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Pedro Cezar Johnson Rodrigues de Britto

Economia Internacional III


Comércio mundial: uma visão geral.

Começaremos descrevendo quem comercializa com quem. Uma relação empírica


conhecida como modelo de gravidade ajuda a compreender o valor do comércio entre
qualquer par de países e também esclarece sobre os impedimentos que continuam a limitar o
comércio internacional, mesmo na economia global atual.

Três dos dez maiores parceiros dos Estados Unidos são nações europeias: Alemanha,
Grã-Bretanha e França. Por que isso ocorre? Porque se trata das três maiores economias da
Europa. Isto é, apresentam os maiores montantes de produto interno bruto (PIB), que mete o
valor total de bens e serviços produzidos por uma economia. Há uma forte relação empírica
entre o porte da economia de um país e o volume tanto de suas importações quanto
exportações.

Examinando o comércio mundial como um todo, os economistas descobriram que o


volume de comércio entre dois países pode ser previsto, com razoável precisão, pela seguinte
fórmula:

𝑌
𝑇𝑖𝑗 = 𝐴 ∗ 𝑌𝑖 ∗ 𝑗⁄𝐷
𝑖𝑗

Onde 𝐴 é um termo constante, 𝑇𝑖𝑗 o valor do comércio entre o país 𝑖 e o país 𝑗, 𝑌𝑖 o PIB do país
𝑖, 𝑌𝑗 o PIB do país 𝑗, e 𝐷𝑖𝑗 a distância entre eles. Logo, o valor do comércio entre dois países é
proporcional, em igualdade de condições, ao produto do PIB de ambos e diminui de acordo
com a distância entre eles.

Esta equação é conhecida como um modelo de gravidade do comércio mundial. Esse


nome guarda uma analogia com a lei de gravidade de Newton: assim como a atração
gravitacional entre dois corpos é proporcional ao produto de suas massas e diminui com a
distância, o comércio entre dois países, em igualdade de condições, é proporcional ao produto
de seus PIBs e diminui com a distância.

Por que o modelo de gravidade funciona? Em termos gerais, as grandes economias


tendem a gastar altas somas em importações porque possuem altas rendas. Também tendem
a atrair grandes participações dos gastos de outros países porque produzem uma ampla gama
de produtos. Dessa forma, o comércio entre duas economias será maior, quanto maior for
qualquer uma delas.

Uma das principais aplicações dos modelos de gravidade é que ajudam a identificar
anomalias no comércio. Realmente, quando o comércio entre dois países é muito maior ou
muito menor do que o modelo de gravidade prevê, os economistas procuram uma explicação.

A Holanda, a Bélgica e a Irlanda comercializam consideravelmente mais com os


Estados Unidos do que um modelo de gravidade poderia prever. Por quê? No caso da Irlanda,
a resposta está, em parte, na afinidade cultural: não só ela compartilha a mesma língua com os
Estados Unidos, mas também dez milhões de norte-americanos descendem de imigrantes
irlandeses. Além dessa consideração, a Irlanda desempenha um papel especial como sede de
muitas empresas norte-americanas. No caso da Holanda quanto da Bélgica, a geografia e os
custos de transporte provavelmente explicam seu grande comércio com os Estados Unidos.
Ambas se localizam nas proximidades da foz do Reno, o maior rio da Europa Ocidental, que
passa por Ruhr, o polo industrial alemão. Portanto, a Holanda e a Bélgica constituem
tradicionais pontos de entrada para grande parte do noroeste da Europa; Roterdã na Holanda
é o porto europeu mais importante, por volume manipulado, e a Antuérpica, na Bélgica, vem
em segundo lugar. Em outras palavras, o imenso comércio desses países sugere um papel
importante dos custos de transporte e da geografia na determinação do volume de comércio.
A relevância desses fatores é clara, quando analisamos um exemplo mais amplo de dados
comerciais.

Todos os modelos de gravidade estimados indicam um forte efeito negativo da


distância sobre o comércio internacional: segundo as estimativas mais comuns, um aumento
de 1 por cento na distância entre dois países implica uma queda de 0,7 a 1 por cento no
comércio entre eles. Em parte, essa redução reflete os custos mais elevados de transporte de
bens e serviços. Os economistas também acreditam que fatores menos tangíveis
desempenham um papel fundamental: o comércio tende a ser intenso quando os países
estabelecem um contato próximo, e esse contato tende a diminuir quanto maior a distância. É
fácil para um representante de vendas norte-americano fazer uma visita rápida a Toronto; é
uma empreitada bem maior ir a Paris e, a menos que a empresa esteja situada na costa oesta,
é ainda mais oneroso ir a Tóquio.

O comércio mundial é um alvo em movimento. Sua direção e a composição são bem


diferentes atualmente do que há uma geração, e ainda mais do que há um século.

Em discussões populares sobre a economia mundial, é comum encontrar afirmações


de que o transporte e as comunicações modernas aboliram a distância, que o mundo se tornou
pequeno. Há alguma verdade nisso: a internet possibilita uma comunicação instantânea e
quase livre entre as pessoas a milhares de quilômetros de distância, enquanto o transporte a
jato permite rápido acesso físico a toda parte do globo. Por outro lado, os modelos de
gravidade continuam a mostrar uma forte correlação negativa entre distância e o comércio
internacional. Será que esses efeitos enfraqueceram-se ao longo do tempo? O progresso nos
transportes e nas comunicações tornou o mundo menor?

A resposta é sim – mas a história também indica que as forças políticas podem
contrabalançar os efeitos da tecnologia. O mundo ficou menor entre 1840 e 1914, porém
voltou a crescer em grande parte do século XX.

Os historiadores econômicos dizem que uma economia global, com fortes vínculos
econômicos até entre nações distantes, não é nova. Na verdade, houve duas grandes ondas de
globalização, sendo que a primeira não se baseava em jatos nem na internet, mas sim em
ferrovias, navios a vapor e o telégrafo.
Quando os países fazem comércio, o que eles comercializam? Para o mundo em geral,
a principal resposta é que eles trocam entre si bens manufaturados, tais como, automóveis,
computadores e vestuário. Entretanto, o comércio de produtos minerais – uma categoria que
inclui tudo, desde minério de cobre a carvão, mas cujo principal componente no mundo
moderno é o petróleo – permanece como uma parte importante do comércio mundial. Os
produtos agrícolas, como trigo, soja e algodão, constituem outra peça essencial do cenário, e
serviços de vários tipos desempenham papel relevante e devem tornar-se mais importantes no
futuro.

Os bens manufaturados de todo tipo compõem a maior parcela do comércio mundial.


A maioria do montante de bens minerais exportados em 2005 consistia de petróleo e outros
combustíveis. O comércio de produtos agrícolas, embora essencial à alimentação de muitos
países, responde por somente uma pequena fração do montante do comércio mundial atual.

As exportações de serviços incluem as taxas de embarque cobradas por companhias


aéreas e de navegação, seguros recebidos de estrangeiros e gastos de turistas estrangeiros. Em
tempos recentes, novos tipos de comércio de serviços, viabilizados pelas modernas
telecomunicações, atraíram grande atenção da mídia. O exemplo mais conhecido é o aumento
de call centers localizado no exterior: nos Estados Unidos, se você chama um número 0800
para obter informações ou assistência técnica, o atendente do outro lado da linha pode muito
bem estar em um país remoto (a cidade de Bangalore, na Índia, é um local bastante popular).
Até o momento, essas novas formas exóticas de comércio ainda constituem uma parte
relativamente pequena do panorama geral do comércio, mas, isso no futuro deve mudar.

Um dos debates atuais mais acalorados sobre economia internacional é se a moderna


tecnologia da informação, que torna possível executar algumas funções econômicas a longa
distância, acarretará um aumento expressivo em novas formas de comércio internacional. Da
mesma forma que no exemplo dos call centers, em que a pessoa que faz o atendimento pode
estar a milhares de quilômetros de distância de seu solicitante, muitos outros serviços podem
ser realizados a partir de um local remoto. Quando um serviço que antes era realizado dentro
do país é transferido para uma localidade no exterior, essa mudança é chamada de
terceirização de serviços (às vezes se referindo a um serviço em outro país).

Em um famoso artigo publicado em 2006 na revista Foreign Affairs, Alan Blinder, um


economista da Universidade de Princeton, argumentou que “no futuro, e em larga medida já
no presente, a principal distinção do comércio internacional não será mais entre o que pode
ser colocado em uma caixa e o que não pode. Em vez disso, vai se tratar de serviços que
podem ser entregues por meio eletrônico através de longas distâncias com pouco ou nenhum
comprometimento de sua qualidade, ou não”. Por exemplo, o funcionário que reabastece as
prateleiras em um supermercado tem de estar presente no local, mas o contador responsável
pela contabilidade desse supermercado pode estar em outro país, fazendo contato pela
internet. A enfermeira que tira sua pressão precisa estar próxima, porém o radiologista que lê
sua radiografia pode receber a imagem pela internet em qualquer lugar com uma conexão de
alta velocidade.

No longo prazo, o comércio de serviços entregues por meio eletrônico pode se tornar
o componente mais importante do comércio mundial.
Produtividade do trabalho e vantagem comparativa: o modelo ricardiano.

Os países participam do comércio internacional por dois motivos básicos, e cada um


deles contribui para seu ganho do comércio. Primeiro, eles comercializam entre si porque
diferem uns dos outros. As nações, como os indivíduos, podem se beneficiar de suas
diferenças, chegando a um arranjo em que cada uma produza as coisas que faz melhor em
relação aos demais. Segundo, os países fazem comércio para obter economias de escala na
produção. Isto é, se cada um produz somente uma gama limitada de bens, pode produzir cada
um desses bens em uma escala maior e, portanto, mais eficientemente do que se tentasse
produzir tudo. No mundo real, os padrões do comércio internacional refletem a interação de
ambos os motivos. Contudo, como um primeiro passo para compreender as causas e os efeitos
do comércio, é útil examinar modelos simplificados em que apenas um desses motivos está
presente.

Embora o conceito de vantagem comparativa seja simples, a experiência mostra que


muitas pessoas têm grande dificuldade em compreendê-lo (ou aceita-lo). Na verdade, Paul
Samuelson descreveu a vantagem comparativa como o melhor exemplo de um princípio
econômico que é inegavelmente verdadeiro, mas nem por isso óbvio para as pessoas
inteligentes.

Um país possui uma vantagem comparativa na produção de um bem se o custo de


oportunidade de produção desse bem em relação aos demais é mais baixo nesse país do que
em outros. Assim, o comércio entre dois países pode beneficiar a ambos, se cada qual exportar
os bens em que possui uma vantagem comparativa.

Para apresentar o papel da vantagem comparativa na determinação do padrão do


comércio internacional, comecemos imaginando que estamos tratando de uma economia – a
qual chamaremos de Local – que possui um fator de produção. Imaginemos que apenas dois
bens, vinho e queijo, são produzidos. A tecnologia da economia Local pode ser resumida pela
produtividade do trabalho em cada setor, expressa como necessidade unitária de trabalho –
o número de horas de trabalho necessárias para produzir um quilo de queijo ou um litro de
vinho. Por exemplo, pode ser necessária uma hora de trabalho para produzir um quilo de
queijo, e duas horas para produzir um litro de vinho. Para referência futura, definiremos 𝑎𝐿𝑉 e
𝑎𝐿𝑄 como as necessidades unitárias de trabalho para a produção de vinho e queijo,
respectivamente. Os recursos totais da economia são definidos como 𝐿, a oferta de trabalho
da economia.

Como toda economia possui recursos limitados, há restrições quanto ao que cada uma
pode produzir, e há sempre dilemas; para produzir mais de determinado bem, a economia
deve sacrificar um pouco da produção de outro. Esses dilemas são ilustrados graficamente por
uma fronteira de possibilidades de produção, que mostra a quantidade máxima de vinho que
pode ser produzida uma vez que a decisão de produzir qualquer dada quantidade de queijo
tenha sido tomada, e vice-versa.

Quando há somente um fator de produção, a fronteira de possibilidades de produção


de uma economia é simplesmente uma linha reta. Podemos derivar essa linha como segue: se
𝑄𝑉 é a produção de vinho da economia, e 𝑄𝑄 sua produção de queijo, então o trabalho
utilizado na produção de vinho é 𝑎𝐿𝑉 𝑄𝑉 , e o trabalho utilizado na produção de queijo é 𝑎𝐿𝑄 𝑄𝑄 .
Determina-se a fronteira de possibilidades de produção pelos limites de recursos da economia
– nesse caso, o trabalho. Como a oferta de trabalho da economia é 𝐿, os limites da produção
são definidos pela desigualdade:

𝑎𝐿𝑄 𝑄𝑄 + 𝑎𝐿𝑉 𝑄𝑉 ≤ 𝐿

Quando a fronteira de possibilidades de produção é uma linha reta, o custo de


oportunidade de um quilo de queijo em termos de vinho é constante. Esse custo de
oportunidade é definido como o número de litros de vinho dos quais a economia teria de abrir
mão para produzir um quilo extra de queijo. Nesse caso, para produzir outro quilo seriam
necessárias 𝑎𝐿𝑄 homens-hora. Cada um desses homens-hora poderia, por sua vez, ter sido
utilizado para produzir 1/𝑎𝐿𝑉 litro de vinho. Portanto, o custo de oportunidade do queijo em
termos de vinho é 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 . Por exemplo, se é preciso um homem-hora para fazer um quilo de
queijo e dois homens-horas para produzir um litro de vinho, o custo de oportunidade do queijo
em termos de vinho é meio.

A fronteira de possibilidades de produção ilustra as diferentes combinações de bens


que a economia pode produzir. Para determinar o que a economia efetivamente produzirá,
contudo, precisamos examinar os preços. Em termos concretos, precisamos conhecer o preço
relativo dos dois bens da economia, isto é, o preço de um bem em relação ao outro.

Em uma economia competitiva, as decisões de oferta são determinadas pelas


tentativas dos indivíduos de maximizarem sua remuneração. Em nossa economia simplificada,
em que o trabalho é o único fator de produção, a oferta de queijo e vinho será determinada
pelo movimento do trabalho para qualquer setor que pague o maior salário.

Sejam 𝑃𝑄 e 𝑃𝑉 os preços do queijo e do vinho, respectivamente. Levam-se 𝑎𝐿𝑉


homens-hora para produzir um quilo de queijo. Visto que não há lucro em nosso modelo de
um só fator, o salário por hora no setor de queijo será igual ao valor daquilo que um
trabalhador pode produzir em uma hora, 𝑃𝑄 /𝑎𝐿𝑄 . Visto que se levam 𝑎𝐿𝑉 homens-hora para
produzir um litro de vinho, o salário por hora no setor de vinho será 𝑃𝑉 /𝑎𝐿𝑉 . Os salários no
setor de queijo serão maiores se 𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 > 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 ; contrapartida, os salários no setor de
vinho serão maiores se 𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 < 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 . Como todos desejarão trabalhar no setor que lhes
ofereça a maior remuneração, a economia vai se especializar na produção de queijo, caso
𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 > 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , ou na de vinho, caso 𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 < 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 . Somente quando 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 for igual a
𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 ambos os bens serão produzidos.

Logo, a economia vai especializar-se na produção de queijo se o preço relativo do


queijo exceder seu custo de oportunidade; ela vai especializar-se na produção de vinho se o
preço relativo do queijo for menor do que seu custo de oportunidade.

Fronteira de possibilidades de produção do Local:


A linha 𝑃𝐹 mostra o montante máximo de queijo que o LOCAL pode produzir, dada
uma determinada produção de vinho, e vice-versa, sendo o custo oportunidade.

Na ausência do comércio internacional, a economia Local teria de produzir ambos os


bens por si, mas os produziria somente se o preço relativo do queijo fosse exatamente igual a
seu custo oportunidade. Visto que o custo de oportunidade é igual à razão entre as
necessidades unitárias de trabalho para o queijo e o vinho, podemos resumir a determinação
dos preços na ausência do comércio internacional com uma simples teoria do valor trabalho:
na ausência do comércio internacional, os preços relativos dos bens são iguais às suas
necessidades unitárias de trabalho relativas.

Descrever o padrão e os efeitos do comércio entre dois países quando cada um possui
somente um fator de produção é simples. Mas as implicações dessa análise podem ser
surpreendentes. Na verdade, para quem nunca pensou em comércio internacional, muitas
delas parecem divergir do senso comum. Até esse modelo mais simples do comércio pode
oferecer alguma orientação importante sobre questões do mundo real, como qual seria a base
justa da concorrência e da troca internacionais.

Suponha que haja dois países. Chamaremos um deles novamente de Local e o outro de
Estrangeiro. Cada qual possui um fator de produção (trabalho) e pode produzir dois bens,
vinho e queijo. Como antes, representaremos a força de trabalho do Local por 𝐿 e as
necessidades unitárias de trabalho do Local para produção de vinho e queijo por 𝑎𝐿𝑉 e 𝑎𝐿𝑄 ,
respectivamente. Para o Estrangeiro, adotaremos uma notação conveniente: quando nos
referirmos a algum aspecto do Estrangeiro, utilizaremos o mesmo símbolo usado para o Local,
mas com um asterisco. Portanto, a força de trabalho do Estrangeiro será representada por 𝐿∗;

suas necessidades unitárias de trabalho para o vinho e o queijo serão representadas por 𝑎𝐿𝑉 e

𝑎𝐿𝑄 , respectivamente, e assim por diante.

