforme noticia o jornal O Globo
em 30 de outubro de 1975. Lê-se que Lygia Pape
deve participar de um debate com a cineasta
Suzana de Moraes (Rio de Janeiro, 1940-Rio
de Janeiro, 2015) e as atrizes Rose Lacreta (São
Paulo, 1946) e, possivelmente, Dercy Gonçalves
(Santa Maria Madalena, 1907 – Rio de Janeiro,
2008) (O Globo, 1975).

O envolvimento de Lygia Pape com as questões


relativas ao cinema, à indústria cultural e aos
modelos de feminilidade faz imaginar uma outra
associação para a maçã brilhante: a história da
Branca de Neve. Com raízes na tradição oral
alemã, está entre as histórias compiladas pelos
irmãos Grimm (1812-1815) (VOLOBUEF, 2011,
p. 12)30, transformada em desenho animado por 30 Recordando rapidamente, a
Walt Disney. Intitulado Branca de Neve e os sete história fala sobre uma garota,
anões, o filme, lançado em 1937, é um “estouro, Branca de Neve, cuja mãe – a
remodelando a indústria não só das animações, rainha – morre logo após o
como do cinema [...]. A junção de cor e som parto. Pouco tempo depois, seu
num longa-metragem é uma novidade sedutora, pai, o rei, casa-se com uma
expandindo as possibilidades tecnológicas/ linda mulher, que tem entre
mercadológicas da indústria cinematográfica” suas posses um espelho mágico.
(SERPA, 1937). Desse modo, a história da Branca Olhando para ele, a bela rainha
de Neve tem grande circulação entre o público, perguntava: “Espelho, espelho
sendo possível dizer que permeia densamente o meu, quem é a mais bela de
repertório de imagens em movimento. todas?”. E ouvia: “Ó, Rainha, sois
de todas a mais bela”. Os anos
Entre diferentes teorias filiadas ao feminismo, os passam, e certo dia o espelho
contos de fada são objeto de grande interesse. muda sua resposta: “Minha
Norma Telles – em conversações com Sandra Rainha, sois muito bela ainda,
Gilbert e Susan Gubar (1979) – segue os rastros mas Branca de Neve é mil vezes
psicanalíticos do conto. Na perspectiva trazida mais linda”. Irritada, ela manda
por Telles, que matem a princesa, trazendo
como prova seus pulmões e seu
o ódio da Rainha por Branca de Neve existe mesmo fígado. No entanto, o caçador
antes de o espelho fornecer uma razão para ele, incumbido da tarefa não tem
provém do conflito interno entre o anjo, a doce, coragem de matar uma menina
meiga, casta e ignorante Branca de Neve e a bruxa, tão linda e diz a ela que fuja.
uma mulher rebelde e criativa, que conhece sua Depois de vagar pela floresta, a

282
princesa chega à casa dos sete sexualidade e com grande energia tenta destruir
anões. A história se desenrola, a a nulidade que significa a primeira, o que ela
rainha descobre que a princesa está tentando matar é a Branca de Neve, isto é,
vive. Entre as tentativas de a docilidade e submissão, dentro dela mesma.
matá-la, envenena uma maçã e, Adulta e demoníaca, a madrasta é uma tramadora,
disfarçada, oferece-a à garota. inventora de enredos, autoabsorta, como todos os
“Branca de Neve sentiu um criadores (TELLES, 2007a, p. 54).
ardente desejo pela linda maçã”
e, mordendo-a, cai dura no chão. Branca de Neve é, nessa perspectiva, algo
Após dormir por muito tempo, próximo ao “Anjo do Lar”, definido por Virginia
em um caixão preparado pelos Woolf (Kensington, 1882 – Lewes, 1941) como
sete amigos, Branca de Neve essa figura que espreita as mulheres quando se
é vista por um príncipe, que sentam para escrever. Ele é simpático, delicado,
implora aos anões que o deixem dedica-se totalmente à família, nunca emite uma
levar o corpo da princesa. opinião desagradável. Mas sua principal virtude
No caminho para o castelo, é a pureza (WOOLF, 2012, pp. 11-12). Ensinadas
um tropeço dos criados que a submeter-se ao outro e a silenciar suas vozes,
transportam o corpo faz com as artistas tinham de lutar contra elas próprias
que o pedaço da maçã entalado para poderem criar. Era necessário combater
na garganta de Branca de Neve seus papéis de dona de casa e de mãe abnegada,
solte-se, fazendo-a voltar à vida e os seus duplos complementares de desviantes e
(GRIMM; GRIMM, 2010). de loucas.

Desse modo, como lembra Norma Telles, os


modelos de feminilidade que vigoraram durante
todo o século XIX – e boa parte do século
XX – faziam das mulheres doentes e loucas
um dos objetivos principais do modelo de
feminilidade. De acordo com a autora, “devido
aos imperativos culturais, o anjo do lar está
sempre tremendo, não apenas de medo, mas
com as enfermidades ou com a proximidade da
morte” (TELLES, 2012, p. 262). Trata-se de uma
subjetividade construída com base no medo e
na insegurança, por meio da qual as mulheres
encontram-se catatônicas, aprisionadas em si
mesmas, desesperadas.

A sedução de Lygia Pape instaura uma


subversão dessas figuras constitutivas da
identidade feminina. Eat me – coma-me – é
um chamado provocativo que a artista faz ao
público. Sublinho que “não foi o acaso que fez
com que a palavra comer significasse, além
de ingerir comida para alimentar-se, transar,
copular, comer alguém [...] alimentar-se e
manter relações sexuais tem a ver com a vida.
Além de se traduzir nos prazeres da carne [...]”

283
(PASETTI, 2004, p. 103). Essa associação – para
além de suas bastante estudadas dimensões
no interior dos debates sobre antropofagia e
modernidade no Brasil – faz pensar na exibição
de si de Pape como afirmação do prazer.

No vídeo em que seduz o público, a artista sorri,


diverte-se. Afirmar o prazer, dimensionando-o
como prazer sexual, é, particularmente naquele
momento histórico, algo extremamente crítico.
Essa dimensão adensa-se quando se leva em
consideração que o humor é o recurso principal
da artista para mobilizar a crítica. “Um humor
incômodo, diga-se a bem da verdade, que
perturba e não deixa pedra sobre pedra no que
diz respeito ao comportamento dos sexos”,
sente Bittencourt. Para ele, esse humor se
deve à recusa de Pape em “participar do jogo
ingênuo do feminismo de jogar fora o soutien”
(BITTENCOURT, 1976).

Circula nos ambientes da esquerda brasileira


na década de 1970 certa obsessão pela
“queima de sutiãs” promovida pelas feministas
estadunidenses, evidenciada na entrevista de
Betty Friedan (Peoria, 1921 – Washington, 2006)
ao jornal O Pasquim. Importante publicação
contra o regime autoritário, o periódico começa
a circular semanalmente em 1969. Inspirado
na contracultura estadunidense, explica Rachel
Soihet (Salvador, 1938), caracterizava-se por
“uma pluralidade ideológica suprapartidária,
voltando-se para o combate ao autoritarismo
e à crítica de costumes”, explica (2005, p.
594). De acordo com a autora, os participantes
comprometem a atitude libertária, no entanto,
por meio de posturas misóginas, ao voltarem
“sua mordacidade, igualmente, para as mulheres
que se decidiram pela luta com vistas a atingir
direitos e/ou que no seu cotidiano assumiam
atitudes consideradas como inadequadas à
feminilidade e às relações estabelecidas entre os
gêneros” (SOIHET, 2005, p. 594).

A entrevista realizada com Friedan explicita


essa estratégia de desvalorização das mulheres
pelo jornal. Em 1971, Rose Marie Muraro (Rio de
Janeiro, 1930-2014), autora de Libertação sexual

284
da mulher (1970), editado pela Vozes, promove
o lançamento do livro A mística feminina, de
Friedan, que veio ao Brasil. Durante sua esta-
da, deu uma entrevista para o número 94 do
jornal. Jornalistas como Paulo Francis, Millôr
Fernandes, Ziraldo, entre outros, consideraram
extremamente relevante questioná-la sobre suas
preferências sexuais, enquanto sublinhavam um
suposto conservadorismo inerente aos movimen-
tos de mulheres. Millôr insiste tanto em enfatizar
a queima de sutiãs, que leva a feminista – cuja
paciência é destacável – a lhe direcionar as pala-
vras “fuck you” repetidas vezes.

Provavelmente, o comentário mais irrelevante


e machista seja o do cartunista Ziraldo: “no
ato sexual, nós [homens] realmente precisamos
uma certa submissão da parte da mulher. Isso
não é apenas uma tradição: é importante para
nós” (JAGUAR, 1976, p. 76). A resposta de
Friedan é contundente: “[...]. Que negócio é esse?
A própria palavra ‘submissão’ implica que a
mulher não queira fazer algo que o homem quer.
Tanto quanto sei, as mulheres também gostam
de sexo” (JAGUAR, 1976, p. 76). Curiosamente,
a entrevista é republicada no mesmo ano da
abertura de Eat me no MAM, como parte da
segunda edição de As grandes entrevistas do
Pasquim (1976).

A visão do humor como antítese do feminismo


é recorrente ao longo não apenas da entrevista
de Friedan, mas em muitas produções de
esquerda naquele momento, tal qual sublinha
Rachel Soihet (2007). Um pensamento reiterado
em escritos mais recentes, como os de Vanessa
Machado, para quem o “humor cáustico”
de Eat me afastava Pape “do moralismo das
obras de cunho reconhecidamente ‘feminista’”
(MACHADO, 2014, p. 223). A autora, no entanto,
aproxima os procedimentos de Pape dos de
artistas feministas como Cindy Sherman – que
trabalha fundamentalmente com o humor –,
enfatizando a marca crítica e irônica de Eat me
ao tratar da sociedade de consumo (MACHADO,
2014, p. 226).

A relação entre a sociedade de consumo, a

285
produção do espaço urbano e as imagens das
mulheres é algo marcante em Eat me, sendo
o filme-convite um elemento de destaque
nessa camada de sentido. Outras imagens em
movimento produzidas por Pape sob o título de
Eat me: a gula ou luxúria? não podem deixar
de ser lembradas. Trata-se de um filme no qual
bocas brincam de mastigar uma pedra preciosa,
algo como diamante e cristal. Como que
beijando as pedras, as bocas abrem e fecham, as
línguas movimentam-se ora mais depressa, ora
mais devagar, e uma delas tem bigodes.

As bocas são de Arthur Barrio e Claudio


Sampaio e estampam o folder da exposição do
MAM, em preto e branco. O filme é colorido
e cumpre um papel importante na versão da
mostra exibida na Galeria Global, em São
Paulo. Fabris compreende que, ao ser veiculado
como propaganda da exposição, produz uma
“interferência no sistema de comunicação de
massa – penetração da sedução no recinto
sagrado do lar” (FABRIS, 1976). Trata-se da
inserção de imagens com uma carga erótica
destoante daquela veiculada pela publicidade.
Pape inverte e subverte os tradicionais esquemas
da arte por meio dos quais as mulheres são
objeto de desejo e erotização pelas mãos e
olhares masculinos.

Perguntas sobre a cultura de massa são


frequentes entre os artistas brasileiros daquele
período, tanto nas artes áudio|visuais quanto
no cinema e na música. No caso de Pape,
desdobrando-se do projeto Eat me: a gula ou
luxúria?, é proposta uma pesquisa formal, “A
mulher na iconografia de massa”, com o apoio
da Funarte, em 1978 (MACHADO, 2014, p. 226).
Uma investigação sobre a “imagem da mulher
como signo gráfico”, “como registro visual e
plástico, dentro da sociedade de massa” (Pape,
citada em MACHADO, 2014, p. 226).

Machado avalia que o projeto de Pape “encarava imagens 67, 68, 69 e 70


as transformações pelas quais passava a cidade páginas do catálogo de
contemporânea”, trabalhando elementos da Eat me: A gula ou a luxúria ?
comunicação de massa tais quais os outdoors MAM-RJ
que compõem a paisagem urbana (MACHADO, 1976

286
2014, p. 226). Essa dimensão trazida pela autora
com base nas análises de Eat me encontra
interessantes correspondências com a série de
fotos de Passagens de Geiger no metrô de Nova
York. Com construções desde o final do século
XIX, o começo do século XX traz a inauguração
do metrô em cidades como Buenos Aires (1913),
Nova York (1904) e Paris (1900). As primeiras
linhas de metrô no Brasil foram abertas em
São Paulo (1974) e Rio de Janeiro (1979). As
reformas urbanas trazidas pela construção do
metrô compunham a paisagem urbana carioca,
e os debates sobre o atraso nas obras apareciam
nas páginas dos jornais. Imagens que anunciam
um porvir urbano, uma nova relação com o
tempo/espaço de deslocamento na cidade.

Antes de encerrar este capítulo, proponho um


adensamento das discussões que envolvem a
produção de imagens publicitárias, o corpo femi-
nino e o sistema das artes, relacionando-as com
imagem 71 as Burocracias, de Geiger. Uma das primeiras
Anna Bella Geiger vezes em que a imagem aparece é em um livro
obras sob o título Burocracia intitulado Sobre a arte (1976). Geiger explica:
vista da exposição Anna Bella &
Lygia & Mira & Wanda estava tentando descobrir no meu trabalho quais
Curadoria de Pablo Leon de La as questões que eu poderia introduzir, de uma
Barra e Raphael Fonseca. maneira irônica – que eu tenho às vezes mais
MAC-Niterói acentuada e às vezes não. Ironia é uma tendência
2018 de querer provocar exatamente a coisa jocosa, e

287
nesse livrinho que se chamava Sobre a arte, já imagem 72
com sentido dúbio: “o que é sobre a arte?”; “é Sobre a arte (caderno)
em cima?”; “é sobre?”; “vai falar profundamente 1976. Fonte
sobre ela?” (GEIGER, 2018b, p. 187). Exposição Anna Bella & Lygia &
Mira & Wanda
A burocracia é tratada por Geiger como tema Curadoria: Pablo Leon de La
relativo à arte e trazido por quatro figuras Barra e Raphael Fonseca.
femininas posicionadas entre os escritos “DIGA MAC-Niterói
CONOSCO” – sobre suas cabeças – e “BU-RO- 2018
CRA-CIA” abaixo de seus pescoços. As figuras
têm as bocas abertas, ficando sugerido que cada
uma pronuncia uma parte da palavra. Dito de
outro modo, as figuras convidam o público a
dizer vagarosamente burocracia (COCHIARALLE,
1978, p. 28). Como observa Jaremtchuk em
diversos trabalhos posteriores, “a mesma
estrutura formal de Burocracia” é trazida para
pinturas e desenhos, alguns contando “com a
inclusão de um autorretrato de Geiger entre as
personagens” (JAREMTCHUK, 2007b, p. 94).

A imagem é feita com base nos anúncios do


creme Lugolina. Em uma breve pesquisa no
Google Imagens, a entrada creme Lugolina
conecta-se ao site Hemeroteca Digital –
Biblioteca Nacional Digital Brasileira. Ali, é
possível acessar os números de Jornal das
Moças, dos quais alguns trazem anúncios do
creme. Um deles, presente na edição de número
135, publicada em 1918, traz o rosto de quatro
mulheres, uma ao lado da outra. Embaixo de
cada figura há uma sílaba, formando “LU- GO-
LI- NA”. Em sua versão, Anna Bella Geiger repete imagem 73
a figura de quatro mulheres, transformando a propaganda do creme Lugolina.
posição das bocas, que agora dizem “BU-RO- Jornal das moças, n. 1263.
CRA-CIA”. Rio de Janeiro
1939.
É interessante observar a inserção do Lugolina
no Jornal das Moças em relação a alguns
possíveis sentidos para o trabalho de Anna
Bella. Produzida no Rio de Janeiro, entre 1914 e
1965, a “revista quinzenal ilustrada” Jornal das
Moças é dedicada às mulheres de classe média,
como sublinha Bruna Ximenes Coraza. Na
dissertação Se conselho fosse bom... produções
de feminilidades no “Jornal das Moças” e na
“Capricho” (2017), a pesquisadora sublinha a
matéria “O que uma mulher deve ser”, publicada

288
no primeiro número da revista. Entre os dez
pontos que uma moça deve seguir, prevalecem
conselhos relacionados ao “julgamento
masculino” (CORAZA, 2017, p. 40).

“Usar a maior limpeza e asseio possíveis. Aos


homens agrada tanto uma mulher asseada como
desagrada a que se descuida de sua hygiene...”
é o conselho número três. A preocupação
com a limpeza e a pureza pode ser associada,
historicamente, ao imaginário burguês que
promove condutas moralizantes, por exemplo,
no interior das habitações operárias, pensadas
como promíscuas e anti-higiênicas. Em meados
do século XIX, atravessado por essas questões,
imagem 74 institui-se definitivamente o modelo da família
Propaganda do creme Lugolina. nuclear, no qual a mulher se torna uma vigilante
Fonte: Jornal das Moças. do lar, frágil, abnegada. Formas renovadas de
Rio de Janeiro etiqueta e comportamento, preocupações com
31 de outubro de 1939 a moda e com a casa começam a produzir a
identidade feminina moderna, inicialmente entre
as moças ricas, espalhando-se entre as classes
populares (RAGO, 1985, pp. 61-63).

Lugolina é, como diz seu cartaz, “o melhor


preservativo para a toilete íntima das senhoras.
Desinfecctante energético”. Pensada com base
nas relações com o Jornal das Moças e esse
modelo de feminilidade, a publicidade do
creme é uma forma de articulá-lo ao mercado.
A imagem publicitária apropriada para uma
discussão sobre a arte põe em movimento
e desloca essas dimensões. O trabalho de
Geiger, tomado nessa chave analítica, instaura
algumas tensões: o mercado de arte e a artista;
os modelos de feminilidade e a produção de
imagens do feminino nas artes áudio|visuais; a
burocracia, o sistema de funcionamento da arte
e as mulheres; entre outros.

Anna Bella Geiger, bem como Lygia Pape,


associa de forma densa essas questões. Denise
Sant’Anna observa que, “a partir de meados do
século XX, a beleza começa a ser vista como
resultado de um esforço ou de um trabalho
de cada mulher sobre si mesma: a beleza
se constrói, diariamente, incessantemente”
(SANT’ANNA, 2003, p. 139). A autora

289
lembra que em 1908, no jornal O Estado de
S. Paulo, um anúncio dizia que Lugolina
substituiria “as antigas pomadas, unguentos e
sabões medicinais, estando sim ‘à altura dos
tempos modernos’” (Sant’Anna, citada em
JAREMTHUCK, 2007, p. 95).

Uma crítica aos procedimentos de embelezamen-


to na arte e na vida é estabelecida nas poéti-
cas das duas artistas por meio da ironia. Nesse
sentido, é preciso destacar o vídeo Preparação
I (1976), de Leticia Parente (Salvador, 1930-Rio
de Janeiro, 1991). A artista fica em frente a um
espelho prontas para maquiar-se. Ao iniciar o
procedimento corriqueiro, observa-se que há
uma peculiaridade em seu gesto: a preparação
da pele para receber os produtos de embeleza-
mento consiste em afixar fitas adesivas brancas
sobre a boca e os olhos (TRIZOLI, 2018, pp.104-
105). Assim, “sem fala e sem visão, a mulher
continua armando o cabelo e fixa no espelho
seu olho construído e bem aberto e depois deixa
o espelho e o banheiro” (MACIEL, 2011, p. 51)

Em 1976, Parente realizou a exposição Medi- imagens 75,76 e 77


das, também como parte do programa da Área frames de Preparação I
Experimental do MAM-RJ. A mostra “utilizou-se 1976
de um conjunto de mídias: fotografia, xerox,
audiovisual e jornal” (MACIEL, 2011, p. 87). No
âmbito mais geral, a exposição instaura per-
guntas sobre o corpo humano e seus sistemas
de medições, articulando discussões sobre as
tecnologias de segurança e produção de ima-
gens. Uma das imagens que compõem o catálo-
go e uma matéria do jornal O Fluminense (1976)
traz a artista olhando-se no espelho. A imagem
estabelece interessante correspondência com as
discussões sobre a exposição de si e a reflexivi-
dade que permeiam essas páginas. A boca está
fechada, como em Preparação I, nada pronuncia.

Os olhos, porém, encaram firmemente a


si no pequeno espelho retangular que ela
segura nas mãos. O objeto é sustentando pela
própria artista, diferentemente da situação de
Preparação I, na qual o espelho está na parede.
Olhar a si em uma atitude ativa é uma das
possibilidades de sentido para essa imagem.

290
imagens 78
matéria O Fluminense
16 de junho de 1976

imagens 79 e 80
catálogo da exposição Medidas
MAM-RJ
1976 Como as bocas de Eat me, insere-se em um
veículo de comunicação de massa. Na fotografia
de Parente é a quietude, e não o movimento,
que estabelece a possibilidade crítica. O dentro e
fora se ressituam. “O que espero”, diz a artista,
“é detectar pontos de cruzamento de malhas,
fissuras e soldas de planos internos no espaço
imposto das gaiolas. Novas faces de luta,
novo impulso para a consciência: a contínua
indagação sem tréguas” (PARENTE, 1976).

A análise desse conjunto de trabalhos permite


afirmar que, durante a década de 1970, havia
no Brasil uma articulação extremamente
fértil entre as práticas da arte contemporânea
e uma crítica aos modelos de feminilidade,
às censuras e exposições. Considerando os
Estados Unidos, onde as relações entre arte e
feminismo são bastante fortes naquele momento,
Roberta Barros observa que o corpo passa a ser
utilizado por artistas – Barbara Kruger e Judy
Chicago, para lembrar algumas – como arma de
contestação política. Construindo imagens de
si em performances, vídeos e fotografias, entre
outros, tornam-se autoras, e não apenas suporte
ou modelo, como é habitual na história da arte
(BARROS, 2016b, p. 15).

No Brasil, na mesma década de 1970, vivia-se


o auge da ditadura. O regime autoritário, com
censura, torturas, prisões e mortes, reduzia
brutalmente as possiblidades de constituição
de espaços públicos. Entre muitos setores da
esquerda paira nessa época um sentimento de

291
conciliação, tanto de sexo quanto de raça, em
nome do fortalecimento do combate contra o
Estado ditatorial.

No território artístico, mesmo antes do golpe de


1964, uma dimensão conciliatória se formava.
Em 1961, lembra Luana Saturnino Tvardovaskas,
foi realizada, no Museu de Arte Moderna de São
Paulo, a exposição Contribuição da mulher às
artes plásticas do país. Ao analisar os textos do
crítico Mário Pedrosa e da escritora Maria de
Lourdes Teixeira (São Paulo, 1907-1989)31 para 31 Maria de Lourdes Teixeira
o catálogo da mostra, a historiadora desconfia é autora de livros como Rua
de certo tom de conciliação entre os sexos. É Augusta (1963), O pátio das don-
pertinente compreender a montagem da mostra zelas (1969) e A virgem noturna
como uma abertura no campo de produção da (1975). É a primeira mulher
arte para as mulheres (TVARDOVSKAS, 2015, pp. eleita para a Academia Paulista
103-105). No entanto, isso não significa, como de Letras, ocupante da cadeira
gostaria Teixeira, que uma artista não tenha 12, em 1969. Vale destacar que
mais que “superar montanhas de preconceitos a primeira mulher ocupante da
e tabus e arrostar maiores possibilidades de Academia Brasileira de Letras é
malogro do que de êxito” (Teixeira, citada em a cearense Rachel de Queiroz,
TVARDOVSKAS, 2015, p. 104). cadeira 5, eleita em 1977.

Os discursos que afirmam haver igualdade entre


homens e mulheres, somados ao cerceamento
cultural produzido pela ditadura civil-militar,
“produziram efeitos de invisibilidade sobre as
artistas mulheres e suas manobras e resistências

292
para adentrar num território masculino” (TVAR-
DOVSKAS, 2015, p. 106). A exibição de si produ-
zida por Geiger, Pape, Parente, entre outras, seja
pela própria imagem em fotografias e vídeos,
seja pela mobilização de uma autobiografia,
contrapõe-se criticamente a esses discursos.

Expor o próprio corpo no Museu ganha uma


série de dimensões críticas e traz potencialidades
múltiplas no que se refere à constituição de um
espaço público no sentido construído até esse
momento. A experimentalidade instaurada por
práticas artísticas localizadas no MAM permite a
imagem 81 elaboração de espaços para imaginar modos de
Anna Bella Geiger criar potencializadores de um espaço público.
obras sob o título Burocracia
vista da exposição Anna Bella &
Lygia & Mira & Wanda
MAC-Niterói
2018
fotografia de João Mascaro

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311
312
Capítulo 03 – Aberturas: entre mesas, mapas e
camuflagens

Alguns críticos se apressam em acelerar o término


dos anos 70, inclusive com grande ansiedade em
classificá-lo, e já de tentar determinar a priori para
os anos 80 um comportamento mais “comportado”
do artista, como se a produção artística brasileira
tivesse se radicalizado apenas por motivos mais
óbvios, por causa do momento político. Eles
se esquecem do sentido mais profundo com
que o artista trabalha, que é o sentido de estar
constantemente transformando e renovando sua
linguagem (Geiger, citada em FONSECA, 1979).

imagem 1 Mesa, friso e vídeo macios (1981) é um trabalho


Registro da fotografia de Mesa, de Anna Bella Geiger criado para a XVI Bienal
friso e vídeo macios na Bienal de de São Paulo. Na instalação, tal qual indica o
São Paulo, que esteve colocada título, três são os elementos principais: mesa,
na entrada da versão de Anna friso e vídeo. A mesa de madeira tem seu
Bella Geiger. Brasil nativo/Brasil tampo estofado com um tecido que traz padrões
Alienígena (2022), no Frans Hals de manchas em verde. Os frisos são também
Museum, Haarlem, Holanda. estofados, e o tecido traz em verde não apenas
as manchas, mas uma forma criada com base

313
no mapa da América do Sul. Na altura da mesa
dois televisores são instalados, e neles são
reproduzidos vídeos nomeados Quase mancha1, 1 Nos vídeos constantes
que são produzidos com base na filmagem das no acervo da artista lê-se
padronagens encontradas nos frisos e mesa. “intitulado Quase mancha”. No
catálogo da Bienal não há título
Neste terceiro capítulo as análises têm como algum para o vídeo, e em nossas
ponto de partida Mesa, friso e vídeo macios, conversas Geiger já se referiu
na procura por adensar os sentidos sobre as a eles como Quase mancha 1
práticas artísticas de Anna Bella Geiger, sob a e Quase mancha 2, bem como
perspectiva das espacializações. Quase mapa e Quase mancha,
que é também a forma que
aparece em uma série de textos
sobre o trabalho.

imagem 2
página do catálogo da XVI Bienal
de São Paulo com Mesa, friso e
vídeo macios.

imagem 3
desenho para Mesa, friso e vídeo
macios constante no acervo do
MAC-USP.

imagem 4
capa do catálogo da XVI Bienal
de São Paulo.

314
A videoinstalação é exibida na primeira
participação de Anna Bella em uma Bienal de
São Paulo desde sua adesão ao boicote em 1969.
A artista, que havia participado de uma série
de edições, em 1961, 1963, 1965 e 1967, aceita
incluir trabalhos como parte da programação
de 1981, a convite do curador da edição, Walter
Zanini.

O evento Bienal de São Paulo é de extrema


importância para as articulações artísticas,
arquitetônicas e culturais da cidade, sendo
parte de um esforço da burguesia local para
criar instituições modernizantes após o fim da
Segunda Guerra Mundial. A história da Bienal
ficou, portanto, naquele momento, bastante
relacionada à fundação de importantes museus
na cidade, tal qual o Museu de Arte Moderna de
São Paulo (MAM-SP), o Museu de Arte de São
Paulo (MASP) e o Museu de Arte Contemporânea
da Universidade de São Paulo (MAC-USP).

2 ver p. 256 As relações da carioca Anna Bella Geiger com


São Paulo acontecem sobretudo com base no
3 No primeiro ano de trabalho nas artes e em seus contatos com Wal-
existência o Museu cria “uma ter Zanini, no MAC-USP, que, para usar as pala-
mostra para jovens artistas vras de Dária Jaremtchuk, significa, “para Anna
com idade até os 33 anos. Bella, um lugar de apoio e encontros frutíferos”
As primeiras reservaram- (JAREMTCHUK, 2007, p. 62). Nos capítulos ante-
se ao desenho e à gravura, riores, sublinhei a exibição de Circumambulatio
chamadas, respectivamente, (1973) no Museu, bem como a participação da
Jovem Desenho Nacional (JDN) artista na 8ª Jovem Arte Contemporânea (1974)2.
e Jovem Gravura Nacional No entanto, Anna Bella Geiger já havia estabele-
(JGN). Devido ao crescente cido vínculos com a instituição e o curador cerca
afluxo e projeção, as exposições de uma década antes, a partir de sua participa-
transformaram-se e passaram ção na I Jovem Gravura Nacional3, quando ga-
a incorporar novos suportes, nha o Prêmio Aquisição (1964) (JAREMTCHUK,
sendo então renomeadas Jovem 2007, p. 62; NAVAS, 2007, p. 190).
Arte Contemporânea (JAC)”
(JAREMTCHUK, 2007, p. 60). As conversações com Zanini e com o MAC ex-
Lembro que Dária Jaremtchuk plicitaram-se, durante esta pesquisa, de inúme-
é pioneira nas pesquisas ras maneiras, como algo marcante na trajetória
sobre a importância das profissional de Anna Bella Geiger. Recordo que
JACs (OLIVEIRA, 2020), tendo na primeira vez em seu ateliê/casa, em janeiro
realizado o mestrado Jovem de 2018, iniciamos a entrevista com base no
Arte Contemporânea no MAC meu interesse por sua relação com o MAM-RJ.
da USP (1999), na Escola de Curiosamente, a nossa gravação começa com ela
Comunicações e Artes da USP. dizendo:

315
em 1973, o Circumambulatio vai para o MAC. O
Zanini, por um milagre, compra – não era ainda
nem vídeo que eu fazia – um Super 8, uns slides
que eu fiz – que acabei apresentando lá em São
Paulo (GEIGER, 2018a).

As ênfases não apenas na exibição, mas


na compra de Circumambulatio pelo MAC,
sublinhadas pela artista, são pistas, mais que da
relação que ela estabeleceu com a instituição,
da importância do Museu no fomento das
práticas artísticas contemporâneas. Como
explica Jaremtchuk, o “apoio às poéticas
contemporâneas tornou-se uma das marcas da
gestão do professor Walter Zanini, no período de
1963 a 1978” (JAREMTCHUK, 2007, p. 59).

imagem 5
matéria do jornal A Tribuna
22 de julho de 1973

imagens 6 e 7
Os estudantes da USP formavam o público páginas do projeto de Anna Bella
fundamental do Museu, lembrando que Zanini Geiger para a Bolsa Vitae.
era professor na Escola de Comunicações e
Artes da Universidade4, além de diretor do 4 A ECA foi fundada em 1967
MAC. Ao mesmo tempo, sustenta Jaremtchuk, com o nome de Escola de
“a diversidade na programação atraía grande Comunicações Culturais e passa
afluência e frequentadores heterogêneos”. Por a ter o nome atual em 1969.
exemplo, o vernissage da V JAC, de 1971, contou
com a presença de cerca de duas mil pessoas.
Por sua vez, a JAC seguinte, de 1972, “recebeu
na noite de apresentação de espetáculos cerca de
mil pessoas” (JAREMTCHUK, 2013, p. 23).

