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Check Rapposa LivroMarsupiais2012-Final
Check Rapposa LivroMarsupiais2012-Final
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Vice-Reitor
João Ricardo Filgueiras Tognini
IBAMA
Obra aprovada pelo M M A
CONSELHO EDITORIAL DA UFMS IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
Resolução nº 00/12 e dos Recursos Naturais Renováveis
Diretoria de Gestão Estratégica
CONSELHO EDITORIAL Centro Nacional de Informação,
Dercir Pedro de Oliveira (Presidente) Tecnologias Ambientais e Editoração
Carmen de Jesus Samúdio
Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento
Claudete Cameschi de Souza
Edgar Aparecido da Costa. Fotos da capa:
Edgar Cézar Nolasco
Juliana Gualda Barros
Elcia Esnarriaga de Arruda
(foto à esquerda)
Gilberto Maia
Maria Rita Marques Leonardo G. Lessa
Maria Tereza Ferreira Duenhas Monreal (foto do centro)
Rosana Cristina Zanelatto Santos Nilton C. Cáceres
Sonia Regina Jurado (foto à direita)
Ynes da Silva Felix
Editora UFMS
Portão 14 - Estádio Morenão - Campus UFMS
Fone: (67) 3345-7200 - Campo Grande
editora@editora.ufms.br
Campo Grande - MS
2012
© 2012 Nilton Carlos Cáceres
Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada,
em língua portuguesa ou qualquer outro idioma.
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil 2012.
Lista de Autores
Adriana de Arruda Bueno Universidade de São Paulo
Alexandra dos Santos Pires Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Alexandre Ramlo Torre Palma Universidade Federal da Paraíba
Alfredo José Afonso Barbosa Universidade Federal de Minas Gerais
Ana Cláudia Delciellos Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ana Paula Carmignotto Universidade Federal de São Carlos
Antônio Marcos Mello Moraes Universidade Federal do Rio de Janeiro
Bernardo Rodrigues Teixeira Instituto Oswaldo Cruz
Camila dos Santos de Barros Universidade de São Paulo
Cláudio Cézar Fonseca Universidade Federal de Viçosa
Cleuton Lima Miranda Museu Paraense Emílio Goeldi
Daniel Brito Universidade Federal de Goiás
Diego Astúa Universidade Federal de Pernambuco
Diogo Loretto Universidade Federal do Rio de Janeiro
Édison Vicente Oliveira Universidade Federal de Pernambuco
Emerson Monteiro Vieira Universidade de Brasília
Fernando A. dos Santos Fernandez Universidade Federal do Rio de Janeiro
Francisco Javier Goin Museu de La Plata (Argentina)
Frederico A.M. Valtuille Faleiro Universidade Federal de Goiás
Geruza Leal Melo Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Gualter Funk de Queiroz Universidade Federal de Minas Gerais
Helder José Faculdade Pitágoras de Linhares
Helena de Godoy Bergallo Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Jan Nora Hokoç Universidade Federal do Rio de Janeiro
Jayme Augusto Prevedello Universidade Federal do Rio de Janeiro
Joaquim Trindade Filho Universidade Federal de Goiás
Jonas Sponchiado Universidade Federal de Santa Maria
Jorge José Cherem CAIPORA Cooperativa para Conservação da Natureza
José Carlos Nogueira Universidade Federal de Minas Gerais
Juliana Quadros Universidade Federal do Paraná (Campus Litoral)
Leonardo Guimarães Lessa Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
Marcus V. Brandão Universidade Federal de São Carlos
Marcus Vinicius Vieira Universidade Federal do Rio de Janeiro
Maurício Eduardo Graipel Universidade Federal de Santa Catarina
Natália Fernandes Rossi Universidade de São Paulo
Nícholas Ferreira de Camargo Universidade de Brasília
Nilton Carlos Cáceres Universidade Federal de Santa Maria
Paula Koeler Lira Universidade Federal do Rio de Janeiro
Paulo De Marco Júnior Universidade Federal de Goiás
Pedro Marcos Linardi Universidade Federal de Minas Gerais
Peter Ahnelt University of Vienna (Áustria)
Poliana Mendes Universidade Federal de Goiás
Priscila Lemes Universidade Federal de Goiás
Rafael Dias Loyola Universidade Federal de Goiás
Renata Pardini Universidade de São Paulo
Ricardo Tadeu Santori Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rogério Vieira Rossi Universidade Federal do Mato Grosso
Rosana Gentile Instituto Oswaldo Cruz
Silene Maria de Araujo Lima Universidade Federal do Pará
Thais Kubik Martins Universidade de São Paulo
Thomas Püttker Universidade de São Paulo
Prefácio
Nunca foi tão urgente descrever, entender a organização e propor formas de usar a biodiversidade
e seus serviços de forma sustentável; o motivo é obvio: uma parcela crescente das espécies caminha em
direção à extinção global, enquanto as biotas perdem integridade e dão origem a novos arranjos bioló-
gicos, como os ecossistemas emergentes. Este sentido de urgência tem motivado uma parcela cada vez
maior da academia a ampliar e sintetizar o conhecimento sobre elementos chaves da diversidade biológica
brasileira. É neste contexto, e com tal ambição, que esta obra nos presenteia com um conjunto formidável
de informações sobre os marsupiais brasileiros: da biologia aos problemas de conservação. Estão aqui
descritas as 56 espécies que compõem, atualmente, a nossa fauna de marsupiais didelfídeos (as cuícas,
catitas e gambás), bem como constam aspectos de evolução, biogeografia, biologia dos organismos, uso
de habitat, demografia e dinâmica populacional, respostas às perturbações antrópicas e o papel de algumas
destas espécies no nível de ecossistema, agindo, por exemplo, como dispersores de sementes de uma
parte importante da flora florestal. Folheando os 24 capítulos não só apreendi sobre, mas também aprendi
com os marsupiais: como ecólogo me chamou atenção a possibilidade de que mesmo grupos de espécies
capazes de persistir, ou até mesmo proliferar em paisagens antrópicas, são vulneráveis às mudanças do
clima em escala regional. Como leigo, me atiça a curiosidade o fato de que até 10 espécies podem coexistir
em um mesmo local. Todavia, como ressaltado por vários autores, são ainda conspícuas as lacunas de
conhecimento, pois os estudos têm se concentrado na Floresta Atlântica, incluindo os estudos de longa
duração, tão necessários, mas ainda raros no mundo tropical. Além da contribuição científica evidente,
incluindo a definição da agenda científica futura, é preciso colocar a presente obra em outros contextos.
Devo mencionar que lugar de bicho é na natureza, mas eles precisam de um lugar cativo na academia,
na cultura, no imaginário da sociedade e, por fim, nas políticas públicas, para poderem lá persistir. São
esforços de síntese, como os condensados nesta obra, que nos ajudam a dar uma identidade taxonômica e
ecológica ao patrimônio biológico e, assim, ampliar o espaço da biodiversidade na agenda dos tomadores
de decisão. Nestes tempos de mudanças rápidas e drásticas, dar cara, voz e destino adequado à biodi-
versidade é, sem dúvida, um enorme desafio científico, mas também um valor social a ser construído;
longo caminho a ser pavimentado “obra a obra”. Eu agradeço aos autores por nos fornecerem este relato
rico e estimulante sobre os marsupiais brasileiros, mas também por compartilharem e serem cúmplices
desses desafios.
Marcelo Tabarelli
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Pesquisador 1A do CNPq
Coordenador da Área de Biodiversidade da CAPES
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Apresentação
Após o lançamento da primeira edição de “Os Marsupiais do Brasil” em 2006, a procura pelo livro
foi contínua por vários anos e, com a virada da década de 2010, ainda continuava. Ainda no lançamento
em outubro de 2006 no Congresso de Mastozoologia em Gramado, me espantei com a grande procura
pelo público acadêmico em geral. Embora tenha sido uma tiragem modesta, esta certamente não foi
suficiente frente à crescente demanda de informação sobre marsupiais existente no Brasil. Diante dessa
frequente demanda, de diversas pessoas me contatando e sem conseguir um exemplar do livro devido ao
esgotamento da tiragem, resolvi fazer uma segunda edição, pensando na importância do mesmo para os
diversos agentes que trabalham com a biologia, zoologia e ecologia de marsupiais no Brasil ou mesmo
aqueles que têm a vontade de iniciar estudos nessas áreas de pesquisa.
Essa procura por informações sobre os marsupiais brasileiros reflete também e certamente no
desenvolvimento da pesquisa e educação de nível superior no Brasil, proporcionados por agentes gover-
namentais como CNPq e CAPES.
Mas são vários os agentes envolvidos que proporcionam essa abrangência de informações sobre os
marsupiais do Brasil, que fazem repercuti-las como sons nas salas de aula, corredores e praças públicas
no país a fora. Inicialmente devemos mencionar os próprios professores e pesquisadores das universida-
des e institutos de pesquisa no Brasil. Sem eles, sem seu esforço e perspicácia, pouco teríamos a mostrar
em qualquer edição de um livro sobre marsupiais. No país, são várias frentes de pesquisa que abordam
diferentes aspectos do conhecimento acerca dos marsupiais. A biologia geral e a ecologia dos marsupiais
brasileiros são um pouco mais antigas no país, e mais recentemente a sistemática tem se desenvolvido,
com a formação de novos especialistas. Mesmo a ecologia tem ganhado terreno na área de pequenos
mamíferos e marsupiais, com novas abordagens, como podem ser vistas nessa edição. Porém, em geral,
todo o conhecimento sobre marsupiais no Brasil é muito recente, e assim podemos elencar a década de
1980 como o início da maioria dos estudos. Como figuras de destaque na formação inicial dos atuais
especialistas em marsupiais brasileiros, principalmente nas áreas de zoologia e ecologia, podemos citar
os professores Rui Cerqueira, Mario de Vivo, Emygdio Monteiro-Filho e Gustavo A.B. Fonseca. Mas
há muitos outros, e certamente essa lista ficaria muito extensa para esse pequeno espaço que tenho,
principalmente se levarmos em conta a segunda e terceira gerações a partir dos nomes citados. Assim,
o conhecimento que estava mais concentrado no sudeste do Brasil começa a se expandir para o interior
e para o sul e norte, através do estabelecimento de novos especialistas nessas regiões, propiciados pelo
subsídio governamental direta ou indiretamente. Com isso, mais dados biológicos e ecológicos, assim
como a descoberta de novas espécies, estão se tornando acessíveis, mesmo para regiões como Pampa,
Cerrado, Pantanal e Amazônia.
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Assim, o Brasil começa a gerar conhecimentos sobre um grupo magnífico de mamíferos que ocorre
somente nas Américas, os marsupiais didelfídeos. Atualmente é o país americano que tem a vanguarda
sobre a geração de conhecimentos sobre o grupo, principalmente sobre sua ecologia e biologia geral, tal
como a ecologia de comunidades, de populações, morfologia e parasitologia.
Essa diversidade de conhecimentos sobre os marsupiais do Brasil pode ser encontrada nessa segunda
edição. Da primeira para a segunda edição, embora o número de capítulos seja praticamente o mesmo,
o número de autores duplicou, o que retrata bem o envolvimento de um maior número de pessoal quali-
ficado trabalhando com esse grupo animal.
Esta segunda edição do livro “Os Marsupiais do Brasil” se trata de uma edição revisada e ampliada,
embora haja alguns poucos capítulos que permanecem os mesmos, devido principalmente à aposentadoria
de alguns autores, mas cujos capítulos não perderam suas qualidades mesmo nos tempos atuais.
O subtítulo do livro muda um pouco agora, devido à ênfase que ele tem: de “evolução” passa agora
para “conservação”, já que muitos capítulos têm esse enfoque, como enfatizado na terceira e última
seção do livro. O subtítulo completo fica então como “biologia, ecologia e conservação”. Pensei muito
em subdividir principalmente a primeira seção atual denominada de “biologia”, o que caberia (tal como
incluir zoologia, por exemplo), mas acabei por não o fazer, para não encompridar demais o subtítulo.
Agradeço a todos aqueles que me contataram buscando adquirir uma cópia do livro, pois os leitores
são o motivo principal para sua existência. Desculpo-me por aqueles que não conseguiram uma cópia,
devido ao esgotamento da primeira edição. E agradeço a várias pessoas que me ajudaram direta ou
indiretamente na concepção desta obra. A primeira pessoa que devo lembrar é propriamente Emygdio
Monteiro-Filho. Agradeço também a Maurício Graipel e Jorge Cherem que foram grandes incentivadores
dessa edição desde o princípio. Devo lembrar também Marcelo Tabarelli, que redigiu o prefácio dessa
edição, e que direta e indiretamente vem se empenhando pelo crescimento da pesquisa biológica no Bra-
sil, junto a CAPES, como diretor da área de Biodiversidade. Por fim, agradeço a todos os autores deste
livro, que se empenharam em seus capítulos e acreditaram na sua concretização, atendendo ao prazo e
qualidade requeridos nessa segunda edição.
Nilton Cáceres
Nápoles, Itália
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Introdução
Nilton C. Cáceres
Jorge J. Cherem
Os marsupiais representam um dos três principais grupos atuais de mamíferos, junto aos mono-
tremados (ornitorrincos e equidnas) e placentários ou eutérios. Esta divisão se baseia principalmente no
modo de reprodução, sendo os marsupiais caracterizados por uma gestação curta e lactação prolongada.
Também são característicos por apresentarem placenta vitelínica (corioalantoica apenas em alguns casos,
mas sem as vilosidades típicas dos eutérios), fêmeas com vagina e útero duplos, machos com saco escrotal
anterior ao pênis (exceto em Notoryctidae), abertura urogenital comum, ossos epipúbicos associados à
cintura pélvica (também presentes em monotremados), entre outros. A bolsa ou marsúpio está presente
em muitas espécies, mas nos marsupiais sul-americanos ocorre apenas nas espécies de maior porte,
como em Didelphis, e por vezes ela se desenvolve apenas no período reprodutivo, como em Lutreolina
(Emmons & Feer, 1997; Nowak, 1999).
Marsupiais fósseis têm sido registrados em várias partes do mundo, incluindo a Europa, Ásia, África
e mesmo a Antártida, mas atualmente ocorrem apenas nas Américas, Austrália e ilhas próximas (Nowak,
1999; Oliveira & Goin, 2006). Em função dessa distribuição atual, os europeus tomaram conhecimento
dos marsupiais apenas após o início das grandes navegações no final do século XV. Em 30 de setembro de
1500, Vicente Yáñez Pinzón retornou à Espanha com uma fêmea de marsupial, possivelmente um Didel-
phis marsupialis, com filhotes na bolsa, capturada entre as árvores durante um desembarque na costa da
Guiana ou da ilha de Marajó, no Pará (Teixeira & Papavero, 1999, 2002). A descoberta causou espanto e
admiração e o animal foi descrito como tendo focinho de raposa, cauda de cercopiteco, orelhas de morcego,
mãos humanas e pés de macaco, “um ser estranho e improvável capaz de existir apenas em terras distantes e
fabulosas, pois nem mesmo a imaginação mais desvairada poderia conceber uma fêmea de mamífero capaz
de carregar sua ninhada em um segundo “ventre” (ou “útero”) externo com o formato de uma grande bolsa”
(Teixeira & Papavero, 2002: 23). Assim, após milhões de anos, um marsupial alcança novamente a Europa
por um tipo moderno de dispersão, ainda que não esteja claro se conseguiu chegar vivo até aquele continente.
Mais tarde, em 1758, Linnaeus reconheceu cinco espécies de marsupiais, todas incluídas no gênero
Didelphis: D. marsupialis, D. philander (= Caluromys philander), D. opossum (= Philander opossum),
D. murina (= Marmosa murina) e D. dorsigera (atualmente considerada sinônima à Marmosa murina).
O nome Didelphis foi cunhado por Linnaeus para se referir à presença de dois “úteros”, um “útero” ex-
terno (a bolsa) e um interno (o útero verdadeiro) (Gregory, 1910). Didelphis foi agrupado por Linnaeus
na ordem Bestiae, juntamente com Sus (porcos e catetos), Dasypus (tatus), Erinaceus (ouriços), Talpa
(toupeiras) e Sorex (musaranhos).
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Em 1816, Blainville foi possivelmente o primeiro a incluir os marsupiais em um grupo próprio,
“les Didelphes Normaux”, separados dos eutérios (“les Monodelphes”), porém próximos dos monotre-
mados (“les Didelphes Anomaux”). E, em 1834, ele dividiu os mamíferos nas três subclasses clássicas,
com os nomes de Ornitodelphes (prototérios ou monotremados), Didelphes (metatérios ou marsupiais) e
Monodelphes (eutérios ou placentários). Diferentemente de Linnaeus, o termo “Didelphes” de Blainville
se referia ao útero bipartido dos marsupiais, também presente nos monotremados (Gregory, 1910).
Desde então, esse arranjo tripartido dos mamíferos atuais tem sido geralmente mantido. Apesar de
alguns autores terem considerado uma relação filogenética mais próxima entre marsupiais e monotremados
(como os Marsupionta de Gregory, 1947), incluindo estudos moleculares (e.g. Janke et al., 1997), há um
consenso de que os marsupiais são mais proximamente relacionados com os eutérios, um ponto de vista
expresso inicialmente por Haeckel, em 1866, compondo um grupo mais tarde denominado de Theria
por Parker e Haswell, em 1897 (Gregory, 1910; Simpson, 1945; Zeller, 1999; van Rheede et al., 2006).
Ainda assim, os marsupiais eram tradicionalmente vistos como mamíferos primitivos em relação
aos eutérios, o que levou à noção de que os marsupiais eram adaptativa e competitivamente inferiores
(Haeckel, 1930; Lillegraven, 1974; Cox, 1977). Para Haeckel (1930), por exemplo, os inúmeros repre-
sentantes de marsupiais atuais não passam dos últimos restos de uma grande e rica seção zoológica que
representava os mamíferos no passado e que seriam vencidos pelos placentários (eutérios) na luta pela
sobrevivência.
Essa linha de pensamento começou a ser grandemente questionada a partir da década de 1970 e
os marsupiais passaram a ser vistos como mamíferos “alternativos”, mas não inferiores ou primitivos
(Tyndale-Biscoe, 1973; Kirsch, 1977; Renfree, 1981; Hayssen et al., 1985).
Paralelamente, muitas mudanças na taxonomia e no número de espécies conhecidas (ou reconhe-
cidas) de marsupiais também têm ocorrido ao longo do tempo. Tradicionalmente, seguindo a classifi-
cação de Simpson (1945), os marsupiais foram agrupados em uma única ordem, Marsupialia, com seis
superfamílias e 13 famílias, cinco das quais apenas com representantes fósseis. Posteriormente, Wilson
e Reeder (2005) registraram 331 espécies de marsupiais recentes no mundo, distribuídas em sete ordens
e 21 famílias.
No Brasil, apesar de a diversidade pré-histórica de marsupiais ter sido alta (Paula Couto, 1952;
Oliveira & Goin, 2006), os representantes recentes são classificados em apenas uma ordem, Didelphimor-
phia, e uma família, Didelphidae (Gardner, 2008; Voss & Jansa, 2009), embora alguns autores subdividam
esta última em mais famílias (e.g. quatro famílias, segundo Hershkovitz, 1992; ver também Oliveira &
Goin, neste volume). No país são registradas 56 espécies (ver lista a seguir), número que certamente
aumentará à medida que estudos sistemáticos esclareçam os complexos de espécies (Capítulo 1), que
novas coletas a campo em regiões pouco ou não amostradas sejam realizadas (Capítulo 3) e que novos
métodos de amostragem sejam empregados (Capítulo 4).
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LISTA DOS MARSUPIAIS DO BRASIL
Lista proposta para os marsupiais brasileiros (15 gêneros e 56 espécies) a partir dos estudos de
Rossi et al. (2006), Gardner (2008) e Pavan et al. (2012). As subfamílias seguem Voss & Jansa (2009).
As localidades-tipo seguem Gardner (2008) e Pavan et al. (2012).
Ordem Didelphimorphia Gill, 1872
Família Didelphidae Gray, 1821
Subfamília Glironiinae Voss & Jansa, 2009
Glironia Thomas, 1912
Glironia venusta Thomas, 1912
Localidade-tipo: Pozuzo, Pasco, Peru
Subfamília Caluromyinae Reig, Kirsch & Marshall, 1987
Caluromys J. A. Allen, 1900
Caluromys lanatus (Olfers, 1818)
Localidade-tipo: Paraguai; restrita a Caazapá por Cabrera (1916)
Caluromys philander (Linnaeus, 1758)
Localidade-tipo: “America”; restrita Suriname por Thomas (1911)
Caluromysiops Sanborn, 1951
Caluromysiops irrupta Sanborn, 1951
Localidade-tipo: Quincemil, Província de Quispicanchis, Cusco, Peru
Subfamília Hyladelphinae Voss & Jansa, 2009
Hyladelphys Voss, Lunde & Simmons, 2001
Hyladelphys kalinowskii (Hershkovitz, 1992)
Localidade-tipo: Hacienda Cadena, Marcapata, 13º20’S, 70º46’W, Cuzco, Peru, 890m
Subfamília Didelphinae Gray, 1821
Chironectes Illiger, 1811
Chironectes minimus (Zimmermann, 1780)
Localidade-tipo: “Gujana”; restrita a Cayenne, Guiana Francesa por Cabrera (1958)
Cryptonanus Voss, Lunde & Jansa, 2005
Cryptonanus agricolai (Moojen, 1943)
Localidade-tipo: Crato, Ceará, Brasil
Cryptonanus chacoensis (Tate, 1931)
Localidade-tipo: Sapucay, Paraguarí, Paraguai
11
Cryptonanus guahybae (Tate, 1931)
Localidade-tipo: ilha de Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Didelphis Linnaeus, 1758
Didelphis albiventris Lund, 1840
Localidade-tipo: Rio das Velhas, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil
Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826
Localidade-tipo: Vila Viçosa [atual Nova Viçosa], rio Peruíbe, Bahia, Brasil
Didelphis imperfecta Mondolfi & Pérez-Hernández, 1984
Localidade-tipo: km 125, rodovia El Dorado-Santa Elena, Estado Bolívar, Venezuela
Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758
Localidade-tipo: “America”; restrita a Suriname por Thomas (1911)
Gracilinanus Gardner & Creighton, 1989
Gracilinanus agilis (Burmeister, 1854)
Localidade-tipo: Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil
Gracilinanus emiliae (Thomas, 1909)
Localidade-tipo: Pará, Brazil
Gracilinanus microtarsus (Wagner, 1842)
Localidade-tipo: Ipanema, São Paulo, Brasil
Lutreolina Thomas, 1910
Lutreolina crassicaudata (Desmarest, 1804)
Localidade-tipo: Assunção, Paraguai (conforme Cabrera, 1958)
Marmosa Gray, 1821 [inclui Micoureus Lesson, 1842 (Voss & Jansa, 2009)]
Marmosa (Micoureus) constantiae (Thomas, 1904)
Localidade-tipo: Chapada, Mato Grosso, Brasil
Marmosa (Micoureus) demerarae (Thomas, 1905)
Localidade-tipo: “Comaccka, 80 miles up Demerara River”, Upper Demerara-Berbice, Guiana
Marmosa lepida (Thomas, 1888)
Localidade-tipo: “Peruvian Amazons”; restrita a Santa Cruz, Huallaga R., Loreto, Peru por Thomas (1888b)
Marmosa murina (Linnaeus, 1758)
Localidade-tipo: “Asia, America”; restrita a Suriname por Thomas (1911)
Marmosa (Micoureus) paraguayana (Tate, 1931)
Localidade-tipo: Villa Rica, Guairá, Paraguai
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Marmosa (Micoureus) regina (Thomas, 1898)
Localidade-tipo: “W. Cundinamarca (Bogotá Region)”, Colômbia
Marmosops Matschie, 1916
Marmosops bishopi (Pine, 1981)
Localidade-tipo: 264 km N (por estrada) de Xavantina (12º51’S, 51º46’W), Serra do Roncador, Mato
Grosso, Brasil
Marmosops impavidus (Tschudi, 1845)
Localidade-tipo: “der mittleren und tiefern Waldregion”; interpretada por Cabrera (1958) como “Mon-
taña de Vitoc, cerca de Chanchamayo”, Junín, Peru
Marmosops incanus (Lund, 1840)
Localidade-tipo: Rio das Velhas, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil
Marmosops neblina Gardner, 1990
Localidade-tipo: Camp VII (00º50’40”N, 65º58’10”), 1800 m, Cerro de la Neblina, Territorio Federal
Amazonas, Venezuela
Marmosops noctivagus (Tschudi, 1844)
Localidade-tipo: “der mittleren und tiefern Waldregion”; restrita por Tate (1933) a Montaña de Vitoc,
near Chanchamayo, Junín, Peru
Marmosops ocellatus (Tate, 1931)
Localidade-tipo: Buenavista, Departamento of Santa Cruz, Bolívia
Marmosops parvidens (Tate, 1931)
Localidade-tipo: “Hyde Park, 30 miles up the Demarara River”, Demarara-Mahaica, Guiana
Marmosops paulensis (Tate, 1931)
Localidade-tipo: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil
Marmosops pinheiroi (Pine, 1981)
Localidade-tipo: Rio Amapari, Serra do Navio (0º59’N, 52º03’W), Amapá, Brasil
Metachirus Burmeister, 1854
Metachirus nudicaudatus (É. Geoffroy, 1803)
Localidade-tipo: Cayenne, Guiana Francesa
Monodelphis Burnett, 1830
Monodelphis americana (Müller, 1776)
Localidade-tipo: “Brasilien”; restrita a Recife, Pernambuco, Brasil por Cabrera (1958).
Monodelphis arlindoi Pavan, Rossi & Schneider, 2012
Localidade-tipo: Platô Greig, 43 km a sudoeste de Porto Trombetas, Oriximiná, Pará.
13
Monodelphis brevicaudata (Erxleben, 1777)
Localidade-tipo: “in Americae australis silvis”; restrita a Kartabo, Distrito de Cuyuni-Mazaruni,
Guiana por Voss et al. (2001)
Monodelphis dimidiata (Wagner, 1847) [inclui Monodelphis sorex (Hensel, 1872) (Vilela et al.,
2010)]
Localidade-tipo: Maldonado, Uruguai
Monodelphis domestica (Wagner, 1842)
Localidade-tipo: Cuiabá, Mato Grosso, Brasil
Monodelphis emiliae (Thomas, 1912)
Localidade-tipo: Boim, rio Tapajoz, Pará, Brasil
Monodelphis glirina (Wagner, 1842)
Localidade-tipo: Mamoré, Rondônia, Brasil
Monodelphis iheringi (Thomas, 1888)
Localidade-tipo: Taquara, Rio Grande do Sul, Brasil
Monodelphis kunsi Pine, 1975
Localidade-tipo: “La Granja,W bank of Río Itonamas, 4 k N Magdalena, Provincia Itenez, Departa-
mento Beni, Bolivia, below 200 m”
Monodelphis maraxina Thomas, 1923
Localidade-tipo: Caldeirão, Pará, Brasil
Monodelphis rubida (Thomas, 1899)
Localidade-tipo: Bahia, Brasil
Monodelphis scalops (Thomas, 1888)
Localidade-tipo: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil
Monodelphis theresa Thomas, 1921
Localidade-tipo: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil
Monodelphis touan (Shaw, 1800)
Localidade-tipo: Cayenne, Guiana Francesa.
Monodelphis umbristriata (Miranda-Ribeiro, 1936)
Localidade-tipo: Veadeiros, Goiás, Brasil
Monodelphis unistriata (Wagner, 1842)
Localidade-tipo: Itararé, São Paulo, Brasil
Philander Brisson, 1762
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Philander andersoni (Osgood, 1913)
Localidade-tipo: Yurimaguas, Loreto, Peru
Philander frenatus (Olfers, 1818)
Localidade-tipo: “Südamerica”; restrita à Bahia por Wagner (1843)
Philander mcilhennyi Gardner & Patton, 1972
Localidade-tipo: Balta (10º08’S, 17º13’W), Río Curanja, ca. 300 meters, departamento de Loreto
[atual Ucayali], Peru
Philander opossum (Linnaeus, 1758)
Localidade-tipo: “America”; restrita a Paramaribo, Suriname por Matschie (1916)
Thylamys Gray, 1843
Thylamys karimii (Petter, 1968)
Localidade-tipo: Região de Exu, Pernambuco, Brasil
Thylamys macrurus (Olfers, 1818)
Localidade-tipo: Tapuá, Presidente Hayes, Paraguai
Thylamys velutinus (Wagner, 1842)
Localidade-tipo: Ipanema, São Paulo, Brasil
Referências
15
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robustus) and the phylogenetic relationship among Monotremata, Marsupialia, and Eutheria. Proceedings
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LILLEGRAVEN, J. A. Biogeographical considerations of the marsupial-placental dichotomy. Annual
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NOWAK, R. M. Walker’s mammals of the world. 6 ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1999.
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16
Sumário
Prefácio________________________________________________________________________5
Apresentação _________________________________________________________________7
Introdução ____________________________________________________________________9
Biologia
CAPÍTULO 1
Diversidade Morfológica
e Taxonômica de Marsupiais
Didelfídeos, com Ênfase nas Espécies Brasileiras________________________23
Rogério V. Rossi, Ana P. Carmignotto, Marcus V. Brandão, Cleuton L. Miranda e Jorge J. Cherem
CAPÍTULO 2
Identificação microscópica de pelos de
marsupiais brasileiros______________________________________________________73
Juliana Quadros
CAPÍTULO 3
Distribuição geográfica dOS marsupiais no Brasil______________________93
Geruza L. Melo & Jonas Sponchiado
17
CAPÍTULO 4
Amostragem de marsupiais________________________________________________111
Nilton C. Cáceres, Maurício E. Graipel & Jorge J. Cherem
CAPÍTULO 5
Os ectoparasitos de marsupiais brasileiros_____________________________127
Pedro M. Linardi
CAPÍTULO 6
A visão em marsupiais:
características e evolução______________________________________________157
Jan N. Hokoç, Silene M.A. Lima, Antônio M.M. Moraes & Peter Ahnelt
CAPÍTULO 7
Células endócrinas (APUD) do
sistema digestivo de Didelphis albiventris_____________________________________171
Alfredo J.A. Barbosa, José C. Nogueira & Cláudio C. Fonseca
CAPÍTULO 8
Glândulas paracloacais de marsupiais__________________________________185
Helder José
CAPÍTULO 9
Espermatogênese no gambá Didelphis albiventris_____________________________197
Gualter F. Queiroz & José C. Nogueira
CAPÍTULO 10
Morfologia do sistema genital masculino
de marsupiais brasileiros_________________________________________________215
José C. Nogueira
CAPÍTULO 11
Estação reprodutiva e tamanho de
prole EM marsupiais brasileiros__________________________________________243
Nilton C. Cáceres & Maurício E. Graipel
CAPÍTULO 12
O gênero Thylamys: avanços e
lacunas no conhecimento_________________________________________________257
Alexandre R.T. Palma & Emerson M. Vieira
CAPÍTULO 13
Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil:
diversidade e afinidades___________________________________________________273
Édison V. Oliveira & Francisco J. Goin
18
Ecologia
CAPÍTULO 14
Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros______________________309
Rosana Gentile, Bernardo R. Teixeira e Helena G. Bergallo
CAPÍTULO 15
Uso do espaço por marsupiais:
fatores influentes sobre área de vida,
seleção de habitat e movimentos_________________________________________325
Nilton C. Cáceres, Jayme A. Prevedello & Diogo Loretto
CAPÍTULO 16
Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros_____________________345
Emerson M. Vieira & Nícholas F. Camargo
CAPÍTULO 17
Locomoção, morfologia e uso do
habitat em marsupiais neotropicais:
uma abordagem ecomorfológica________________________________________363
Marcus V. Vieira & Ana C. Delciellos
CAPÍTULO 18
Alimentação, nutrição e adaptações
alimentares de marsupiais brasileiros__________________________________383
Ricardo T. Santori, Leonardo G. Lessa & Diego Astúa
CAPÍTULO 19
O papel de marsupiais na dispersão de sementes_________________________405
Nilton C. Cáceres & Leonardo G. Lessa
Conservação
CAPÍTULO 20
Onze anos de estudo em uma
paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
avaliando as características biológicas que explicam
a persistência de marsupiais em pequenos fragmentos_________________427
Fernando A. S. Fernandez, Paula K. Lira, Camila S. Barros & Alexandra S. Pires
CAPÍTULO 21
Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas:
um migrante por geração resgata metapopulações em declínio?____445
Daniel Brito
19
CAPÍTULO 22
Respostas de marsupiais da Mata Atlântica à perda e
fragmentação do habitat – um índice de vulnerabilidade
baseado em padrões de ocupação_________________________________________455
Thomas Püttker, Thais K. Martins, Adriana A. Bueno, Natália F. Rossi & Renata Pardini
CAPÍTULO 23
Desafiando as restrições wallaceanas para o
estudo de marsupiais neotropicais: o caso das
espécies do gênero Thylamys_________________________________________________471
Paulo De Marco Júnior, Poliana Mendes & Nilton C. Cáceres
CAPÍTULO 24
Mudanças climáticas globais e a
distribuição de marsupiais no Brasil_____________________________________487
Rafael D. Loyola, Priscila Lemes, Frederico V. Faleiro & Joaquim Trindade-Filho
Galeria
20
Foto: Juliana Gualda Barros
CAPÍTULO 1
Diversidade morfológica
e taxonômica de marsupiais
didelfídeos, com ênfase nas
espécies brasileiras
Rogério V. Rossi* †
Ana P. Carmignotto**
Marcus V. Brandão **
Cleuton L. Miranda ***
Jorge J. Cherem ****
*
Instituto de Biociências, Universidade Federal de Mato Grosso, Av. Fernando Corrêa da Costa,
2367, Bairro Boa Esperança. Cuiabá, MT, 78060-900, Brasil.
† Autor correspondente: rogerrossi@gmail.com
Departamento de Biologia, Universidade Federal de São Carlos - Campus Sorocaba, Rodovia João
**
Leme dos Santos (SP-264), km 110 - Bairro Itinga. Sorocaba, SP, 18052-780, Brasil.
***
Coordenação de Zoologia, Museu Paraense Emílio Goeldi, Av. Perimetral, 1901, Bairro Terra
Firme, Belém, PA, 66077-530, Brasil.
CAIPORA Cooperativa para Conservação da Natureza. Av. Des. Vitor Lima, 260/513, Bairro
****
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 23-72, 2012.
Introdução
Os marsupiais, ou Metatheria, estão entre as três linhagens de mamíferos sobreviventes à grande
extinção em massa que ocorreu no limite do Cretáceo – Terciário (KT), juntamente com os Eutheria e os
Monotremata (Kemp, 2005). Os Monotremata constituem as espécies mais basais de mamíferos viventes,
representados atualmente por apenas cinco espécies, ao passo que os Theria, que incluem os Metatheria
e Eutheria, diversificaram-se ao longo dos 65 milhões de anos durante todo o Cenozóico, alcançando
por cerca de 5.750 espécies amplamente distribuídas que ocupam os mais diversos hábitats atualmente
(Wilson & Reeder, 2011).
Os Metatheria apresentam várias sinapomorfias que os diferenciam dos Eutheria, em especial ca-
racteres relacionados ao sistema reprodutor, como a supressão da placenta cório-alantóidea, corpo lúteo
presente durante um único ciclo estral, período de gestação menor que o período de lactação, ureteres
mediais aos ovidutos, vagina dupla, pseudovagina, membrana transiente da casca do ovo, formação
acelerada dos membros anteriores, do palato e língua, entre outros (Feldhamer et al., 2007). Atualmente,
estão representados por sete ordens, 92 gêneros e 343 espécies distribuídas nos continentes americano e
australiano e em ilhas próximas (Wilson & Reeder, 2011; Gardner, 2008a).