Em geral, as necessidades unitárias de trabalho podem seguir qualquer padrão. Por


exemplo, o Local poderia ser menos produtivo do que o Estrangeiro em vinho e mais produtivo
em queijo, ou vice-versa. No momento, faremos somente uma suposição arbitrária:
∗ ∗
𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 < 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉

Ou, de modo equivalente, podemos denotar que:


∗ ∗
𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑄 < 𝑎𝐿𝑉 /𝑎𝐿𝑉

Expressando em palavras, estamos supondo que a razão entre o trabalho necessário


para produzir um quilo de queijo e aquele necessário para produzir um litro de vinho é menor
no Local do que no Estrangeiro. De modo ainda mais conciso, estamos dizendo que a
produtividade relativa do queijo do Local é maior que a do vinho.

Mas devemos nos lembrar de que a razão entre as necessidades unitárias de trabalho
é igual ao custo de oportunidade do queijo em termos de vinho. Também devemos lembrar
que definimos vantagem comparativa precisamente em relação a tais custos de oportunidade.
Portanto, equivale dizer que o Local tem uma vantagem comparativa em queijo.

Um ponto deve ser notado imediatamente: a condição sob a qual o Local possui essa
vantagem comparativa envolve todas as quatro necessidades unitárias de trabalho, e não
somente duas. Você pode pensar que, para determinar quem produzirá queijo, tudo o que
precisa fazer é comparar as necessidades unitárias de trabalho dos dois países para a produção

de queijo, 𝑎𝐿𝑄 e 𝑎𝐿𝑄 . Se 𝒂𝑳𝑸 < 𝒂∗𝑳𝑸 , o trabalho do Local é mais eficiente que o do Estrangeiro
na produção de queijo. Quando um país pode produzir uma unidade de um bem com menos
trabalho que outro, podemos dizer que o primeiro possui uma vantagem absoluta na
produção desse bem. Em nosso exemplo, o Local possui uma vantagem absoluta na produção
de queijo.

O que veremos a seguir, porém, é que não podemos determinar o padrão do


comércio apenas pela vantagem absoluta. Aliás, uma das fontes mais comuns de erro na
discussão do comércio internacional é confundir vantagem comparativa com vantagem
absoluta.

Dadas às forças de trabalho e as necessidades unitárias de trabalho nos dois países,


podemos desenhar a fronteira de possibilidades de produção para cada um deles. Não
havendo comércio, os preços relativos de queijo e vinho em cada país seriam determinados
pelas necessidades unitárias de trabalho relativas. Portanto, no Local o preço relativo do
∗ ∗
queijo seria 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 ; no Estrangeiro, seria 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 .

No entanto, uma vez permitido o comércio internacional, os preços não serão mais
determinados puramente por considerações domésticas. Se o preço relativo do queijo for
maior no Estrangeiro que no Local, será lucrativo levar queijo do Local para o Estrangeiro e
vinho do Estrangeiro para o Local. Entretanto, isso não pode continuar indefinidamente. Vai
chegar um momento em que o Local exportará queijo o suficiente e o Estrangeiro exportará
vinho o suficiente para igualar os preços relativos.

Determinando o preço relativo após o comércio...

Os preços dos bens comercializados internacionalmente, assim como os outros, são


determinados pela oferta e pela demanda. Porém, quando discutimos vantagem comparativa
devemos aplicar a análise de oferta e demanda com cuidado. Em determinados contextos é
aceitável que se enfoquem apenas a oferta e a demanda em um único mercado. Ao avaliar os
efeitos das cotas de importação de açúcar dos Estados Unidos, por exemplo, é razoável utilizar
a análise de equilíbrio parcial, ou seja, estudar um único mercado, o mercado do açúcar.
Contudo, quando estudamos a vantagem comparativa, é crucial ter em mente as relações
entre os mercados (em nosso exemplo, os de vinho e queijo). Visto que o Local exporta queijo
somente em troca das importações de vinho e o Estrangeiro exporta vinho em troca de queijo,
pode ser enganoso examinar esses mercados isoladamente. Nesse caso, é necessária uma
análise de equilíbrio geral que leve em conta as ligações entre os dois mercados.

Uma forma útil de acompanhar dois mercados de uma só vez é enfocar não apenas as
quantidades de queijo e vinho ofertadas e demandadas, mas também a oferta e a demanda
relativas, isto é, o número de quilos de queijo ofertados ou demandados dividido pelo número
de litros de vinho ofertados ou demandados.

A figura abaixo mostra a oferta e a demanda mundiais de queijo em relação ao vinho


como funções do preço do queijo em relação ao do vinho. A curva de demanda relativa é
indicada por 𝐷𝑅, e a curva de oferta relativa, por 𝑂𝑅. Para haver um equilíbrio mundial, é
preciso que a oferta relativa seja igual à demanda relativa – logo, o preço relativo mundial é
determinado pela interseção entre 𝐷𝑅 e 𝑂𝑅.

A característica mais evidente da figura é a estranha forma da curva de oferta relativa


𝑂𝑅: um ‘degrau’ com seções planas ligadas por uma seção vertical. Uma vez que
compreendamos a derivação da curva 𝑂𝑅, estaremos quase prontos para entender o modelo
completo.

Inicialmente, conforme desenhada, a curva 𝑂𝑅 mostra que não há oferta de queijo se


o preço mundial cai abaixo de 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 . Isto ocorre porque o Local vai se especializar na
produção de vinho quando 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 < 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 . De forma análoga, o Estrangeiro vai se
∗ ∗
especializar na produção de vinho quando 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 < 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 . No início de nossa discussão,
∗ ∗
partimos da hipótese de que 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 < 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , logo, a preços relativos do queijo abaixo de
𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , não haverá produção mundial de queijo.

Além disso, quando o preço relativo do queijo, 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 , é extremamente igual a


𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , sabemos que os trabalhadores no Local podem receber exatamente a mesma
quantia produzindo queijo ou vinho. Logo, o Local desejará ofertar qualquer quantidade
relativa dos dois bens, produzindo uma seção plana na curva de oferta.
Já vimos que, se 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 está acima de 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , o Local vai se especializar na produção
∗ ∗
de queijo e, enquanto 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 for menor que 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , o Estrangeiro continuará a se
especializar na produção de vinho. No primeiro caso, o Local produz 𝐿/𝑎𝐿𝑄 quilos de queijo.

De forma semelhante, no segundo caso, o Estrangeiro produz 𝐿∗ /𝑎𝐿𝑉 litros de vinho. Logo,
∗ ∗
para qualquer preço relativo do queijo entre 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 e 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , a oferta relativa de queijo é
∗ )
(𝐿⁄𝑎𝐿𝑄 )⁄(𝐿∗⁄𝑎𝐿𝑉 .
∗ ∗
Em 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 = 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , sabemos que para os trabalhadores do Estrangeiro é
indiferente produzir queijo ou vinho. Assim, temos aqui novamente uma seção plana da curva
de oferta.
∗ ∗
Finalmente, para 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 > 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 , o Local e o Estrangeiro vão especializar-se na
produção de queijo. Não haverá produção de vinho, de modo que a oferta relativa de queijo se
tornará infinita.

A curva de demanda relativa 𝐷𝑅 não necessita de uma análise tão exaustiva. Sua
declividade negativa reflete os efeitos da substituição. Conforme o preço relativo do queijo
aumenta, os consumidores tendem a comprar menos queijo e mais vinho, logo a demanda
relativa de queijo cai.

O preço relativo de equilíbrio do queijo é determinado pela intersecção entre as curvas


de oferta relativa e demanda relativa. Na figura acima, a curva de demanda relativa 𝐷𝑅 cruza a
curva 𝑂𝑅 no ponto 1, onde o preço relativo do queijo está a meio caminho entre os preços
praticados pelos dois países antes de comercializarem entre si. Nesse caso, cada qual se
especializa na produção do bem em que possui uma vantagem comparativa: o Local produz
apenas queijo, e o Estrangeiro, apenas vinho.

Mas esse não é o único resultado possível. Se a curva 𝐷𝑅 fosse relevante, por
exemplo, 𝐷𝑅′, a oferta relativa e a demanda relativa se cruzariam em uma das seções
horizontais de 𝑂𝑅. No ponto 2, o preço relativo mundial do queijo após o comércio é 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 ,
igual ao custo de oportunidade do queijo em termos de vinho no Local.

Qual é o significado desse resultado? Se o preço relativo do queijo é igual a seu custo
de oportunidade no Local, a economia Local não precisa especializar-se na produção de queijo
ou vinho. Na verdade, no ponto 2, o Local deve estar produzindo um pouco de vinho e um
pouco de queijo; podemos inferir isso do fato de que a oferta relativa de queijo (ponto 𝑄′ no
eixo horizontal) é menor do que seria se o Local fosse completamente especializado. Porém,
uma vez que 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 está abaixo do custo de oportunidade do queijo em termos de vinho do
Estrangeiro, este vai especializar-se completamente na produção de vinho. Permanece
verdadeiro, então, que se um país se especializar, ele o fará no bem em que possui uma
vantagem comparativa.

O efeito dessa convergência nos preços relativos é que cada país se especializa na
produção daquele bem em que possui a necessidade unitária de trabalho relativamente
menor.
Vimos que os países cujas indústrias possuem diferentes produtividades relativas do
trabalho vão especializar-se na produção de bens diferentes. Em seguida, mostramos que
ambos os países obtêm ganhos do comércio, graças a essa especialização. Esse ganho mútuo
pode ser demonstrado de dois modos.

O primeiro modo de mostrar que a especialização e o comércio são benéficos é


considerar o comércio como um método indireto de produção. O Local poderia produzir vinho
diretamente, mas o comércio com o Estrangeiro lhe permite ‘produzir’ vinho produzindo
queijo e, depois, trocar o queijo por vinho. Esse método indireto de ‘produzir’ um litro de
vinho revela-se mais eficiente do que a produção direta. Considere dois modos de utilizar uma
hora de trabalho: o Local poderia utilizar a hora diretamente para produzir 1/𝑎𝐿𝑉 litro de
vinho ou, alternativamente, poderia utilizar a hora para produzir 1/𝑎𝐿𝑄 quilo de queijo. Esse
queijo poderia então, se trocado por vinho, sendo cada quilo trocado por 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 litros, de
modo que nossa hora inicial de trabalho produzisse (1⁄𝑎𝐿𝑄 )⁄(𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 ) litros de vinho. Essa
quantidade representará mais vinho do que a hora poderia ter produzindo diretamente,
contanto que (1⁄𝑎𝐿𝑄 )⁄(𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 ) > 1/𝑎𝐿𝑉 ou (𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 ) > (𝑎𝐿𝑄 ⁄𝑎𝐿𝑉 ).

Mas acabamos de ver que, no equilíbrio internacional, se nenhum país produz ambos
os bens, devemos ter 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 > 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 . Isso mostra que o país Local pode ‘produzir’ vinho
de maneira mais eficiente fabricando queijo e comercializando-o do que produzindo vinho
diretamente. De modo semelhante, o Estrangeiro pode ‘produzir’ queijo de maneira mais
eficiente fabricando vinho e comercializando-o. Essa é a maneira de visualizar que ambos os
países ganham.

O segundo modo de visualizar os ganhos mútuos do comércio é examinando como ele


afeta as possibilidades de consumo de cada país. Na ausência de comércio, as possibilidades
de consumo são iguais às de produção (as retas vermelhas 𝑃𝐹 e 𝑃∗ 𝐹 ∗ na figura abaixo). Uma
vez que o comércio é permitido, contudo, cada economia pode consumir uma combinação de
queijo e vinho diferente da combinação que produz. As possibilidades de consumo do Local
são indicadas pela reta cinza 𝑇𝐹 também na figura abaixo, enquanto as do estrangeiro, por
𝑇 ∗ 𝐹 ∗. Nos dois casos, o comércio aumentou a gama de escolhas e, portanto, deve
proporcionar uma situação melhor aos residentes de cada país.
Devemos ter bem clara a compreensão de dois pontos cruciais:

o Quando dois países se especializam na produção de bens em que possuem uma


vantagem comparativa, ambos ganham com o comércio.
o Vantagem comparativa não deve ser confundida com vantagem absoluta; é a
vantagem comparativa, e não a absoluta, que determina quem vai e deve produzir um
bem.

Suponha, então, que o Local e o Estrangeiro possuam as necessidades unitárias de


trabalho mostradas na tabela seguir.

Queijo Vinho
Local 𝑎𝐿𝑄 = 1 ℎ𝑜𝑟𝑎 𝑝𝑜𝑟 𝑞𝑢𝑖𝑙𝑜 𝑎𝐿𝑉 = 2 ℎ𝑜𝑟𝑎𝑠 𝑝𝑜𝑟 𝑙𝑖𝑡𝑟𝑜
∗ ∗
Estrangeiro 𝑎𝐿𝑄 = 6 ℎ𝑜𝑟𝑎𝑠 𝑝𝑜𝑟 𝑞𝑢𝑖𝑙𝑜 𝑎𝐿𝑉 = 3 ℎ𝑜𝑟𝑎𝑠 𝑝𝑜𝑟 𝑙𝑖𝑡𝑟𝑜

Uma característica notável dessa tabela é que o Local possui necessidades unitárias de
trabalho menores, isto é, possui uma produtividade de trabalho mais elevada em ambos os
setores. Mas, vamos deixar essa observação por um instante e enfocar o padrão do comércio.

A primeira coisa que precisamos fazer é determinar o preço relativo do queijo 𝑃𝑄 /𝑃𝑉 .
Como o preço relativo efetivo depende da demanda, sabemos que ele deve estar entre o custo
de oportunidade do queijo nos dois países. No Local, temos 𝑎𝐿𝑄 = 1, 𝑎𝐿𝑉 = 2; logo, o custo de
oportunidade do queijo em termos de vinho nesse país é 𝑎𝐿𝑄 /𝑎𝐿𝑉 = 1⁄2. No Estrangeiro,
∗ ∗
𝑎𝐿𝑄 = 6, 𝑎𝐿𝑉 = 3; logo, o custo de oportunidade do queijo é igual a 2. No equilíbrio mundial, o
preço relativo do queijo deve estar entre esses valores. Em nosso exemplo, supomos que no
equilíbrio mundial um quilo de queijo é trocado por um litro de vinho nos mercados mundiais,
de modo que 𝑃𝑄 ⁄𝑃𝑉 = 1.

Se um quilo de queijo for vendido pelo mesmo preço de um litro de vinho, ambos os
países vão especializar-se. No Local, a produção de um quilo de queijo exige apenas metade
dos homens-horas de trabalho de um litro de vinho (1 versus 2); logo, nesse caso, os
trabalhadores do Local receberão maior remuneração ao produzir queijo e haverá a
especialização na produção desse produto. Inversamente, no Estrangeiro a produção de queijo
exige o dobro de homens-horas que as necessárias para a de um litro de vinho (6 versus 3);
portanto, nesse caso, os trabalhadores podem receber maior remuneração ao produzir vinho,
e haverá especialização na produção dessa bebida.

Vamos confirmar se esse padrão de especialização produz ganhos do comércio.


Primeiro, queremos mostrar que o Local pode ‘produzir’ vinho mais eficientemente ao fazer
queijo e trocá-lo por vinho do que pela produção direta. Na produção direta, uma hora de
trabalho produz apenas meio litro de vinho. A mesma hora poderia ser utilizada na produção
de um quilo de queijo, que pode ser trocado por um litro de vinho. Fica claro que nesse caso
há ganho do comércio. De forma análoga, o Estrangeiro poderia utilizar uma hora de trabalho
para produzir 1/6 de quilo de queijo; se, contudo, utiliza essa hora para produzir 1/3 de litro
de vinho, pode então trocar 1/3 de litro de vinho por 1/3 quilo de queijo. Isso representa duas
vezes mais do que o 1/6 de quilo de queijo que obteria utilizando a hora de trabalho para
produzir o queijo diretamente. Nesse exemplo, cada país pode utilizar o trabalho de modo
duas vezes mais eficiente para trocar pelo que necessita em vez de produzir ele mesmo os
bens que importa.

As discussões políticas sobre comércio internacional frequentemente enfocam


comparações entre os salários de diferentes países. Por exemplo, os opositores do comércio
entre Estados Unidos e México via regra enfatizam que trabalhadores no México recebem
somente cerca de $2 por hora, comparados aos mais de $15 do trabalhador padrão os Estados
Unidos. Nossa discussão do comércio internacional até este ponto não comparou
explicitamente os salários entre países, mas é possível fazê-lo no contexto desse exemplo
numérico.

Voltemos, então, a nosso caso hipotético: após a especialização dos países, todos os
trabalhadores do Local estarão empregados na produção de queijo. Visto que se leva uma hora
para produzir um quilo de queijo, os trabalhadores do Local poderão ser remunerados no valor
de um quilo de queijo por hora trabalhada. Do mesmo modo, os trabalhadores Estrangeiros
produzirão somente vinho; visto que levam três horas para produzir cada litro, receberão
como remuneração o valor de 1/3 de litro de vinho por hora.

Para converter esses números em dólares, precisamos saber os preços do queijo e do


vinho. Suponha que um quilo de queijo e um litro de vinho sejam ambos vendidos por $12;
então os trabalhadores do Local receberão como remuneração $12 por hora, enquanto os
trabalhadores do Estrangeiro receberão $4 por hora. O salário relativo dos trabalhadores de
um país é o montante que recebem por hora, comparado com o montante que o de outro país
recebem pelo mesmo período. O salário relativo dos trabalhadores do Local será, portanto,
igual a 3.