No caso de Anna Bella Geiger, além de um


local para a exibição de suas obras, o Museu
significava uma possibilidade de atuação
institucional, seguindo caminhos realizados no

316
5 Anna Bella Geiger contou-me MAM-RJ. É, principalmente, a partir de 1973
muitas vezes sobre tal relação, (JAREMTCHUK, 2007, p. 62) – quando se desliga
no entanto, não encontrei oficialmente do MAM – que a artista passa a
– até o presente momento – exercer uma espécie de “representação” do MAC,
documentos institucionais que em âmbito nacional e internacional5.
possam adensar a compreensão
sobre sua relação com o MAC, As relações entre o MAM-RJ e o MAC-USP,
como “representante”, e não desde uma perspectiva crítica a respeito do papel
apenas artista. Geiger contou- das instituições museológicas, é tema que a
me: “o meu contato com o própria Anna Bella Geiger se propõe a pesquisar,
Zanini – desde os anos 1960, ao se candidatar à Bolsa Vitae de Artes6:
nessas exposições da JAC, onde “As estratégias do ensino das artes plásticas
eu participei e ganhei prêmios –, durante o regime obscurantista: o período de
foi daí que eu conheci o Zanini e 1969/1976”, no qual ela aproxima as atividades
começo a ir a São Paulo de uma didáticas desenvolvidas no MAM-RJ às que
maneira mais frequente. Ele me realizou na ECA7 e no MAC-USP.
chamou para colaborar de fato
no MAC. [...] Ele me escreve em Um pensamento sobre a educação e a arte que
um certo momento, que ele quer geram tanto interesse em Geiger é também
que eu seja a representante dele preocupação central de Walter Zanini, o qual,
para todos os eventos fora do não se pode esquecer, era professor na ECA.
país, uma coisa assim incrível! Problemas que se articulavam com base em
Mas não é que ele estivesse me locais institucionais, como o MAM-RJ e o MAC-
pagando nem nada” (GEIGER, USP. Em “Primeiros tempos da arte e tecnologia
2018a). no Brasil”, publicado originalmente em 2009,
Zanini recorda que, ao final dos anos 1960, o
6 Funcionando entre 1987 e conceito de museu se deslocava.
2004, o Programa Bolsa Vitae de
Artes concedeu quase 400 bolsas A compreensão do século XIX, que o tratava
para projetos ligados às letras, como “espaço exclusivo para contemplação
música, artes cênicas e artes […], transformava-se no país, contribuindo para
visuais. Ver “A Bolsa Vitae de isso as comunicações e os debates nacionais
Artes chega ao fim” (Agência do da Associação dos Museus de Arte do Brasil (a
Estado, 2013). extinta AMAB)” (ZANINI, 2018, p. 307). Geiger,
em sua fala para o VI Colóquio de Museus de
7 Zanini lembra que a disciplina Arte do Brasil (1972), precisamente, organizado
História da Arte é introduzida pela AMAB, destaca a importância das
na USP por “improvisações”. transformações com base em suas experiências
Recorda que foi nos anos no MAM-RJ (GEIGER, 1972)8.
1950 que “o professor Lourival
Gomes Machado, catedrático Fabricia Cabral de Lira Jordão, em diálogo com
de ciências políticas e estudioso Dária Jaremtchuk, sublinha a importância de re-
das artes, particularmente do conhecer as contribuições de artistas para o es-
barroco brasileiro, mas com tabelecimento de novos espaços e circuitos, bem
desempenho também na crítica como para o fortalecimento de museus e órgãos
da arte contemporânea, lecionou oficiais ligados à cultura na década de 1970.
a História da Arte na Faculdade É preciso, nessa perspectiva, considerar que
de Arquitetura e Urbanismo da “inexistia um modelo consolidado e fortemente

317
estabelecido no país. Muito embora a debilidade, USP, adaptada às finalidades
a falta de políticas culturais e o controle das ins- da escola, na qual, a partir
tituições pelo regime militar fossem fortemente de 1962, seria ministrada no
criticados” (JORDÃO, 2015, p. 162). Departamento de História da
Arquitetura e Estética do Projeto,
A pesquisadora defende a ideia de que a tendo como seu primeiro
participação de artistas foi fundamental para docente o artista e professor
as transformações ocorridas tanto no MAM- Flávio Motta” (ZANINI, 1994, p.
RJ quanto no MAC-USP. “Essas ações, no 487).
contexto da repressão militar, também podem
ser pensadas como uma tentativa de evitar 8 ver p. 175
a dissolução do espaço público que estava
implicada na desintegração institucional”
(JORDÃO, 2015, p. 162).

Além disso, de acordo com Jordão, é instigante


observar como Anna Bella Geiger mostra-se uma
figura fundamental nas políticas das artes no
Brasil durante o período da ditadura. Tal atuação
é construída por suas atividades institucionais
(oficiais e extraoficiais), educacionais e artís-
ticas. Nesse sentido, destaca-se outro ponto de
importância para uma compreensão mais aden-
sada das ações da artista: o boicote à Bienal.

Considerando o dossiê Non à la Biennale de


São Paulo, Claudia Calirman conta que em 16
de junho de 1969, no Museu de Arte Moderna
de Paris, artistas e intelectuais se reuniram
para discutir a situação da X Bienal de São
Paulo, a ser realizada em setembro daquele
ano. Eles decidem, em solidariedade aos artistas
brasileiros, cancelar suas participações no evento
(CALIRMAN, 2013, p. 15).

No dossiê leem-se, entre outras, críticas ao


sistema de seleção operado pela Bienal, lembra-
se a censura, acirrada desde 1968 no país, bem
como se afirma que:

a Bienal de São Paulo (como muitas outras institui-


ções culturais) se mostra em sua verdadeira inten-
ção. Ela está totalmente a serviço do poder. É tela
cultural que tenta mascarar a repressão. Ela própria
participa dessa repressão ao se recusar a expor
trabalhos com tema “imoral” ou “subversivo”. Ela
tem por função – através da participação interna-
cional – sancionar a política ditatorial dos generais.

318
Aqui novamente o velho truque: a cultura “liberal”
serve como tela de fumaça à violência fascista
9 Publicado no catálogo da (Non à la Biennale, 2019, p. 149)9.
exposição AI-5 50 anos: Ainda
não terminou de acabar (2019).

imagem 8
capa do catálogo da exposição
AI-5 50 anos: Ainda não
terminou de acabar (2019).

imagem 9
dossiê Non à la Biennale de São
Paulo
1969

imagem 10
Charge por Biganti
jornal O Estado de S. Paulo
13 de novembro de 1969

imagem 11
Charge de Mino
jornal A Tribuna
7 de outubro de 1969

319
Recordo que, em 1967, Cybèle Varela (Petrópolis,
1943) envia para a IX Bienal de São Paulo
(1967) – que seria conhecida posteriormente
como a “Bienal Pop” – a obra O presente (1967-
2018). O trabalho traz, em esmalte sintético
sobre madeira, a figura do dorso de um general
junto com um mapa do Brasil, uma fita azul
e um trecho do Hino à Bandeira10: “Recebe o 10 O Hino à Bandeira (1906)
afeto que se encerra no nosso peito juvenil”. tem letra do membro fundador
A obra, que é construída como uma caixa que da Academia Brasileira de
pode ser aberta pelo público, sendo aparentes Letras Olavo Bilac (Rio de
as dobradiças que unem as suas duas partes. Ela Janeiro, 1865-1918) e música
foi retirada da exposição a pedido da Polícia do compositor e catedrático do
Federal. Instituto Nacional de Música
Francisco Braga (Rio de Janeiro,
Em carta encaminhada ao presidente da Bienal 1868-1945). Como lembra
(Francisco Matarazzo Sobrinho), o delegado o compositor e pesquisador
regional Silvio Corrêa de Andrade solicita “a Nei Lopes, no livro Afro-Brasil
fineza de excluir da próxima exposição pública reluzente: 100 personalidades
de arte contemporânea a obra de dona Cibelle, notáveis do século XX (2019),
sobre a figura de um militar” (Ofício nº141-E/TI/ Francisco Braga “é autor de
CO) (MIYADA, 2019, p. 45). Excluído, o trabalho vastíssima obra, que inclui
é devolvido à artista, sendo levado à casa de música sacra, dramática,
seus pais, que, com medo da repressão, acabam de câmara e orquestral,
por destruí-lo (MIYADA, 2019, p. 43)11. entre outros estilos” e foi
“condecorado com a medalha da
Outro evento afetado pela censura no momento Legião de Honra pelo governo
foi a II Bienal de Artes Plásticas da Bahia (1968), francês”, país no qual viveu,
para o qual Anna Bella Geiger e Cybèle Varela tendo sido contemplado com
foram selecionadas (Jornal do Brasil, 1968). A uma bolsa de estudos
primeira edição do evento havia sido articula- (LOPES, 2019, p. 19).
da, em 1966/67, pelos artistas Juarez Paraiso
(Arapiranga, 1934), Riolan Coutinho (Pojuca, 11 A obra foi reconstruída pela
1932), Chico Liberato (Salvador, 1936) e Leo- artista a pedido do curador
Paulo Miyada para a exposição
AI-5 50 anos: Ainda não
terminou de acabar, no Instituto
Tomie Ohtake (2018).

imagem 12
Cybèle Varela
O presente
1967 – 2018

320
12 Conhecido como Chatô, foi nardo Alencar (1940, Estância – Aracaju, 2016).
advogado, jornalista paraibano Os artistas são reconhecidos pela crítica “como
e dono do Diários Associados, integrantes da segunda geração de artistas mo-
um dos principais meios de dernos da Bahia, que tinha como característica
produção e circulação de uma tendência ao abstracionismo”, explica Ayr-
notícias no Brasil, com jornais e son Heráclito Novato Ferreira (Macaúbas, 1968)
revistas de circulação nacional, (2016, p. 83). A edição teve como presidente de
bem como emissoras de rádio e honra o empresário e fundador do Museu de
televisão com sedes nos estados Arte de São Paulo (MASP), Francisco de Assis
de Pernambuco, São Paulo, Chateaubriand12 (Umbuzeiro, 1892 – São Paulo,
Rio de Janeiro e Minas Gerais 1968) (FERREIRA, 2016, p. 84).
(SOUZA, 2021, p. 30).
Caroline Saut Schroeder, cujas pesquisas sobre
13 Em sua dissertação, bem as histórias das Bienais e da censura são amplas,
como no texto “A censura escreve que no dia seguinte à abertura da II
política às artes plásticas em Bienal da Bahia (1968), a exposição é acusada
1960” (2013), Schroeder grafa de comunista e fechada por forças estatais.
o nome da artista como Tereza Além disso, Juarez Paraiso, secretário das duas
Simões. Por sua vez, Talita Trizoli, edições da exibição, bem como Luiz Henrique
em “Leituras feministas da arte Dias Tavares, à época diretor do Departamento
de guerrilha – Anna Vitória de Ensino Superior e de Cultura (DESC), foram
Mussi, Theresa Simões, Sonia presos e interrogados (SCHROEDER, 2019, p. 54).
Andrade e Anna Maria Maiolino”. Trabalhos foram apreendidos, acredita-se, dos
No texto, Trizoli explica que artistas Antonio Dias (Campina Grande, 1944 –
Theresa Simões é uma artista Rio de Janeiro, 2018), Antonio Manuel, Farnese
que se “apropria de imagens de Andrade (Araguari, 1926 – Rio de Janeiro,
de larga circulação cotidiana, 1996), Gastão Manoel Henrique (Amparo,
oriundas do fotojornalismo 1933), Lênio Braga (Ribeirão Claro, 1931 – Rio
ou de publicações de arte de Janeiro, 1973) e Theresa Simões13 (Rio de
impressa, geralmente de tradição Janeiro, 1941) (SCHROEDER, 2011, p. 33).
clássica e canônica em âmbito
nacional e internacional, a fim Poucos meses depois, em maio de 1969, a
de estabelecer uma espécie de exposição – prevista para acontecer no MAM-
heráldica pop das lutas sociais” RJ –, com obras de artistas que, em breve,
(TRIZOLI, 2016, p. 577). representariam o Brasil na VI Bienal de Jovens
de Paris, foi suspensa pouco antes da abertura.
14 Maurício é irmão de O diretor executivo do Museu, o arquiteto
Marcelo (1908-1964) e Milton Maurício Roberto14 (Rio de Janeiro, 1921-1996)
(1914-1953), sendo os três recebe um telefonema do embaixador Donatello
formados em Arquitetura Grieco, funcionário responsável por assuntos
pela Escola Nacional de culturais do Itamaraty (Ministério das Relações
Belas Artes (ENBA). Marcelo Exteriores do Brasil), que ordena o cancelamento
e Milton são ganhadores do da exposição.
concurso para a construção da
sede da Associação Brasileira Horas antes, César Montagna de Souza,
de Imprensa (ABI, 1935), comandante da Primeira Região Militar do
e fundam o escritório MM Rio de Janeiro, havia chegado ao MAM para
Roberto Arquitetos (1936). ver as obras de arte (CALIRMAN, 2013, p. 25;

321
MACHADO e PAIVA, 2021, p. 46; SCHROEDER, Em 1937, vencem o concurso
2011, p. 34). Segundo Maurício Roberto, “as para o Aeroporto Santos
tropas invadiram efetivamente o espaço da Dumont, construído entre
exposição. Após este momento, o museu 1938 e 1944. Maurício, em
começou a ter uma conotação subversiva, e, 1941, entra para a sociedade
desde então, uma patrulha militar sempre estava do escritório, que passa a se
estacionada em frente ao prédio” (Roberto, chamar MMM Roberto. Os
citado em CALIRMAN, 2013, p. 27). Por fim, três irmãos trabalham juntos
tampouco os trabalhos foram enviados a Paris. de 1941 a 1953 – lembrada
frequentemente como a época
Anna Bella Geiger contou-me que, em meio ao áurea do escritório. Nesse
clima de censura, artistas se reúnem no MAM- período projetam a sede do
RJ, e discutem os posicionamentos a serem Instituto de Resseguros do Brasil
tomados: (IRB) (1941-1944) e a Colônia
de Férias do IRB (1943-1944)
Vieram alguns de São Paulo e alguns do Rio para (MMM Roberto, verbete da
conversar sobre a situação da próxima Bienal no Enciclopédia Itaú Cultural, 2022).
sentido de se deveríamos participar ou não. E isso é Maurício Roberto foi diretor
realmente assustador [...]. executivo do MAM, entre 1967 e
1972 (MACHADO e PAIVA, 2021,
Não vamos mais participar! Para isso, você p. 144).
acaba cortando coisas um pouco menores, mas
institucionalmente muito importantes para o artista
brasileiro naquele momento [...]. Então pronto,
cortamos nós mesmos de qualquer próxima Bienal
que aconteça (GEIGER, 2018a).

A censura e perseguição política marcam o


momento pós-AI-5 e fomentam as iniciativas de
boicote à Bienal, em 1969, cuja complexidade
não caberá analisar nestas linhas. Interessa,
sobretudo, destacar que Anna Bella Geiger deixa
de participar da mostra, ao mesmo momento em
que passa a atuar fortemente no MAM-RJ e no
MAC-USP. Ela explica-me que

o Zanini começa a organizar no MAC, independente


da Bienal, no próprio prédio, mas com toda a
independência, a gente apresentando exposições,
exatamente porque é a pororoca, bate tudo junto.
Junta tudo: o momento político, o enfoque de
cada artista e um momento de crise, da discussão
do suporte de uma maneira bastante complexa,
profunda (GEIGER, 2018a). imagem 13
cartaz da 1ª Bienal do Museu de
A crise, o momento político e as discussões Arte Moderna de São Paulo
sobre suporte – dimensionadas nas passagens autoria de Antônio Maluf
entre o moderno e o contemporâneo na arte 1951

322
–, que Geiger articula em Circumambulatio
(1972) e Situações-limites (1975), ressurgem
em Mesa, friso e vídeo macios, transformadas
e acompanhadas das aberturas políticas que
àquela altura se ampliavam. Antes de adensar
tais sentidos, é preciso compreender alguns
pontos a respeito dos quais a afirmação
da artista sobre uma organização do MAC
“independente da Bienal”, reverberam
historicamente.

O Museu de Arte Contemporânea foi criado em


1963 para abrigar o acervo do Museu de Arte
Moderna de São Paulo (MAM), que passava por
15 Três foram as doações um processo de dissolução (MAGALHÃES, 2011,
de coleções para a formação p. 203)15. O antigo MAM havia sido fundado em
do MAC-USP: a Coleção de 1948 e aberto ao público em 1949, e seu fim
Francisco Matarazzo Sobrinho iminente – na década de 1960 – era resultado
(1962), a de Yolanda Penteado de disputas entre seus conselheiros. Magalhães
(doada em 1962, com entrada lembra que, entre os estudos da historiografia
efetiva no museu em 1976) da arte no Brasil, as atitudes autoritárias de
e a Coleção MAM-SP (1962) seu presidente, Francisco Matarazzo Sobrinho16
(MAGALHÃES, 2011, p. 204). (São Paulo, 1898-1977), são frequentemente
marcadas como impulsionadoras das
16 Ciccillo, como era mais controvérsias.
conhecido, é uma figura de
grande importância na produção O MAM-SP era responsável pela produção das
cultural e artística de São Bienais de São Paulo, que levavam o nome de
Paulo. Ciccillo era herdeiro Bienal Internacional do Museu de Arte Moderna
de Francesco Matarazzo de São Paulo. Em 1962, é criada a Fundação
(Castellabate, 1854 – São Paulo, Bienal, e na sequência o MAM-SP deveria ser
1937) – fascista declarado e transferido à esfera pública estatal, no caso,
entusiasta do governo de Benito Universidade de São Paulo. Tal transição
Mussolini (Predappio, 1883 aconteceu parcialmente, uma vez que o acervo
– Mezzegra, 1945) –, que na foi doado à Universidade – representada
condição de imigrante chega, em pelo MAC-USP –, porém, a instituição como
1881, ao Brasil, onde se tornaria pessoa jurídica foi reivindicada por antigos
proprietário do poderoso e conselheiros que assumiram a nova direção do
milionário grupo das Indústrias Museu (MAGALHÃES, 2011, p. 203).
Reunidas Fábricas Matarazzo.
Matarazzo Sobrinho por direito O MAC-USP passa a funcionar no terceiro andar
de herança é proprietário da do prédio projetado por Oscar Niemeyer no
Metalúrgica Matarazzo, que Parque do Ibirapuera e que ficaria conhecido
lhe oferece condições para que como Pavilhão da Bienal. Recordo que a I Bienal
pudesse dedicar-se “a uma ocorreu, em 1951, em um galpão construído
atividade multifacetada de na Avenida Paulista, no espaço antes ocupado
mecenato cultural” (PISANI, por um mirante de terraços panorâmicos, o
2019, p. 21). Belvedere Trianon.

323
imagem 14
Fachada da construção onde foi
realizada a 1ª Bienal
1951

imagem 15
Sede da 2ª Bienal, o Palácio das
Nações (atual Pavilhão Padre
Manoel da Nóbrega) hoje abriga
o Museu Afro Brasil

imagem 16
Abertura da 4ª Bienal, com as
presenças de Jânio Quadros,
Juscelino Kubitschek e Yolanda
Penteado
1957

imagem 17
Francisco Matarazzo Sobrinho
e Juscelino Kubitschek visitam
Guernica de Picasso, durante a
2ª Bienal de São Paulo
1953-1954

imagem 18
Montagem da Sala Especial
Maria Martins na 1ª Bienal
fotografia de Peter Scheier
1951

imagem 19
Público aguarda a abertura da
2ª Bienal
1953-1954

324
17 Francisco de Paula Ramos
de Azevedo é engenheiro
formado na Universidade de
Gante, na Bélgica (1878), e
fundador do escritório Ramos
de Azevedo (1886), responsável
pela construção de uma série
de edifícios marcantes na
paisagem urbana de São Paulo,
entre os quais, a Pinacoteca
do Estado (1905), o Theatro
Municipal (1911) e o Mercado
Municipal (1933), tendo seus
projetos um caráter aproximado Concretizado em 1916 pelo escritório de Ramos
da arquitetura eclética com de Azevedo17 (São Paulo, 1851 – Santos, 1928),
influências neoclássicas. o Belvedere18, ocupava não apenas o futuro local
daquela Bienal inicial, mas o do Museu de Arte
18 Assinaram o projeto do de São Paulo (MASP), cujo projeto, feito por
pavilhão os arquitetos Luís Saia Lina Bo Bardi19 (Roma, 1914 – São Paulo, 1992),
e Eduardo Kneese de Mello. seria concretizado em 1968. Vale lembrar que o
Faziam parte do Conselho de MASP é inaugurado pouco antes do MAM, em
Administração figuras como 1947, como iniciativa de Assis Chateaubriand
Antonio Candido de Mello e (1892-1968), e que ambos os museus
Souza e Villanova Artigas (SALA, funcionavam no prédio dos Diários Associados
2001-2002, p. 126). na Rua 7 de abril, no centro da cidade.

19 Lina Bo Bardi é figura de Com inspiração na Bienal de Veneza, a I


extrema relevância para a Bienal do Museu de Arte Moderna conta com a
cultura no Brasil. É importante participação de 25 países, 228 artistas brasileiros
apontar o fato de que, além e 511 estrangeiros. A II Bienal é inaugurada
de arquiteta responsável em meados de dezembro de 1953, antecipando
pelo projeto do MASP, ela é as comemorações do Quarto Centenário da
fundadora e diretora do Museu cidade de São Paulo. A mostra tomou lugar em
de Arte Moderna da Bahia dois pavilhões projetados por Oscar Niemeyer
(1960), e responsável pela (Rio de Janeiro, 1907-2012), o Palácio dos
desapropriação, captação de Estados e o Palácio das Nações, atualmente
verba, restauro e adaptação do e respectivamente o Pavilhão das Culturas
Solar do Unhão para que ali Brasileiras e o Museu Afro Brasil. Naquela
funcionasse o Museu de Arte altura, Ciccillo Matarazzo era diretor do MAM-
Popular, as Oficinas do Unhão, SP, consequentemente, um dos responsáveis pela
um centro de documentação organização da II Bienal, bem como presidente
histórica de arte popular, da Comissão do IV Centenário.
bem como um centro de
estudos técnicos. O Museu Figura de extrema importância naquele
de Arte Popular pertencia ao momento, Yolanda Penteado (Leme, 1903 –
MAMB (atualmente conhecido Stanford, 1983)20 é colaboradora fundamental
como MAMBA), e tinha como de Assis Chateaubriand para a criação do
programa um levantamento da MASP (SOUZA, 2021, p. 33). E, diz Aracy

325
Amaral – com acidez que parece frequente produção de arte popular no
entre pesquisadores ao se referirem às mulheres Brasil, tal qual escreve Bo Bardi
mecenas –, “apesar de sua evidente frivolidade”, (citada em RUBINO, 2009, p.
foram “seu savoir-faire, seu interesse pelas 134). Os projetos são dissipados
coisas da cultura, sua facilidade comunicativa com a saída da arquiteta de
com o meio artístico fundamentais nos primeiros Salvador, em 1964, diante das
anos do MAM e na implantação das Bienais represálias do governo militar, e
internacionais” (AMARAL, 2001/2002, p. 19). sua influência ali é inegável, até
mesmo entre o grupo de artistas
Yolanda Penteado, por vezes ao lado de Maria que articularam a I Bienal da
Martins, viajava para o exterior e “contatava Bahia (FERREIRA, 2016, p. 83).
artistas e comissários estrangeiros na Europa, Merece destaque, ainda, sua
era embaixadora cultural do Brasil, com carta de realização, junto com Martim
apresentação de Getúlio Vargas para esse fim, na Gonçalves (Recife, 1919 – Rio
articulação com vários países, para a II Bienal” de Janeiro, 1973), da exposição
(AMARAL, 2001/2002, p. 19). Bahia no Ibirapuera, em parceria
com a organização da V Bienal
Prolongada até 1954, a segunda edição de São Paulo (1959) (FERREIRA,
da Bienal de São Paulo contou com uma 2016, p. 68).
retrospectiva de Piet Mondrian (Amersfoort,
1872 – Nova York, 1944), e com o painel 20 Yolanda de Ataliba Nogueira
Guernica (1937), de Pablo Picasso (Málaga, 1881 Penteado é herdeira pertencente
– Mougins, 1973), pela primeira vez enviado à à elite agrária do interior de
América Latina (FABBRINI, 2001-2002, p. 48). São Paulo. Nascida na Fazenda
A vinda da pintura de Picasso é arranjada por Empyreo, muda-se para a
Yolanda Penteado e tem grande importância capital na infância e estuda em
no posicionamento da Bienal de São Paulo colégios de renome. Yolanda
como um evento de relevância nacional e Penteado convive com artistas,
internacional (MANTOAN, 2015, p. 97)21. patrocinadores e colecionadores,
sendo sua tia Olivia Guedes
Na quarta edição da Bienal, em 1957, a Penteado (Campinas, 1872 –
mostra ocupa pela primeira vez sua futura São Paulo, 1934) uma das mais
sede definitiva, o Pavilhão das Indústrias, no importantes colecionadoras
Ibirapuera. A ocorrência da Bienal no Pavilhão de arte moderna de São Paulo.
foi possibilitada pela cessão do prédio para Tornou-se administradora
o MAM-SP22 realizar exposições periódicas da fazenda herdada do pai,
(SOUZA, 2021, p. 47). Nesse mesmo prédio, no investindo na produção de
terceiro andar, seria instalada a sede inaugural algodão e bicho-da-seda
do MAC-USP. Walter Zanini é nomeado primeiro (CERCHIARO, 2020, p. 255).
diretor do Museu, permanecendo no cargo até
1978 (SOUZA, 2021, p. 56). 21 Na tese Yolanda Penteado:
gestão dedicada à arte moderna
Entre 1960 e 1980, o MAC-USP e a Bienal (2015, p. 97), Marcos José
estabeleceram uma relação de coabitação, com Montoan sublinha que Penteado
aproximações e afastamentos, em um processo conviveu com Picasso entre
de construções e reconstruções das “identidades 1952 e 1953, quando conseguiu
institucionais”. A vizinhança potencializava e que viesse a São Paulo a
era potencializada pela circulação de artistas, Guernica – pintura que trata

326
dos horrores da Guerra Civil obras, público, agentes culturais (SOUZA, 2021,
Espanhola (1936-1939), em p. 57)23.
particular, do bombardeio da
cidade de Guernica (1937). A Dessa maneira, a percepção de Anna Bella
obra estava no MOMA em Nova Geiger sobre a independência do MAC em
York, devido à situação política relação à Bienal pode ser considerada um tanto
ditatorial na Espanha, com o inexata ou ao menos deve ser matizada. De todo
regime franquista (1939-1975). modo, a sua decisão em participar da edição de
1981 é, indubitavelmente, efeito de sua relação
22 O MAM-SP, antes de ter com Zanini.
seu acervo transferido para o
patrimônio da USP, havia sido Os anos de ausência de Geiger na mostra são
levado do edifício dos Diários lembrados por Francisco Alambert e Polyana
Associados para um Pavilhão Canhête (2004, p. 162), ao afirmarem que a
do Parque Ibirapuera conhecido XVI edição da exibição é marcada por, entre
como Oca, concebido por outras coisas, um fim ao boicote (ALAMBERT e
Niemeyer originalmente como CANHÊTE, 2004, p. 161).
ambiente para exposições de
esculturas do IV Centenário. Falando ao Jornal do Brasil, sobre sua
participação na XVI Bienal, Anna Bella Geiger
diz ter aceitado o convite como “um desafio
de ir adiante com o problema do meu trabalho
imagem 20 e forçar um caminho”, sem aquele um ano de
notícia Jornal do Brasil trégua e voto de confiança na curadoria (Geiger,
14 de outubro de 1981 citada em BOMFIM, 1981).

A volta de Geiger ao Pavilhão ocorre em


um momento de abertura para experiências

327
artísticas por meio da instalação de Mesa, friso 23 Em 1959, o MAM-SP começa
e vídeo macios. As imagens de mapas/manchas, a “ocupar uma seção do segundo
apresentadas de formas fixas e volumétricas pavimento do Pavilhão da Bienal,
e outras em movimento, emergem enquanto assim, o Museu, que outrora
desdobramentos sobre temas relacionados às dera origem às exposições, se
espacialidades gráficas, imagéticas, geográficas, tornava um enclave dentro
psíquicas, expositivas. de sua gigantesca estrutura”
(SOUZA, 2021, p. 57).

imagem 21
cartaz 16ª Bienal de São Paulo
Cláudio Moschella

328
329
330
Camuflagens: articulações feministas

Os registros de Mesa, friso e vídeo macios no


prédio da Bienal são escassos, sendo os textos
descritivos um modo de ampliar a compreensão
da obra apresentada no Pavilhão em 1981.
Walter Zanini, no catálogo XVI Bienal de São
Paulo, explica que

Anna Bella Geiger cria um espaço para a leitura


diversificada de seus mapas da América do Sul.
Ela recorre a variados meios e suportes (panos
estampados sobre uma mesa, frisas de tecido com
a mesma natureza de impressão, colocadas em
painéis, e dois monitores de TV, cujas imagens
reproduzem o que o espectador descobre na leitura
do elemento mural e na leitura vertical dirigida
sobre a mesa) (ZANINI, 1981, p. 33).
imagens 22, 23 e 24
Anna Bella Geiger com Mesa, Mesa, friso e vídeo macios foi remontada recen-
friso e vídeo macios temente no SESC-Paulista (2019-2020), por oca-
Anna Bella Geiger. Native Brazil / sião da mostra Brasil nativo/Brasil alienígena,
alien Brazil bem como no continente europeu, primeiramen-
Museu Frans Hals te no museu belga S.M.A.K. (2021) e, em segui-
2022 da, no Museu Frans Hals (2022), em Haarlem,
fotografias de João Mascaro Holanda, curada por Melanie Bühler. Nelas não
há aparelhos de TV na altura da mesa – como
24 Pude visitar a montagem em 1981 –, mas telas planas colocadas lado a
do SESC-Paulista, bem como lado, pouco acima da altura da mesa24. Os víde-
a do Museu Frans Hals, tendo os, em qualquer uma das montagens, estabele-
contado com a verba PROAP cem-se como um desdobramento em movimento
da CAPES para a realização da dos estofados macios que cobrem mesa e frisos.
viagem à Holanda.
A videoinstalação25 explora os diferentes
25 O termo “videoinstalação” tempos e espaços criados com base nos mesmos
foi utilizado por Anna Bella elementos: frisos, mesas, manchas/mapas. No
Geiger em muitas de nossas livro Made in Brasil: três décadas do vídeo
conversas e pode ser verificado brasileiro (2007), organizado pelo pesquisador
em textos que tratam de Mesa, Arlindo Machado (Pompeia, 1949 – São Paulo,
friso e vídeo macios, como, por 2020), Geiger explica que a obra é composta por
exemplo, naquele escrito por
Fernando Cocchiarale para a uma relação entre três elementos, uma mesa
exposição Anna Bella Geiger: estufada [...] onde imprimo manchas semelhantes
vídeos 1974-2009, realizada a mapas, como uma camuflagem. Um friso que se
no espaço Oi Futuro, Rio de estende por toda a volta, a uma altura acima do
Janeiro, 2009/2010. No catálogo olhar [...] os vídeos intitulados Quase Mapa/Quase
da Bienal, entretanto, o termo Mancha funcionam lado a lado (GEIGER,
usado é “instalação”. 2007a, p. 79).