Na América do Sul estão presentes representantes das ordens Didelphimorphia (18 gêneros e 91
espécies), Microbiotheria (um gênero e uma espécie) e Paucituberculata (três gêneros e seis espécies)
(Gardner, 2008a). A ordem Didelphimorphia inclui a família Didelphidae, a mais rica em espécies
de marsupiais neotropicais atuais, sendo considerada uma das irradiações intactas de marsupiais do
Novo Mundo, ao contrário dos microbiotérios e paucituberculados, que representam elementos relic-
tuais na fauna moderna, já que esses grupos eram amplamente distribuídos e mais diversos durante
o Terciário (Marshall, 1982; Goin, 1997). Os didelfimórfios são conhecidos de registros fósseis do
Cretáceo tardio até o Recente na América do Sul; do Oligoceno, Pleistoceno e Recente na América
do Norte; do Oligoceno na Ásia ocidental; e do Eoceno ao Mioceno na África e Europa (Marshall
et al., 1990; McKenna & Bell, 1997). Representantes atuais da família Didelphidae distribuem-se
desde os 50º S na Patagônia, Argentina e Chile até a América Central e México, ocorrendo também
nas ilhas caribenhas e alcançando os Estados Unidos e o sul do Canadá (Gardner, 2008a). No Brasil,
apenas a Ordem Didelphimorphia está representada, abrangendo 15 gêneros e 56 espécies da família
Didelphidae (Tabela 1).
Na décima edição de sua obra Systema Naturae, C. Linnaeus (1758) descreveu cinco espécies de
marsupiais, sendo todas incluídas no gênero Didelphis. Durante os séculos XIX e XX, o estudo dos mar-
supiais sul-americanos intensificou-se, resultando em publicações avulsas relacionadas a descrições de
novas famílias, gêneros, espécies e subespécies (e.g. Thomas, 1894a,b, 1895, 1923; Tate, 1931, 1934),
com a proliferação de vários nomes genéricos (ver tabela 15 em Voss & Jansa, 2009: 82) e a publicação
de alguns catálogos resumindo a informação presente à época (Thomas, 1888; Matschie, 1916; Cabrera,
1919, 1958; Simpson, 1945). A classificação de Cabrera (1958) incluiu quase todos os gêneros atuais para
as espécies de maior porte dentro dos Didelphidae e se manteve mais ou menos estável até o advento da
biologia molecular nos anos 1970. A exceção foi o gênero Marmosa, que em Cabrera (1958) incluía os
gêneros atuais Marmosops, Thylamys, Chacodelphys, Cryptonanus e Gracilinanus, caracterizados pelo
menor porte, ausência de marsúpio, presença de máscaras circum-oculares e caudas longas.
Caracteres Diagnósticos
Assim como para a maioria dos táxons de mamíferos, os gêneros e espécies de marsupiais didelfídeos
são diagnosticados com base em estruturas externas preservadas em peles taxidermizadas ou exemplares
inteiros fixados em formol e conservados em álcool, e com base em estruturas cranianas. Em relação à
morfologia externa, padrões de coloração da pelagem facial, dorsal, ventral e da cauda são amplamente
utilizados, assim como a extensão da pelagem corporal sobre a cauda. Características relacionadas às
escamas caudais e aos pêlos a elas associados também são bastante informativas em termos taxonômicos
para alguns gêneros. Características menos informativas, porém não menos importantes, são aquelas rela-
cionadas a estruturas presentes nas mãos, punhos, pés e região das mamas. Por outro lado, características
relacionadas ao pênis e aberturas urogenital e anal foram consideradas não informativas taxonomicamente
por Voss & Jansa (2003, 2009). Por fim, características relacionadas ao pavilhão auditivo externo foram
examinadas por Tate (1933) para diversas espécies de pequeno porte, mas aparentemente também se
mostraram não informativas.
Em relação à morfologia craniana, diversas estruturas são amplamente utilizadas na diagnose de
gêneros e espécies, com destaque para as fenestras palatinas, as estruturas da região supraorbital, tem-
poral e auditiva, e a morfologia dentária. Os forames e as suturas são menos informativos em termos
taxonômicos, mas são importantes para alguns gêneros em particular.
Figura 1. Vista lateral da região rostral (A-B) e vista oclusal do terceiro e quarto molares superiores (C-D) de marsupiais di-
delfídeos mostrando, respectivamente, as condições decidual e permanente do terceiro pré-molar superior e os diferentes níveis
de desgaste nas cristas dos molares. A: Terceiro pré-molar superior decidual (dP3) presente; note a semelhança morfológica
com o primeiro molar superior (M1) (UFMT 1468 – Marmosa demerarae). B: Terceiro pré-molar superior permanente (P3)
em eclosão; note a semelhança morfológica com o segundo pré-molar superior (P2) (UFMT 681 – Marmosa demerarae). Para
observar a condição de P3 totalmente eclodido veja a Figura 8. C: Terceiro (M3) e quarto (M4) molares sem desgaste ou com
desgaste incipiente em suas cristas (MZUSP 29483 – Marmosa murina). D: M3 e M4 com desgaste evidente em suas cristas,
indicado pelas setas (MZUSP 29476 – Marmosa murina). A e B referem-se a indivíduos jovens, C a indivíduos adultos jovens
(recém-adultos) e D a indivíduos adultos maduros. Imagens em escalas distintas. C1, canino superior; ca, cíngulo anterior; dP3,
terceiro pré-molar superior decidual; M1, primeiro molar superior; M3, terceiro molar superior; M4, quarto molar superior; Me,
metacone; P1, primeiro pré-molar superior; P2, segundo pré-molar superior; P3, terceiro pré-molar superior (permanente); Pa,
paracone; Pr, protocone; pomec, pós-metacrista; popro, pós-protocrista prpac, pré-paracrista; prpro, pré-protocrista.
Morfologia Externa
Apresentamos abaixo uma breve descrição de estruturas externas presentes nos marsupiais didel-
fídeos que são relevantes para a identificação das espécies dentro do grupo. Esperamos, com este texto,
Figura 2. Padrões de pelagem facial em marsupiais didelfídeos. A: Ausência de marcas faciais (Monodelphis domestica). B:
Máscara facial enegrecida e conspícua (Marmosops noctivagus). C: Máscara facial enegrecida estendida até a base da orelha
(Hyladelphys kalinowskii). D: Máscara facial enegrecida ultrapassando a base da orelha e presença de faixa rostral clara de
coloração distinta da do dorso (Glironia venusta). E: Manchas supraoculares claras e mancha coronal escura presentes (Me-
tachirus nudicaudatus). F: Faixa rostral mediana contínua com a mancha coronal (Didelphis albiventris). G: Máscara facial e
faixa rostral mediana pouco conspícuas (Cryptonanus agricolai). H: Máscara facial avermelhada, faixa rostral mediana mais
escura que a coloração do dorso e descontínua com outras marcas faciais (Caluromys lanatus). Imagens em escalas distintas.
Fotos gentilmente cedidas por M. T. Júnior (A), J. G. Barros (B, D), M. V. Brandão (C), S. Pavan (E), R. Paresque (F), P. F.
Colas-Rosas (G) e V. X. da Silva (H).
Figura 3. Padrões de pelagem dorsal em marsupiais didelfídeos. A: Pelagem uniforme (Monodelphis domestica - PNPA 307, a
ser tombado no MZUSP). B: Faixas escuras transversais unidas por uma linha mediana dorsal (Chironectes minimus - MZUSP
35132). C: Faixas escuras escapulares presentes (Caluromysiops irrupta - MZUSP 11681). D: Base dos pêlos esbranquiçada
em contraste com a porção apical enegrecida dos pêlos (Didelphis albiventris - MZUSP 31627). E: Padrão tricolor, com faixa
dorsal mais escura que as laterais do corpo (Thylamys macrurus - MZUSP 32094). F: Dorso acinzentado contrastando com
a cabeça e região lombar avermelhadas (Monodelphis emiliae - MB 25, a ser tombado no MZUSP). G: Laterais da cabeça e
corpo avermelhadas contrastando com o dorso acinzentado (Monodelphis touan - MZUSP 9932). H: Três faixas longitudinais
escuras no dorso (Monodelphis americana - MZUSP 33097). I: Faixa mediana dorsal presente (Philander andersoni - MZUSP
22350). Figura D está em preto e branco de modo a facilitar a visualização dos pêlos setiformes de base branca e ápice escuro
e dos longos pêlos-guarda brancos. Imagens em escalas distintas.
os seguintes padrões de coloração: regiões facial e lombar avermelhadas em contraste com a porção
mediana do corpo, que é acinzentada; laterais da cabeça e do corpo avermelhadas em contraste com a
linha mediana dorsal acinzentada; pelagem escura constituída de pêlos de base esbranquiçada e ápice
enegrecido; e pelagem com um padrão denominado tricolor por Tate (1933), que na realidade estava se
referindo a três tonalidades e não três cores assim distribuídas: uma zona dorsal de tonalidade nitidamente
mais escura, bem distinta das zonas laterais de tonalidade mais clara.
A pelagem ventral também apresenta grande variação taxonômica nos didelfídeos (Figura 4). Em
algumas espécies o ventre é totalmente coberto por pêlos bicolores, ou seja, de base cinza e ápice claro
(branco, creme, amarelado ou alaranjado). Em outras, apenas as laterais do ventre são cobertas por este
tipo de pelagem, sendo que a porção mediana do ventre está coberta por pêlos unicolores, ou seja, claros
da base ao ápice. A faixa de pêlos de base cinza possui largura e comprimento variável entre as espécies.
Por fim, há espécies com ventre totalmente coberto por pêlos unicolores claros.
Figura 5. Fêmea de Cryptonanus agricolai sem marsúpio, mostrando os filhotes aderidos às mamas na região inguinal/abdo-
minal. Foto gentilmente cedida por R. Gaiga.
Cauda (Figuras 6 e 7)
A maioria das espécies de didelfídeos possui cauda longa, com comprimento maior que o compri-
mento da cabeça e corpo, porém algumas espécies possuem cauda mais curta que esta última medida.
A coloração da cauda também varia entre as espécies, podendo ser homogeneamente pigmentada
ou despigmentada na porção terminal; neste último caso a transição entre as porções pigmentada e
despigmentada ocorre gradualmente ou abruptamente. A extensão em que a pelagem corporal cobre
a cauda também varia taxonomicamente. Na maioria das espécies a pelagem corporal restringe-se à
base da cauda, não ultrapassando 15 mm de extensão no dorso e no ventre. Em outras espécies a pe-
lagem estende-se por alguns centímetros no dorso e no ventre, mas ainda permanece restrita à porção
proximal da cauda (no máximo 1/3 do comprimento caudal). Há espécies, no entanto, com pelagem
corporal cobrindo metade, 2/3 ou totalmente a porção dorsal da cauda; nessas espécies a pelagem pode
cobrir uma porção nitidamente menor no ventre da cauda ou se estender por quase todo o ventre (em
Caluromysiops e Glironia). Os diferentes padrões de morfologia da cauda dos didelfídeos encontram-
se na Figura 6.
A parte da cauda que não está coberta por pêlos corporais deixa à mostra escamas caudais e diminutos
pêlos inseridos na margem de cada escama. Escamas retangulares estão dispostas de maneira circular
ao longo do eixo maior da cauda (padrão anelar), ao passo que escamas romboidais (losangulares) estão
arranjadas em espiral ou então de maneira irregular (ora em espiral, ora em anel no mesmo indivíduo) ao
longo do eixo maior da cauda. Os pêlos associados às escamas caudais variam em comprimento, podendo
ser curtos (de comprimento semelhante a uma escama; Figura 7D-E colorida) ou longos (comprimento
maior ou igual a três escamas; Figura 7C). Há geralmente três pêlos associados a cada escama caudal,
dos quais o central é ligeiramente maior que os demais. No gênero Marmosops o pêlo central da tríade é
nitidamente mais espesso e geralmente mais pigmentado que os pêlos laterais, resultando em um padrão
de pêlo peciolado (Figura 7E). Na maioria das espécies a porção ventral distal da cauda apresenta uma
superfície preênsil lisa ou coberta por escamas modificadas e sem pêlos; em ambos os casos é possível
observar um pequeno sulco com dobras transversais na pele, e na ponta da cauda uma almofada termi-
nal expandida com dermatoglifos. Por fim, a maioria das espécies possui cauda fina, mas representantes
dos gêneros Thylamys e Lestodelphys (este último ausente no Brasil) possuem cauda espessa devido ao
acúmulo de gordura (Figura 6D).
Mão, punho e pé
A mão possui cinco dedos, todos providos de garras. Os dedos tendem a ser mais curtos nas
espécies terrícolas e mais longos nas espécies arborícolas ou escansoriais. Em algumas espécies
os dedos III e IV apresentam comprimentos semelhantes e são os maiores, condição denominada
paraxônica. Outras possuem a condição mesaxônica, na qual o dedo III é o maior. Uma terceira
Morfologia Crâniodentária
Os crânios dos didelfídeos contêm muitas características informativas quanto aos hábitos de vida e
identidade taxonômica desses animais. Em termos funcionais o crânio pode ser dividido em duas regiões
distintas: a região craniana propriamente dita (cerebral) e a região facial. Mas, para fins didáticos, essas
regiões podem ainda ser subdivididas em: rostro, região orbital, caixa craniana, palato e basicrânio. Além
disso, a mandíbula e principalmente os dentes também contêm informações relevantes do ponto de vista
anatômico-funcional e taxonômico.
Apresentamos abaixo uma breve descrição das estruturas que constituem o crânio dos marsupiais
didelfídeos, dando ênfase àquelas relevantes para a identificação das espécies do grupo. Apesar de conter
vários termos anatômicos, vale mencionar que a leitura deste texto, acompanhada da análise simultânea
de um crânio didelfídeo, pode se tornar uma atividade interessante que envolve a observação direta das
estruturas mencionadas e torna mais fácil o aprendizado dos termos citados. A nomenclatura utilizada
segue Voss & Jansa (2003, 2009), que devem ser consultados por leitores que buscam maiores detalhes
Figura 8. Vista lateral do crânio e da mandíbula de Metachirus nudicaudatus (MZUSP 27230). C1, canino superior; c1, canino
inferior; coc, côndilo occipital; Eq, esquamosal; Et, ectotimpânico; fio, forame infraorbital; flc, forame lacrimal; fme, forame
mentoniano; Fr, frontal; fse, forame subesquamosal; fsg, fossa glenóide; I 1-5, incisivos superiores; i 1-4, incisivos inferiores;
Ip, interparietal; Jg, jugal; Lac, lacrimal; M1-4, molares superiores; m1-4, molares inferiores; Mx, maxilar; Na, nasal; P1-3,
pré-molares superiores; p1-3, pré-molares inferiores; Pa, parietal; Pal, palatino; pan, processo angular; pcd, processo condilóide;
pcr, processo coronóide; Pe, porção mastóidea do petroso (ou simplesmente mastóide); Pmx, pré-maxilar; Poc, paraoccipital;
ppg, processo pós-glenóide; ppr, processo do paraoccipital; Pt, pterigóide; Soc, supraoccipital. Escala: 10 mm.
orbital está a margem supraorbital que pode ser desprovida de crista, apresentar uma crista arredondada
e não proeminente, ou apresentar uma crista desenvolvida e proeminente, com um processo triangular
denominado processo pós-orbital. Este processo é formado pelo frontal em todos os gêneros, com exceção
de Glironia cujo processo é formado pelo frontal e o parietal (Figura 12).
ressaltar que as cristas supraorbital, temporal e lambdoidal apresentam ampla variação etária e sexual
nos didelfídeos, sendo mais desenvolvidas em exemplares machos ou de idades mais avançadas. O
parietal é bem desenvolvido; esse osso contata anteriormente o frontal, posteriormente o interparietal
e às vezes também o supraoccipital e o mastóide, e ventralmente o esquamosal e o alisfenóide (Figura
13A), com exceção do gênero Metachirus no qual o parietal não alcança o alisfenóide (Figura 8). O
interparietal encontra-se totalmente fusionado ao supraoccipital, mas nunca ao parietal; em algumas
espécies, estende-se ventralmente até contatar o esquamosal. O esquamosal forma a parte posterior
da caixa craniana e também parte do arco zigomático. Na raiz esquamosal do arco zigomático está a
fossa glenóide, onde a mandíbula se articula com o crânio. A margem posterior desta fossa forma o
processo pós-glenóide. Posterior ao processo pós-glenóide forma-se uma crista que se estende da base
do arco zigomático até a sutura esquamosal-mastóide. Ventralmente a esta crista situa-se o forame
subesquamosal. Na maioria dos didelfídeos o supraoccipital e os exoccipitais formam a margem dorsal
do forame magno, porém em algumas espécies apenas os exoccipitais formam esta margem (ver Figura
13A e C em Voss & Jansa, 2009: 35).
nervos ou vasos sanguíneos). Todas as espécies de didelfídeos apresentam forame incisivo, fenestra
maxilopalatina e forame póstero-lateral (Figura 14). O forame incisivo, que perfura o pré-maxilar
e o maxilar, é sempre alongado, com margem posterior podendo ultrapassar o canino superior (C1)
(Figura 14D). A fenestra maxilopalatina, geralmente bastante alongada, ocupa a margem posterior
do maxilar e anterior do palatino. Na porção posterior do maxilar, onde este osso conecta-se com o
palatino, está a fenestra póstero-lateral, de formato elíptico, cuja margem anterior pode ultrapassar o
quarto molar superior (M4) (Figura 14F). Algumas espécies apresentam fenestra palatina constituída
por uma única perfuração circular em cada lado do palatino (Figura 14C) ou por múltiplas perfurações
menores (Figura 14E). Algumas espécies podem apresentar também fenestra maxilar, constituída por
uma perfuração alongada em cada lado do maxilar, posicionada entre a fenestra maxilopalatina e os
molares superiores (Figura 14C).
Mandíbula (Figura 8)
Formada pelo osso dentário. O ramo horizontal contém os alvéolos dentários e o ramo ascendente
contém dois processos bem desenvolvidos - o coronóide na porção superior e o condilóide (ou condilar)
na porção inferior, além do processo angular que é muito estreito e está medialmente deslocado formando
um ângulo de quase 90° com o ramo ascendente (Figura 8). Os forames mentonianos apresentam posição
variável, inclusive nas duas mandíbulas de um mesmo indivíduo. A fossa massetérica é profunda e o
processo condilóide muito expandido lateralmente.
(M1-M4), os primeiros tendem a ser mais largos do que os últimos em algumas espécies, mas na maioria
delas o que se nota é a tendência oposta. Os molares possuem o padrão tribosfênico, apresentando três
cúspides principais – paracone, protocone e metacone - conectadas por cristas que formam uma figura
triangular (Figura 1C-D). Apresentam também uma extensão na base de sua margem anterior, que cons-
titui o cíngulo anterior. Quando a crista que parte da face anterior do protocone (pré-protocrista) passa
lateralmente pelo paracone para se juntar ao cíngulo anterior, forma-se uma linha contínua chamada por
alguns autores de cíngulo anterior completo. Por outro lado, quando a pré-protocrista estende-se apenas
até alguma região próxima à base do paracone tem-se um cíngulo anterior incompleto (Figura 1).
Os incisivos inferiores (i1-i4) possuem uma cúspide lingual conspícua na maioria das espécies de
didelfídeos, porém em algumas espécies esta cúspide é inconspícua ou ausente (ver Figura 22 em Voss
& Jansa, 2009: 56). O canino inferior (c1) pode ser ereto, com coroa cônica e sem cúspide acessória
1a. Superfície palmar sem almofadas; processo carnoso (lembrando o formato de um dedo) na
superfície do pulso presente; pés com membranas interdigitais (Figura 4C); pelagem densa com
faixas transversais negras alternadas com faixas transversais acinzentadas e unidas por uma linha
mediana dorsal (Figura 3B); um único forame lacrimal em cada osso lacrimal; um único forame
mentoniano de cada lado da mandíbula ................................................................... Chironectes
1b. Superfície palmar com almofadas distintas; processo carnoso na superfície do pulso ausente;
pés sem membranas interdigitais; padrão de coloração dorsal variado, mas nunca com barras
transversais; geralmente dois forames lacrimais em cada osso lacrimal (Figura 11B); dois fora-
mes mentonianos de cada lado da mandíbula (Figura 8) ........................................................... 2
2a. Superfície dorsal da cauda coberta desde a base até a ponta por pelagem longa e macia (Figura
6E); máscara facial enegrecida e faixa rostral esbranquiçada e bem delimitada estendendo-se
até a nuca (Figura 2D); processo pós-orbital presente e formado pelos ossos frontal e parietal
(Figura 12F) ..................................................................................................................... Glironia
2a. Superfície dorsal da cauda macroscopicamente nua em pelo menos 1 ou 2 centímetros na ex-
tremidade distal; faixa rostral esbranquiçada ausente; processo pós-orbital ausente ou presente
e formado exclusivamente pelo frontal ...................................................................................... 3
Tabela 2. Caracteres diagnósticos das espécies de Caluromys que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = com-
primento da cabeça e corpo. Dados extraídos de Gardner (2008a), Voss & Jansa (2009) e presente estudo.
C. lanatus C. philander
CC (mm) 245-331 (n=11) 208-255 (n=7)
Ca (mm) 320-435 (n=11) 250-400 (n=6)
Textura/comprimento da pelagem dorsal Lanosa, longa Lanosa, curta
Incompleto, composto por duas dobras
Marsúpio Completo, abrindo-se anteriormente de pele nas laterais do abdome e região
inguinal, abrindo-se medianamente
Coloração das orelhas Castanhas escuras ou pretas Pálidas
Castanho-avermelhada a amarelada Castanha pálida em todo o dorso e sobre
Coloração dorsal sobre os ombros, com uma faixa central as patas, com coloração mais acinzenta-
acinzentada entre os ombros da (contrastante) apenas na face
> 70 mm (40-70 % da extensão da cau- 30-70 mm (10-20 % da extensão da
Extensão da pelagem corporal na cauda da) dorsalmente; 20-35 % da extensão cauda), em igual proporção dorsal e
da cauda ventralmente ventralmente
Comentários taxonômicos: o gênero nunca foi revisado e algumas das populações analisadas mos-
traram divergências expressivas na morfologia e nas sequências do gene citocromo b (Voss et al., 2001;
Patton & Costa, 2003), podendo vir a constituir táxons válidos no futuro. A validade dos subgêneros
propostos precisa ainda ser testada em análises filogenéticas com maior número de táxons.
Tabela 3. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Marmosa que ocorrem no Brasil. Ca =
comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo; CT = comprimento total. Dados extraídos de Patton et al. (2000),
Rossi (2005), Creighton & Gardner (2008a), Gardner & Creighton (2008a), Sancha et al. (2011) e presente estudo.
M. lepida M. murina M. constantiae M. demerarae
M. paraguayana M. regina
CT (mm) -- -- 352-412 (n=3) 378-500 (n=39)400 380-492 (n=41)
CC (mm) 88-120 (n=6) 95-240 (n=440) -- -- 142-250b --
Ca (mm) 138-167 (n=6) 139-280 (n=433) 213-235 (n=3) 227-287 (n=39)
159-232b 238-294 (n=41)
Textura da Longa, mas não
Lisa Lisa Lanosa Lanosa Lanosa
pelagem lanosa
Castanho-acin- Castanho-acin- Castanho-acin-
Coloração Castanho-aver- Castanho-acin-
zentada tingida de zentada tingida de Acinzentada zentada tingida
dorsal melhada intensa zentada
amarelo creme ou amarelo de laranja
Amarelada ou
Creme, com Creme, amarela- Creme, com
creme, com largas
Creme-esbran- faixas laterais Amarelada ou da ou alaranjada, faixas laterais
faixas laterais de
Coloração quiçada, sem de pêlos de base creme-esbranqui- com pêlos de de pêlos de base
pêlos de base cin-
ventral pêlos de base cinza que nunca çada, sem pêlos de base cinza na cinza que nunca
za que frequente-
cinza se unem no peito base cinza maior parte do se unem no peito
mente se unem no
e abdome ventre e abdome
peito e abdome
Extensão
da pelagem
< 15 mm < 15 mm > 20 mm > 30 mm > 30 mm < 20 mm
corporal na
cauda
Homogeneamente
Geralmente ho-
Coloração da Homogeneamen- Homogeneamen- Despigmentada na pigmentada ou Despigmentada
mogeneamente
cauda te pigmentada te pigmentada ponta despigmentada na na ponta
pigmentada
ponta
Muito desenvol-
Processo Presente (seme- Presente (seme- Presente (seme- Presente (seme- Presente (seme-
vido (maior que
rostral do lhante à altura lhante à altura lhante à altura lhante à altura lhante à altura
a altura do I1;
pré-maxilar do I1) do I1) do I1) do I1) do I1)
Figura 10D)
Cristas su- Proeminentes Pouco desenvol-
Proeminentes Proeminentes Proeminentes Proeminentes
praorbitais (Figura 12D) vidas
Processo Desenvolvido Ausente ou
Desenvolvido Desenvolvido Desenvolvido Desenvolvido
pós-orbital (Figura 12D) inconspícuo
Cristas tempo- Moderadamente Moderadamente Moderadamente Fortemente con- Moderadamente
Paralelas
rais convergentes convergentes convergentes vergentes convergentes
Fenestras Geralmente pre-
Ausentes Ausentes Ausentes Ausentes Ausentes
palatinas sentesa
Cúspide aces- Ausente ou
Geralmente
sória posterior presente (Figura Ausente Ausente Ausente Ausente
ausente
do C1 16C)
a
Embora o tipo de constantiae Thomas, 1904 claramente não apresente fenestras palatinas, o tipo de budini Thomas, 1920, atualmente considerado sinônimo do
primeiro, apresenta tais fenestras (ver Tate, 1933), assim como os exemplares associados a M. constantiae por Sancha et al. (2011).
b
Com base em Rossi et al. (2006).
57
tado, con- e ápice tado, con- za claro sem pêlos
Coloração base cinza e base cinza cinza e base cinza Alaran- tado, con- alaranja- cinza e ápice -amar-
trastando creme, ? trastando e ápice ? de base
ventral ápice creme e ápice ápice e ápice jada trastando do, não creme-ama- romzado,
fortemente sem con- fortemente creme- cinza, às
amarelado alaranjado alaran- amarelado com as contras- relado lavado
com as traste com com as -alaran- vezes com
jado laterais tando de tons
laterais as laterais laterais jado uma faixa
com as violáceos
amarelada
BIOLOGIA
laterais
na linha
mediana
Grupo Grupo Grupo
Grupo americana Grupo brevicaudata Grupo theresa
dimidiata emiliae kunsi
M. M. ru- M. umbris- M. unis- M. arlin- M. brevi- M. domes- M. M. ma- M. dimi- M. the- M. emi-
M. iheringi M. touan M. scalops M. kunsi
americana bidaa triata b triata c doi caudata tica glirina raxina diata resa liae
CT (mm) -- -- -- -- -- -- -- -- -- ~ 213 f -- -- -- -- 142-166 g --
BIOLOGIA
90-118 75-100 d 120- d 105-136 c 63-163
CC (mm) 160 ~ 123 ~ 135 120-182 143-170 d 123-179 e -- 138-170 77-97 -- 71-94 h
(n=4) (n=8) 180 d (n=3) (n=33)
58
53-60 61-70
Ca (mm) 40-60 (n=5) 64 ~ 53 ~ 62 70-98 d 64-97 d 46-91 e 65-106 d ~ 79 f 79-95 d ~ 47 c 37-83 (n=34) 45-53 g 41-42 h
(n=8) (n=3)
Distin- Distin-
Simila- Lava- Distinta-
Queixo e Similares ao Similares Similares tamente tamente Similares Alaranja- Similares Similare- Similares
res ao i ? dos de ? mente aver- ?
garganta ventre ao ventre i ao ventre averme- averme- ao ventre dos ao ventre sao ventre ao ventre
ventre laranja melhados
lhados lhados
Cobrindo Cobrindo Cobrindo Cobrindo
Exten-
Res- até 1/3 até 1/3 até 1/3 até 1/3
são da Restrita Restrita Restrita Restrita RestritaRestrita Restrita Restrita Restrita
trita à ou mais ou mais ou mais Restrita à ou mais
pelagem à base da à base da à base da à base da à base da
à base da à base da à base da ? à base da
base da da porção da porção da porção base da cauda da porção
corporal cauda cauda cauda i cauda cauda cauda cauda cauda cauda
cauda i dorsal da dorsal da dorsal da dorsal da
na cauda
cauda cauda cauda cauda
Ausente, Ausente,
Ausente, Ausente, Ausente, Ausente,
ou pouco ou pouco Ausente, ou Ausente, ou
ou pouco ou pouco ou pouco ou pouco
Desen- desen- desen- pouco de- pouco de-
Crista Desenvol- desenvol- desenvol- desenvol- Desen- desenvol-
Incipiente Ausente volvi- ? volvidas volvidas senvolvidas ? senvolvidas Ausente
sagital i vida i vidas (em vidas (em vidas (em volvida vidas (em
da (em (em (em machos (em machos
machos machos machos machos
machos machos adultos) adultos)
adultos) adultos) adultos) adultos)
adultos) adultos)
Pre-
Geralmente
sente,
Presente, ausente,
Presente, forma-
forma- quando
formado do pela Presente,
do pela presente,
pela lâmina lâmina formado pela
Forame lâmina Geral- formado
medial do medial barra medial
oval se- Ausente medial do ? Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente ? mente pela lâmina
processo do pro- do processo
cundário processo ausente medial do
timpânico cesso timpânico do
timpânico processo
do alisfe- timpâ- alisfenóide
do alisfe- timpânico
nóide nico do
nóide i do alisfe-
alisfe-
nóide
nóide i
a
Informações com base em Thomas (1899), exceto quando outra fonte é mencionada.
Pêlos amarelados Presentes, mas em Presentes, mas em Presentes e geral- Presentes, mas em
Ausentes
atrás das orelhas pequena quantidade pequena quantidade mente abundantes pequena quantidade
Acinzentada e com
Cinza-enegrecida, Acinzentada, sem
faixa mediana ene- Enegrecida, com Castanho-acinzen-
com certo brilho faixa mediana ou
Pelagem dorsal grecida bem definida faixa mediana mal tada ou acinzentada,
metálico, sem faixa com faixa incons-
(3-4 cm de largura; definida (Figura 6B) sem faixa mediana
mediana pícua
Figura 3I)
Creme- acinzentada a Creme- esbranqui- Cinza-enegrecida Creme-esbranqui- Creme-esbranqui-
Pelagem ventral
creme çada (Figura 4E) çada çada
Porção distal Geralmente ½ de Geralmente menor
~ 1/3 de seu compri- ~ 1/3 de seu com- ~ 1/2 de seu compri-
despigmentada da seu comprimento que 1/3 de seu com-
mento total primento total mento total
cauda total primento total
Curta e com extre-
Longa e com extre- Longa e com extre- Longa e com extre-
Porção posterior midade posterior
midade posterior midade posterior ? midade posterior
do nasal tendendo a arredon-
fortemente afilada fortemente afilada fortemente afilada
dada
Notadamente
Alinhado à margem Alinhado à margem
posterior à margem
Forame rotundo ? posterior da fissura ? posterior da fissura
posterior da fissura
esfenorbital esfenorbital
esfenorbital
Tabela 7. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Cryptonanus que ocorrem no Brasil. Ca =
comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo. Dados extraídos de Voss et al. (2005), Quintela et al. (2011) e
presente estudo.
BIOLOGIA
M. bishopi M. parvidens M. pinheiroi M. impavidus M.neblina M. ocellatus M. noctivagus M. incanus M. paulensis
CT = 240-431 CT = 243-365
CC (mm) 90-105 (n=5) 93-107 (n=7) 94-121 (n=8) 109-130 (n=5) 113-129 (n=2) 104-140 (n=7) 120-141 (n=8)
66
(n=231) (n=45)
Ca (mm) 116-137 (n=5) 142-160 (n=7) 142-156 (n=8) 132-180 (n=9) 145-170 (n=2) 146-186 (n=7) 154-202 (n=22) 140-237 (n=231) 145-212 (n=45)
Castanho- acin- Castanho Castanho Castanho Castanho Castanho- acin-
Coloração Castanho Castanho Castanho- acin-
zentada tingida de acinzentada tingida acinzentada pálido ou acinzentada tingida zentada tingida de
dorsal acinzentada clara acinzentada zentada
vermelho pálido de vermelho escura acinzentada clara de laranja vermelho
Faixa lateral de
pêlos de base
cinza e ápice Creme, com larga
Esbranquiçada, Esbranquiçada,
branco sempre Creme, com faixa faixa lateral de Creme, geralmente Branca, com faixa
com ou sem faixa geralmente sem Creme, sem faixa Branca, sem faixa
Coloração presente, variando lateral de pêlos de pêlos de base cinza sem faixa lateral lateral de pêlos de
lateral de pêlos de faixa lateral de lateral de pêlos de lateral de pêlos de
ventral de estreita à muito base cinza e ápice e ápice creme que de pêlos de base base cinza e ápice
base cinza e ápice pêlos de base base cinza base cinza
larga, ocupando creme ocupa quase todo o cinza branco
branco cinza
grande parte do ventre
ventre (Figura 4D
colorida)
Distintamente Levemente
Levemente bicolor,
Coloração Unicolor ou Unicolor ou Unicolor ou Uniformemente bicolor, com Unicolor ou bicolor, com
Levemente bicolor com parte apical
da cauda levemente bicolor levemente bicolor levemente bicolor escura parte apical levemente bicolor parte apical
esbranquiçada
esbranquiçada esbranquiçada
Margem
Alinhado ao C1 Alinhado ao P1
posterior do Alinhado ao C1 Alinhado ao C1 Alinhado ao C1 Alinhado ao C1 Alinhado ao C1 Alinhado ao C1 Alinhado ao C1
(Figura 14D) (Figura 14D)
forame incisivo
Não expostos Expostos em vista Parcialmente
Forames Expostos em vista Expostos em vista Expostos em vista Expostos em vista Expostos em vista
em vista lateral lateral ? expostos em vista
lacrimais lateral lateral lateral lateral lateral
(Figura 11A) (Figura 11B ) lateral
Arredondada e não
Ausente ou
proeminente (“be- Arredondada e
Crista Ausente Geralmente arredondada e
Ausente Ausente Ausente Ausente aded”), geralmente não proeminente
supra-orbital (Figura 12B) ausente não proeminente
encobrindo a cons- (“beaded”)
(“beaded”)
trição pós-orbital
Um par em cada Uma ou mais
Fenestra Um par em cada Um par em cada Um par em cada Ausente ou incons-
Tabela 10. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Thylamys que ocorrem no Brasil. Ca =
comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo. Dados extraídos de Carmignotto & Monfort (2006).
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Identificação Microscópica
de Pelos de Marsupiais
Brasileiros
Juliana Quadros* †
*
Universidade Federal do Paraná, Setor Litoral. Rua Jaguariaíva, 512, Caiobá. Matinhos, PR,
83260-000, Brasil.
† E-mail: quadros.juliana@hotmail.com
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 73-91, 2012.
