Carl Sagan e a Aleatoriedade

Maurício dos Santos Mirra, 21/10/2023

Reflexões sobre Cosmos, de Carl Sagan Neil deGrasse Tyson*

“Nem todo aquele que consegue impactar corações e mentes de uma
geração inteira terá essa aceitação de sua influência nas gerações
posteriores. O continuado sucesso de Cosmos, a obra-prima de Carl Sagan,
depõe fortemente a favor da afabilidade e inteligência de seu autor. Mas
também revela uma ânsia oculta de todos nós por conhecer o lugar que
ocupamos no universo e compreender por que isso é tão importante em
termos intelectuais, culturais e emocionais”

Eu me recordo das manhãs em que a TV transmitia Cosmos, programa em que o

cientístia Carl Sagan dublado e sua fala tão eloquente era reproduzida apresentando a
ciência sobre o universo de maneira tão fascinante. Eu, bem jovem, ficava maravilhado
com a transcendência, com o pensamento abstrato sobre a vida e sobre tudo que nos
cerca e me recordo que conversava sobre estas questões com pouquíssimas pessoas,
apenas um primo e, recentemente, soube que era também um momento “especial” para
uma amiga de infância.
Também me recordo quando ouvi sobre o fim das estrelas e planetas e que a Terra terá
seu fim, assim que o sol deixar de existir, daqui a uns 7 bilhões de anos. Hoje noto como
foram fascinantes e marcantes essas “viagens” e reflexões. É comparável à minha
angústia e choro, quando soube que iria morrer, dialogando com meus pais na cama. Foi
uma noite que eu nunca mais esqueci por que me deparei com a finitude e as lágrimas
brotaram tão naturalmente.
Se refletir sobre o futuro é um caminho fascinante, não menos é o mesmo exercício
voltado ao nosso passado. Tão fascinante quanto, porque ao mergulhar nos meandros
da história que a ciência nos apresenta, é surpreendente compreender nossa existência
como uma sucessão de eventos tão singulares e únicos que nos apresenta o acaso e a
aleatoriedade de uma forma bastante concreta.
Recorrendo a duas famosas frases de Sagan, sabemos que "somos feitos de poeira de
estrelas. Nós somos uma maneira de o cosmos se autoconhecer" e sabemos também
que "o universo não parece ser nem benevolente nem hostil, apenas indiferente". As duas
citações apontam questões fundamentais para nossa existência, a primeira sobre os
elementos materiais de constituição de nosso planeta (água, substâncias químicas e
muitos outros elementos sobre os quais vou discorrer mais adiante) e a segunda sobre
quão diminuta é nossa dimensão diante da grandiosidade de um universo que conta com
um número de planetas tão, mas tão enorme que nem temos referências para imaginar:
100 sextilhões.
Se nossa vida aqui é uma sucessão de condições raras,
imaginemos o quão difícil supor que existam outras formas
de vida neste mesmo universo. O mesmo Carl Sagan,
recorrendo aos seus conhecimentos de astronomia e
ciência planetária, afirmou que "A extinção é a regra.
Sobreviver é uma exceção", por isso não há conhecimento
de evidências de que hajam as mesmas probabilidades de
vida. Há até o paradoxoi de Ferni baseado no conflito entre
escala e probabilidade, além da falta de evidências. Uma
de suas possíveis definições é: “O aparente tamanho e
idade do universo sugerem que muitas civilizações
Foto 1: Cosmos, edição
extraterrestres tecnologicamente avançadas deveriam
Companhia das Letras existir. Entretanto, esta hipótese parece inconsistente com
a falta de evidência observacional para suportá-la.”
Por isso, outra famosa citação de Sagan afasta as cosmologias fantásticas sobre
evidências e hipóteses fantasiosas de contato com vida em outros planetas “Afirmações
extraordinárias requerem evidências extraordinárias". Nem é preciso dizer que, apesar de
vários rumores surgidos recentemente de contato com outras formas de vida, não há
nada concreto que nos assegure concretamente ter existido tal “contato”.
Entre as características de nossa vida aqui na Terra, uma das mais fascinantes é a
aleatoriedade que está associada a ela e pode ser definida como a “característica de algo
indeterminado, relacionada ao acaso, à incerteza e casualidade. Mesmo que nossa busca
por padrões insista em atribuir nexos causais, atribuição de sentidos e explicações sobre
o que se apresenta incerto, nada como nos debruçarmos sobre o conhecimento
acumulado de nossa civilização que reforçam a preciosidade da vida e a beleza inerente à
“sucessão de acasos” que facultaram nossa existência:

A existência da vida na Terra é resultado de uma série de fatores condicionantes que

tornam o nosso planeta único e adequado para a vida. A seguir, vou elaborar argumentos
reforçando cada um desses fatores. Esses 13 elementos, como mencionados por
Stephanie D'Ornelas em seu artigo 1, são fatores de "sorte" que tornaram a Terra um
planeta único no universo, onde a vida prospera.

1 Fontes: 13 "golpes de sorte" que permitiram o surgimento da vida na Terra - Stephanie

D’Ornelas. Base - 13 "golpes de sorte" que permitiram o surgimento da vida na Terra -
LiveScience
A vida na Terra é resultado de uma série de fatores que, combinados, criaram um
ambiente propício para o surgimento e desenvolvimento da
vida:

Condições Espaciais:

Distância exata do sol (cerca de 150 milhões de km) -

Mantém uma temperatura adequada para a existência de
água líquida, elemento crucial para a vida. Mais perto, o calor
seria excessivo; mais longe, o frio seria intenso.
Foto 2: Planeta Terra,
Crédito: Shutterstock. Direitos
Influência da lua - marés - Além de influenciar as marés dos autorais: Copyright (c) 2017
oceanos, a Lua também afeta as correntes marinhas, Triff/Shutterstock.
promovendo a mistura de nutrientes essenciais para a vida
marinha.

Não estar no vácuo - Estar inserido no sistema solar, e não no vácuo intergaláctico,
proporciona um ambiente onde a vida pode existir.

Condições Terrestres:

Rotação - A alternância entre o dia e a noite e as variações de temperatura são

fundamentais para a adaptação de organismos a diferentes condições ambientais.

Gravidade constante - Mantém os objetos no solo e possibilita a locomoção de seres

vivos. Também contribui para a retenção da atmosfera e a proteção contra ventos solares.

Campo magnético - Age como um escudo

protetor, defendendo contra ventos solares
e partículas carregadas do espaço.

Zonas temperadas - Oferecem uma

variedade de condições climáticas,
promovendo a diversidade de habitats e
ecossistemas que sustentam a vida.
Foto 3: Ilustração sobre a crosta terrestre, fonte
Mundo Educação, UOL Água em estado líquido - Fundamental
para a formação de moléculas orgânicas e
a manutenção da vida.

Vegetação verde - A presença de clorofila permite a fotossíntese, gerando oxigênio e

sustentando a vida vegetal.

Eletricidade - Descargas elétricas desempenham um papel importante na química

atmosférica e na formação de compostos essenciais para a vida.

Movimentos geológicos - Promovem a circulação de componentes químicos e minerais

vitais para a vida.

Espaço ao nosso redor - Contém elementos trazidos por corpos celestes que contribuem
para a formação de atmosfera e oceanos.
Tempo de Maturação:

4,54 bilhões de anos - O longo período desde a formação da Terra proporcionou o tempo
necessário para a evolução da vida, desde organismos unicelulares até formas complexas
de vida.

Foto 4: Figura representando a idade da Terra,

in TEMPO GEOLÓGICO: A HISTÓRIA DA TERRA
E DA VIDA de Wilson Teixeira