331
A relação entre os três elementos – mesa,
friso e vídeo – é reforçada pelos modos de
usar a luz. Walter Zanini observa que na
obra “o iluminamento produz-se pelos focos
fosforescentes da TV e pelos spots” (ZANINI,
1981, p. 33). Dito de outro modo, os pontos
de luz no ambiente são trazidos pelas telas,
pelos spots direcionados diretamente à mesa e
as lâmpadas – típicas de cozinhas – colocadas
abaixo dos frisos. A luminosidade partilhada
entre spots e telas traz uma sensação de focos
igualmente importante nos três elementos
constituintes da situação instaurada pelo
trabalho.

O curador lembra, ainda no texto para o


catálogo da Bienal, que vários artistas, quase
todos com decidida atuação multimedial na
década de 1970, apresentam instalações, tais
quais Julio Plaza (1938, Madrid – São Paulo,
2003) e Cildo Meireles. No caso de Anna Bella
Geiger, a instalação segue as linhas de sentido
estabelecidas em trabalhos anteriores com as
cartas geográficas (ZANINI, 1981, p. 33). Um
exemplo do uso das cartas geográficas está nos
vídeos que compõem a instalação O pão nosso
de cada dia, apresentada um ano antes na Bienal
de Veneza (1980), aos quais retornarei adiante
neste capítulo.

De acordo com Zanini, “gradualmente,


entretanto, esses mapas abstratizaram-se, e
é em situação visual diluída que o público
os reencontrará na Bienal” (ZANINI, 1981,
p. 33). Para compreensão do movimento de
abstratização identificado por Zanini em relação
às imagens apresentadas em Mesa, friso e
vídeo macios, deve-se considerar que elas são
– quando tomadas com base nos movimentos
das práticas artísticas de Geiger – atualizações
constantes de discussões estabelecidas em sua
iniciação à arte com a abstração informal.

Nas gravuras abstratas a mancha surge como


efeito direto da ação química, física e poética
mobilizada na elaboração do trabalho. A compo-
sição da gravura – ou seja, como no papel se or-
ganizam as camadas de tinta – é um movimento

332
de dupla criação: do espaço da gravura e do es-
paço psíquico da artista, seguindo as considera-
26 ver pp. 32-35 ções de Fayga Ostrower26. As manchas são algo
de grande importância nas criações de Anna
Bella Geiger, estabelecem sentidos múltiplos e
cambiantes ao longo de sua trajetória artística.
Luiz Cláudio da Costa (2021), sublinhando a
importância delas no trabalho da artista, retoma
as considerações de Mário Pedrosa.

imagem 25 Para Pedrosa, em suas primeiras incursões na


Anna Bella Geiger arte, Geiger se entrega à abstração (“tachismo”)
Mesa, friso e vídeo macios e “à busca de efeitos de manchas, de textura,
SESC-Paulista que a chapa de metal, os ácidos e os pós e os
Anna Bella Geiger. Brasil nativo/ acasos tão generosamente produzem, provocam
Brasil alienígena ou insinuam” (PEDROSA, 2007, p. 155). E,
2019-2020 desde então, as manchas não deixariam mais
fotografias de Alexandre Nunis as práticas de Geiger: “elas irão efetivar as
imprecisões nas formas, vazar os esquemas
gráficos e cartográficos” (COSTA, 2021, p. 325).

A dimensão das manchas como mapas e as


criações cartográficas estabelecidas nas práticas
artísticas de Geiger serão adensadas adiante.
Por ora, abordo uma distinta camada de

333
sentido trazida em Mesa, friso e vídeo macios:
as manchas como camuflagem. Tal dimensão
é apresentada por Fernando Cocchiarale com
importância destacada na obra de Geiger:

elemento gráfico e simbólico surgido nas gravuras


dos anos 1970, a camuflagem é aqui não só um
pattern abstrato, como também, sobretudo, um
elemento simbólico de dissimulação [...]. Qual olhos
eletrônicos a vigiar o espaço, as duas televisões
devolvem-nos, pois, reproduzidas em movimento
permanente, a camuflagem dos frisos e da mesa,
por meio dos vídeos Quase Mancha e Quase
Mapa. A despeito de sutis diferenças, resultantes
dos movimentos da câmera num e noutro vídeo,
estas imagens celebram um único elemento visual
– simultaneamente abstrato e icônico – desse
trabalho: a camuflagem (COCCHIARALE, 2009).

Seguindo as formulações do crítico, é estabe-


lecido que as camuflagens permeiam todo o imagem 26
ambiente da videoinstalação. Camuflar é por de- Anna Bella Geiger
finição disfarçar, uma característica de diferentes Mesa, friso e vídeo macios
organismos que lhes permite gerar confusão SESC-Paulista
entre seus corpos e os meios em que habitam. 2019-2020
Em termos sociopolíticos e culturais, a fotografias de Gean Carlo Seno

334
camuflagem faz pensar em uniformes de
soldados, um aparato militar de guerra.
Ambos os sentidos abrem possibilidades para
compreender o trabalho de Anna Bella Geiger
como uma crítica ao regime autoritário. É
possível pensar que Mesa, friso e vídeo macios e
suas camuflagens falam sobre os modos de criar
que artistas haviam inventado para driblar a
censura da ditadura, em certa medida, modos de
camuflagem da crítica política.

imagem 27 Nesse ponto é imprescindível sublinhar que


Anna Bella Geiger Camouflage (1980) – palavra francesa incorpo-
Camouflage rada ao inglês com a mesma grafia – é o título
1980 do trabalho fotográfico composto por cinco
imagens, exibidas lado a lado, horizontalmente.
A primeira traz apenas uma série de plantas, e
só. Nas quatro fotografias seguintes, Anna Bella
Geiger surge em meio às folhas de costas para o
público. Vestindo uma camisa com padronagem
de camuflagem cobrindo toda sua pele, a artista
está na terceira e quarta imagem acompanhada
de um tamanduá-mirim – espécie encontrada na
América do Sul.

Em um primeiro momento (3ª fotografia), o


animal está com as duas patas traseiras sobre o
ombro da artista, como se estivesse confortavel-
mente sentado ali. Em seguida (4ª fotografia) ele
apoia-se com uma pata dianteira no ombro de
Geiger, a outra está sobre o couro cabeludo dela,
e as patas traseiras não podem ser vistas na ima-
gem. A posição traz uma sensação de desequilí-
brio, como se o tamanduá estivesse procurando
uma posição que lhe permitisse não escorregar
do corpo da artista.

335
Por fim, na última fotografia, Anna Bella Geiger
surge sem a camisa, vestindo apenas uma regata
preta. Seus braços estão à mostra, é possível
ver sua pele em meio às plantas. A pelagem do
tamanduá apresenta uma marcação em preto,
que se assemelha à regata da artista. Com a
ironia característica de suas obras é criado um
paralelismo entre a pelagem animal e a roupa
humana. A curadora Karin Stempel considera que
o tamanduá fica “diluído numa osmose secreta,
sob o disfarce da artista”. Instauram-se problemas
sobre “imagem e reflexo, natureza e arte, original
e falsificação”. Sendo assim, um é o outro e se
forma de acordo com sua imagem (STEMPEL,
2007, p. 53).

Anna Bella Geiger e o tamanduá, nessa


perspectiva, fazem parte da mesma situação, são
reflexos – nos sentidos poético e político – um
do outro. Há uma tentativa de equilíbrio desses
seres da América do Sul, do Brasil. A sensação
de localização é enfatizada pela presença do
Philodendron cordatum, cujo nome popular é
imbé, planta originária do Brasil, que compõe a
cena das fotografias.

A camuflagem surge nas obras de Geiger como


“a estratégia utilizada pela artista, visando
dimensionar as tensões/relações entre o corpo e
o entorno, entre história e local, entre natureza
e cultura, entre fundo e superfície” (NAVAS,
2009, p. 9). Elas instauram ampliação das
dimensões reflexivas em sua poética e abrem-
se para novas possibilidades de construir e
pensar espacialidades. A localização de Geiger
como brasileira e sul-americana se expressa em
Camouflage por meio da fauna e flora recriadas
no trabalho. O título em francês desdobra relações
trazidas em Declaração em retrato I27, sobre a 27 ver pp. 214-219
posição de artistas brasileiros em relação ao
sistema internacional.

Curioso pensar que as fotografias foram


realizadas por sua filha Nina, no apartamento
da família no Rio de Janeiro. A simulação da
mata no interior da casa reforça as constantes
artimanhas de Geiger para transformar o
ambiente familiar, sua casa/ateliê, suas memórias

336
infantis em construções para serem exibidas
publicamente. Uma relação de metamorfose
do espaço doméstico em espaço para criação
artística, uma articulação entre as vivências
particulares e a prática pública da arte.

imagem 28
Anna Bella Geiger
Camouflage
1980
vista da exposição Anna Bella
Geiger. Native Brazil / alien Brazil
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

Nessa perspectiva, reverbera a série Diário de


um artista brasileiro (1975), na qual Geiger
insere fotografias de si própria em situações
diversas com os pintores Henri Matisse (Le
Cateau-Cambrésis, 1869 – Nice, 1954), Claes
Oldenburg (Estocolmo, 1929 – Nova York, 2022),
Marcel Duchamp (Blainville-Crevon, 1887 –
Neuilly-sur-Seine, 1968), Barnett Newman
(Nova York,1905-1970 ), Roy Lichtenstein (Nova
York,1923-1997) e Andy Warhol (Pittsburgh,
1928 – Nova York, 1987), cria-se uma série
de “(falsos) encontros” (JAREMTCHUK, 2007,
p. 117). Anna Bella Geiger surge camuflada

337
de personagens femininas estereotipadas
acompanhando ditos grandes gênios da história
da arte.

Há uma irônica tomada de lugar operada por


Geiger, que diz muito de suas travessias pela
arte, uma passagem pelos tempos e espaços
junto a representantes de diferentes práticas
artísticas. Em uma das colagens ela está
acompanhada do pintor e escultor abstrato
Barnett Newman. Em frente à provável fachada
de um prédio, Geiger surge um pouco à frente e
um degrau acima do artista.

imagem 29
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Barnett
Newman
1975

No encontro com Claes Oldenburg, por sua


vez, destaca-se a presença da obra do artista
Floor burger (Hambúrguer de chão, 1962).
Na peça Geiger toma emprestado o corpo da
artista, poeta e escritora Patty Mucha, à época
Patty Oldenburg (Milwaukee, 1935), que ela
define como “uma mulher elegantíssima” e que
imagina – com razão – ser casada com o artista.
Patty, agora Anna Bella, está no primeiro plano
da foto, em segundo está Floor burger e, por fim,
Oldenburg. Em ambas as imagens ela tem um
olhar lateral, ambíguo.

338
imagem 30
Claes Oldenburg e Patty Muncha,
com a obra Floor burger (1962)
Nova York
1964
fotografia de Ugo Mulas

imagem 31
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Claes Oldenburg
1975

imagem 32
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Marcel
Duchamp
1975

339
Com o dadaísta francês Duchamp, Geiger surge
como sua noiva, em uma imagem da artista
replicada quatro vezes. Na primeira, a artista
surge de vestido branco e um longo véu de
noiva encarando a câmera com um sorriso. Na
segunda, é possível ver metade de seu rosto.
Nos dois cortes sequenciais apenas a brancura
das roupas de matrimônio é vista. Duchamp
de chapéu e um longo casaco branco olha
lateralmente para a noiva Anna Bella. Diante
da fotocolagem, penso que a posição de noiva
do mestre da arte faz com que a própria artista
desapareça, instaurando-se discussões sobre
temas relativos às mulheres na arte.

imagem 33
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Roy Lichtenstein
1975

Na visita ao ateliê do artista pop estadunidense


Roy Lichtenstein, Anna Bella se posta
novamente olhando diretamente para a câmera
e sorrindo. Ela mimetiza uma figura de vestido
branco, sentada com as mãos sobre o colo.

340
Lichtenstein com um pincel em mãos está
prestes a pincelá-la. Geiger surge entre o pincel
e uma grande tela pintada ao fundo, fazendo
dela mesma um tipo de pintura realizada pelas
mãos do autor.

Na dissertação pioneira Espelho, espelho meu?:


auto-retratos fotográficos de artistas brasileiras
na contemporaneidade (2005), Mariana Meloni
Vieira Botti observa que, ao colocar a si
própria ao lado de reconhecidos artistas do
século XX, Anna Bella Geiger cria relações
de proximidade, com certa passividade diante
desses homens. Para a autora, com Diário de um
artista brasileiro “Geiger indagou, dentro de um
contexto histórico de repressão política e social,
o lugar da mulher artista no Brasil” (BOTTI,
2005, p. 47).

Nas análises propostas por Botti – a respeito


da utilização de imagens de si como
forma de produzir uma operação crítica às
posicionalidades no sistema da internacional da
arte –, a pesquisadora cita as considerações de
Tadeu Chiarelli. De acordo com o crítico, na obra
Diário de um artista brasileiro “Geiger – mulher,
judia, filha de imigrantes e artista brasileira –
busca por meio da história da arte [...] encontrar
o seu ‘lugar’, dentro do estreito mundo da arte
moderna internacional – branca, masculina,
protestante, europeia e norte-americana”
(CHIARELLI, 2001, p. 3).

Dária Jaremtchuk, em sentidos aproximados


dos empregados por Botti e Chiarelli, propõe
que Diário de um artista brasileiro instaura, por
meio do humor, uma discussão sobre “o papel
da mulher de ser artista mulher e brasileira, os
seus desejos e anseios em participar do universo
artístico hegemônico masculino” (JAREMTCHUK,
2007, p. 118).

Em uma análise sagaz sobre a fotocolagem e


suas potencialidades críticas em relação à identi-
dade Mulher, Jaremtchuk afirma que no trabalho
a mulher poderia ser entendida como objeto,
reduzida ao papel de companheira dos homens
compreendidos como grandes artistas. No en-

341
tanto, a sensação se dissipa diante dos ruídos vi-
suais, a descontinuidade espacial, evidências de
intervenção nas imagens que indicam a autoria
do trabalho (JAREMTCHUK, 2007, p. 118).

Diário de um artista brasileiro apresenta, nesse


sentido, o lugar esperado das mulheres, como
companheiras, musas, noivas, ao mesmo tempo
que o desconstrói. Há uma “desnaturalização dos
papéis de gênero fixados pela cultura, porque
tornam visíveis as manipulações e o caráter fic-
tício das imagens” (JAREMTCHUK, 2007, p. 118).

imagem 34
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Andy Warhol
1975

Diferentemente, com Warhol, Anna Bella Geiger


surge sedutora, tomando emprestadas pernas
de outra pessoa. Ela sorri e olha firme para o
público. Observo, nessa perspectiva, logo abaixo
da figura de Warhol esta assinatura: Anna Bella
Geiger, reforçando a autoria do trabalho, como
diz Jaremtchuk, e, simultaneamente, fazendo a
crítica à própria noção de autoria, uma vez que
a condição da obra – como de toda a série – é a
confecção de uma falsificação.

342
imagem 35 Os cortes e recortes são explicitados na imagem
Henri Matisse no Hotel Regina com Matisse. A fotografia original é de Ly-
em Nice dia Delectorskaya (Tomsk, 1910 – Paris, 1998),
França que trabalhou ao lado do pintor durante mui-
1952 tos anos, sendo também modelo de uma série
fotografia de Lydia Delectorskaya de seus trabalhos. No entanto, aqui ela figura
como artista por trás da confecção da imagem.
imagem 36 Ao lado de Matisse, uma jovem mulher, que no
Anna Bella Geiger trabalho de Geiger surge apenas parcialmen-
Diário de um artista brasileiro te; como a noiva de Duchamp, ela parece estar
montagem com Henri Matisse sendo retirada da imagem. No chão os pedaços
1975 de papel são resquícios das próprias colagens de
Matisse, imagino, considerando que o artista tem
na mão direita uma tesoura. Na mão esquerda,
Geiger insere uma prancheta com sua fotografia,
na qual estão aparentes rosto e dorso, lembrando
também uma capa de LP ou, por que não, de um
livro nos quais ela é personagem principal.
Um ponto importante é marcar que o título não
é Diário de uma artista brasileira. Nomear-se
como artista no masculino abre uma série de
possibilidades interpretativas.

343
Sublinho que em nossas conversas e entrevistas 28 Women artists: 1550-
diversas vezes Anna Bella se refere a si própria 1950 (1976-1977) aconteceu
como “um artista”, e não “uma artista”. no Brooklyn Museum e teve
Nesse ponto lembro-me de Estrella de Diego curadoria da própria Harris e
perguntando sobre os limites metodológicos e de Linda Nochlin, apresentando
políticos na realização de grandes exposições trabalhos de artistas europeias e
dedicadas exclusivamente às mulheres artistas. A estadunidenses.
autora recupera as palavras de Ann Sutherland
Harris, na ocasião de uma das primeiras mostras
internacionais de mulheres artistas28, em 1976, a imagem 37
qual dizia que indício de sucesso da mostra seria Anna Bella Geiger
o fim, de uma vez por todas, da necessidade de Diário de um artista brasiliero
se fazer exposições desse tipo (DE DIEGO, 2018). 1975

Diário de um artista brasileiro faz circular tais imagem 38


considerações quando o artista brasileiro é a vista da exposição Anna Bella
artista brasileira. Anna Bella Geiger imagina Geiger. Native Brazil / alien Brazil
situações em que a marcação de diferenciação e Museu Frans Hals
subjugação originadas do sistema sexo-gênero 2022
não fosse relevante. Uma espécie de utopia na fotografias de João Mascaro
qual a divisão e hierarquização das identidades
não fosse vigente, sendo assim, ela não seria

344
identificada como Mulher, Brasileira, Sul-
Americana, mas apenas como artista. Enfatizo,
ainda, que as posicionalidades brasileira e
sul-americana não surgem na poética de Geiger
como identidades fixas, mas locais com base
nos quais trabalha, ponto adensado em outro
momento ainda nestas linhas.

Outra linha de sentido permite ampliar as


compreensões da complexidade operada em
Diário de um artista brasileiro. Os desconfortos
criados por tradições enraizadas em concepções
machistas – tal qual o vestido de noiva branco
que indica pureza, virgindade – não são restritos
imagem 39 às narratividades visuais fictícias de Anna
vista da exposição Anna Bella Bella Geiger. Sobre a realização da montagem
Geiger. Brasil nativo/Brasil com Duchamp, ela diz: “eu fui pegar a minha
alienígena fotografia de noiva, [...] é muito engraçado
MASP que as coisas ficam dentro de você, não acho
2019-2020 ridículo o casamento, mas acho ridículo você se
fotografia de Eduardo Ortega vestir e tudo, mas era exigência dos meus pais,

345
e se eu negasse seria uma desgraça, um drama
[...]” (Geiger, citada em BOTTI, 2005, p. 109).
O Diário de Geiger opera por justaposições,
aproximações e tensões entre ficção e realidade,
o pessoal e o político. As passagens entre suas
vivências mais íntimas e individuais e uma
crítica política e cultural complexa e sofisticada
são uma marca das práticas artísticas de Anna
Bella Geiger.

Retomando Mesa, friso e vídeo macios,


sustento que há na obra um tipo de ocorrência
semelhante. A artista explica:

a videoinstalação que eu coloquei, em 1981, na


Bienal de São Paulo, a Bienal de abertura (em
relação à ditadura), tem esses elementos [mesa e imagem 40
frisos]. E esses elementos, como eu venho falando, Anna Bella Geiger
vêm de relações com o cenário normal e pobre Mesa, friso e vídeos macios
da minha infância, vamos dizer, ou da infância SESC-Paulista
de qualquer um, que é uma mesa na cozinha [...]. Anna Bella Geiger. Brasil nativo/
Então, a relação da mesa, do friso, como eu fui brasil alienígena
contando, nessa casa, nessa cozinha da minha casa, 2019-2020
a primeira onde eu vivi, nasci [...] (GEIGER, 2022c). fotografia de Alexandre Nuni

346
imagem 41 Os frisos e a mesa são objetos que Geiger associa
Anna Bella Geiger trabalhando às cozinhas de sua própria casa da infância, mas
em sua casa/atêlie não apenas: “esses elementos, como eu venho
Rio de Janeiro falando, vêm de relações com o cenário normal
2022 e pobre da minha infância, vamos dizer, ou da
fotografia de Gabriela infância de qualquer um, que é uma mesa na
De Laurentiis cozinha” (GEIGER, 2022c).

imagens 42 e 43 Ela lembra que os frisos podem ser algo como


Anna Bella Geiger trabalhando faixas de azulejos que servem à decoração
em sua casa/ateliê de cozinhas. Local de trabalho de Geiger, a
Rio de Janeiro cozinha como imagem para criação artística
2022 abre uma série de possibilidades de sentido
fotografia de João Mascaro para Mesa, friso e vídeo macios. Carla Cristina
Garcia, no livro Hambre del alma: escritoras e
o banquete de palavras (2007), afirma que “a
cozinha na sociedade ocidental burguesa é vista
constantemente como local de opressão, de
vidas sufocadas, de desigualdade nas relações de
trabalho árduo. Todavia pode ser lugar de poder,
de identidade e de expressão da criatividade
para as mulheres” (GARCIA, 2007, p. 57).

Os sentidos opressores e liberadores trazidos


pelo espaço doméstico da cozinha trabalhados

347
por Garcia com base na literatura encontram
ressonâncias entre as críticas, historiadoras
e artistas operando no território das artes
áudio|visuais. Jody B. Cutler, por exemplo,
escreve Feminist art: kitchen testimony (Arte
feminista: testemunho de cozinha) para o
livro The taste of art: cooking, food and
counterculture in contemporary practices (O
gosto da arte: culinária, comida e contracultura
nas práticas contemporâneas).

imagem 44
Robin Weltsch, Vick Hodgetts e
Susan Frazier
Nurturant kitchen
projeto coletivo Womanhouse
1975

imagem 45
capa do catálogo da exposição
Womanhouse que mostral Judy
Chicago e Miriam Schapiro em
frente ao espaço de exibição.
Fotografia de Donald Woodman.

Em seu artigo, Cutler parte de Nurturant kitchen


(Cozinha nutridora, 1975), de Robin Weltsch e
Vick Hodgetts. A instalação foi realizada durante
o projeto coletivo Womanhouse (Mulher-casa),

348
organizado pelas artistas Judy Chicago (Chicago,
1939) e Miriam Schapiro (Toronto, 1923 –
Hampton Bays, 2015). Comumente lembrado
como uma das primeiras exposições feministas,
o projeto foi organizado pelo Programa de Arte
Feminista na CalArts – fundado por Chicago
e Schapiro. As estudantes eram convidadas a
interferir nos cômodos de uma casa, que eram
transformados com base nas fantasias da vida
doméstica, pensadas do ponto de vista de uma
crítica feminista (CUTLER, 2017, p. 227).

Patricia Mayayo sublinha que, inspirado no livro


29 ver p. 200 A mística feminina, de Betty Friedan29, o projeto
Womanhouse questionava o confinamento das
mulheres no âmbito doméstico e reprodutivo.
Cozinha nutridora – cuja autoria a historiadora
atribuía não apenas a Robin Weltsch e Vick
Hodgetts, mas também a Susan Frazier – traz o
drama e a crueza da dona de casa aprisionada
ao sacrifício como princípio regulador da vida.
Na instalação as paredes da cozinha foram
cobertas de esculturas de ovos fritos que iam
se transformando em seios femininos. Uma
apresentação metafórica do papel de nutridora e
protetora atribuído tradicionalmente às mulheres
(MAYAYO, 2018, pp. 99-100).

imagem 46
Martha Rosler
Semiotics of the kitchen
1975

A cozinha como espaço de opressão e,


sobretudo, de tédio e morte da criatividade é
trazido por Martha Rosler (Nova York, 1943)
em seu icônico vídeo Semiotics of the kitchen
(Semióticas da cozinha, 1975). No vídeo a
artista aparece em uma cozinha, nomeando e

349
demonstrando anedoticamente possíveis usos de
objetos que se vinculam a esses espaços. Rosler
diz estar “sugerindo que símbolos impostos às
mulheres são extremamente redutores. Essa
mulher está enredada em um sistema que
a reduz como indivíduo” (Rosler, citada em
DEBRAY & LAVIGNE, 2013, p. 101).

imagem 47
Carrie Mae Weems
série The kitchen table
1990

No começo da década de 1990, Carrie Mae


Weems (Portland, 1953) realiza a série The
kitchen table, na qual os sentidos opressores do
espaço doméstico da cozinha podem ser sub-
vertidos, fazendo dela espaço para produção de
práticas de autonomia. Sozinha, na companhia
de outras mulheres, uma criança ou um homem,
Carrie Mae Weems surge nas fotografias prota-
gonizando uma série de cenas cotidianas ao re-
dor da mesa de cozinha. bell hooks conta que a
compreensão feminista da artista sobre a mulhe-
ridade negra articula-se, em The kitchen table, a
uma sensibilidade feminista complexa, nas quais
questões de gênero surgem em reflexões sobre
desejo e poder (hooks, 1995, p. 76).

Autonomia e a mesa de cozinha têm relações


múltiplas, considerando os debates feministas e
antirracistas na situação estadunidense. Barbara
Smith (Cleveland, 1946) – integrante do Com-
bahee River Collective – conta: “em outubro de
1980, Audre Lorde (Nova York, 1934 – Chris-

350
tiansted, 1992) me disse, durante uma conversa
por telefone: ‘nós, realmente, precisamos fazer
algo sobre publicar’” (SMITH, 1989).

As escritoras criaram, então, Kitchen Table:


Women of Color Press (Mesa de Cozinha:
Imprensa de Mulheres de Cor), uma editora
para si – na expressão de Barbara Smith (1989).
É uma forma de tornar públicos seus textos,
modos de escuta e de fala, considerando que
publicar e escrever são preocupações históricas
dos feminismos, que nas práticas de Smith e
Lorde surgem interseccionalizadas com lutas
antirracistas. Kitchen Table tem origem na
necessidade de autonomia, de determinação
independentemente tanto em relação ao
conteúdo quanto às condições de trabalho.
Trata-se, explica Barbara Smith, de uma ação
para “controlar as palavras e imagens que foram
produzidas sobre nós” (SMITH, 1989).

imagem 48
Carrie Mae Weems
série The kitchen table (recorte)
1990

Seguindo no rastro das relações entre as mesas


e a escrita feminina, Sara Ahmed, em Queer
phenomenology. Orientations, objects, others
(Fenomenologia queer. Orientações, objetos
e outros, 2006), lembra-se da editora Kitchen
Table: Women of Color Press, ao sustentar
que a mesa de cozinha pode ser compreendida
como a superfície onde cada mulher tende a
trabalhar. Usar a mesa que é suporte para o
trabalho doméstico para fazer trabalho político
– incluindo aquele que explicita a política do
trabalho doméstico – é uma reorientação desse
dispositivo (AHMED, 2006, p. 61).

351
A autora, analisando problemas em relação
à escrita de mulheres, traz a materialidade
da mesa como algo fundamental. Nesse
movimento, recorda o pedido de Virginia Woolf
– na conferência “Um teto todo seu” – para
que imaginemos um cômodo e “sobre a mesa
dentro do cômodo, uma folha de papel em
branco na qual está escrito em letras grandes
‘As mulheres e a ficção’, nada mais”. Ahmed,
ao recordar-se do trecho, enfatiza como Woolf
traz a compreensão de que para as mulheres a
construção de um espaço para escrever é um
ato político. E, nessa perspectiva, a mesa, diz a
autora, é não apenas algo que Woolf observa,
mas sobretudo o local (site) de onde cria seu
argumento feminista. Sendo assim, não é
possível pensar sobre a escrita das mulheres sem
questionar a questão prioritária sobre o espaço
que as mulheres têm para escrever (AHMED,
2006, pp. 61-62)30. 30 As articulações entre Ahmed,
Woolf, Weems e Kitchen Table
De acordo com Ahmed, conferir importância às Press estão presentes no artigo
mesas, entre as filósofas feministas, pode ser “Composing at the kitchen
compreendido como uma prática de não colocar table” (2019), de Rhiannon
entre parênteses ou deixar de lado a intimidade Scharnhorst.
dos vínculos familiares para a realização das
análises, tais intimidades estão na frente, elas
estão “sobre a mesa” (AHMED, 2006, p. 62).
Nessa perspectiva, sublinho que Anna Bella
Geiger, em nossas conversas, fala sobre as
horas que passava com suas “reflexões” sentada
naquela única cadeira que cabia na cozinha de
suas memórias infantis (GEIGER, 2022b).

No entanto, em Mesa, friso e vídeo macios o que


está “sobre a mesa” são as manchas/camuflagens
que remetem diretamente à violência política
estatal. Como um signo do poder e da violência
militar, a camuflagem está em todas as partes:
nos detalhes das casas, tais quais os frisos, nas
mesas de cozinha, nos aparelhos de televisão. O
regime autoritário se infiltra de diversas formas
no cotidiano, estrutura modos de vida. As arti-
culações entre o espaço doméstico e a violência
trazidas por Anna Bella Geiger são extremamen-
te instigantes, e seus sentidos, como é particular
de sua poética, surgem fragmentados. Nas con-
cepções de Anna Bella Geiger, há em Mesa, friso

352
e vídeo macios – assim como em O pão nosso de
cada dia – um “desdobramento da abstração”,
bem como uma “discussão sobre o uso arbitrário
do poder” (GEIGER, 2007a, p. 79).

imagem 49 As discussões sobre o poder surgem da


Anna Bella Geiger camuflagem, elemento bélico, militar.
Mesa, friso e vídeo macios Desdobram-se por meio dos vídeos que
Museu Frans Hals lembram o poder de produção de imaginários
2022 do audiovisual e sua relação com os meios de
fotografia de João Mascaro comunicação de massa. Os televisores colocados
na cozinha, ambiente de preparo de alimentos,
ou seja, de produção do primordial para a
existência, geram uma intervenção importante
no ambiente de Mesa, friso e vídeo macios.
O som – ruído confuso – e as imagens com
pouca nitidez, efeito de uma câmera que faz
velozmente movimentos circulares, instauram
incômodo, causam vertigem.