Introdução
Os pelos são anexos epidérmicos exclusivos dos mamíferos. A microestrutura e a bioquímica dos
pelos revelam que são formados por três camadas concêntricas de células queratinizadas: a cutícula, o
córtex e a medula. Essas camadas apresentam padrões que, quando combinados entre si, conferem a uma
determinada espécie características diagnósticas específicas, sendo portanto estruturas anatômicas de
grande valia na identificação das espécies (Quadros & Monteiro-Filho, 2006a). Usualmente a pelagem dos
mamíferos apresenta vários tipos de pelos com diferentes funções como isolamento térmico, isolamento
hídrico, proteção mecânica, camuflagem e percepção tátil (Hershkovitz, 1977; Pough et al., 1999), mas
que podem ser agrupados em duas grandes categorias: os pelos-guarda e os subpelos (Teerink, 1991).
Os primeiros apresentam ao longo de seu comprimento duas porções principais: a haste (porção basal)
e o escudo (porção distal alargada). São as características cuticulares da haste e medulares do escudo
dos pelos-guarda as mais úteis na identificação de amostras desconhecidas. Os subpelos não são usados
na identificação porque são muito semelhantes entre espécies diferentes (Teerink, 1991; Quadros &
Monteiro-Filho, 2006a).
Estudos têm sido desenvolvidos com o intuito de conhecer cada vez melhor a microestrutura dos
pelos dos mamíferos em todo o mundo (Hausman, 1920, 1924, 1930, 1944; Mathiak, 1938; Mayer, 1952;
Benedict, 1957; Brunner & Coman, 1974; Koppikar & Sabnis, 1975; Keller, 1978, 1980, 1981a, b; Buys
& Keogh, 1984; Keogh, 1983, 1985; Taylor, 1985; Teerink, 1991; Wallis, 1993; Fernández & Rossi,
1998; Quadros & Monteiro-Filho, 2006a; Quadros & Monteiro-Filho, 2010). Tais esforços fornecem
subsídios a outros estudos aplicados como os de inventários mastofaunísticos e ecologia alimentar (Day,
1966; Hilton & Kutscha, 1978; Thompson et al., 1987; Oli, 1993; Chakraborty et al., 1996; Wolf & Long,
1997; De et al., 1998; Quadros & Monteiro-Filho, submetido).
Os marsupiais, assim como os roedores, são presas importantes e comumente encontradas na dieta
de predadores (p.ex. Emmons, 1987; Ebensperger et al., 1991; Facure & Giaretta, 1996; Martins et al.,
2008; Rocha-Mendes et al., 2010; Quadros & Monteiro-Filho, submetido). Fezes, conteúdos gastrintes-
tinais e egagrópilas eventualmente apresentam dentes e ossos das espécies-presa, os quais auxiliam na
identificação. No entanto, muitas vezes o material disponível é composto apenas de tufos de pelos. Nesse
sentido, a diagnose das espécies de mamíferos através de seus pelos propicia uma melhora nas identifi-
cações de presas presentes na dieta dos predadores. Particularmente em estudos sobre a conservação de
espécies em áreas protegidas, a identificação de pelos tem sido utilizada como importante ferramenta
nos inventários da ecologia alimentar de algumas espécies (Perrin & Campbell, 1980; Oli et al., 1993;
Martins et al., 2008; Rocha-Mendes et al., 2010; Quadros & Monteiro-Filho, submetido).
Alguns estudos realizados em outros países abordam, entre outros mamíferos, características mor-
fológicas de pelos de marsupiais (Mathiak, 1938; Mayer, 1952; Spiers, 1973; Brunner & Coman, 1974;
Taylor, 1985; Müller, 1989; Fernández & Rossi, 1998). Das 53 espécies da ordem Didelphimorphia listadas
para o Brasil há poucos anos (Rossi et al., 2006; Gardner, 2008), 20 (38% aproximadamente) tiveram a
Material e Métodos
Procedimentos
Para a preparação de lâminas de referência, foram coletados tufos de pelos da região de intersecção
da linha mediana com a linha da cintura escapular no dorso dos espécimes, preferencialmente tombados
em coleções científicas e/ou que possuam procedência e identificação seguras (Apêndice 1). Na escolha
dos espécimes também se considerou a maior abrangência geográfica possível, de acordo com a dispo-
nibilidade de material e distribuição das espécies. Os pelos-guarda foram separados com auxílio de lupa,
lavados em álcool comercial puro e secos com papel absorvente. Para visualização da cutícula as lâminas
foram preparadas pressionando pelos-guarda contra uma delgada camada de esmalte para unhas, incolor,
espalhada previamente sobre a lâmina. Depois da impressão os pelos foram retirados do esmalte e pro-
cessados para montagem da lâmina para visualização da medula, da seguinte maneira: foram embebidos
em água oxigenada cremosa 30 volumes de uso cosmético por 80 minutos, lavados em água e totalmente
secos em papel absorvente. Em seguida, foram montadas lâminas permanentes com meio de moontagem.
Os pelos mais espessos de Didelphis spp. foram seccionados transversalmente no escudo para facilitar a
penetração e ação da água oxigenada. Mais detalhes sobre as técnicas utilizadas podem ser encontrados
em Quadros & Monteiro-Filho (2006b).
Figura 1. Variações do padrão medular escalariforme, observadas nas espécies de marsupiais estudadas.
Padrão cuticular conoidal: variação na posição das escamas em relação ao eixo transversal do pelo
Figura 2. Variações do padrão cuticular conoidal, observadas para as espécies de marsupiais estudadas.
Resultados
Tabela 3. Padrões medulares observados no escudo dos pelos-guarda das espécies de marsupiais estu-
dadas).
Padrão Medular
Espécie
Escalariforme Literáceo Reticular Crivado
Caluromys philander
Chironectes minimus
Didelphis albiventris
Didelphis aurita
Gracilinanus microtarsus
Lutreolina crassicaudata
Marmosa paraguayana
Marmosops incanus
Metachirus nudicaudatus
Monodelphis americana
Monodelphis dimidiata
Monodelphis domestica
Monodelphis iheringi
Monodelphis scalops
Philander frenatus
8a. Medula com células biplanas - Marmosops incanus (Figuras 3.7 e 3.8)
8b. Medula com outro tipo de células - 13
9a. Medula com margens ondeadas e formação de literóides conspícua - Philander frenatus (Figuras 3.9
e 3.10)
9b. Medula com margens crenadas e formação de literóides inconspícua - 14
11a. Cutícula conoidal simétrica – Medula com células biplanas - Gracilinanus microtarsus (Figuras
3.15 e 3.16)
11b. Cutícula conoidal assimétrica - Medula com células convexo-côncavas – Marmosa paraguayana
(Figuras 3.17 e 3.18)
12a. Medula com células plano-côncavas - Monodelphis domestica (Figuras 3.19 e 3.20)
12b. Medula com células biplanas - Caluromys philander (Figuras 3.21 e 3.22)
13a. Medula com células plano-côncavas - Monodelphis americana (Figuras 3.23 e 3.24)
13b. Medula com células convexo-planas - Monodelphis dimidiata (Figuras 3.25 e 3.26)
14a. Cutícula folidácea estreita no fim da haste - Monodelphis iheringi (Figuras 3.27 e 3.28)
14b. Cutícula losângica intermediária no fim da haste - Monodelphis scalops (Figuras 3.29 e 3.30)
Figura 3.3 – medula, Metachirus nudicaudatus (400x) Figura 3.4 – cutícula, M. nudicaudatus (400x)
Figura 3.5 – medula, Lutreolina crassicaudata (400x) Figura 3.6 – cutícula, L. crassicaudata (400x)
Figura 3.7 – medula, Marmosops incanus (400x) Figura 3.8 – cutícula, M. incanus (400x)
Figura 3.11 – medula, Didelphis albiventris (400x) Figura 3.12 – cutícula, D. albiventris (400x)
Figura 3.13 – medula, Didelphis aurita (400x) Figura 3.14 – cutícula, D. aurita (200x)
Figura 3.15 – medula, Gracilinanus microtarsus (400x) Figura 3.16 – cutícula, G. microtarsus (400x)
Figura 3.19 – medula, Monodelphis domestica (400x) Figura 3.20 – cutícula, M. domestica (400x)
Figura 3.21 – medula, Caluromys philander (200x) Figura 3.22 – cutícula, C. philander (200x)
Figura 3.23 – medula, Monodelphis americana (400x) Figura 3.24 – cutícula, M. americana (400x)
Figura 3.27 – medula, Monodelphis iheringi (400x) Figura 3.28 – cutícula, M. iheringi (400x)
Figura 3.29 – medula, Monodelphis scalops (200x) Figura 3.30 – cutícula, M. scalops (400x)
Figura 3. Fotografias do padrão medular e cuticular dos pelos-guarda das espécies de marsupiais estudadas.
Discussão
Estudos com pelos de espécies de marsupiais de diferentes continentes, como ilustrado por Brunner
& Coman (1974) sobre os marsupiais australianos, mostram que os padrões medulares mais comuns são
o escalariforme e o literáceo, e a cutícula é frequentemente folidácea, losângica e conoidal. Como são
muitas espécies para os mesmos padrões básicos medulares e cuticulares, a caracterização nesse nível não
possibilita a identificação específica, levando os tricologistas a buscar variações desses padrões, mesmo
Conclusão
Quando diferentes conjuntos de espécies são analisados surgem disparidades entre os estudos, al-
gumas decorrentes das dificuldades de identificação dos exemplares e constantes mudanças nos arranjos
taxonômicos (sinonímias, espécies novas, elevação de subspécies a espécies, etc...); outras devidas a
Agradecimentos
Ao CNPq (bolsa de estudos nível Doutorado) pelo apoio financeiro. À Sociedade Fritz Müller de
Ciências Naturais e a UFPR pelo apoio logístico. Ao Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ), ao
Museu de Zoologia da Unicamp (ZUEC), ao Museu de História Natural Capão da Imbuia (MHNCI),
Museu de Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ao Museu de Zoologia da Pon-
tifícia Universidade Católica do Paraná (MZ-PUCPR) pela autorização para coletar amostras de pelos
de espécimes tombados em suas coleções. Especiais agradecimentos a João Alves de Oliveira e Sérgio
Maia Vaz (MNRJ), Estefano Jablonski (MZ-PUCPR), Emygdio L. A. Monteiro-Filho (ZUEC), Mauricio
Graipel (UFSC) e Tereza C. Castellano Margarido (MHNCI) pela ajuda na coleta de amostras de pelos.
À Luciana Ferreira (UFPR) pelos desenhos e edição das fotografias.
Referências
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estrutura dos pelos-guarda. Biota Neotropica, v. 11, p. 391-400, 2011.
AMMAN, B. R.; OWEN, R. D.; BRADLEY, R. D. Utility of hair structure for taxonomic discrimination in bats, with an example
from the bats of Colorado. Occasional Papers, Museum of Texas Tech University, v. 216, p. 1-16, 2002.
APPLEYARD, H. M. Guide to the identification of animal fibres. Leeds: Wool Industries Research Association, 1960.
Benedict, F. A. Hair structure as a generic character in bats. University of California Publications in Zoology, v. 59, p.
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Brunner, H.; Coman, B. J. The identification of mammalian hair. Melbourne: Inkata Press, 1974.
Buys, D.; Keogh, H. J. Notes on the microstructure of hair of the Orycteropodidae, Elephantidae, Equidae, Suidae and
Girafidae. South African Journal of Wildlife Research, v. 14, p.111-119, 1984.
CHAKRABORTY, R.; DE, J.K. Structure and pattern of cuticular scales on mid-dorsal guard hairs of marbled cat, Felis mar-
morata charltoni Gray (Mammalia: Carnivora: Felidae). Records of Zoological Survey in India, v. 95, p. 65-70, 1995.
Caluromys philander (n=13): MHNCI: 931 (Conselheiro Mairinck, PR). MNRJ: 1231 (Humboldt, SC), 7831 (Rio de
Janeiro, RJ), 11673 (Rio Teles Pires, Alto Tapajós, MT), 11723 (São João do Glória, MG), 16121 (São Benedito, CE), 20964
(Nova Timboteua, PA), 20786 (Manaus, AM), 30562 (Baía Formosa, RN). MZPUC/PR: 1105 (Conselheiro Mairinck, PR).
ZUEC:1242 (Campinas, SP), 1520 (Piracicaba, SP), 1241(Suzano, SP). Chironectes minimus (n=10): MNRJ: 1280 (Belém,
PR), 1282 (Joinville, SC), 1283 (Chapada dos Veadeiros, GO), 1285 (RS), 5897 (Santa Teresa, ES), 10507 (Rio de Janeiro, RJ),
11184 (Ilhéus, BA), 25739 (Serra do Navio, AP). UFSC: 2034 (Florianópolis, SC). ZUEC: 1687 (Santo André, SP). Didelphis
albiventris (n=40): MHNCI: 357 (Curitiba, PR), 358 (Castro, PR), 359 (Castro, PR), 411 (Serra Dourados, PR), 412 (Serra
Dourados, PR), 413 (Serra Dourados, PR), 414 (Estrada do Cerne, PR), 415 (Estrada do Cerne, PR), 423 (Castro, PR), 424
(Castro, PR), 425 (Curitiba, PR), 426 (Curitiba, PR), 716 (Ponta Grossa, PR), 825 (Porto Amazonas, PR), 1097 (Pinhão, PR),
1106 (Irati, PR), 1734 (Porto Amazonas, PR), 1735 (Curitiba, PR), 1736 (Curitiba, PR), 1989 (Antonina, PR), 2655 (Capitão
Leônidas Marques, PR), 2656 (São Luiz do Purunã, PR), 2658 (Pinhais, PR), 2659 (Adrianópolis, PR), 2660 (Curitiba, PR), 2661
(Curitiba, PR), 2663 (Curitiba, PR), 2664 (Curitiba, PR), 3409 (Curitiba, PR). MNRJ: 4737 (Anápolis, GO), 4766 (Maracaju,
MT), 8322 (Vitória da Conquista, BA), 17259 (Crato, CE), 22878 (Quebrângulo, AL), 22894 (Feira, BA), 23585 (Princesa
Isabel, PB), 23657 (Podocó, PE), 23690 (Porto Alegre, RS), 30050 (Brasilia, DF). MZPUC/PR: 1143 (Lapa, PR). Didelphis
aurita (n=44): MHNCI: 17 (Matinhos, PR), 29 (Reserva Florestal Santa Cruz, PR), 114 (Curitiba, PR), 128 (Faisqueiro, PR),
129 (Curitiba, PR), 161 (Serra da Prata, PR), 172 (Antonina, PR), 197 (Guaratuba, PR), 205 (Foz do Iguaçu, PR), 206 (Foz do
Iguaçu, PR), 207 (Foz do Iguaçu, PR), 210 (Rio Cubatão, PR), 223 (Guaratuba, PR), 245 (Baía de Guaratuba, PR), 246 (Baía
de Guaratuba, PR), 280 (Foz do Iguaçu, PR), 281 (Curitiba, PR), 330 (Contenda, PR), 331 (Matinhos, PR), 335 (Contenda,
PR), 337 (Contenda, PR), 356 (Serra Dourados, PR), 408 (Parque Nacional Sete Quedas, PR), 409 (Estrada do Cerne, PR), 427
(Serra Dourados, PR), 428 (Curitiba, PR), 652 (Ponta Grossa, PR), 712 (Ponta Grossa, PR), 848 (Curitiba, PR), 1737 (Tijucas
do Sul, PR), 2068 (Morretes, PR), 2654 (Represa do Passaúna, PR), 2657 (Represa do Passaúna, PR), 2662 (Ponta Grossa,
PR), 3143 (Curitiba, PR), 3144 (Morretes, PR), 3145 (Curitiba, PR), 3151 (Curitiba, PR), 3152 (Curitiba, PR). MNRJ: 2948
(Morro das Argolas, ES), 5641 (Além Paraíba, MG), 5808 (Caxias, RJ), 11321 (Ilhéus, BA), 46511 (Pedreira, SP). Gracilinanus
microtarsus (n=9): MHNCI: 1103 (Morretes, PR), 2792 (Piraquara, PR), 2793 (Piraquara, PR). MZPUC/PR: 1110 (Guaraque-
çaba, PR), 1112 (Guaraqueçaba, PR), 1114 (Araucaria, PR), 1120 (Araucaria, PR). UFSC: 2030 (Itapoá, SC), 3000 (Itapoá,
SC). Lutreolina crassicaudata (n=10): MHNCI: 3747 (São José dos Pinhais, PR), 3748 (Curitiba, PR), CTX 285 (Curitiba,
PR), CTX 3134 (Quatro Barras, PR). MNRJ: 20977 (Maracaju, MS), 24473 (Campinas, SP). UFSC: 82 (Florianópolis, SC),
602 (Florianópolis, SC); ZUEC: 1398 (Americana, SP), 1499 (Campinas, SP). Marmosops incanus (n=3): 8666 (Ilhéus, BA),
24687 (Além Paraíba, MG), 31467 (Santa Teresa, ES). Metachirus nudicaudatus (n=15): MHNCI: 2049 (Guaraqueçaba, PR),
2066 (Guaraqueçaba, PR), 2210 (Guaratuba, PR). MNRJ: 5499 (Morro das Argolas, ES), 8200 (Recife, PE), 11269 (Ilhéus, BA),
20228 (Teresinha, AP), 26614 (Além Paraíba, MG), 26889 (Nova Timboteua, PA), 30571 (São Miguel dos Campos, AL), 42792
(Magé, RJ). MZPUC/PR: 1107 (Guaraqueçaba, PR). UFSC: 2803 (Itapoá, SC), ZUEC: 1772 (Sete Barras, SP), 1379 (Estação
Ecológica da Juréia, SP). Marmosa paraguayana (n=21): MHNCI: 1732 (Iguaçu, PR), 1749 (Morretes, PR), 2598 (Morretes,
PR), 2791 (Morretes, PR), 3149 (Morretes, PR), 3150 (Morretes, PR), 3165 (Itu, SP). MZPUC/PR: 1117 (Morretes, PR), 1123
(Guaraqueçaba, PR), 1124 (Guaraqueçaba, PR), 1125 (Guaraqueçaba, PR), 1127 (Morretes, PR). UFSC: 146 (Florianópolis,
SC), 147 (Florianópolis, SC), 148 (Florianópolis, SC), 149 (Florianópolis, SC), 150 (Florianópolis, SC), 610 (Florianópolis,
SC), 741 (Caldas da Imperatriz, SC), 865 (Florianópolis, SC), 2582 (Mogiquaçu, SP). Monodelphis americana (n=4): MHNCI:
3147 (Morretes, PR), 3323 (Quatro Barras, PR). MNRJ: 7569 (Além Paraíba, MG), 11485 (Ilhéus, BA). Monodelphis domestica
(n=7): MNRJ: 16215 (Podocó, PE), 16338 (Princesa Isabel, PB), 16489 (Feira, BA), 16596 (Palmeira dos Índios, AL), 17014
(Itapajé, CE), 46586 (Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, GO), 46589 (Salinas, MG). Monodelphis iheringi (n=1): MNRJ:
10305 (Tijuca, RJ). Monodelphis scalops (n=1): MNRJ: 7248 (Teresópolis, RJ). Monodelphis dimidiata (n=5): MHNCI CTX
3205 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias, PR), CTX 3206 (Três Barras do Paraná, PR), CTX 3229 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias,
PR), CTX 3256 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias, PR), CTX 3262 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias, PR). Philander frenatus
(n=23): MHNCI: 26 (Matinhos, PR), 162 (Serra da Prata, PR), 212 (Guaratuba, PR), 213 (Guaratuba, PR), 2029 (Antonina, PR),
2596 (Guaratuba, PR), 2597 (Guaratuba, PR), 3148 (Piraquara, PR), 3333 (São José dos Pinhais, PR), 3749 (Quatro Barras,
PR), 3750 (Quatro Barras, PR). MNRJ: 5873 (Santa Teresa, ES), 26624 (Juiz de Fora, MG), 30443 (Casimiro de Abreu, RJ).
MZPUC/PR: 1101 (Morretes, PR), 1102 (Morretes, PR), 1104 (Morretes, PR), 1111 (Morretes, PR), 1113 (Morretes, PR), 1118
(Morretes, PR), 1119 (Morretes, PR), 1121 (Morretes, PR). UFSC: 757 (Três Barras, SC).
Distribuição Geográfica
dos Marsupiais no Brasil
Geruza L. Melo* †
Jonas Sponchiado**
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 93-110, 2012.
*
Laboratório de Ecologia e Biogeografia, Departamento de Biologia, Universidade Federal de
Santa Maria - UFSM, CEP 97110-970, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil. Programa de Pós-
-Graduação em Ecologia e Conservação, CCBS, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
- UFMS, CP 549, CEP 79070-900, Campo Grande, MS, Brasil.
† Autor correspondente: geruzalm@yahoo.com.br.
**
Laboratório de Ecologia e Biogeografia, Departamento de Biologia, Universidade Federal
de Santa Maria - UFSM, CEP 97110-970, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil. Programa de Pós-
-Graduação em Biodiversidade Animal, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM,
CEP 97110-970, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
Glironia
Única espécie do gênero, Glironia venusta Thomas, 1912 é uma espécie rara, porém com regis-
tros no leste do Equador e Peru, Bolívia e região norte do Brasil, até o estado do Mato Grosso, o que
sugere uma ampla distribuição. O fato de ser uma espécie arborícola, associado a uma baixa densidade
populacional, pode contribuir para ausência da espécie em inventários em outras localidades da bacia
amazônica (Díaz e Willig, 2004). Há nove registros da espécie no Brasil, sendo oito na bacia amazônica,
incluindo os estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso e Pará e um na bacia do Paraguai no sudoeste do
Mato Grosso (Rossi et al., 2010) (Figura 1).
Apêndice 1: 12, 13, 29, 43, 54, 68, 105, 108, 109, 116, 126.
Caluromys
O gênero Caluromys é composto por três espécies, duas delas com ocorrência exclusiva na América
do Sul e com distribuição no Brasil. As espécies do gênero são exclusivamente arborícolas, ocorrendo,
portanto, em ambientes florestais. Caluromys lanatus (Olfers, 1818) ocorre na Colômbia, Venezuela,
Caluromysiops
Caluromysiops é um gênero monoespecífico, sendo Caluromysiops irrupta Sanborn, 1951 a única
espécie que o compõe. Apresenta um único registro no Brasil em Rondônia, no alto Rio Jarú (Vivo &
Gomes, 1989) (Figura 2). Sua distribuição geográfica se dá em manchas, apresentando ainda ocorrência
em três localidades no sudeste e três no norte do Peru. Há ainda um registro a ser confirmado na Colômbia,
que alguns autores apontam como duvidoso, já que a área é próxima a um porto de tráfico de animais
selvagens da Amazônia para os Estados Unidos (Gardner, 2008).
Apêndice 1: 54, 124.
Hyladelphis
Hyladelphis kalinowskii (Hershkovitz, 1992) pertence a um gênero monoespecífico com apenas nove
registros na América do Sul. Porém, apresenta ampla distribuição, desde o leste do Peru até a Guiana Fran-
Chironectes
Único marsupial de habito semi-aquá-
tico, Chironectes minimus (Zimmermann,
1780) pertence a um gênero monoespecífi-
co e possui ampla distribuição geográfica,
ocorrendo desde o sul do México, América
Central e grande parte da América do Sul,
sempre próximo a corpos d’água em flores-
tas tropicais e subtropicais. A espécie possui
distribuição disjunta com uma população ao
norte, desde o México até a Bolívia e norte
do Pará no Brasil, e outra mais ao sul, desde o
Espírito Santo até o Rio Grande do Sul, aden-
trando o interior do país até parte de Goiás,
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Figura
2). Não há registro para a região nordeste, e
no norte do país é encontrada apenas em áreas
marginais da Amazônia. A falta de ocorrência
na região central da Amazônia e no Pantanal Figura 2. Mapa indicando a distribuição de Hyladelphis
kalinowskii, Chironectes minimus e Caluromysiops irrupta
pode corresponder a um viés amostral ou a
no Brasil.
uma lacuna natural na distribuição da espécie
para estas regiões (Gardner, 2008).
Apêndice 1: 1, 3, 18, 34, 40, 42, 53, 54, 62, 73-76, 94, 115, 117, 120, 131, 134.
Cryptonanus
Composto por cinco espécies, o gênero Cryptonanus foi recentemente estabelecido por Voss et al.
(2005) com base em espécimes classificados anteriormente como Gracilinanus. As espécies do gênero
são amplamente distribuídas, ocorrendo desde o sul do Rio Amazonas até a província de Buenos Aires na
Argentina, geralmente em biomas não florestados tropicais, subtropicais e temperados (Voss et al., 2005).
Ocorrem no Brasil C. agricolai (Moojen, 1943), C. chacoensis (Tate, 1931) e C. guahybae (Tate, 1931),
sendo que C. agricolai ocorre na “diagonal de áreas abertas”, abrangendo a Caatinga no estado do Ceará até
o Cerrado sul-mato-grossense. Há um registro recente para o litoral de Pernambuco nos domínios da Mata
Atlântica atribuído a C. agricolai (Souza et al., 2010). Já a distribuição de C. chacoensis abrange o Pantanal
Didelphis
O gênero Didelphis é composto por seis
espécies, em sua maioria, de ampla distribui-
ção geográfica. Cinco espécies apresentam
ocorrência para a América do Sul, sendo
que quatro são registradas no Brasil (IUCN,
2011). Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826
e D. albiventris Lund, 1840 são amplamente
distribuídas no país. Didelphis aurita ocorre
em áreas florestadas, desde a costa leste no
estado da Paraíba até o Rio Grande do Sul,
mas sua ocorrência ainda se estende para o
interior do Brasil, nos estados de São Paulo,
Paraná, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina
e norte do Rio Grande do Sul, além do leste
do Paraguai (Gardner, 2008) (Figura 4).
Didelphis albiventris ocupa tanto formações
abertas quanto florestais e sua área de distri- Figura 4. Mapa indicando a distribuição de Didelphis
buição abrange toda a Caatinga, Cerrado e marsupialis e Didelphis aurita no Brasil.
Gracilinanus
Com seis espécies que ocorrem exclusi-
vamente na América do Sul, o gênero Gracili-
nanus apresenta três espécies com ocorrência
no Brasil: Gracilinanus agilis (Burmeister,
1854), G. emiliae (Thomas, 1909) e G. micro-
tarsus (Wagner, 1842) (IUCN, 2011). Enquan-
to G. agilis é típico de formações mais abertas
como a Caatinga e o Cerrado, com ocorrência
ampla no nordeste, centro e centro-oeste do
país, G. microtarsus ocorre na Mata Atlântica,
desde a Bahia até o Rio Grande do Sul (Geise
& Astúa, 2009). Dados sobre a ocorrência em
simpatria das duas espécies são escassos, mas
há zonas de contato entre as espécies em áreas
Figura 6. Mapa indicando a distribuição de Gracilinanus
de ecótone entre Cerrado e Mata Atlântica microtarsus, Gracilinanus emiliae e Gracilinanus agilis no
de Minas Gerais e de São Paulo (Costa & Brasil.
Lutreolina
Monoespecífico, o gênero Lutreolina possui distribuição disjunta, com duas unidades populacionais
totalmente separadas, uma ao norte e outra ao sul da América do Sul. Estas unidades são consideradas
como unidades taxonômicas subespecíficas distintas, Lutreolina crassicaudata crassicaudata (Desmarest,
1804) e L. c. turneri (Günther, 1879). Lutreolina c. turneri compõe a distribuição norte da espécie, que
abrange a Colômbia, Venezuela e Guiana, sem ocorrência para o Brasil, enquanto L. c. crassicaudata
ocorre na Bolívia, Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai. No Brasil esta subespécie ocorre desde o Rio
Grande do Sul até Minas Gerais e Goiás, sendo encontrada principalmente no sul do Cerrado, Pampa
e, na Mata Atlântica, ocorre em campos de altitude em áreas de floresta ombrófila mista, sendo rara em
florestas densas e úmidas (Figura 7).
Apêndice 1: 1, 10, 16, 22, 24, 27, 34, 40, 42, 54, 59, 62, 76, 107, 110, 118, 131.
Marmosa
O gênero Marmosa, anteriormente representado por nove espécies, é atualmente composto por 15
espécies após uma extensa revisão filogenética de todos os marsupiais didelfídeos (Voss & Jansa, 2009),
na qual o gênero Micoureus foi alocado como subgênero de Marmosa. No Brasil ocorrem duas espécies
do subgênero Marmosa: M. (Marmosa) lepida (Thomas, 1888) e M. (Marmosa) murina (Linnaeus, 1758)
e quatro espécies do subgênero Micoureus: M. (Micoureus) constantiae (Thomas, 1904), M. (Micou-
reus) demerarae (Thomas, 1905), M. (Micoureus) paraguayana (Tate, 1931) e M. (Micoureus) regina
(Thomas, 1898).
Tanto M. (Marmosa) lepida quanto M. (Marmosa) murina ocorrem nas Guianas, Suriname, Venezue-
la, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e na Amazônia brasileira. Enquanto M. (Marmosa) lepida estende sua
distribuição no Brasil ao sul do Rio Amazonas e leste do Rio Tapajós, o complexo M. (Marmosa) murina
apresenta uma distribuição mais ampla no país. A segunda espécie ocorre também em uma faixa litorânea
desde o estado do Pará ao estado do Espírito Santo; e, na região centro-oeste, apresenta registros para
Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul em áreas do bioma Cerrado (Figura 7). O registro apontado
por Gardner (2008) para o Rio de Janeiro e Mares et al. (1989) para o Distrito Federal, não correspodem
a esta espécie (L. Costa e A. Palma com. pessoal). Os registros do complexo M. (Marmosa) murina ao
norte do Rio Solimões e a oeste do Rio Negro, são atribuídos a espécie M. (Marmosa) waterhousei que
possivelmente será revalidada (R. Rossi, com. pessoal). (Figura 7).
Marmosa (Micoureus) regina ocorre na Colômbia, Equador e Peru, sendo sua distribuição restrita
ao extremo oeste no Brasil com registros para o Acre e Amazonas. Além da Colômbia, Bolívia, Peru,
Marmosops
O gênero Marmosops é composto
por 15 espécies e, destas, 14 ocorrem na
América do Sul. No Brasil são registradas
nove espécies, sendo a maior parte delas
com distribuição conhecida para a região
amazônica (Gardner, 2008). Ao leste do Rio
Negro ocorrem tanto M. parvidens (Tate,
1931) quanto M. pinheiroi (Pine, 1981).
Marmosops parvidens ocorre desde o estado
do Amazonas ao Pará (Figura 9), estendendo
sua distribuição as Guianas, Suriname e Ve-
nezuela, enquanto M. pinheiroi é registrado,
nos estados do Amapá e Pará (Figura 10), Figura 8. Mapa indicando a distribuição de Marmosa
com ocorrência nos mesmos países vizinhos (Micoureus) constantiae, Marmosa (Micoureus) regina,
que M. parvidens. No extremo oeste da Ama- Marmosa (Micoureus) demerarae e Marmosa (Micoureus)
paraguayana no Brasil.
zônia, com registros para o Acre e Amazonas,
M. impavidus (Tschudi, 1845) ocorre ainda na Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia (Figura
9). Já M. neblina Gardner, 1990 apresenta distribuição restrita à margem direita do Rio Juruá (Figura
10), estendendo sua ocorrência ao sul da Venezuela e Equador. Marmosops bishopi (Pine, 1981) ocorre
Philander
O gênero Philader é composto por sete
espécies e, destas, quatro ocorrem no Brasil.
Philander andersoni (Osgood, 1913) e P.
mcilhennyi Gardner & Patton, 1972 ocorrem
somente na região amazônica, sendo a dis-
tribuição de P. andersoni restrita ao extremo
noroeste do Amazonas, ocorrendo ainda no
sul da Venezuela, leste do Equador e norte
e centro do Peru. Já P. mcilhennyi ocorre no
oeste da Amazônia, nos estados do Amazonas Figura 15. Mapa indicando a distribuição de Monodelphis
e Acre, atingindo o extremo leste do Peru. scalops, Monodelphis rubida e Monodelphis kunsi no Brasil.
Philander frenatus (Olfers, 1818) ocorre na
Mata Atlântica e sua distribuição abrange o leste do Brasil, desde o estado da Bahia até o Rio Grande do
Sul, estendendo sua ocorrência em direção oeste até o Paraguai e nordeste da Argentina. Com a maior
distribuição dentro do gênero, Philander opossum (Linnaeus, 1758) ocorre do México à costa do Pacífi-
co, na Colômbia e Equador, e desde o Suriname, Guianas, leste do Peru, Bolívia e Brasil, sendo que no
Thylamys
O gênero Thylamys é composto por
aproximadamente 10 espécies sul-americanas
(Braun et al., 2005; Carvalho et al., 2009; Figura 16. Mapa indicando a distribuição de Philander
Teta et al., 2009), embora não haja ainda um opossum, Philander mcilhennyi, Philander frenatus e Philander
andersoni no Brasil.
consenso sobre a validade de algumas espécies
(Giarla et al., 2010). No Brasil ocorrem três
destas: T. karimii (Petter, 1968), T. velutinus
(Wagner, 1842) e T. macrurus (Olfers, 1818)
(Carmingnotto & Monfort, 2006). Diferente
da maior parte dos pequenos marsupiais da
América do Sul, o gênero apresenta distri-
buição predominante em formações abertas e
savânicas, sendo encontrado principalmente no
Cerrado e Caatinga no Brasil (Carmingnotto &
Monfort, 2006; Palma & Vieira, 2006). Thyla-
mys karimii apresenta a maior distribuição
dentro do gênero, desde a Caatinga no nordeste
do país ao sudeste e região centro-oeste nos
domínios do Cerrado. Há uma pequena área de
sobreposição na ocorrência de T. karimmi e T.
velutinus no Cerrado central do país, sendo que
a distribuição de T. velutinus se estende mais ao
sul na região sudeste, atingindo o estado de São Figura 17. Mapa indicando a distribuição de Thylamys
macrurus, Thylamys karimii e Thylamys velutinus no Brasil.
Paulo. Já T. macrurus apresenta distribuição
mais restrita no país, sendo registrado apenas no Mato Grosso do Sul, onde ocorre desde o Cerrado stritu
sensu a florestas estacionais semideciduais, estendendo sua área de ocorrência também ao Chaco e florestas
secas de transição no Paraguai (Cáceres et al., 2007c) (Figura 17).
Apêndice 1: 5, 17, 23, 25, 32-34, 54, 64, 65, 131.
Referências
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CÁCERES, N. C.; NÁPOLI, R. P.; HANNIBAL, W. Differential trapping success for small mammals using pitfall and standard
cage traps in a woodland savannah region of southwestern Brazil. Mammalia, v. 75, p. 45-52, 2011.
Apêndice 1. Referências utilizadas na confecção dos mapas de distribuição das espécies de marsupiais brasileiros. Optamos
por citar apenas uma referência quando mais de um estudo fora realizado em uma mesma Localidade e que citavam as mesmas
espécies, utilizando como critério de escolha, a publicação de maior impacto, mais recente e mais completa.
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Amostragem de
Marsupiais
Nilton C. Cáceres*
Maurício E. Graipel** †
Jorge J. Cherem***
Abstract: Marsupial FIELD Sampling. The Brazilian marsupials are a conspicuous part
of the Neotropical mammal diversity. In order to sampling this diversity in the nature, in this
chapter we examine the different methods to assess didelphid marsupials in the different habitats
they live. We assess and show sampling planning, sampling design of traps in the space (grid and
transect line), trap type, how to make captures of the different species according to the habitat,
baits, capture-mark-recapture, and reference collection of specimens. We discuss the adequacy
of the different methods to assess species in light of the results obtained by field researchers.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 111-125, 2012.