Fica claro que esse salário relativo não depende do preço de um quilo de queijo, seja
ele $12 ou $20, desde que um litro de vinho seja vendido pelo mesmo preço. Caso o preço
relativo do queijo – o preço de um quilo de queijo dividido pelo preço de um litro de vinho –
seja igual a um, o salário dos trabalhadores do Local será três vezes o daqueles do Estrangeiro.

Note que esse salário se situa entre as razões das produtividades dos dois países nos
dois setores. O Local é seis vezes mais produtivo que o Estrangeiro em queijo, mas apenas uma
vez e meia em vinho e, assim, acaba com um salário três vezes maior que o do Estrangeiro. É
precisamente porque o salário relativo está entre as produtividades relativas que cada país
termina com uma vantagem de custo em um bem. Por causa de seu salário mais baixo, o
Estrangeiro apresenta uma vantagem de custo no vinho, mesmo que tenha uma produtividade
menor. O Local possui uma vantagem de custo em queijo, apesar de seu salário maior, porque
este é mais que compensando pela maior produtividade.

Desenvolvemos até aqui o mais simples de todos os modelos do comércio


internacional. Mesmo que o modelo ricardiano de um só fator seja simples demais para uma
análise completa das causas ou dos efeitos do comércio internacional, o enfoque das
produtividades relativas do trabalho pode ser uma ferramenta muito útil para pensar sobre tal
comércio. Em particular, o modelo simples de um só fator é uma boa maneira de lidar com
diversas ideias equivocadas comuns sobre o significado da vantagem comparativa e a natureza
dos ganhos do livre comércio. Essas ideias equivocadas aparecem com tanta frequência no
debate público sobre a política econômica internacional, mesmo em afirmações daqueles que
se consideram especialistas.

Em economia há escassez de tudo, menos de ideias confusas. Políticos, líderes


empresariais e mesmo economistas frequentemente fazem afirmações que não resistem a
uma análise econômica cuidadosa. Por algum motivo, isso se aplica, sobretudo, à economia
internacional. Três ideias equivocadas, em particular, mostram-se muito persistentes, e o
nosso modelo simples de vantagem comparativa pode ser utilizado para entender por que elas
não são corretas.

Mito I: o livre comércio é benéfico somente se seu país é suficientemente forte para
resistir à concorrência estrangeira. Esse argumento parece extremamente plausível para
muitas pessoas. Por exemplo, há algum tempo um renomado historiador criticou o livre
comércio, afirmando que ele não se encaixa na realidade: “O que aconteceria se você não
conseguisse produzir nada mais barato ou de forma mais eficiente que em algum outro lugar,
exceto por meio do corte contínuo nos custos trabalhistas?”, disse ele, preocupado.

O problema da opinião desse articulista é que ele não conseguiu entender o ponto
essencial do modelo ricardiano: os ganhos do comércio dependem da vantagem comparativa,
e não da vantagem absoluta. Ele está preocupado com o fato de seu país não conseguir
produzir nada de maneira mais eficiente que algum outro – isto é, não ter uma vantagem
absoluta em nada. Mas por que isso seria tão terrível? Em nosso simples exemplo numérico de
comércio, o Local possui necessidades unitárias de trabalho menores e, portanto,
produtividade maior nos setores tanto de queijo como de vinho. Entretanto, como vimos,
ambos os países apresentam ganhos do comércio.

Mito 2: a concorrência estrangeira é injusta e prejudica outros países quando se baseia


em salários baixos. Esse argumento, algumas vezes chamado de argumento do trabalho
miserável, é o preferido dos sindicatos que buscam proteção contra a concorrência
estrangeira. Quem pensa assim argumenta que as indústrias não deveriam ter de enfrentar
indústrias estrangeiras que são menos eficientes e pagam salários mais baixos. Bastante
difundida, essa opinião adquiriu uma influência política considerável. Em 1993, Ross Perot, um
bilionário por esforço próprio e ex-candidato à presidência dos Estados Unidos, advertiu que o
livre comércio com o México, país com salários muito mais baixos, levaria a um ‘gigantesco
ruído de sucção’, na medida em que a indústria norte-americana se mudaria para o sul. No
mesmo, sir James Goldsmith, outro bilionário por esforço próprio, membro influente do
Parlamento Europeu, expressou opiniões semelhantes, porém menos pitorescas, em seu livro
The Trap, que se tornou um dos mais vendidos na França.

Novamente, nosso modelo simples revela a falácia desse argumento. No caso


hipotético, o país Local é mais produtivo que o Estrangeiro em ambos os setores, e o custo
menor da produção de vinho no Estrangeiro ocorre exclusivamente por causa do salário muito
mais baixo. O salário menor do Estrangeiro é, entretanto, irrelevante quanto à questão de
saber se o Local apresenta ganhos do comércio. Não importa se o custo mais baixo do vinho
produzido no Estrangeiro se deve à alta produtividade ou a salários baixos. O que importa ao
Local é que é mais barato em relação a seu próprio trabalho produzir queijo e comercializá-lo
por vinho, em vez de produzir vinho.

Mito 3: o comércio explora um país e o torna pior se seus trabalhadores recebem


salários muito mais baixos que os de outras nações. Esse argumento é frequentemente
expresso de forma emocional. Por exemplo, um jornalista comparou a renda de $2 milhões do
CEO da cadeia de vestuário The Gap com o $0,56 pago por hora aos operários da América
Central que produzem algumas das mercadorias vendidas em tais lojas. Pode parecer falta de
amor no coração tentar justificar os salários terrivelmente baixos pagos a muitos
trabalhadores.

Se indagarmos sobre o desejo de livre comércio, porém, o ponto central não é


perguntar se os trabalhadores de baixos salários merecem receber mais, mas sim se eles e seu
país estão piores exportando bens baseados em baixos salários do que estariam caso se
recusassem a entrar nesse comércio depreciativo. E, ao fazer essa pergunta, devemos também
interrogar: qual é a alternativa?

Embora seja abstrato, nosso exemplo numérico aponta que não podemos dizer que
um salário baixo representa exploração, a não ser que se saiba qual é a alternativa. Nesse
exemplo, os trabalhadores do Estrangeiro recebem menos que os do Local, e seria facilmente
possível imaginar um jornalista escrevendo furioso sobre a exploração deles. Entretanto, se o
Estrangeiro se negasse a ser ‘explorado’, recusando o comércio com o Local (ou insistindo em
salários muito mais altos no setor exportador, o que teria o mesmo efeito), os salários reais
seriam ainda mais baixos: o poder de compra do salário por hora de um trabalhador cairia de
1/3 para 1/6 do quilo de queijo.

O jornalista que apontou o contraste entre as rendas do executivo da The Gap e dos
operários que fazem suas roupas estava furioso com a pobreza dos trabalhadores da América
Central. Porém, negar a eles a oportunidade de exportar e comercializar pode significar
condená-los a uma pobreza ainda mais profunda.

Agora analisaremos os salários relativos e especialização em relação ao padrão do


comércio. Esse padrão depende somente de uma coisa: a razão entre os salários do Local e do
Estrangeiro. Uma vez conhecida essa razão, pode-se determinar quem produz o quê.

Seja 𝑤 o salário por hora no Local e 𝑤 ∗ o salário no Estrangeiro. A razão entre os


salários é, portanto, 𝑤/𝑤 ∗ . A regra para alocar a produção mundial é, então, simplesmente
esta: os bens serão sempre produzidos onde for mais barato produzi-los. O custo de fazer, por
exemplo, o bem 𝑖 é a necessidade unitária de trabalho vezes o salário. Produzir o bem 𝑖 no

Local custará 𝑤𝑎𝐿𝑖 . Produzi-lo no Estrangeiro custará 𝑤 ∗ 𝑎𝐿𝑖 . Será mais barato produzir o bem
∗ ∗ ∗
no Local se 𝑤𝑎𝐿𝑖 < 𝑤 𝑎𝐿𝑖 , que pode ser rearranjado obtendo-se 𝑎𝐿𝑖 /𝑎𝐿𝑖 > 𝑤/𝑤 ∗. Por outro

lado, será mais barato produzir o bem no Estrangeiro se 𝑤𝑎𝐿𝑖 > 𝑤 ∗ 𝑎𝐿𝑖 , que pode também ser
∗ ∗
reordenado obtendo-se 𝑎𝐿𝑖 /𝑎𝐿𝑖 < 𝑤/𝑤 .

Desse modo, podemos apresentar de outra maneira a regra de alocação: qualquer



bem para o qual 𝑎𝐿𝑖 /𝑎𝐿𝑖 > 𝑤/𝑤 ∗ será produzido no Local, enquanto qualquer bem para o

qual 𝑎𝐿𝑖 /𝑎𝐿𝑖 < 𝑤/𝑤 ∗ será produzido no Estrangeiro.
A tabela abaixo oferece um exemplo numérico em que Local e Estrangeiro consomem
e são capazes de produzir cinco bens: maçãs, bananas, caviar, tâmaras e enchiladas (tortilhas
mexicanas).

Necessidades unitárias Necessidades unitárias Vantagem em


Bens de trabalho do Local de trabalho do produtividade relativa do
(𝒂𝑳𝒊 ) Estrangeiro (𝒂∗𝑳𝒊 ) Local (𝒂∗𝑳𝒊 ⁄𝒂𝑳𝒊 )
Maçãs 1 10 10
Bananas 5 40 8
Caviar 3 12 4
Tâmaras 6 12 2
Enchiladas 12 6 0,75

As duas primeiras colunas da tabela são autoexplicativas. A terceira coluna traz a razão
entre as necessidades unitárias de trabalho do Estrangeiro e as do Local para cada bem – ou,
em outras palavras, a vantagem em produtividade relativa do Local para cada bem. Os bens
foram listados de acordo com a ordem de vantagem em produtividade do Local, que é maior
para maçãs, e menor para enchiladas.

A questão de qual país vai produzir para quais bens depende da razão entre os salários
do Local e do Estrangeiro. O Local terá uma vantagem de custo em qualquer bem para o qual
sua produtividade relativa seja maior que seu salário relativo, e o Estrangeiro terá vantagem
nos outros. Se, por exemplo, o salário do Local for cinco vezes o do Estrangeiro (uma razão
entre salário do Local e salário do Estrangeiro de cinco para um), maçãs e bananas serão
produzidas no primeiro, e caviar, tâmaras e enchiladas, no segundo. Se o salário do Local for
somente três vezes o do Estrangeiro, o primeiro produzirá maçãs, bananas e caviar, enquanto
o segundo, somente tâmaras e enchiladas.

Tal padrão de especialização beneficia ambos os países? Podemos ver que sim, ao
utilizar o mesmo método de antes: comparando o custo do trabalho para produzir um bem
diretamente em um país com o custo do trabalho para ‘produzi-lo’ indiretamente, por meio da
produção de outro bem e comercialização deste pelo bem desejado. Se o salário do Local é
três vezes o salário do Estrangeiro (colocado de outra forma, o salário deste é um terço do
salário daquele), o Local importará tâmaras e enchiladas. Uma unidade de tâmaras requer 12
unidades de trabalho do Estrangeiro para ser produzida, mas seu custo em relação ao trabalho
do Local, dada a razão de salários de três para um, restringe-se a quatro homens-hora (12
dividido por 3). Esse custo de quatro homens-hora é menor do que os seis homens-horas que o
país Local consumiria para produzir uma unidade de tâmaras. Quanto às enchiladas, o
Estrangeiro possui realmente maior produtividade com menores salários; custará ao Local
apenas três homens-hora para adquirir uma unidade de enchiladas por meio do comércio,
comparados aos 12 homens-hora que consumiria para produzi-la domesticamente. Um cálculo
semelhante mostrará que o Estrangeiro também ganha; a cada bem que o Estrangeiro
importa, torna-se mais barato em termos do trabalho doméstico comercializar o bem, em vez
de produzi-o. Por exemplo, a produção de uma unidade de maçãs consumiria 10 horas de
trabalho no Estrangeiro; mesmo com um salário equivalente a um terço daquele dos
trabalhadores do Local, em apenas três horas os trabalhadores do Estrangeiro ganharão o
suficiente para comprar aquela unidade de maçãs do Local.

Ao fazer esses cálculos, entretanto, simplesmente supusemos que o salário relativo é 3.


Mas pergunta-se: como se determina realmente esse salário relativo?

Para determinar os salários relativos no modelo com dois bens, calculamos


inicialmente os salários do Local em termos de queijo e os salários do Estrangeiro em termos
de vinho e, em seguida, utilizamos o preço do queijo relativo ao do vinho para deduzir a razão
entre os salários dos dois países. Pudemos agir assim porque sabíamos que o Local produziria
queijo, e o Estrangeiro, vinho. No caso de diversos bens, quem produz o quê pode ser
determinado após se conhecer o salário relativo; logo, esse procedimento é inviável. Para
determinar os salários relativos em uma economia multibens, faz-se necessário examinar por
trás da demanda relativa por bens a demanda relativa por trabalho resultante. Não se trata de
uma demanda direta da parte dos consumidores, mas sim uma demanda derivada, que resulta
daquela por bens produzidos com o trabalho de cada país.

A demanda derivada relativa pelo trabalho do Local diminuirá quando a razão entre os
salários do local e do Estrangeiro aumentar, e isso ocorre por dois motivos. Primeiro, conforme
o trabalho do Local se torna mais caro em relação ao trabalho do Estrangeiro, os bens
produzidos no primeiro também se tornam relativamente mais caros, e a demanda mundial
por eles cai. Segundo, à medida que os salários do Local aumentam, menos bens são
produzidos nesse país e mais no Estrangeiro, reduzindo ainda mais a demanda pelo trabalho
do Local.

Podemos ilustrar esses dois efeitos utilizando nosso exemplo número, assim ilustrando
a determinação dos salários relativos na figura abaixo. Diferentemente do mostrado na figura
anterior, esse diagrama não possui quantidades relativas de bens ou preços relativos de bens
em seus eixos. Em vez disso, mostra a quantidade relativa de trabalho e o salário relativo. A
demanda mundial pelo trabalho do Local em relação à do Estrangeiro é representada pela
curva 𝐷𝑅. A linha 𝑂𝑅, por sua vez, mostra a oferta mundial de trabalho do Local em relação à
do Estrangeiro.
A oferta relativa de trabalho é determinada pelo tamanho relativo das forças de
trabalho do Local e do Estrangeiro. Supondo que o número de homens-horas disponíveis não
varia com o salário, o salário relativo não tem efeito sobre a oferta relativa de trabalho, e 𝑂𝑅 é
simplesmente uma reta vertical.

Inclusão de custos de transporte e bens não comercializáveis:

Agora, vamos deixar nosso modelo ainda mais próximo da realidade: consideraremos
os custos de transporte. Estes não mudam os princípios fundamentais da vantagem
comparativa ou dos ganhos do comércio. Todavia, como eles impõem obstáculos ao
movimento dos bens e serviços, têm implicações importantes na forma pela qual o comércio
globalizado é afetado por uma variedade de fatores, como a ajuda estrangeira, o investimento
internacional e os problemas no balanço de pagamentos. Como não trataremos ainda dos
efeitos desses fatores, e o modelo multibens de um só fator servirá para introduzir os efeitos
dos custos de transporte.

Primeiro, note que a economia mundial descrita pelo modelo da última seção é
marcada por uma especialização internacional extrema. Há, no máximo, um bem que os dois
países produzem; todos os outros são produzidos ou no Local ou no Estrangeiro, mas não em
ambos.

Há três motivos pelos quais a especialização na economia internacional no mundo real


não chega a esse extremo:

1. A existência de mais de um fator de produção reduz a tendência à especialização.


2. Os países às vezes protegem suas indústrias da concorrência estrangeira.
3. É caro transportar bens e serviços, por isso, em alguns casos, o custo do transporte
é suficiente para levar os países à autossuficiência em alguns setores.

No exemplo multibens anteriormente apresentado, concluímos que, ao salário relativo


de 3, o Local poderia produzir maçãs, bananas e caviar mais baratos que o Estrangeiro,
enquanto este produziria tâmaras e enchiladas mais baratas que aquele. Na ausência de custos
de transporte, então, o Local exportará os três primeiros bens e importará os dois últimos.

Suponha agora que haja um custo para transportar bens e que esse custo seja uma
fração uniforme do de produção, digamos 100 por cento. O custo de transporte desencorajará
o comércio. Considere, por exemplo, tâmaras. Uma unidade desse bem requer seis horas de
trabalho do Local ou 12 horas de trabalho do Estrangeiro para ser produzida. Ao salário
relativo de 3, 12 horas de trabalho do Estrangeiro custam o equivalente a apenas 4 horas de
trabalho do Local; portanto, na ausência dos custos de transporte, o Local importa tâmaras.
Com um custo de transporte de 100 por cento, porém, importar tâmaras custaria o
equivalente a oito horas de trabalho do Local; logo, em vez de importar, esse país produzirá o
bem para si mesmo.

Uma comparação de custos semelhante mostra que o Estrangeiro achará mais barato
produzir seu próprio caviar do que importar. Uma unidade de caviar necessita de três horas de
trabalho do Local para ser produzida. Mesmo a um salário relativo de 3 do Local, que torna
esse montante de trabalho equivalente a nove horas de trabalho do Estrangeiro, que
necessitaria de 12 horas para produzir o produto para si mesmo. Na ausência dos custos de
transporte, portanto, o Estrangeiro descobriria que é mais barato importar caviar do que
produzi-lo domesticamente. Com um custo de transporte de 100 por cento, contudo, o caviar
importado custaria o equivalente a 18 horas de trabalho do Estrangeiro e, portanto, passaria a
ser produzido internamente.