A sensação de confusão da vertigem é adensada


diante do estofado estampado de manchas que
cobre todo o tampo. A cobertura torna o objeto
inútil para funções ligadas à alimentação.
Naquela cozinha não é possível sentar-se e
relaxar para uma refeição, uma vez que a
superfície mole não é convidativa aos pratos

353
e copos. Do mesmo modo, diferentemente
da memória infantil de Geiger, na qual uma
cadeira permitia sentar-se para pensar, na
videoinstalação não há lugar algum para parada.
Nessa perspectiva, retomo uma explicação de
Geiger, durante uma de nossas entrevistas:

eu tinha sempre a mania de mesa. Já em 1975,


no MAM [...] eu mandei comprar 3 mesas de
cozinha daquelas de madeira [...] que é minha
lembrança da infância [...] aquela mesa de madeira,
eu amo aquela mesa… tipo minha mãe fazendo
macarrão [...] é naquela mesa [...], eu botei meus
livrinhos todos em cima da mesa para as pessoas imagem 50
manipularem, então botei cadeiras [...] no fim Anna Bella Geiger na cozinha de
do dia na minha exposição as pessoas vinham, sua casa/ateliê
aquela gente, a turma toda me acompanhando [...] Rio de Janeiro
(GEIGER, 2022a). 2022
fotografia de Gabriela De
A exposição no MAM-RJ referida pela artista Laurentiis
é Situações-limites (1975). Na sequência de
nossa conversa, ao final de janeiro de 2022, a
artista indica como a mesa – objeto que vinha
lhe interessando, pelo menos desde 1975 –
ganha uma nova camada de sentido na primeira
montagem sob o título de O pão nosso de cada
dia, na galeria do Centro Cultural Candido
Mendes:

eu fiz o que eu chamei de O pão nosso [...]. A


Candido Mendes [...] não tinha uma mesa quadrada,
que é como eu queria. Então, ficou uma mesa lá
que tinha, comprida, que não era dessas caras de
mesa [...] (GEIGER, 2022a).

A lembrança manifesta do descontentamento


de Geiger em relação à mesa disponível para
a mostra denota a importância conferida por
ela ao objeto, naquele momento. Algo que se ex-
plicitava, em 1981, ao trazê-lo para o título em
Mesa, friso e vídeo macios. No entanto, sublinho
outro ponto suscitado pela sua fala: uma trans-
formação da situação da mesa com cadeiras no
MAM-RJ, para a mesa sem cadeiras na Bienal
de São Paulo. Nesse sentido, Mesa, friso e vídeo
macios é construído como local de passagem.

Como defende Adolfo Navas, passagem é noção

354
prioritária na poética de Geiger e “permite per-
correr obra pictórica, vídeos, trabalhos gráficos
e toda uma série de formas híbridas (objetos-es-
culturas, desenho-pintura, fotografias-instalações,
vídeo-instalações e gravura)” (NAVAS, 2007, p. 18).
As passagens de Geiger do interior para o exte-
rior, do privado para o público, do pessoal para o
coletivo reverberam em Mesa, friso e vídeo macios.
Como dito no capítulo anterior, passagens remete
ao conceito de Walter Benjamin, e às transfor-
mações espaciais engendradas pelos processos de
urbanização e as possibilidades de elaboração de
31 ver p. 194 e p. 269 si enquanto artista31. Citando Benjamin, “pas-
sagem é uma cidade, um mundo em miniatura”.
Anna Bella Geiger com a videoinstalação cria
“um mundo em miniatura”, trazido pela cozinha
aberta às possibilidades de interpretação.

imagem 51
Anna Bella e Pedro Geiger na
cozinha de sua casa/ateliê
Rio de Janeiro
2022
fotografia de João Mascaro

imagem 52
Anna Bella e Pedro Geiger na
cozinha de sua casa/ateliê
Rio de Janeiro
2022
fotografia de
Gabriela De Laurentiis

355
imagem 53
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
Centro Cultural Candido
Mendes
1979
fotografia de Ana Vitória
Musse
A imagem compõe o catálogo
produzido por ocasião da
Bienal de Veneza.

356
Variáveis: o pão nosso de cada dia

No trabalho criado para XVI Bienal de São Paulo


Anna Bella Geiger está, escreve Walter Zanini,
“desdobrando seu projeto O pão nosso de cada
dia, visto na XXXIX Bienal de Veneza” (ZANINI,
1981, p. 33), cuja apresentação em uma primeira
fase acontece na galeria do Centro Cultural
32 Anna Bella Geiger disse- Candido Mendes, 1979 (PONTUAL, 1980b)32. Na
me, mais de uma vez, que a mesa chamada Variáveis (1979) – em texto de
data da mostra é 1978. No Fernando Cocchiarale (1980) – estão impressos
entanto, de acordo com as quatro mapas. “Eu fiz”, explica Anna Bella
informações constantes no Geiger, no “pano, o algodão de linho com esses
Jornal do Brasil, O pão nosso mapinhas nos cantinhos [...] cada canto falava
de cada dia foi apresentado de uma vulnerabilidade” (GEIGER, 2022a).
no espaço carioca no fim do
ano de 1979. Na mesa Variáveis – cujas imagens estão,
anteriormente, presentes em livrinhos de Geiger,
intitulados O novo atlas I (1977) –, em três dos
cantos, os mapas estão em anamorfose, ou seja,
seus tamanhos mudam de acordo com aquilo
que quer ser transmitido e conforme o sistema
de produção material e imaterial em escala
planetária: “do petróleo”, “desenvolvimento e
subdesenvolvimento" e “do domínio cultural
ocidental”.

357
imagens 54 e 55
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
Centro Cultural Candido Mendes
1979
fotografias de Ana Vitória Musse
As imagens compõem o
catálogo produzido por ocasião
da Bienal de Veneza.

No quarto canto da mesa, o mapa impresso tem


as proporções convencionadas, em 1569, pelo
mapa do holandês Gerardus Mercator (Rupemon,
1512 – Duisburgo, 1594). A projeção de Merca-
tor é cilíndrica e foi utilizada como instrumento
para navegações expansionistas coloniais. Ela
apresenta sua distorção mais expressiva na
relação norte-sul latitudinal. Assim, quanto mais
longe do Equador está um país, maior é, propor-
cionalmente, sua representação. Um efeito disso
é que a região da Antártida e países do Norte
global ficam ampliados.

A projeção de Mercator foi amplamente difun-


dida pelo Ocidente e motivo de uma série de
discussões sobre os aspectos ideológicos das re-
presentações cartográficas. Evidentemente, todas
as projeções que transformam uma geodésica
(forma da Terra) em um planisfério (represen-
tação em mapa plano) causarão mais ou menos
distorções. No entanto, é preciso perguntar sobre
a escolha de qual tipo de distorção é privilegiada
e como ela influencia os modos de ver e de pro-
duzir as relações políticas, econômicas, sociais e
culturais.

358
Um importante pesquisador sobre o tema é
John Brian Harley (Ashley, 1932 – Milwaukee,
1991). Para ele o mapa está longe de ser um
espelho que traz uma representação geográfica
de um aspecto do real, como definem diversos
dicionários de cartografia, na esteira de um
pensamento técnico-científico com raízes no
Iluminismo. De uma perspectiva histórico-
crítica, o mapa refere-se a uma determinada
construção do mundo, expressa por meio da
cartografia. Como qualquer outro documento,
ele redefine o mundo em termos de relações de
poder das práticas culturais, das preferências e
das prioridades (HARLEY, 2001, p. 35).

imagens 56 e 57 André Mesquita tratando das relações entre


Anna Bella Geiger a prática artística e a produção cartográfica,
O novo ttlas I (capa) explica que desde a década de 1980 o historiador
1977 Brian Harley abre espaço para o que seria
nomeado “cartografia crítica”. Isso significa,
nas palavras do pesquisador, uma oposição aos
modelos de mapa operados por estados e elites,
reduzidos à atividade científica e acadêmica
(MESQUITA, 2019, p. 9). Nas concepções críticas
em relação à cartografia, ganham importância
as discussões instauradas por artistas. Mesquita
destaca que estão sendo usados “modelos
alternativos de mapeamento pelo menos
desde as vanguardas históricas do século XX
(dadaísmo e surrealismo), passando pela arte
conceitual, arte feminista, land art e, mais
recentemente, artistas e coletivos trabalhando
com softwares [...]” (MESQUITA, 2019, p. 10).
Lembro que os mapas de Aby Warburg são
igualmente importantes para as relações entre
artistas e pensamento cartográfico.

359
No caso de Anna Bella Geiger, os mapas
surgem quando ela se encontra às voltas com
perguntas sobre “o que é a geografia da Terra”
e o que é uma “geografia ideológico-política”.
A artista começa, em meados da década de
1970, a subverter o mapa alterando suas escalas,
mergulhando nos embates sociais, políticos
e ideológicos dos possíveis significados da
representação de mapas. Precisa para isso,
encontrar, inventar uma estética que permita
transformar uma representação – cuja existência
precede a sua ideia – em uma obra de arte
(GEIGER, 2018g; ZUCCA, 2016).

imagem 58
matéria do jornal O Globo
19 de outubro de 1979

O espaço construído com base em questões de


uma geografia social e psíquica elabora-se como
território poético-crítico nos trabalhos de Anna
Bella. E seus mapas configuram-se, nesse as-
pecto, como ponto privilegiado para a expansão
da noção de crítica instaurada por sua prática
artística.

Os mapas em Variáveis trazem aos pensamentos


as mesas de reuniões de órgãos internacionais,
nas quais se discutem os limites e as ameaças às
fronteiras nacionais. O âmbito da importância
das representações espaciais, no que se refere às
relações geopolíticas internacionais, é trazido
por Jaremtchuk ao analisar os mapas de Anna
Bella Geiger. As transformações que entram em

360
curso mundialmente durante a década de 1960,
pontua a autora, abrangem um momento de
reconfigurações político-espaciais envolvendo
a Guerra do Vietnã, a Primavera de Praga, os
processos de descolonização de países do con-
tinente africano, conflitos no Oriente Médio e
a Revolução Cubana. Representações de mapas
tornam-se recorrentes na mídia e povoam os
imaginários (JAREMTCHUK, 2007, pp. 100-101).

“O que são mapas?”. “Até que ponto suas pro-


jeções e distorções refletem conceitos inten-
cionais?”. “E que lugar ocupamos nós, seres
humanos, brasileiros e latinos, dentro desse
universo?”. As perguntas estão nas páginas do
jornal O Globo, em uma matéria sobre O pão
nosso de cada dia, na Candido Mendes. Com
o título “Mapas e gráficos para representar – e
distorcer – a realidade”, traz trechos de falas da
artista, que explica:

os ingredientes comuns a todos a todos os mapas,


isto é, projeção, escalas e a sua própria limitação
ao reduzir e generalizar a realidade são a própria
natureza deste trabalho. Usando a projeção Mer-
cator e as distorções deliberadas, tento criar um
espaço representativo para a minha reflexão. Colo
mesmo a não neutralidade que o mapa representa.
O espaço do mapa tenta representar a realidade, e
o espaço que eu crio quer ser representativo em si,
colocando a discussão. As modificações e distor-
ções de um mapa têm até um sentido político,
mas, no meu caso, me interesso não só por este,
mas também pela questão da forma e sua mani-
pulação (Geiger, citada em FONSECA, 1979).

As possibilidades de manipulação das formas-


mapas estão presentes por toda a mostra O pão
nosso de cada dia. Os mapas surgem em xérox,
em vídeo, no friso e na mesa. Cria-se uma
relação de forma e desforma das imagens que
está, também, presente em Mesa, friso e vídeo
macios. Anna Bella Geiger cria situações em
que o mapa se desdobra em motivo poético-
político para pensar o sistema da arte e suas
posicionalidades, localizadas em coordenadas
geográficas e psíquicas.

361
A mostra de Geiger na galeria do Candido
Mendes é tema da totalidade da coluna de
Roberto Pontual, no Jornal do Brasil, em
um artigo com imagens da obra e intitulado
“Mapeando a arte” (1979). Ali, ele escreve
detidamente sobre O pão nosso de cada dia,
permitindo ampliar as compreensões sobre
a montagem, uma vez que os registros são
poucos32. Um dos elementos que ele descreve é
uma “mesa coberta de tecido branco [da qual]
parece surgir um leito de hospital”. Seria sua 32 Os registos fotográficos
“imaginação demasiada?”, pergunta o crítico que pude ver da montagem
(PONTUAL, 1979b). de O pão nosso de cada dia
na Candido Mendes estão
publicados no Catálogo
feito por ocasião da Bienal
de Veneza (COCCHIARALE,
1980). Foram produzidos 4
catálogos, para cada um dos
artistas do Pavilhão do Brasil,
em parceria do Ministério
das Relações Exteriores e da
FUNARTE (PONTUAL, 1980b).

imagem 59
matéria do Jornal do Brasil
27 de outubro de 1979

Seguindo nessa linha de sentido, ele observa


que os mapas estão colocados nas extremidades
da mesa, tendo como efeito um “higiênico
distanciamento nesse imenso vazio que resta
entre os órgãos de um corpo que é tanto o
mundo quanto a arte, ambos dilacerados”
(PONTUAL, 1979b). A relação entre o corpo
dilacerado e os mapas surge, possivelmente,
de uma associação com as obras viscerais.
Noto que de fato algumas relações e posições
formadas pelos mapas em O pão nosso de cada
dia aproximam-se de trabalhos como Fígados
conversando (1968)33. Os fígados em meio ao 33 p. 140
papel levam meus pensamentos até as estampas
de mapas associadas aos dizeres: “do petróleo”,
“desenvolvido e subdesenvolvido" e “do domínio
cultural”, que surgem na mesa Variáveis (1979).

362
A articulação entre mapas e corpo a partir
de O pão nosso de cada dia, considerando a
série homônima composta por seis cartões-
34 Dária Jaremtchuk (2007, postais e um saco de pão (papel Kraft)34. Uma
p. 131) diz ser pertencente à de suas imagens compõe o cartaz da exposição
montagem de O pão nosso de (PONTUAL, 1979b). Nela, duas fatias de pão
cada dia (apenas em sua versão de forma repousam sobre um pano colocado,
italiana) a série de postais. De provavelmente, em uma cesta. “A primeira das
acordo com um vídeo feito pela fatias tem seu miolo recortado de maneira a nos
Bienal de Veneza no Pavilhão do mostrar, pelo vazio, o mapa da América do Sul;
Brasil, as imagens dos postais a segunda, no mesmo processo, traz o mapa do
- bem como duas fatias de pão Brasil. Acima e abaixo da foto, o título se divide
(supostamente resultados da também em dois: O pão nosso de cada dia”
performance feita pela artista (PONTUAL, 1979b).
ali) estão colocadas nas paredes
compondo a instalação.
.

imagem 60
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
1978

Entre os postais, há uma segunda imagem


com mapas do Brasil e América do Sul no
interior de uma provável cesta, só que bordados
diretamente no tecido que a cobre. As duas
cestas são fotografadas de modo que surgem
lateralmente. Outro postal traz as fatias de pão –
dessa vez fotografadas de frente – com os mapas
apoiados sobre uma superfície preta, contra um
fundo branco.

Os mapas voltam a surgir isolados, cada qual


em um postal, também em um ângulo frontal
e preenchendo quase a totalidade do espaço
do papel, sobrando apenas uma faixa branca
na parte inferior deles. Nesse caso há um

363
crescimento das imagens das fatias de pão, a 35 O fotógrafo é responsável
tal ponto, que elas são cortadas nas bordas. A por uma série de capas de
própria artista está presente na composição da discos de artistas da música
série O pão nosso de cada dia. Um dos postais brasileira, como Leci Brandão,
traz Geiger com uma das mãos segurando uma Tom Jobim, Caetano Veloso,
fatia de pão bem próxima à boca, que está Chico Buarque e, provavelmente
entreaberta. No corte da imagem não é possível uma das mais conhecidas, a do
ver acima de sua boca. No papel de pão lê-se: disco Alucinação” (1976), de
“O Pão Nosso de cada dia” e logo abaixo “ANNA Belchior. Ele conta que, ao longo
BELLA GEIGER” (assim mesmo, em caixa alta). dos anos, realizou mais de 40
mil registros tendo os negros
Todas as fotos foram feitas por Januário Garcia35
como tema central: “Eu fui fazer
Filho (Belo Horizonte, 1943 – Rio de Janeiro, negros na África, eu fui fazer
2021), que era professor de fotografia no MAM- negros em Israel, eu fui fazer
RJ36,quando seu aluno José Ricardo de Almeida negros na Europa. Então a coisa
o convida para os encontros de jovens negros37 virou diaspórica, o trabalho
que ocorriam na Universidade Candido Mendes, virou diaspórico, mas o básico
nas tardes de sábado: “minha contribuição foi dele é Brasil” (Garcia, citado em
começar a fotografar na reunião seguinte”, diz MASCARENHAS, on-line).
Garcia (citado em MASCARENHAS, online).
Destaco, portanto, que os trânsitos entre arte e 36 Em Trajetória: cursos e
fotografia, política e poética, MAM e Candido eventos no MAM (2016),
Mendes são parte da atmosfera cultural na qual localizei o nome de Januário
Geiger estava envolvida. Garcia Filho no item
“Abertura dos cursos de
A Galeria do Candido Mendes, localizada no fotografia do MAM-RJ”,
bairro de Ipanema, tinha curadoria de Maria de “Ciclo de palestras e debates”
Lourdes Mendes de Almeida38 (Rio de Janeiro, (VARELA, 2016, p. 83). Valeria
1930-2008). Nele foram exibidas, no mesmo uma pesquisa mais detalhada
ano que O pão nosso de cada dia, O sermão sobre os cursos de fotografia
da montanha – Fiat lux, de Cildo Meirelles, e no MAM, seus professores e
Pálpebras, de Tunga (Palmares, 1952 – Rio de participantes, bem como seus
Janeiro, 2016) (DUARTE, 2010, p. 132). E, ainda, conteúdos. É de se supor que
imediatamente antes da montagem de Anna o ensino de fotografia no
Bella Geiger, o espaço apresentou N Operações MAM tenha influenciado não
(1979), de Rute Gusmão (Porto Alegre, 1943) e apenas Geiger, como outros
Maria Carmen Albernaz (Rio de Janeiro, 1952)39 artistas da mesma geração
(PONTUAL, 1979a). envolvidos com o museu.

Para Roberto Pontual, em texto publicado 37 Lélia Gonzalez rememora


à época, “o encadeamento de amostragens” que nos encontros na
(Cildo, Tunga, Rute e Maria Carmem, bem Candido Mendes – aqueles
como Anna Bella) indica que “a galeria, dos quais Januário Garcia
aproveitando de seu caráter não comercial, participa – ocorridos desde
conseguiu assumir rapidamente uma postura 1973/1974 as mulheres
aberta à experimentação” (PONTUAL, 1979a). A negras eram protagonistas.
análise do crítico faz recordar as experiências Ao que tudo indica, ali são
e debates a respeito da experimentação e do preconizadas discussões

364
que ajudam a constituir os experimental ocorridos no MAM-RJ, como visto
movimentos de mulheres anteriormente40.
no Brasil, por meio das
quais elas refletem sobre A experimentação permitida pelo espaço
um “cotidiano marcado, por entrava em conversação com os anseios de
um lado, pela discriminação Anna Bella Geiger, naquele fim de década.
racial e, por outro, pelo Importante, nesse sentido, retomar uma
machismo”(GONZALEZ, proposta expositiva de Geiger enviada à Área
2020b, p.103). Experimental, não realizada em decorrência
do incêndio do MAM-RJ. A exposição Mapas
38 Maria de Lourdes Mendes topológicos seria realizada em agosto de 1978.
de Almeida, formada em De acordo com o projeto, partindo da projeção
Filosofia pela PUC-RJ, funda de Mercator ocorreriam transformações espaciais
em 1977 a Galeria do Centro que iriam definir ideologicamente o sentido
Cultural Candido Mendes. É desses novos mapas. Concomitantemente
escritora, tendo publicado ocorreriam, portanto, transformações formais.
os livros Os cinco sentidos Seus resultados serão denominados “mapas
(Editora Artenova, 1973); topológicos” (LOPES, 2013, pp. 79-80)41.
Tremor de mão (Editora Nova
Fronteira, 1982); Caixa casa É possível considerar que o Centro Cultural
corpo (1984); Fachadas Candido Mendes, naquele momento, ocupa
– contos e textos (Editora um vazio deixado pelo incêndio (desconfia-se
Nova Fronteira, 1994) e Vai que proposital) que, em 1978, destruiu grande
e vem vem e vai – passagens parte do acervo do MAM (Duarte, citado em
(Editora Garamond, 2004), REINALDIM, 2010, p. 132). Aliás, Anna Bella
segundo consta no seu Geiger contou-me que foi durante um curso
obituário no site da Academia oferecido por ela, com colaboração de Frederico
Brasileira de Letras (2008). Morais, no MAM-RJ, que conheceu Maria de
Não foi possível confirmar Lourdes Mendes de Almeida(GEIGER, 2022a),
seu local de nascimento e recebendo dela, anos mais tarde, o convite para
data que estão no obituário a montagem de O pão nosso de cada dia, em
do jornal Folha de S.Paulo Ipanema.
(VIEIRA, 2008).
No espaço carioca estava sendo exibido, de
39 Noto que as informações acordo com Roberto Pontual, o vídeo Mapas
sobre Rute Gusmão e Maria elementares III (1976), no qual a artista desenha
Carmen Albernaz não são quatro formas, que nomeia, nessa ordem,
abundantes, tendo sido “Amuleto”, “A mulata”, “A muleta” e “Am.
consultados para a definição Latina”. “Pouco a pouco”, diz o crítico, “vamos
de local e data de nascimento percebendo que essas quatro formas intituladas
os verbetes “Rute Gusmão têm todas as mesmas configurações do mapa da
Pereira Azevedo” no site do América Latina. Fecha-se, então, de novo todo
Arquivo Nacional (Diabrarq) o circuito que a mostra quis acionar: região
e “Maria Carmen Albernaz” geográfica & produção de linguagem, o mapa da
na Enciclopédia Itaú Cultural mina da arte” (PONTUAL, 1979b, grifos meus).
[on-line] na qual não há mais
informações bibliográficas. A descrição de Roberto Pontual apresenta
uma imprecisão, uma vez que, como sublinha

365
Dária Jaremtchuk, os mapas, na verdade, são 40 ver pp. 173-183
da América do Sul (JAREMTCHUK, 2007, p.
130). Para a autora, em Mapas elementares 41 Informações encontradas
III, “além da semelhança entre os termos, na carta de Anna Bella Geiger
todos os desenhos tratam de imagens para o MAM, 12 jan. 1978,
clichês, de identidades impostas, conceitos/ e recuperadas por Fernanda
imagens estabelecidas pelo colonizador para o Lopes (2013).
colonizado” (JAREMTCHUK, 2007, p. 130).

Filmado por seu filho Davi, o trabalho apresenta


Anna Bella Geiger de costas para a câmera sob
o som da canção “Virgem Negra” interpretada
pelo grupo Los Chaynas, a respeito do qual se
tem pouca informação, que teria possivelmente
integrantes argentinos e peruanos. O vídeo tem
duração de cerca de 3 minutos, registrados em
preto e branco.

Ao escrever “Amuleto, A mulata, A muleta e Am.


Latina” na ação filmada, Anna Bella Geiger faz
um movimento de aproximação fonética entre
as palavras, o que se explicita pela abreviação
do termo América Latina. Reduzido no texto,
poderia ser também redutor nos processos de
significação? Como mais amplamente nas obras
de Geiger daqueles anos, as camadas de sentido
são camufladas, são manchas que podem ser
mapas para significações, e vice-versa.

Os debates sobre o termo “América Latina” são


extensos, múltiplos e não possíveis de serem
abordados mais amplamente nestas páginas. No
entanto, alguns pontos são importantes para
abertura de sentidos para Mapas elementares
III e sua inserção em O pão nosso de cada dia.
Proponho uma aproximação relacionando região
geográfica e produção de linguagem, tal qual
sugerido por Roberto Pontual (1979b).

Traçando uma breve genealogia e considerando


uma série de controvérsias sobre suas origens
(QUENTAL, 2013 /FARRET & PINTO, 2011),
a ideia de América Latina (MIGNOLO, 2007)
está relacionada às disputas imperiais e
intenções da França de Napoleão III (Paris,
1808 – Chislehurst, 1873) em se afirmar, tanto
na Europa, quanto no continente americano,
como representante da “latinidade” (“latinity”,

366
imagens 61, 62,63, 64 e 65
frames do vídeo Mapas
elementares III
1976

367
“latinité”). A noção embasa suas justificativas
em uma raiz comum das línguas francesa,
portuguesa e espanhola e da tradição partilhada
do catolicismo romano, sendo traduzidas como
traços para a construção de uma raça latina
(PHELAN, 1979, p. 6).

A ideia de América Latina serve entre as


elites do Sul do continente como forma de
aproximação da Europa meridional, católica e
latina, afastando-se de suas matrizes de origem
indígena e africana (MIGNOLO, 2007, p. 81).
Em outra dimensão, considerando as disputas
territoriais e as políticas expansionistas dos
Estados Unidos, que resultaram na anexação
de territórios pertencentes ao México, o
termo “Latin American” assume significados
pejorativos. Os latino-americanos são o Outro
inferior, racial, cultural e intelectualmente do
estadunidesense, compreendido como norte-
americano (QUENTAL, 2013, p. 67).

Tratando sobre “O Brasil e a ideia de ‘Améri-


ca Latina’ em perspectiva histórica” (2009), o
pesquisador especialista no tema Leslie Bethell
explica que, durante as origens da construção
do termo, o pertencimento do Brasil à América
Latina é rejeitado por escritores, políticos e in-
telectuais estrangeiros (BETHELL, 2009, p. 293).
No Brasil, apesar do reconhecimento da heran-
ça católica e ibérica, intelectuais e escritores
compreendiam o Brasil “civilizado” como algo
apartado das repúblicas hispano-americanas,
“violentas, extremamente instáveis e ‘bárbaras’”
(BETHELL, 2009, p. 293).

Baseados na concepção da Proclamação da


Independência (1822) relativamente pacífica,
ou seja, negociada pelas elites e sem batalhas,
desdobrando a condição singular das terras
brasileiras, mais precisamente, a cidade do Rio
de Janeiro ter sido a capital transatlântica do
Império Português. A intelectualidade local,
naquele momento, quando pensava o mundo
exterior ao Brasil, não trazia às reflexões
a América Espanhola. Aqui os pensadores
consideravam-se não pertencentes à América
Latina, mas à Europa, sobretudo à França e, em

368
alguns casos, à América como totalidade do
continente, tendo a intenção de aproximação
aos Estados Unidos (BETHELL, 2009, p. 293).

A visão externa sobre o pertencimento do


Brasil à América Latina tem uma transformação
importante a partir dos anos 1920 e 1930 e,
sobretudo, durante a Segunda Guerra Mundial
e a Guerra Fria (1947-1991). É nesse momento
que os Estados Unidos e, por consequência, as
outras nações pelo mundo passam a definir
melhor a ideia de Latin America. Em 1948, é
fundada a Comissão Econômica para América
Latina das Nações Unidas ECLA/CEPAL, primeira
organização internacional dedicada à América
Latina. Proliferam os Latin American Studies,
promovido por ONGs, fundações e universidades
estadunidenses.

Nesse contexto, América Latina é compreendida


como “região problemática”, e fazia parte do
então chamado “Terceiro Mundo” – econômica,
social e culturalmente atrasado, politicamente
violento e instável (BETHELL, 2009, p. 308).
Entre os intelectuais brasileiros que adotaram
o termo como motor do pensamento, durante
as décadas de 1960 e 1970, destacam-se Darcy
Ribeiro (Montes Claros, 1922 – Brasília, 1990),
Fernando Henrique Cardoso (Rio de Janeiro,
1931), Celso Furtado (Pombal, 1920 – Rio
de Janeiro, 2004), e levando em conta que a
maior parte da intelectualidade brasileira e dos
brasileiros em geral entende o Brasil como algo
distinto da América Latina (BETHELL, 2009, pp.
312-313).

Desde a década de 1960, como lembra Dária


Jaremtchuk ao relacionar os sentidos da
identidade latino-americana aos trabalhos de
Anna Bella Geiger, o termo foi incorporado
por parte da esquerda política. A Revolução
Cubana (1959) fazia possível imaginar uma
outra realidade, combatente às desigualdades
do capitalismo, sendo a latino-americanidade
uma forma de reconhecimento de uma realidade
opressora e injusta. Os golpes militares
pelo continente arrefeceram o entusiasmo
revolucionário, sem, contudo, esvaziar

369
completamente uma simbologia de crítica e
liberdade aportada pela ideia (JAREMTCHUK,
2007, p. 134).

Nas análises de Dária Jaremtchuk o amuleto


produz uma ideia da América Latina
abandonada à própria sorte, enquanto a muleta
é um sinal de que a região estaria dependente de
agentes externos (JAREMTCHUK, 2007, p. 131).
A muleta e o amuleto trazidos por ela podem ser
tomados como objetos com funções de apoios,
respectivamente, materiais e psíquicos. Assim,
América Latina é compreendida como aquilo no
qual se sustenta, se ampara, se apoia uma série
de relações cambiantes e reposicionáveis – no
rastro de sentidos da palavra “muleta”. Pode
ser o que protege contra desgraças, algo que se
carrega perto de si e ao que se atribuem funções
benéficas – tomando os sentidos de amuleto
(Dicionário Oxford Online).

imagens 66 e 67
frames do vídeo Mapas
elementares III
1976

Ainda em conversação com Jaremtchuk,


estabelece-se que a América Latina abandonada
necessita recorrer aos agentes divinos, tal
qual a Virgem Negra evocada pela música.
Por sua vez, a figura da mulata denotaria um
estereótipo, fazendo dela um tipo de produto de
exportação (JAREMTCHUK, 2007, p. 131). Neste
ponto, é importante ressaltar que as análises
da pesquisadora corroboram uma aproximação
pouco crítica à figura da mulata. Algo bem mais
explícito nas considerações de Karin Stempel,
para quem “a mulata encarna a sensualidade”,
sem problematizar tal afirmação (STEMPEL,
2007, p. 52), ou de Barbara London, que a traduz

370
redutoramente como uma figura “birracial”
(LONDON, 2010, p. 360).

Tomando as imagens trazidas por Geiger,


observa-se que no Brasil há uma apresentação
da virgem, como o outro da mulata. No território
nacional, há uma construção do imaginário
de pureza, honra e brancura (em sentidos
racializados) como constituidores do protótipo
da Virgem de tradições católicas, enquanto a
mulata é feiticeira, negra, sexual (CAVAS &
D’AVILA NETO, 2011, p. 8).