Introdução
Pertencentes à ordem Didelphimorphia, os marsupiais brasileiros com-
preendem um diversificado grupo de espécies de pequeno porte, incluindo
atualmente 15 gêneros e 56 espécies (ver Introdução, neste volume). No en-
tanto, esse número tende a aumentar uma vez que novas espécies estão sendo
*
Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria. Camobi. Santa Maria,
RS, 97110-970, Brasil.
Departamento de Ecologia e Zoologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,
**
Capturas
Capturas de marsupiais são usualmente feitas com armadilhas, que podem ser de vários tipos, formas
e tamanhos. As armadilhas são utilizadas quando se requerem amostragens sistematizadas, mas também
podem ser usadas para estudos rápidos, de curta duração. Normalmente as armadilhas utilizadas atual-
Capturas em Riachos
O único marsupial com hábito semi-aquático, a cuíca-d’água Chironectes minimus, pode ser captu-
rado em armadilhas convencionais de dupla entrada parcialmente submersas em locais rasos de riachos
(Figura 1). Rochas ou outros materiais naturais como troncos caídos do próprio local devem ser dispostos
a partir de cada um dos lados da porta da gaiola em direção às margens, preferencialmente ultrapassando
a altura da armadilha, de forma a orientar os indivíduos para dentro da armadilha. Limpeza periódica
deve ser realizada para retirada de folhas e outros materiais flutuantes que possam obstruir a entrada da
gaiola (Bressiani & Graipel, 2008). O uso de iscas, como camarões ou peixes, pode aumentar as chances
de captura (Galliez et al., 2009).
Figura 1 - Armadilha de arame de dupla entrada instalada em riacho para a captura da cuíca-d’água, Chironectes minimus. Note
as rochas fazendo uma barreira para que o animal tenha que passar por dentro da armadilha, seguindo o curso d’água (foto por
Maurício E. Graipel).
Figura 2. Armadilha do tipo sherman posicionada no nível do sub-bosque de uma floresta estacional do interior do Brasil (foto
por Nilton C. Cáceres).
Figura 4. Uma cuíca Gracilinanus agilis (seta, à esquerda) prestes a ser predada por uma jararaca Bothrops neuwiedii em uma
armadilha de queda instalada em fragmento de floresta estacional do estado do Mato Grosso do Sul. Posteriormente constatou-se
que a jararaca pôde sair rapidamente do interior do balde de 60 litros (foto por Nilton C. Cáceres).
Figura 5. Métodos de captura de marsupiais neotropicais. a) Método fixo ou em “V” (usado no sub-bosque) (à esquerda, em
cima); b) método de encaixe ou “fitting method” (mais prático e usado no sub-bosque) (à direita, em cima); c) método em “C”
elevado ao dossel por sistema de cordas e roldana (à esquerda, embaixo). d) Sistema de cordas e roldana ilustrando como se
poderia elevar facilmente uma plataforma até o dossel (à direita, embaixo) (fotos por Maurício E. Graipel).
Iscas
O tipo de isca pode afetar as estimativas de abundância, composição e riqueza de espécies em um
inventário ou estudo ecológico (Woodman et al., 1996). Considerando o hábito genericamente onívoro
dos marsupiais neotropicais, frutos nativos ou cultivados (banana, abóbora e milho verde) em associação
com iscas de origem animal (como bacon e sardinha) podem ser a forma mais adequada para a atração.
Essas iscas podem ser untadas com óleo de fígado de bacalhau comercial e/ou creme de amendoim (e.g.
Bergallo, 1994; Cáceres et al., 2011b). Recomenda-se repor a isca diariamente em locais onde haja grande
incidência de formigas e onde o clima faça com que as mesmas se deteriorem rapidamente. Testes especí-
ficos sobre a adequação de iscas a captura de marsupiais no Brasil ainda são poucos (Astúa et al., 2006)
e, assim, mais estudos são necessários para se conhecer as taxas de captura de determinadas espécies,
Planejamento da Amostragem
O planejamento da amostragem é uma das principais etapas no desenvolvimento de estudos sobre
marsupiais ou qualquer outro grupo e deve estar devidamente adequado aos objetivos do estudo. Envolve,
por exemplo, a definição do número e duração das campanhas de amostragem, e da quantidade, tipos,
dimensões e disposição de armadilhas. Uma recomendação importante é a padronização do desenho
amostral quando as amostragens são realizadas em épocas do ano distintas (variação temporal) ou em
locais diferentes (variação espacial). A manutenção dos mesmos métodos, configuração e esforço de
amostragem ao longo de todo o estudo viabiliza a comparação entre os dados obtidos, possibilitando
a realização de análises posteriores robustas e variadas. E, quando possível, é importante que estudos
prévios (piloto) sejam realizados antes do início da amostragem de fato (Voltolini, 2006).
Existem vários tipos de configuração das armadilhas no espaço para a amostragem de marsupiais,
principalmente para estudos ecológicos, e esses irão depender do objeto de pesquisa; mas não variarão
muito do formato de grade ou transeção linear. Para que se obtenha um número razoável de indivíduos
objetivando a estimativa de densidade populacional em grades quadradas de armadilhas, recomenda-se
que essas sejam superiores a 2 ha em área para os pequenos marsupiais (para amostrar mais indivíduos
de cada espécie) e várias vezes esse tamanho para espécies do gênero Didelphis, tal como 20 ou 30 ha
(Sunquist et al., 1987; Cerboncini et al., 2011). Apesar do maior esforço empregado em grades maiores,
os resultados devem compensar em termos de número de indivíduos amostrados e variação de micro-
-ambientes cobertos pela grade. Pode-se eventualmente, dependendo do objetivo, utilizar múltiplas grades
em vez de uma grande (Lira & Fernandez, 2009). Para esses empreendimentos maiores, em termos de
logística, recomenda-se contratação de mão de obra terceirizada. Para uma transecção linear, o número
de estações amostrais pode variar de 10 a 50, com um espaçamento recomendado de 20 metros entre
estações, lembrando que as transecções deverão ser independentes entre si. Esse número de estações,
assim como a distância entre estações, pode variar dependendo do número de ambientes que se deseja
amostrar, além do tamanho da espécie alvo e de sua capacidade de deslocamento. Por exemplo, quan-
to mais áreas diferentes e independentes, menos estações de captura cada área deverá conter, o que é
uma questão de viabilidade logística e técnica. Exemplos práticos existem, como o estudo de Pardini
(2004) amostrando 36 áreas e utilizando duas transecções lineares próximas (20 m), cada uma contendo
12 estações amostrais, distanciadas 15 metros uma da outra. É possível usar duas armadilhas (de dois
tamanhos e/ou tipos diferentes, como tomahawk e sherman) em cada estação amostral, uma no solo e
outra no sub-bosque entre 1,5 a 2 metros de altura (e.g. Pardini, 2004), mas há desenhos amostrais que
utilizam alturas alternadas das armadilhas em relação ao nível do solo, o que irá depender do objetivo e
da concepção da pesquisa (Melo et al., 2011).
No caso de armadilhas de queda (pitfalls) dispostas em transecção linear, as mesmas considerações
apresentadas acima são válidas, com a diferença de que o espaçamento entre estações de capturas pode
ser maior, dada a maior capacidade de amostragem das armadilhas de queda (tanto em abundância quanto
Figura 6. Distribuição de armadilhas para captura de marsupiais neotropicais (e outros pequenos mamíferos). a) Transecção
linear; b) grade; c) estação de captura com desenho em forma de “Y” simples, com armadilha de queda no centro. Em (a) e (b),
cada círculo representa uma armadilha convencional (e.g. sherman) ou armadilha de queda. As linhas desenhadas em (a) e (c)
se referem a cercas-guia para direcionamento do animal aos baldes quando o método for pitfall, mas devem ser inexistentes
em (a) quando forem armadilhas convencionais. Porém, estações simples de captura de pitfalls, como em (c), podem ser usadas
em (b) ou mesmo em (a). As distâncias entre armadilhas e a quantidade das mesmas devem seguir informações ecológicas a
respeito das espécies em foco (como o tamanho médio da área de vida) e os objetivos específicos do estudo.
C D
Figura 7. Métodos de marcação de marsupiais para estudos ecológicos. A – Corte de falange no pé e mão direi-
tos (recomenda-se extrair no máximo dois dígitos em suas extremidades distais, sendo um por membro, à ex-
ceção do polegar oponível que não deve ser extraído; em adição, recomenda-se que o procedimento seja fei-
to quando os animais são jovens; Fisher & Blomberg, 2009). B – Utilização de brincos nas duas orelhas (fotos por
Maurício E. Graipel) de Marmosa paraguayana e – C – em uma orelha apenas de Gracilinanus agilis (foto por Ana C.
Delciellos). D – marcação circular na orelha esquerda de Didelphis aurita (foto por Licléia C. Rodrigues).
Coleção Referência
Nos estudos que envolvem a captura, marcação e recaptura de indivíduos, é recomendada a elabora-
ção de uma coleção de referência ou de espécimes testemunhos, para qualquer população ou comunidade
a ser estudada; ou seja, a coleta, preparação e depósito de espécimes em uma coleção científica. Essa
Referências
Astúa, D.; Moura, R. T., Grelle, C. E. V.; Fonseca, M. T. Influence of baits, trap type and position for small mammal
capture in a Brazilian lowland Atlantic Forest. Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão, v. 19, p. 19-32, 2006.
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Neotropical Fauna and Environment, v. 29, p. 197-217, 1994
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1780) (Mammalia, Didelphidae) no sul do Brasil. Mastozoología Neotropical, v. 15, p. 33-39, 2008.
CÁCERES, N. C.; GODOI, M. N.; HANNIBAL, W.; FERREIRA, V. L. Effects of altitude and vegetation on small-mammal
distribution in the Urucum Mountains, western Brazil. Journal of Tropical Ecology, v. 27, p. 279-287, 2011a.
os Ectoparasitos de
Marsupiais Brasileiros
Pedro M. Linardi* †
*
Departamento de Parasitologia do ICB/Universidade Federal de Minas Gerais. Avenida Presi-
dente Antônio Carlos 6627, Caixa Postal 486, Belo Horizonte, MG, 30.161-970, Brasil.
† E-mail: linardi@icb.ufmg.br
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 127-155, 2012.
Introdução
O parasitismo é uma associação desarmônica entre dois organismos, caracterizada pela uni-
lateralidade de benefícios. Aquele que vive a expensas de outro é o parasito; aquele que alberga o
parasito é o hospedeiro ou hospedador. Conforme sua localização, os parasitos podem ser designados
ectoparasitos quando habitam as superfícies corporais e endoparasitos quando vivem no interior de
órgãos e tecidos.
Os ectoparasitos podem ser classificados em diversas categorias, conforme sua adaptação à vida
parasitária ou à duração do tempo de parasitismo. No primeiro caso, podem ser categorizados em aci-
dentais, facultativos ou obrigatórios. No segundo, em temporais ou permanentes. Por tais razões, nem
sempre é tarefa fácil atribuir o verdadeiro conceito de ectoparasito que, a rigor, deve se restringir apenas
àqueles tidos, simultaneamente, como obrigatórios e permanentes. Ectoparasitos verdadeiros podem ser
encontrados em apenas duas classes de Arthropoda: Insecta e Arachnida. Entre os Arachnida, apenas na
subclasse Acari.
Segundo Marshall (1981), insetos ectoparasitos são aqueles que gastam grande parte de sua fase
adulta em estreita associação com o habitat criado pela pele (e seus derivados) de mamíferos e aves,
do qual derivam seu alimento. Entre os insetos, apenas 6.000 espécies ou 0,6% da fauna conhecida,
seriam considerados ectoparasitos, distribuindo-se em sete diferentes ordens. Apenas as ordens Phthi-
raptera (piolhos) e Siphonaptera (pulgas) contêm espécies exclusivamente ectoparasitas perfazendo,
respectivamente, 51% e 34% do total de ectoparasitos conhecidos. As espécies remanescentes estão
incluídas nas ordens Diptera (11%), Hemiptera (2%), Coleoptera (1%), Dermaptera (<1%) e Lepi-
doptera (<1%).
A subclasse Acari compreende sete ordens, com apenas quatro incluindo ectoparasitos (Fain,
1994): Metastigmata (carrapatos), Mesostigmata, Prostigmata e Astigmata. Apenas os Metastigmata são
exclusivamente parasitos obrigatórios e hematófagos.
Ainda que não categorizadas propriamente como ectoparasitas, algumas larvas de Diptera Musco-
morpha encontradas parasitando marsupiais são aqui noticiadas.
Interações Hospedeiros/Ectoparasitos
Os ácaros parasitam diversos hospedeiros entre plantas, insetos e vertebrados (anfíbios, répteis,
aves e mamíferos). Os hospedeiros de insetos ectoparasitos são, exclusivamente, animais endotérmicos.
2. Retirada de Ectoparasitos:
O achado de ectoparasitos será otimizado quando forem eles retirados imediatamente, logo após a
captura do respectivo hospedeiro. Animais aprisionados ou em cativeiro liberam pulgas, provavelmente
devido ao estresse e contrações da pele. Dada à habilidade do salto, os sifonápteros são os ectoparasitos
mais ágeis e, consequentemente, os primeiros a abandonarem os hospedeiros, quer em cativeiro ou após
a morte dos mesmos. Por tais razões, a retirada dos ectoparasitos deve ser no próprio local de captura
dos seus hospedeiros.
Todos os grupos de ectoparasitos poderão ser colecionados quando um dado hospedeiro puder ser
morto. Após a eutanásia dos marsupiais, com éter sulfúrico ou clorofórmio, é conveniente envolvê-los
em sacos de plástico, de modo a impedir a fuga das respectivas pulgas. Os sacos de plástico contendo
aqueles marsupiais mortos poderão ser acondicionados em geladeira, de modo a imobilizar os ectopa-
3. Preservação de Ectoparasitos:
A preservação dos ectoparasitos é feita em etanol 70o ou 80o. Recomenda-se a troca periódica do
líquido, a fim de se evitar danos consequentes à evaporação mais rápida do álcool. Para pulgas e pio-
lhos, a preservação neste meio é por tempo indefinido; entretanto, para ácaros, a preservação prolongada
(por mais de um ano) em álcool tende a causar o endurecimento dos órgãos internos. Assim, para uma
preservação prolongada recomenda-se adicionar glicerina ao álcool. Dados relativos a registros (local,
hospedeiro, capturador, data, etc.) devem ser anotados a lápis num rótulo de papel incluído nos frascos
de vidro contenedores do artrópodo + álcool.
4. Montagem de Ectoparasitos:
Ácaros e insetos requerem diferentes métodos de montagem. Os carrapatos (Metastigmata) não
necessitam ser montados entre lâmina e lamínula. A identificação taxonômica é realizada com auxílio
de microscópio estereoscópico.
4.1. Ácaros: os outros grupos de ácaros (Mesostigmata, Prostigmata e Astigmata), bem como os
estádios imaturos de carrapatos, são estudados com auxílio de um microscópio óptico composto, tornan-
do-se necessária sua clarificação e montagem em lâminas:
4.1.1. Clarificação: segundo Flechtmann (1975), os ácaros hematófagos são de difícil clarificação
quando estão repletos de sangue, razão pela qual devem ser mantidos vivos em um recipiente, a fim de
que todo o sangue seja digerido, ou mesmo morrerem por exaustão. Vários meios podem ser usados para
maceração dos órgãos internos e exoesqueleto: líquido de Vitzthum (10 partes de hidrato de coral, 9 partes
de fenol e 1 parte de água destilada); lactofenol (50 partes de ácido lático, 25 partes de fenol e 25 partes de
água destilada); líquido de André (hidrato de coral, água destilada e ácido acético glacial em partes iguais);
líquido de Nesbitt (40 g de hidrato de coral, 25 ml de água destilada e 2,5 ml de ácido clorídrico).
Ordem Phthiraptera
A ordem Phthiraptera compreende pequenos insetos (1-11 mm), ápteros, de corpo achatado dor-
so-ventralmente e que apresentam metamorfose incompleta (paurometabolia), com todos os estádios
Amblycera de marsupiais
Segundo Emerson & Price (1981), entre as 254 espécies conhecidas de marsupiais (incluindo as
da Oceania), 17% são parasitadas por malófagos. Por outro lado, das 512 espécies de malófagos, 43
infestam marsupiais (8,4%). Entre as seis famílias incluídas em Amblycera, apenas duas parasitam mar-
supiais, Boopiidae e Trimenoponidae.
Os Boopiidae são encontrados em marsupiais australianos e os Trimenoponidae em marsu-
piais americanos. Os Trimenoponidae infestantes de marsupiais estão incluídos em um único gênero,
Ordem Siphonaptera
A ordem Siphonaptera compreende insetos ápteros, holometábolos, achatados lateralmente, com
aproximadamente 2,5 mm, de coloração castanha e providos de cerdas voltadas para trás, sendo vul-
garmente conhecidos como pulgas. A maior parte das espécies conhecidas (80%) apresenta ctenídios,
destinados à fixação e locomoção entre os pêlos dos hospedeiros.
O ciclo biológico, de ovo a adulto, ocorre em aproximadamente 25-30 dias, dependendo das con-
dições de temperatura e umidade. A hematofagia é obrigatória para os dois sexos, podendo ser realizada
tanto ao dia, quanto à noite. Na natureza, as larvas alimentam-se de sangue do hospedeiro expelido pelo
ânus da pulga adulta e geralmente aderido a outros detritos orgânicos. Em razão disto, durante o repasto
sobre os hospedeiros, as pulgas ingerem mais sangue do que o necessário para o próprio consumo (Li-
nardi et al., 1997).
A importância parasitológica dos Siphonaptera pode ser estudada sob dois enfoques: como agentes
infestantes - atuando como parasitos propriamente ditos - e como vetores, permitindo a multiplicação
Siphonaptera de marsupiais
No extraordinário catálogo de pulgas e seus hospedeiros, elaborado por Lima & Hathaway
(1946), existiam até àquela época, 1.194 espécies de pulgas, distribuídas em 178 gêneros, em todo
o mundo. Em que se pese as sinonímias que, posteriormente vieram a ser consideradas, tais autores
registraram 57 espécies e/ou subespécies de marsupiais tidas como hospedeiras para pulgas. Estas,
por sua vez, totalizavam 88 espécies e/ou espécies, incluídas em 29 gêneros. Assim, as espécies de
pulgas parasitas de marsupiais representavam, percentualmente, 7,4% da sifonapterofauna mundial-
mente conhecida.
Embora a identificação de gêneros e espécies seja tarefa para especialistas, as famílias de pulgas
que infestam marsupiais brasileiros podem ser facilmente separadas:
Ainda que recentemente alguns registros de Tunga caecata (Tungidae) e Leptopsylla segnis (Lep-
topsyllidae) tenham sido noticiados em didelfídeos, tais infestações não são comumente encontradas,
sendo a de L. segnis provavelmente acidental, em virtude do achado de apenas um único indivíduo.
Família Stephanocircidae
Apesar dessa família ser bem representada na região Neotropical, apenas o gênero Craneopsylla
foi até o presente assinalado no Brasil, com a subespécie nominal Craneopsylla minerva. A família re-
presenta 1,7% de nossa sifonapterofauna, sendo encontrada essencialmente em roedores silvestres e, por
vezes, marsupiais dos gêneros Didelphis, Lutreolina, Monodelphis, Marmosops e Philander.
Figura 1. Ctenocephalides felis felis, atualmente muito frequente em gambás, gênero Didelphis.
Família Rhopalopsyllidae
É constituída por duas subfamílias, Rhopalopsyllinae e Parapsyllinae, das quais a primeira ocorre
apenas nas Américas, sendo essencialmente Neotropical e predominantemente sul-americana, perfa-
zendo 57,6% da sifonapterofauna brasileira. A outra subfamília, Parapsyllinae, apresenta distribuição
Família Ctenophthalmidae
É representada no Brasil por um único gênero Adoratopsylla, subdividido em dois subgêne-
ros, Adoratopsylla e Tritopsylla, equivalendo a 8,5% das pulgas brasileiras. No Brasil, o subgênero
Adoratopsylla se faz representar por três espécies e/ou subespécies: Adoratopsylla (A.) antiquorum
antiquorum (Figura 2), Adoratopsylla (A.) antiquorum ronnai e Adoratopsylla (A.) bisetosa. A espécie
A. (A.) a. antiquorum apresenta distribuição geográfica do Ceará ao Paraná, infestando roedores silves-
tres e marsupiais. No nordeste brasileiro, Monodelphis domestica constitui seu principal hospedeiro
(Guimarães, 1972). Em pulgas colhidas em Teresópolis/RJ, 11 exemplares foram encontrados para-
sitando marsupiais e apenas dois, em roedores (Gomes, 1969). A. (A.) ronnai tem sido encontrada em
São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, parasitando exclusivamente marsupiais: D. albiventris,
Philander frenatus e Marmosa (Micoureus) demerarae (Guimarães, 1954). A. (A.) bisetosa é restrita à
região amazônica, com registros sobre Monodelphis brevicaudata. O subgênero Tritopsylla se faz re-
presentar no Brasil por duas espécies: A. (T.) intermedia intermedia e A. (T.) sinuata. A primeira ocorre
do Pará a Santa Catarina, não sendo encontrada no nordeste brasileiro, onde é substituída por A. (A.) a.
antiquorum. Embora também encontrada em roedores silvestres, os principais hospedeiros são mar-
supiais dos gêneros Chironectes, Didelphis, Lutreolina, Metachirus, Marmosa e Philander, conforme
noticiado por Linardi & Guimarães (2000).
Família Leptopsyllidae
Inclui apenas o gênero Leptopsylla, com uma única espécie, L. segnis, infestante de roedores. Re-
centemente assinalada por Salvador et al. (2007) infestando D. aurita em ilhas do litoral e no continente
de Santa Catarina.
No que diz respeito às pulgas de marsupiais colecionadas em algumas regiões do Brasil, Linardi
et al. (1991b) observaram que, de quatro exemplares de Lutreolina crassicaudata de Florianópolis/SC,
dois estavam parasitados por Polygenis rimatus, um por A. (T.) i. intermedia e outro por Ctenocephalides
felis felis. Na Estação Ecológica da UFMG, em Belo Horizonte/MG, no período 1991/1992, entre 49
D. albiventris capturados, 16 estavam infestados por C. f. felis (32,7%) e 20 por P. (P.) tripus (40,8%)
(Coutinho et al. (1999b). Barros-Battesti & Arzua (1997) relacionaram as espécies de pulgas capturadas
de marsupiais em diferentes biomas do estado do Paraná, com cerca de 74,4% dos Didelphis de Curi-
tiba infestados por pulgas, na seguinte composição faunística: Craneopsylla minerva minerva (4,3%),
Ctenocephalides f. felis (55,4%), Rhopalosyllus l. lutzi (0,4%) e Polygenis rimatus (4,8%). Conside-
rando que C. f. felis foi também encontrada em D. aurita (20,3%) e Didelphis sp. (7,3%), esta espécie
representa 83,1% das pulgas capturadas em gambás daquele município.
Posteriormente a Linardi & Guimarães (2000), Botêlho et al. (2003) noticiaram espécimens de
Polygenis (P.) bohlsi jordani em M. domestica e de Pulex irritans em D. albiventris, coletados na Reser-
va Biológica de Serra Negra, sertão de Pernambuco.
Em três áreas de Floresta Atlântica incluídas na Serra da Fartura/SP, Parque Nacional da Serra da
Bocaina/SP e Parque Nacional do Itatiaia/RJ, De Morais et al. (2003) recolheram 327 pulgas de 50 mar-
supiais, obtidos nas seguintes associações: P. frenatus: Adoratopsylla (A.) a. antiquorum, Craneopsylla
m. minerva, Polygenis (P.) rimatus; T. velutinus: C. m. minerva, Polygenis (N.) pradoi; D. aurita:
Polygenis (N.) atopus; M. americana: A. (A.) a. antiquorum, Tunga caecata; G. agilis: Polygenis (P.) r.
roberti; M. incanus: A. (A.) a. antiquorum.
No município de Pelotas e adjacências/RS, as seguintes prevalências de infestação por pulgas
foram observadas por Antunes (2005), em 30 espécimens de Didelphis albiventris: Ctenocephalides f.
felis (70,0%). Polygenis sp. (16,7%), Polygenis (N.) atopus) (16,7%), Polygenis (P.) r. roberti (10,0%),
Polygenis (P.) rimatus e Craneopsylla m. minerva (3,3% cada).
Subclasse Acari
A subclasse Acari, da classe Arachnida compreende sete ordens, das quais quatro incluem ectopa-
rasitos (Fain, 1994), assim caracterizadas:
Metastigmata (= Ixodida): presença de um par de estigmas respiratórios abrindo-se em peritremas cur-
tos; hipostômio com dentes recurrentes; com um órgão olfativo no tarso do primeiro par de pernas, denomi-
nado órgão de Haller; sem ventosas adanais e genitais. Vulgarmente denominados carrapatos são geralmente
muito maiores que os demais ácaros, todos eles parasitos hematófagos e obrigatórios de vertebrados.
Mesostigmata (= Gamasida): presença de um par de estigmas respiratórios abrindo-se em peri-
tremas alongados; não possuem órgão de Haller; corpo geralmente protegido por placas; sem ventosas
genitais; hipostômio não diferenciado para perfurar. Ácaros de tamanho menor que 1 mm, quando em
jejum, incluindo espécies de vida livre ou parasitas.
Prostigmata (= Trombidiformes, Actinedida): ausência de estigmas ou com um par próximo do
gnatosoma; às vezes com ventosas genitais; palpos desenvolvidos; quelíceras modificadas para perfura-
ção. A maioria das espécies tem sido descritas a partir das ninfas hexápodas, que são parasitas e quase
sempre avermelhadas.
Astigmata (= Sarcoptiformes): ausência de estigmas; quelíceras, via de regra, terminando em
pinça; machos geralmente com ventosas copuladoras; parte das coxas inserindo-se sob o tegumento e
formando uma estrutura quitinosa, visível da face ventral e denominada apodema. Inclui espécies de
vida livre e parasitas.
Ordem Metastigmata
Entre as 35.000 espécies de ácaros conhecidas, aproximadamente, 825 são carrapatos (Oliver
Júnior, 1989). Destas, 90% são específicas de certos hospedeiros que não incluem o homem e animais
Os ectoparasitos de marsupiais brasileiros 141 BIOLOGIA
domésticos. As 10% restantes são, todavia, de capital importância devido à natureza parasitária e à ha-
bilidade de transmitirem patógenos ao homem e demais vertebrados.
Os Metastigmata (=Ixodida) compreendem duas famílias, assim reconhecidas:
Ixodidae - escudo presente; gnatosoma anterior; peritremas atrás do 4o par de pernas; dimorfismo
sexual nítido; ciclo biológico com apenas um estádio ninfal.
Argasidae - escudo ausente; gnatosoma ventral; peritremas entre o 3o e 4o pares de pernas; dimor-
fismo sexual pouco acentuado; ciclo biológico com dois ou mais estádios ninfais.
Ixodidae é a principal família no que diz respeito ao número de espécies conhecidas (683) e à
importância médico-veterinária, incluindo 12 gêneros. A região Neotropical está representada por
117 espécies, incluídas em cinco gêneros: Amblyomma, Dermacentor, Haemaphysalis, Ixodes e
Rhipicephalus, este último contendo o subgênero Boophilus (Onofrio et al., 2006a). As fêmeas se ali-
mentam uma única vez, o que garante uma grande massa de ovos. A maioria dos ixodídeos requer
três diferentes hospedeiros individuais, geralmente de diferentes espécies. Freqüentemente, as larvas e
ninfas engorgitam-se sobre hospedeiros de pequeno ou médio porte, enquanto os adultos se alimentam
sobre espécies com animais de maior tamanho.
Aragão & Fonseca (1961) consideraram a fauna ixodológica brasileira composta por 57 espécies
distribuídas em 10 gêneros, com Amblyomma sendo o gênero dominante, incluindo 33 espécies e re-
presentando 58% do total, seguido por Ixodes com nove espécies. Atualmente, segundo Barros-Battesti
(2006) existem cerca de 870 espécies de carrapatos descritas no mundo, com aproximadamente 200 na
Região Neotropical e 61 no Brasil.
Metastigmata de marsupiais
Em seu trabalho sobre Ixodidas brasileiros, Aragão (1936) refere-se ao parasitismo de mar-
supiais pelas espécies Ixodes loricatus e Amblyomma striatum. Ainda que esta última tenha sido
assinalada em D. aurita nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo,
Bahia, Sergipe, Piauí e Santa Catarina, o autor faz os seguintes comentários sobre I. lorica-
tus: “é a espécie mais comum senão quase a única existente nos nossos didelfídeos, os gambás
e as cuícas, nos quais se podem encontrar larvas, ninfas e adultos, mas geralmente, somente
estes e em pequeno número”. Os hospedeiros indicados foram: D. aurita, Philander opossum
(= Didelphis quica) e Didelphis sp.
No inquérito sobre a fauna acarológica do Nordeste do Brasil, Fonseca (1957/8) lista as espécies
de ácaros colecionados em 29 D. albiventris (= D. paraguayensis) e 49 Monodelphis domestica. Entre
as três espécies de Acari encontradas em D. albiventris, duas eram de Ixodida: I. loricatus (em 21 hos-
pedeiros) e Ornithodoros talaje (em um hospedeiro). Em M. domestica foram encontradas 16 espécies
de Acari, três das quais carrapatos, com a seguinte proporção de infestação: O. talaje (3/49), ninfa de
Amblyomma sp. (1/49) e Ixodes amarali (24/49). A relativa infestação por ácaros se deve aos hábitos de
predador desse marsupial, para o qual passam provavelmente os parasitos de suas presas, habitualmente
roedores.
Nos últimos anos, as contribuições que se seguem relacionam carrapatos e marsupiais brasileiros.
No estado do Paraná, Barros & Baggio (1992) assinalaram I. loricatus em D. aurita, D. albiventris,
Ordem Prostigmata
Compreende um grande e diverso grupo de pequenos ácaros de importância médica, veterinária e
agrícola. Devido aos variados hábitos alimentares (parasitos, fitófagos e predadores), as quelíceras exi-
bem uma variedade de formas estruturais.
Ordem Astigmata
Os Astigmata são ácaros fracamente esclerozados e de movimento lento, compreendendo 69 fa-
mílias e 785 gêneros (Azad, 1986). As espécies variam em hábitos alimentares, podendo ser saprófitas,
predadoras ou parasitas.
Embora as famílias Sarcoptidae (agentes da sarna) e Pyroglyphidae (ácaros de poeira) contenham
as espécies mais conhecidas do ponto de vista médico-veterinário, outras são as famílias encontradas em
marsupiais: Acaridae, Atopomelidae, Glycyphagidae e Listrophoridae.
A maior parte dos Acaridae apresenta um estádio hipopial (forético), no qual o ácaro se desenvolve
em um pequeno organismo dotado de ventosas e pinças para fixação nos insetos e daí se dispersarem,
sendo por isso confundidos com parasitos. Os Glycyphagidae (= Labidophoridae) são encontrados em
frutos secos e na pele ou nas penas de animais, onde chegam a provocar um certo prurido nos animais
portadores, também podendo apresentar estádios hipopiais. Os Listrophoridae e Atopomelidae são áca-
ros dos pêlos de mamíferos, dotados de peças bucais perfuradoras, juntos perfazendo aproximadamente
1.000 espécies.
As seguintes famílias apresentam registros de parasitismo em marsupiais:
Glycyphagidae
O gênero Marsupialichus, com a espécie M. brasiliensis, é citado por Whitaker Júnior & Wilson
(1974) e Durden & Wilson (1990), infestando D. virginiana na região Neártica. Outra espécie,
M. marsupialis, também ocorre na mesma região, através de formas hipopiais colhidas do pêlo e pele do
mesmo hospedeiro (Pence, 1973).
Acaridae
Espécies indeterminadas em Gracilinanus agilis, proveniente de Galheiro, Perdizes/MG (Coutinho,
1997).
Listrophoridae
O gênero Prolistrophorus, com a espécie P. nectomys, foi noticiado por Fain (1973) em
Monodelphis brevicaudata (= M. touan), da América do Sul. Outra espécie indeterminada foi encontrada
por Coutinho (1997) em M. demerarae, em Galheiro, Perdizes/MG.
Atopomelidae
Na América do Sul, seis gêneros têm sido encontrados (Fain, 1979): Dromiciolichus,
Metadidelphoecius, Listrocarpus, Prodidelphoecius, Didelphoecius e Didelphilichus, com os três
A Visão em Marsupiais:
Características e Evolução
Jan N. Hokoç*
Silene M. A. Lima* †
Antônio M. M. Moraes*
Peter Ahnelt**
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 157-169, 2012.
Introdução
Das várias maneiras de se detectar as diferentes variações ambientais, a
modalidade visual é a que mais favorece a captação e localização de fenômenos
*
Laboratório de Neurobiologia da Retina, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, 21949-900, Brasil.
**
Department of General and Comparative Physiology, University of Vienna, Vienna, Austria.
† Autor correspondente: silene@ufpa.br
O Sistema Visual
O campo visual monocular do gambá-de-orelha-preta é bastante extenso. Tem sido estimado em
175° (Sousa, 1975) podendo haver um acréscimo de 30° no campo visual efetivo, em decorrência
da exoftalmia do globo ocular apresentada por este animal em situações de tensão, de alerta ou de
comportamento exploratório. Além disso, a posição relativamente frontal dos seus olhos propor-
ciona ao animal um campo visual binocular igualmente extenso (Hokoç, 1975), comparável ao de
alguns carnívoros.
O estudo do sistema visual do gambá mostra que esse marsupial possui uma acuidade visual
inferior a de primatas e carnívoros, porém superior a de roedores (Oswaldo-Cruz et al., 1979; Silveira
et al., 1982).
Sendo o gambá um animal de hábitos crepusculares, seu olho apresenta algumas especializações
no sentido de melhorar a visão em ambientes de pouca luz (visão escotópica). Dentre essas especiali-
zações, o olho do gambá retém certas características apresentadas pelo olho de vertebrados primitivos.
Essas características são apresentadas, por exemplo, por répteis noturnos, e retidas em marsupiais que
apresentam um aumento relativo do globo ocular, um cristalino esférico de grande diâmetro, grande
abertura da pupila e extensa área corneana (Hokoç, 1979).
Uma outra característica comum desse animal é a presença do tapetum lucidum. Essa estrutura
está presente na hemirretina superior e consiste de uma camada de células cilíndricas grandes contendo
Figura 1. Desenho do contorno de uma retina aplanada de gambá Didelphis aurita onde foram traçadas linhas de isodensidade
a partir da área centralis (+), pico de densidade de células ganglionares. Os números em cada linha representam células x 103/
mm2 e decaem no sentido do centro para a periferia da retina. A orientação da retina está indicada: dorsal (D), ventral (V), nasal
(N) e temporal (T), assim como a papila óptica e a emergência de alguns principais centros geométricos da retina. Trata-se da
retina de um olho esquerdo. A calibração está representada em mm de retina e graus de campo visual.
Figura 2. Fotomicrografia de uma retina de gambá Didelphis aurita impregnada pela prata (método de Golgi) com foco na camada
de células ganglionares. As setas apontam dois exemplos de células ganglionares do tipo beta, que possuem corpo celular de tama-
nho médio e árvore dendrítica bastante ramificada e de pequena extensão espacial. Comparar com células ganglionares vizinhas.