Resumindo: se introduzirmos os custos de transporte em nosso exemplo, o Local ainda


exporta maçãs e bananas e importa enchiladas, mas o caviar e as tâmaras se tornam bens não
comercializáveis, que cada país produz para seu próprio consumo.

Nesse exemplo, supusemos que os custos de transporte são a mesma fração do custo
de produção em todos os setores. Na prática, há uma ampla gama de custos de transporte. Em
alguns casos, o transporte é praticamente impossível: serviços como cortes de cabelo e
consertos de automóveis não podem ser comercializados internacionalmente (exceto se
houver uma área metropolitana nos dois lados de uma fronteira, tal como acontece em
Detroit, Michigan-Windsor e Ontário). Bens com razões peso-valor elevadas, como o cimento,
também são pouco frequentes no comércio internacional. (O cimento simplesmente não vale
o custo do transporte de sua importação, mesmo se for muito mais barato produzir no
exterior.) Muitos bens acabam não sendo comercializados por causa da ausência de grandes
vantagens no custo nacional ou devido a custos elevados de transporte.

Recursos, vantagem comparativa e distribuição de renda.

Se o trabalho fosse o único fator de produção, como o modelo ricardiano supõe, a


vantagem comparativa só surgiria em decorrência de diferenças internacionais na
produtividade do trabalho. No mundo real, entretanto, embora o comércio seja em parte
explicado por diferenças na produtividade do trabalho, ele também reflete diferenças nos
recursos dos países. O Canadá exporta produtos florestais para os Estados Unidos não porque
seus madeireiros são mais produtivos do que os colegas norte-americanos, mas porque,
povoado mais esparsamente, possui mais terras florestais per capita do que o outro país. Uma
visão realista do comércio deve levar em conta não apenas a importância do trabalho, mas
também de outros fatores de produção, como terra, capital e recursos minerais.

O modelo de uma economia com dois fatores:

Enfocaremos a versão mais simples do modelo das proporções de fatores, também


conhecida como ‘dois por dois por dois’: dois países, dois bens, dois fatores de produção. Em
nosso exemplo, chamaremos os países de Local e Estrangeiro novamente. Os produtos serão
tecido (medido em metros) e alimento (medido em calorias). Como fatores de produção,
consideraremos terras (medidas em alqueires) e trabalho (medido em horas).

Quando há mais de um fator de produção, a fronteira de possibilidades de produção


não é mais uma linha reta. Para compreender por quê, vamos definir as seguintes expressões:

𝑎𝑆𝑇 = 𝑎𝑙𝑞𝑢𝑒𝑖𝑟𝑒𝑠 𝑑𝑒 𝑡𝑒𝑟𝑟𝑎 𝑢𝑡𝑖𝑙𝑖𝑧𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑛𝑎 𝑓𝑎𝑏𝑟𝑖𝑐𝑎çã𝑜 𝑑𝑒 𝑢𝑚 𝑚𝑒𝑡𝑟𝑜 𝑑𝑒 𝑡𝑒𝑐𝑖𝑑𝑜


𝑎𝐿𝑇 = ℎ𝑜𝑟𝑎𝑠 𝑑𝑒 𝑡𝑟𝑎𝑏𝑎𝑙ℎ𝑜 𝑢𝑡𝑖𝑙𝑖𝑧𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑛𝑎 𝑓𝑎𝑏𝑟𝑖𝑐𝑎çã𝑜 𝑑𝑒 𝑢𝑚 𝑚𝑒𝑡𝑟𝑜 𝑑𝑒 𝑡𝑒𝑐𝑖𝑑𝑜
𝑎𝑆𝐴 = 𝑎𝑙𝑞𝑢𝑒𝑖𝑟𝑒𝑠 𝑑𝑒 𝑡𝑒𝑟𝑟𝑎 𝑢𝑡𝑖𝑙𝑖𝑧𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑛𝑎 𝑝𝑟𝑜𝑑𝑢çã𝑜 𝑑𝑒 𝑢𝑚𝑎 𝑐𝑎𝑙𝑜𝑟𝑖𝑎 𝑑𝑒 𝑎𝑙𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜
𝑎𝐿𝐴 = ℎ𝑜𝑟𝑎𝑠 𝑑𝑒 𝑡𝑟𝑎𝑏𝑎𝑙ℎ𝑜 𝑢𝑡𝑖𝑙𝑖𝑧𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑛𝑎 𝑝𝑟𝑜𝑑𝑢çã𝑜 𝑑𝑒 𝑢𝑚𝑎 𝑐𝑎𝑙𝑜𝑟𝑖𝑎 𝑑𝑒 𝑎𝑙𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜
𝐿 = 𝑜𝑓𝑒𝑟𝑡𝑎 𝑑𝑒 𝑡𝑟𝑎𝑏𝑎𝑙ℎ𝑜 𝑑𝑎 𝑒𝑐𝑜𝑛𝑜𝑚𝑖𝑎
𝑆 = 𝑜𝑓𝑒𝑟𝑡𝑎 𝑑𝑒 𝑡𝑒𝑟𝑟𝑎 𝑑𝑎 𝑒𝑐𝑜𝑛𝑜𝑚𝑖𝑎

Vale notar que falamos na quantidade de terra ou trabalho utilizada na produção de


dada quantidade de alimentos ou tecidos, em vez da quantidade necessária para produzir tais
bens. O motivo para essa mudança em relação ao modelo ricardiano é que, em uma economia
com dois fatores, certamente haverá algum espaço para a escolha de insumos.

Antes de passarmos às implicações dessas escolhas, porém, vamos analisar o caso


especial em que há somente um meio de produzir cada bem, ou seja, fabricar um metro de
tecido requer uma quantidade fixa de terras e trabalho, assim como a produção de uma
caloria de alimento, e não há possibilidade de substituir as terras por trabalho ou vice-versa.

Consideramos que a razão entre terras e trabalho usados na fabricação de tecido é


mais alta do que a razão entre trabalho e terras usados na produção de alimento. Ou seja,
𝑎𝐿𝑇 /𝑎𝑆𝑇 > 𝑎𝐿𝐴 /𝑎𝑆𝐴 , que pode ser reordenado como 𝑎𝐿𝑇 /𝑎𝐿𝐴 > 𝑎𝑆𝑇 /𝑎𝑆𝐴 .

No modelo ricardiano, havia somente uma restrição de recurso sobre a produção.


Neste caso, são duas. A primeira é o total de terras utilizadas na produção que não pode
exceder o total de ofertas de terras 𝑄𝐴 . 𝑎𝑆𝐴 + 𝑄𝑇 . 𝑎𝑆𝑇 ≤ 𝑇, onde 𝑄𝐴 é a produção de alimento
e 𝑄𝑇 a fabricação de tecido. A segunda é que o total de trabalho empregado na produção não
pode exceder o total de oferta de trabalho: 𝑄𝐴 . 𝑎𝐿𝐴 + 𝑄𝑇 . 𝑎𝐿𝑇 ≤ 𝐿.

Assim, se as terras não pudessem ser substituídas por trabalho ou vice-versa, a


fronteira de possibilidades de produção no modelo das proporções de fatores seria definida
por duas restrições de recursos: a economia não pode utilizar mais do que a oferta disponível
de trabalho ou terras. Portanto, a fronteira de possibilidades de produção é definida pela linha
amarela na figura. O aspecto importante nessa fronteira é que o custo de oportunidade do
tecido em termos do alimento não representa uma restrição: ele aumenta à medida que a
composição de produção da economia muda para o tecido.

Agora vamos tornar o modelo mais realista e permitir a possibilidade de substituir


terra e trabalho, ou vice-versa, na produção. Isso remove o deslocamento angular na fronteira
de possibilidades de produção; em vez disso, a fronteira PP adquire o formato encurvado. Essa
forma indica que o custo de oportunidade em termos de alimento na produção de uma ou
mais unidades de tecido aumenta à medida que a economia fabrica mais tecido e produz
menos alimento. Ou seja, permanece válida a noção básica de que os custos de oportunidade
se modificam em função da composição da produção.

Onde na fronteira de possibilidades de produção a economia produz? Depende dos


preços. Em termos específicos, a economia produz no ponto que maximiza o valor da
produção. O valor da produção econômica é 𝑉 = 𝑃𝑇 . 𝑄𝑇 + 𝑃𝐴 . 𝑄𝐴 , onde 𝑃𝑇 e 𝑃𝐴 constituem os
preços do tecido e do alimento, respectivamente. Uma linha de isovalor – apresenta uma
inclinação de −𝑃𝑇 /𝑃𝐴 . A economia produz no ponto 𝑄, aquele na fronteira de possibilidades
de produção que toca a linha de isovalor mais alta possível. Nesse ponto, a inclinação dessa
fronteira é igual a −𝑃𝑇 /𝑃𝐴 . Logo, o custo de oportunidade em termos de alimento para a
produção de outra unidade te tecido equivale ao preço deste.

Como observamos, no modelo de dois fatores, os produtores podem ter opção de


escolha no uso de insumos. Um agricultor, por exemplo, poderá produzir mais alimentos por
alqueire se estiver disposto a utilizar mais do insumo trabalho para preparar o solo, capinar e
assim por diante. Desse modo, ele terá a opção de utilizar menos terra e mais trabalho por
unidade do produto. Por conseguinte, em cada setor, os produtores contemplarão não as
necessidades de insumos fixas (como no modelo ricardiano), mas dilemas como o ilustrado
pela curva 𝐼𝐼 na figura a seguir, que mostra combinações de insumos alternativas a serem
utilizadas para produzir uma caloria de alimento.
Qual escolha de insumos os produtores efetivamente farão? Isso depende do custo
relativo de terra e trabalho. Se as rendas produzidas pela terra forem altas e os salários baixos,
os agricultores escolherão produzir utilizando relativamente pouca terra e muito trabalho; se
as rendas forem baixas e os salários altos, eles pouparão trabalho e utilizarão muita terra. Se 𝑤
é o salário por hora de trabalho e 𝑟, o custo de um alqueire de terra, a escolha de insumos vai
depender da razão entre os dois preços de fatores, 𝑤/𝑟.

Para quaisquer preços de fatores, a produção de alimentos sempre utilizará uma razão
entre terra e trabalho mais alta que a verificada na fabricação de tecidos. Por conta disso,
dizemos que a produção de alimentos é terra-intensiva, enquanto a fabricação de tecidos,
trabalho-intensiva. Note que a definição de intensividade depende da razão entre terra e
trabalho usada na produção, e não da razão entre terra (ou trabalho) e produto. Dessa forma,
um bem não pode ser ao mesmo tempo terra-intensivo e trabalho-intensivo.

Suponha por enquanto que nossa economia produza tecidos e alimentos. Logo, a
concorrência entre os produtores em cada setor assegurará que o preço de cada bem seja
igual a seu custo de produção. O custo de produção de um bem depende dos preços de
fatores: se a renda da terra for mais alta, permanecendo tudo o mais constante, o preço de
qualquer bem cuja produção envolva o insumo terra também será mais alto.

A importância do preço de um determinado fator para o custo de produzir um bem


depende, todavia, da quantidade desse fator envolvida em sua produção. Se a fabricação de
tecidos utilizar pouca terra, um aumento no preço da terra não terá muito impacto sobre o
preço dos tecidos; de maneira análoga, se a produção de alimentos for terra-intensiva, um
aumento nos preços da terra exercerá grande impacto sobre o preço dos alimentos. Podemos,
portanto, concluir que há uma relação unívoca entre a razão salário-renda da terra, 𝑤/𝑟, e a
razão entre os preços de tecido e de alimento, 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 .

É possível unir estas ideias na figura abaixo:


Suponhamos que o preço relativo de tecido seja (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )1 ; se a economia produz
ambos os bens, a razão entre salário e renda da terra deve ser igual a (𝑤⁄𝑟)1 . Essa razão
implica, então, que as razões entre terra e trabalho empregados na produção de tecidos e
alimentos devem ser (𝑆𝑇 ⁄𝐿 𝑇 )1 e (𝑆𝐴 ⁄𝐿𝐴 )1, respectivamente. Se o preço relativo de tecidos
aumentasse até o nível indicado por (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )2 , a razão entre salário e renda da terra cresceria
para (𝑤⁄𝑟)2 . Da mesma forma, poderíamos pensar analogamente, caso o nível salarial do
trabalho se valorizasse em relação à renda da terra, os preços (iguais de custos, pois não há
lucro) dos tecidos também aumentariam. Como a terra é agora relativamente mais barata, as
razões entre terra e trabalho empregados na produção de tecidos e alimentos aumentariam
para (𝑆𝑇 ⁄𝐿 𝑇 )2 e (𝑆𝐴 ⁄𝐿𝐴 )2 .

Fica evidente que, nesse modelo, como no de fatores específicos, mudanças nos
preços relativos têm forte impacto sobre a distribuição de renda. Uma mudança no preço dos
bens não altera somente a distribuição de renda; na verdade, a mudança sempre altera a
distribuição a tal ponto que os proprietários de um fator de produção apresentem ganhos,
enquanto os do outro saem perdendo.

Podemos agora completar a descrição da economia de dois fatores ao estabelecer a


relação entre preços de bens, ofertas de fatores e produção.

Suponha que o preço relativo dos tecidos seja conhecido. Sabemos que esse preço
determina a razão salário-renda da terra 𝑤/𝑟 e, dessa forma, a razão entre terra e trabalho
utilizados tanto na fabricação de tecidos como na produção de alimentos. No entanto, a
economia deve ter pleno emprego de suas ofertas de terra e trabalho. É esta última condição
que determina a alocação de recursos entre os dois setores e, portanto, a produção da
economia.

Para analisar a alocação de recursos em uma economia com dois fatores, é


conveniente usar um ‘diagrama de caixa’. A largura da caixa representa a oferta total de
trabalho da economia, enquanto sua altura representa a oferta total de terra. A alocação de
recursos entre dois setores pode ser representada por um único ponto dentro da caixa, como
o ponto 1. Medimos o uso de trabalho e terra no setor têxtil pelas distâncias horizontal e
vertical de 𝑂𝑇 até aquele ponto; desse modo, no ponto 1, 𝑂𝑇 𝐿 𝑇 é o trabalho utilizado, e 𝑂𝑇 𝑆𝑇 ,
a terra utilizada na fabricação de tecidos. Medimos os insumos no setor alimentício a partir do
canto oposto: 𝑂𝐴 𝐿𝐴 é o trabalho e 𝑂𝐴 𝑆𝐴 , a terra utilizada na produção de alimentos.

Como podemos determinar a localização desse ponto de alocação de recursos? Pela


figura, sabemos que, dados os preços dos bens, podemos determinar a razão entre terra e
trabalho na fabricação de tecidos, 𝑆𝑇 /𝐿 𝑇 . Desenhamos então uma linha reta a partir de 𝑂𝑇
cuja declividade seja igual à razão terra-trabalho, tal como a linha 𝑂𝑇 𝑇; o ponto 1 deve estar
sobre essa linha. De forma semelhante, a conhecida razão terra-trabalho na produção de
alimentos determina a declividade da outra linha, 𝑂𝐴 𝐴; o ponto 1 também deve estar sobre
essa linha (𝑂𝐴 𝐴 possui uma maior declividade do que 𝑂𝑇 𝑇 porque, como vimos antes, a razão
entre terra e trabalho é mais alta na produção de alimentos que na fabricação de tecidos.)
Desse modo, a alocação de recursos da economia é identificada pelo ponto no qual as duas
linhas que representam as razões terra-trabalho se cruzam – aqui, no ponto 1.

Dados os preços de tecidos e alimentos e as ofertas de terra e trabalho, é possível,


então, determinar quanto de cada recurso à economia destina à produção de cada bem, desse
modo, pode-se estabelecer também a produção de cada bem na economia. A próxima questão
é descobrir de que forma essa produção se altera quando os recursos da economia mudam.

A resposta – a princípio surpreendente – é apresentada na figura a seguir, que mostra


o que acontece quando a oferta de terra da economia aumenta, mantendo fixos tanto os
preços dos bens quanto a oferta de trabalho. Com maior oferta de terra, a caixa torna-se mais
alta. Isso significa que os insumos na produção de alimentos não podem mais ser medidos a
partir de 𝑂𝐴 (agora chamado de 𝑂𝐴1 ), mas sim a partir do canto da nova caixa aumentada, 𝑂𝐴2 , e
a linha original 𝑂𝐴1 𝐴1 deve ser substituída por 𝑂𝐴2 𝐴2 . O ponto de alocação de recursos deve,
portanto, mudar de 1 para 2.
O que é esse resultado tem de surpreendente? Note que as quantidades de trabalho e
terra utilizadas na fabricação de tecidos realmente caem, de 𝐿1𝑇 e 𝑆𝑇1 para 𝐿2𝑇 e 𝑆𝑇2 . Portanto,
um aumento na oferta de terra da economia levará, mantidos os preços constantes, a uma
queda na produção do bem trabalho-intensivo. O que acontece com a terra e o trabalho não
mais utilizados na fabricação de tecidos? São agora utilizados no setor alimentício, cuja
produção deve ter crescido mais que proporcionalmente ao aumento da oferta de terra; por
exemplo, se a oferta de terra cresce 10 por cento, a produção de alimentos deve aumentar 15
ou 20 por cento.