No vídeo Mapas elementares III, no entanto, a


virgem evocada pelo bolero é negra, figura cujas
associações são múltiplas ao longo da história.
Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida
é uma virgem negra, que no senso comum de
pesquisadores seria branca na origem. Esse tipo
de pensamento é partilhado pela Igreja Católica
em relação a uma série de manifestações
da Virgem Negra. A “negritude” da figura
seria apenas uma consequência secundária
ocasionada pelo uso de madeiras como carvalho
ou nogueira, ou mesmo alguma intempérie
(BOYER, 2000, p. 34).

No entanto, pode-se supor que ela, bem como a


Virgem de Guadalupe, padroeira do México, te-
nha suas origens em uma série de manifestações
de deidades negras pelos tempos. A padroeira do
Brasil teria sido encontrada por três pescadores,
por volta de 1717, no rio Paraíba do Sul, interior
do estado de São Paulo. A imagem era de Nossa
Senhora da Imaculada Conceição, mãe de Jesus,

371
e estava com cabeça e corpo separados. Batizada
de Aparecida, teria trazido para o rio sem peixes
a abundância, escreve Emanuel Araújo42 (Santo 42 Emanoel Araújo (Santo
Amaro da Purificação, 1940 – São Paulo,2022), Amaro da Purificação, 1940) é
curador da exposição Aparecida: virgem mãe do artista, curador e museólogo.
Brasil (2012/2013), exibida no Museu Afro Brasil Filho de uma tradicional
(ARAÚJO, 2013, p. 19). família de ouríves, trabalhou
como diretor do Museu de
De acordo com Araújo, não é a terracota paulis- Arte da Bahia (1981-1983), da
ta, que o tempo torna naturalmente mais escu- Pinacoteca do Estado de São
ra que a faz negra, mas toda uma iconografia Paulo (1922- 2002) e fundador
erudita e popular. Ele sublinha, ainda, que “não do Museu Afro Brasil (2004).
deixa de ser um fenômeno extraordinário num Em 1963, foi premiado na
país racista”, que o “o inconsciente coletivo” II Exposição Jovem Gravura
tenha identificado como negra sua padroeira Nacional (MAC) e, em 1972,
(ARAÚJO, 2013, pp. 20-21). Artistas como Tarsi- ganhou a medalha de ouro na 3ª
la do Amaral (Capivari, 1986 – São Paulo, 1973), Bienal Gráfica de Florença.
Djanira (Avaré, 1914 – Rio de Janeiro, 1979) e
Tereza D’Amico (São Paulo, 1914-1965), criam
trabalhos com o tema da Virgem, como consta
no catálogo da mostra organizada por Araújo.

imagem 68
frame do vídeo Mapas
elementares III
1976

Traçando as pistas das manifestações, anteriores


ao cristianismo, associadas à figura têm-se: Ísis,
deusa nutriz egípcia; a indiana, destruidora e
fértil, Kahli; variações de deusas mesopotâmicas
correlatas às montanhas, cavernas, fendas
úmidas que originam a vida (BOYER, 2000, pp.
41-42). Entre as manifestações cristãs, destacam-
se Nossas Senhoras de Kazan, Rússia; Einsiedeln,
na Suíça; as Virgens de Chartres, de Saint-
Victor e Rocamadour na França; a Guadalupe
espanhola, em Saragoça e Montserrat;
Czestochowa, a Virgem Negra padroeira da
Polônia (BOYER, 2000, p. 34), terra de origem

372
de Anna Bella Geiger, cujos pais – Jacob Icek
e Golda Waldman – migram para o Brasil na
década de 1920.

Passando à figura da mulata, Sueli Carneiro


aponta-a como uma das categorias criadas
43 Carneiro trabalha com base por meio do dispositivo da racialidade43, cujas
no conceito de dispositivo, características são: esperteza, sexualidade
utilizado por Michel Foucault, exacerbada, flexibilidade ou ambiguidade moral
que se refere a “um conjunto (CARNEIRO, 2005, p. 303). Os estereótipos em
decididamente heterogêneo que relação à sexualidade da mulher negra são
engloba discursos, instituições, parte do cotidiano nacional e amplamente
organizações arquitetônicas, trabalhados por Lélia Gonzalez. Seguindo com a
decisões regulamentares, autora, a figura da mulata, mais do que objeto
leis, medidas administrativas, de exportação, é objeto de desejo atravessado
enunciados científicos, pelo sexismo e pelo racismo. Gonzalez evoca
proposições filosóficas, morais, um ditado nacional que diz: “branca para casar,
filantrópicas. Em suma, o dito mulata para fornicar, negra para trabalhar”
e o não dito são os elementos (GONZALEZ, 2020c, p. 149)44.
do dispositivo. O dispositivo é
a rede que se pode tecer entre Para o psicanalista Pedro Ambra, nas
esses elementos” (FOUCAULT, articulações de Lélia Gonzalez a figura da
2008, p. 244). mulata surge articulada aos pensamentos
de Jacques Lacan, sendo algo da ordem do
44 Sobre o problema da figura objeto/dejeto. Trata-se da imagem daquilo que
da mulata são de grande se despreza e deseja dialeticamente, e que é
relevância os textos de Mariza constituidora do imaginário nacional tanto em
Corrêa, “Sobre a invenção da dimensão histórica quanto psíquica (AMBRA,
mulata” (1996), e de Angela 2019, p. 98). Dito de outra forma, a localização
Figueiredo, “Carta de uma ex- da opressão e do desejo é engendrada pela figura
mulata a Judith Butler” (2015). da mulata como constituidora dos modos de
Destaca, ainda, “Diferenças produção psíquicos no Brasil.
e desigualdades negociadas:
raça, sexualidade e gênero em As considerações históricas sobre as figuras
produções acadêmicas recentes” da mulata e da Virgem Negra servem não para
(2014), em que Laura Moutinho a finalização de alguma leitura sobre Mapas
faz uma importante revisão elementares III. São, sobretudo, uma forma
bibliográfica sobre o tema. de abertura para as densidades de sentidos
que o trabalho aguça. E, ainda, maneira de
compreender a necessidade de apresentar
as diversidades históricas na formação dos
territórios entendidos como América Latina.
Anna Bella Geiger surge no vídeo como uma
terceira figura feminina, branca e judia, cuja
história se imbrica nas construções sobre a
latino-americanidade.

Com o vídeo Mapas elementares III, a artista

373
abre passagens para discussões que não
cessam de se atualizar, diante de perspectivas
críticas ao colonialismo, imperialismo, racismo,
sexismo, em suas diversas articulações. De uma
perspectiva crítica, tem-se que esses territórios
servem de suporte material e simbólico para a
construção das cartografias, desenho do mundo.
As delimitações territoriais traçadas em mapas
são definidoras de certas identificações, o que
absolutamente significa que elas não possam ser
rearticuladas, borradas ou apagadas.

Ao criar, com suas próprias mãos, as


identificações da Am. Latina, Geiger surge
como agente produtor desses discursos. Ela não
está isenta de implicar-se na construção dessas
cartografias de sentido. Como artista, é ativa na
articulação e desarticulação de figuras e formas
que compõem o imaginário. Ao mesmo tempo,
copia algo pronto, uma vez que, com canetinha,
recria as imagens “Amuleto”, “A mulata”, “A
muleta”, “Am. Latina”, copiando uma matriz
por debaixo do papel de seda. Angularmente
nativa e alienígena. Crítica e reprodutora de
imaginários. Ao realizar ela própria a ação em
Mapas elementares III, Anna Bella Geiger reflete
sentidos de outros trabalhos, um diário do artista
latino-americano, uma declaração em retrato. É
nativa e alienígena, simultaneamente, da ideia
de América Latina, posição espelhada do próprio
Brasil, dobrando possibilidades de sentidos para
análises anteriores.

Como diz Roberto Pontual, Anna Bella Geiger


sabe que, “se o próprio artista não questiona o
fazer artístico e o espaço onde ele se processa,
arrisca a não ser mais que um burocrata da
expressão, perdido no mapa da mina que é a
arte” (PONTUAL, 1980b). Uma operação que
é fundamental para a compreensão de suas
práticas artísticas e que ressoa nos sentidos de
seus trabalhos.

374
imagem 69
Anna Bella Geiger segurando
edição da revista Marie Claire, na
qual a matéria “Além de Tarsila
e Anita: conheça as mulheres
da Semana de Arte Moderna de
1922” traz publicado um registro
de O pão nosso de cada dia na
mesma página em que está
Fayga Ostrower.
fevereiro de 2022
Rio de Janeiro
fotografia de João Mascaro

375
376
Antropofagia: outros lados

Anna Bella Geiger narrou-me ter sido


convidada, durante a exibição de O pão nosso de
cada dia na XXXIX Bienal de Veneza, a realizar
uma ação na qual comeria fatias de pão no
formato dos mapas do Brasil e América do Sul,
como naquela fotografada por Januário Garcia.
A ação foi realizada, ao que tudo indica, no
Pavilhão do Brasil.

Retomando, brevemente, a história, sabe-se que


a primeira edição da Bienal de Veneza acontece
em 1895, como efeito dos interesses políticos,
comerciais e culturais das elites locais em atu-
alizar a cidade como destino de visitação, uma
proposta adensada após o fim da Segunda Guer-
ra, quando é retomada depois de duas interrup-
ções em decorrência da situação bélica (SOUZA,
2021, p. 36). As representações do Brasil, que
acontecem desde a edição de 1950, passam a ter
local específico para a realização em 1964, com
a inauguração do Pavilhão do Brasil, projetado
pelo arquiteto e engenheiro Henrique Mindlin
(São Paulo, 1911 – Rio de Janeiro, 1971) e o
arquiteto italiano Amerigo Marchesin.

imagem 70
matéria do Jornal do Brasil
27 de maio de 1980

Em 1980, junto com Anna Bella Geiger,


participam da mostra brasileira Antonio Dias
(Campina Grande, 1944 – Rio de Janeiro, 2018),

377
Paulo Roberto Leal (Rio de Janeiro, 1946 –
1991), Carlos Vergara (Santa Maria, 1941), sendo
Roberto Pontual o responsável pela seleção. A
XXXIX Bienal de Veneza, explica Pontual, tem
como “seu tema básico [...] a arte no mundo
desde 1968, tratado simultaneamente como 45 O texto de curadoria escrito
tentativa de balanço histórico-crítico e como por Pontual para o catálogo da
demonstrativo da produção atual de artistas Bienal italiana tem uma versão
em destaque no período” (PONTUAL, 1980b). em português publicada no
O crítico rememora que, entre os efeitos das Jornal do Brasil, sob o título
revoltas estudantis e operárias de 1968, a própria de “39ª Bienal de Veneza”
Bienal de Veneza é posta em xeque, com uma (1980). Nele o crítico inicia
série de artistas colocando suas obras voltadas as considerações realizando
contra as paredes dos pavilhões, abandonando análises comparativas entre a
a cidade e chocando-se diretamente contra a situação do artista europeu e a
polícia (PONTUAL, 1980a). do artista brasileiro desde 1968.

Para seguir nessa perspectiva, retomo as


considerações de Roberto Pontual a respeito
da edição de 1980 da Bienal de Veneza.
Sobre o tema em torno dos efeitos de maio
de 1968, o curador enfatiza o acontecimento
como um articulador entre “política e arte,
luta e imaginação” (PONTUAL, 1980b).
Ele compreende, entretanto, que, “se o
artista europeu viu descerrarem-se em 1968
perspectivas de compromisso com a realidade
social e política imediata, o brasileiro entrava
então no contexto ideologicamente repressivo,
que o obrigava a manipular metáfora, a fugir
pela tangente ou abrigar-se no silêncio”
(PONTUAL, 1980b)45.

Interessante tomar a narrativa do crítico sobre


as revoltas contra a Bienal de Veneza e a decisão
de artistas de fazer com que os trabalhos dessem
as costas para o público. No mesmo texto,
Pontual faz um jogo de palavras dizendo que
a instituição só começou a se renovar quando
“a encostaram na parede” (PONTUAL, 1980a).
A metáfora utilizada por ele fez com que eu
me lembrasse do vídeo Declaração em retrato
II (1975), no qual Anna Bella Geiger volta-se
contra uma parede. Com cerca de 11 minutos,
filmado por Azulay, o vídeo divide-se em duas
partes.

Na primeira, a artista está na praia com apenas

378
mar e areia ao fundo, vestindo uma camisa de
manga comprida. Ela segura o microfone e, num
movimento semelhante ao de Declaração em
retrato I, entre grandes intervalos de silêncio
pronuncia palavras sobre temas relacionados
ao sistema das artes. Na segunda parte, ela está
de costas para o público e permanece por mais
ou menos 3 minutos praticamente parada e em
silêncio. Ao fim, Geiger tira seu corpo de cena, e
um papel pautado com textos escritos à caneta
preta surge. Leem-se, traduzidas para o inglês,
as ideias que ela havia explicitado, por meio da
fala em português, na praia:

culture doesn´t
exist apart from our
talking together
what is art?
or:
I have this concept
of art, how does my
concept match yours?
thus us the other
side of
anthropophagic!
this is the western
condition

imagens 71, 72, 73, 74, 75,


76, 77 e 78
frames do vídeo Declaração em
retrato II
1975

379
A palavra “antropofagia” é pouco mobilizada
por Anna Bella Geiger, sendo interessante pensar
que ela diz ser “outro lado do antropofágico”
a conversa, a possibilidad de compreensão de
diferentes significados que uma mesma palavra,
ideia, conceito podem assumir, dependendo do
sujeito que a utiliza. Os avessos, os sentidos
dúbios, os tempos estendidos e silenciosos,
característicos de outros vídeos, como Passagens
e Centerminal.

Instigante o outro lado antropofágico


apresentado por Geiger. Se a antropofagia
remete ao significado de comer o outro, talvez
seu avesso seja comer com o outro, em uma
conversa conjunta, tal qual propõe a artista ao
declarar-se em retrato. Sentidos expandidos
nas versões expositivas de O pão nosso de cada
dia, no qual o comer está ligado ao cotidiano,
à alimentação de cada dia, bem como à reza, à
religiosidade, à instituição Igreja Católica, uma
vez que o título é um verso da prece Pai nosso
(ou Oração ao Senhor).

Outro lado antropofágico trazido por Anna Bella


Geiger é possível de ser compreendido de formas
variadas, sendo uma dimensão antropófaga
atribuída à sua poética por pesquisadores e
curadores. Dária Jaremtchuk afirma haver
um sentido antropofágico na obra de Geiger,
operado em trabalhos como O pão nosso de
cada dia (1978) (JAREMTCHUK, 2007, p. 132).
Para Tomás Toledo, o próprio O pão nosso, mas
não só, expressa conotações “antropofágicas”
e “autorreferências” no trabalho de Anna Bella
(TOLEDO, 2019, p. 36).

Obras de Geiger compuseram a XXIV Bienal


de São Paulo (1998), UM E/ENTRE OUTRO/S,
conhecida como a “Bienal da Antropofagia”.
A mostra teve curadoria de Paulo Herkenhoff,
cujo texto no catálogo correspondente enfatiza
o pioneirismo de Anna Bella Geiger ao articular
desde a década de 1970 imagens da Terra
Brasilis, canibalismo, cartografia na criação
de novos espaços por meio da camuflagem
(HERKENHOFF, 1998, p. 117).

380
Os temas apontados por Herkenhoff surgem,
como característicos das práticas de Anna Bella
Geiger, em versões de seus cadernos/livros.
Zanna Gilbert, escrevendo sobre eles, destaca um
elo entre o “Manifesto antropófago” (1928), de
Oswald de Andrade (São Paulo, 1890 – 1954), e
46 ver pp. 220-223 o caderno Nearer (1974)46. Publicado na Revista
Antropofágica47, o “Manifesto” cria suas origens
47 Para Ivan Marques, autor mitológicas com base na história da Deglutição
do livro Modernismo em do Bispo Sardinha, comido pelos Caeté, no
revista: estética e ideologia nos Ceará. O texto é concebido como um ato
periódicos dos anos 1920, “as fundador da nova era, que procura a liberdade
revistas modernistas, não só no existente nessas terras até o 11 de outubro
Brasil, foram um dos principais de 1492 (SCHWARTZ, 1998, p. 62), antes da
veículos de atuação das invasão colonizadora e do processo de invenção
vanguardas, que normalmente da América (O’GORMAN, 1992).
são associadas com a destruição
– da velha arte, dos velhos
conceitos. Mas aqui elas tiveram
um papel diferente. Desde
Klaxon, que foi a mais ousada,
lançada logo depois da Semana
de 1922, as revistas tiveram
um papel construtor. Foram
mais um espaço de debate e de
autocrítica do modernismo do
que propriamente de ataque das
convenções” (MARQUES, 2013).

imagem 79
Manifesto Antrpófago
1928

De acordo com Zanna Gilbert, há atrás de cada


folha do caderno um timbre de marca registrada
correlato à pintura Abaporu (1928), de Tarsila do
Amaral e que inspira o “Manifesto” de Oswald,
seu marido à época (GILBERT, 2019, p. 54).

381
Com as pesquisas que realizei, pude verificar no
trabalho a presença de um mandacaru, cacto
nativo do Brasil, nos versos das folhas, bem
como em Sobre a arte (1975) e O novo atlas I
(1977). A planta é um dos três elementos que
compõem a pintura de Amaral, sendo os outros
um sol e a figura de Abaporu, ser comedor de
gente.

imagem 80
Tarsila do Amaral
Abaporu
1928

Os cadernos O novo atlas I e Sobre a arte são


parte do pensamento sobre O pão nosso de cada
dia. Assim, em conversação com as análises
realizadas sobre os mapas de O novo atlas
impressos sobre a mesa Variáveis, gostaria de
acrescentar considerações envolvendo Sobre
a arte. Fernando Cocchiarale observa que
o caderno, projeto mais antigo que compõe
a instalação, apresenta a questão que será
fundamental em trabalhos posteriores: “o
lugar do artista no espaço a ele destinado em
uma sociedade capitalista – o circuito da arte”
(COCCHIARALE, 1980). No caso de Anna Bella
Geiger, a localização de uma artista vivendo na
periferia do capitalismo – a exemplo do que está
posto sobre a mesa Variáveis – embatendo-se

382
simultaneamente com os problemas de ordem
interna, tais quais aqueles sobre o modernismo,
e externa, relativa à situação de dependência
cultural nacional.

Ao escrever para o catálogo da “Bienal


Antropofágica” (1998), a psicanalista e
curadora Suely Rolnik traz as considerações
sobre o modernismo e antropofágica com base
na ideia de construção ou não de um “em
casa”. Para a autora, as elites nacionais, em
movimentos distintos dos de outros países do
continente, como os Estados Unidos, voltam-
se culturalmente para a Europa, obliterando a
necessidade de construção desse “em casa” nas
terras que habitam. A cultura popular (depois
de massa), por sua vez, é produzida com base
na exposição de um outro variado, e com a
necessidade psíquica de constituição do “em
casa” fundamentado na consistência daquilo que
se vive (ROLNIK, 1998, p. 123).

imagem 81 e 82 Rolnik afirma que “uma terceira tradição se


Anna Bella Geiger insinua entre esses dois campos” – trazida pela
Nearer antropofagia modernista – por meio da qual
1974 seriam borradas as fronteiras entre a “erudito e
popular”, “nacional e internacional”, “arcaico
e moderno”, “artesanal e moderno”, “rural e
urbano” (ROLNIK, 1998, p. 129). A perspectiva
de Suely Rolnik é expressiva em termos do
imaginário sobre o modernismo no Brasil.

383
Ana Paula Simioni, em “Modernismo brasileiro:
entre a consagração e a contestação”, tensiona
esse tipo de perspectiva e apresenta como
práticas discursivas críticas, historiográficas,
curatoriais, mercadológicas e institucionais
engendram a “glorificação do modernismo no imagem 83
Brasil”, num processo que se tornou histórico Anna Bella Geiger
(SIMIONI, 2013, p.1). De acordo com a cientista página de caderninho com
social, há três momentos principais: 1917-1940, carimbo de mandacaru
quando os próprios integrantes do movimento
constroem uma história da arte moderna
brasileira; 1940-1970, momento de consagração
no âmbito institucional, com aquisição de obras
para importantes acervos e chancela no sistema
universitário; final da década de 1970, com
matizações a respeito do alcance do movimento,
bem como pensamentos sobre os limites do
caráter efetivamente moderno do movimento,
dos aspectos formais, da centralidade de grupos
e regiões, da procura de formulação de um
discurso canônico (SIMIONI, 2013, p.2).

Na apresentação de Modernidade e modernismo imagem 84


no Brasil (1994), livro coletivo que organizou, Anna Bella Geiger
Annateresa Fabris, pesquisadora por quem Anna Sobre a arte
Bella Geiger tem grande estima, diz ser impres- 1975
cindível empreender um esforço crítico que
escape a um autorretrato mítico, ou seja, uma
revalidação infinita de concepções sobre o mo-
dernismo estabelecidas fundamentalmente por
seus participantes, sem cair em reducionismos
pós-modernos, como chama Fabris, por meio dos

384
quais são criadas contraposições falsas, na ânsia
de estabelecer a superação de uma “situação
cultural” (FABRIS, 1994, p. 9).

Os avessos, ausências, contornos da antropofagia


na poética de Anna Bella Geiger são múltiplos e
complexos. Considerando conversações entre as
autoras citadas, sublinho que no caderno Sobre
imagem 85 a arte (1975) há dois carimbos do mandacaru
Anna Bella Geiger modernista inseridos ao lado da imagem
Sobre a arte Burocracia 48. Concepções sobre uma brasilidade
1975 burocrática, estabelecida por meio de clichês,
no território artístico, é algo que ressoa a partir
48 ver pp.267-291 da relação. Do mesmo modo, a manutenção do
mandacaru.

Zanna Gilbert observa que não é possível ter


certeza se a inserção do carimbo com imagem
advinda do Abaporu é uma intervenção de
49 Anna Bella Geiger me disse, Geiger ou marca do fabricante do papel49,
em conversa por telefone, que se sustentando de toda maneira que sua inserção
trata da marca do fabricante. estabelece uma relação com a antropofagia
artística (GILBERT, 2019, p. 54). Partindo
da ligação criada por Gilbert, é interessante
observar que, entre os elementos terrestres
da pintura, é o mandacaru, e não o comedor
de gente, que figura em meio às navalhas de
Nearer.

Nessa camada de sentido, é instigante tomar


os escritos do poeta modernista e diplomata
Raul Bopp (Santa Maria, 1898 – Rio de Janeiro,
1984). Publicado originalmente em 1965-1966, a
narrativa traz, em tom anedótico, o surgimento
do Abaporu. Em um restaurante no bairro de
Santana, na capital paulista, Bopp, Tarsila do
Amaral, Oswald e outras pessoas amigas bebiam
vinho francês, Chablis, e discutiam sobre o
prato da noite, rã. Especialidade da casa, o
animal era pauta devida à pseudocientífica
teoria dos homúnculos, que pretendia provar
que a evolução humana passava pelo anfíbio
que comiam. Em meio à brincadeira, teriam
sido citados Hans Staden e estudiosos da
antropofagia. Dias depois, “o mesmo grupo
reuniu-se no palacete da Alameda Barão de
Piracicaba para o batismo de um quadro pintado
por Tarsila, Antropófago (BOPP, 2012, p. 45).

385
O explícito distanciamento da mitológica que
mobilizam é adensando se tomarmos as palavras
de Galciani Neves, para quem, com o Abaporu,
Tarsila do Amaral transforma o clima de frescor
e otimismo de “uma sala de jantar domingueira”,
trazido pelo “Manifesto Pau Brasil” (1924), de
Oswald, em algo mais canibal, amarrado em
uma “selvageria ainda mais nativa” (NEVES,
2016, p. 43). As considerações da autora
reforçam a suposição de que os protagonistas
do modernismo nacional tinham sobretudo uma
preconcepção otimista do que Neves nomeia
“qualidades bárbaras e rudes do brasileiro
provenientes da cultura indígena e africana”
(NEVES, 2016, p. 43).

A ausência da figura do Abaporu nos


caderninhos de Anna Bella Geiger, nesse sentido,
poderia ser compreendida como crítica a uma
figura central da construção do imaginário
artístico nacional, que foi inventado e nomeado
por Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. 50 Renata Bittencourt diz ser
A figura antropófaga seria, então, menos possível “delimitar o termo
interessante à artista do que o mandacaru ‘modernidade’ e empregá-lo
nativo dessas terras. No entanto, a proximidade apenas para tratar de uma
entre a imagem do cacto nos caderninhos condição histórica de ruptura
com a apresentada em Abaporu, traz para os radical associada à dimensão
trabalhos de Geiger algo de modernista – nem experiencial de mudança
que seja uma marca registrada – que os objetos acelerada, relacionada ao novo
carregam. Uma marca do local de onde se está e ao tempo presente. Já o termo
produzindo50. ‘modernismo’ faria referência às
formas criativas de expressão
Ana Paula Simioni observa como o modernismo estética e do pensamento
brasileiro, estabelecido como um “grito da filosófico da modernidade, em
consciência nacional [...] garantiu a certos especial, às que evidenciam
grupos e a seus protagonistas um lugar de autorreflexividade é uma
grande proeminência; eles tornaram-se, assim, tentativa de encontrar novas
símbolos culturais – e políticos – dos poderes de formas de percepção e de
transformação oriundos das nações ‘periféricas’” representação em consonância
(SIMIONI, 2013, p. 5). Sendo assim, a autora com a ruptura, que refletem a
retoma as análises da historiadora da arte condição da modernidade e,
Andrea Giunta (Buenos Aires, 1960)51, para ao mesmo tempo, a tornam
quem uma série de artistas latino-americanos, possível” (BITTENCOURT, 2019,
tais quais Oswald de Andrade e Tarsila do pp. 74-75).
Amaral, apropriam-se de estruturas formais
do primitivismo, contribuindo para a criação 51 Em Escribir las imágenes:
de discursos universalizantes da modernidade ensayos sobre arte argentino y
(SIMIONI, 2013, p. 5). latinoamericano (2011).

386
Do mesmo modo, no caso das “modernidades
periféricas”(SARLO,2010) tais discursos
parecem ter força para a produção de uma
ação libertadora, tornando agentes periféricos
(de uma perspectiva planetária) atuantes nos
consagrados como grandes centros de produção
de arte – notadamente os Estados Unidos e
países do continente europeu, como a França
– com base em estratégias e valores próprios
(SIMIONI, 2013, p. 5).

Estrella de Diego (2015), ao escrever na Europa


sobre o tema, afirma que o “Manifesto” de
Oswald esteve por muito tempo escamoteado
pelos discursos hegemônicos nas artes,
entendido como aqueles produzidos de um ponto
de vista do “centro”, atualmente mais simbólico
do que geográfico, segundo ela. Oswald utiliza
os estereótipos culturais do país operando para
criar uma nova imagem do Brasil “como um país
de canibais” (conceito positivado) e incentiva
a convivência entre Europa/América, central/
regional, modernidade/primitivismo (DE DIEGO,
2015, p. 58).

No livro Mulheres modernistas: estratégias de


consagração na arte brasileira (2022), Ana Paula
Simioni tece análises sobre duas pinturas de
Tarsila do Amaral que auxiliam a explicitar as
diferentes possibilidades de compreensão do
problema. A primeira delas, A negra (1923), traz,
nua, uma figura feminina em tom de cor âmbar
luminosa, lembrando ouro. Com apenas um seio
do lado esquerdo, o lado direito do peitoral traz
uma mão e um braço cruzados por debaixo do
seio aparente. As pernas também estão cruzadas.
Os lábios são grandes e volumosos, numa grande
boca, e os olhos estão entreabertos, em suma,
um rosto “feito à maneira de uma máscara
africana” (BITTENCOURT, 2019, p. 72). O fundo,
sem incorporações de perspectiva, traz faixas
horizontais e verticais, em tons amarelados,
avermelhados, azulados, brancos, azuis e verdes.

Renata Bittencourt, no texto “Outras negras”


(2019), lembra que um único seio na figura
feminina remete ao mito das Amazonas,
que arrancavam de si um dos seios para que

387
pudessem lutar melhor, tornando-se melhores
guerreiras. O outro era mantido para amamentar
os filhos, em um movimento de reconciliação
da “atuação nos espaços da vida doméstica e imagem 86
pública” (BITTENCOURT, 2019, p. 70). Do mesmo Tarsila do Amaral
modo, de acordo com a pesquisadora, o seio A negra
volumoso e pendente traz pensamentos sobre 1923
“questões concretas da vida das mulheres negras
no contexto da diáspora negra, ama de leite ou
nutrizes em outros sentidos” (BITTENCOURT, 52 O texto instigante de Renata
2019, p. 72). Bittencourt traz relações da obra
de Amaral à de outras artistas.
Ao falar as mitológicas Ama-
zonas, está traçando paralelos
entre A negra (1923) e Portrait
d’une femme noire (Retrato de
uma mulher negra, 1800), feito
por Marie-Guillemine Benoist
(Paris, 1768 – 1826). A obra de
Benoist leva também o nome de
Portrait de Madeleine (Retrato
de Madeleine) (HARDIVILLIER,
2019), sendo a figura Madeleine,
vinda de Guadalupe, naquele
momento colônia francesa. No
contexto do decreto de 1874 que
aboliu a escravidão nas colônias
francesas, Madaleine vai à Fran-
ça com o cunhado de Benoist
para trabalhar como serviçal da
família (BITTENCOURT, 2019, p.
69). A respeito dos significados
relativos às mulheres negras
como nutridoras no contexto
escravagista, Bittencourt traz o
trabalho A subtlety, or marvelous
Como sublinha a autora, submetidas à sugar baby (Sutileza, ou mara-
escravização, às mulheres negras era imposto vilhoso bebezinho de açúcar,
o cuidado de outros filhos que não os seus ou 2014), construído por Kara Wa-
de sua comunidade. Amaral busca inspiração lker (Stockton, 1969). Feita com
para sua pintura nas memórias e imagens de isopor e açúcar, a escultura de
mulheres negras, trabalhadoras, que na sua Walker tem 10 metros de altura
história pessoal foram propriedade da fazenda e 22 de comprimento, inspirada
familiar, situada no interior paulista cafeeiro em figuras esfíngicas egípcias.
(BITTENCOURT, 2019, p. 72)52. “A ideia de primitivo, associada
historicamente à África, seus
Como outros artistas trabalhando globalmente corpos e suas artes, é evocada
nos marcos do modernismo, Amaral explora o pela máscara que traduz o

388
rosto de Tarsila, em Walker, pela número sem erotismo, sendo um indício disso
alusão a percepções históricas a ausência dos cabelos, recurso de “sedução
que estigmatizam as mulheres na tradição pictórica”, inserindo a pintura
negras, projetando sobre elas “na tradição de recusa à idealização do corpo
uma presumida voracidade sexu- feminino” de artistas mulheres de vanguarda
al exacerbada, sugerida também (SIMIONI, 2022, p. 134). Geométrica figurativa,
no sabor doce imposto no corpo
modelado” (BITTENCOURT, 2019, A negra de Tarsila do Amaral articula-se com
p. 71). “o léxico pós-cubista em voga em Paris”, cidade
na qual ela, bem como outras artistas brasilei-
53 Walter Zanini lembra: “boa ras, tem parte de sua formação modernista53. No
parte dos artistas da Semana de entanto, é particular a representação realizada
Arte Moderna mudava-se pelos em A negra, diz Simioni, “pois feita por uma
anos 20 para Paris à procura mulher, artista, brasileira que aborda um as-
de sua aragem universal. Isto sunto ‘seu’” (SIMIONI, 2022, p. 135). Seja pela
era prova de que permaneciam escolha dos temas ou pelo modo de abordá-los,
sólidos os vínculos artísticos Tarsila do Amaral agrada a cena artística pari-
com a Europa e especialmente siense – interessada no “exotismo (ou localismo,
com a França. Victor Brecheret nativismo, primitivismo)” –, simultaneamente
e Vicente do Rego Monteiro satisfazendo às expectativas do círculo brasileiro
partiram em 1921; Di Cavalcanti ao qual pertencia (SIMIONI, 2022, p. 135).
e Anita Malfatti, em 1923. Como
uma espécie de compensação,
neste último ano, Lasar Segall
radicava-se definitivamente
em São Paulo, e, em 1924, era
a vez de Tarsila do Amaral,
de formação acadêmica,
regressada havia pouco de Paris,
iniciar atividade consequente
na capital paulista. Também
em 1924, no Rio de Janeiro,
Osvaldo Goeldi descobria sua
forma essencial de expressão
na gravura. Acrescente-se que a
partir de 1923 Joaquim do Rego
Monteiro, retornando de Paris,
onde se encontrava desde os
anos de pós-guerra, teria aqui
uma permanência até 1925 (...)”
(ZANINI, 1983, p. 547)

.imagem 87
Tarsila do Amaral
Autorretrato
1923 Tornar-se moderna para Amaral envolve uma
série de estratégias, muitas delas possibilitadas
por sua fortuna familiar. Ela, em Paris, passa a

389
comprar modelos desenhados pelo costureiro
Paul Poiret (PARIS, 1879 – 1944) (SIMIONI,
2022, p. 159), conhecido por criar trajes com
silhuetas menos rígidas para as mulheres, e
lembrado por liberá-las do espartilho. Usa
referências “orientalistas” como quimonos e cria
peças inspiradas no ballet russo (PACCE, 2018).