Ainda pela técnica de impregnação pela prata, conhecida como método de Golgi (Mariani, 1982,
1985), as células ganglionares da retina do gambá foram classificadas em 24 tipos morfológicos distintos,
utilizando como parâmetros o diâmetro do corpo celular, sua excentricidade em relação ao disco óptico,
Células Horizontais
Células horizontais são interneurônios que se conectam a fotorreceptores na camada plexiforme
externa. Suas funções estão associadas ao pré-processamento do estímulo visual, gerando contraste e
oponência de cor registrados nos campos receptores das células ganglionares (Piccolino, 1995). Verte-
brados inferiores, que possuem sensibilidade espectral e retina dominada por cones, apresentam grande
variedade de subtipos de células horizontais com padrão de conectividade específica com os fotorrecep-
tores e células vizinhas (ver revisão em Kamermans & Spekreijse, 1995).
Estudos comparativos em diversas espécies de mamíferos mostram que em geral existem dois tipos
de células horizontais em retinas de mamíferos (ver revisão em Gallego, 1986; Peichl et al., 1998). O
primeiro tipo (também denominado de tipo A) possui corpo grande, é desprovido de axônio e apresenta de
três a seis dendritos que emergem de seu corpo celular e arborizam formando pequenos botões terminais
que contatam os cones. O segundo tipo de célula horizontal (também chamado tipo B) tem axônio curto
e corpo celular pequeno de onde saem dendritos que se conectam aos terminais de cones (Kolb, 1991;
Ahnelt & Kolb, 1994) e um dendrito especializado (o “axônio curto”) que alcança distâncias variáveis
terminando em uma rica arborização e fazendo contatos sinápticos invaginantes com as terminações
esféricas dos bastonetes.
Retinas aplanadas e tratadas pelo método de Golgi (Hokoç et al. 1993) revelaram a existência de
três diferentes tipos morfológicos de células horizontais no gambá sul-americano, D. aurita: uma com
axônio curto e duas sem axônio (Figura 3).
Estudos recentes têm revelado grande variação na morfologia das células horizontais de retina de
mamíferos e alguns exemplos não se encaixam no conceito duplo de organização de células horizon-
tais. Por exemplo, retinas de primatas apresentam três tipos de células horizontais, denominadas tipo I
(semelhante morfologicamente às células tipo B), embora o tipo A não esteja presente (Kolb, 1991). O
musaranho arborícola, Tupaia, que possui uma retina dominada por cones, apresenta um tipo distinto
de célula horizontal multiaxônico, além do tipo B (Mariani, 1985; Müller & Peichl, 1993). Famiglietti
(1990) relatou recentemente que na retina do coelho há um subtipo de célula horizontal grande com
especificidade de conexão com cones azuis. Esse tipo de célula horizontal foi confirmado na retina de
Equidae (Sandmann et al., 1996). Por outro lado, nos roedores, somente as células horizontais de axônio
curto são encontradas e faltam aparentemente as células do tipo B (Peichl & Gonzáles-Soriano, 1994).
Tantas exceções, tipos de células horizontais diferentes ou faltando, levam a crer que o modelo de
dois tipos de células horizontais, adotado por mamíferos euterianos, não pode ser generalizado, embora
sua função não seja totalmente conhecida. Nesse sentido, nada podemos afirmar com relação à variação
de tipos de células horizontais na retina e à posição evolutiva do animal. Resta verificar se tipos distintos
de células horizontais processam informações distintas com relação a cores e/ou padrões.
Fotorreceptores
Os segmentos externos dos fotorreceptores contêm moléculas de fotopigmento que absorvem fó-
tons de luz, alterando sua configuração, e disparando mecanismos moleculares de transdução do sinal
luminoso em sinal neural.
A retina de vertebrados apresenta dois tipos de fotorreceptores, os cones e os bastonetes, que pos-
suem morfologia e características funcionais distintas. Os bastonetes contêm o fotopigmento denominado
rodopsina (absorve melhor comprimentos de onda ao redor de 500 nm) e podem ser sensibilizados em
condições de visão escotópica (baixa luminosidade). Os cones apresentam subtipos contendo fotopig-
mentos com sensibilidade espectral em torno de três comprimentos de onda (420 nm, azul; 525 nm,
verde e 565 nm, vermelho), o que lhes confere um papel preponderante na visão de cores, além de serem
sensibilizados em condições de visão fotópica (alta luminosidade).
Na retina de aves e répteis, onde cones predominam, há uma grande variedade de tipos morfoló-
gicos (cones simples e duplos), contendo gotículas de óleo de diferente coloração no segmento interno
desses fotorreceptores (Bowmaker, 1977; Ohtsuka, 1985; Cserháti et al., 1989). Já em mamíferos,
os bastonetes são mais numerosos, embora os cones encontrem-se em maioria nas regiões de maior
acuidade visual.
Pouco se conhece sobre a distribuição de fotorreceptores em retina de mamíferos primitivos, mo-
notremos e marsupiais. O primeiro estudo de topografia de fotorreceptores foi realizado na retina de D.
virginiana por Kolb & Wang (1985). Nessa retina, os autores encontraram predominância de bastonetes e
número reduzido de cones (500.000 e 3.000, respectivamente) em uma relação de 50:1 na area centralis,
que aumenta para 120:1 em direção à periferia.
Figura 4. (A) Fotomicrografia de um corte de retina de gambá evidenciando a camada de fotorreceptores. CS: cone simples;
CSG: cone simples com gotícula; CD: cone duplo. Barra de calibração = 20 µm. (B) Desenho esquemático dos diferentes tipos
de fotorreceptores, sensíveis à luz verde/vermelho e azul, encontrados na retina do gambá. B: bastonete; GO: gotícula de óleo;
SE: segmento externo e SI: segmento interno dos fotorreceptores.
Figura 5. Classificação hipotética dos fotorreceptores de mamíferos de acordo com sua morfologia e absorção de luz. Três tipos
de fotorreceptores são comuns a todos os grupos de mamíferos. Estes são os bastonetes e dois grupos de cones simples, um
com sensibilidade cromática na faixa do verde/vermelho, e outro que absorve a luz na faixa do azul. O padrão de dicromacia
é diferenciado nos primatas, que possuem cones distintos para absorver comprimentos de onda mais longos (vermelho). Na
retina do gambá, dois tipos de cones adicionais, contendo gotículas de óleo, foram preservados a partir de répteis. A distribuição
topográfica preferencial desses cones na hemiretina inferior sugere um papel específico dos mesmos com gotículas de óleo,
fornecendo possivelmente maior sensibilidade à luz.
Referências
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*
Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, MG, Av. Prof. Alfredo Balena, 190, Belo Horizonte, MG, 30130-100, Brasil.
Departamento de Morfologia, I.B., Universidade Federal de Minas Gerais, Caixa Postal. 486,
**
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 171-183, 2012.
Introdução
Pode-se dizer que a endocrinologia gastrintestinal deu seu primeiro passo quando Heidenhain (1870)
observou que certas células da mucosa gástrica do cão possuíam grânulos que se coravam com sais de
cromo, o mesmo tendo sido observado na mucosa intestinal, por Nicolas (1891). Posteriormente, em
1907, Ciaccio usou o termo “enterocromafim” para descrever as células cromafins presentes na mucosa
digestiva e, assim, diferenciá-las das células cromafins da glândula supra-renal (Hakanson, 1970). Mas-
son (1914) foi o primeiro a reconhecer a natureza endócrina das células enterocromafins e, além disso,
demonstrou que podiam ser coradas seletivamente pela capacidade que apresentavam de reduzir
solução amoniacal de nitrato de prata, solução esta utilizada por Fontana (1912) para corar o Treponema
pallidum. Essa reação com o nitrato de prata é conhecida como reação “argentafim”. Feyrter (1938) es-
tabeleceu que o intestino e o pâncreas eram os principais órgãos onde se localizavam essas células e ao
seu conjunto denominou “sistema endócrino difuso parácrino”. Feyrter admitiu que essas células teriam
função parácrina, isto é, atuariam sobre os tecidos circunvizinhos. Este tipo de mecanismo funcional foi
ignorado na época e, devido a evidências derivadas de novas metodologias de estudo, acredita-se hoje
tratar-se de um mecanismo de ação importante em relação à homeostase neuroendócrina. Além das células
argentafins, foi verificada também a ocorrência, na mucosa gastrintestinal, de células com morfologia
semelhante àquelas, mas que somente se revelavam com sais de prata quando se utilizava agente redutor
externo: a essas células Hamperl (1952) denominou de “células argirófilas”. Essas células, juntamente
com as argentafins, formavam o chamado “sistema endócrino parácrino difuso” de Feyrter.
Na década de 1960, Pearse introduziu o conceito APUD. Este conceito explica que determinadas
células com a principal função de produção de peptídeos e aminas biogênicas poderiam ser reunidas, de
acordo com características citoquímicas e ultra-estruturais comuns, dentro de um mesmo grupo. Assim, o
termo APUD foi aplicado por Pearse (1968, 1978) como derivado de Amine Precursor Uptake and Decar-
boxilation que caracteriza uma das principais funções em comum destas células. Ou seja, por possuírem
a enzima L-aminoácido descarboxilase, apresentam a capacidade de captarem L-5-hidroxitriptofano ou
L-dihidroxifenilalanina e, através de descarboxilação, produzem as aminas biogênicas derivadas, res-
pectivamente, 5-hidroxitriptamina (serotonina) e dopamina. Sabe-se hoje que existem numerosos tipos
destas células ao longo da mucosa gastrintestinal que, embora apresentem funções diferenciadas em
cada segmento do tubo digestivo, mantêm muitas das características comuns mencionadas por Pearse.
Muitas das aminas e peptídeos secretados pelas células endócrinas podem ser encontradas também no
sistema nervoso central e periférico. Acredita-se que a secreção destes mediadores tenha como principal
objetivo regular os mecanismos de neurotransmissão conhecidos classicamente tanto em relação às atividades
motoras e sensitivas quanto em relação ao sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático. Tendo
Mucosa Gástrica
Com respeito ao gambá norte-americano Didelphis virginiana, e ao sul-americano Didelphis
albiventris, as células endócrinas do sistema digestivo já foram relativamente bem estudadas quanto
aos tipos e distribuição (Coutinho et al.,1984; Krause et al., 1985, 1986, 1989a, b; Barbosa et al., 1987,
1990; Fonseca et al., 1998, 1999a, b). Como foi salientado anteriormente, a mucosa gástrica é um dos
locais de maior frequência de células endócrinas do tubo digestivo dos mamíferos, de modo geral.
Em D. albiventris ocorre fenômeno semelhante. Entre os tipos de células endócrinas do estômago de
D. albiventris adulto ocorrem células produtoras de glucagon tipo pancreático, na mucosa oxíntica,
inexistindo este tipo celular nas demais regiões da mucosa gástrica e intestinal (Barbosa et al., 1987).
Embora no íleo distal e no cólon desse animal tenha sido observada a coexistência de glucagon intestinal
e de peptídeo YY (PYY), o mesmo fenômeno não foi observado nas células endócrinas produtoras de
glucagon da mucosa gástrica (Barbosa et al., 1987).
Interessante observar que poucas espécies de mamíferos adultos apresentam células produtoras de
glucagon na mucosa gástrica. No período fetal, essas células ocorrem no estômago de alguns mamíferos
eutérios, incluindo o homem, desaparecendo progressivamente após o nascimento. Durante a ontogênese,
as células produtoras de glucagon, da mucosa do estômago de D. albiventris, aparecem precocemente e
aumentam em número durante o desenvolvimento intramarsupial, ou seja, de 7,9 ± 4,7 para 35,4 ± 5,9
Figura 1. Elétron-micrografias de células endócrinas da mucosa oxíntica de Didelphis albiventris. A) Células A-like adjacentes
e com numerosos grânulos elétron-densos. 11.000x. B) Detalhe dos grânulos evidenciando o fino halo elétron-lúcido entre a
membrana e o conteúdo denso. 23.000x (retirado de Fonseca et al. Annals of Anatomy, v. 180, p. 477-480, 1998).
especificamente. As vesículas secretoras das células ECL são relativamente grandes (200 - 400 nm) e
pleomórficas, com halo claro proeminente, contendo ou não, no corte, grânulo elétron-denso ocupando
posição excêntrica. Essas células produzem histamina, o que foi demonstrado tanto no homem quanto
em vários vertebrados (Hakanson et al., 1986). Por outro lado, os grânulos de secreção das células ECL
apresentam características ultra-estruturais de grânulos armazenadores de proteínas. As células ECL
são muito ricas em cromogranina, também presente em outras células endócrinas. Em D. albiventris
as células ECL secretam histamina como nos demais mamíferos (Barbosa et al., 1990). Entretanto, um
estudo ultra-estrutural das células ECL desse animal mostra que a população destas células apresenta
variações do padrão morfológico, de suas vesículas secretoras, com intensidade maior do que o observado
nos demais mamíferos (Figura 3).
Figura 3. Elétron-micrografias de células endócrinas da mucosa oxíntica de Didelphis albiventris. A - Célula ECL apresentando
numerosos grânulos secretórios pleomórficos, a maioria vesiculosos, com grânulo denso excêntrico. 19.155x. B - Prolongamento
citoplasmático de célula ECL preenchido por grânulos densos e pleomórficos, alguns com aspecto vesiculoso e grânulo excêntrico,
como em A. 23.133x. C - Aspecto panorâmico de célula ECL com seus grânulos de secreção característicos. 12.332x. (retirado
de Barbosa et al., Cell & Tissue Reserch, v. 262, p. 430 - 425, 1990).
Mucosa Intestinal
A distribuição populacional das células endócrinas no intestino do gambá D. virginiana (Krause,
1985) segue aproximadamente a mesma tendência daquela observada no homem (Sjölund et al., 1983) e em
outros mamíferos eutérios, entre eles o cão e o gato (Polak et al., 1971; Alumets et al., 1977; Helmstaedter
et al., 1977; Larsson et al., 1977; Kitamura et al., 1982), ou seja, com predomínio de células na mucosa
duodenal e nas porções distais do cólon. A primeira avaliação da distribuição de células endócrinas no
intestino do gambá foi feita por Krause et al. (1985) em Didelphis virginiana. Encontraram ao longo da
mucosa intestinal imunorreatividade para células produtoras de colecistocinina (CCK), glucagon, gastri-
na, peptídeo pancreático (PP), somatostatina (SOM), secretina, motilina, neurotensina, peptídeo inibidor
gástrico (GIP) e serotonina. Essas células são principalmente do tipo “aberto”, ou seja, mantêm contato
com o lume glandular e do intestino, através de prolongamento citoplasmático apical, por meio do qual
recebem estímulos originados do conteúdo intestinal. Barbosa et al. (1987) verificaram que as células
produtoras de glucagon intestinal em D. albiventris estão ausentes ao longo do duodeno e começam a
aparecer na mucosa do intestino delgado proximal onde são raras, todavia, tornando-se mais frequentes
nas regiões distais deste segmento. Esses autores constataram distribuição semelhante em relação às cé-
lulas produtoras de peptídeo YY (PYY). O PYY foi inicialmente isolado por Tatemoto (1982) como um
peptídeo inibidor da secreção exócrina do pâncreas e com cadeia de aminoácidos semelhante àquela do
PP. Esta similaridade com o PP tem sido considerada como responsável por imunorreatividade cruzada
entre estes dois peptídeos, uma vez que estudos mais recentes não identificam PP na mucosa gastrintestinal
de vários mamíferos eutérios. Esse fato pode explicar a detecção imunocitoquímica de PP no intestino de
D. virginiana por Krause et al. (1985). O PYY está presente nos intestinos de D. albiventris apresentando
distribuição semelhante àquela do glucagon intestinal (Barbosa et al., 1987).
Figura 4. Cortes consecutivos da mucosa do cólon de Didelphis albiventris mostrando a mesma célula com imunorreatividade
para glucagon intestinal (A) e para peptídeo YY (B). Método da peroxidase-antiperoxidase. Aumento: 400x.
Figura 5. A e C mostram células argirófilas (Grimelius-positivas, setas) e B e D mostram células imunorreativas ao glucagon
intestinal (Peroxidase-antiperoxidase, setas) na mucosa do íleo do Didelphis albiventris desmamado (A, B) e adulto (C, D).
Aumento: 400x.
Pâncreas
Embora haja numerosos estudos sobre os hormônios peptidérgicos do pâncreas do homem e de outros
animais, poucos são os estudos sobre a ontogenia das células endócrinas deste órgão, a maioria deles tendo
sido realizado em animais de laboratório, principalmente no rato (Hard, 1944; Grillo, 1964; Orci et al., 1969;
Sundler et al., 1977; Fujii, 1979). Alumets et al. (1977) detectaram células endócrinas produtoras de soma-
tostatina (D) no pâncreas de aves e alguns mamíferos, tanto nas ilhotas quanto de permeio ao parênquima
exócrino. Nos mamíferos adultos, as células D localizam-se predominantemente nas ilhotas, embora no
homem, no cão e no gato essas células possam ser detectadas em áreas extra-insulares. Distribuição seme-
lhante ocorre no pâncreas fetal e adulto do homem (Paulin & Dubois, 1978). Na maioria dos mamíferos
eutérios, entre eles o homem, o rato e o porco, as células B, produtoras de insulina, constituem a principal
população endócrina do pâncreas, localizando-se principalmente na região central das ilhotas. Este mesmo
tipo de localização topográfica ocorre em relação às células endócrinas de D. albiventris, ou seja, as células
B constituem o componente endócrino mais numeroso das ilhotas, com distribuição predominantemente
central (Figura 7 A). As células A, produtoras de glucagon, menos numerosas, ocorrem predominantemente
na periferia das ilhotas (Figura 7 C). Ambas as células, A e B, ocorrem também, esparsas, no parênquima
exócrino pancreático, incluindo os ductos pancreáticos (Figura 7 B,D).
As células argirófilas e as células imunorreativas ao glucagon, em D. albiventris, já estão presentes
no animal de 45 mm de comprimento (CR – crown to rump) juntamente com as células argirófilas e pro-
dutoras de glucagon do intestino (Fonseca et al., 1999). No pâncreas, essas células são pouco numerosas
Figura 7. Pâncreas de Didelphis albiventris. A - Ilhota pancreática mostrando numerosas células na região central com imunor-
reatividade para insulina e em B, presentes de permeio ao epitélio ductal. Em C e D observam-se células com imunorreatividade
para glucagon intestinal ocupando a periferia da ilhota (C) ou esparsas na parede ductal e no ácino (D). Duas ilhotas pancreáticas
coradas pelo Grimelius (E) e pela imunoperoxidase para glucagon intestinal (F). Aumento: 200x.
Agradecimentos
Para a obtenção de muitos dos resultados discutidos neste capítulo, os autores contaram com o apoio
financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), bem como do
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Glândulas Paracloacais
de Marsupiais
Helder José* †
Abstract: PARACLOACAL GLANDS OF MARSUPIALS. Scent glands are found in many animal
species. In mammals they are conspicuously present and were described in about 40 sites along the
body. These glands, because of their secretion characteristics, confer a peculiar smell on individuals
of different species and also on individuals of the same species. Because of their characteristics,
the chemical substances secreted by these glands are generically called pheromones. In marsupials,
paracloacal glands are thought to be a form of scent gland and little is known about them. William
Cowper, in 1704, first described these glands and called them “odoriferous bags”. They were then
referred to as anal, rectal, paraproctic, perianal and odoriferous glands. In view of their anatomical
relationships, they are now more appropriately called “paracloacal glands”. They are situated in the
ischio-rectal fossa below the skin and are covered with fat or loose connective tissue. They are oval or
rounded paired structures ranging in number from one to four pairs according to species. Secretion in
the lumen causes the color of the gland to be yellow, pea-green, ochre or pearly. The wall of the glands
consists of three layers: mucosa, a muscular stratum and a connective tissue capsule. The mucosa is
formed by a stratified epithelium that overlies the branching connective tissue cores, which extend
from the lamina propria. This is a secretory epithelium of the holocrine type, whose cells are shed
from the superficial layer into the lumen. These cells are rich in lipid droplets. Between holocrine
epithelial cells are “intercellular lacunae” that contain a dense amorphous material of a glycoprotein
nature. The connective tissue of the lamina propria contains branched flattened-tubular glands whose
branches merge together and form part of the duct system. Various functions have been attributed
to the paraclocal glands, such as defense, hierarchy, reproduction, sexual recognition, and territory
demarcation according to the species considered. Several studies have indicated that these glands
are related to a complex multifunctional behavior.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 185-195, 2012.
*
Faculdade Pitágoras de Linhares, Setor de Biologia, Avenida São Mateus, no. 1458, Araçá,
Linhares, ES, 29901-396, Brasil.
† E-mail: helderjose@ig.com.br
Evolução do Conhecimento
William Cowper, em 1704, fez a primeira descrição do trato urogenital de um marsupial macho
(Didelphis virginiana) e afirmou que “imediatamente abaixo da pele, perto da cloaca, encontrei um fino
músculo carnoso envolvendo o prepúcio, e na parte mais baixa do reto, bolsas odoríferas, juntamente com
quatro glândulas mucosas na raiz do pênis...” (Bolliger & Whitten, 1948). Segundo Bolliger & Whitten
(1948), não há dúvida de que o autor se refere às glândulas paracloacais. Subseqüentemente, elas foram
chamadas de glândulas anais, nome aparentemente usado pela primeira vez, por Daubenton (1950),
que mencionou a ocorrência de um par de glândulas anais em Didelphis virginiana. Posteriormente as
glândulas anais foram descritas por vários autores (Carus, 1840; Michel St. Ange, 1856; Garrod, Brass,
1880; Widersheim, 1893; Eggeling, 1893; Disselhorst, 1897; Hill, 1899) em uma grande variedade de
marsupiais (Van den Broek, 1904, apud Bolliger & Whitten, 1948). Este autor descreveu essas glându-
las, com detalhes, em fêmeas de Halmaturus sp., Petrogale penicillata, Cuscus orientalis e Sminthopsis
crassicaudata denominando-as glândulas retais. Verificou que são estruturas produtoras de células, cuja
secreção não se liquefaz como nas glândulas sebáceas. Van den Broek classificou-as, do ponto de vista
morfológico, como glândulas sebáceas modificadas e, fisiologicamente, como glândulas anexas do apa-
relho reprodutor (Van den Broek, 1910, apud Bolliger & Whitten, 1948).
A próxima citação ocorreu na monografia de McKenzie (1919) sobre o trato urogenital de marsupiais,
referindo-se a duas glândulas na região retal de Trichosurus vulpecula e a um par de glândulas sexuais
Anatomia
As glândulas paracloacais estão localizadas na fossa ísquio-retal, abaixo da pele, ao lado da parede
cloacal (Figura 1). Podem estar envolvidas por tecido conjuntivo frouxo ou imersas em tecido adiposo.
Têm forma que varia do oval (maioria) ao arredondado. O número de glândulas varia de espécie para
espécie, sendo estruturas pareadas: para cada glândula do lado esquerdo existe sua ipsilateral no lado
direito. Um par é encontrado em Didelphis spp., dois pares em Halmaturus ruficolis, Halmaturus Benetti,
Hypsiprymnus sp., Sminthopsis crassicaudata, Gymnobelideus leadbeateri, Cercartetus concinnus, Cer-
cartetus lipidus, Philander frenatus, Lutreolina crassicaudata, Metachirus nudicaudatus e Monodelphis
Figura 1. Glândulas paracloacais maior (MA) e menor (ME) de Metachirus nudicaudatus fêmea. C, cloaca; CA, cauda. Modi-
ficado de Helder-José & Freymüller (1995). Acta Anatomica, v. 153, p. 31-38.
Microscopia
Histologicamente, as glândulas paracloacais são constituídas por três camadas: mucosa, muscular e
adventícia. A camada mucosa é a mais interna e compreende uma lâmina própria e um epitélio secretor
holócrino, similar àquele das glândulas sebáceas. Esse epitélio está constituído por várias camadas celu-
lares, sendo que a basal possui células pequenas e achatadas, cúbicas ou arredondadas, com núcleos que
acompanham o formato celular e ocupa a maior parte do citoplasma. As células do estrato intermediário
são maiores e de forma poligonal. No citoplasma são observados muitos vacúolos. Reações histoquímicas
específicas mostram que esses vacúolos correspondem à imagem negativa de inclusões (gotículas) lipídicas.
Em algumas espécies há formação de uma única e grande gota que lembra a célula adiposa unilocular. O
núcleo é grande, vesiculoso, com cromatina frouxa e nucléolo evidente. Em M. nudicaudatus as células
superficiais são ainda maiores, esféricas e com as mesmas características das intermediárias (Figura 2).
Ambas as células, intermediárias e superficiais, apresentam no citoplasma periférico um anel homogêneo
e espesso. A ultra-estrutura revelou que esse anel é formado por uma grande quantidade de filamentos
intermediários, ainda mais abundante nas células superficiais. As mitocôndrias e as inclusões lipídicas
são numerosas na região central em torno do núcleo. O retículo endoplasmático granular é escasso e o
complexo de Golgi pouco desenvolvido. Ao longo do epitélio de toda a glândula constata-se a presença
de “espaços lacunares intercelulares”, de forma arredondada, elíptica ou poligonal (Figura 2). Eles são
freqüentemente cheios de uma secreção elétron-densa. Através de cortes seriados, verificou-se que esses
pequenos “lagos de secreção” medem em torno de 8 µm de comprimento, foram observados em ambas
as glândulas e existem em maior número nos machos de M. nudicaudatus (Helder-José, 1991).
Nos cortes histológicos são comuns as imagens de células superficiais intactas desprendendo-se do
epitélio para constituir a secreção, característica de uma glândula holócrina. A secreção contida no lúmen
glandular é abundante e as células intactas na luz têm as mesmas características das superficiais. Com
freqüência, entretanto, não são observados os núcleos, o que indica que essas células se submetem a um
Glândulas Tubulares
No tecido conjuntivo da lâmina própria, na parede das glândulas paracloacais, existem glândulas
tubulares achatadas. Helder-José & Fryeymüller (1995) tornaram evidente a arquitetura dessas glându-
las em Metachirus através da reconstrução de cortes semi-seriados e sua visualização ao microscópio
eletrônico de varredura após dissociação das camadas adventícia e muscular (Figura 3).
À altura mediana das glândulas, começam a surgir, em fundo cego, glândulas tubulares achatadas.
Muitas outras aparecem em diferentes níveis, anastomosam-se (adquirindo aspecto arboriforme) e, na
sua emergência, passam a fazer parte de um sistema de ductos (Figura 3). Essas glândulas tubulares são
constituídas por epitélio prismático simples alto, em determinados locais, e baixo em outros, podendo
existir ambos num mesmo nível de corte. As “células escuras”, predominantes nessas glândulas (Figura 4),
possuem núcleo basal vesiculoso com nucléolo evidente. O retículo endoplasmático granular é a organela
mais destacada. Com cisternas bem dilatadas, está distribuído por todas as regiões laterais, basal e parte
do ápice celular. O complexo de Golgi também é muito desenvolvido e situado na região supranuclear
(Figura 4). No ápice celular observam-se muitos grânulos de secreção elétron-densos. Vários autores
referem-se a essas glândulas como do tipo apócrino. Intercalado às células escuras, existe um outro tipo
celular, descrito primeiramente por Helder-José (1991) em Metachirus nudicaudatus. É uma célula mais
volumosa (com a região apical projetando-se para o lúmen), núcleo grande, central, vesiculoso e cro-
matina frouxa (Figura 4). Por se mostrar translúcida à microscopia de luz e eletrônica, e não apresentar
reatividade aos corantes histológicos e histoquímicos, foi designada “célula clara”.
Entre as células escura e clara e a membrana basal estão presentes células mioepiteliais com seus
citoplasmas caracteristicamente carregados de miofilamentos. Acredita-se que a contração dessas células
impulsione a secreção das glândulas tubulares para o meio externo.
Sistema de Ductos
Cada ducto excretor que emerge das glândulas paracloacais é, de fato, segundo os cortes histoló-
gicos, um sistema de ductos: um central mais calibroso de epitélio estratificado, rodeado por outros de
epitélio simples ou estratificado bilaminar. O ducto central provém do afunilamento da glândula de epi-
télio holócrino (cavidade central), enquanto que os outros são resultantes da ramificação das glândulas
tubulares da lâmina própria. Distalmente, os ductos periféricos fundem-se ao central, tornando-se único
aproximadamente no 1/3 proximal da sua extensão em direção à mucosa cloacal (Figura 3).
Histoquímica
O estudo histoquímico mais minucioso encontra-se em Munhoz & Merzel (1967). Por meio dos
métodos acidoperiódico-Schiff, Alcian blue e azul de toluidina em diferentes pH, foram detectados
Aspectos Parasitológicos
As glândulas odoríferas paracloacais dos marsupiais do gênero Didelphis (gambás) têm sido alvo
também de estudos parasitológicos. Elas servem como reservatórios de Trypanosoma cruzi, que foram
detectados em Didelphis marsupialis (Naiff et al., 1987; Steindel et al. 1988) e em Didelphis albiven-
tris (Fernandes et al. 1989) naturalmente infectados. Deane et al. (1984) e Lenzi et al. (1984) fizeram
estudos mostrando a inter-relação entre o hospedeiro (Didelphis marsupialis) e o Trypanosoma cruzi,
promovendo infecção experimental nas glândulas odoríferas paracloacais. Tais pesquisas são de grande
interesse médico-parasitológico, pois esses animais silvestres revestem-se de importância no que concerne
à epidemiologia da doença de Chagas, pela possibilidade de transmitirem o parasita por outras vias que
não as usuais.
Conclusões
Entre os mamíferos, as glândulas paracloacais podem ser consideradas características dos marsu-
piais. Embora vários autores afirmem que são glândulas sebáceas modificadas, devido às similaridades
morfológicas e fisiológicas, nenhum estudo mais contundente foi feito para corroborar tal idéia. Além
disso, apesar de existirem glândulas paracloacais nos répteis e anfíbios, nenhum estudo foi realizado para
estabelecer uma correlação filogenética. Assim, sua origem continua obscura.
Possuem uma arquitetura peculiar: várias unidades ramificadas de glândulas tubulares achatadas e
inseridas na parede (tecido conjuntivo da lâmina própria) da glândula de aspecto vesicular. Ou seja, uma
glândula dentro de outra. Como conseqüência, existem dois tipos de secreção: uma de natureza lipídica,
Agradecimentos
Sou grato ao Centro de Microscopia Eletrônica (UNIFESP), onde foram feitas as micrografias e o
processamento do material.
Referências
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Espermatogênese no Gambá
Didelphis albiventris
Gualter F. de Queiroz* †
José C. Nogueira**
*
Faculdade de Medicina de Barbacena. Praça Presidente Antônio Carlos, nº8, Centro, Barbacena,
MG, 36.202-336, Brasil.
Departamento de Morfologia. ICB. Universidade Federal de Minas Gerais, Caixa Postal 486,
**
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 197-213, 2012.
Introdução
No testículo de mamíferos distinguem-se, do ponto de vista morfofuncional, dois compartimentos
básicos: 1) compartimento intertubular ou intersticial, contendo células e fibras do tecido conjuntivo,
vasos sanguíneos e linfáticos e, sobretudo, as células de Leydig - principal fonte de andrógenos do orga-
nismo; 2) compartimento tubular, representado pelos túbulos seminíferos, no interior dos quais ocorre a
gametogênese. A espermatogênese é um processo definido como o conjunto de divisões e transformações
através das quais células-tronco, as espermatogônias, dão origem aos gametas masculinos, os esperma-
tozóides (Castro & Cardoso, 1997).
Considera-se a espermatogênese como um processo complexo e geralmente dividido em três fases
distintas: 1) fase proliferativa ou espermatogonial, na qual as espermatogônias proliferam e dão origem
aos espermatócitos primários e, ao mesmo tempo, renovam a população espermatogonial, necessária para
a continuação do processo; 2) fase meiótica, que envolve divisões reducionais dos espermatócitos, resul-
tando na formação de células haplóides, as espermátides; 3) fase espermiogênica ou de diferenciação, na
qual as espermátides, mediante uma série de modificações celulares, transformam-se em espermatozóides
(Clermont, 1972; Russel et al., 1990; Castro & Cardoso, 1997).
Em mamíferos eutérios, a espermatogênese tem sido bem estudada com o emprego de diferen-
tes metodologias, resultando em vasta bibliografia a esse respeito, onde se destacam os estudos de
Roosen-Runge & Giesel (1950), Clermont (1962), Foote et al. (1972), Grocock & Clarke (1976),
Swierstra & Foote (1963), Torres et al. (1983), Russel et al. (1990). Também refletindo a importân-
cia desse assunto, várias revisões enfocam os diferentes aspectos da espermatogênese em animais
de laboratório, animais selvagens e domésticos, salientado-se as de Amann (1970), Courot et al.
(1970), Berndtson (1977), Setchell (1978), Russel et al. (1990), Castro & Cardoso (1997) e França
& Russel (1998).
Contrastando com a abundância de dados obtidos em mamíferos eutérios, são escassos os estudos
sobre espermatogênese em marsupiais (mamíferos metatérios), e estes referem-se especificamente a mar-
supiais australianos (Mason & Blackshaw, 1973; Setchell & Carrick 1973) e ao gambá sul-americano
Didelphis albiventris (Orsi & Ferreira, 1978; Queiroz & Nogueira, 1992; Queiroz et al., 1995). Por outro
lado, Nogueira (1988), estudando a anatomia e biometria do sistema genital masculino de D. albiven-
tris durante o ciclo reprodutivo anual, encontrou variações ponderais nas glândulas genitais acessórias,
indicativas de atividade secretória sazonal, contrastando, entretanto, com o verificado nos testículos e
epidídimos. Esses achados sugeriram a necessidade de uma avaliação mais acurada da atividade testicu-
lar, compreendendo o rendimento intrínseco da espermatogênese e a produção de testosterona, durante
os períodos de acasalamento e não-acasalamento, para a melhor compreensão da biologia reprodutiva
de D. albiventris.
Figuras 5, 6, 7 e 8. Fotomicrografias de túbulos seminíferos de gambá Didelphis albiventris. As fotos são representativas,
respectivamente, dos estágios 5, 6, 7 e 8 do ciclo do epitélio seminífero classificado pelo método da morfologia tubular. A – es-
permatogônia tipo A. B – espermatogônia tipo B. PQ – espermatócito primário em paquíteno. AR – espermátide arredondada.
AL – espermátide alongada. CR – corpo residual. S – célula de Sertoli. Hematoxilina-eosina. 500x. Autorização (CSIRO Pu-
blishing): Reprod. Fert. Develop., v. 4, p. 213-222, 1992.
Figuras 9, 10 e 11. Radioautografia de túbulos seminíferos de gambá Didelphis albiventris, respectivamente, 1 hora (estágio
2), 7 dias (estágio 3) e 14 dias (final do estágio 7) após a injeção de timidina triciada. L – leptóteno. Z – zigóteno. AR –
espermátide arredondada. AL – espermátide alongada. 250x. Autorização (CSIRO Publishing): Reprod. Fert. Develop., v.
4, p. 213-222, 1992.
1h Leptóteno 2 II – – – –
da morfologia tubular. Isso significa que a duração do CES do gambá D. albiventris é de 69,2 dias, ou seja,
17,3 dias referentes a um ciclo multiplicado por 4 (Figura 12). Porém, se admitirmos que em marsupiais
a cinética da espermatogênese possa ser semelhante à de mamíferos eutérios, esta duração aumentaria
para 77,8 dias, correspondendo a 4,5 ciclos, conforme preconizado por Amann & Schanbacher (1983).