A melhor forma de refletir sobre esse resultado consiste em analisar como os recursos
afetam as possibilidades de produção da economia. Na figura abaixo, a curva 𝑃𝑃1 representa
as possibilidades de produção da economia antes do crescimento na oferta de terra. A
produção no ponto 1, onde a declividade da fronteira de possibilidades de produção é igual ao
negativo do preço relativo de tecidos, −𝑃𝑇 /𝑃𝐴 , e a economia produz 𝑄𝑇1 e 𝑄𝐴1 de tecidos e
alimentos. A curva 𝑃𝑃2 mostra a fronteira de possibilidades de produção após um aumento na
oferta de terra. A fronteira de possibilidades de produção desloca-se para a direita e para cima
até 𝑃𝑃2 , isto é, a economia pode produzir mais tecidos e alimentos do que antes. Esse
deslocamento é, porém, muito maior na direção dos alimentos do que na dos tecidos, ou seja,
há uma expansão viesada das possibilidades de produção, que ocorre quando a fronteira de
possibilidades de produção se desloca para a direita e para cima muito mais em uma direção
do que em outra. Nesse caso, a expansão é tão fortemente viesada para a produção de
alimentos que, a preços relativos inalterados, a produção muda do ponto 1 para o ponto 2, o
que acarreta uma queda efetiva na fabricação de tecidos, de 𝑄𝑇1 para 𝑄𝑇2 , e um grande
aumento na produção de alimentos, de 𝑄𝐴1 para 𝑄𝐴2 .
O efeito viesado do aumento nos recursos sobre as possibilidades de produção é a
chave para compreender como as diferenças em recursos fazem surgir o comércio
internacional. Um aumento na oferta de terra expande as possibilidades de produção de
forma desproporcional na direção da produção de alimentos, enquanto um aumento na oferta
de trabalho expande essas possibilidades de forma desproporcional na direção de fabricação
de tecidos. Desse modo, uma economia com razão entre terra e trabalho elevada estará
relativamente melhor na produção de alimentos do que uma economia com razão entre terra
e trabalho baixa. Em geral, uma economia tenderá a ser relativamente eficaz na produção de
bens que sejam intensivos nos fatores dos quais o país é relativamente bem dotado.

Efeitos do comércio internacional entre economias com dois fatores.

Uma vez esboçada a estrutura de produção de uma economia com dois fatores,
podemos agora examinar o que acontece quando dois países, Local e Estrangeiro, fazem
comércio. Como sempre, eles são semelhantes em muitos aspectos. Têm os mesmos gostos e,
portanto, possuem demandas relativas por alimentos e tecidos idênticas quando se defrontam
com o mesmo preço relativo dos dois bens. Também detém a mesma tecnologia: dada
quantidade de terra e trabalho gera a mesma produção de tecidos e alimentos nos dois países.
A única diferença entre eles está em seus recursos: o Local possui uma razão entre trabalho e
terra mais alta que a do Estrangeiro.

Como o Local tem uma razão entre trabalho e terra mais alta que a do Estrangeiro, ele
é trabalho-abundante e o outro, terra abundante. Note que a abundância é definida em
relação a uma razão, e não em quantidades absolutas. Se os Estados Unidos têm 80 milhões de
trabalhadores e 200 milhões de alqueires (uma razão entre trabalho e terra de um para dois e
meio) e a Grã-Bretanha tem 20 milhões de trabalhadores e 20 milhões de alqueires (uma razão
entre trabalho e terra de um para um), consideramos a Grã-Bretanha trabalho-abundante,
ainda que tenha menos trabalho total que os Estados Unidos. A ‘abundância’ é sempre
definida em termos relativos, comparando-se a razão entre trabalho e terra nos dois países, de
modo que nenhum deles pode ser abundante em tudo.

Como o tecido é um bem trabalho-intensivo, a fronteira de possibilidades de produção


do Local em relação à do Estrangeiro desloca-se para cima e para direita mais na direção dos
tecidos do que na dos alimentos. Assim, permanecendo tudo o mais constante, o Local tende a
produzir uma razão entre tecidos e alimentos maior.

Como o comércio leva à convergência dos preços relativos, uma das outras coisas que
serão iguais é o preço dos tecidos em relação ao de alimentos. Contudo, como os países
diferem em sua abundância de fatores para qualquer razão dada entre preço de tecidos e de
alimentos, o Local produzirá uma razão mais alta entre esses bens que o Estrangeiro: o Local
terá uma oferta relativa de tecidos maior. Sua curva da oferta relativa situa-se, portanto, à
direita da do Estrangeiro.

As curvas de oferta relativa do Local (𝑂𝑅) e d Estrangeiro (𝑂𝑅 ∗ ) estão ilustradas na


figura a seguir. A curva de demanda relativa, que supomos ser a mesma para ambos os países,
é mostrada como 𝐷𝑅. Se não houvesse comércio internacional, o equilíbrio seria no ponto 1
para o Local e no ponto 3 para o Estrangeiro. Isto é, na ausência de trocas, o preço relativo de
tecidos seria menor no primeiro país do que no segundo.

Quando o Local e o Estrangeiro fazem comércio entre si, seus preços relativos
convergem. O preço relativo de tecidos aumenta no Local e declina no Estrangeiro, e um novo
preço relativo mundial de tecidos é determinado em um ponto entre os preços relativos antes
do comércio, digamos no ponto 2.

Se as trocas ocorrem inicialmente por causa das diferenças entre os preços relativos de
manufaturas, como a convergência de 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 se traduz em um padrão do comércio
internacional? Para responder a essa questão, precisamos explicitar algumas relações básicas
entre preços, produção e consumo.
Em um país que não pode fazer comércio, a produção de um bem deve ser igual ao seu
consumo. Se 𝐷𝑇 é o consumo de tecido e 𝐷𝐴 o consumo de alimentos, então em uma
economia fechada 𝐷𝑇 = 𝑄𝑇 e 𝐷𝐴 = 𝑄𝐴 . O comércio internacional torna possível que a
composição de manufaturas e alimentos consumida seja diferente da composição produzida.
Contudo, embora os montantes de cada bem que um país consome e produz possam diferir,
ele não pode gastar mais do que receber: o valor do consumo deve ser igual ao valor da
produção. Isto é, 𝑃𝑇 . 𝐷𝑇 + 𝑃𝐴 . 𝐷𝐴 = 𝑃𝑇 . 𝑄𝑇 + 𝑃𝐴 . 𝑄𝐴 . Esta equação pode ser rearranjada para
produzir a seguinte expressão:

𝑃𝑇
𝐷𝐴 − 𝑄𝐴 = ( ) (𝑄𝑇 − 𝐷𝑇 )
𝑃𝐴

Assim, 𝐷𝐴 − 𝑄𝐴 são as importações de alimentos da economia, o montante pelo qual


seu consumo excede a produção. O lado direito da equação é o produto do preço relativo de
tecido pelo montante em que sua produção excede o consumo, isto é, as exportações de
tecido. A equação mostra, então, que as importações de alimentos são iguais às exportações
de tecido multiplicadas pelo preço relativo do tecido. Embora a equação não nos diga quanto a
economia importará ou exportará, ela mostra que o montante que a economia pode se
permitir importar é limitado, ou restrito, pelo montante que ela exporta; assim, esta equação é
conhecida como restrição orçamentária.

Podemos agora utilizar as restrições orçamentárias do Local e do Estrangeiro para


construir um quadro do equilíbrio com o comércio.

Na figura, mostramos as produções, restrições orçamentárias e opções de consumo


desses dois países a preços de equilíbrio. No Local, o aumento no preço relativo de tecidos leva
a um aumento no consumo de alimento em relação ao de tecido e a um declínio na produção
relativa de alimento. O Local produz 𝑄𝐴𝐿 de alimento, mas consome 𝐷𝐴𝐿 ; portanto, torna-se
exportador de tecidos e importador de alimentos. No Estrangeiro, a queda no preço relativo
de tecido após o comércio leva a um aumento do consumo de tecido em relação ao de
alimentos e a uma redução na produção relativa de tecido; o Estrangeiro se torna, dessa
forma, importador de tecido e exportador de alimento. Em equilíbrio, as exportações de tecido
do Local devem ser exatamente iguais às importações do Estrangeiro, e as importações de
alimentos do Local exatamente iguais às exportações do Estrangeiro. Essas equivalências são
mostradas pela igualdade dois triângulos coloridos na figura anterior.

A conclusão geral é que os países tendem a exportar bens cuja produção é intensiva
em fatores dos quais são dotados de maneira abundante.

O comércio leva à convergência dos preços relativos. Mudanças nos preços relativos,
por sua vez, têm fortes efeitos sobre a remuneração relativa do trabalho e da terra. Um
aumento no preço dos tecidos eleva o poder de compra do trabalho em termos de ambos os
bens, enquanto reduz o poder de compra da terra também em termos de ambos os bens. Um
aumento no preço de alimentos exerce efeito inverso. Portanto, o comércio internacional tem
um forte impacto sobre a distribuição de renda. No Local, onde o preço relativo de tecidos
aumenta, as pessoas que auferem sua renda do trabalho saem ganhando com o comércio, mas
aqueles que extraem sua renda da terra saem perdendo. No Estrangeiro, em que o preço
relativo de tecidos cai, ocorre o oposto: os trabalhadores perdem e os proprietários de terra
ganham.

O recurso em determinado país cuja oferta é relativamente grande (trabalho no


Local, terra no Estrangeiro) é o fator abundante daquele país, ao passo que o recurso cuja
oferta é relativamente pequena (terra no Local, trabalho no Estrangeiro) é o fator escasso. A
conclusão geral acerca dos efeitos do comércio internacional sobre a distribuição de renda é:
os proprietários dos fatores abundantes de um país obtêm ganhos do comércio, mas os
proprietários dos fatores escassos desse país saem perdendo.

No mundo real, temos que o padrão do comércio dos Estados Unidos sugere que,
comparado ao restante do mundo, esse país é abundantemente dotado de trabalho bem
qualificado e que o trabalho não qualificado é escasso. Isso significa que o comércio
internacional tende a piorar a situação dos trabalhadores norte-americanos com baixa
qualificação – não só de maneira temporária, mas em caráter permanente. O efeito negativo
do comércio sobre os trabalhadores com baixa qualificação representa um problema político
persistente. Os setores que utilizam intensivamente o trabalho não qualificado, como
vestuário e calçados, exigem proteção contra a concorrência estrangeira, e sua demanda atrai
muita simpatia porque os trabalhadores com baixa qualificação são, a princípio, mais pobres
que os demais.

Na ausência de comércio, o trabalho seria menos remunerado no Local do que no


Estrangeiro, e a terra seria mais remunerada. Sem comércio, o Local, um país trabalho-
abundante, teria um preço relativo menor de tecidos que o Estrangeiro, um país terra-
abundante, e a diferença nos preços relativos dos bens implicaria uma diferença ainda maior
nos preços relativos dos fatores.

Quando Local e Estrangeiro fazem comércio, os preços relativos dos bens convergem.
Essa convergência, por sua vez, leva à convergência dos preços relativos de terra e trabalho.
Dessa maneira, delineia-se claramente uma tendência à equalização dos preços de fatores.
Para compreender como se dá essa equalização, temos de entender que, quando o
Local e o Estrangeiro fazem comércio entre si, ocorre mais do que uma simples troca de bens.
Indiretamente, os dois países estão negociando fatores de produção. O Local permite que o
Estrangeiro utilize um pouco de seu trabalho abundante, não pela venda direta de trabalho,
mas ao trocar bens produzidos com uma razão entre trabalho e terra alta por bens produzidos
com uma razão trabalho-terra baixa. Os bens que o Local vende necessitam de mais trabalho
para serem produzidos que aqueles que recebe em troca; isto é, mais trabalho está
incorporado às suas exportações do que às suas importações. Portanto, o Local exporta seu
trabalho, incorporando a suas exportações trabalho-intensivas. Inversamente, as exportações
do Estrangeiro incorporam mais terra do que suas importações, portanto o Estrangeiro está
exportando indiretamente sua terra. Quando visto dessa maneira, não é de surpreender que o
comércio leve à equalização dos preços de fatores dos dois países.

Essa visão do comércio pode parecer simples e atraente, porém encerra um grande
problema: no mundo real, os preços dos fatores não são equalizados. Isto ocorre porque no
nosso modelo impomos hipóteses que não são verificadas no mundo real, tais como, que
ambos os países produzem ambos os bens (na prática, isto nem sempre ocorre); as tecnologias
são as mesmas (no mundo real, um país com alta tecnologia poderia ter tanto salários como
rendas da terra superiores aos de um país com tecnologia inferior); e o comércio realmente
equaliza os preços dos bens nos dois países (no mundo real, não ocorre tal equalização de
preços, devido tanto a barreiras naturais – como custos de transportes –, quanto a barreiras
impostas ao comércio – como tarifas e cotas de importação).

Ao analisar a política de comércio, é importante observar que temos utilizado um


modelo em que os ganhos dos fatores de produção não dependem do setor que os emprega:
os trabalhadores recebem o mesmo salário na fabricação de tecido e na produção de alimento,
e a terra aufere a mesma renda em ambos os casos. No mundo real, o mesmo fator de
produção pode, em caráter temporário, render diferentes valores em diferentes setores,
porque leva tempo para ele se movimentar de um segmento para outro. Somente no longo
prazo, após os recursos terem tempo para migração, os ganhos voltarão a ser equalizados.

Os economistas internacionais se referem aos fatores de produção que estão ‘presos’


a um setor, ao menos em caráter temporário, como fatores específicos. Como muitos fatores
são específicos no curto prazo, a distinção entre o curto e o longo prazo é muito importante na
prática. Suponha que o comércio levará a uma queda no preço relativo do tecido. Em nosso
modelo de longo prazo, isso é bom para os proprietários de terras e ruim para os
trabalhadores. Todavia, no curto prazo, os proprietários de terras que estão sendo usadas na
produção de alimentos podem sair ganhando. Os ganhos e as perdas de curto prazo parecem
determinar as posições políticas em debates sobre os princípios que regem o comércio.

No curto prazo, os fatores que são específicos a setores sujeitos à concorrência com as
importações perdem com o comércio. No longo prazo, os fatores escassos de um país também
perdem. Será que os ganhos do comércio são mais importantes que as perdas? Um modo de
tentar responder a essa questão seria somar os ganhos dos vencedores e as perdas dos
perdedores e comparar os totais (teoria da utilidade). Uma forma melhor de avaliar os ganhos
totais do comércio é levantar uma questão diferente: aqueles que lucram com o comércio
poderiam compensar os que perdem e ainda assim saírem ganhando? Se sim, então o
comércio é potencialmente uma fonte de ganho para todos.

Para ilustrarmos que o comércio é uma fonte de ganho potencial para todos, podemos
refletir em três passos: primeiro, notamos que na ausência de comércio a economia teria de
produzir o que é consumido e vice-versa. Desse modo, o consumo da economia na falta de
comércio teria de estar em um ponto sobre a fronteira de possibilidades de produção. Em
seguida, notamos que é possível para uma economia com comércio consumir mais de ambos
os bens do que poderia na ausência de comércio (obtendo maior utilidade). Finalmente,
observe que, se a economia como um todo consome mais de ambos os bens, é possível em
princípio dar a cada indivíduo mais de ambos os bens.

O motivo fundamental pelo qual o comércio beneficia potencialmente um país é que


ele expande as escolhas da economia. Essa expansão de escolhas significa que é sempre
possível redistribuir renda de tal modo que todos saiam ganhando com o comércio.

O fato de que todos poderiam ganhar com o comércio infelizmente não significa que
todos realmente ganhem. No mundo real, a existência de pessoas que perdem assim como
daqueles que ganham com o comércio constitui um dos motivos mais importantes pelos quais
o comércio não é livre.

Suponha que um governo deseje maximizar o bem-estar de sua população. Se todos


fossem exatamente iguais nos gostos e na renda, haveria uma solução simples: ele escolheria
políticas que colocassem o indivíduo representativo na melhor situação possível. Nessa
economia homogênea, o livre comércio internacional serviria claramente aos objetivos
governamentais.

No entanto, uma vez que as pessoas não são exatamente iguais, a tarefa do governo
não é tão clara. Ele deve de alguma forma, ponderar o ganho de uma pessoa contra a perda de
outra. Se, por exemplo, o governo do Local estiver comparativamente mais preocupado com o
prejuízo dos proprietários de terra do que em ajudas os trabalhadores, o comércio
internacional, que em nossa análise beneficiava os trabalhadores e prejudicava os
proprietários de terra, seria ruim do ponto de vista desse país.

Há diversos motivos pelos quais um grupo pode significar mais do que outro, mas um
dos mais convincentes é que alguns grupos necessitam de tratamento especial porque já são
comparativamente pobres. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma simpatia geral por
restrições às importações de roupas e calçados, mesmo que essas restrições aumentem os
preços ao consumidor, pois os trabalhadores desses setores já são mal remunerados. Os
ganhos que os consumidores ricos obteriam, se mais importações fossem permitidas, não
significam tanto para o público norte-americano quanto as perdas que sofreriam os
trabalhadores mal remunerados que produzem calçados e roupas.

Há três motivos principais pelos quais os economistas geralmente não enfatizam os


efeitos do comércio sobre a distribuição de renda:

(a) Os efeitos sobre a distribuição de renda não são específicos do comércio


internacional. Toda mudança na economia de uma nação, incluindo progresso
tecnológico, variação das preferências do consumidor, exaustão de recursos
antigos, descoberta de novos recursos e assim por diante, afeta a distribuição de
renda. Se as mudanças na economia só fossem permitidas após seus efeitos
distributivos terem sido examinados, o progresso econômico poderia facilmente
terminar emperrado na burocracia.
(b) É sempre melhor permitir o comércio e compensar os prejudicados do que proibi-
lo. (Isso também se aplica a outras formas de mudança econômica.) Todos os
países industrializados modernos fornecem algum tipo de ‘rede de segurança’,
formada por programas de apoio à renda (como seguro-desemprego, treinamento
subsidiado e realocação), o que pode amenizar as perdas de grupos prejudicados
pelo comércio. Os economistas argumentam que essa política mesmo que seja
considerada inadequada por alguns, mais apoio em vez de menos comércio é a
resposta correta.
(c) Os que tendem a perder com o aumento do comércio são normalmente mais
organizados do que os que tendem a ganhar. Esse desequilíbrio cria um viés no
processo político, que requer um contrapeso. O papel tradicional dos economistas
é apoiar fortemente o livre comércio, apontando para os ganhos totais; logo, os
que são prejudicados em geral têm poucos problemas para fazer com que suas
queixas sejam ouvidas.