As roupas traziam para sua figura signos


de elegância, pertencimento e atualidade. É,
precisamente, com um sobretudo vermelho
desenhado por Poiret que a artista retrata a
si própria, em 1923, mesmo ano que pinta A
negra (SIMIONI, 2022, p. 157). Em Autorretrato
(Manteau rouge) Tarsila do Amaral cria a si
mesma de batom vermelho, cor também do
casaco que veste, que tem como traço marcante
uma gola proeminente e arredondada. Os cabelos
divididos ao meio e presos são marcas visuais
dos anos 1920, lembra Simioni (2022, p. 92).

Sem distorções de inspiração cubista, o Autorre-


trato figura Tarsila como esguia, com rosto fino,
tendo a mão esquerda um tanto dobrada, na
altura do peito, numa pose bem próxima àquela
de A negra. Apenas o dorso da artista é visível
na pintura, e a pele – extremamente branca – só
é aparente na mão, no colo e no rosto. Há uma
construção de si como mulher urbana e moder-
na, pertencente ao modelo de consumo parisien-
se: não se pode esquecer que Poiret, segundo ele
próprio, foi organizador de uma “empresa colos-
sal, que consistia em percorrer as grandes capi-
tais europeias acompanhado pelas manequins”
(Poiret, citado em CALANCA, 2011). Assim, “em
seu autorretrato, Tarsila constrói-se como uma
mulher bela, branca, moderna e pertencente a
uma elite cosmopolita” (SIMIONI, 2022, p. 140).

Os avessos dos avessos em relação à


antropofagia e ao modernismo que os trabalhos
de Anna Bella Geiger suscitam são aberturas
para o pensamento sobre arte, crítica e história
focando o Brasil. Nesse sentido, de acordo
com a posicionalidade da qual se abordam
tais questões, elas cambiam seus sentidos e
apresentam outros lados. Com tudo o que
é relacionado às discussões sobre Amaral,

390
redobram-se os sentidos de Mapas elementares
III. Associo a ação de Anna Bella Geiger, mulher
latino-americana, construindo a figura da
mulata, à de Amaral criando A negra.

Os anos, as relações com a urbanidade e com as


práticas de Amaral e Geiger são distintos, bem
como seu pertencimento de classe. Anna Geiger
não tem as origens nas elites brasileiras tradi-
cionais, sendo da primeira geração da família
de imigrantes a nascer nestas terras. Judeus que
tiveram parte dos parentes exterminada em cam-
pos de concentração nazistas. A experiência de
Geiger como estrangeira acontece em Nova York,
fundamentalmente, e não em Paris. Seguindo o
traço das experiências com o exterior de Amaral
e Geiger explicita-se o deslocamento de conti-
nente, em especial, no pós-guerra, tornando-se
a metrópole americana a cidade compreendida
e consagrada por meio de uma série de práticas
discursivas até chegar a ser construída como o
epicentro da arte global.

imagem 88
frame do vídeo Mapas
elementares III
1976

Em Mapas elementares III, Geiger constitui os


desenhos que formam a América Latina, em
movimentos de aproximação e distanciamento,
considerando a história da arte brasileira, e a
vontade de um internacionalismo nacionalista
(AMARAL, 2021, pp. 21-50) que marca a
postura política do grupo modernista de
Tarsila do Amaral. Trata-se de um anseio pelo
desenvolvimento da produção industrial e
artística nacional, moderna e em diálogo com

391
debates externos ao território nacional, em
especial, com aqueles da capital francesa, Paris,
imprimindo-lhes seu caráter antropofágico
brasileiro.

Lembro que muitos vídeos de Anna Bella Geiger


foram criados com apoio do MAC e de Walter
Zanini, para comporem a exposição Video art
em Filadélfia, Estados Unidos, num esforço do
curador para internacionalizar a arte brasileira
contemporânea. Em Declaração em retrato I e
II, Geiger fala em inglês, língua que substitui o
francês como aquela a ser falada mundialmente,
bem como Paris é trocada por Nova York.

imagens 89 e 90
Anna Bella Geiger
Fôrmas do Brasil e Américalatina
(título constante no arquivo
enviado pela artista)
1974-1975

Desdobrando as linhas de sentido abertas, re-


tomo uma ação realizada nos primeiros dias da
exposição Situações-limites. Em meio à monta-
gem e à necessidade de voltar para casa e cuidar

392
do jantar para os filhos, ocorreu-lhe a ideia de
cortar fôrmas de metal feitas como mapas do
Brasil e da América do Sul. No espaço do museu
elas seriam preenchidas com massa de biscoito.
Em sua casa, seriam levadas ao forno, e, no dia
seguinte, os biscoitos seriam levados em bande-
jas para serem comidos pelo público da expo-
sição. A artista conta que cortar metal para a
produção de fôrmas era uma ideia que permeava
seu imaginário doméstico desde a infância. O pai
costumava utilizar latas de aveia Quaker para
produzir fôrmas que a mãe usaria para assar
biscoitos (GEIGER, 2018f, pp. 313-314).

A ação de preparar e servir biscoitos-mapas


pode ser tomada como uma primeira versão
para a proposta de uma exposição não realizada
no MAM-RJ, Mapas topológicos, bem como de
O pão nosso de cada dia. As discussões sobre
a situação do espaço do museu, do país e dos
artistas são todas dimensões para os mapas
comestíveis de Geiger. Colocar-se de corpo
presente no espaço expositivo, lado a lado com
vídeos e fotografias que trazem a sua imagem
virtual, tensiona os limites dessas situações.

A artista parte de si mesma, de seu próprio


corpo e de suas próprias vivências. Misturam-
se em sua poética visual a violência colonial e
militar, o preparo de alimentos para os filhos,
embates sobre o papel da arte, do artista e
das instituições de arte. Nesse movimento, ela
constrói um espaço expositivo crítico, em que
possibilidades de debates públicos são abertas.

O preenchimento pela massa das fôrmas de pão,


feito na cozinha da artista e comido dentro
do museu são um tipo de avesso dos mapas-
devorados dos postais de O pão nosso de cada
dia, com seus mapas da América do Sul/Latina
e do Brasil vazados. Fernando Cocchiarale diz
que “os mapas estão ali, mas para dentro de seu
contorno existe apenas o vazio: ausência de
substância material, que analogicamente remete
ao caráter metafísico da busca pela essência
da brasilidade e/ou latino-americanidade”
(COCCHIARALE, 1980).

393
Tomando as palavras de Cocchiarale e saindo 54 Gabriela Cristina Lodo, na
da discussão da brasilidade, passo a algumas dissertação I Bienal Latino-
considerações que retomam o problema da Americana de São Paulo (2014),
América Latina, tratado nas páginas anteriores. faz um extenso levantamento
Considerando a década de 1970 e o estado do a respeito dos debates sobre
debate no circuito artístico no Brasil, o tema américa-latinidade nos debates
da latino-americanidade estava muito presente. envolvendo o sistema das artes,
Destaco que em 1978 ocorre a organização da I naquele momento. Reproduzo
Bienal Latino-Americana, com o tema dos Mitos a extensa citação para ampliar
e Magias, pela própria Fundação Bienal de São a compreensão das discussões
Paulo (LODO, 2014; SOUZA, 2021)54. trazidas nestas linhas. “A
realização da I Bienal Latino-
Frederico Morais (1978), no dia da abertura da Americana de São Paulo, no ano
Bienal Latino-Americana, escreve, para o jornal de 1978, coincide com uma série
O Globo, considerar o evento uma versão do já de eventos dedicados à mesma
“carcomido certame” das bienais de São Paulo. temática. O contexto artístico do
O tema é, de acordo com ele, considerado por período, principalmente ao longo
muitos “amplo e sem precisão conceitual”, e da década de 1970, discutiu e
para muitos seria sua organização de “visível valorizou de modo crescente a
má-fé, de nacionalismo xenófobo, de arianismo produção artística do continente,
artístico” (MORAIS, 1978). realizando conferências, eventos,
simpósios e mostras de artes
Exageradamente polêmica, a oposição à Bienal plásticas em diversos países da
Latino-Americana impulsionou manifestos, América Latina e Estados Unidos.
protestos, happenings, como destaca Morais Podem-se enumerar alguns
no mesmo artigo – “América Latina em debate, eventos significativos do período
a partir de hoje, em São Paulo” (1978). Entre que contribuíram para o debate
eles, Mitos vadios, organizado pelo artista Ivald acerca da arte latino-americana,
Granato (Campos, 1949 – São Paulo,2016), como o Encontro da UNESCO,
aconteceria dali a dois dias, domingo (seria em Quito, Equador, em 1970;
uma homenagem aos Domingos de criação?) e a publicação em 1973 do livro
contava, naquela altura, com a adesão de Hélio Dos décadas vulnerables en las
Oiticica e Lygia Pape (MORAIS, 1978). artes plásticas latinoamericanas
– 1950-1970, de autoria da
Curioso que, logo acima da coluna de Frederico historiadora e crítica de arte
Morais em O Globo, há uma foto de Ney argentina radicada na Colômbia
Matogrosso para anunciar um show que o Marta Traba, com publicação no
cantor faria no Colégio Stella Maris, na favela Brasil em 1977; a edição de 1974
do Vidigal, Rio de Janeiro, para pessoas que da Bienal de Veneza dedicada ao
estavam prestes a ser despejadas de “seu morro- Chile, em protesto à ditadura de
lar” (MOTTA, 1978). Cinco anos antes, Ney Augusto Pinochet; o Simpósio
havia ficado nacionalmente conhecido como de Artes Plásticas e Literatura,
vocalista da banda Secos & Molhados, com realizado na Universidade do
João Ricardo e Gerson Conrad. O LP tinha Texas em parceria com a revista
como primeira música “Sangue latino” (1973), mexicana Plural, em Austin, EUA,
de autoria de João Ricardo, músico português em 1975; o primeiro Colóquio
radicado no Brasil, e Paulinho Mendonça Internacional de História da Arte
(BARCINSKI, 2014, p. 33). no México, também em 1975;

394
as polêmicas envolvendo arte Lançado em agosto de 1973, sua capa foi uma
latino-americana protagonizadas das escolhidas para aparecer na abertura da
pela revista mexicana Artes estreia do programa dominical Fantástico,
Visuales, em 1976; e a edição da Rede Globo de televisão. Prensadas
de 1977 da Bienal de Paris e a originalmente 1.500 cópias pela gravadora
numerosa acolhida de artistas Continental, o LP vendeu, em 3 meses, 300
latino-americanos. É possível mil exemplares. Diante da demanda e da grave
mencionar ainda os inúmeros situação ocasionada pela crise do petróleo no
eventos concretizados em 1978, mesmo ano, a gravadora acaba por derreter
como: as Jornadas Artísticas discos parados para produzir outros do Secos &
ou Jornadas Internacionais Molhados (BARCINSKI, 2014, pp. 33-34).
da Crítica, realizadas em
Buenos Aires, Argentina (com Aberta pelo baixo do argentino Willy Verdaguer,
sua primeira edição naquele “Sangue latino” fala sobre como “os ventos
ano); o I Encontro Ibero- do norte não movem moinhos”, sobre “mortos
Americano de Críticos de e caminhos tortos”, sobre “o sangue latino”,
Arte e Artistas Plásticos, em cantadas comoventemente por Ney Matogrosso.
Caracas, Venezuela; a I Bienal A capa do disco trazia decepadas sobre uma
Ibero-Americana de Pintura e mesa as cabeças dos três integrantes da banda e
a I Mostra Latino-Americana do baterista argentino Marcelo Frias.
de Fotografia Contemporânea,
ambas realizadas no México; Com uma estética hippie, estranha e
a mostra América Latina: imaginativa, a imagem é provavelmente,
Geometria Sensível, no MAM- diz o pesquisador André Barcinski, um dos
RJ, Brasil, curada pelo crítico motivadores de sucesso do LP, em um país
de arte e jornalista brasileiro “controlado por uma ditadura militar e
Roberto Pontual; a criação onde discos eram censurados aos montes”
do Centro de Documentação (BARCINSKI, 2014, p. 34). A imagem de cabeças
de Arte e Arquitetura para a decepadas à mesa, correlatas às palavras sobre
América Latina no Centro de
Arte y Comunicación – CAYC, na
Argentina; a criação da União de
Museus da América Latina e do
Caribe, pelos representantes dos
principais museus e entidades
similares da região, com sede
no Museu de Arte Moderna de
Bogotá, Colômbia; a criação da
Associação para Arte Latino-
Americana (ALAA), ligada à
Universidade do Texas; e, por
fim, a I Bienal Latino-Americana
de São Paulo, que contou,
além da exposição de artes
plásticas, com um Simpósio
que reuniu inúmeros críticos de
arte, historiadores, sociólogos e
estudiosos do tema. E, abrindo

395
a latinidade, tem no âmbito cultural extrema a década seguinte, a realização
importância e adensa as camadas de sentido do Encontro de Artes Visuais e
para os trabalhos de Anna Bella Geiger. Identidade na América Latina,
organizado pelo Foro de Arte
Retomando 1978 e a I Bienal Latino-americana, Contemporáneo do México,
Aracy Amaral (1978), incentivadora da mostra, em 1981” (LODO, 2014, pp.
ao lado de nomes como Roberto Pontual 69-70).
e Heloisa Lustosa, participa de um de seus
eventos prévios, no Centro de Investigaciones, imagem 91
Documentación y Difusión de las Artes Plásticas capa do álbum Secos e
de América Latina, no Museu de Belas Artes de Molhados, fotografada por
Caracas, Venezuela (AMARAL, 2013b, p. 462). Antônio Carlos Rodrigues
1973
No texto “Um roteiro da arte latino-americana
que precede a Bienal” (1978) ela enfatiza que
“pela primeira vez os artistas e intelectuais da
América Latina testemunham o início de um
trabalho de abordagem das artes no continente a
partir de uma entidade latino-americana, e não
por parte da UNESCO, ou dos Estados Unidos”
(AMARAL, 2013b, p. 462).

O nome da crítica e curadora pode ser incluído


entre os intelectuais nacionais destacados por
Leslie Bethell como defensores da ideia de
América Latina. Pouco tempo depois, Amaral
narraria em tom reprovador como “Críticos da
América Latina votam contra uma Bienal de
Arte Latino-Americana” (1981):

numa manifestação insofismável de descrença


em sua própria arte como valor autônomo, na
preocupação de se manterem atrelados ao sistema
de arte dos grandes centros do mundo (o que já na
trajetória de um artista do nosso continente ocorre
usualmente), no temor do isolacionismo (como se
os críticos de outros continentes não viessem até a
América Latina para ver o que aqui acontece), mais
de trinta críticos de vários países do continente e
do Brasil, reunidos em São Paulo a 16, 17 e 18 de
outubro passado, votaram pelo fim das Bienais da imagem 92
América Latina, organizadas a partir da Bienal de página do jornal O Globo na qual
São Paulo (AMARAL, 2013a, p. 417). está publicado o artigo “América
Latina em debate, a partir de
Noto que a reunião que decide pelo fim da hoje, em São Paulo”, de Frederico
Bienal Latino-Americana, acontece em paralelo Morais, bem como a notícia do
com a abertura da XVI Bienal de São Paulo, na show de Ney Matogrosso, na
qual Anna Bella Geiger apresenta Mesa, friso coluna de Nelson Motta.

396
397
e vídeo macios. Os mapas/manchas ganham
outros sentidos, considerando essas questões.
Os contornos geográficos, da América do
Sul, por exemplo, podem ser subscritos em
contornos sociopolíticos, que extrapolam suas
próprias formas. Os mapas da América Latina
de Geiger – ela própria os nomeia muitas
vezes assim – são sempre mapas da América
do Sul, de uma perspectiva da geografia física.
Mapas são manchas porque seus sentidos são
mutáveis, tanto de uma perspectiva de alterações
resultantes de guerras e conflitos, por exemplo,
quanto pela organização de imaginários
culturais, políticos, sociais, econômicos:
América Latina.

imagem 93
página do jornal Folha de S.Paulo
sobre o Ato contra a carestia.
28 de agosto de 1978.

398
Com fortes preocupações sociais (AMARAL,
2003, p.19), a arte desenvolvida na América
Latina apresenta, nos anos 1970, uma série
de trabalhos sobre o problema da fome – que
também poderia ser considerado um outro
lado da antropofagia. Nessa perspectiva, Guy
55 No Brasil muitos Brett entende que O pão nosso de cada dia fala
movimentos sociais tinham daquilo que é mais elementar na vida brasileira,
apoio de organizações ligadas às a fome (BRETT, 2007, p. 45). A materialidade da
parcelas de esquerda da Igreja fome no país, em 1978, é algo incontornável. De
Católica. Como é possível ler acordo o IBGE, a situação, que era grave, havia
na notícia da Folha de S. Paulo, piorado nos últimos três anos, com a queda nos
em 28 de agosto de 1978, D. níveis de nutrição no país, e em todas as regiões
Angélico Sândalo, responsável o consumo de calorias era inferior ao nível
pela Catedral da Sé, onde se estabelecido internacionalmente (ALVIM, 2016,
realizava o Ato contra a carestia, p. 36).
disse que não permititia a
entrada da polícia, resistindo à Vale lembrar que, no Brasil, os movimentos de
pressão do coronel responsável mulheres organizaram uma série de protestos
pela repressão do ato. contra a fome. Em 1978, o Movimento Custo
de Vida, idealizado por grupos de bairros e de
imagem 94 clubes formados por donas de casa e mães,
Anna Maria Maiolino organizou em São Paulo um grande protesto.
Arroz & feijão Na Praça da Sé55, as manifestantes recolheram
1979 assinaturas para serem entregues ao presidente
vídeo no monitor 1/3 + 2/3 Ernesto Geisel, criticando a carestia e o
vista da exposição Anna Maria autoritarismo. Esse não foi o único protesto
Maiolino - psssiiiuuu... organizado por mulheres contra a fome naquele
curadoria de Paulo Myada. final de década. As Marchas das Panelas Vazias
Instituto Tomie Ohtake acontecem pelo país, com organização das
2022 Federações de Mulheres, chamando atenção para
fotografia de Gabriela a fome e para “agonia do milagre econômico”
De Laurentiis (ALVIM, 2016, p.20).

399
No Brasil há uma correspondência interessante
entre O pão nosso de cada dia e a instalação
de Anna Maria Maiolino Arroz & feijão (1979),
realizada na Aliança Francesa de Botafogo, Rio
de Janeiro. Sementes desses dois alimentos,
tão corriqueiros na culinária brasileira,
são plantadas dentro de pratos brancos,
cuidadosamente arrumados para que um
banquete seja realizado em uma mesa principal
de 6 lugares e outras mesas de 4 lugares. Criada
em 1979, o ano da anistia no Brasil, a obra
traz à mesa de jantar sementes que germinam.
Obra-viva em resistência à morte que a ditadura
civil-militar impunha (Memorial poético Arroz
& feijão, citada em MYADA, 2022, p. 221).
Sobre o tema, no ano anterior, Maiolino havia
apresentado o Monumento à fome (1978), na
mostra crítica à Bienal Latino-Americana, Mitos
vadios.

imagem 95
Anna Maria Maiolino
Monumento à fome
1978

Retomo as considerações de Guy Brett, que


associa O pão nosso de cada dia – caberia
também Arroz & feijão – ao trabalho
Construcción de un horno popular para hacer
pan (Construção de um forno popular para fazer
pão), do artista Victor Grippo (JUNÍN, 1936 –
Buenos Aires, 2002) (BRETT, 2007, p. 45).

Em 1972, Grippo traz em sua obra um forno


para cozinhar coletivamente pães, construído
na Plaza Roberto Arlt, em Buenos Aires,
com auxílio do artista Jorge Gamarra e do
trabalhador rural Atilio Rossi (BRAGA e

400
ZANATTA, 2019, s.p.). A obra é elaborada
para a exibição Arte e ideología CAYC al aire
libre (1972), que foi fechada pela polícia após
denúncia. A censura baseava-se na compreensão
pelas autoridades policiais de que aquilo exibido
na praça não era arte, diz a pesquisadora Luiza
Mader Paladino (2019, p. 336).

imagem 96
Victor Grippo, Jorge Gamarra e
Atilio Rossi
Construcción de un horno
popular para hacer pan
Buenos Aires
1972

401
O Centro de Arte y Comunicación (CAYA) foi
criado pelo artista Jorge Glusberg (Buenos Aires,
1932-2012), em 1968. A instituição privada
ganha importância na Argentina, articulando
pensamentos e práticas sobre poéticas conceitu-
ais latino-americanas, com base nos vetores arte,
comunicação e arquitetura (PALADINO, 2019,
p. 333). Após o fechamento de Arte e ideolo-
gía, Glusberg organizou uma movimentação
internacional a favor da possibilidade de livre
expressão dos artistas. O evento é idealizado
com o intuito de tratar a “problemática nacio-
nal”, promovendo obras na rua, local em que há
“transeuntes”, onde há “casais que fazem amor”
e “grupos de estudantes e crianças que brincam
na praça”. Trata-se de um distanciamento dos
“âmbitos elitistas de Museus e Galerias” (Glus-
berg, citado em PALADINO, 2019, p. 334).

imagens 97 e 98
CADA
Para no morir de hambre en el
arte
Santiago
1979

A articulação entre arte e alimentação para ins-


taurar uma crítica aos espaços expositivos está
presente em outro trabalho, produzido no Chile,
Para no morir de hambre en el arte, realizada
pelo Colectivo de Acciones de Arte (CADA), em
1979. O grupo promove a entrega de diversas
sacolas de leite para os moradores de La Granja,
uma comunidade pobre de Santiago. No mesmo
dia, na galeria Centro Imagem, sacolas de leite
são colocadas dentro de uma caixa de acrílico.

402
Em cima da caixa lia-se o texto: “Para permane-
cer até que nosso povo aceda a seus consumos
básicos de alimentos. Para permanecer como o
negativo de um corpo carente, invertido e plu-
ral” (NEUSTADT, 2001, p. 138).

56 As ruas de Santiago foram


tomadas por tanques e homens
fardados, o governo socialista
de Salvador Allende (1970-1973)
dava lugar à ditadura neoliberal
de Augusto Pinochet. Era 11 de
setembro de 1973, e o governo
autoritário instaura-se no Chile,
contando com a participação
tanto das elites, nada contentes
com a perspectiva de um país
socialista, quanto do EUA, que
desde a Revolução Cubana, em
1959, adotaram uma política de
combate à “ameaça comunista
internacional”. Em pouco tempo,
o general nomeou vários dos
garotos de Chicago (jovens Nas duas intervenções, o grupo utiliza o leite
formados na Escola de Chicago, como metáfora para a fome. Dentre as diversas
representantes do neoliberalismo camadas de sentido apresentadas nessas ações
estadunidense) como seus artísticas, a mais imediata se refere ao empobre-
conselheiros econômicos. cimento provocado pelo neoliberalismo. Como
Como explica Naomi Klein, explica Naomi Klein, naquele momento, 74%
no primeiro ano e meio de daquilo que o ditador Augusto Pinochet conside-
governo, Pinochet privatizou rava um “salário de subsistência” era destinado
as empresas estatais, autorizou à compra de pão; alguns “luxos”, tais como leite,
novas formas de especulação deveriam ser cortados. Trata-se de uma grande
financeira, abriu as fronteiras diferença em relação ao governo Allende, em
de importação e cortou em 10% que os gastos com pão, leite e transporte repre-
os gastos do governo, menos sentavam 17% do salário de um empregado do
os que eram destinados aos setor público (KLEIN, 2008, p. 104)56.
militares, seguindo à risca aos
ideais econômicos da Escola de O leite, diz a crítica cultural Nelly Richard,
Chicago (KLEIN, 2008, p. 99). torna-se problema e símbolo, sendo o

403
protagonista de uma outra ação de Para
no morir de hambre en el arte, na qual dez
caminhões de leite transitam pela cidade, indo
de “um centro produtor de leite (a indústria)
até um centro conservador de arte (o Museu de
Belas Artes) oferecendo ao transeunte o referente
da fome – por meio do leite” (RICHARD, 2018,
p.195). Na parada final, o CADA bloqueia,
simbolicamente, com um lenço branco, a
entrada do Museu de Belas Artes57. Segundo 57 Outras fontes nomeiam a
Nelly Richard, o coletivo promove uma crítica intervenção como Inversión de
à censura em duas vertentes: a primeira à escena, considerada algo à parte
instituição museu, que sacraliza e estanca a obra de Para no morir de hambre en
de arte; a segunda ao museu chileno, símbolo el arte.
do oficialismo da cultura ditatorial no país
(RICHARD, 1994, p. 41).

imagens 99 e 100
CADA
Inversión de escena
Santiago
1979

404
O branco como censura está presente nos mapas
desenhados no guardanapo de O pão nosso
de cada dia. Na ação do CADA, essa ideia é
reforçada pela intervenção – parte ainda de
Para no morir de hambre en el arte. Na página
da revista Hoy se lê: “Imaginar esta página
completamente branca/imaginar esta página
branca como o leite diário a consumir/imaginar
cada canto do Chile privado do consumo diário
de leite como páginas brancas para serem
preenchidas” (RICHARD, 2018, p. 195).

O branco está nos mapas impressos, no


guardanapo na série de postais O pão nosso
de cada dia, bem como na mesa Variáveis da
instalação. A fome em dimensões materiais
e simbólicas articula-se no trabalho de Anna
Bella Geiger numa conversação com artistas
que criavam em outras situações autoritárias na
América do Sul.

imagem 101
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
1978
As imagens compõem o
catálogo produzido por ocasião
da Bienal de Veneza
1980

405
imagem 102
Anna Bella Geiger na 1ª Bienal
do Mercosul
Porto Alegre
1997
fotografia de Vera Chaves
Barcellos

406
imagens 103, 104 e 105
Anna Bella Geiger segurando
um folder com imagens de O
pão nosso de cada dia, ao lado
do vídeo Declaração em retrato
I, na abertura da exposição
Mulheres radicais
Pinacoteca de Sâo Paulo
2018
fotografias de Gabriela
De Laurentiis

407
408
Local da ação: cartografias

“O Local da ação é O pão nosso” (GEIGER,


58 Encontrei informações 2022a). Local da ação (1979)58 é um vídeo
divergentes sobre a data que, de acordo com Anna Bella Geiger, esteve
– muitas vezes na mesma exposto na instalação da Bienal de Veneza. O
publicação – sendo assim, vídeo traz uma sequência de mapas, extraídos
o trabalho poderia ter sido de obras da artista, passando pela tela ao som
realizado em 1978. eletrônico da música Autobahn (1974), do grupo
alemão Kraftwerk. No trabalho, Geiger surge de
perfil, comendo uma fatia de pão e há, ainda,
a imagem do mapa do Brasil – poderia ser da
América do Sul – que está nos postais de O pão
nosso de cada dia. Com cerca de 1,5 minuto o
59 A versão que pude assistir vídeo foi filmado pelo filho, Davi59.
– fornecida pela artista não
apresenta a cor esverdeada que No vídeo, entre os diversos mapas que surgem,
surge na versão exibida no Frans está um mapa proveniente do caderno O novo
Hals Museum. atlas 2 (1977), no qual as Américas estão
centralizadas. Anna Bella Geiger está envolta
em discussões geográficas dentro de sua
própria casa/ateliê, uma vez que o seu marido
é geógrafo. No entanto, é possível supor que
esse acesso a variados mapas seja resultado do
contato com os materiais escolares dos filhos.

A imagem está feita em gravura no trabalho


Local da ação n.1, criado com água forte e
clichê. Anna Bella explica que com os trabalhos
da série de gravuras seria a primeira vez que
ela “iria situar certas obras como sendo uma
60 ver pp. 193-196 série”60. O importante para a artista era estabe-
lecer com o trabalho que a ideia de local trazia
uma ambiguidade e que não se referia apenas
a uma geografia física. Na série, é importante a
preocupação em trabalhar com uma concepção
de isolamento do Brasil em relação à “situação
cultural hegemônica internacional”, um vazio.

A criação da série está relacionada a “erros e


acertos de toda ordem, técnica e conceitualmen-
te, buscando revelar o que também ainda me
imagens 106, 107 e 108 era desconhecido”, explica a artista. E continua:
Anna Bella Geiger com a “talvez devido ao meu conhecimento anterior,
projeção de Local da ação (1979) do universo da abstração, possa ter vislumbrado
Museu Frans Hals certas possibilidades de soluções de espaço, de
2022 como ordená-lo ou, melhor, de como refazê-lo”
fotografia de João Mascaro (GEIGER, 2007b, p. 94).