Quanto à duração das várias etapas da espermatogênese, estimadas com base na duração dos está-
gios do CES, verifica-se que no gambá os valores calculados são de 8,5 dias para a fase pré-divisional
do ciclo; 8,0 dias para a fase pós-divisional; 25,8 dias para a pró-fase meiótica; 0,8 dia para as divisões
meióticas, e 25,3 dias para a espermiogênese. Todos esses valores assemelham-se aos encontrados por
Setchell & Carrick (1973) em marsupiais australianos.
Tabela 2. Peso corporal, medidas testiculares e número de células por secção transversal de túbulo seminífero de gambás
Didelphis albiventris sacrificados nos períodos de acasalamento e não-acasalamento.
Número de células*
Tabela 3. Razões entre tipos celulares por secção transversal de túbulo seminífero de gambás Didelphis albiventris.
Espermatócito I Espermatócito I
Espermatogônia Espermatogônia Espermátide
Tipo celular jovem velho
A B arredondada
(zigóteno) (diplóteno)
Volume dos
túbulos seminíferos* (ml) 16 0,37 ± 0,06 16 0,43 ± 0,08 16,21 n.s.
Comprimento total dos
túbulos seminíferos (m) 16 7,50 ± 1,70 16 9,20 ± 2,30 22,66 n.s.
Já o comprimento total dos túbulos seminíferos dessa mesma espécie, estimado também por Queiroz
& Nogueira (1992), que dividiram o volume dos túbulos seminíferos pela área da secção transversal do
túbulo, é de 8,4 m por testículo.
Considerando-se que o comprimento dos túbulos seminíferos por unidade de volume é inversamente
proporcional à área de sua secção transversal, é de se esperar que animais com túbulos mais largos tenham
menor comprimento tubular por ml de parênquima. Portanto, os marsupiais, pelo fato de apresentarem
área tubular maior, têm túbulos seminíferos mais curtos que os mamíferos eutérios.
Tabela 5. Produção espermática diária e reserva espermática testicular de gambás Didelphis albiventris sacrificados nos pe
ríodos de acasalamento e não-acasalamento.
Não Signifiância
n Acasalamento n acasalamento Diferença
da diferença
Média ± D.P. (%)
Média ± D.P. (%)
Baseado na histologia
testicular quantitativa
Nº de espermátides/
testículos/dia (x106) 16 3,8 ± 1,0 16 4,7 ± 1,6 23,6 n.s.
Nº de espermátides/g
de parênquima
testicular/dia (x106) 16 4,4 ± 1,0 16 5,1 ± 1,0 15,9 n.s.
espermática testicular
Nº de células
Baseada na reserva
espermáticas*/
testículo/dia (x106) 12 2,6 ± 0,2 10 3,1 ± 0,6 19,2 n.s.
Nº de células
de parênquima
testicular/dia (x106) 12 3,4 ± 0,7 10 3,5 ± 0,7 2,9 n.s.
Nº de células
Reserva espermática
espermáticas*/
testículo (x106) 12 23,4 ± 0,5 10 27,2 ± 1,7 16,2 n.s.
testicular
Nº de células
espermáticas*/g
de parênquima
esticular (x106) 12 29,2 ± 1,7 10 30,2 ± 2,1 3,6 n.s.
* Espermátides alongadas e espermatozóides.
A pouca eficiência espermatogênica do gambá D. albiventris, segundo Queiroz & Nogueira (1992),
deve-se à longa duração do seu ciclo do epitélio seminífero, associada ao reduzido número de esper-
mátides arredondadas por secção transversal de túbulo seminífero, consequência do baixo rendimento
intrínseco da espermatogênese, especialmente do coeficiente de eficiência de mitoses espermatogoniais.
Bedford et al. (1984) também constataram uma baixa concentração espermática testicular (número
de células espermáticas/g de parênquima testicular) em marsupiais australianos da família Peramelidae.
Para explicar o sucesso da fertilização com tão baixa produção espermática, estes autores relataram que
os espermatozóides de marsupiais sobrevivem melhor no trato genital feminino, possivelmente porque
se alojam em criptas da tuba uterina, que funcionam como receptáculos. Além disso, em marsupiais
americanos, o pareamento de espermatozóides protege o frágil acrosoma das secreções produzidas pelas
vias genitais femininas.
Agradecimentos
Pelo suporte financeiro e bolsas de pesquisa que foram concedidos pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). À CSIRO Publishing (Austrália) pela autorização
para usar as fotomicrografias originárias do trabalho publicado na revista Reproduction, Fertility and
Development, 4, p. 213-222, 1992. Ao Dr. Antônio Carlos Santana Castro, pela valiosa colaboração.
Referências
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Morfologia do
Sistema Genital Masculino
de Marsupiais Brasileiros
José C. Nogueira*†
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 215-242, 2012.
*
Departamento de Morfologia. ICB. Universidade Federal de Minas Gerais, Caixa Postal 486,
Belo Horizonte, 31270-901, Brasil.
† Autor correspondente: jocano1937@gmail.com
Família Didelphidae
A anatomia e histologia do sistema genital masculino de marsupiais brasileiros, dentre eles Philander
frenatus, Didelphis albiventris, D.aurita, D. marsupialis, Marmosa (Micoureus) demerarae, Metachirus
nudicaudatus, Caluromys lanatus, C. philander e Glironia venusta foram estudados por Nogueira et al.
(1977), Godinho et al. (1977), Orsi & Ferreira (1978), Ribeiro (1981), Ribeiro Nogueira (1982), Noguei-
ra (1988), Martinelli (1990), Queiroz (1991), Costa (1995), Costa & Nogueira (1996), Carvalho (1996),
Carvalho & Nogueira (1998), Nogueira et al. (1999a, b). Outras espécies, como Gracilinanus agilis,
Marmosops incanus, Monodelpis domestica e Monodelphis brevicaudata também foram estudadas por
Nogueira e colaboradores, cujos resultados são aqui apresentados.
O sistema genital masculino de marsupiais brasileiros é constituído por testículos, epidídimos, ductos
deferentes, uretra, pênis e glândulas genitais acessórias, estas representadas pela próstata e dois ou três
pares de glândulas bulbouretrais (glândulas de Cowper) (Figura 1a, b, c). Estes marsupiais não possuem
vesículas seminais, glândulas ampulares nem glândulas prepuciais. Alguns dados biométricos do sistema
genital masculino são apresentados na Tabela 1.
Figura 1 - Sistema genital masculino (SGM) de marsupiais brasileiros. a: – Desenho esquemático do SGM do Didelphis
albiventris. b – SGM de Marmosa (Micoureus) demerarae dissecado e com pênis distendido. c - SGM de Metachirus
nudicaudatus dissecado (período de acasalamento) e com pênis não distendido: T = testículo; E = epidídimo (envolvidos pela
túnica vaginal nos lados indicados pelas setas); Sc = funículo espermático; D = ducto deferente; Pg = próstata (segmentos: c =
cranial, m = médio, ca = caudal); U = uretra membranosa; IC = isquiocavernoso; BS = bulboesponjoso; P = corpo do pênis; R
= retrator do pênis; G = glande. A cabeça de seta mostra o pedículo testículo-epididimário.
BIOLOGIA
Didelphis albiventris 51 A 36,8±1,2 * 1273,5±161,3 901,5±108,3 340,1±32,4 2167,3±1270,5 349,3±254,4 113,3±53,4 19,2±5,7
Didelphis marsupialis 1 A 41,0 * 1650,0 1485,0±77,8 485,0±7,1 4740,0 555,0±21,2 275,0±21,2 20,0±0,0
Marmosa (Micoureus)
8 A 19,8±0,9 * 142,8±24,4 378,6±50,2 100,0±23,8 372,0±161,8 * * *
demerarae
Gracilinanus agilis 9 A 10,3±0,7 12,9±0,7 38,2±5,45 170,0±27,0 62,2±12,6 610,0±105,0 136,2±55,8 ** 23,7±11,5
2,6±0,5
Marmosa murina 5 A 13,2±1,1 19,2±1,2 53,5±9,0 157,3±20,1 60,4±7,0 97,8±10,4 21,8±3,3 27,8±1,5
Túnica Vaginal
Presente internamente à pele escrotal (Figura 2a), a túnica vaginal aloja no seu interior o testículo, o
epidídimo, o pedículo testículo-epididimário (PTE) e a parte epididimária do ducto deferente (Figura 1c).
A túnica vaginal que envolve cada testículo, juntamente com tecido adiposo, forma um “septo escrotal”,
que separa um testículo do outro. A túnica vaginal é constituída por duas lâminas distintas: a lâmina vis-
ceral, intimamente aderida à albugínea do testículo e que geralmente não possui pigmentação; e a lâmina
parietal, que envolve os órgãos citados (Nogueira et al., 1977). Ambas as lâminas são revestidas por
Figura 2. Aspectos anatômicos externos de Philander opossum, macho, adulto. a - Vista em decúbito lateral. b - Vista
ântero-lateral do penduloso escroto. c - Vista anterior do escroto, com animal fotografado em decúbito dorsal. d - Animal
fotografado em decúbito dorsal, mostrando a glande bífida, envolvida pelo prepúcio, e a posição pré-penial do escroto (E).
e – Vista lateral do escroto. A seta indica a prega em forma de meia-lua, presente na parte caudal do pedículo escrotal. (*
glande). f – Lado esquerdo da fotografia: testículo e epidídimo envolvidos pela túnica vaginal pigmentada de preto; no
lado direito, o folheto parietal da túnica vaginal foi retirado do conjunto contra-lateral. Observam-se, ainda, os longos
funículos espermáticos. g – Mostra a compressão da região perineal expondo o pênis e prepúcio através da parede da
cloaca (sustentada pela pinça).
Figura 3. Pele escrotal e túnica vaginal de Caluromys. a – Pele escrotal de Caluromys lanatus. A cabeça de seta indica a re-
gião de união entre a derme e a lâmina parietal da túnica vaginal, rica em melanócitos. O asterisco indica a cavidade vaginal.
Hematoxilina-Eosina - 76X. b – Pele escrotal e túnica vaginal de C. lanatus. A seta mostra folículo piloso e glândula sebácea.
As cabeças de seta indicam glândulas sudoríparas. O asterisco mostra a cavidade vaginal. HE – 76X. c – Pele escrotal de C.
philander. Observar o maior número de folículos pilosos (seta) e glândulas sudoríparas (cabeça de seta). HE – 76X. d – Lâmina
parietal da túnica vaginal de C. lanatus. A seta mostra fibras elásticas na região de junção com a derme. A cabeça de seta indica
a camada mesotelial da túnica. Fucsina de Weigert-modificada – 116X. e – Secção longitudinal da parte superior do pedículo
escrotal de C. lanatus. Observar as numerosas glândulas sebáceas e sudoríparas (G) na parte ântero-lateral do pedículo. A seta
mostra o desenvolvido plexo vascular subcutâneo. Na pele do lado oposto às estruturas, as glândulas são escassas. HE - 46X.
f - Secção longitudinal da parte inferior do pedículo escrotal de C. lanatus. Observar a diminuição das glândulas (G). A cabeça
de seta indica a cavidade vaginal. Os vasos no meio da fotomicrografia representam o plexo espermático. C = músculo cremas-
ter. HE - 46X. g - Secção transversal da parte média do pedículo escrotal. As cabeças de seta indicam a junção da derme com
o cremaster (C). HE - 115X.
O testículo apresenta histologia semelhante nos marsupiais estudados, salientando-se, como dife-
rença marcante, os tipos de desembocadura dos túbulos retos no dúctulo eferente e a extensão deste no
interior do órgão. A determinação de padrões morfológicos e o papel funcional das vias espermáticas
intratesticulares de didelfídeos brasileiros serão importantes para comparações com aqueles encontrados
nos marsupiais sul-americanos dos gêneros Dromiciops, Caenolestes e alguns didelfídeos, previamente
estudados por Woolley (1987).
Descenso Testicular
A diferenciação gonádica no gambá D. albiventris, com o aparecimento de testículos, ainda na
cavidade abdominal, e ovário, inicia-se precocemente quando os filhotes são muito pequenos (cerca de
1,8 cm de comprimento; CR= “crown rump”) e têm cerca de 9 dias de vida no marsúpio. Ao mesmo
Vascularização do Testículo
O testículo é suprido de sangue pela artéria testicular. As artérias testiculares direita e esquerda em
D. albiventris originam-se de pontos diferentes da aorta abdominal (Godinho et al., 1977), conforme
Figura 5. Vias espermáticas intratesticulares. a – Túbulo seminífero (TS) de Caluromys lanatus seccionado longitudinalmente
mostrando a “válvula” na transição do TS-túbulo reto (cabeça de seta). A seta indica o local de desaparecimento abrupto de células
espermatogênicas, permanecendo somente as células de Sertoli. HE - 115X. b – Secção transversal da extremidade capitata do
testículo de C. philander, passando pelo dúctulo eferente (ED). A seta mostra a transição de TS para túbulo reto. As cabeças
de seta mostram vários túbulos retos desembocando no ED. A = ramo da artéria testicular. HE -46X. c – Secção transversal da
extremidade capitata do testículo de C. philander passando abaixo do dúctulo eferente. Observar vários túbulos retos (cabeças
de seta) envolvidos por tecido conjuntivo. HE - 46X. d – Secção longitudinal da extremidade capitata do testículo de C. lanatus.
Os TS desembocam através de túbulos retos (cabeças de seta), em um dúctulo eferente muito curto (ED) situado imediatamente
abaixo da albugínea (A). A seta mostra a transição de TS para túbulo reto com “válvula”. O asterisco marca o início da travessia
do ED na albugínea. V = veia. HE - 46X.
pode ser observado na Figura 6a. Após atravessar o canal inguinal, a artéria testicular ramifica-se em
numerosos e finos ramos para formar a rete mirabili, ao longo do funículo espermático (Figura 6a,b,c,d),
acompanhada por veias de mesmo calibre e número. Próximo à extremidade capitata do testículo, os
ramos arteriais reúnem-se em uma só artéria, na parte distal do funículo. Ela encurva-se em direção à
extremidade capitata do testículo, atravessa a albugínea e penetra no interior do mesmo, onde divide-
-se em dois ramos principais para irrigá-lo. O sistema venoso acompanha o arterial, porém em sentido
inverso. Disposição vascular semelhante à observada no funículo espermático de D. albiventris tem sido
observada nas demais espécies de marsupiais brasileiros estudadas (obs. pes.). A rete mirabili antes de
alcançar o testículo envia alguns ramos para irrigar o epidídimo. Entretanto, a existência de uma túnica
Figura 7. Regiões anatômicas e distribuição das zonas histológicas do epidídimo de marsupiais brasileiros. a – Desenho esquemático
das regiões anatômicas e da distribuição das zonas histológicas do epidídimo de Marmosa (Micoureus) demerarae. PF = parte
flexuosa do dúctulo eferente; DD = ducto deferente. b - Variações do epitélio e do diâmetro e forma do lume nas sete diferentes
zonas histológicas do ducto epididimário de M. demerarae. Com autorização de Revista Brasileira de Ciências Morfológicas, v.
9, n. 2, p. 26-31, 1992. c - Secção transversal do pedículo testículo-epididimário de Didelphis albiventris. A parte reta do dúctulo
eferente (seta grossa) é vista depois de sair do testículo e é acompanhada pelo ramo da artéria testicular (A), veias (V) e vaso linfático
(L). Todo o conjunto estrutural é envolvido pelo folheto visceral da túnica vaginal. Tricrômico de Gomori - 97X. Com autorização
de Acta Anatomica, v. 99, p. 209-219, 1977. d – Regiões inicial (seta), intermediária (dupla cabeça de seta) e final (dupla seta) da
parte flexuosa do dúctulo eferente de Caluromys lanatus. A seta curta (grossa) indica a transição entre o dúctulo eferente e dúctulo
epididimário (De). HE - 46X. e – Início da parte flexuosa do dúctulo eferente de C. philander. Secreção positiva à reação do Ácido
periódico de Schiff (PAS) no ápice das células epiteliais (cabeças de seta). V = vasos. PAS - 115X.
Epidídimo
Situa-se dorsolateralmente ao testículo (Figura1b, 2f), com a cauda curvando-se sobre a extremidade
caudata do mesmo e dirigindo-se ventralmente. O epidídimo é macroscopicamente lobulado e apresenta-se
anatomicamente dividido em cabeça, corpo e cauda (Figura 7a). A cabeça é larga, achatada e continua-
-se com o corpo estreito. A cauda é bem desenvolvida, de forma arredondada (Monodelphis) ou cônica
(Caluromys, Gracilinanus,) e projeta-se além da borda testicular, fazendo pequena ou acentuada saliência
no escroto. O epidídimo prende-se ao testículo através do mesepidídimo e é revestido por uma cápsula
delgada de tecido conjuntivo. O peso médio do epidídimo varia de 65 mg em Gracilinanus, Monodelphis
e Marmosa a 260 a 350 mg em Metachirus, Philander, Caluromys e Didelphis (Tabela 1). As funções de
absorção do fluido testicular, maturação e armazenamento de espermatozóides são atribuídas às regiões
da cabeça, corpo e cauda do epidídimo de marsupiais (Setchell, 1977; Tundale-Biscoe & Renfree, 1987).
O parênquima do epidídimo é formado pelo ducto epididimário, que se encontra bastante enovelado e
compactamente organizado no interior dos lóbulos. O ducto epididimário é revestido por epitélio simples
pseudo-estratificado colunar (células principais, predominantes) com longas projeções apicais, além de
células basais, células apicais e linfócitos intra-epiteliais (Orsi et al., 1980; Ribeiro, 1981; Martinelli,
1990; Costa, 1995). O ducto epididimário é dividido morfo-histoquimicamente pelas características de
seu epitélio em várias zonas: sete em D. albiventris (Orsi et al., 1981) e M. demerarae (Figura 8) (Mar-
tinelli & Nogueira, 1992) e nove em M. nudicaudatus (Costa, 1995). É durante o trânsito epididimário
que ocorre a maturação morfofuncional e o pareamento de espermatozóides. Este fenômeno também
ocorre em todos os didelfídeos brasileiros estudados. A zona epididimária, onde ocorre o pareamento
dos espermatozóides, caracteriza-se pela maior capacidade de secreção (mucossubtâncias neutras, sia-
lomucinas e glicogênio) e/ou absorção nas células principais de seu epitélio (Martinelli, 1990; Costa,
1995). Os processos de secreção epitelial, maturação funcional e pareamento de espermatozóides são
andrógeno-dependentes (Kelce et al., 1987). Para melhor se conhecer as funções do órgão, principalmente
da zona onde ocorre o pareamento dos espermatozóides, estudos ultra-estruturais e imuno-histoquímicos
do ducto epididimário devem ser realizados.
Ducto Deferente
O ducto epididimário continua-se com o ducto deferente. Este é longo e dividido em quatro porções:
epididimária, funicular, abdominal e intraparietal. A porção epididimária inicia-se na cauda do epidídimo,
possui trajeto flexuoso e situa-se ventromedialmente ao corpo do epidídimo. A porção funicular é retilínea
e percorre todo o funículo espermático até atravessar o anel inguinal. A porção abdominal estende-se do
anel inguinal interno até a adventícia da próstata. A porção intraparietal é a que possui menor extensão,
atravessando o segmento cranial da próstata (Figura 9d) para desembocar na uretra (Figura 9e), próximo
Figura 8. Secções transversais das diferentes zonas do epidídimo (ducto epididimário) de Marmosa (Micoureus) demerarae. Com
autorização de Revista Brasileira de Ciências Morfológicas, v. 9, n. 2, p. 26-31, 1992. A - Zona I. As cabeças de seta indicam
células apicais. HE - 250X. B - Zona II. HE - 250X; C- Zona III. HE - 250X. D- Zona IV. HE - 250X. E- Zona V. HE - 250X.
Encarte: espermatozóides pareados no lume do ducto. HE - 410. F - Zona VI. HE - 250X. G - Zona VII. HE - 250X. H - Zona
VI. Numerosos grânulos citoplasmáticos PAS -positivos - 250X.
ao colo da bexiga. Não existe dilatação correspondente à ampola do ducto deferente e o ducto não se
cruza com o ureter antes de desembocar na uretra (diferentemente dos mamíferos eutérios).
A mucosa do ducto deferente apresenta variações regionais (Figura 9a, b, c) e foi descrita para
P. frenatus (Ribeiro, 1981), D. albiventris (Machado et al., 1982) e outras espécies de marsupiais sul-
-americanos (Rodger,1982; Martinelli, 1990; Costa, 1995; Carvalho, 1996). É revestida por epitélio
pseudo-estratificado colunar alto e estreito, fracamente acidófilo, com numerosas e longas projeções
apicais (Figura9s, c). A existência de grupos de células colunares baixas intercaladas dá ao lume ductal
um aspecto irregular e franjado (Figura 9b). Entre as células epiteliais encontram-se pequenas células
basais, células apicais e linfócitos. A lâmina própria em toda sua extensão é delgada e rica em fibras
Funículo Espermático
A morfologia do funículo espermático é similar nos marsupiais brasileiros estudados por Godinho
et al., (1977); Ribeiro (1981); Machado et al., (1982); Martinelli (1990); Costa (1995) e Carvalho (1996).
Figura 10. Secções transversais do funículo espermático de marsupiais. a - Parte proximal do funículo espermático de P. opos-
sum. D = ducto deferente; A = artéria testicular; L = vaso linfático. Externamente observa-se o desenvolvido músculo cremaster.
Tricrômico de Gomori - 30X. b – Parte média do fúnículo espermático de D. albiventris, onde os ramos da rete mirabili da artéria
testicular (A) são mais numerosos. As veias (V) acompanham os ramos arteriais (A). Os vasos sangüíneos e o ducto deferente
(D) são separados do cremaster pela faixa de conjuntivo denso (seta curta). Tricrômico de Gomori - 52X. Com autorização da
Acta Anatomica, v. 99, p. 209-219, 1977. c – Maior aumento da figura 8b na área dos vasos sangüíneos. Artérias (A) e veias
(V) são facilmente distinguíveis pela presença da limitante elástica interna na parede das artérias (setas). Fucsina de Weigert
(modificada). 185X. Com autorização de Acta Anatomica, v. 99, p. 209-219, 1977.
Figura 11. a - Desenho esquemático dos segmentos da próstata de Metachirus nudicaudatus mostrando os diferentes tipos
celulares de cada segmento. ADV = adventícia; MUSC = camada muscular; EXT = parte externa; MED = parte média; INT=
parte interna do túbulo glandular. b – Partes externa e média do segmento cranial. HE - 76X. c – Partes média e interna do
segmento cranial. HE - 76X. d – Parte média do segmento cranial mostrando algumas células PAS-positivas. PAS + H-76X.
e – Parte interna (ducto) da glândula formada por células contendo pequenas granulações apicais PAS-positivas. PAS + H-76X.
Próstata
É do tipo disseminada e bem desenvolvida nos marsupiais. Limita-se cranialmente com o colo da
bexiga e caudalmente com a uretra membranosa (Figura 1a). A glândula possui forma alongada, seme-
lhante a uma cenoura (Figura 1a) e apresenta-se bem mais desenvolvida no período de acasalamento,
mudando até a forma que se torna espiral torcida e podendo aumentar várias vezes seu peso e tamanho
(Figura 1c), conforme verificado em D. albiventris (Nogueira, 1988) e em M. nudicaudatus (Costa,
1995). A próstata possui três segmentos distintos em cor, extensão e diâmetro (Figuras 11 e 12). O
segmento cranial é o de menor comprimento e possui coloração rósea. O segmento médio é o maior e
o mais largo, apresentando cor branca leitosa. O caudal é o mais estreito e possui cor cinza escuro. O
parênquima é formado por túbulos glandulares (TG) ramificados que diferem entre si histológica (Figura
11a) e histoquimicamente, nos três segmentos. Esses túbulos apresentam intensa atividade secretória
(Figura 11b a 11m) durante o período de acasalamento. Os TG produzem mucossubstâncias neutras em
Figura 13. Glândulas bulbouretrais (BU) de marsupiais brasileiros. a – Vista panorâmica da BU lateral de Caluromys lanatus.
M = músculo estriado esquelético invaginando-se para o interior da glândula. A seta mostra o conjuntivo que envolve o parênqui-
ma glandular. HE -56X. a – Túbulos da BU lateral de C. lanatus expandidos pelo acúmulo de secreção. HE -230X. c – Detalhe
de parênquima da BU intermédia de Metachirus nudicaudatus formado por longos túbulos secretores ramificados. HE - 76X.
d – Túbulos secretores da BU intermédia de M. nudicaudatus formados por células colunares (mucosas) com núcleos basais. M
= músculo estriado esquelético da glândula. HE - 76X. e – Intensa reação PAS-positiva na BU intermédia de M. nudicaudatus.
76X. f – Túbulos glandulares mostrando reação PAS-positiva no epitélio e na secreção armazenada no lume da BU medial de
M. nudicaudatus. 76X. g - Glândula BU medial de M. nudicaudatus. Granulações PAS-positivas no citoplasma das células
secretoras. 192X.
Glândulas Bulbouretrais
Existem dois ou três pares de glândulas bulbouretrais (ou de Cowper) nos marsupiais brasileiros,
denominadas glândulas bulbouretrais laterais, intermédias e mediais (Figura 1a, b, c), nomes que se re-
ferem as suas posições anatomotopográficas (Nogueira et al., 1984). Na maioria das espécies estudadas
existem três pares, ao passo que nas espécies pertencentes aos gêneros Caluromys, Glironia e Gracilinanus
existem somente dois pares de glândulas. As glândulas bulbouretrais laterais e as intermédias são pirifor-
mes (Figura 1a, c) e situam-se dorsolateralmente à uretra, relacionando-se dorsalmente com os músculos
isquiocavernosos (IC) e bulboesponjosos (BS) da raiz do pênis. As glândulas laterais possuem aspecto
translúcido, enquanto as intermédias são menores e opacas, exceto em M. demerarae (Martinelli, 1990).
As glândulas mediais são arredondadas, bem menores que as demais, e situam-se ventrolateralmente em
relação à uretra, relacionando-se caudo-medialmente aos músculos IC (Figura 1b, c). Os ductos excreto-
res destas glândulas desembocam, com pequenas variações entre as espécies, na porção inicial da uretra
peniana. O parênquima glandular é formado por longos túbulos secretores ramificados (Figura13a, c, f)
que se expandem acentuadamente, por acúmulo de secreção (Figura 13b, f), no período de acasalamento
(Nogueira, 1984). A ultra-estrutura do epitélio secretor das bulbouretrais de D. albiventris foi descrita por
Nogueira & Redins (1989). Os ductos excretores também são secretores e possuem células endócrinas,
produtoras de serotonina, intercaladas no epitélio próximo às desembocaduras na uretra. Embora haja
variações qualitativas no teor das secreções destas glândulas, mucossubstâncias neutras (Figura 13e, g)
e mucossubstâncias ácidas carboxiladas e sulfatadas, além de glicogênio, têm sido detectados em vários
marsupiais brasileiros (Ribeiro, 1981; Nogueira et al., 1984; Ribeiro & Nogueira, 1985; Martinelli, 1990;
Martinelli et al., 1991; Costa, 1995; Carvalho, 1996).
A presença de dois ou três pares de glândulas bulbouretrais nos marsupiais brasileiros e a composição
complexa de suas secreções sugere papel importante dessas glândulas na fisiologia reprodutiva desses
animais, além de simples função lubrificadora da uretra antes da ejaculação. Para isto, estudos morfofun-
cionais e bioquímicos mais acurados devem ser realizados com o objetivo de esclarecer a composição das
secreções dessas glândulas, se as mesmas são eliminadas em conjunto ou individualmente, bem como se
antes, junto ou depois da fração espermática do sêmen.
Uretra
A descrição básica da estrutura da uretra encontra-se nos estudos de Ribeiro (1981) e Martinelli
(1991). A uretra pelvina apresenta as porções prostática e membranosa. A prostática tem maior ex-
tensão e se relaciona, em todo seu contorno, com as glândulas tubulares da próstata, que lançam suas
secreções no lume uretral. A mucosa é revestida por epitélio de transição e a lâmina própria, de con-
juntivo frouxo, possui um rico plexo vascular sanguíneo e linfático entremeado aos ductos excretores
dos túbulos prostáticos. Células endócrinas esparsas, produtoras de serotonina, foram demonstradas
no epitélio ao longo da uretra prostática (Nogueira & Barbosa, 1999) de D. albiventris. A uretra
membranosa situa-se entre o segmento caudal da próstata e a raiz do pênis é revestida por epitélio de
Pênis
O pênis dos marsupiais brasileiros apresenta o padrão básico dos marsupiais já estudados (Broek,
1910; Woolley & Webb, 1977; Woolley, 1982; Ribeiro & Nogueira, 1990; Martinelli & Nogueira, 1997;
Nogueira et al., 1999 a, b). As principais diferenças entre espécies e gêneros estão relacionadas com a
morfologia da glande e o músculo elevador do pênis. O pênis é pós-escrotal e liga-se ao arco isquiádico por
meio de um ligamento suspensor. O corpo peniano possui uma acentuada flexura sigmóide, “S-peniano”
(Figura 14 a), que se desfaz durante a ereção e volta, quando flácido, à posição normal, em parte devido
à contração dos músculos retratores. Quando ereto, o pênis é exposto através da fenda cloacal.
Em todas as espécies dissecadas, a volumosa musculatura da raiz do pênis é formada pelos mús-
culos isquiocavernosos (IC) e bulboesponjosos (BS), situados fora da cavidade pelvina. Os músculos
são piriformes, com suas porções arredondadas bem desenvolvidas e suas porções afiladas convergentes
para a linha mediana da raiz do pênis. Encaixados na raiz do pênis e ventralmente aos músculos IC e BS
e ductos excretores das bulboureterais encontram-se os músculos elevadores (LM) do pênis. O tendão
de inserção deste músculo penetra no corpo peniano, ramifica-se ao nível da glande para inserir-se na
albugínea dos corpos cavernosos ou no fornix prepucial. Em Metachirus, diferentemente das demais
espécies estudadas, o LM insere-se no fornix através de uma faixa muscular sem apresentar tendão. Os
músculos retratores do pênis originam-se na região sublombar e inserem-se na curvatura dorsal da flexura
sigmóide. As variações desses músculos e tendões nos marsupiais brasileiros estão esquematizadas nas
Figuras 14b a 14k.
Em todas as espécies estudadas a glande é bífida. A forma e o comprimento de cada hemiglande
é muito variável. Com a bifurcação da glande, a uretra dá origem a duas fendas uretrais que percorrem,
por extensão variada, as faces mediais das hemiglandes e terminam na face ventral (Didelphis, Philan-
der, Lutreolina, Marmosops, Gracilinanus), na extremidade (Caluromys, Glironia, Micoureus), muito
próximas à extremidade (Marmosa), ou na face lateral (Monodelphis). Em Metachirus, diferentemente,
as fendas uretrais terminam na bifurcação da glande e formam dois canais funcionais delimitados pelas
pregas dorsais e ventrais existentes na glande. A Figura 14 mostra resumidamente as características
morfológicas da glande dos marsupiais brasileiros já estudados. Divertículos, situados ventralmente às
fendas uretrais, com topografia e desembocadura diferentes nas hemiglandes de Didelphis, Philander,
Lutreolina e Metachirus foram descritos por Nogueira et al. (1999b). O significado funcional dessa
estrutura não é conhecido.
Embora haja similaridades na morfologia do pênis dos marsupiais estudados, a análise dessas
características, associadas a dados corporais externos, podem servir como ferramenta taxonômica para
auxiliar na identificação de espécies em campo. O conhecimento da morfologia fálica dos demais gêne-
ros e espécies ainda não estudados poderá ajudar a determinar a real importância da morfologia fálica
na distinção existente entre as espécies de cada grupo e mesmo na filogenia de marsupiais americanos.
O conhecimento dos aspectos funcionais da cópula e inseminação, bem como estudos morfológicos do
sistema genital feminino, serão importantes para o entendimento das diferenças na morfologia peniana
desses marsupiais.
Figura 14. A - Desenho esquemático do pênis (flácido) de Marmosa (Micoureus) demerarae mostrando a proeminente flexura
sigmóide (SF). B a K – Desenhos esquemáticos do pênis distendido em vista ventral e das respectivas hemiglandes em vista
medial. B = Marmosops incanus; C = Gracilinanus agilis; D = M. demerarae; E = Marmosa murina; F = Didelphis; G =
Philander; H = Lutreolina; I = Metachirus; J = Caluromys lanatus; K = Monodelphis. Barra = 1 cm. Legendas: IC = músculo
isquiocavernoso; BS = músculo bulboesponjoso; LM = músculo elevador do pênis; U = uretra membranosa; RM = músculo
retrator do pênis; T = tendão; P = prepúcio; G = glande; Ug = fenda uretral. Setas = desembocadura do divertículo; Cabeças
de seta = pregas dorsal e ventral.
entre a musculatura estriada esquelética do esfíncter cloacal (Figura 15e) presente nessa espécie e também
em Caluromys (Carvalho, 1996). Próximo à abertura terminal do sistema digestivo desembocam os dois
pares de glândulas anais (Figura 15d), estando o par menor dorsal e o par maior dorsolateral à abertura.
A descrição histológica da mucosa cloacal baseia-se nos estudos de Martinelli (1990) e Carvalho
(1996). A mucosa (Figura 15e) é revestida por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado, apoiado
sobre uma lâmina própria espessa de conjuntivo denso, bem vascularizado e com poucas glândulas. Exter-
Didelphis albiventris A T Médio Cônica Face ventral Divertículos Nogueira et al. 1999 b
Didelphis aurita A T Médio Cônica Face ventral Divertículos Nogueira et al. 1999 b
Didelphis marsupialis A T Médio Cônica Face ventral Divertículos Broek, 1910; Nogueira et al. 1999 b
Philander opossum A T Médio Cônica Face ventral Divertículos Ribeiro, 1990
Lutreolina crassicaudata A T Médio Cônica Face ventral Divertículos Nogueira et al. 1999 b
Metachirus nudicaudatus A M Médio Cônica Na bifurcação Divertículos: 1 Nogueira et al. 1999 b
Caluromys lanatus A T Longo Elíptica Extremidade – Nogueira et al. 1999 b
Caluromys philander A T Longo Elíptica Extremidade – Nogueira et al. 1999 b
Micoureus cinereus A T Longo Reta Extremidade – Martineli and Nogueira 1997
Marmosops incanus A T Médio Arredondada Face ventral 2 Martineli and Nogueira 1997
Graciliananus agilis A T Médio Cônica Face ventral – Martineli and Nogueira 1997
Marmosa murina A T Longo Arredondada Extremidade – Martineli and Nogueira 1997
Monodelphys domestica A T Médio Irregular Face lateral 3 Nogueira and Câmara 1999
237 BIOLOGIA
Id= Idade; A= Adulto; P= Pré-púbere; LM= Músculo elevador do pênis; T= Tendão; M= Músculo; 1= Pregas dorsais e ventrais; 2= Depressão semelhante a óstio e apêndice laterais;
3= Prolongamentos apicais.
namente, a cloaca é revestida por pele pregueada, rica em folículos pilosos e glândulas sudoríparas (Figura
15e). A derme é pouco espessa e a junção dermoepidérmica é lisa, sem a camada papilar. A hipoderme
possui pequenos lóbulos de tecido adiposo entremeados às partes enoveladas das glândulas sudoríparas
e raízes de folículos pilosos. O músculo esfíncter da cloaca separa a parte profunda da hipoderme da
mucosa cloacal. Suas fibras esqueléticas distribuem-se ao redor da cavidade da cloaca. A cavidade clo-
acal de Caluromys é proporcionalmente a mais ampla de todos os marsupiais brasileiros já examinados.