É fácil ver por que os grupos que perdem com o comércio pressionam seus governos
para restringi-lo e proteger suas rendas. Pode-se supor que os que ganham com o comércio
pressionem tão fortemente quanto os que perdem com ele, mas esse raramente é o caso. Nos
Estados Unidos e na maioria dos países, os que desejam que o comércio seja limitado são mais
eficazes politicamente do que os que o desejam ampliado. Normalmente, aqueles que obtêm
ganhos do comércio por meio de determinado produto em particular pertencem a um grupo
muito menos concentrado informado e organizado que os perdedores.

Um bom exemplo desse contraste entre os dois lados é o do setor açucareiro norte-
americano. Os Estados Unidos limitaram as importações de açúcar por muitos anos; o preço do
açúcar neste mercado chegou estar cerca de 60 por cento acima do praticado no mercado
mundial. A maioria das estimativas indica que para os consumidores norte-americanos, o custo
dessa limitação às importações esteja em torno de $1,5 bilhão por ano – isto é, em torno de $6
por ano para cada homem, mulher ou criança. Os ganhos dos produtores são muito menores,
provavelmente menos da metade.

Se os produtores e consumidores tivessem seus interesses representados de maneira


igual, essa política econômica nunca teria sido adotada. Em termos absolutos, porém, cada
consumidor sofre muito pouco. Seis dólares por ano não é muito; além disso, a maior parte do
custo está oculta, pois o açúcar costuma ser consumido como ingrediente de outros alimentos,
e não comprado diretamente. Desse modo, a maioria dos consumidores nem sequer sabe que
a cota de importações existe, quanto mais que ela reduz seu padrão de vida. Mesmo que
soubesse, $6 não é uma soma grande o suficiente para levar as pessoas a organizar protestos e
escrever cartas para seus representantes no Congresso.
A situação dos produtores de açúcar é completamente diferente. O produtor médio de
açúcar ganha milhares de dólares por ano devido à cota de importações. Além disso, os
produtores de açúcar estão organizados em cooperativas e associações comerciais que
perseguem ativamente os interesses políticos de seus membros. Logo, as reclamações dos
produtores de açúcar sobre os efeitos das importações são expressas em alto e bom som.

O modelo-padrão do comércio.

Anteriormente, desenvolvemos dois modelos diferentes de comércio internacional,


cada um apresentando diferentes hipóteses sobre o que determinaria as possibilidades de
produção. Para destacar os pontos importantes, cada um desses modelos omite aspectos da
realidade que os outros enfatizam. Para analisar os problemas do mundo real, é preferível
lançar mão de todos os modelos ao mesmo tempo.

Nossos modelos têm várias características em comum, apesar das diferenças em seus
detalhes:

 A capacidade produtiva de uma economia pode ser resumida por sua fronteira
de possibilidades de produção, e as diferenças nessas fronteiras aumentam o
comércio.
 As possibilidades de produção determinam a curva da oferta relativa de um
país.
 O equilíbrio mundial é determinado pela demanda relativa mundial e por uma
curva de oferta relativa mundial que se situa entre as curvas de oferta relativa
nacionais.

Por causa dessas características em comum, os modelos que estudamos podem ser
vistos como casos especiais de um modelo mais geral, que descreveria uma economia mundial
com comércio. Agora, desenvolveremos um modelo-padrão de uma economia mundial com
comércio, do qual os modelos anteriores podem ser considerados casos especiais, e usamos
esse modelo para indagar como uma série de mudanças nos parâmetros subjacentes afeta a
economia mundial.

O modelo-padrão do comércio é fundamentado em quatro relações principais: (1) a


relação entre a fronteira de possibilidades de produção e a curva de oferta relativa; (2) a
relação entre preços relativos e demanda relativa; (3) a determinação do equilíbrio mundial
pela oferta relativa mundial e pela demanda relativa mundial, e (4) o efeito dos termos de
troca – o preço das exportações de um país dividido pelo preço de suas importações – sobre
bem-estar da nação.

Para os propósitos de nosso modelo-padrão, vamos supor que cada país produza dois
bens, alimentos (𝐴) e tecidos (𝑇), e que a fronteira de possibilidades de produção de cada
país seja uma curva suave, como a ilustrada por 𝑃𝑃 na figura abaixo.
O ponto em que a economia efetivamente produz sobre a fronteira de possibilidades
de produção depende do preço dos tecidos em relação ao dos alimentos, 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 . Essa, aliás,
constitui uma proposição básica da macroeconomia: uma economia de mercado que não seja
distorcida pelo monopólio ou por outras falhas de mercado é eficiente na produção, ou seja,
maximiza o valor do produto a preços de mercado dados, 𝑃𝑇 𝑄𝑇 + 𝑃𝐴 𝑄𝐴 .

Podemos indicar o valor de mercado do produto desenhando várias linhas de isovalor,


isto é, linhas ao longo das quais a produção permanece constante. Cada uma dessas linhas é
definida por uma equação na forma 𝑃𝑇 𝑄𝑇 + 𝑃𝐴 𝑄𝐴 = 𝑉 ou, rearranjando, 𝑄𝐴 = 𝑉/𝑃𝐴 −
(𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )𝑄𝑇 , onde 𝑉 é o valor do produto. Quanto mais alto for 𝑉, mais para fora a linha do
isovalor se situará; desse modo, as linhas de isovalor mais distantes da origem correspondem a
valores mais altos da produção. A declividade de uma linha de isovalor é simplesmente o
negativo do preço relativo de tecidos. A economia produzirá o valor mais alto do produto
possível, o que pode ser obtido no ponto 𝑄, onde 𝑃𝑃 é exatamente tangente a uma linha de
isovalor.
Agora, suponha que 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 aumente. Nesse caso, as linhas de isovalor ficariam mais
inclinadas do que antes. Na figura acima, a linha de isovalor mais alta que a economia poderia
atingir antes da mudança em 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 é mostrada como 𝑉𝑉1 ; a linha mais alta após a mudança
do preço é 𝑉𝑉2 ; e o ponto no qual a economia produz se desloca de 𝑄1 para 𝑄2 . Desse modo,
como era de esperar, um aumento no preço relativo de tecidos leva a economia a produzir
mais tecidos e menos alimentos. Portanto, a oferta relativa de tecidos aumentará quando o
preço relativo de tecidos aumentar.

A figura abaixo mostra a relação entre produção, consumo e comércio no modelo-


padrão. O valor de consumo de uma economia é igual ao valor de sua produção 𝑃𝑇 𝑄𝑇 +
𝑃𝐴 𝑄𝐴 = 𝑃𝑇 𝐷𝑇 + 𝑃𝐴 𝐷𝐴 = 𝑉, onde 𝐷𝑇 e 𝐷𝐴 são o consumo de tecidos e alimentos,
respectivamente. Essa equação indica que a produção e o consumo devem estar sobre a
mesma linha de isovalor.

Neste gráfico, a economia produz no ponto 𝑄 onde a fronteira de possibilidades de


produção tangencia a linha de isovalor mais alta possível. Ela consome no ponto 𝐷, onde essa
linha de isovalor é tangente à curva de indiferença mais alta possível. A economia produz mais
tecidos do que consome e, portanto, exporta tecidos; da mesma forma, ela consome mais
alimentos do que produz e, portanto, importa alimentos.

Conforme o gosto dos consumidores, a economia escolherá determinado ponto sobre


a linha de isovalor. No nosso modelo-padrão, para simplificar, supomos que as decisões de
consumo da economia estejam baseadas nas preferências de um único indivíduo
representativo.

As preferências de um indivíduo podem ser representadas graficamente por uma série


de curvas de indiferença. Tais curvas mostram um conjunto de combinações de consumo de
tecidos (𝑇) e de alimentos (𝐴) que deixa o indivíduo igualmente satisfeito.

Na figura acima, mostramos um conjunto de curvas de indiferença. A economia


escolherá consumir no ponto sobre a linha de isovalor que produza o maior bem-estar
possível. Esse ponto está onde a linha de isovalor tangencia a curva de indiferença mais alta,
mostrado aqui como ponto 𝐷, Note que nesse ponto, a economia exporta tecidos (a
quantidade produzida excede a quantidade consumida) e importa alimentos. Agora, considere
o que ocorre quando 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 aumenta; na figura a seguir, mostramos os efeitos.

Primeiro, a economia produz mais 𝑇 e menos 𝐴, deslocando a produção de 𝑄1 para 𝑄2 .


Isso desloca a linha de isovalor, sobre a qual o consumo deve estar, de 𝑉𝑉1 para 𝑉𝑉2. Logo, a
escolha no consumo da economia também se altera, de 𝐷1 para 𝐷2.

O movimento de 𝐷1 para 𝐷2 reflete dois efeitos do aumento de 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 . Em primeiro


lugar, a economia se moveu para uma curva de indiferença mais alta: está em situação melhor.
O motivo consiste em que essa economia é exportadora de tecidos. Quando o preço relativo
de tecidos aumenta, a economia pode proporcionar a importação de mais alimentos para
qualquer volume dado de exportações. Portanto, o preço relativo mais alto de seu bem de
exportação representa uma vantagem. Em segundo lugar, a mudança nos preços relativos leva
a um deslocamento ao longo da curva de indiferença na direção dos alimentos e para longe
dos tecidos.

Na teoria econômica básica, esses dois efeitos são conhecidos. O aumento do bem-
estar é um efeito-renda; o deslocamento do consumo para qualquer nível de dado de bem-
estar é um efeito-substituição. O efeito-renda tende a aumentar o consumo de ambos os bens,
enquanto o efeito-substituição faz com que a economia consuma menos 𝑇 e mais 𝐴.

Em princípio, é possível que o efeito-renda seja forte a ponto de, quando 𝑃𝑇 /𝑃𝐴
aumentar, o consumo de ambos os bens efetivamente aumentar. Normalmente, contudo, a
razão entre o consumo de 𝑇 e o consumo de 𝐴 cairá, isto é, a demanda relativa de 𝑇 cairá
(este é o caso do gráfico acima).

Quando 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 aumenta, um país que inicialmente exporta tecidos sai ganhando,
conforme ilustrado pelo movimento de 𝐷1 para 𝐷2. Inversamente, se 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 declina, o país sai
perdendo; o consumo pode diminuir, por exemplo, de 𝐷2 para 𝐷1.
Se o país inicialmente exportasse alimentos em vez de tecidos, a direção desse efeito
seria, é claro, revertida. Um aumento em 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 significaria uma queda em 𝑃𝐴 /𝑃𝑇 , e o país
sairia perdendo; já uma queda em 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 o beneficiaria.

Abrangemos todos os casos definindo os termos de troca como o preço do bem que
um país inicialmente exporta dividido pelo preço do bem que ele inicialmente importa.
Assim, a proposição geral é que um aumento nos termos de troca aumenta o bem-estar de um
país, enquanto um declínio nos termos de troca reduz o bem-estar de um país.

Determinação dos preços relativos:

Vamos agora supor que a economia mundial consista em dois países, mais uma vez
chamados de Local (que exporta tecidos) e Estrangeiro (que exporta alimentos). Os termos de
troca do Local são medidos por 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 , enquanto os do Estrangeiro, por 𝑃𝐴 /𝑃𝑇 . 𝑄𝑇 e 𝑄𝐴 são as
quantidades de tecidos e alimentos produzidos pelo Loca; 𝑄𝑇∗ e 𝑄𝐴∗ são as produzidas pelo
Estrangeiro.

Para determinar 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 , encontramos a interseção entre a oferta relativa mundial de


tecidos e a demanda relativa mundial. A curva da oferta relativa mundial (𝑂𝑅) é
positivamente inclinada, porque um aumento em 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 leva ambos os países a produzir mais
tecidos e menos alimentos. Já a curva de demanda relativa mundial (𝐷𝑅) é negativamente
inclinada porque um aumento em 𝑃𝑇 /𝑃𝐴 leva ambos os países a mudar a composição de seu
consumo, abrindo mão dos tecidos em favor dos alimentos. A interseção das curvas (ponto 1)
determina o preço relativo de equilíbrio (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )1 . Isto é ilustrado na figura abaixo.

Os efeitos do crescimento econômico em uma economia mundial com comércio são


uma fonte perene de preocupação e controvérsia. O debate gira em torno de duas questões.
Em primeiro luar, o crescimento econômico em outros países é bom ou ruim para a nossa
nação? Em segundo lugar, quando uma nação faz parte de uma economia mundial muito
integrada, seu crescimento deve ser visto de maneira positiva ou negativa?
Ao avaliar os efeitos do crescimento em outros países, os argumentos do senso
comum podem estar dos dois lados. Por um lado, o crescimento econômico no resto do
mundo pode ser bom para nossa economia, porque significa mercados maiores para nossas
exportações. Por outro, o crescimento em outros países pode significar um aumento da
concorrência para nossos exportadores.

Ambiguidades semelhantes parecem estar presentes quando examinamos os efeitos


do crescimento local. Por um lado, o crescimento da capacidade de produção de determinado
país é bem-vindo, na medida em que esse país pode vender parte de seu aumento de
produção ao mercado mundial. Por outro lado, os benefícios do crescimento podem ser
repassados aos estrangeiros na forma de preços mais baixos para as exportações do país, em
vez de ficarem retidos localmente.

A partir do modelo-padrão do comércio desenvolvido, é possível reduzir essas


aparentes contradições e esclarecer os efeitos do crescimento econômico em um mundo com
comércio.

Crescimento econômico significa um deslocamento para fora da fronteira de


possibilidades de produção do país. Tal crescimento pode ser fruto de aumentos nos recursos
do país ou de melhoras na eficiência com que esses recursos são utilizados.

Os efeitos do crescimento sobre o comércio internacional resultam do fato de que tal


crescimento normalmente apresenta um viés. O crescimento viesado ocorre quando a
fronteira de possibilidades de produção se desloca para fora, mais em uma direção do que em
outra. A figura abaixo ilustra o crescimento viesado para tecidos e o crescimento viesado para
alimentos. Nos dois casos, a fronteira de possibilidades de produção se desloca de 𝑃𝑃1 para
𝑃𝑃2 .

Os vieses de crescimento da figura acima são fortes. Nos dois casos, a economia é
capaz de produzir mais de ambos os bens. No entanto, a um preço relativo de tecidos
inalterado, a produção de alimentos despenca na figura a esquerda, ao passo que, na da
direita, é a produção relativa de tecidos que efetivamente cai. Embora o crescimento não seja
sempre viesado tão fortemente como nesses exemplos, mesmo um crescimento mais
suavemente viesado para tecidos levará, para qualquer preço relativo de tecidos dado, um
aumento na produção de tecidos em relação à de alimentos. O inverso é verdadeiro no
crescimento viesado para alimentos.

Suponha agora que o Local tenha um crescimento fortemente viesado para tecidos, de
modo que sua produção aumente a qualquer preço relativo de tecidos dado, enquanto sua
produção de alimentos diminui. Então, para o mundo todo, a produção de tecidos em relação
a de alimentos aumentará a qualquer preço dado e, a curva de oferta relativa mundial se
deslocará para a direita, de 𝑂𝑅1 para 𝑂𝑅2 . Esse deslocamento resultará em uma diminuição
do preço relativo de tecidos, de (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )1 para (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )2 , o que significará uma piora dos
termos de troca do Local e uma melhora dos termos de troca do Estrangeiro. Verificamos isto
na figura abaixo.

Note que a consideração importante aqui não é qual economia cresce, mas o viés do
crescimento. Se o Estrangeiro tivesse experimentado um crescimento viesado para tecidos, o
efeito sobre a oferta relativa e, portanto, sobre os termos de troca teria sido o mesmo. Seja o
Local que apresente crescimento viesado para alimentos, seja o Estrangeiro, tal crescimento
levará um deslocamento para a esquerda da curva 𝑂𝑅 (𝑂𝑅1 para 𝑂𝑅2 ) e, portanto, a um
aumento no preço relativo de tecidos de (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )1 pra (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )2 . Esse aumento representará
uma melhora dos termos de troca do Local e uma piora dos termos de troca do Estrangeiro.

O crescimento que expande as possibilidades de produção de um país


desproporcionalmente na direção do bem que ele exporta (tecidos no Local e alimentos no
Estrangeiro) é um crescimento viesado para exportações. Da mesma forma, o crescimento
viesado para o bem que um país importa é um crescimento viesado para importações. Nossa
análise leva ao seguinte princípio geral: o crescimento viesado para exportações tende a
piorar os termos de troca de um país em crescimento, em benefício do resto do mundo; o
crescimento viesado para importações tende a melhorar os termos de troca de um país em
crescimento, à custa do resto do mundo.