409
O espaço construído a partir de questões de imagem 109
uma geografia social e psíquica elabora-se Anna Bella Geiger
como território poético-crítico nos trabalhos frame do vídeo Local da ação
de Anna Bella. E seus mapas configuram-se, 1979
nesse aspecto, como ponto privilegiado para vista da exposição Anna Bella
a expansão da noção de crítica instaurada Geiger. Native Brazil/alien Brazil
por sua prática artística. São construídos com Museu Frans Hals
técnicas variadas, sendo algumas muito pouco 2022
ortodoxas naquele contexto artístico, tais como fotografia de João Mascaro
xerox, impressos e vídeo (ASHTON, 1996, pp.
50-51). Em densidades e movimentos variáveis,
os primeiros surgem no início dos anos 1970 e
multiplicam-se durante seu percurso artístico.

Dária Jaremtchuk, ao refletir sobre os mapas,


insere-os no âmbito das representações
espaciais, no que se refere às relações
geopolíticas internacionais. As transformações
que entram em curso mundialmente durante a
década de 1960, pontua a autora, abrangem um
momento de reconfiguração político-espacial
envolvendo a Guerra do Vietnã, a Primavera de
Praga, os processos de descolonização de países
do continente africano, conflitos no Oriente
Médio e a Revolução Cubana. É em razão de

410
todas essas movimentações políticas e sociais
que as representações de mapas são recorrentes
na mídia e povoam os imaginários da época
(JAREMTCHUK, 2007, pp. 100-101).

Paulo Herkenhoff, ao falar sobre Local da


ação, associa o mapa – espaço e representação
– ao “aqui e agora onde habita o artista”,
sublinhando ainda a importância do público
no contato com a materialidade da obra e
a situação de sua recepção, o “aqui e agora
do espectador” (HERKENHOFF, 1996, p. 45).
Ao trabalhar com mapas, Anna Bella Geiger
instaura perguntas sobre os embates políticos,
sociais, econômicos e culturais historicamente
localizados, que permitem a construção e a
circulação de certas formas-mapas.

imagem 110
Anna Bella Geiger
Local da ação
1979

A Associação Cartográfica Internacional


(International Cartographic Association, ICA)
define cartografia como

a arte, ciência e tecnologia de mapeamento,


juntamente com seus estudos como documentos
científicos e trabalhos de arte. Neste contexto

411
pode ser considerada como incluindo todos os
tipos de mapas, plantas, cartas e seções, modelos
tridimensionais e globos representando a Terra
ou qualquer corpo celeste, em qualquer escala
(SLUTER, 2004, p. X).

Como sublinha Claudia Robbi Sluter, em dossiê


sobre o tema, a definição permite pensar tanto
nas práticas cartográficas, quanto nos objetos
resultantes delas (SLUTER, 2004, p. X). A dupla
possibilidade que conjuga ação e objeto mostra-
se instigante quando se trata da aproximação
feita a partir do trabalho de Anna Bella Geiger.
É possível pensá-lo desde uma perspectiva das
práticas artísticas/educacionais e dos objetos/
obras de arte produzidas, como venho afirmando
ao longo deste texto.

imagem 111
Anna Bella Geiger
frame do vídeo
Local da ação
1979

Suely Rolnik, em Cartografia sentimental:


transformações contemporâneas do desejo
(1989), toma poeticamente as concepções sobre
o assunto e diz ser esperado do cartógrafo que
“esteja mergulhado nas intensidades de seu
tempo e que, atento às linguagens que encontra,
devore as que lhe parecerem elementos possíveis
para a composição das cartografias que se fazem
necessárias. O cartógrafo é antes de tudo um
antropófago” (ROLNIK, 1989, p. 16, grifos da
autora).

A definição de Rolnik adensa os sentidos


trazidos para o trabalho de Anna Bella
Geiger, se consideradas suas práticas

412
artísticas|educacionais em aproximação com
as práticas cartográficas. Ao criar mapas,
Anna Bella Geiger produz um movimento em
espiral no qual práticas e objetos artísticos se
ressignificam mutuamente em um movimento
contínuo. Anna Bella Geiger, diferentemente
do cartógrafo idealizado por Rolnik, não é uma
antropófaga, mas trabalha nos avessos, vazios,
imagens 112 e 113 contrários, outros lados da figura.
Anna Bella Geiger
O novo atlas 2 Um movimento faz do seu Local da ação
1977 recolocável, transitório e nem por isso menos
influente nos processos de criação. Na imagem
repetida no vídeo, no caderno O novo atlas 2 e
na gravura n.1 da série, a projeção afilática –
em que as proporções não são respeitadas com
precisão, porém, no todo do mapa as distorções
são menos acentuadas – traz a América do
Sul com um recorte ortogonal, causando
visualmente um destaque.

61 Primeiras tentativas de O tipo de corte faz lembrar as divisões dos


organização da colonização territórios colonizados, divididos na régua, sem
portuguesa no território pos- considerar marcadores geológicos, culturais,
teriormente nomeado Brasil, sociais. No caso do Brasil, têm-se as capitanias
de acordo com o Tratado de hereditárias61. O mapa está sobre um fundo preto
Tordesilhas (1494). Tratava-se (há uma versão nomeada Local da ação 001,
da divisão e doação de partes de na qual o fundo é branco) e tem marcado em
terras a proprietários privados branco os contornos dos países e continentes,
no começo da década de 1530 bem como nos meridianos e paralelos, linhas
que eram transmitidas heredita- que compõem as coordenadas geográficas. Na
riamente e que existiram, entre porção da América do Sul, eles estão ausentes,
muitos fracassos, até 1821. sem as coordenadas de latitude e longitude,

413
desse modo, é como se essa porção do mundo
não tivesse lugar nas representações globais.

O local da ação de Anna Bella Geiger é o Brasil,


a América do Sul e a América Latina, que têm
suas formas cartográficas, sociológicas, políticas,
econômicas e culturais marcadas pela violência
da invasão dos processos de expansão marítima
e colonização historicamente relacionadas ao
cristianismo. O pão nosso de cada dia, articulado
aos pensamentos e imagens, sob o título de
Local da ação amplia-se. Sublinho que o Estado
e as elites brasileiras têm fortes vínculos com um
ideal lusotropical, sugerido por Gilberto Freyre
(DÁVILA, 2011, p. 37). Aliás, fossem as posições
da elite política distintas, o Brasil poderia ter
corroborado uma outra concepção de latinidade, imagem 114
proposta por Léopold Senghor (Joal-Fadiout, contracapa do catálogo
1906 – Verson, 2001), presidente do Senegal, produzido para Bienal de Veneza.
entre 1960 e 1980.

Senghor esteve no Brasil seis meses depois


do Golpe, sendo o primeiro chefe de Estado a
visitar o país após a tomada militar. Ele visitou
Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo,
procurando “questionar o apoio do Brasil ao
colonialismo português” (DÁVILA, 2011, p.
145). Em oposição à “fraternidade” adotada
pelo regime militar com Portugal, o presidente
senegalês propunha a “latinidade”, “um espírito
universal de valores latinos” que, segundo ele, a
África francesa compartilhava com o Brasil, com
Portugal e com a África portuguesa (DÁVILA,
2011, p. 146).

No entanto, prevalece entre as elites brasileiras


o apoio ao colonialismo português, que não
é uma exclusividade do governo militar, mas
toma formas particulares diante dos processos
de descolonização do continente africano,
considerando as pesquisas de Jerry Dávila,
publicadas em Hotel Trópico: o Brasil e o desafio
da descolonização africana (1950-1980). Em
1974, a Guiné-Bissau se torna independente de
Portugal, no ano seguinte, Moçambique, Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e o Timor
Leste, que, poucos dias depois da proclamação,
tem seu território invadido pela Indonésia,

414
ficando sob seu domínio até 2002. Em 1975,
também ocorre a primeira eleição livre em
Portugal em 50 anos, como efeito da Revolução
dos Cravos (1974), que botava fim ao Estado
Novo, cuja principal figura foi António de
Oliveira Salazar (Vimieiro, 1889 – Lisboa, 1970),
chefe de Estado entre 1933 e 1968.

O Estado brasileiro, durante os processos de


independência dos países da África, tende,
sobretudo, a aproximar-se de Portugal e afastar-
se das então colônias. Getúlio Vargas (1951-
1954), por exemplo, acorda com Salazar o
Tratado de Amizade e Consulta (1953), por meio
do qual Brasil e Portugal se comprometeram
em realizar consultas mútuas sobre assuntos da
política internacional (DÁVILA, 2011, p. 40).
Juscelino Kubitschek (1956 – 1961) – admirador
de Salazar –, recebe em 1957 o presidente
interino de Portugal, Craveiro Lopes, uma vez
que Salazar nunca deixava o país. Durante
a reunião, João Neves Fontoura, principal
negociador do Tratado da Amizade, afirmou:
“a política com Portugal não chega a ser uma
política. É um ato de família. Vivemos com
eles a intimidade do sangue e dos sentimentos”
(Fontoura, citado em DÁVILA, 2011, p. 41).

Após o Golpe de 1964, 4 diplomatas são


cassados por serem potenciais oponentes ao
colonialismo português, entre os quais Antônio
Houaiss (Rio de Janeiro, 1915-1999), por
ter feito comentários hostis à ex-Metrópole,
na ONU, em 1961 (DÁVILA, 2011, p. 154).
Autoritarismos e colonialismos são amplamente
relacionados de formas metamorfoseadas
historicamente.

Nos trabalhos de Anna Bella Geiger, há uma


perspectiva crítica a essa articulação que pensa
os modos de produção das formas dos territórios.
Interessante observar que a artista utiliza
cadernos escolares para refletir sobre a arte, e
a produção cartográfica no âmbito das relações
de poder. No caso de Geiger, há um interessante
nexo entre sua profissão de professora/artista e
os modos de ensino e aprendizagem.

415
Cartografia brasílis ou: esta história está mal
contada é a dissertação de mestrado de Norma
Telles, publicada pela primeira vez na Coleção
Espaço, da Edições Loyola (1984), que aborda
tais questões considerando os livros didáticos
no ensino de história. Como afirma Telles,
“no domínio da escola, o livro didático, ao
lado do professor, é um instrumento poderoso,
obrigatório para todos os alunos, e com
autoridade suplementar de ser uma obra escrita”
(TELLES, 1996, p. 21).

Considerando o espaço nas formas apresentadas


pelos manuais de História, Telles enfatiza que
aqueles analisados62 apresentam em primeiro 62 Na pesquisa de Telles, foram
lugar a nomeada península Ibérica, o “espaço analisados livros didáticos
inicial”. A partir dele, é introduzido o continente adotados no ensino estatal
africano, um “subcontinente” denominado Índia, ou particular por mais de
e o que foi chamado de América. As regiões uma geração de estudantes
são apresentadas de acordo com os interesses secundaristas, bem como
comerciais europeus, por exemplo, para além alguns do, naquele momento
do “périplo africano” nada se aprende sobre nomeado, primeiro grau. Para
o continente, que surge no mapa como “um uma análise comparativa, foram
espaço vazio” (TELLES, 1996, p. 47). considerados alguns volumes,
à época, mais recentes que
Nos livros, os continentes África, Ásia e América eram empregados em escolas
são construídos em formas esvaziadas de “seus particulares. De acordo com
espaços próprios e adquirem sentidos apenas a pesquisadora, entre eles há
em relação a uma outra entidade, a Península poucas diferenças, apesar de
Ibérica, isto é, só ganham existência como alguns dos “mais recentes”
possibilidades de serem europeizados através incorporarem “caracterizações da
do comércio com as duas nações europeias” empresa colonial ou das relações
(TELLES, 1996, pp. 47-48). Os livros didáticos, internacionais de dependência”
nesse sentido, trazem um enaltecimento do (TELLES, 1996, p. 27).
cristianismo e da evangelização, persistindo
na dicotomia colonial que divide os indivíduos
entre cristãos e pagãos (TELLES, 1996, p. 112).

Norma Telles observa que o vazio é


espaçotemporal, uma vez que em todos os
manuais consultados são excluídas informações
anteriores a 1500. A autora sublinha que é
sabido, por fontes que dificilmente chegavam
aos alunos naquele momento, que havia
história e habitantes nessas terras muito antes
(TELLES, 1996, p. 93). Trata-se de um processo
de construção de um “espaço” etnocêntrico,
caracterizado pela negativação, esvaziamento

416
e silenciamento de outros espaços, pela
centralização em um determinado grupo e
minimização das críticas em relação ao tal grupo
(TELLES, 1996, p. 48).

imagens 115 e 116 A palavra “descobrimento” encobre com


Anna Bella Geiger eufemismo processos de invasão, exploração e
História do Brasil conquista, e o Tratado de Tordesilhas, que corta
1975 imaginariamente o continente a partir de sua
parte sul-americana, arbitrariamente (na régua),
divide entre Portugal e Espanha o “novo Mundo”
chamado América (TELLES, 1996, p. 48): “os
nexos naturais são anulados pelo simples
traço de um meridiano, e o que nos interessa
reter é esta imagem do vazio inicial, de um
espaço, topos, lugar, de um decorrer histórico
silenciado e já convertido a priori em território
de dominação com seus contornos precisos”
(TELLES, 1996, p. 50).

Nos caderninhos de Anna Bella Geiger, entram


em circulação muitos dos problemas levantados
pela pesquisa pioneira de Norma Telles. Em
63 ver pp. 229-233 História do Brasil (1975)63, o tema da primeira
missa enfatiza o caráter cristão evangelizador da
colonização, dimensão ampliada em O pão nosso
de cada dia.

Em Admissão (1975), a capa camuflada, comum


aos caderninhos, traz a figura de uma pessoa
indígena, lembrando que há história antes da
colonização e da invenção do Brasil. No interior,
há uma série de interferências nas várias páginas
de uma prova de geografia do Brasil (GEIGER,
2018e), entre as quais, em mapas do Brasil, em

417
meio a uma série de textos não exatamente
legíveis, surgem palavras sobre a escravização,
o lugar social da arte, América, entre muitas
outras. Um dos mapas está identificado como “O
Brasil se prevalecesse o limite de Tordesilhas”.

imagens 117 e 118


Anna Bella Geiger
Admissão
1975

imagem 119
Anna Bella Geiger
friso tal qual da instalação
O pão nosso de cada dia
1975
Nesse ponto, vale uma
observação: consultando um
vídeo do Pavilhão do Brasil,
produzido pela Bienal de
Veneza (1980), as imagens que
Mapas em meio a textos compõem, também, os compõem o friso surgem apenas
frisos da montagem de O pão nosso de cada dia em uma versão em papel (xérox,
e surgem, anteriormente, no caderninho O novo provavelmente) dispostas lado
atlas (1977). A conjugação entre as palavras a lado na parede. Analisando o
e as imagens dos mapas, em um pensamento registro de Ana Vitória Musse
sobre a arte e a educação, trazem para os (imagem 120) parece ser o
trabalhos de Anna Bella Geiger a potência de um caso da versão do Candido
pensamento crítico aos processos de colonização Mendes, sendo possível supor
e suas atualizações. Faz lembrar aquilo que se que a peça em tecido foi criada
narra e se silencia nos livros e, nas palavras de posteriormente. Informações
Norma Telles, constrói os espaços considerados que ainda precisam de outras
importantes na história. verificações e pesquisas.

418
imagem 120 Nesse sentido, é interessante mencionar que
Anna Bella Geiger no mesmo ano da instalação O pão nosso de
O pão nosso de cada dia cada dia, na Candido Mendes, Judy Chicago
Candido Mendes conclui The dinner party (1979), exibida pela
1975 primeira vez no Museu de Arte Moderna de
fotografia de Ana Vitória Musse São Francisco. Trabalho cujos processos de
construção envolveram mais de 400 pessoas,
marcados pela liderança de Chicago, bastante
criticada à época. São postos 39 lugares em uma
mesa triangular, na qual há cálices e talheres
com um ar kitsch e suntuoso, passadeiras
bordadas e pratos em forma de vulva. Em
cada lugar lê-se nome dos convidados para o

419
jantar entre os quais estão figuras como Mary
Wollstonecraft, Virginia Woolf e Artemisia
Gentileschi (BARROS, 2016).

Criticada, ao longo das décadas, como


demasiadamente cis-heterossexual, branca,
essencialista, entre outras coisas, o aspecto mais
interessante de The dinner party é a inserção
das mulheres na história e na arte. Além das 39
convidadas à mesa, a obra apresenta 999 nomes
de figuras identificadas como femininas, entre
revolucionárias, deidades, escritoras, artistas,
pensadoras, de períodos históricos distintos,
cujos nomes estão gravados em ladrilhos de
porcelana que compõem a instalação (BARROS,
2016, p. 46)64. 64 Roberta Barros, em Elogio
ao toque: ou como falar de arte
feminista à brasileira (2016),
tem como ponto de partida os
trabalhos Arroz & feijão de Anna
Maria Maiolino e The Dinner
Party, pensando articulações
entre artes e feminismos,
considerando Brasil e Estados
Unidos.

imagem 121
The dinner party
1979

Chicago, bem como Geiger, conta uma outra


história por meio da mesa usada como objeto
da instalação artística. Os sentidos da mesa
em Geiger ampliam-se nessa relação e com as
articulações e perguntas sobre como se escreve a
história (VEYNE, 1971). Em Mesa, friso e vídeos
macios, Geiger dobra tais pensamentos ao trazer
as manchas para a mesa, bem como a ambiência
produzida pelas peças audiovisuais.

As manchas desmancham a concepção de que


as formas dos mapas são fixas e imutáveis.
Trazem para a mesa um movimento por meio do
qual Anna Bella Geiger possibilita pensar que

420
aquilo que vemos é construído historicamente.
As manchas são resultado de manipulações em
fotos p&b, realizadas pela NASA, conseguidas
pela artista no Consulado estadunidense. Ela
pede para que Davi, seu filho, no laboratório
fotográfico que tinham em casa, transforme
o negativo em positivo, porque se interessava
pelos espaços entre as nuvens, resultando nas
manchas utilizadas em uma série de trabalhos,
entre os quais está Mesa, friso e vídeo macios
(GEIGER, 2022d).

imagem 122 Ao criar um “registro cinematográfico” – como


Anna Bella Geiger com Mesa, Geiger se refere aos vídeos Quase mancha e
friso e vídeo macios Quase mapas (GEIGER, 2022d) –, novas camadas
Museu Frans Hals de sentido são criadas no interior de sua poética.
2022 De acordo com a artista, o trabalho em vídeo
fotografia de João Mascaro pode ser compreendido como rascunho, como
imagem que se presta muito a redundâncias
(looping), como conversa sobre arte e espaço
(GEIGER, 2007a, p. 75), tendo, assim, seus
sentidos aproximados aos caderninhos.

Giuliana Bruno (Nápoles, 1957), ao se preocu-


par em pensar intersecções de espacialidades e
visualidades, no artigo Site-seeing: architecture

421
and the moving image (‘Lugar-vendo’: arquite-
tura e imagem em movimento) diz que o espaço
do cinema “move” uma cartografia. Camadas de
espaço cultural, densidades de histórias híbridas
são abrigadas pela prática espacial da cogni-
ção do filme. Um meio de habitação-viagem, o
cinema desenha a (i)mobilidade das travessias
e transições culturais. Seu espaço narrativizado
oferece tomadas de rastreamento para culturas
itinerantes e veículos para atividades psicoespa-
ciais (BRUNO, 1997, p. 23).

De acordo com a autora, como moldura para imagem 123


mapeamentos culturais, o cinema se configura Anna Bella Geiger com Mesa,
como uma cartografia. É um mapa móvel friso e vídeo macios
− um mapa de diferenças, uma produção Museu Frans Hals
de fragmentos sociossexuais e viagens 2022
transculturais. Uma viagem de identidades fotografia de João Mascaro

422
em trânsito e um complexo passeio de
identificações, o local de visão que o filme
estabelece e a partir do qual se estabelece o
próprio filme é um meio real, constitui-se como
uma habitação e um passeio pela narrativa e
geografia de alguém (BRUNO, 1997, p. 23).

A artista e crítica Catherine Elwes (Saint-


Maxient, 1952), em Installation and the moving
image (Instalação e a imagem em movimento)
defende que a imagem em movimento
apresentada na galeria tem potencial para
recalibrar os termos de envolvimento com o
nosso ambiente contemporâneo (ELWES, 2015,
p. 7). Seguindo com o pensamento de Elwes,
pode-se dizer que a instalação de imagens em
movimento opera uma ambiguidade em virtude
de sua ocupação de um espaço liminar entre a
realidade material e o que entendemos como
não-material, virtual, mas que se faz presente
aos sentidos e à imaginação, potencializando as
possibilidades de reflexão (ELWES, 2015, p.7).

Pensando em Quase manchas e Quase mapas, na


situação brasileira, seria impossível não lembrar
das elaborações sobre Quase cinema, de Ligia
Canongia (1981), que naquele mesmo momento
da criação de Mesa, friso e vídeo macios escreve
sobre “a expansão do espaço de intervenção
do artista” por meio da linguagem fílmica
e suas possibilidades ampliadas de abertura
para experimentação. A linguagem do cinema
surge como uma prática da visualidade e de
conhecimento do espaço visível (CANONGIA,
1981, pp. 9-10).

Antes de encerrar, sublinho que é, nesta altura,


explícito que os títulos das obras de Anna
Bella Geiger têm importância destacada em sua
poética. Mesa, friso e vídeo macios anuncia
os elementos da obra, entre os quais estão os
vídeos em que foram filmados os macios – título
dado a uma série de trabalhos com estofado
que se desdobram e se materializam até o
presente momento, e que na instalação são,
precisamente, a mesa e o friso. Dessa maneira,
mesa, frisos e vídeos são elementos construídos
como pertencentes ao escopo dos macios, que

423
estabelecem um “transporte para uma realidade
concreta de profundidade e volumetria” (BARJA,
2007, p. 58), considerando que a palavra fala
sobre suavidade, e não apenas remete ao tato,
mas também à audição, à visão, ao paladar
(Dicionário Oxford Online).

Nas montagens recentes de Mesa, frisos e vídeo


macios as proporções das telas em relação aos
Quase mapas e Quase manchas fazem desta
dimensão mais explícita, pois os ambientes
criados na videoinstalação trazem as imagens
em movimento em proporções equiparáveis ao
próprio objeto mesa. Cria-se com o trabalho
uma atmosfera em que imagens fixas e as
imagens em movimento são um continuum,
elas são experienciadas simultaneamente. Dito
de outro modo, a possibilidade tátil da mesa
macia e as sensações provocadas pelas imagens
(estáticas ou em movimento) são vivenciadas
ao mesmo tempo, tendo seus sentidos abertos a
possibilidades incontáveis.

Anna Bella Geiger volta à Bienal de São Paulo


em 1981, abrindo as possibilidades de suas
práticas artísticas e criando reverberações que
atravessam as décadas e circulam em trabalhos
como Circa, cujo vídeo da instalação traz
como forte imagem o trem – que, como os
metrôs apresentados em Situações-limites, são
locais de passagem. O centro, perseguido em
Circumambulatio, abre-se em um movimento
espiral, criando um Local da ação que é
sempre cambiável, construído em relação
a posicionalidade que ocupa, uma mancha
cujas significações e sentidos são variáveis.
Na situação ambígua quase democracia/quase
ditadura a austeridade da cozinha de Mesa, friso
e vídeo macios é suavizada pelo desejo de deitar-
se sobre a mesa, sentindo a maciez de superfície.

424
imagens 124, 125 e 126
Anna Bella Geiger
frame do vídeo
Local da ação
1979

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441
442
Finalizações – sobre o riso ou histórias,
histórias, histórias, histórias…

O imaginário das mulheres é inesgotável, como


a música, a pintura, a escrita: sua cascata de
fantasmas é incrível.

Hélène Cixous (2022, p. 40)

Certa vez, Anna Bella disse-me algo como: “esse


é meu lado Sherazade”. A curiosa autopercepção
da artista como uma figura feminina que seduz
pelas histórias que imagina e narra ganhou um
espaço importante em minhas impressões. Anna
Bella Geiger é uma contadora de histórias, que
viajou pelo mundo todo, conheceu artistas,
diplomatas, políticos, estudantes, transeuntes,
sobre os quais tem muitas coisas a dizer. Os
trabalhos que elabora são, também, um modo de
contar histórias, que se transformam de acordo
com os tempos/espaços que habitam.

Uma dimensão importante das contações


de Geiger é o humor nada óbvio, um tanto
sarcástico. Virginia Woolf, em “O valor do riso”
(1905), considera o rir algo particularmente
humano, pois está relacionado ao “poder de
conhecer as próprias falhas” (WOOLF, 2014,
p. 37). Está no riso uma camada da potência
feminista de Anna Bella Geiger, sendo o termo
compreendido tal qual o define Verónica Gago
(Chivilcoy, 1976): como a ação de desafiar
os limites da obediência impostos ao corpo
em sua localização, de uma perspectiva,
simultaneamente, individual e coletiva (GAGO,
2022, p. 10).

Hélène Cixous (Orã, 1937) escolhe, para falar


sobre a potência e necessidade da escrita
feminina, o título “O riso da Medusa” (1975):

Bastava, reza a lenda, que Medusa mostrasse


imagens 1, 2 e 3 todas as suas línguas para que os homens saíssem
Anna Bella Geiger com globo correndo: eles confundiam essas línguas com
Rio de Janeiro serpentes. Precisava vê-los fugir, tapando os
2022 ouvidos, com as pernas e também outras partes do
fotografia de João Mascaro corpo bambas, ofegantes, já sentindo a mordida. Eu

443
até achava essa cena engraçada. Porém, mais tarde,
o Homem voltava de costas e, de um golpe forte,
com sua espada ereta, sem nem mesmo olhar o que
fazia, cortava a cabeça dessa infeliz. Fim do mito
(CIXOUS, 2022, p. 27).

Medusa sedutora e mortal, como são tantas


vezes classificadas as mulheres que ousam
manifestar suas múltiplas linguagens. Rir é
perigoso! O humor – “aquilo que é muito sério
para ser cômico, muito imperfeito para ser
trágico” – é “negado às mulheres” (WOOLF,
2014, p. 34), cortam-lhes as cabeças, afinal,
devem ser um tipo de Medusa, monstruosas,
assustadoras.

Anna Bella Geiger, em seus quase 90 anos,


escapa aos autoritarismos e às misoginias,
que pretendem sequestrar das mulheres as
possibilidades de contar histórias, de imaginar
aberturas para vidas com humor, com o riso.

Para Anna Bella Geiger, com admiração


oceânica, obrigada!

444
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imagem 4
Anna Bella Geiger em frente ao
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

445
446
447
448
449
imagens 5, 6 e 7
Anna Bella Geiger
Rio de Janeiro
2022
fotografias de João Mascaro

imagem 8
Anna Bella Geiger com a obra
Circa
Istambul
2018
fotografia de Gabriela
De Laurentiis

450
ERRATA Agradecimentos

A Vera Pallamin, agradeço, enormemente,


as palavras sinceras e a confiança durante o
processo que envolveu a escrita desta tese. A
possibilidade libertária que a sua orientação
trouxe à experiência da escrita acadêmica. A
paciência com atrasos e prorrogações, mas,
sobretudo, o incentivo à escrita emancipada.
Vera, é uma honra ser a última estudante
orientada por você na FAU-USP.

A Ricardo Fabbrini e Fernanda Fernandes,


agradeço as suas participações na banca de
qualificação. Agnaldo Farias, Ana Paula Simioni,
Ricardo Fabbrini, Leila Danziger, agradeço
fortemente a participação na banca de defesa.

A Norma Telles, seria difícil explicar em


um parágrafo como a sua presença e escrita
transformaram a minha existência. Pelas
leituras, pelo incentivo, pelos cafés, pelas
músicas, pelos filmes, pelos textos, pela vida,
obrigada sempre.

A Ana Hortides, que inúmeras vezes respondeu


a dúvidas e enviou-me materiais. Obrigada
pelas viagens e conversas transformadoras. Ana,
esta pesquisa não teria sido possível sem sua
contribuição!

No arquivo do MAM-RJ, a Aline Siqueira


e Moema Alves; na cinemateca do MAM-
RJ, a Fábio Vellozo; no MAC-USP, a Silvana
Karpinscki; na Fundação Bienal de São Paulo,
a Marcele Souto Yakabi; na Bienal de Veneza,
a Alice Scandiuzzi e Michele Mangione; no
MASP, a Bruno Cezar Mesquita Esteves; no
Tomie Ohtake, a Carolina Pasinato; na FAU-USP,
a Cilda Gonçalves de Oliveira, Lígia Marques e
Ronaldo Neves Motta.

A Beatriz Ayres, o seu trabalho, que potencializa


o meu. As trocas, revisões, transcrições, leituras,
resoluções burocráticas, conversas e incentivos.
Bia, muito obrigada, é um prazer trabalhar com
você!

451
A Renata Gomes, Eliane Rocha e Rodrigo
Cardoso, pelas revisões dos relatórios e das
versões parciais da tese. A José Teixeira, o
comprometimento na revisão da bibliografia e
do texto final. Zeca, muito obrigada!

A Le Becker Savastano e Ivone Rabello, as


leituras durante o processo de escrita, que foram
fundamentais para a construção deste texto.

A Isabel Lee e Rodrigo Lins, as transcrições das


entrevistas com Anna Bella Geiger, sem as quais,
evidentemente, esta pesquisa não seria possível.
Agradeço a Bel, também, o cuidado e amor que
compartilha.

A Ana David, Danilo Hideki, Gustavo Racy, Igor


Zapata, Laura Nakel, Pedro Ambra, agradeço as
conversas. Cada qual, à sua maneira, contribuiu
para a melhoria das formulações presentes aqui.

A Ali do Espírito Santo, Gilda Vogt, Hilda


de Paulo, Lúcia Lima, Maíra Freitas, Raíra
Rosenkjar, os incentivos e convites que alegram
as trajetórias de pesquisa.

A Andrea Beltramo, Gabriela Nujaim, Karlla


Girotto, María Eugenia Cordeiro, Marina
Sarmiento, Natalia Iguiñiz, Pao Lunch, o
encontro em Buenos Aires. A Patricia Mayayo,
os dias em Madrid. A Suely Rolnik, o espaço de
acolhimento na PUC-SP.

A André Mesquita, Auana Diniz, Helena Marc,


Horrana Santoz, Maria Claudia Levy, Natália
Nichols, Izabela Pucu e Paloma Klein, que
abriram possibilidades para que eu oferecesse
cursos sobre artes e feminismos, que criaram a
expansão dos conhecimentos sobre o tema.

A Dudi Maia Rosa, a aquarela e o respiro. A Lu,


Manu, Clara, Grazi, Jô, Carol, Dri, Dora, pelos
dias na Serrinha.

A Thais de Menezes e Fernando Gallo, agradeço


as conversas, o apoio, as brisas, as músicas, os
compartilhamentos. Vocês não só alegraram
os últimos momentos da escrita, mas também

452
potencializaram as forças para a conclusão deste
trabalho. A Fernando, o entusiasmo contagiante.
A Thais, a paixão vívida.

