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4, n◦ 1 (2023)
Seção Temática - Buracos Negros
Resumo
O artigo apresenta de forma introdutória as principais características dos diferentes tipos de buracos negros,
sejam eles isolados ou em interação com o entorno.
Abstract
We present, in an introductory way, the main features of different types o black holes, both isolated or interacting
with the environment.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v4n1.40192
8 9
O tratamento usado aqui para introduzir a noção de Para uma revisão sobre a relatividade restrita ver, por
horizonte é baseado na “acústica geométrica”. Para um exemplo, [20]
10
tratamento que leva em conta as propriedades ondulató- Diferentemente dos dos cones de som definidos na se-
rias do som, veja [18] ção anterior, válidos somente para “raios de som”.
onde 0 ≤ θ ≤ π, −π ≤ ϕ ≤ π.
• Vemos da eq.(9) que há (potenciais) proble- O lado direito (correspondente aos raios direcio-
mas em r = rg e r = 0. Tais valores da nados para o exterior do BN) começa a 45◦ em
coordenada r correspondem ao horizonte de infinito, e depois vai se fechando a medida que
eventos e a “singularidade” central, conceitos r diminui, atingindo a vertical em r = 2M , e
esses que serão discutidos nas Seções 4.1 e continuando a se fechar depois. Vemos que em
4.2. r = 2M os raios de luz direcionados para fora só
conseguem ficar na superfície r = 2M .
De fato, é possível mostrar (devido à divergência
da métrica em r = rg ) que a coordenada t de
Schwarzschild não é uma boa coordenada (veja 4.1 Horizonte de eventos
por exemplo [13]). Para representar mais fiel- Da Figura 7 vemos que longe da origem, os co-
mente a situação é preciso usar por exemplo o nes de luz são os do espaço-tempo de Minkowski,
sistema de coordenadas de Eddington-Finkelstein como na Figura 5. A medida que vamos nos apro-
(EF) associado aos raios de luz direcionados para ximando a r = 0, as frentes de onda15 direcio-
o interior do BN, introduzido por Eddington em nados para o exterior do BN são atraídos “para
1924 e por Finkelstein em 1958, em que a métrica dentro” (isto é, os cones viram). Em r = 2M ,
toma a forma14 fótons direcionados para fora do BN ficam sobre
a superfície r = 2M , enquanto os direcionados
2 2M 4m
ds = 1− dt̄2 − dt̄ dr para dentro são atraídos para r = 0. Já dentro
r r
da superfície r = 2M , até os fótons direciona-
2M dos para fora são atraídos na direção da singu-
− 1+ dr2 − r2 dΩ2 . (11)
r laridade. Segue então que a superfície r = 2M
Novamente é possível traçar as curvas percorridas age como uma membrana unidirecional [27], per-
pelos raios de luz a partir da equação ds2 = 0, mitindo que as curvas de partículas com v ≤ c
desconsiderando a parte angular (devido à sime- dirigidas ao futuro passem do exterior do BN ao
tria esférica). O diagrama espaço-temporal resul- interior, mas não deixando que tais curvas pos-
tante para a solução de Schwarszchild nas coor- sam sair do interior para o exterior. A superfície
denadas EF é o da figura (7). Os cones abrem a r = 2M é chamada de horizonte de eventos já que
45◦ em r = ∞, já que nesse limite a geometria representa a fronteira dos eventos que podem ser
é plana. O lado esquerdo dos cones (correspon- observados desde r > 2M . A figura (8) repre-
dente aos raios direcionados para o interior do senta esquematicamente num diagrama espacial
BN) é dado por uma linha a -45◦ com o eixo r. o comportamento dos cones de luz num plano ar-
bitrário do buraco negro de Schwarszchild. Note
14
Em algumas equações é usado são usadas as unidades
15
geométricas, definidas por c = G = 1, veja por exemplo Lembrando que as direções angulares foram suprimi-
[13]. das devido à simetria esférica.
Figura 9: A figura mostra um cubo caindo na direção de um BN de Schwarzschild com M = 5M⊙ . Em (a), o cubo se
encontra longe do BN, e o efeito deste é desprezível. Nas posições (b),(c), e (d), o cubo é cada vez mais deformado pelas
forças de maré assim que ele fica mais próximo do BN. Crédito: [28].
no caso em que a2 < M 2 , que é o relevante em as- 6.2 O buraco negro mais geral
trofísica. O horizonte r+ está totalmente dentro
de S+ , e a região entre eles é a ergosfera. É possí- é possível obter a forma mais geral da mé-
vel extrair energia do buraco negro de Kerr atra- trica de um buraco negro (que é solução das
vés de determinados processos nessa região (veja equações de Einstein) usando uma transforma-
por exemplo [13]). Antes de concluir a apresenta- ção complexa na solução de R-N em coordenadas
ção das características principais do BN de Kerr, de E-F, como foi feito para passar da métrica de
é importante salientar que a métrica de Kerr go- Schwarszchild para a métrica de Kerr (ver deta-
verna o movimento da matéria no entorno do BN, lhes em [26]). O resultado é a métrica de Kerr-
em particular dos fótons. A través das equações Newman,
de movimento para eles, e depois de complexas si-
2M r q 2
mulações numéricas, foi possível obter a imagem ds 2
= 1− 2 + 2 dv 2 − 2 dv dr +
teórica do buraco negro no centro da galáxia Mes- ρ ρ
sier 87. Tal imagem foi comparada com a obtida 2a
da observação, o que permitiu estabelecer limites (2M r − q 2 ) sen2 θ dv dϕ̄ +
ρ2
sobre os parâmetros do BN (como por exemplo a
massa e o momento angular), veja a Figura 11. 2a sen2 θ dr dϕ̄ − ρ2 dθ2 −
[(r2 + a2 )2 − (r2 − 2M r + a2 + q 2 )
Figura 11: A imagem do lado esquerdo mostra o caminho dos raios de luz obtido usando a métrica de Kerr. Já a da
direita mostra a imagem obtida pelo Event Horizon Telescope para o BN no centro da galáxia Messier 87. Crédito: [1].