Usando esse princípio, estamos agora em condições de resolver nossas questões sobre
os efeitos internacionais do crescimento. O crescimento no resto do mundo é bom ou ruim
para nosso país? O fato de nosso país fazer parte de uma economia mundial com comércio
aumenta ou diminui os benefícios do crescimento interno? Nos dois casos, a resposta depende
do viés do crescimento. O crescimento viesado para exportações no resto do mundo é bom
para nós, melhorando nossos termos de troca, enquanto o crescimento viesado para
importações no estrangeiro piora nossos termos de troca. O crescimento viesado para
exportações em nosso próprio país piora nossos termos de troca, reduzindo os benefícios
diretos do crescimento, enquanto o crescimento viesado para importações leva a uma
melhora de nossos termos de troca, um benefício secundário.

Um caso particular: as condições sob as quais um crescimento empobrecedor pode


ocorrer são extremas – um crescimento fortemente viesado para exportações deve ser
combinado com curvas 𝑂𝑅 e 𝐷𝑅 muito inclinadas, de modo que a mudança nos termos de
troca seja grande o suficiente para anular os efeitos iniciais favoráveis do aumento na
capacidade produtiva do país. Hoje, para a maioria dos economistas o conceito de crescimento
empobrecedor pertence à esfera da teoria, e não do mundo real.

Embora o crescimento local costume aumentar nosso próprio bem-estar, até em um


mundo com comércio, o mesmo não se pode dizer do crescimento estrangeiro. O crescimento
viesado para importações não é uma possibilidade improvável e, quando o resto do mundo o
experimenta, ele piora nossos termos de troca. Na verdade, é possível que os Estados Unidos,
por exemplo, tenham sofrido alguma perda de renda real por causa do crescimento
estrangeiro no período do pós-guerra.

Passemos agora das mudanças nos termos de troca originadas no lado da oferta da
economia mundial para aquelas originadas no lado da demanda.

A demanda relativa mundial por bens pode deslocar-se por diversos motivos. Os
gostos podem mudar: com a crescente preocupação acerca do colesterol, a demanda por
peixe tem aumentado em relação àquela por carne vermelha. A tecnologia também pode
mudar a demanda: o óleo de baleia abasteceu as lâmpadas em determinada época, mas teve
seu lugar tomado pelo querosene, posteriormente pelo gás e, finalmente, pela eletricidade. Na
economia internacional, contudo, talvez a questão mais importante e controversa seja o
deslocamento da demanda relativa mundial que resulta das transferências de renda
internacionais.

Os empréstimos internacionais não são, estritamente falando, transferências de renda,


já que a transferência corrente de poder de gasto que um empréstimo implica vem
acompanhada da obrigação de pagá-lo depois. Todavia, no curto prazo, os efeitos econômicos
de uma soma de dinheiro dada diretamente a uma nação e da mesma soma emprestada a ela
são semelhantes. Desse modo, analisar as transferências de renda internacionais também é
útil para compreender os efeitos dos empréstimos internacionais.
A questão de como as transferências internacionais afetam os termos de troca foi
levantada em um famoso debate entre dois grandes economistas, Bertil Ohlin (um dos autores
da teoria das proporções de fatores) e John Maynard Keynes. O assunto do debate era o
pagamento de reparações exigido da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, e a questão
era saber que ônus esses pagamentos representariam para a economia alemã.

Keynes, para quem os termos vingativos dos Aliados (a ‘paz cartaginesa’) eram duros
demais, argumentou que o ônus a ser imputado à Alemanha iria muito além das somas
monetárias exigidas. Ele alegou que, para pagar outros países, a Alemanha teria de exportar
mais e importar menos. Para tanto, dizia ele, teria de tornar suas exportações mais baratas em
relação a suas importações. A piora resultante dos termos de troca alemães acresceria outro
ônus ao ônus direto do pagamento.

Ohlin questionou se Keynes estava certo ao supor que os termos de troca da Alemanha
piorariam. Ele contra-argumentou que, assim que a Alemanha aumentasse os impostos para
financiar as reparações, sua demanda por bens estrangeiros automaticamente diminuiria. Ao
mesmo tempo, o pagamento das reparações seria distribuído em outros países na forma de
impostos reduzidos ou gastos do governo aumentados, e uma parte da demanda estrangeira
aumentada resultante iria para as exportações alemãs. Portanto, a Alemanha seria capaz de
reduzir as importações e aumentar as exportações sem sofrer perdas em seus termos de troca.

Nesse caso particular, o debate se mostrou irrelevante: no fim, a Alemanha pagou


muito pouco das reparações que devia. A questão dos efeitos de uma transferência sobre os
termos de troca, porém, surge em uma variedade surpreendentemente grande de contextos
da economia internacional.

Se o Local transfere parte de sua renda para o Estrangeiro, a renda do Local é reduzida,
e isso deve reduzir seus gastos. Por outro lado, o Estrangeiro aumenta seus gastos. Essa
mudança na divisão nacional dos gastos mundiais pode levar a um deslocamento da demanda
relativa mundial e, dessa forma, afetar os termos de troca.

O deslocamento na curva 𝐷𝑅 (se ocorrer) é o único efeito da transferência de renda. A


curva 𝑂𝑅 não se desloca. Á medida que somente a renda está sendo transferida, e não
recursos físicos, como equipamentos de capital, a produção de tecidos e alimentos a qualquer
preço relativo dado não mudará em nenhum d os países. Portanto, o problema das
transferências é uma questão que afeta tão somente o lado da demanda.

A curva 𝐷𝑅, no entanto, não necessariamente se desloca quando a renda mundial é


redistribuída (esse era o ponto levantado por Ohlin). Se o Estrangeiro alocar sua renda extra
entre tecidos e alimentos nas mesmas proporções em que o Local reduzir seus gastos, o gasto
mundial entre a relação de tecidos e alimentos não mudará. A curva 𝐷𝑅 não se deslocará e os
termos de troca não sofrerão nenhum impacto.

Entretanto, se os dois países não alocarem suas mudanças nos gastos nas mesmas
proporções, os termos de troca sofrerão impacto; a direção do impacto dependerá da
diferença entre os padrões de gastos do Local e do Estrangeiro. Suponha que o Local aloque
uma proporção maior da mudança marginal nos gastos em tecidos do que o Estrangeiro. Isto
é, o Local tem uma proporção marginal a gastar em tecidos maior que o Estrangeiro (De
forma semelhante, o Local nesse caso deve ter uma menor proporção marginal a gastar em
alimentos). Então, a qualquer preço relativo dado, a transferência do Local para o Estrangeiro
reduzirá a demanda por tecidos e aumentará a demanda por alimentos. Nesse caso, a curva
𝐷𝑅 se deslocará para a esquerda, de 𝐷𝑅1 para 𝐷𝑅2 , e o equilíbrio mudar do ponto 1 para o
ponto 2, conforme figura abaixo.

Esse deslocamento diminuirá o preço relativo de tecidos de (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )1 para (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )2 ,
piorando os termos de troca do Local (porque ele exporta tecidos) e melhorando os termos de
troca do Estrangeiro. Esse é o caso que Keynes descreveu: o efeito indireto de uma
transferência internacional sobre os termos de troca reforça seu efeito original sobre as rendas
nos dois países.

Há, no entanto, outra possibilidade. Se o Local tem uma propensão marginal a gastar
em tecidos menor, uma transferência dele para o Estrangeiro desloca a curva 𝐷𝑅 para a direita
e melhora os termos de troca do Local à custa do Estrangeiro. Esse efeito compensa tanto o
efeito negativo sobre a renda do Local como o efeito positivo sobre a renda do Estrangeiro.

Assim, em geral, uma transferência piorará os termos de troca do doador, se este


tiver uma propensão marginal a gastar em seu bem de exportação maior do que o receptor.
Se o doador tem uma propensão marginal menor a gastar em suas exportações, seus termos
de troca vão, na verdade, melhorar.

Uma possibilidade paradoxal surge dessa análise: uma transferência – digamos, auxílio
estrangeiro – poderia melhorar tanto os termos de troca do doador a ponto de beneficiá-lo e,
ao mesmo tempo, prejudicar o receptor. Nesse caso, seria definitivamente melhor não
receber. Alguns trabalhos teóricos mostram que esse paradoxo, como no caso do crescimento
empobrecedor, é possível em um modelo rigorosamente especificado. As condições são,
contudo, ainda mais restritivas que as do crescimento empobrecedor, o que faz dessa
possibilidade algo puramente teórico.
Essa análise mostra que os efeitos das reparações e do auxílio estrangeiro sobre os
termos de troca podem ocorrer em qualquer direção. Portanto, Ohlin estava certo sobre o
princípio geral. Apesar disso, muitos ainda argumentariam que Keynes tinha razão ao sugerir
que as transferências causam efeitos sobre os termos de troca que reforçam seus efeitos sobre
a renda de doadores e receptores.

Uma transferência piorará os termos de troca do doador se este tiver uma propensão
marginal a gastar em seu bem de exportação mais alta que a do receptor. Se as diferenças nas
propensões marginais a gastar fossem simplesmente uma questão de diferenças nos gostos,
não poderíamos supor nada; porém, a verdade é que o bem que um país exporta depende em
grande parte das diferenças em tecnologia ou recursos, que não costumam ter nada a ver com
preferências. Quando examinamos os padrões de gastos efetivos, contudo, cada país parece
ter uma preferência relativa por seus próprios bens. Se os Estados Unidos, por exemplo,
produzem cerca de 25 por cento do valor do produto das economias de mercado do mundo,
então suas vendas totais de bens representem 25 por cento das vendas mundiais. Se os
padrões de gastos fossem os mesmos em todos os lugares, os Estados Unidos gastariam
somente 25 por cento de sua renda em produtos norte-americanos. Na verdade, as
importações representam apenas 15% da renda nacional, isto é, os Estados Unidos gastam 85
por cento de sua renda domesticamente. Por outro lado, o resto do mundo gasta cerca de 9%
por cento de sua renda em produtos norte-americanos. Essa diferença nos padrões de gastos
sugere certamente que, se os Estados Unidos transferissem uma parte de sua renda para os
estrangeiros, a demanda relativa por bens norte-americanos diminuiria, assim como seus
termos de troca, exatamente como Keynes argumentou.

Os Estados Unidos gastam uma parcela muito grande de sua renda internamente
devido às barreiras ao comércio, tanto naturais como artificiais. Custos de transporte, tarifas
(impostos sobre importações) e cotas de importações (regras governamentais que limitam a
quantidade de importações) levam os residentes de cada país a comprar uma série de bens e
serviços internamento, em vez de importá-los do estrangeiro. Tais barreiras ao comércio
acabam criando um conjunto de bens não comercializáveis. Mesmo se cada país dividir sua
renda entre bens diferentes nas mesmas proporções, a compra local de bens não
comercializáveis assegurará que o gasto tenha um viés nacional.

Como exemplo, considere que existam não dois, mas três bens: tecidos, alimentos e
cortes de cabelo. Somente o Local produz tecidos, ao passo que somente o Estrangeiro produz
alimentos. Cortes de cabelo, porém, constituem um bem não comercializável que cada país
produz para si mesmo. Cada país gasta um terço de sua renda em cada bem. Mesmo que eles
tenham as mesmas preferências, cada qual gastará dois terços de sua renda domesticamente,
e apenas um terço em importações.

Bens não comercializáveis podem gerar o que parece uma preferência nacional por
todos os bens produzidos domesticamente. Mas, para analisar os efeitos das transferências
sobre os termos de troca, precisamos saber o que acontece com a oferta e demanda por
exportações. O ponto crucial aqui é que os bens não comercializáveis de um país competem
por recursos com as exportações. Uma transferência de renda dos Estados Unidos para o resto
do mundo diminui a demanda por bens não comercializáveis nos Estados Unidos, liberando
recursos que podem ser usados para produzir bens exportáveis. Em consequência, a oferta de
exportações dos Estados Unidos aumenta. Ao mesmo tempo, a transferência de renda norte-
americana para o resto do mundo aumenta a demanda do resto do mundo por bens não
comercializáveis, pois parte dessa renda é gasta em cortes de cabelo e outros bens não
comercializáveis. O aumento da demanda por bens não comercializáveis no resto do mundo
tira recursos estrangeiros das exportações e reduz a oferta de exportações estrangeiras (que
são importações dos Estados Unidos). O resultado é que uma transferência dos Estados Unidos
para outros países pode reduzir o preço das exportações norte-americanas em relação às
estrangeiras, piorando os termos de troca dos Estados Unidos.

Deslocamentos da demanda também provocam uma movimentação de recursos entre


os setores não comercializáveis e aqueles que concorrem com importações. Por uma questão
prática, entretanto, a maioria dos especialistas em economia internacional acredita que o
efeito das barreiras ao comércio é validar a suposição de que as transferências internacionais
de renda pioram os termos de troca do doador. Portanto, na prática, Keynes estava certo.

Em geral, as tarifas sobre importações (impostos cobrados sobre importações) e os


subsídios às exportações (pagamentos feitos aos produtores domésticos que vendem bens ao
exterior) não são implementados para afetar os termos de troca de um país. Essas
intervenções governamentais no comércio normalmente ocorrem para favorecer a
distribuição de renda, a promoção de setores considerados cruciais para a economia ou o
balanço de pagamentos. Todavia, qualquer que seja o motivo das tarifas e dos subsídios, eles
realmente têm impacto sobre os termos de troca, o qual pode ser compreendido quando se
utiliza o modelo-padrão do comércio.

A característica peculiar das tarifas e dos subsídios às exportações é que eles criam
uma diferença entre os preços pelos quais os bens são comercializados no mercado mundial e
dentro do país. O efeito direto das tarifas é tornar os bens importados mais caros dentro do
que fora do país. Já os subsídios às exportações dão aos produtores um incentivo para
exportar. Será, portanto, mais lucrativo vender no exterior que no mercado doméstico, a não
ser que o preço interno seja mais alto, de modo que tal subsídio aumente o preço dos bens
exportados dentro do país.

As mudanças de preços geradas por tarifas e subsídios alteram tanto a oferta relativa
como a demanda relativa. O resultado é uma mudança nos termos de troca do país que
impõem alterações na política e nos termos de troca do resto do mundo.

As tarifas e os subsídios colocam uma cunha entre os preços pelos quais os bens são
comercializáveis internacionalmente (preços externos) e dentro do país (preços internos). Isso
significa que temos de ser cuidadosos ao definir os ermos de troca, que têm como objetivo
medir a razão pela qual os países trocam bens. Por exemplo, quantas unidades de alimentos o
Local pode importar para cada unidade de tecidos que ele exporta? Os termos de troca são,
portanto, coerentes com os preços externos e não com os internos. Quando analisamos os
efeitos de uma tarifa ou de um subsídio às exportações, desejamos ver de que forma isso
afeta a oferta relativa e a demanda relativa como uma função dos preços externos.
Se o Local impuser uma tarifa de 20 por cento sobre o valor das importações de
alimentos, o preço interno de alimentos em relação ao de tecidos praticados por produtores e
consumidores do Local será 20 por cento mais alto do que o preço relativo externo de
alimentos no mercado mundial. De modo equivalente, o preço relativo interno de tecidos,
sobre o qual os residentes do Local baseiam suas decisões, será mais baixo do que o preço
relativo do mercado externo.

Seja qual for o preço relativo mundial de tecidos, os produtores do Local vão sempre
considerá-lo mais baixo e, portanto, produzirão menos tecidos e mais alimentos. Ao mesmo
tempo, os consumidores do Local deslocarão seu consumo para tecidos, deixando os alimentos
de lado. Do ponto de vista do mundo como um todo, a oferta relativa de tecidos cairá (de 𝑂𝑅1
para 𝑂𝑅2 ), na figura abaixo, enquanto a demanda relativa por tecidos aumentará (de 𝐷𝑅1
para 𝐷𝑅2 ). Fica evidente que o preço relativo mundial de tecidos aumenta, de (𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )1 para
(𝑃𝑇 ⁄𝑃𝐴 )2 , e, portanto, os termos de troca do Local melhoram à custa do Estrangeiro.

A intensidade desse impacto sobre os termos de troca depende de quão grande é o


país que impõe a tarifa em relação ao resto do mundo – se o país representa apenas uma
pequena parte do mundo, ele não pode ter muito efeito sobre a oferta relativa mundial e a
demanda relativa mundial e, portanto, sobre os preços relativos. Se os Estados Unidos, um
país muito grande, impusessem uma tarifa de 20 por cento, algumas estimativas sugerem que
os termos de troca norte-americanas poderiam aumentar em 15 por cento no mercado
mundial, enquanto o preço relativo das importações aumentaria apenas 5 por cento dentro
dos Estados Unidos. Por outro lado, se Luxemburgo ou Paraguai uma tarifa de 20 por cento, o
efeito sobre os termos de troca seria provavelmente pequeno demais para ser notado.

Muitas vezes, as tarifas e os subsídios às exportações são tratados como políticas


semelhantes, uma vez que ambos parecem beneficiar os produtores domésticos; entretanto,
essas duas estratégias têm efeitos opostos sobre os termos de troca. Suponha que o Local
ofereça um subsídio de 20 por cento sobre o valor de qualquer tecido exportado. Para
quaisquer preços mundiais dados, esse subsídio aumentará o preço interno de tecidos do país
em relação ao de alimentos em 20 por cento. O aumento do preço relativo de tecidos levará
aos produtores do Local a produzir mais tecidos e menos alimentos e seus principais
consumidores a substituir tecidos por alimentos. Conforme ilustrado na figura a seguir, o
subsídio aumentará a oferta relativa mundial de tecidos (de 𝑂𝑅1 para 𝑂𝑅2 ) e diminuirá a
demanda relativa mundial por tecidos (de 𝐷𝑅1 para 𝐷𝑅2 ), mudando o equilíbrio do ponto 1
para o 2. Resumindo: os subsídios às exportações do Local pioram seus termos de troca e
melhoram os termos de troca do Estrangeiro.