Com base nas observações morfológicas e histoquímicas, Martinelli (1990) salienta que é provável
que os dois tipos de glândulas cloacais de M. demerarae representem glândulas sebáceas modificadas e
glândulas odoríferas, respectivamente. A presença de um complexo glandular desenvolvido, em torno
da abertura gênito-urinária na cloaca de M. demerarae e Caluromys, deve ter um significado fisiológico
muito importante no processo de ereção e exposição do pênis, lubrificando a parede da abertura para
deslizamento da desenvolvida glande. Todavia, estudos morfofuncionais mais detalhados são necessários
para o esclarecimento das funções do complexo glandular cloacal.
Puberdade
Ao período de desenvolvimento infantil segue-se a puberdade. No gambá, D. albiventris, a puber-
dade foi estudada por Nogueira (1989), utilizando-se a espermatorréia urinária como indicador básico e
também a análise histológica do testículo. A puberdade entre os filhotes criados em cativeiro tem início
cerca de 110 a 120 dias após a saída do marsúpio (desmame), ou seja, 200 a 210 dias após o nascimento.
Nesta espécie de gambá, além do aparecimento dos primeiros espermatozóides na urina, observam-se
também a liberação da glande peniana e o aparecimento de coloração amarela intensa nos pêlos da região
pré-esternal, devido ao início da atividade secretora das glândulas cervicoesternais. Esta secreção é andró-
geno-dependente e tem importância na delimitação da área de vida do macho. Estudos têm evidenciado
que em algumas espécies de marsupiais, entre elas os Didelphis, os machos não são territorialistas, ao
passo que as fêmeas podem apresentar áreas de vida exclusivas (veja Cáceres & Monteiro-Filho, 2001).
Perspectivas
A morfologia do sistema genital masculino de vários gêneros de marsupiais brasileiros foi descrita
no presente capítulo e sugere várias e interessantes áreas de pesquisas: a avaliação do padrão das vias
espermáticas intratesticulares e o seu significado funcional; o real significado da pigmentação preta da
túnica vaginal; a importância funcional da parte flexuosa do dúctulo eferente; a caracterização ultra-
-estrutural e imuno-histoquímica das diferentes zonas do epidídimo, principalmente daquela onde ocorre
o pareamento de espermatozóides; a análise bioquímica dos carboidratos da próstata; a caracterização
bioquímica das secreções das glândulas bulbouretrais (Cowper) e de suas funções; e o estudo da morfolo-
gia e inervação do pênis. A avaliação dos tópicos acima mencionados, inclusive em espécies dos gêneros
Thylamys, Chironectes, Caluromysiops, Caenolestes (e seus afins) e Dromiciops, ainda não estudadas,
será fundamental para a melhor compreensão do sistema genital masculino e filogenia de marsupiais
americanos. Além disso, o conhecimento da fisiologia da cópula e inseminação, associado a estudos
morfológicos do sistema genital feminino, é essencial para a compreensão da biologia reprodutiva de
marsupiais americanos.
Agradecimentos
Instituições: ICB-UFMG; PUC-MG; Eletronorte S.A; INPA; CNPq; CAPES. Suporte financeiro:
CNPq; FAPEMIG; PRPq-UFMG. Aos seguintes pesquisadores por fornecimentos de espécimes: Edeltru-
des Câmara (Gracilinanus agilis, M. incanus); Célio M. C. Valle (D. marsupialis, D.aurita, M. domestica
e P. frenatus); Gustavo A. B. Fonseca (L. crassicaudata, C. philander); P. M. Martinelli (M. demerarae);
Helder José (M. nudicaudatus); Maria Nazareth F. da Silva (G. venusta, M. murina, M. brevicaudata).
Os desenhos e as fotomicrografias de Micoureus, Metachirus, Caluromys e Philander foram retirados
de dissertações de mestrado e gentilmente cedidos por Patrícia M. Martinelli, Suely de F. Costa, Godo-
fredo A. de Carvalho e Maria das G. Ribeiro, respectivamente. Agradecemos às professoras Patrícia M.
Martinelli e Cleida A. Oliveira pela criteriosa leitura do manuscrito e valiosas sugestões apresentadas.
Os desenhos esquemáticos foram realizados por Fernando V. Moro e pelos biólogos Humberto E. Santo
de Mello; Myrian M. Duarte e Bruno G. de O. Câmara. O autor é pesquisador 1A do CNPq.
Referências
ALVES, H. J. Aspectos mesoscópicos e histoquímicos da origem da inervação adrenérgica de órgãos dos sistemas genitais
feminino e masculino do gambá Didelphis albiventris (Lund, 1841) – Didelphidae-Marsupialia. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1986.
Estação Reprodutiva
e Tamanho de Prole EM
Marsupiais Brasileiros
Nilton C. Cáceres* †
Maurício E. Graipel**
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 243-255, 2012.
Introdução
Os marsupiais compreendem um grupo de mamíferos sem igual na natu-
reza, pois, ao contrário dos placentários que perfazem a maioria dos mamífe-
ros viventes, apresentam relativamente gestação curta e um longo período de
*
Departamento de Biologia, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, 97.110-
970, Brasil.
† Autor correspondente: niltoncaceres@gmail.com
Departamento de Ecologia e Zoologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,
**
Figura 1. (A) Filhotes recém nascidos em fêmeas do gambá Didelphis albiventris (comprimento médio cabeça-corpo é de 6
mm) e (B) da cuíca-de-quarto-olhos marrom Metachirus nudicaudatus em mais adiantado estágio de desenvolvimento. Note a
ausência de marsúpio nessa última espécie (fotos por Luciana Guedes e Diego Astúa, respectivamente).
Estação Reprodutiva
A latitude influencia na época de início da reprodução de marsupiais brasileiros, embora ainda não
se saiba quais outros fatores ambientais influem conjuntamente nessa regulação, pois em cada latitude
há uma série de variáveis climáticas atuando, dependendo da região. Em geral, quanto maior a latitude,
mais tarde no ano se inicia a reprodução de uma espécie marsupial. Esse fenômeno é documentado prin-
cipalmente para Didelphis (Burns & Burns, 1957; Rademaker & Cerqueira, 2006). Assim, a reprodução
das espécies da região equatorial é quase contínua durante o ano (Julien-Laferrière & Atramentowicz,
1990), sendo, no entanto, influenciada por fatores como a altitude (Tyndale-Biscoe & Mackenzie, 1976).
Já em regiões tropicais, como a 22º S, o início da reprodução de Didelphis (como de Didelphis aurita)
é frequentemente em julho (Davis, 1947; Fonseca & Kierulff, 1989; Cerqueira et al., 1993; D’Andrea et
al., 1999; Gentile et al., 2000; Graipel & Santos-Filho, 2006). Na Argentina, na região de Buenos Aires,
a 35º S, tanto Didelphis albiventris quanto Lutreolina crassicaudata iniciam suas estações reprodutivas
em setembro de cada ano, após um período de vários meses de anestro (Regidor & Gorostiague, 1996;
Regidor et al., 1999).
A temperatura parece ser um fator importante que condiciona o início da estação reprodutiva em
marsupiais didelfídeos. Contudo, acredita-se que o fotoperíodo seja o principal fator determinante para
o início da estação reprodutiva nesses marsupiais (Cerqueira & Bergallo, 1993; Leiner et al., 2008),
como evidenciado para placentários (Flowerdew, 1987). No caso de Monodelphis domestica, fêmeas
são induzidas ao estro por machos (Faden, 1987), sendo estimuladas por secreções supraesternais desses
Tamanho de Prole
O número de filhotes que uma espécie de didelfídeo produz (geralmente inferior ao número de em-
briões produzidos) pode estar relacionado a uma série de fatores. Como fatores extrínsecos, podem-se
elencar o clima (influenciado pela latitude e altitude) e o habitat e, como fatores intrínsecos, o tamanho
corporal, a condição nutricional e a idade da mãe (Eisenberg, 1988). Muitos estudos já determinaram pelo
menos um desses fatores como causais na variação do tamanho de proles de várias espécies de mamíferos,
mas para os marsupiais brasileiros temos ainda muitas lacunas de conhecimento.
O tamanho de prole tende a aumentar com a latitude nos marsupiais brasileiros, como já comentado
previamente para outros marsupiais (Fleming, 1973; O’Connell, 1979). A regressão linear entre tamanho
de prole e latitude se revelou significativa, abrangendo 18 espécies e várias localidades por espécie (Figura
2; F = 6,24; R2 = 0,12; P = 0,016), embora o fator filogenético ainda deva ser controlado para verificar se
o padrão permanece ou se torna mais claro (Cáceres et al., dados não publicados; ver Felsenstein, 1985).
Este padrão pode ser observado em marsupiais como Didelphis (Rademaker & Cerqueira, 2006). A alti-
tude também pode influenciar no tamanho de prole, tendendo a elevá-lo quanto mais elevada for a região
em relação ao nível do mar (O’Connell, 1979; Flowerdew, 1987). Desse modo, regiões montanhosas nos
trópicos apresentam clima semelhante ao de regiões de latitudes elevadas (Bronson, 1989). Como em altas
latitudes a duração da estação reprodutiva é mais curta (ver seção anterior), hipoteticamente, pode ser
que os maiores tamanhos de prole nessas regiões sejam uma compensação pelo encurtamento da estação
reprodutiva; ou seja, a fêmea investiria em um maior número de filhotes em uma estação reprodutiva
mais curta, o que se equivaleria à produtividade de filhotes obtida em regiões de baixas latitudes (com
menores tamanhos de prole, mas com maior duração da estação reprodutiva).
As zonas subtropicais e temperadas apresentam populações ou espécies de marsupiais com os
maiores tamanhos de prole (Figura 2), ressaltando os fatores ambientais e latitude como importantes
nessa variação. Um número maior de filhotes nas maiores latitudes poderia ser uma resposta adaptativa
a estações reprodutivas mais curtas nessas latitudes (Rademaker & Cerqueira, 2006), contrabalançando
a produtividade da espécie em latitudes menores onde as estações reprodutivas são mais longas ou
ocorrem durante todo o ano (ver seção anterior). Contudo, em termos geográficos, as variações nos
tamanhos de prole são notáveis, mas são inúmeros os fatores que podem estar governando essa varia-
ção regionalmente, como a temperatura média do ano e pluviosidade, como exemplos. A quantidade
de chuva pode favorecer uma maior quantidade de recursos alimentares regionalmente (Bergallo &
Magnusson, 1999), com variações importantes entre anos, o que pode ser outro fator importante na
determinação do tamanho de prole.
O tipo de habitat que a espécie ou a população vive pode restringir ou favorecer sua estratégia re-
produtiva (Begon et al., 2006). No caso da cuíca-d’água, C. minimus, o habitat em que vive certamente
restringe seu tamanho de prole, pois a fêmea ao nadar deve manter o marsúpio bem fechado, e um número
aumentado de filhotes talvez não fosse uma solução adequada para esse estilo de vida. De fato, C. minimus
apresenta um dos menores tamanhos de prole entre os marsupiais didelfídeos, com a média variando entre
3 e 4 filhotes por prole (Hunsaker, 1977; Eisenberg, 1980; Crespo, 1982; Galliez et al., 2009).
A massa corporal e a idade das fêmeas são fatores que também podem influenciar no tamanho
da prole de marsupiais (Tyndale-Biscoe & Mackenzie, 1976; Woller & Richardson, 1992; Sunquist &
Eisenberg, 1993). Como na maioria dos mamíferos em fase de crescimento, a idade e a massa corporal
apresentam estreita relação, com fêmeas maiores ou mais velhas podendo sustentar maior número de
filhotes, enquanto fêmeas menores não. Embora alguns estudos não tenham verificado tal relação para
marsupiais didelfídeos (Tyndale-Biscoe & Mackenzie, 1976; Sunquist & Eisenberg, 1993, para D. marsu-
pialis; Bergallo & Cerqueira, 1994, para M. domestica), outros encontraram uma forte relação (Hossler et
al., 1994, para D. virginiana; Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990, para D. marsupialis, P. opossum
e Caluromys philander). Contudo, quanto à idade, fêmeas mais velhas podem chegar a um estágio de
senescência em que não suportam grandes proles ou até param de se reproduzir (Sunquist & Eisenberg,
1993). O efeito do tamanho corporal nas espécies pode estar agindo conjuntamente a outros fatores im-
portantes, que da mesma maneira contribuem para a variação do tamanho de prole, tais como o cuidado
parental e o sistema social da espécie. Assim, nota-se que pequenos marsupiais (como Gracilinanus,
Marmosa e Monodelphis) apresentam maiores tamanhos de prole que espécies de maior porte, como as
de Philander, Caluromys e Chironectes, mas as espécies muitas vezes apresentam tamanhos de prole
abaixo ou acima do esperado para uma determinada massa corporal (e.g. Tubelis, 2000; Figura 3). Esta é
uma tendência que pode ser explicada pelo metabolismo mais elevado desses pequenos marsupiais, que
é inversamente relacionado ao seu tamanho corporal e área de vida (McNab, 1963). Assim, espécies de
maior massa corporal apresentam menor metabolismo basal e, por consequência, menor potencialidade
de gerar maiores tamanhos de prole.
Em relação ao esperado (regressão logarítmica; Figura 3), espécies de marsupiais de pequeno porte
apresentam grandes tamanhos de prole (e.g. Gracilinanus microtarsus com média de 9,4 filhotes; Tubelis,
2000), os intermediários possuem tamanhos de prole menor que o esperado (exceto L. crassicaudata e
Metachirus nudicaudatus, que possivelmente ocorrem em habitats menos estáveis e/ou mais suscetíveis
à perda de filhotes ou predação e os grandes apresentam maior tamanho de prole que o esperado (Didel-
phis). Ou seja, a relação realmente não é linear e parece estar fortemente associada à história de vida das
espécies das espécies. Didelphis parece exibir uma estratégia reprodutiva diferente dentre os marsupiais
do grupo, pois apresenta tamanho de prole maior do que o esperado para seu tamanho corporal, o que
deve estar relacionado à sua maior adaptabilidade a ambientes modificados (Thompson, 1987), sendo
uma espécie mais oportunista e colonizadora (Eisenberg & Wilson, 1981). Philander já apresenta um
tamanho de prole menor que o esperado para o seu tamanho corporal, e isso implicaria em um maior
cuidado parental sobre seus poucos filhotes. O tamanho de prole sempre maior de Metachirus em relação
a Philander (Figura 4; visto que são espécies com massa corporal similar, são principalmente terrícolas,
e ocorrem em simpatria em muitas regiões do Brasil; Emmons & Feer, 1997) leva a seguinte questão:
como seriam regulados os mecanismos de co-ocorrência desses dois gêneros (Cáceres, 2004); em teoria,
Metachirus seria mais um estrategista “r” do que Philander, mas aparentemente eles não ocorrem em
micro-simpatria (Crouzeilles et al., 2010). As espécies de Caluromys apresentam proles ainda menores do
que as de Philander (Figura 4), podendo haver em Caluromys um cuidado parental ainda maior em relação
às outras espécies de marsupiais didelfídeos. Os fatos relacionados ao seu hábito mais arborícola e maior
volume cerebral que Philander e Didelphis (Eisenberg & Wilson, 1981) dão suporte a essa hipótese. Já C.
mininus apresenta um tamanho de prole menor do que o esperado devido ao seu hábito semiaquático, já
que o marsúpio deve ser fechado hermeticamente durante o nado e a quantidade de filhotes no marsúpio
acaba sendo reduzida devido possivelmente a esse fato No entanto, pode também estar relacionado à
maior estabilidade ambiental de seu habitat, com menos competição interespecífica e predação.
Outro fator importante é o isolamento em ilhas. Didelphis virginiana, por exemplo, apresentou me-
nores tamanhos de prole em ilha quando comparado ao continente, aliado à maior expectativa de vida dos
indivíduos e uma possível estratégia K para essa população isolada em relação as do continente (Austad,
1993). Provavelmente o ambiente, mais simples na ilha (como a provável ausência de predadores), seja
o responsável por essa diferença de tamanho de prole, levando à produção de menores números em uma
ambiente menos complexo.
A mortalidade de filhotes durante a lactação pode ser um fator de erro na estimativa do tamanho de
prole de uma espécie. Quanto maior for o grau de desenvolvimento dos filhotes, maiores serão as chances
de ter havido alguma mortalidade na bolsa (Gentile et al., 2000). Essa mortalidade é esperada ser baixa
(Tyndale-Biscoe & Mackenzi, 1976; Julian-Laferriere & Atramentowicz, 1990; Sunquist & Eisenberg,
1993; Cáceres & Monteiro-Filho, 1997; Gentile et al., 2000), mas já mostra que há seleção natural desde
antes do nascimento e mesmo durante a lactação.
Quanto ao tamanho de prole em relação aos picos de nascimentos tratados na seção anterior, dois
fenômenos podem ocorrer: tamanho médio de prole (1) decresce ou (2) cresce com ao longo da esta-
ção reprodutiva. 1) O tamanho de prole do primeiro pico em dada estação reprodutiva será maior que
o do segundo pico, sendo este último maior que o do terceiro pico, devido ao inerente gasto energético
causado por lactações consecutivas. Contrariamente à hipótese, esse fenômeno não foi observado por
Sunquist & Eisenberg (1993) para D. marsupialis, embora os autores tenham verificado que os filhotes
do segundo pico foram amamentados por maior tempo, sugerindo que as fêmeas durante o segundo pico
encontravam-se em condições de maior estresse causado pelo desgaste energético durante o primeiro
pico de nascimentos. 2) O tamanho de prole aumentaria do primeiro pico (mais coincidente com a esta-
ção fria ou seca) para o segundo pico de nascimentos devido a fatores como a maior disponibilidade de
alimentos nesse segundo período, que é coincidente com a estação quente do ano principalmente em altas
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O Gênero Thylamys:
Avanços e Lacunas
no Conhecimento
Alexandre R.T. Palma*
Emerson M. Vieira** †
Abstract: THE GEnUS Thylamys: progress AND GAPS IN KNOWLEDGE. The small
fat-tailed opossums of the genus Thylamys are small marsupials with terrestrial or scansorial
habits that occur mainly in non-forested habitats. These habitats include deserts, semiarid re-
gions, montane fields, steppes, Mediterranean-type vegetation and savannas in South America.
In Brazil there are three recognized species of the genus Thylamys: T. karimii, T. macrurus and
T. velutinus. In general these marsupials are locally rare and basically insectivores, although they
also feed less frequently on fruits. They are nocturnal and small-sized animals (adult weight up
to 30 g) with density ranging from 0.48 ind./ha (T. velutinus) to 5.5 ind./ha (T. elegans). In the
last 10 years, several studies about taxonomy and geographic distribution have increased the
available knowledge for the Thylamys species. In relation to ecology of this group, however,
such increase was not similar. This is the main gap in the scientific knowledge about this genus,
including information on seasonal and pluriannual variation in population sizes, reliable density
estimates, population structure and potential effects of disturbance events (e.g. wildfires, habitat
fragmentation) on the animals. In addition to the ecological knowledge, information about the
geographic distribution and taxonomical status of some components of this group are still needed.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 257-271, 2012.
*
Departamento de Sistemática e Ecologia, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade
Federal da Paraíba, Cidade Universitária. João Pessoa, PB, 58059-900, Brazil.
**
Laboratório de Ecologia de Vertebrados, Departamento de Ecologia Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade de Brasília, C.P. 04457. Brasília, DF, 70910-900, Brazil.
† Autor correspondente: emvieira@unb.br
Identificação
Características externas
As espécies brasileiras do gênero Thylamys são animais de pequeno tamanho (adultos pesando
entre 13 e 43 g) e com duas marcas escuras (“máscaras”) ao redor dos olhos. O comprimento da cauda
é menor do que o comprimento do corpo e cabeça ou ligeiramente maior em algumas espécies. A cauda
pode ser espessa (largura > 5 mm) devido ao acúmulo sazonal de gordura na base. As patas são peque-
nas com garras evidentes. Descrições detalhadas de características externas e internas foram feitas por
Carmignotto & Monfort (2006) para as espécies que ocorrem no Brasil e por Martin (2009), Teta et al.
(2009) e Giarla et al. (2010) para espécies em outros países.
Citogenética
As espécies T. pusillus, T. venustus, T. macrurus e T. elegans apresentam cariótipos muito similares
(2n = 14; FN = 20) (Palma & Yates, 1998). Thylamys, assim como os outros marsupiais sul-americanos,
são muito conservativos em termos de cariótipo. Vários outros gêneros de didelfídeos, como Marmosa,
Marmosops e Gracilinanus, possuem também cariótipo com 2n =14 (Hershkovitz, 1992a; Palma &
Yates, 1998).
Espécies similares
Outras cuícas pequenas, como Marmosops, Marmosa, Gracilinanus, Cryptonanus, Hyladelphis
e Tlacutzin) também possuem máscaras escuras ao redor dos olhos. No entanto, esses marsupiais se
distinguem de Thylamys por possuírem possuem garras discretas, caudas mais longas do que o corpo e
não acumulam gordura na cauda. Os marsupiais do gênero Monodelphis se assemelham às espécies de
Status taxonômico
Desde 2004, quando foi consolidada a revisão apresentada por Palma e Vieira (2006) na primeira edi-
ção deste livro, o gênero Thylamys foi objeto de diversos e profundos estudos taxonômicos e filogenéticos
(e.g. Carmignotto & Monfort, 2006; Martin, 2009; Teta et al., 2009; Giarla et al., 2010) que resultaram
em um grande avanço na informação quanto à delimitação de espécies, filogenia e distribuição geográfica.
BIOLOGIA
-Mata Atlântica do Alto Paraná
1 T. macrura T. macrura T. macrurus T. macrurus T. macrurus
Cerrado (2)
-Cerrado (1)
2 T. velutinus T. velutinus T. velutinus T. velutinus T. velutinus
-Cerrado
3 T. pusilla T. velutinus T. velutinus T. karimii T. karimii
-Caatinga (1)
-Chaco úmido T. pusillus
4 T. pusilla T. pusilla T. pusillus T. pusillus T. pusillus
-Chaco seco (3) (haplogrupo A)
T. pusillus
5 -Chaco seco (3) T. pusilla T. pusilla T. pusillus T. pusillus T. pulchellus
(haplogrupo B)
-Savana mesopotâmica T. pusillus
6 T. pusilla T. pusilla T. pusillus T. pusillus T. citellus
-Pampas úmidos (3) (haplogrupo C)
-Deserto de Sechura
-Deserto de Atacama
T. pallidior T. pallidior
7 -Puna dos Andes centrais T. pallidior T. pallidior T. pallidior T. pallidior
(clado norte) (haplogrupo A)
-Fl. Secas Montanas, Bolívia
(2,5)
-Puna dos Andes centrais T. pallidior T. pallidior
8 -Deserto de Monte T. pallidior T. pallidior (clado sul) T. pallidior (haplogrupo B) T. pallidior
-Estepe Sul-Andina (2,5) (Monte)
T. pallidior
T. pallidior
9 -Espinal (4) T. pallidior T. pallidior T. pallidior (haplogrupo B) T. fenestrae
(clado sul)
(Espinal)
10 -Deserto de Sechura (2) T. pallidior T. pallidior T. pallidior T. pallidior Thylamys sp.
11 -Deserto de Sechura (2) T. elegans T. elegans T. tatei T. tatei T. tatei
Distribuição geográfica
As espécies do gênero Thylamys ocorrem principalmente em formações vegetais abertas (Tabela 1),
incluindo desertos, áreas semi-áridas, campos montanos, estepes, vegetação mediterrânea e savanas. Poucas
espécies ocorrem em ambientes florestais, como florestas andinas (Yungas) e florestas semi-decíduas no
Paraguai (Creighton, 1985; Palma, 1995a, 1995b, 1997; Braun et al., 2005). Esse gênero apresenta ampla
distribuição altitudinal, ocorrendo desde o nível do mar (T. elegans no Chile) até altitudes de 3750 m (T.
sponsorius nos Andes - Giarla et al., 2010).
Esta distribuição concentrada em biomas abertos coloca o clado Thylamys + Lestodelphis em con-
traste com outros gêneros da família Didelphidae, os quais tendem a ocorrer principalmente em biomas
florestais ou em matas galerias e outras formações florestais incrustadas nas regiões dominadas por sa-
vanas (Creighton, 1985; Emmons & Feer, 1997; Hershkovitz, 1992b). Mapas atualizados apresentando
as localidades de ocorrência e distribuições geográficas das espécies válidas podem ser encontrados em
Carmignotto & Monfort (2006), Martin (2009), Teta et al. (2009) e Giarla et al. (2010) e um sumário da
distribuição do gênero pode ser visto na Tabela 1.
A delimitação das distribuições geográficas de espécies de Thylamys no Brasil era prejudicada pela
precária situação da sistemática destas espécies e pela escassez de material coletado, mas os trabalhos de
Carmignotto & Monfort (2006), Palma & Vieira (2006), Cáceres et al. (2007) apresentam várias novidades
sobre as distribuições de espécies que ocorrem no Brasil. Thylamys spp. possuem ampla distribuição no
Cerrado brasileiro, ocorrendo em localidades próximas aos limites extremos deste bioma e em manchas
isoladas de Cerrado na Mata Atlântica (Carmignotto & Monfort, 2006; Palma & Vieira 2006; Cáceres
et al., 2007).
Thylamys velutinus ocorre na parte centro-sul do Cerrado (Carmignotto & Monfort, 2006; Palma
& Vieira, 2006), mas tem sido repetidamente citada como uma espécie ocorrente na Mata Atlântica
(Streilein, 1982a; Gardner, 1993; Palma, 1995a; Fonseca et al., 1996; Eisenberg & Redford, 1999). A
gênese deste equívoco deve-se ao fato de Ypanema (localidade-tipo de T. velutinus) situar-se numa área
Evolução e Biogeografia
Filogenia
Os gêneros Thylamys, Lestodelphys, Chacodelphys, Cryptonanus, Gracilinanus e Marmosops
formam um clado bem definido de pequenos mamíferos denominados como tribo Thylamyini (Voss &
Cenários evolutivos
O gênero Thylamys possui seu registro fóssil mais antigo no Mioceno médio de La Venta, Colômbia
(Goin, 1995 apud Hadler et al., 2009). Esse gênero teria se diferenciado de um ancestral florestal
durante ciclos de expansão e retração de florestas (Palma, 1995a). Embora os tempos de divergência
entre táxons sejam sujeitos a várias incertezas (ver Steiner et al., 2005), o tempo de divergência entre
Thylamys e Gracilinanus é estimado em 14,4 Ma. Essa estimativa coincide com um período de soer-
guimento intenso dos Andes que induziu a parte sul do continente a tornar-se mais fria e seca (Steiner
et al., 2005).
Os seguintes cenários evolutivos foram hipotetizados para explicar a cladogênese dentro do gênero
Thylamys:
1) Origem paraguaia e diversificação leste para oeste – os eventos de especiação teriam ocorrido
progressivamente do atual Paraguai para a costa do Pacífico (Palma et al., 2002), representada por uma
origem em áreas mésicas (Paraguai e Yungas), seguida por dispersão gradual para áreas semi-áridas e
então áridas e a partir daí atravessando os Andes em soerguimento (Braun et al., 2005).
2) Dispersão dos clados do Chaco e Paraguai para o Cerrado durante o Pleistoceno (Palma, 1995a;
Solari, 2003).
3) Origem cis-Andina seguida por três eventos de transposição dos Andes: a) ancestral do Grupo
Elegans indo para oeste, b) T. pallidior indo para o leste e dispersando rapidamente por terras baixas,
c) populações cis-Andinas de T. pallidior A indo para o oeste, formando populações trans-Andeanas
(Giarla et al., 2010).
Considerando que T. velutinus e T. karimii possuem uma ampla distribuição geográfica pelo
Brasil e que a distância genética entre estas espécies é tão grande quanto a encontrada entre outros
grupos de espécies no gênero (Tabela 6 de Giarla et al., 2010), fica claro que há uma grande lacuna
no que se refere á biogeografia e cenários evolutivos envolvendo espécies brasileiras, o que se deve
principalmente à escassez de amostras de DNA disponíveis (Braun et al., 2005; Carvalho et al., 2009;
Giarla et al., 2010).
Área de vida
Das poucas estimativas de área de vida existentes para espécies do gênero, há uma variação de 0,08
ha (no verão) a 0,14 ha (no inverno) para T. elegans em áreas abertas do Chile (Muñoz-Pedreros et al.,
1990), e entre 1,70 ha (fêmea, n = 1) e 2,28 ha (macho, n = 1) para T. velutinus no Cerrado (Vieira &
Palma, 1996).
Dinâmica populacional
Populações de T. elegans não apresentam picos populacionais consistentes em anos consecuti-
vos, e sim uma variação dramática nos níveis populacionais (Iriarte et al., 1989; Jaksic et al., 1992),
o que sugere uma estratégia populacional oportunista. Estudos de longa duração sobre T. elegans, na
vegetação mediterrânea da Reserva Nacional Las Chinchillas (Chile central), mostram efeitos endó-
genos e exógenos na dinâmica populacional em um ambiente semi-árido (Lima et al., 1996; Lima &
Jaksic, 1998). Nesta região, T. elegans tem as maiores taxas de turnover entre pequenos mamíferos
simpátricos (Lima et al., 1996). Sub-populações de T. elegans apresentam valores similares de r (per
capita rate of population change) em habitats mésico e xérico (Lima et al., 1998), mas a sub-população
de T. elegans em ambiente xérico sofre efeitos denso-dependentes diretos e da pluviosidade sobre r
enquanto uma sub-população em condições mésicas sofre apenas modestos efeitos denso-dependentes
diretos (Lima & Jaksic, 1998).
Dieta
Thylamys macrurus, T. velutinus e T. karimii são citadas como espécies insetívoro-onívoras por
Paglia et al. (2012) e dietas similares são atribuídas a outras espécies do gênero por Redford & Eisenberg
(1992). Thylamys elegans também é principalmente insetívoro (artrópodes e larvas de insetos constituem
mais que 90 % de sua dieta), mas essa espécie consome também frutos, pequenos vertebrados e carcaças
(Simonetti et al., 1984; Simonetti, 1989; redford & Eisenberg, 1992; Palma, 1997). A espécie T. pusil-
lus, no deserto Monte, consome artrópodes como principal item, mas também frutos, sementes e folhas
(Campos et al., 2001). Esse também é o padrão para T. pallidior, outra espécie que também ocorre em
zonas áridas na Argentina, Chile, Bolívia e Peru, cuja dieta é formada por 68.7% de artrópodes e 31.3%
de matéria vegetal, principalmente folhas (24.6%). Esse marsupial aparentemente não varia sua dieta,
mesmo com a forte sazonalidade que ocorre no seu habitat natural (Albanese et al., 2012).
Já em relação à dieta de T. velutinus em áreas de Cerrado no Brasil, essa também é composta de
matéria animal (75,4 % - principalmente artrópodes) e matéria vegetal (24,6 %). Não há, no entanto,
informações consistentes sobre possíveis variações sazonais na sua dieta. Em cativeiro, T. velutinus pode
consumir frutas, insetos e filhotes de camundongo (Vieira & Palma, 1996). Da mesma forma, insetos e
frutos também são aceitos por T. karimii em cativeiro (Streilein, 1982b).
Predadores
Como a maioria dos pequenos mamíferos, Thylamys spp. são presas de várias espécies de vertebrados.
Os registros confirmados de predação sobre T. elegans e T. velutinus incluem corujas (Athene cunicular-
ia, Tyto alba, Glaucidium nanun e Bubo virginianus) e, em menor frequência, canídeos (Pseudalopex
culpaeus) (Montalvo et al., 1984; Jaksic et al., 1992; Jaksic et al., 1993; Abreu et al., 2000).
Comunidades
Raramente espécies do gênero Thylamys estão entre os componentes dominantes das comunidades
de pequenos mamíferos não voadores. Uma exceção a esse padrão é T. macrurus em áreas de Cerradão no
Mato Grosso do Sul, onde pode atingir um sucesso de captura específico de 1.26% (Cáceres et al., 2007),
sendo a espécie mais comum em um estudo envolvendo 14 espécies de pequenos mamíferos na parte sul
do Cerrado (Cáceres et al., 2011). Tal abundância não se repetiu em estudos com a mesma espécie no
Pantanal (Andreazzi et al., 2011), e com T. velutinus no Cerrado do Brasil central (Vieira & Palma, 1996).
Conservação
Nenhuma espécie de Thylamys está citada nas listas do MMA (2003), e da CITES (2011). A maioria
das espécies do gênero Thylamys aparece na Lista Vermelha da IUCN na categoria “pouco preocupante”
(Least concern), exceto T. macrurus na categoria “quase ameaçada” (Near threatened), T. karimii na
categoria “vulnerável” (Vulnerable), além de T. venustus e T. tatei na categoria “dados deficientes” (Data
deficient), sendo que a agricultura e a extração madeireira são os riscos mais frequentemente apontados
Conclusões
No Brasil há a ocorrência reconhecida de três espécies de marsupiais do gênero Thylamys: T. ka-
rimii, T. macrurus and T. velutinus. Esses animais são associados a formações vegetais não florestais,
geralmente raros e basicamente insetívoros. Comparando com a revisão feita por Palma & Vieira (2006),
houve grandes avanços no conhecimento científico em relação à taxonomia e distribuição geográfica das
espécies de Thylamys em geral e no Brasil (e.g. Carmignotto & Monfort, 2006; Giarla et al., 2010). No
entanto, não houve um aumento equivalente nesse conhecimento em relação à ecologia das espécies desse
grupo. Essa é uma das grandes lacunas no conhecimento referente aos marsupiais desse gênero, incluindo
informações sobre variações sazonais e plurianuais nos tamanhos populacionais, estimativas confiáveis de
densidades, estruturas das populações e potenciais efeitos de perturbações (e.g. queimadas, fragmentação
do hábitat) nas espécies. Além do conhecimento ecológico, informações sobre o a distribuição geográfica
e status taxonômico de representantes do grupo também ainda são necessárias.
Agradecimentos
Agradecemos ao editor pelo convite para a elaboração desse capítulo. Agradecemos a André F.
Mendonça pela cessão da fotografia de Thylamys karimii apresentada no início do capítulo.
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MARSUPIAIS do Início
do Paleógeno no Brasil:
Diversidade e Afinidades
Édison V. Oliveira* †
Francisco J. Goin**
*
Departamento de Geologia, Centro de Tecnologia e Geociências, Universidade Federal de
Pernambuco. Recife, PE, 50670-420, Brasil.
† Autor correspondente: vicenteedi@gmail.com
Departamento Paleontología de Vertebrados, Museo de La Plata, Paseo del Bosque s/n, 1900,
**
La Plata, Argentina.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 273-305, 2012.