Figura 17: Fusões de buracos negros detectadas até hoje pela emissão de ondas gravitacionais. Crédito: Carl Knox
(OzGrav, Swinburne University of Technology).
2GM 2
11 Termodinâmica de buracos negros
A = 4π ,
c2
Um resultado importante, obtido por Hawking
é o teorema da área, que estabelece que em qual- e então dA = 32π(G/c2 )M dM , ou
quer processo físico que envolva um horizonte, a
área do horizonte não pode diminuir. Este resul- c6 dA
d(M c2 ) = ≡ T dS
tado pode ser enunciado matematicamente como G2 32πM
segue: Como T = ℏ/(8πkM ) é a temperatura, segue da
dA equação anterior que a entropia S do buraco ne-
≥ 0.
dt gro vem dada por
Por outra parte, vimos na seção anterior que um kc3 A
buraco negro emite fótons com o espectro de um S= ,
Gℏ 4
27
Mas existe uma chance de medir a radiação de Haw- e não pode diminuir por causa do teorema da área
king no laboratório, usando buracos negros análogos [17]. . Temos então o inesperado resultado de que o
buraco negro se comporta como um corpo negro cópico [44]. Qual seria então a “física microscó-
de temperatura h/8πM e entropia proporcional pica” por detrás da entropia do buraco negro?
a A. Esta é uma pergunta que as duas teorias que pre-
O fato de que os buracos negros deviam pos- tendem descrever a gravitação num nível funda-
suir entropia já tinha sido notado por Wheeler,28 mental (isto é, a teoria de cordas e a gravitação
mas a temperatura de um buraco negro segundo quântica) têm tentado responder, com diferentes
a física clássica é zero, já que ele absorbe e não graus de sucesso. Embora existam respostas par-
emite nada. Foi somente depois da descoberta da ciais ao problema (ver por exemplo [45]), ainda
radiação de Hawking que a termodinâmica de bu- não temos a resposta definitiva. Seja qual for,
racos negros foi aceita. Sem entrar em detalhes, ela estará nos dando informação sobre o regime
apresentamos a seguir uma tabela comparando as quântico da gravitação.
leis da termodinâmica com conceitos de buracos
negros (no caso de um buraco negro estático, κ
é a força que é necessário fazer desde o infinito Um problema que teria uma forte relação com
para manter uma partícula pequena sobre o ho- o anterior é o do paradoxo da informação. Como
rizonte [34]). vimos antes, os buracos negros emitem radiação
com temperatura TH dada pela equação (16). Em
princípio a emissão continuaria até o buraco negro
se evaporar completamente, deixando somente ra-
12 Coda diação, cuja temperatura e demais características
dependem só dos parâmetros que caracterizam ao
Mas de um século tem transcorrido desde que
buraco negro. Ou seja, o resultado final inde-
Schwarzschild, Reissner e Nordstrom descobriram
pende do estado inicial, isto é, do estado da ma-
as soluções de buraco negro sem e com carga.
téria que colapsa para formar o buraco. Em ou-
Neste tempo, os buracos negros têm se mostrado
tras palavras, dado um estado final descrito pelas
como objetos fascinantes, que podem nos condu-
características da radiação, não é possível deter-
zir a grandes descobertas. Mencionaremos a se-
minar a partir dele o estado inicial. Este é o pro-
guir somente algumas destas possibilidades.
blema da “perda de informação”. Por argumentos
Como discutimos brevemente na Seção (11), é
que não reproduziremos aqui, esta perda de in-
possível associar uma temperatura e uma entro-
formação traria uma violação a evolução unitária
pia ao buraco negro. Mas a física estatística mos-
(um dos pilares da mecânica quântica usual), e
tra que no caso de sistemas de muitas partículas,
como consequência, a gravitação quântica deve-
a temperatura e a entropia são manifestações da
ria incorporar esta não unitariedade [46].
física microscópica que governa as interações en-
tre as partículas. Em particular, a entropia tem
relação com o número de configurações microscó- Os exemplos aqui citados ilustram a importân-
picas compatíveis com um dado estado macros- cia dos buracos negros em diferentes áreas da fí-
28
De outra forma, se um buraco negro engolisse um
sica, e o enorme potencial para desempenhar um
corpo quente, a entropia total do sistema corpo + buraco papel fundamental no desenvolvimento das ideias
negro decresceria para um observador externo. da física moderna.
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