A questão de quem ganha e quem perde com as tarifas e os subsídios às exportações


tem duas dimensões. A primeira envolve a distribuição internacional de renda; a segunda diz
respeito à distribuição de renda dentro de cada país.

Em relação à distribuição internacional de renda: se o Local impõe uma tarifa, ele


melhora seus termos de troca à custa do Estrangeiro. Portanto, as tarifas prejudicam o resto
do mundo.

O efeito sobre o bem-estar do Local não é bem definido. A melhora dos termos de
troca beneficia o país; todavia, a tarifa também impõe custos ao distorcer os incentivos à
produção e ao consumo dentro da economia do Local. Os ganhos nos termos de troca
compensarão as perdas trazidas pela distorção somente quando a tarifa não for grande
demais. Para países pequenos, cujas iniciativas não causam muito impacto sobre os termos de
troca, a tarifa ótima (capaz de maximizar o benefício líquido) é próxima de zero.

Os efeitos causados por um subsídio às exportações são bastante claros. Os termos de


troca do Estrangeiro melhoram à custa do Local, deixando o primeiro em uma situação
indiscutivelmente melhor. Ao mesmo tempo, o Local perde com a deterioração dos termos de
troca e com os efeitos distorcedores de sua política econômica.

Essa análise parece mostrar que os subsídios às exportações não fazem sentido nunca.
De fato, é difícil pensar em qualquer situação na qual esses subsídios serviriam ao interesse
nacional. O uso de subsídios às exportações como ferramenta de política econômica
normalmente tem mais a ver com as peculiaridades da política comercial do que com a lógica
econômica.

As tarifas estrangeiras são sempre ruins para um país e os subsídios às exportações


estrangeiros são sempre benéficos? Não necessariamente. Nosso modelo descreve um mundo
com dois países, onde o outro exporta o bem que importamos, e vice-versa. No mundo real,
formado por muitos países, um governo estrangeiro pode subsidiar a exportação de um bem
que compete com as exportações de nosso país; obviamente, esse subsídio estrangeiro vai
prejudicar nossos termos de troca. Um bom exemplo desse efeito são os subsídios europeus às
exportações agrícolas. Alternativamente, um país pode impor uma tarifa sobre alguma coisa
que nosso país também importe, baixando seu preço e, assim, nos beneficiando. Precisamos,
portanto, qualificar nossas conclusões tiradas a partir de uma análise com dois países: os
subsídios às exportações de coisas que nosso país importa nos ajudam, enquanto as tarifas
sobre bens que nosso país exporta nos prejudicam.

Nos Estados Unidos, nem todos concordam que as vendas estrangeiras subsidiadas
sejam boas para os norte-americanos. Quando se descobre que os governos estrangeiros estão
vendendo bens subsidiados aos Estados Unidos, a população e os políticos os acusam de
concorrência desleal. Por exemplo, quando um estudo do Departamento de Comércio norte-
americano descobriu que os governos europeus estavam subsidiando exportações de aço
para os Estados Unidos, o governo de Washington exigiu que eles aumentassem seus preços.
Não obstante, o modelo-padrão nos diz que, quando os governos estrangeiros subsidiam as
exportações para os Estados Unidos, a resposta apropriada do ponto de vista nacional
deveria ser o envio de uma nota de agradecimento.

É claro que isso nunca acontece, principalmente por causa dos efeitos dos subsídios
estrangeiros sobre a distribuição de renda dentro dos Estados Unidos. Se a Europa subsidia
exportações de aço para os Estados Unidos, a maioria dos norte-americanos sai ganhando,
graças ao aço mais barato, mas os metalúrgicos, os proprietários de ações das empresas
metalúrgicas e os trabalhadores do setor em geral podem não ficar tão satisfeitos.

Distribuição de renda dentro dos países: as tarifas ou subsídios estrangeiros mudam os


preços relativos dos bens. Tais mudanças têm um forte impacto sobre a distribuição de renda,
por causa da imobilidade dos fatores e das diferenças na intensidade com que os fatores são
usados em cada setor.

À primeira vista, a direção do efeito das tarifas e dos subsídios às exportações sobre os
preços relativos e, portanto, sobre a distribuição de renda pode parecer óbvia. Uma tarifa tem
o efeito direto de aumentar o preço relativo interno do bem importado, enquanto um subsídio
tem o efeito direto de aumentar o preço relativo interno do bem exportado. Acabamos de ver,
porém, que as tarifas e os subsídios às exportações exercem um efeito indireto sobre os
termos de troca de um país. O efeito sobre os termos de troca sugere uma possibilidade
paradoxal: uma tarifa pode melhorar tanto os termos de troca de um país – isto é, aumentar
muito o preço relativo do bem exportado nos mercados mundiais – que, mesmo depois de a
alíquota tarifária ter sido adicionada, o preço relativo interno do bem importado pode cair. Da
mesma forma, um subsídio às exportações poderia piorar os termos de troca a tal ponto que o
preço relativo interno do bem exportado cairia, apesar do subsídio. Se esses resultados
paradoxais ocorrerem, os efeitos das políticas comerciais sobre a distribuição de renda serão
exatamente o oposto do que se espera.

A possibilidade de as tarifas e os subsídios às exportações causarem efeitos perversos


sobre os preços internos de um país foi apontada e demonstrada pelo economista Lloyd
Metzler, da Universidade de Chicago, e é conhecida como o paradoxo de Metzler. Esse
paradoxo se assemelha aos casos do crescimento empobrecedor e da transferência que deixa
o receptor em situação pior: é possível na teoria, mas somente ocorrerá sob condições
extremas e, por isso, torna-se improvável na prática.

Deixando de lado a possibilidade de um paradoxo de Metzler, uma tarifa ajudará o


setor que concorre com importações no mercado doméstico, enquanto prejudicará o setor
exportador; um subsídio às exportações terá efeito inverso. Essas mudanças na distribuição de
renda dentro dos países são, em geral, mais óbvias e mais importantes para a formulação da
política econômica do que as mudanças na distribuição de renda entre os países, também
resultantes das mudanças nos termos de troca.

Economias de escala, concorrência imperfeita e comércio internacional.


Os modelos de vantagem comparativa apresentados basearam-se na hipótese de
retornos constantes de escala. Isto é, supusemos que, se os insumos de um setor fossem
dobrados, sua produção também dobraria. Na prática, porém, muitos setores caracterizam-se
por economias de escala (também chamadas de retornos crescentes), de modo que um dado
setor é tão mais eficiente quanto maior a escala na qual ele ocorre. Onde há economias de
escala, dobrar os insumos em um dado setor mais do que dobrará sua produção.

O comércio internacional desempenha um papel crucia: ele torna possível que cada
país produza uma gama restrita de bens e que se tire vantagem das economias de escala sem
sacrificar a variedade no consumo. Por sua vez, o comércio internacional leva a um aumento
na variedade disponível de bens.

Isto sugere que as economias de escala podem levar ao comércio mutuamente


benéfico. Cada país se especializa em produzir uma gama restrita de produtos, o que lhe
possibilita produzir tudo por si mesmo; essas economias especializadas fazem, então,
comércio entre si para que se possa consumir a gama completa de bens. Infelizmente, ir dessa
história sugestiva para um modelo explícito de comércio baseado em economias de escala não
é tão simples. O motivo consiste em que as economias de escala normalmente levam a uma
estrutura de mercado diferente da concorrência perfeita, e é necessário tomar cuidado na
análise dessa estrutura.

Para analisar os efeitos das economias de escala sobre a estrutura de mercado,


devemos explicitar que tipo de aumento de produção é necessário para reduzir o custo médio.
As economias de escala externas ocorrem quando o custo por unidade depende do tamanho
do setor, mas não necessariamente do tamanho de uma empresa qualquer. As economias de
escala internas ocorrem quando o custo por unidade depende do tamanho de uma empresa
individual, mas não necessariamente do tamanho do setor.

A distinção entre economias externas e internas pode ser ilustrada com um exemplo
hipotético. Imagine um setor composto inicialmente por 10 empresas. Cada uma delas produz
100 unidades, totalizando uma produção setorial de 1.000 unidades. Agora considere dois
casos. Primeiro, suponha que o setor dobre de tamanho, de modo que passe a ser composto
por 20 empresas, cada uma ainda produzindo 100 unidades. É possível que os custos de cada
uma caiam, como resultado do tamanho maior do setor; por exemplo, um setor maior pode
possibilitar uma provisão mais eficiente de serviços especializados ou de maquinaria. Nesse
caso, o setor exibirá economias de escala externas. Em outras palavras, a eficiência das
empresas aumenta quando se tem um setor maior, mesmo que cada uma delas continue do
mesmo porte.

Segundo, suponha que a produção permanecesse constante em 1.000 unidades, mas


que o número de empresas fosse cortado pela metade, de maneira que cada uma das cinco
remanescentes produzisse 200 unidades. Nesse caso, se os custos de produção caírem,
teremos economias de escala internas: uma empresa será mais eficiente, se sua produção for
maior.

As economias de escala externas e internas têm implicações diferentes sobre a


estrutura dos setores. Aquele em que as economias de escala são puramente externas (isto é,
em que não há vantagens para as empresas grandes) será composto de muitas empresas
pequenas e terá concorrência perfeita. As economias de escala internas, por sua vez, dão às
empresas grandes uma vantagem de custos sobre as pequenas e levam a uma estrutura de
mercado de concorrência imperfeita.

Vamos começar com um modelo baseado em economias de escala internas. Mas,


como acabamos de argumentar, as economias de escala internas levam a um colapso da
concorrência perfeita. Assim, antes de nos voltarmos à análise do papel das economias de
escala internas no comércio internacional, precisamos recapitular o conceito de concorrência
imperfeita.

Na concorrência imperfeita, as empresas estão conscientes de que podem influenciar


os preços de seus produtos e de que podem vender mais somente ao reduzir seu preço. Essa
concorrência caracteriza dois tipos de setor: aqueles em que há poucos produtores principais e
aqueles em que o produto de cada produtor é visto pelos consumidores como bastante
diferenciado dos de seus concorrentes. Sob essas circunstâncias, cada empresa considera-se
uma formadora de preços, ao escolher o preço de seu produto, em vez de uma tomadora de
preço.

Quando as empresas não são tomadoras de preço, é necessário desenvolver


ferramentas adicionais para descrever como os preços e a produção são determinados. A
estrutura de mercado de concorrência imperfeita mais simples de examinar é a de monopólio
puro.

A figura acima mostra a posição de uma única empresa monopolista. Ela se defronta
com uma curva de demanda negativamente inclinada, mostrada na figura como 𝐷. A
declividade negativa de 𝐷 indica que a empresa pode vender mais unidades de sua produção
somente se o preço do produto cair. Como você deve ter aprendido em microeconômica
básica, uma curva de receita marginal guarda uma relação com a curva de demanda. A receita
marginal é a receita adicional ou marginal que a empresa ganha por vender uma unidade
adicional. A receita marginal para um monopolista é sempre menor do que o preço porque,
para vender uma unidade adicional, ele deve baixar de todas as unidades (e não apenas da
unidade marginal). Portanto, para um monopolista a curva de receita marginal, 𝑅𝑀𝑔, está
sempre situada abaixo da curva de demanda.

Para a análise do modelo de concorrência monopolística que faremos agora, é


importante determinar a relação entre o preço que o monopolista recebe por unidade e a
receita marginal. Sabemos que a receita marginal é sempre menor do que o preço – mas
quanto menor? A relação entre a receita marginal e o preço depende de duas coisas. Em
primeiro luar, da quantidade de produto que a empresa já está vendendo: aquela que não
esteja vendendo muitas unidades não perderá muito ao diminuir o preço que receber por
essas unidades. Em segundo lugar, o hiato entre o preço e a receita marginal depende da
declividade da curva de demanda, que nos diz quanto o monopolista deve diminuir seu preço
para vender uma unidade a mais da produção. Se a curva for muito horizontal, ele conseguirá
vender uma unidade adicional com apenas uma pequena redução do preço e, portanto, não
terá de baixar muito o preço em relação ao que tem vendido, de modo que a receita marginal
estará próximo do preço por unidade. Por outro lado, se a curva de demanda for muito
inclinada, para vender uma unidade adicional será preciso reduzir bastante o preço, o que
implicará uma receita marginal muito menor do que o preço.

Podemos ser mais específicos sobre a relação entre preço e receita marginal, se
supusermos que a curva de demanda com que a empresa se defronta é uma linha reta.
Quando isso ocorre, a dependência das vendas totais do monopolista em relação ao preço que
ele cobra pode ser representada por uma equação da forma 𝑄 = 𝐴 − 𝐵. 𝑃, onde 𝑄 é o número
de unidades que a empresa vende, 𝑃 é o preço que ela cobra por unidade e 𝐴 e 𝐵 são
constantes. Neste caso, a receita marginal é dada por 𝑅𝑀𝑔 = 𝑃 − 𝑄/𝐵, implicando que
𝑃 − 𝑅𝑀𝑔 = 𝑄/𝐵.

Esta equação revela que o hiato entre o preço e a receita marginal depende das
vendas iniciais 𝑄 da empresa e do parâmetro da declividade 𝐵 de sua curva de demanda.
Quanto maior a quantidade vendida, 𝑄, menor a receita marginal, pois a diminuição no preço
necessário para vender uma quantidade maior custa mais a empresa. Quanto maior for 𝐵, isto
é, quanto mais as vendas caírem por qualquer aumento de preço dado, mais a receita marginal
estará próxima do preço do bem.

Voltando a nossa primeira figura nesta seção, 𝐶𝑀𝑒 representa o custo médio de
produção da empresa, isto é, seu custo total dividido por sua produção. Sua declividade
negativa reflete nossa hipótese de que há economias de escala, de modo que, quanto maior a
produção, menores os custos por unidade. 𝐶𝑀𝑔 representa o custo marginal do negócio
(quanto custa a produção de uma unidade adicional). Aprendemos em economia básica que,
quando os custos médios são uma função decrescente da produção, o custo marginal é
sempre menor do que o custo médio. Portanto, 𝐶𝑀𝑔 situa-se abaixo de 𝐶𝑀𝑒.

Suponha que os custos de uma empresa tomem a seguinte forma: 𝐶 = 𝐹 + 𝑐. 𝑄, onde


𝐹 é um custo fixo que independe da produção da empresa, 𝑐 é seu custo marginal e 𝑄 é
novamente sua produção (ela também é chamada de função de custo linear). O custo fixo em
uma função de custo linear faz surgir economias de escala, pois, quanto maior a produção da
empresa, menor o custo fixo por unidade. Especificamente, o custo médio da empresa (custo
total dividido pela produção) é 𝐶𝑀𝑒 = 𝐶 ⁄𝑄 = 𝐹 ⁄𝑄 + 𝑐. Esse custo médio diminui conforme 𝑄
aumenta, pois o custo fixo se dilui em uma produção maior.

A produção que maximiza o lucro de um monopolista é aquela em que a receita


marginal (ganha pela venda de uma unidade adicional) é igual ao custo marginal (o custo de
produzir a unidade adicional), isto é, na interseção entre as curvas 𝐶𝑀𝑔 e 𝑅𝑀𝑔.

Os lucros de monopólio são bem discutíveis. Uma empresa com lucros elevados
normalmente atrai concorrentes. Assim, na prática, situações de monopólio puro são raras. Na
verdade, a estrutura de mercado normal em setores caracterizados por economias de escala
internas é de oligopólio: diversas empresas, cada uma delas grande o suficiente para afetar os
preços, mas nenhuma com um monopólio incontestável.

A análise geral do oligopólio é um assunto complexo e controverso. Isso porque, em


oligopólios, as políticas de formação de preço são interdependentes: cada empresa, ao
determinar seu preço, considera não apenas as relações dos consumidores, mas também
aquelas esperadas dos concorrentes; essas reações, por sua vez, dependem das expectativas
da concorrência sobre o comportamento da empresa – estamos, portanto, em um jogo
complexo em que as empresas tentam prever as estratégias umas das outras.

Duas hipóteses principais são levantadas em modelos de concorrência monopolística,


para tratar o problema da interdependência. Primeiro, supõe-se que cada empresa possa
diferenciar seu produto em relação ao de seus concorrentes. Isto é, se os clientes desejam
comprar um produto em particular de determinada empresa, eles não correrão para comprar
os de outras, mesmo que estas ofereçam preços um pouco mais baixos. A diferenciação de
produtos assegura que cada negócio detenha o monopólio em seu produto dentro de um
setor e esteja, portanto, de certa forma isolada da concorrência. Segundo, supõe-se que cada
empresa tome os preços cobrados por seus concorrentes como dados – isto é, que ela ignore o
impacto de seu próprio preço sobre o de outras. Como resultado, o modelo de concorrência
monopolística supõe que, mesmo que cada empresa esteja na verdade enfrentando a
concorrência de outras, ela se comporte como se fosse monopolista, daí o nome do modelo –
o modelo de concorrência monopolística nos dá uma visão muito clara de como as economias
de escala podem propiciar um comércio mutuamente benéfico.

Vamos imaginar um setor composto de diversas empresas. Estas fabricam produtos


diferenciados – isto é, bens que não são exatamente iguais, mas substituem uns aos outros.
Cada empresa é, então, um monopolista no sentido de ser a única a fabricar um determinado
bem. NO entanto, a demanda por esse bem específico depende do número de outros produtos
semelhantes disponíveis e dos preços praticados pelos demais concorrentes do setor.

Página 91 hióteses do modelo.

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