A Nathalia Capellini e Patricia Martinelli, a


amizade, incentivo e trocas intelectuais, há mais
de uma década. Parcerias, choros, brigas, risadas,
amores, paixões. Eu sou, porque somos. Nat,
como explicar esse amor que me toma? A você,
Rosa, Diego e suas trajetórias. Pat, sou melhor
com você e por você, e, na potência dos pares,
com enorme carinho pelo Felipe.

A Angélica Leite, Andrea Levy, Marcel


Kaio, Regiane Hoki e Thais Fonseca, vocês
possibilitarem que eu tivesse corpo para
escrever.

A Julia Lea de Toledo, as viagens, os dias no


Rio de Janeiro, os encontros com amor. A
Laura, o incentivo sempre. A Antonio Carlos, os
silêncios, as conversas, o apoio, a relação que se
transforma.

João Mascaro, melhor encontro, amigo, amante,


confidente, parceiro. Este trabalho não seria
possível sem você. Paixão em expansão que
potencializa. Obrigada, amor, pelos registros,
pelo projeto gráfico, pelos cafés da manhã,
almoços e jantares, por cuidar de mim, de nós,
dos bichos. Pelas parcerias que trazem saúde.
Amo você e amo viver com você. Obrigada por
possibilitar que, inúmeras vezes, toda a minha
atenção estivesse no texto.

A pesquisa de doutorado foi fomentada pela


FAPESP, entre 2018 e 2022, e contou com uma
bolsa PROAP-CAPES, para a viagem de pesquisa
em 2022. Às agências de fomento agradeço os
financiamentos que permitiram a realização da
pesquisa.

ERRATA Agradeço à FAPESP o fomento à pesquisa,


processo n° 2016/24123-2.

453
454
Lista de Imagens

Introdução
p. 12
imagem 1
Anna Bella Geiger em sua casa/ateliê
2018
foto de Gabriela De Laurentiis

Capítulo 01
p. 25
imagem 1
Anna Bella Geiger conversando com o público
na exposição Circumambulatio
MAM-RJ
1972

p. 26
imagens 2 e 3
vistas da exposição Aqui é o centro
MAM-RJ
2018
fotos de Paulo Jabur

p. 27
imagem 4
vista da exposição Circumambulatio
MAM-RJ
1972
foto de Thomas Michel

p. 30
imagem 5
vista da exposição Circumambulatio
MAM-RJ
1972

p. 31
imagem 6
registro das ações na lagoa de Marapendi
utilizado no audiovisual apresentado em
Circumambulatio
1972
fotografia de Thomas Lewinsohn

p. 34
imagem 7
cartaz I Exposição Nacional de Arte Abstrata

455
p. 39
imagem 8
vista da exposição Circumambulatio
MAM-RJ
1972
fotografia de Thomas Michel

p. 41-42
imagem 9
Anna Bella Geiger conversando com o público na
exposição Circumambulatio
MAM-RJ
1972

p. 40
imagem 10
registros das ações realizadas durante os cursos de
Geiger no MAM-RJ
1970/1971

p. 44
imagens 11 e 12
registros das ações realizadas durante os cursos de Geiger
no MAM-RJ
1970/1971

p. 45
imagem 13
matéria do Jornal O Globo
20 jan. 1970

p. 46
imagem 14
registros das ações realizadas durante os cursos de Geiger
no MAM-RJ
1970/1971

p. 47
imagem 15
ativação da obra Ovos de Lygia Pape sendo rompidos
frames do vídeo Apocalipopótese – Guerra e Paz (1968)
feito por Raymundo Amado

p. 49
imagem 16
ativação da obra Ovos de Lygia Pape sendo rompidos
frames do vídeo Apocalipopótese – Guerra e Paz (1968)
feito por Raymundo Amado

456
p. 51
imagem 17
capa do Jornal Correio da Manhã
30 mar. 1968
a edição traz registros das manifestações ocorridas
no dia anterior, que lembrava o assassinato do
estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto

p. 52
imagem 18
matéria do Jornal O Globo
2 ago. 1967

p. 54
imagem 19
Correio da Manhã
30 mar. 1968

p. 55
imagens 20 e 21
ação do grupo Poema/Processo, durante o Arte no
Aterro
jul. 1968
fotografias de Roberto Moriconi

p. 57
imagens 22, 23 e 24
Ronaldo Duarte e seu Dog's act
frames do vídeo Apocalipopótese – Guerra e paz
(1968), feito por Raymundo Amado

p. 59
imagens 25 e 26
ativação da obra Ovos de Lygia Pape sendo
rompidos
frames do vídeo Apocalipopótese – Guerra e paz
(1968), feito por Raymundo Amado

p. 64
imagem 27
matéria do Jornal Correio da Manhã
15 set. 1967

p. 67
imagem 28
Boletim n. 13
1955
fotografia que acompanha notícias sobre a

457
construção do MAM-RJ

p. 68
imagem 29
fotografia que acompanha notícias sobre a
construção do MAM-RJ.
Boletim n. 14, 1956

p. 69
imagem 30
fotografia que acompanha notícias sobre a
construção do MAM-RJ
Boletim n. 15, 1957

p. 71
imagem 31
registro das ações de Marapendi, exibida em
Circumambulatio
fotografia de Thomas Lewinsohn

p. 71
imagem 32
Matéria no Jornal do Brasil sobre programação
do MAM-RJ, incluindo Atividade/Criatividade e
Domingos de criação. 11 jan. 1971.

p. 72
imagem 33
vista da montagem de Circumambulatio, no
SESC-Paulista, como parte da exposição Brasil
Nativo/Brasil Alienígena
2019/2020
fotografia de Gean Carlo Seno

p. 74
imagem 34
registro das ações de Marapendi, exibida em
Circumambulatio
fotografia de Thomas Lewinsohn

p. 75
imagem 35
registro das ações de Marapendi, exibida em
Circumambulatio
fotografia de Thomas Lewinsohn

p. 76
imagem 36

458
Ana Mendieta
Silueta (trabalhos no México)
1973-1977

p. 77
imagem 37
folder Arquivo Circumambulatio publicado pelo
MAM-RJ
2012

p. 78
imagem 38
Mary Beth Edelson
Goddess head
1975

p. 79
imagem 39
Anna Bella Geiger exposição Aqui é o centro
MAM-RJ
2018
fotografia de Paulo Jabur

p. 79
imagem 40
vista da exposição Aqui é o centro
MAM-RJ
2018

p. 84
imagem 41
Robert Smithson
Spiral jetty
1970
fotografia de Gianfranco Gorgoni

p. 85
imagem 42
Anna Bella Geiger, extraído do audiovisual de
Circumambulatio
1972
fotografia de Thomas Lewinsohn

p. 87
imagem 43
Nancy Holt
(Al Poynter, Dannis Siroky, Gregg Tillman e Rick
Westby)

459
Enclosure: Rock rings
1977-1978
fotografia de Matthew Anderson

p. 88
imagens 44 e 45
Nancy Holt
(Al Poynter, Dannis Siroky, Gregg Tillman e Rick
Westby)
Enclosure: Rock rings
1977-1978
fotografia de Matthew Anderson

p. 91
imagem 46
Vito Acconci
frame do vídeo Centers
1971

p. 92
imagens 47, 48 e 49
Anna Bella Geiger
frames do vídeo Centerminal
1974

p. 93
imagem 50
registro das ações de Marapendi exibida em
Circumambulatio
fotografia de Thomas Lewinsohn

p. 95
imagem 51
registro das ações de Marapendi exibida em
Circumambulatio
fotografia de Thomas Lewinsohn

p. 96-99
imagens 52, 53, 54 e 55
Anna Bella Geiger
Circa
2019
Bienal de Istambul
fotografias de Gabriela De Laurentiis

p. 99
imagem 56
páginas da matéria “O pão nosso de cada dia” (2018-

460
2019), de Bernardo Mosqueira, publicada junto com
ensaio de Renato Mangolin da montagem de Circa
Solar dos Abacaxis
2018

p. 100
imagens 57, 58, 59 e 60
Anna Bella Geiger
Circa
2019
Bienal de Istambul
Fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 102
imagens 61, 62 e 63
Anna Bella Geiger
Circa
2019
Bienal de Istambul
Fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 105
imagem 64
apropriações de A confusão das línguas (ca. 1865-1868)
de Paul Gustave Doré
frame do audiovisual de Circumambulatio

p. 106
imagem 65
apropriações de A confusão das línguas (ca. 1865-1868),
de Paul Gustave Doré
folder Arquivo Circumambulatio publicado pelo MAM-RJ
2012

p. 108
imagem 66
frame do audiovisual de Circumambulatio

p. 111
imagem 67
vistas da exposição Aqui é o Centro
2018
MAM-RJ
fotografia de Paulo Jabur

p. 113
imagem 68
capa do catálogo de Circumambulatio produzido pelo

461
MAC-USP
1973

p. 116-117
imagem 69
páginas do catálogo de Circumambulatio produzido pelo
MAC-USP
1973

p. 118
imagem 70
Apropriação de A Torre de Babel (c.1563) de Pieter Bruegel
frame audiovisual Circumambulatio

p. 119
imagem 71
Anna Bella Geiger e Ana Hortides montagem de Circa
2019
Bienal de Istambul
fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 120
imagem 72
Anna Bella Geiger montagem de Circa
2019
Bienal de Istambul
fotografia de Gabriela De Laurentiis
publicado no catálogo da exposição Anna Bella Geiger:
Brasil Nativo/Brasil Alienígena

p. 121
imagem 73
Anna Bella Geiger montagem de Circa
2019
Bienal de Istambul
fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 123
imagem 74
Texto de Anna Bella Geiger para revista Paper
Búzios
2016

p. 124
imagem 75
página do catálogo de Circumambulatio produzido pelo
MAC-USP
1973

462
p. 130
imagens 76, 77 e 78
Lygia Clark
A casa é corpo
MAM-RJ
1968

p. 136
imagem 79
Anna Bella Geiger
As vísceras mergulham no profundo azul do mar
1968

p. 139
imagem 80
Anna Bella Geiger
Masculino- feminino
1968

p. 140
imagem 81
Maria Martins
O Impossível
Gravura pertencente ao catálogo numerado da exposição
realizada na Valentine Gallery
Nova York
1946

p. 141
imagem 82
trabalhos Viscerais
vista da exposição Anna Bella Geiger. Brazilian Art Pioneer
Museu Frans Hals, Haarlem
2022
fotografia de João Mascaro

p. 142
imagem 83
Anna Bella Geiger
Fígados conversando
1968

p. 144
imagem 84
Anna Bella Geiger
Coração e outras coisas
1966

463
p. 146
imagem 85
Anna Bella Geiger
Sem título
segunda metade da década de 1960

p. 147
imagem 86
Anna Maria Maiolino
Glu, glu, glu
1966

p. 149
imagem 87
Artur Barrio
Situação...Orhhh...ou...5.000...T.E. ...em N. Y. ... City…
Instalação no MAM-RJ
1969
fotografia de César Carneiro

p. 149
imagem 88
cartaz do Salão da Bússola
1969

p. 151
imagem 89
Anna Bella Geiger
Carne na tábua
1968

p. 152
imagem 90
vista da exposição AI-5 50 ANOS – Ainda não terminou de
acabar
Cur. de Paulo Miyada
Instituto Tomie Ohtake
2018
fotografia de Ricardo Miyada

p. 154
imagem 91
exposição Circumambulatio
MAM-RJ
1972
fotografia de David Usurpator

464
Capítulo 02
p. 174
imagem 1
Anna Bella Geiger
Série Passagens (fotografia)
1975

p. 176
imagens 2 e 3
folder (frente e verso) da exposição Situações limites
MAM – RJ
1975

p. 178
imagem 4
documento Setor Integração Cultural
MAM-RJ
1972

p. 182
imagem 5
capa da revista Malasartes n.º 3
1976

p. 187
imagem 6
Anna Bella Geiger
série Situações-limites
1974
vista da exposição AI-5 50 ANOS – Ainda não terminou de
acabar
Instituto Tomie Ohtake
2018
fotografia de Ricardo Miyada

p. 188
imagem 7
Lygia Pape
Poema Xilogravura
1957

p. 193
imagem 8
Anna Bella Geiger
Situações limite 3 (série)
1974

465
p. 199
imagem 9
Lygia Clark
Camihando
1963

p. 202-203
imagem 10
Anna Bella Geiger
Nearer
1975

p. 204
imagem 11
Anna Bella Geiger
Lixo no aterro
MAM-RJ
1973

p. 206
imagens 12 e 13
Anna Bella Geiger
Indagação sobre a natureza, significado e função da obra de
arte (série)
1973

p.207
imagens 12 e 13
Anna Bella Geiger
Indagação sobre a natureza, significado e função da obra de
arte (série)
1973

p. 208
imagem 14
Anna Bella Geiger
Situações-limites (passagens)
1975
fotografia de Paula Gerson

p. 210
imagem 15
Anna Bella Geiger
série Situações-limites
1974
Instituto Tomie Ohtake
2018
fotografia de Ricardo Miyada

466
p. 218
imagens 16, 17, 18 e 19
Anna Bella Geiger
frames de Declaração em retrato I
1974

p. 221
imagem 20
capa do catálogo da exposição Video Art
org.e Suzanna Delehanty
Instituto de Arte Contemporânea da Pensilvânia
1975

p. 223
imagem 21
Anna Bella Geiger
Indagação sobre a natureza, significado e função da obra de
arte
1973

p. 224
imagem 22
Anna Bella Geiger
Nearer (montagem)
1975

p. 225
imagem 23
Anna Bella Geiger
Nearer (detalhe)
1975

p. 229
imagem 24
Anna Bella Geiger
Brasil Nativo/Brasil alienígena
1977

p. 233
imagem 25
Anna Bella Geiger
Histórias do Brasil – Little boys and girls
1975

p. 234
imagem 26
Anna Bella Geiger
Histórias do Brasil – Little boys and girls (detalhe)

467
1975

p. 236
imagem 27
Jaider Esbell
Cartas ao velho mundo (página do livro)
2018-2019

p. 238
imagens 28, 29 e 30
Anna Bella Geiger
Frames de Passagens I
1974
vídeo P&B, fita magnética, 9′
filmado por Jom Tob Azulay

p. 239
imagens 31, 32 e 33
Peter Greenway
frames de Intervalos
1974

p. 240
imagem 34
página do catálogo da exposição Video Art
org. de Suzanna Delehanty
Instituto de Arte Contemporânea da Pensilvânia
1975

p. 241
imagens 35 e 36
Valie Export
Frames de Vendo e ouvindo espaço
1974

p. 241
imagem 37
Valie Export
Alongamento
série Configurações Corporais
1972

p. 245
imagem 38
capa do catálogo da exposição Expoprojeção
org. de Aracy Amaral
1973

468
p. 246
imagem 39
página do catálogo da exposição Expoprojeção
org. de Aracy Amaral
sede GRIFE
1973

p. 247
imagem 40
matéria de Roberto Pontual
Jornal do Brasil, Caderno B
Rio de Janeiro
7 jan. 1975

p. 252
imagem 41
Anna Bella Geiger
Situações limite 2 (série)
1974

p. 253
imagem 42
página do verbete Espaço, escrito por Bataille na Revista
Documents
Paris
1930

p. 256
imagem 43
Anna Bella Geiger
Situações limite 4 (série)
1974

p. 258
imagem 44
capa catálogo JAC
MAC-USP
1974
org. de Walter Zanini

p. 259
imagem 45
página do catálogo JAC
MAC-USP
1974
org. de Walter Zanini

469
p. 264
imagem 46
Cindy Sherman
Sem título (film still) #17
1978

p. 264
imagem 47
Cindy Sherman
Sem título (film still) #21
1978

p. 266
imagens 48, 49, 50 e 51
Anna Bella Geiger
frames de Passagens II
1974
vídeo P&B, fita magnética, 5′
filmado por Jom Tob Azulay

p. 267
imagem 52
Nancy Holt e Richard Serra
frame de Boomerang
1974

p. 268
imagem 53
Anna Bella Geiger
frames de Passagens I
1974
filmado por Jom Tob Azulay

p. 270
imagem 54
Anna Bella Geiger
série Passagens (fotografia)
1975

p. 272
imagens 55, 56, 57, 58 e 59
Lygia Pape
frames do material exibido em Eat me: A gula ou a luxúria?
MAM-RJ
1976

p. 274
imagem 60

470
capa do folder da exposição Eat me: A gula ou a luxúria?
MAM-RJ
1976

p. 275
imagem 61
registro da exposição Eat me: A gula ou a luxúria?
MAM-RJ
1976

p. 276
imagem 62
Lygia Pape
frames de Eat me: A gula ou a luxúria?
1975

p. 277
imagem 63
matéria de Francisco Bittencourt
Tribuna da Imprensa
Rio de Janeiro
21/22 ago. 1976

p. 280 e 281
imagem 64, 65 e 66
capa e páginas, respectivamente, do livro Mulher, objeto de
cama e mesa
Heloneida Studart
Edição 1980

p. 286
imagens 67, 68, 69 e 70
páginas do catálogo de Eat me: A gula ou a luxúria?
MAM-RJ
1976

p. 287
imagem 71
Anna Bella Geiger
obras sob o título Burocracia
vista da exposição Anna Bella & Lygia & Mira & Wanda
MAC-Niterói
2018

p. 288
imagem 72
Sobre a arte (caderno)
1976

471
p. 288
imagem 73
propaganda do creme Lugolina
Jornal das Moças, n. 1263
Rio de Janeiro
1939

p. 289
imagem 74
propaganda do creme Lugolina: Jornal das Moças
Rio de Janeiro
31 out. 1939

p. 290
imagens 75, 76 e 77
Letícia Parente
frames de Preparação I
1976

p. 291
imagem 78
matéria O Fluminense
16 jun. 1976

p. 291
imagens 79 e 80
catálogo da exposição Medidas
MAM-RJ
1976

p. 292
imagem 81
Anna Bella Geiger
obras sob o título Burocracia
vista da exposição Anna Bella & Lygia & Mira & Wanda
cur. de Pablo Leon de La Barra & Raphael Fonseca
MAC-Niterói
2018
fotografia de João Mascaro

p. 294
imagem 82
Anna Bella Geiger
obras sob o título Burocracia
vista da exposição Anna Bella & Lygia & Mira & Wanda
cur. de Pablo Leon de La Barra & Raphael Fonseca
MAC-Niterói
2018

472
Capítulo 03
p. 313
imagem 1
registro da fotografia de Mesa, friso e vídeo macios na
Bienal de São Paulo, que esteve colocada na entrada da
versão de Anna Bella Geiger. Brasil Nativo/Brasil Alienígena
2022
Museu Frans Hals
Haarlem, Holanda

p. 314
imagem 2
página do catálogo da XVI Bienal de São Paulo com Mesa,
friso e vídeo macios

p. 314
imagem 3
desenho para Mesa, friso e vídeo macios constante no acervo
do MAC-USP

p. 314
imagem 4
capa do catálogo da XVI Bienal de São Paulo

p. 316
imagem 5
matéria do Jornal A Tribuna
22 jul. 1973

p. 316
imagens 6 e 7
páginas do projeto de Anna Bella Geiger para Bolsa Vitae de
Artes

p. 319
imagem 8
capa do catálogo da exposição AI-5 50 ANOS – Ainda não
terminou de acabar
cur. de P. Miyada
2019

p. 319
imagem 9
dossiê Non a la Biennale de São Paulo
1969

p. 319
imagem 10

473
charge por Biganti no Jornal O Estado de S. Paulo
13 nov. 1969

p. 319
imagem 11
charge de Mino no Jornal A Tribuna
7 out. 1969

p. 320
imagem 12
Cybèle Varela
O presente
1967 – 2018
técnica mista
fotografia de Ricardo Miyada

p. 322
imagem 13
cartaz da 1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Autoria: Antônio Maluf
1951

p. 324
imagem 14
fachada da construção onde foi realizada a 1ª Bienal
1951

p. 324
imagem 15
sede da 2ª Bienal, o Palácio das Nações (atual Pavilhão Padre
Manoel da Nóbrega, hoje abriga o Museu Afro Brasil)

p. 324
imagem 16
abertura da 4ª Bienal com as presenças de Jânio Quadros,
Juscelino Kubitschek e Yolanda Penteado
1957

p. 324
imagem 17
Francisco Matarazzo Sobrinho e Juscelino Kubitschek visitam
Guernica de Picasso, durante a 2ª Bienal de São Paulo
1953-1954
fotografia de autoria não identificada

p. 324
imagem 18
montagem da Sala Especial Maria Martins na 1ª Bienal

474
fotografia de Peter Scheier
1951

p. 325
imagem 19
público aguarda a abertura da 2ª Bienal
1953-954

p. 327
imagem 20
notícia Jornal do Brasil
14 out. 1981

p. 328
imagem 21
cartaz 16ª Bienal de São Paulo
Cláudio Moschella

p. 330
imagens 22, 23 e 24
Anna Bella Geiger com Mesa, friso e vídeo macios
Museu Frans Hals
Haarlem
2022
fotografia de João Mascaro

p. 333
imagem 25
Anna Bella Geiger
Mesa, friso e vídeo macios
exposição Anna Bella Geiger. Brasil nativo/Brasil alienígena
SESC-Paulista
2019-2020
fotografias de Alexandre Nunis

p. 334
imagem 26
Anna Bella Geiger
Mesa, friso e vídeo macios
SESC-Paulista
2019-2020
fotografias de Gean Carlo Seno

p. 335
imagem 27
Anna Bella Geiger
Camouflage
1980

475
p. 337
imagem 28
Anna Bella Geiger
Camouflage
1980
vista da exposição Anna Bella Geiger. Native
Brazil / alien Brazil
Museu Frans Hals, Haarlem
2022
fotografia de João Mascaro

p. 338
imagem 29
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Barnett Newman
1975

p. 339
imagem 30
Claes Oldenburg e Patty Muncha, com a obra
Floor burguer (1962)
Nova York
1964
fotografia de Ugo Mulas Heirs

p. 339
imagem 31
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Claes Oldenburg
1975

p. 339
imagem 32
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Marcel Duchamp
1975

p. 340
imagem 33
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Roy Lichtenstein
1975

476
p. 342
imagem 34
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro.
montagem com Andy Warhol
1975

p. 343
imagem 35
Henry Matisse no Hotel Régina
Nice
1952
fotografia de Lydia Delectorskaya

p. 343
imagem 36
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
montagem com Henry Matisse
1975

p. 344
imagem 37
Anna Bella Geiger
Diário de um artista brasileiro
1975

p. 344
imagem 38
vista da exposição Anna Bella Geiger. Native
Brazil/Alien Brazil
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

p. 345
imagem 39
vista da exposição Anna Bella Geiger. Brasil
Nativo/Brasil Alienígena
MASP
2019-2020

p. 346
imagem 40
Anna Bella Geiger
Mesa, friso e vídeo macios
SESC-Paulista
fotografia de Alexandre Nunis

477
p. 347
imagem 41
Anna Bella Geiger trabalhando na cozinha de
sua casa/ateliê
Rio de Janeiro
2022
fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 347
imagens 42 e 43
Anna Bella Geiger trabalhando na cozinha de
sua casa/ateliê
Rio de Janeiro
2022
fotografia de João Mascaro

p. 348
imagem 44
Robin Weltsch, Vick Hodgetts e Susan Frazier
Nurturant Kitchen
Projeto Coletivo Womanhouse
1975

p. 348
imagem 45
capa do catálogo da exposição Womanhouse
que mostra Judy Chicago e Miriam Schapiro em
frente ao espaço de exibição
fotografia de Donald Woodman

p. 349
imagem 46
Martha Rosler
Semiotics of the Kitchen
1975

p. 350
imagem 47
Carrie Mae Weems
série The kitchen table
1990

p. 351
imagem 48
Carrie Mae Weems
série The kitchen table
1990

478
p. 353
imagem 49
Anna Bella Geiger
Mesa, friso e vídeo macios
Museu Frans Hals, Haarlem
2022
fotografia de João Mascaro

p. 354
imagem 50
Anna Bella Geiger na cozinha de sua casa/ateliê
Rio de Janeiro
2022
fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 355
imagem 51
Anna Bella e Pedro Geiger trabalhando na
cozinha de sua casa/ateliê
Rio de Janeiro
2022
fotografia de João Mascaro

p. 355
imagem 52
Anna Bella e Pedro Geiger na cozinha de sua
casa/ateliê
Rio de Janeiro
2022
fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 357
imagem 53
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
Centro Cultural Candido Mendes
1979
fotografias de Ana Vitória Musse
as imagens compõem o catálogo produzido por
ocasião da Bienal de Veneza
1980

p. 358
imagens 54 e 55
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
Centro Cultural Candido Mendes
1979

479
fotografias de Ana Vitória Musse
as imagens compõem o catálogo produzido por
ocasião da Bienal de Veneza
1980

p. 359
imagens 56 e 57
Anna Bella Geiger
O Novo Atlas I
1977

p. 360
imagem 58
matéria do Jornal O Globo
19 out. 1979

p. 362
imagem 59
matéria do Jornal do Brasil
27 out. 1979

p. 363
imagem 60
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
1978

p. 366 e 367
imagens 61, 62, 63, 64 e 65
frames do vídeo Mapas elementares III
1976

p. 370 e 371
imagens 66 e 67
frames do vídeo Mapas elementares III
1976

p. 372
imagem 68
frame do vídeo Mapas elementares III
1976

p. 375
imagem 69
Anna Bella Geiger segurando edição da revista
Marie Claire, na qual a matéria “Além de Tarsila
e Anita: conheça as mulheres da Semana de Arte
Moderna de 1922”, traz publicado um registro

480
de O pão nosso de cada dia na mesma página
em que está Fayga Ostrower
fevereiro de 2022
Rio de Janeiro
fotografia de João Mascaro

p. 377
imagem 70
matéria do Jornal do Brasil
27 mai. 1980

p. 378 e 329
imagens 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77 e 78
frames do vídeo Declaração em retrato II
1976

p. 381
imagem 79
Manifesto Antropófago
1928

p. 382
imagem 80
Tarsila do Amaral
Abaporu
1928

p. 383
imagens 81 e 82
Anna Bella Geiger
Nearer
1974

p. 384
imagem 83
Anna Bella Geiger
página de caderninho com carimbo de
mandacaru

p. 384
imagem 84
Anna Bella Geiger
Sobre a arte
1975

p. 385
imagem 85
Anna Bella Geiger

481
Sobre a arte
1975

p. 388
imagem 86
Tarsila do Amaral
A negra
1923

p. 389
imagem 87
Tarsila do Amaral
Autorretrato
1923

p. 391
imagem 88
frame do vídeo Mapas elementares III
1976

p. 392
imagens 89 e 90
Anna Bella Geiger
Fôrmas do Brasil e América Latina (título
constante no arquivo enviado pela artista)
1974-1975

p. 395
imagem 91
capa do álbum Secos e Molhados
1973
fotografia de Antônio Carlos Rodrigues

p. 397
imagem 92
página do Jornal O Globo (Cultura, p. 24) na
qual está publicado o artigo “América Latina
em debate, a partir de hoje, em São Paulo”, de
F. Morais, bem como a notícia do show de Ney
Matogrosso, na coluna de Nelson Motta
Rio de Janeiro
3 nov. 1978

p. 398
imagem 93
página do Jornal Folha de São Paulo sobre o Ato
contra a carestia
28 ago. 1978

482
p. 399
imagem 94
Anna Maria Maiolino
Arroz & feijão (1979)
vídeo no monitor 1/3 + 2/3
vista da exposição Anna Maria Maiolino -
psssiiiuuu...
Instituto Tomie Ohtake
2022
fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 400
imagem 95
Anna Maria Maiolino
Monumento à fome
1978

p. 401
imagem 96
Victor Grippo, Jorge Gamarra e Atílio Rossi
Construcción de un horno popular para hacer
pan
Buenos Aires
1972

p. 402 e 403
imagem 97 e 98
CADA
Para no morir de hambre en el arte
Santiago
1979

p. 404
imagem 99 e 100
CADA
Inversión de escena
Santiago
1979

p. 405
imagem 101
Anna Bella Geiger
O pão nosso de cada dia
1978
as imagens compõem o catálogo produzido por
ocasião da Bienal de Veneza
1980

483
p. 406
imagem 102
Anna Bella Geiger na 1ª Bienal do Mercosul
Porto Alegre
1997
fotografia de Vera Chaves Barcellos

p. 405
imagens 103, 104 e 105
Anna Bella Geiger segurando um folder com
imagens de O pão nosso de cada dia, ao lado do
vídeo Declaração em retrato I, na abertura da
exposição Mulheres Radicais
Pinacoteca de São Paulo
2018
fotografia de Gabriela De Laurentiis

p. 408
imagens 106, 107 e 108
Anna Bella Geiger com a projeção de Local da
ação (1979)
Museu Frans Hals
2022
fotografias de João Mascaro

p. 410
imagem 109
Anna Bella Geiger
frame do vídeo Local da ação
1979
vista da exposição Anna Bella Geiger. Native
Brazil / Alien Brazil
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

p. 411
imagem 110
Anna Bella Geiger
Local da ação
1979

p. 412
imagem 111
Anna Bella Geiger
frame do vídeo Local da ação
1979

484
p. 413
imagens 112 e 113
Anna Bella Geiger
O novo atlas 2
1977

p. 414
imagem 114
contracapa do catálogo produzido para Bienal de
Veneza

p. 417
imagens 115 e 116
Anna Bella Geiger
História do Brasil
1975

p. 418
imagens 117 e 118
Anna Bella Geiger
Admissão
1975

p. 419
imagem 119
Anna Bella Geiger.
friso tal qual da instalação O pão nosso de cada
dia
Candido Mendes
1975

p. 419
imagem 120
Anna Bella Geiger.
O pão nosso de cada dia
Candido Mendes
1975
fotografia de Ana Vitória Musse

p. 420
imagem 121
Judy Chicago
The dinner party
1979

p. 421
imagem 122
Anna Bella Geiger

485
Mesa, friso e vídeo macios.
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

p. 422
imagem 123
Anna Bella Geiger
Mesa, friso e vídeo macios
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

p. 425
imagens 124, 125 e 126
Anna Bella Geiger
frame do vídeo Local da ação
1979

p. 428
imagem 127
Anna Bella Geiger com a projeção de Local da
ação (1979)
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

Finalizações
p. 442
imagens 1, 2 e 3
Anna Bella Geiger com globo
Rio de Janeiro
2022
fotografias de João Mascaro

p.443 e 444
imagens 2 e 3
Anna Bella Geiger com globo
Rio de Janeiro
2022
fotografias de João Mascaro

p. 446-447
imagem 4
Anna Bella Geiger em frente ao Museu Frans
Hals
2022
fotografia de João Mascaro

486
p. 448-449
imagens 5, 6 e 7
Anna Bella Geiger
Rio de Janeiro
2022
fotografias de João Mascaro

p.450
imagem 8
Anna Bella Geiger com a obra Circa
Istambul
2018
fotografia de Gabriela De Laurentiis

Capa
fotomontagem a partir de registros de vídeos de
Anna Bella Geiger

Contracapa
Anna Bella Geiger
Museu Frans Hals
2022
fotografia de João Mascaro

487
488
489
490

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