Introdução
“Marsupials present one of the most convincing cases in support of branching phylogeny...
display almost as wide a range of structural and ecological adaptations as do the placentals,
strongly suggesting that in these respects there are no intrinsic limitations to marsupial anatomy
and physiology and, that, as a paradigm of mammalian evolution at least,
marsupials are far from useless”
autores no concernente ao uso de peças isoladas para fundamentação de novos taxa (e.g. Szalay, 1994;
Beck et al. 2008). Apesar disso, o grau de clareza das hipóteses obtidas através da utilização do sistema
dentário parece ser reflexo de um maior acerto no estabelecimento de homologias, quando comparado
aos demais sistemas biológicos utilizados em sistemática de marsupiais. Adicionalmente, os dentes são
as únicas estruturas anatômicas dos mamíferos cuja disponibilidade no registro permite realizar um se-
guimento relativamente preciso da evolução de suas distintas linhagens. Nesse sentido, um dos desafios
mais importantes para a interpretação filogenética e adaptativa da irradiação inicial dos metatérios sul-
-americanos está representado pela fauna de Itaboraí, cuja extraordinária riqueza taxonômica (revelada a
partir de numerosos restos fundamentalmente dentários) foi objeto de várias revisões sucessivas durante
a segunda metade do século XX (Paula Couto 1952a, b, c; 1961, 1962, 1970; Marshall, 1987; Oliveira,
1998; Goin et al. 1998; Goin & Oliveira, 2007; Oliveira & Goin, 2011).
No presente capítulo, objetivamos sumariar o atual conhecimento sobre a evolução, diversidade
e significado filogenético dos metatérios de Itaboraí, assim como também ressaltar as implicações que
este conhecimento tem sobre a história biogeográfica dos Metatheria paleógenos e a radiação do grupo
coronal Marsupialia1.
1
Abreviaturas Institucionais: MCT (ex DGM), Museu de Ciências da Terra, Rio de Janeiro, Brazil; MCN-PV, Seção de
Paleontologia, Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brazil; MN,
Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
Abreviaturas Anatômicas: i2, i3, i4, i5, incisivos (Hershkovitz, 1995); p1, p2, p3, premolars inferiores; m1, m2, m3, m4, mo-
lars inferiores; M1, M2, M3, M4, molars superiores; StA, StB, StC, StD, StE, cúspides estilares A, B, C, D, E respectivamente.
SALMA – Idade-mamífero terrestre sul-americana.
diversas faunas patagônicas, na Argentina. Não há registros de metatérios no Cretáceo sul-americano (com
possível exceção da fauna de Laguna Umayo no Peru), mas muito provavelmente eles estiveram presentes
nesses tempos na América do Sul (vide e.g. Goin et al., 2006). Na Figura 3 pode ser observada a seqüência
paleógena de idades-mamífero sul-americanas, cuja formalização se baseia essencialmente no “grau evolu-
tivo” de determinadas associações faunísticas através do tempo. A fauna de Itaboraí representa o intervalo
compreendido entre o final do Paleoceno e o início do Eoceno (Gelfo et al. 2009; Oliveira & Goin, 2011).
Uma breve análise da composição faunística de metatérios de Itaboraí permite reconhecer a seguinte
diversidade taxonômica:
uma derivação independente, de hábitos carnívoros, originada a partir de um estoque peradectídeo mais
basal. Forasiepi et al. (2006) descrevem um novo hatliacinídeo para o Mioceno da Bolívia e realizam
uma análise filogenética na qual Mayluestes é excluido de Sparassodonta, bem como o táxon itaboraien-
se Patene. De qualquer modo, as evidências aportadas pelos metatérios de Itaboraí e também pelos de
Tiupampa, sugerem que a base dos Sparassodonta está representada por um grupo monofilético integrado
por formas do Paleógeno como Patene, além de Nemolestes e Stylocynus (Forasiepi, 2006).
Muizon et al. (1997) consideram os borienóideos vinculados à diversificação inicial dos didelfimórfios,
baseados na presença de i3 sobrejacente em Mayulestes e em didelfimórfios como Pucadelphys. Outros au-
tores posicionam os Sparassodonta como formas basais a marsupiais australianos e sul-americanos (Archer,
1981; Szalay, 1994; Rougier et al. 1998; Forasiepi, 2009). Em nossa opinião, o grupo basal que melhor
se compara com os boriaenoideos + hatliacinídeos é o dos Peradectidae. Juntamente com esta família, os
borienóideos + hatliacinídeos exibem a centrocrista retilínea, o metacone e o paracone situados próximos
entre si e equiparáveis em robustez, a plataforma estilar ampla, e os cônulos pouco desenvolvidos.
“Ordem Didelphimorphia”
Família Pediomyidae
A família Pediomyidae, originalmente estabelecida sobre material fóssil encontrado no Cretáceo
Superior da América do Norte (Clemens, 1968), está representada em Itaboraí por um táxon inédito
(Figura 5). Antes disso, Sigé (1972) tentativamente reconheceu a presença desse grupo no Cretáceo
Superior do Peru. Em Tiupampa, Bolívia, a espécie Khasia tiupampina pode pertencer aos Pediomyidae
e não aos Microbiotheriidae como originalmente sugerido por Muizon (1991; ver também Marshall et
al., 1990). No Brasil, Marshall (1987) reconheceu a presença de pediomídeos em Itaboraí através do
material descrito por Paula Couto como Monodelphopsis travassosi. Contudo, Oliveira (1998) demons-
trou que o holótipo de Monodelphopsis, composto por um dentário esquerdo incompleto, não pertence
a um Pediomyidae e sim somente os dentes superiores referidos por Marshall (Figura 5). Além disso, a
maior parte do material identificado como Monodelphopsis por Marshall (1987) pode não pertencer a
esse gênero como veremos mais adiante.
A identificação de pediomídeos em Itaboraí nos remete a questões problemáticas como, por exem-
plo, a que relaciona fileticamente esses metatérios aos Microbiotheria (Reig et al., 1987; Marshall et al.,
1990 versus Aplin & Archer, 1987). O atual estágio de conhecimento sugere que as semelhanças entre
pediomídeos e microbioterídeos se devem à homoplasia. Se por um lado os pediomídeos norte-americanos
parecem ter experimentado uma longa e diversificada história evolutiva (Fox, 1987; Davis, 2007), por
outro a diversificação precoce dos microbiotérios paleógenos representados em Itaboraí e Las Flores
mostra que vários caracteres derivados, como a redução da plataforma estilar nos molares superiores que
se desenvolveu em ambos de forma convergente.
Figura 6. Herpetotheriidae, Sternbergniinae. A, Itaboraidelphys camposi (MCT 2788-M), M2 em vista obliqua; B Didelphopsis
sp. (DGM 642-M), M3 em vista oclusal; C, Carolopaulacoutoia itaboraiensis (DGM 807-M), M2-4 em vista oclusal; D,
Carolopaulacoutoia itaboraiensis (DGM 807 M), M2-4 em vista lingual; E, Itaboraidelphys camposi (DGM 926-M), M2-3
em vista oclusal. Escalas = 1 mm.
exclusiva deste clado. Novas interpretações, todavia, sugerem um novo conceito para Sternbergiinae,
táxon originalmente estabelecido por Szalay (1994), como uma subfamília de Herpetotheriidae, incluin-
do somente os taxa Carolopaulacoutoia, Itaboraidelphys e Didelphopsis (Oliveira & Goin, 2011; E.V.
Oliveira, dados não publicados).
Os Derhorhynchinae são caracterizados nos molares inferiores pela presença de talonido encurtado
(largura > comprimento), o protoconido e o paraconido estão alinhados transversalmente, e o entoconido
é de forma globosa e deslocado anteriormente (Goin et al.1999) (Figuras 7A, C). Os molares superiores
se caracterizam pela presença de uma grande StB, centrocrista em forma de V estendida profundamente
em sentido labial, conulos pouco desenvolvidos, e o protocone é transversalmente comprimido (Figura
7B).
Os Protodidelphidae são caracterizados por molares bunodontes, com cristas cortantes pouco desen-
volvidas. Nos molares superiores a StC está ausente, bem como os conulos no tálon, o ectofléxo é pouco
profundo, e o protocone é excêntrico (Figuras 8A-D). Nos molares inferiores, o entoconido é massivo,
e o hipoconido é igual ao entoconido em tamanho (Figuras 8 E-F).
A subfamília Eobrasiliinae foi proposta por Marshall (1987) para abrigar Eobrasilia, Gaylordia
e Didelphopsis, a partir da presença em todos eles de um enorme P/p3, de aspecto bulboso, além de
abrupto decréscimo em tamanho do P/p3 ao P/p1. O estudo revisivo dos diversos materiais pertencen-
tes a estes táxons depositados no DNPM permite reconhecer que Gaylordia deve ser transferido para
a família Pucadelphyidae e Didelphopsis, como vimos, foi transferido para Sternbergiinae. Claramente
o desenvolvimento de pré-molares hipertrofiados nestes três táxons evoluiu de forma independente,
como sugerido pela dentição superior muito distinta em Didelphopsis e Gaylordia. A enigmática espécie
Eobrasilia coutoi é extremamente derivada, sendo conhecida por um dentário incompleto e maxilar, am-
bos com os p2-3 preservados. A região incisiva, no entanto, fornece um dado interessante, relacionado à
preservação de alvéolos que sugerem a presença um incisivo sobrejacente (i2) de desenvolvimento mais
robusto que o outro alvéolo preservado. Interessantemente, este carácter tem sido reportado para alguns
protodidelfídeos e herpetoterídeos, pelo menos.
A família Pucadelphyidae, da qual o gênero tipo é Pucadelphys, do Paleoceno Inferior da Bolivia,
está representada em Itaboraí por Marmosopsis e Gaylordia. Marmosopsis é um dos táxons mais bem
representados em Itaboraí, com inúmeros restos dentários. O dentário de M. juradoi é grácil e a dentição
apresenta as cúspides altas e cortantes (Figuras 9A-C). Os molares inferiores apresentam o talonido curto
e entoconido pouco desenvolvido. Gaylordia caracteriza-se pelos molares estruturalmente similares aos
de Marmosopsis, porém são ainda mais encurtados e o talonido proporcionalmente mais comprimido
ântero-posteriormente; os molares superiores são transversalmente alongados e uma enorme StC está
presente (Figuras 10A-D).
Seguindo o trabalho de Oliveira (1998), nós tentativamente reconhecemos que
Minusculodelphis e Monodelphopsis são formas proximamente relacionadas, classificados ambos na
subfamília Monodelphopsinae (Szalay, 1994). Monodelphopsis travassosi foi considerada original-
mente como relacionada aos Didelphidae (Paula Couto, 1952a). Marshall (1987) relacionou-a aos
Pediomyidae e mais tarde Marshall et al. (1990) a transferiu para os Microbiotheriidae. M. travassosi
é morfologicamente comparável a Minusculodelphis, parecendo representar uma forma bem mais
robusta que este último. Monodelphopsis e Minusculodelphis compartilham a seguinte combinação
de caracteres: metacônido do m1 deslocado posteriormente em relação ao protocônido, talonido
muito curto e relativamente estreito, entocônido muito reduzido e comprimido lábio-lingualmente
e hipoconulido fortemente deslocado lingualmente, formando parte do ângulo póstero-lingual do
talonido. Ambos os gêneros separam-se pela notável diferença de tamanho (M. travassosi é muito
maior) e na morfologia dos pré-molares, sendo os de Minusculodelphis mais delicados, baixos e
mais comprimidos lábio-lingualmente.
Superfamília Peradectoidea:
famílias Peradectidae e Caroloameghiniidae
Aspectos relacionados ao conceito, conteúdo e relações filogenéticas dos “Didelphimorphia”
são atualmente objeto de intenso debate (Sánchez-Villagra et al. 2007; Horovitz et al. 2009). Nesse
sentido, podem ser reconhecidos como didelfimórfios os Peradectoidea, que incluem os Peradectidae
e Caroloameghiniidae, e os Didelphoidea neógenos (Caluromyidae, Didelphidae e Sparassocynidae)
(Goin, 1996).
Um dos espécimes classificados como Peradectidae de Itaboraí está representado na Figura 13. Os
molares inferiores apresentam o trigonido e talonido de tamanho aproximadamente equiparável (Figura
11). Os molares superiores apresentam a plataforma estilar ampla, cúspide estilar C equiparável ao estilo
D, cônulos pouco desenvolvidos, crista pós-metaconular não estendida labialmente, e cristas conulares
internas tênues (Figuras 11C-D). Muitos desses caracteres podem ser observados em formas norte ame-
ricanas como P. elegans (Krishtalka & Stucky, 1983), do Eoceno Inferior europeu como Peradectes
pricei, sugerindo que a presença de segundo incisivo inferior de tamanho presumivelmente normal, mas
posicionado sobrejacente aos demais, uma característica compartilhada com os Didelphoidea.
al., 1987; Kirsch et al. 1997; Patton et al., 1996; Voss & Jansa, 2009; Steiner et al., 2005). Seu posicio-
namento como grupo-irmão dos Didelphidae, atestado através de estudos sorológicos (Kirsch, 1977b;
Reig et al., 1987), estimam entre 40 e 50 milhões de anos (Eoceno) o início da irradiação das linhagens
didelfóides viventes (Kirsch & Palma, 1995). A história inicial dos Caluromyidae (Caluromys, Glironia,
Caluromysiops) é ainda pouco conhecida. Sua evolução, entretanto, pode provavelmente ter iniciado como
um ramo independente nos tempos do Paleógeno ou início do Neógeno. Um molar inferior procedente
do Mioceno Inferior da Argentina (Colhuehuapiense da Patagonia) parece constituir o fóssil mais antigo
de um Caluromyidae (Goin et al., 2007). Em alguns caracteres, esse fóssil lembra formas do Paleógeno
de Itaboraí, como assinala Goin et al (2007: 61): “En efecto, algunos de los rasgos ya mencionados tam-
bién están presentes en grupos de Didephimorphia paleógenos; tal es el caso de los Protodidelphidae:
escaso desarrollo del cíngulo anterobasal, baja altura del protocónido y gran desarrollo del entocónido.
Una hipótesis sistemática que relacione a protodidélfidos y calurómidos argumentaría a favor de la muy
antigua diferenciación de este clado hipotético (contra Goin, 1994) y de su gran distancia filogenética
de los didélfidos sudamericanos modernos”.
Diferente de outras linhagens de marsupiais atuais, como Microbiotheriidae e Caenolestidae,
a distribuição geográfica de Caluromyidae é restrita à Região Intertropical do Reino Holotropical
e o estudo morfológico comparativo com as linhagens citadas não demonstra uma relação de pa-
rentesco próxima. Nesse sentido, o cenário biogeográfico é sugestivo de uma origem e diversifi-
Ordem Paucituberculata
Os Paucituberculata (Caenolestidae sensu Marshall, 1980) são marsupiais “pseudodiprotodontes”
cujas relações têm sido alvo de propostas discordantes. Ride (1962, 1964) cunhou a expressão “pseudo-
diprotodonte” para identificar marsupiais sul-americanos portadores de um par de incisivos procumben-
tes, de maneira análoga à verificada para “verdadeiros” diprodotontes australianos. Por isso, não raro
paleontólogos utilizam tal expressão para identificar informalmente esses metatérios.
Uma questão importante no estudo desse grupo tem sido a de tentar identificar em qual posição
da série plesiomórfica de 4 incisivos se posicionaria o dente procumbente. Ride (1962), dentre outros,
sugeriu que o dente corresponderia ao primeiro ou segundo da série inferior (i2 ou i3 na nomenclatura de
Hershkovitz, 1995), mas a tendência atual tem sido considerá-lo como sendo o primeiro dente da série
(Marshall et al., 1990). De qualquer modo, a questão permanece obscura.
Em termos sistemáticos, há intenso debate se paucituberculatos tem como grupo-irmãos os extintos
polidolopídeos ou polidolopimórfios (Simpson, 1945; Paula Couto, 1952; Kirsch et al. 1997), didelfimórfios
(Goin et al., 2009), argyrolagóideos/simpsonitérios (Marshall et al., 1990; Szalay, 1994) ou marsupiais
australianos (Horovitz & Sánchez-Villagra, 2003) (Figura 14).
Um dos fósseis mais antigos atribuídos a esse grupo procede da Bacia de Itaboraí (Oliveira et al.,
1996; Goin et al., 2009). Os espécimes são representados por molares isolados, dos quais um deles re-
presenta a morfologia presumivelmente plesiomórfica para o grupo, representada pelo trigonido aberto
e o talonido saliente em sentido labial (Figura 15).
Os Sternbergiinae foram classificados por Szalay (1994) como paucituberculados. Porém, em nosso
conceito, esta subfamília representa um grupo de metatérios basais mais proximamente relacionados a
outros “didelfimórfios” de Itaboraí, e são por nós considerados como membros dos Herpetotheriidae
cretácico-paleógenos (ver acima).
Como vimos, as relações interordinais dos Paucituberculata são até hoje enigmáticas, sendo altamente
questionável o vínculo estreito com os Polydolopimorphia, grupo com o qual esteve tradicionalmente
associado por sua condição “pseudodiprotodonte” (Simpson, 1945). As origens independentes desses
grupos são atestadas pelas distintas homologias verificadas nos incisivos hipertrofiados, no dente “pla-
giaulacóideo” (Figuras 16A-C) e nos distintos caminhos evolutivos adotados por cada um deles no desen-
volvimento de molares superiores e inferiores de aspecto quadrangular (ver e.g. Goin & Candela, 1996).
Figura 15. Riolestes capricornicus. m1 em vista oclusal (MCN-PV 1790). Escala = 1 mm.
Figura 16. Evolução independente do pré-molar (p3) plagiaulacóideo em distintos grupos de marsupiais. A, Epidolops, um
Polydolopimorphia de Itaboraí, Brasil; B, Abderites, um Paucituberculata do Mioceno da América do Sul; C, Burramys, um
Petauroidea (Phalangeriformes) do Mioceno-Recente da Austrália.
Figura 17. Epidolops ameghinoi. Dentário direito em vista lateral (MN 2492-V). escala = 2 mm.
Figura 19. Mirandatherium cf. alipioi (DGM 361-M). m2-4 em vista oclusal. Escala = 1 mm.
1981; Lavocat, 1974; Crochet & Sigé, 1983; Oliveira, 1998; Goin & Candela, 2004; Oliveira &
Goin, 2006; Poux et al. 2006; Mourer-Chauviré et al., 2011). Do ponto de vista dos metatérios, essas
questões ainda permanecem obscuras dado ao fato de que metatérios fósseis do final do Cretáceo e
início do Paleógeno (exceto possivelmente Tiupampa) não foram ainda descobertos na América do
Sul Neotropical.
Evidências geológicas, geofísicas e faunísticas (incluindo vertebrados e invertebrados) indicam que
a separação final entre a África e a América do Sul foi mais complexa do que até agora pensado, poden-
do ter persistido algum tipo de rotas filtradas durante o final do Cretáceo (Maastrichtiano) e início do
Paleógeno (Beurlen, 1961, 1971; Tinoco, 1975; Dolianiti, 1955; Rand & Mabesoone, 1983). A separação
final entre os continentes pode ter sido mais recente do que 90 m.a. (Reyment & Dingle, 1987; Storch,
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*
Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios. Fundação
Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Av. Brasil 4365. Rio de Janeiro, RJ, 21040-360, Brasil.
† Autor correspondente: rgentile@ioc.fiocruz.br
Departamento de Ecologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco
**
equatorial a seis meses em latitudes de 25°S, concluindo que o estímulo final que desencadearia o início
da reprodução neste gênero também estaria relacionado à variação na quantidade de horas de luz por dia.
Contudo, um trabalho realizado em fragmentos florestais de Mata Atlântica com a cuíca P. frenatus
indicou uma reprodução durante o ano inteiro neste marsupial, sem estação reprodutiva definida (Barros
et al. 2008), não tendo sido encontrada evidência da influência da precipitação na atividade reprodutiva
da cuíca. Segundo esses autores, este padrão de reprodução não é usual para esta espécie, o que pode ser
explicado pelo fato da área de estudo ser composta por fragmentos florestais sujeitos a efeitos de borda e
a mudanças na abundância de recursos. Padrão semelhante foi encontrado para Chironectes minimus que
não apresentou evidência de estacionalidade no recrutamento de indivíduos jovens (Galliez et al., 2009).
Segundo os autores este padrão pode ser explicado pelas características do habitat e pela disponibilidade
de recursos durante todo o ano. O habitat dessa espécie pode ser classificado como imprevisível devido
ao regime hidrológico instável dos rios de Mata Atlântica.
nívoro; In=Insetívoro; Car=carnívoro. *Conforme Paglia et al. (2012), exceto casos específicos quanto à dieta. Métodos para estimativas de densidade populacional:
MNKA - método da enumeração ou número mínimo de indivíduos conhecidos vivos; JS - método de Jolly-Seber (Fernandez, 1995). Referências: 1-August (1984);
2-O’Connell (1989); 3-Cerqueira et al. (1993); 4-Bergallo (1994); 5-Cáceres et al. (2006); 6-Grelle (2003); 7-Quental et al. (2001).
Uso do espaço
Alguns parâmetros ecológicos são dependentes da densidade populacional e relacionados com a
estratégia reprodutiva das espécies, tais como o padrão de uso do espaço. Movimentos e áreas de vida
podem ser considerados como características distintas de machos e fêmeas, e a organização social e o
sistema de acasalamento estão intimamente ligados aos padrões de uso do espaço. Poucas espécies de
marsupiais já foram estudadas buscando-se relacionar o uso do espaço com a estratégia reprodutiva.
Pires & Fernandez (1999) observaram que fêmeas de catita-lanosa, M. paraguayana, são altamen-
te territoriais quando em baixas densidades, não sobrepondo suas áreas de vida. No entanto, quando a
densidade de fêmeas é elevada, há sobreposição parcial das áreas de vida, diminuindo o grau de terri-
torialidade por parte destas. Esse mesmo fenômeno ocorre também em D. aurita que com aumento de
densidade há uma sobreposição na área de vida (Salvador et al., 2009). Por outro lado, o uso do espaço
por P. frenatus parece não ter relação com sua densidade populacional, sugerindo que esta espécie não
seja territorialista (Fernandez et al., 1997). Um outro estudo realizado em área de restinga com a cuíca P.
frenatus (Gentile et al., 1997) mostrou que as áreas de vida não diferiam entre os sexos, mas as fêmeas
apresentaram áreas maiores durante a estação reprodutiva, ao contrário dos machos. O tamanho das áreas
de vida não estava relacionado nem com a massa corpórea nem com as densidades populacionais, mas
houve um aumento na sobreposição das áreas de vida com o aumento das densidades. Esses resultados
sugerem que P. frenatus tem um sistema de acasalamento promíscuo.
Em D. aurita, Loretto & Vieira (2005) observaram que o movimento das fêmeas era determinado
pela disponibilidade de recursos e o dos machos pela estação reprodutiva. Os períodos chuvosos aumen-
tariam a produção de recursos o que restringiria os movimentos das fêmeas. Machos se movimentariam
mais durante a estação reprodutiva, corroborando a hipótese desta espécie ter sistema de acasalamento
promíscuo. Também para D. aurita, Cáceres et al. (2003) mostraram resultado semelhante onde os mo-
vimentos dos machos estariam mais relacionados à procura de fêmeas do que de alimento.
Estratégias de Vida
Uma das questões mais importantes da evolução das estratégias de vida é saber quais fatores ma-
ximizam a aptidão (fitness) de uma população. Uma clássica tentativa de classificação dos organismos
quanto a estratégias populacionais consiste em dois modos de adaptação ao ambiente: a seleção K e a
seleção r. A análise desse tipo de seleção deve ser feita sempre comparativamente entre as espécies, já
que nem todas elas encaixam-se integralmente em um dado tipo de seleção.
Entre os Didelphimorphia, Caluromys talvez seja o gênero de marsupial mais diferenciado em
termos de estratégias populacionais. Tais diferenças, como o pequeno tamanho de ninhada (1 a 4 filho-
tes para Caluromys lanatus e média de 4 filhotes para C. philander, segundo Reis et al. (2011)), maior
longevidade e ocorrência somente em ambientes mésicos ou mais estáveis, podem estar relacionadas ao
seu alto grau de vida arborícola e, indiretamente, ao seu elevado volume cerebral (Eisenberg & Wilson,
1981; Cáceres, 2000a; Vieira, 2006). Caluromys vive predominantemente no dossel das florestas, um
ambiente tridimensional que requer maior capacidade de integração de informações do que ao nível do
solo (Eisenberg & Wilson, 1981). No Brasil, as espécies de Caluromys ocorrem desde a região amazônica
até regiões subtropicais do sul, sempre em florestas mais densas (Gardner, 1993). Caluromys, mesmo no
Cerrado, distribui-se principalmente em florestas de galeria (Redford & Fonseca, 1986; Gribel, 1988).
A competição potencial nesses ambientes deve ser mais intensa baseando-se em sua elevada riqueza de
espécies (Alho et al., 1986), e os marsupiais que ali ocorrem têm de estar bem adaptados a tais situações.
O tamanho de ninhada reduzido, como ocorre em Caluromys, requereria então maior cuidado parental.
Em termos de dieta, Caluromys é um frequente consumidor de frutos, pólen e seiva (Gribel, 1988; Santori
& Astúa de Moraes, 2006), um tipo de alimentação que aparentemente requer maior cuidado parental
devido a esses recursos não serem ofertados o ano todo, nem serem homogeneamente distribuídos. Deste
modo, seus filhotes têm de aprender a obter esses recursos quando são escassos. Devido a essas caracte-
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*
Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS,
97105-900, Brasil.
† Autor correspondente: niltoncaceres@gmail.com
**
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil;
Laboratório de Vertebrados, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 21941-
590, Brasil.
***
Laboratório de Vertebrados, Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, CP. 68020. Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 325-344, 2012.
Introdução
A área de vida de um animal é o espaço utilizado para a obtenção dos recursos necessários a sua
sobrevivência e reprodução, como alimento, abrigo e parceiros para acasalamento (Burt, 1963). Vários
fatores influenciam o tamanho da área de vida de um indivíduo, incluindo o tamanho corporal, sexo,
dieta, disponibilidade de alimentos no ambiente e a intensidade da competição inter e intra-específica.
O tamanho corporal talvez seja a mais óbvia das variáveis a se relacionar com o tamanho da área de
vida, pois organismos com massas corporais maiores necessitam de maior ingestão de nutrientes para
sua manutenção fisiológica (McNab, 1963; Kelt & Van Vuren, 2001). O grau de agregação espacial das
fontes de alimento também pode afetar a extensão dos movimentos, principalmente no caso de animais
com dieta especializada (Krebs & Davis, 1996). Por exemplo, os pequenos mamíferos que se alimentam
preferencialmente de frutos dependeriam da distribuição e abundância das plantas (Julien-Laferrière,
1999). Neste contexto, o tipo de regime alimentar também pode determinar os padrões de uso do espaço
de um mamífero. As espécies carnívoras geralmente possuem áreas de vida maiores do que mamíferos
onívoros e herbívoros, refletindo diferenças na densidade de alimentos no ambiente (e.g. McNab, 1963;
Kelt & Van Vuren, 2001). Além disso, podem existir diferenças sazonais no uso do espaço, uma vez que a
abundância dos alimentos varia durante o ano, como no caso de insetos e frutos, em geral menos abundantes
durante as estações frias e/ou secas na região neotropical (Smithe, 1970; Bergallo & Magnusson, 1999).
Adicionalmente, os sistemas sociais também podem determinar a forma de ocupação do espaço
pelas espécies. Por exemplo, sistemas sociais em que as fêmeas são territoriais, como no caso de alguns
roedores (Ostfeld, 1990; Wolff, 1993), parecem ser respostas de um comportamento que busca assegurar
condições ideais para a reprodução, e que demandam mais esforço em períodos reprodutivos (Krebs &
Davis, 1996).
Este capítulo aborda os fatores mais relevantes que atuam sobre o uso do espaço por marsupiais
brasileiros, através de uma extensa revisão bibliográfica. Inicialmente, são abordados os fatores extrínse-
cos aos indivíduos, como a disponibilidade de recursos, e intrínsecos, como o tamanho corporal e dieta.
Posteriormente, os sistemas sociais e o uso/seleção de habitat são tratados. Por fim, são discutidos os
fatores que afetam os movimentos dos indivíduos em pequenas escalas espaciais e os movimentos entre
fragmentos de habitat.
Disponibilidade de recursos
Entre os fatores extrínsecos que regulam o tamanho da área de vida de um marsupial, talvez o
mais importante seja a disponibilidade de alimentos. Hipoteticamente, ambientes pobres em alimen-
tos exigiriam áreas de vida maiores, pois os animais precisariam forragear por longas distâncias para
encontrar as escassas fontes alimentares. Por exemplo, o tamanho médio da área de vida de Caluromys
philander foi de 3 ha em floresta primária, mas apenas 1 ha em floresta secundária (Atramentowicz, 1982;
Julien-Laferrière, 1995). Uma possível explicação seria de que na floresta primária haveria distribuição
em manchas de importantes fontes de alimento, como frutos e néctar (Figura 1) (Julien-Laferrière, 1995).
A relação entre a abundância de alimentos e a área de vida pode ser observada também tempo-
ralmente, comparando-se a área de vida entre diferentes estações do ano. Na maior parte do território
brasileiro e adjacências, há maior disponibilidade de alimentos durante a estação úmida e quente
(Smithe, 1970; Atramentowicz, 1982; Bergallo & Magnusson, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho,
2007). E, de fato, os marsupiais didelfídeos apresentam variações no tamanho da área de vida em
função da disponibilidade de recursos, que é variável sazonalmente (Figura 1). Como exemplo, a
cuíca lanosa, Caluromys philander, aumenta sua área de vida durante a estação seca, provavelmente
para contrabalançar a redução da disponibilidade de frutos nesse período (Charles-Dominique, 1983,
mas veja Julien-Laferrière, 1995, para dados de floresta primária), utilizando em média 75% da noite
Tabela 1. Comparação de tamanhos médios de áreas de vida (ha) estimados por captura-marcação-recaptura (CMR) e rádio-
telemetria (RT) em espécies de marsupiais brasileiros. Os dados são também apresentados para cada sexo entre colchetes:
[Macho; Fêmea].
Espécie CMR RT Fonte
Caluromys philander 4,2 Lira et al. (2007)
[2,7; 3,5] [6,0; 2,6] Julien-Laferrière (1995); Lira et al. (2007)
Didelphis aurita 1,1 4,4 Bergallo (1994); Cerboncini et al. (2011)
1,6 Cáceres & Monteiro-Filho (2001)
Didelphis marsupialis 4,7 [126; 16] Sunquist et al. (1987)
Marmosa paraguayana [1,2; 0,5] [1,5; 1,2] Pires et al. (1999); Lira et al., (2007)
[12,7; 4,1] Moraes & Chiarello (2005)
Metachirus nudicaudatus 0,7 8,4 Bergallo (1994); Moraes (2004)
Philander frenatus 2,0 2,8 Lira & Fernandez (2009)
0,4 2,8 Gentile et al. (1997); Lira et al. (2007)
[0,4; 0,5] [4,3; 1,3] Gentile et al. (1997); Lira et al. (2007)
Figura 1. Exemplos da distribuição de áreas-núcleo (múltiplos quadrados em destaque), locais de alimentação (■), e tocas (□)
na área de vida de Caluromys philander. Nos quadrados em branco, tempo de uso (t) < tempo médio de uso (tm); nos quadrados
tracejados, tm < t < 2 tm; nos quadrados hachurados, 2 tm < t < 4 tm; nos quadrados duplamente hachurados, t > 4 tm. Quadrados
com linha pontilhada representam áreas não usadas. (a) Pequena área de vida e uma grande área-núcleo (fêmea 6). (b) Pequena
área de vida e pequena área-núcleo; a atividade é concentrada em um grupo de plantas em frutificação (fêmea 3). (c) Grande
área de vida e grande área-núcleo (fêmea 1). Ambas as fêmeas 6 e 1 utilizaram um pequeno número de locais de alimentação.
Adaptado de Julien-Laferrière, D. (1995). Use of space by the wooly opossum Caluromys philander (Marsupialia, Didelphidae)
in French Guiana. Canadian Journal of Zoology, v. 73, p. 1280-1289. (Authorization from NCR Publishers, Canadá).
Dieta
O tipo de dieta é um importante determinante do tamanho da área de vida dos mamíferos, pelo menos
quando se comparam espécies com dietas bastante distintas, como carnívoros, onívoros e herbívoros (e.g.
McNab, 1963; Kelt & Van Vuren, 2001). As diferentes espécies de marsupiais brasileiros possuem em
geral dietas similares, sendo todas onívoras em algum grau (Astúa de Moraes et al., 2003), o que poderia
indicar que a dieta não seria tão importante como determinante de diferenças interespecíficas no uso do
espaço. No entanto, existem variações sutis na dieta entre os gêneros (Astúa de Moraes et al., 2003; Capí-
tulo 18, neste volume), que podem ter algum efeito nos padrões de ocupação do espaço. Por exemplo, no
espectro de variação de dieta dos Didelphidae, o gênero Caluromys é o mais frugívoro (Julien-Laferrière,
1999; Astúa de Moraes et al., 2003), Didelphis é frugívoro-onívoro (Cáceres & Monteiro-Filho, 2001)
e Metachirus e Gracilinanus são predominantemente insetívoros (Cáceres, 2004; Martins et al., 2006).
Essas diferenças podem afetar o uso do espaço porque cada tipo de alimento pode ter uma distribuição
particular no ambiente (Charles-Dominique et al., 1981; Smithe, 1970; Bergallo & Magnusson, 1999;
Julien-Laferrière, 1999; Cáceres, 2003). Por exemplo, P. opossum tende a posicionar sua área de vida
próximo a riachos e córregos (Charles-Dominique, 1983), semelhante a P. frenatus (Moura et al. 2005),
o que pode estar relacionado ao consumo de invertebrados aquáticos (Cáceres, 2004). A contribuição
relativa da dieta dos marsupiais para o tamanho da área de vida é difícil de ser determinada, pois a dieta
pode estar correlacionada com outros fatores, como hábito locomotor e tamanho corporal (e.g. Capítulos
16 e 17, neste volume). Claramente, novos estudos são necessários para determinar a importância da
dieta sobre os padrões de uso do espaço pelos marsupiais brasileiros.
al., 2009). Porém, há o registro de uma população de D. virginiana em que machos e fêmeas possuíam
tamanhos semelhantes, mas as áreas de vida dos primeiros eram marcadamente maiores (Gipson &
Kamler, 2001). Nesse caso, o sistema reprodutivo é determinante, pois, teoricamente, para as fêmeas
o período de cuidado parental seria o fator prioritário durante sua vida sendo portanto mais territoriais,
enquanto que machos priorizariam a procura por fêmeas disponíveis deslocando-se portanto mais que
elas como forma de maximizar seu sucesso reprodutivo (Ryser, 1992; Gipson & Kamler, 2001). Para
Marmosops paulensis, embora houvesse evidência de comportamento territorial para fêmeas, diferenças
no tamanho de áreas de vida não foram observadas (Leiner & Silva, 2009). As mesmas diferenças não
foram encontradas para C. philander (Julien-Laferrière, 1995) e é possível que, neste caso, a distribuição
em manchas dos recursos alimentares (basicamente frutos) determine em parte o padrão de uso do espaço
da espécie, forçando que machos e fêmeas visitem os mesmos locais para se alimentar, como sugere
Charles-Dominique (1981, 1983).
Durante o desenvolvimento ontogenético, jovens deverão aumentar suas áreas de vida continuamente,
embora não necessariamente de forma linear, até um patamar compatível ao status social que alcançarem
quando adultos. Jovens de C. philander apresentaram menores áreas de vida (média de 2,6 ha) que adultos
Sistema social
O modo com que os mamíferos ocupam o ambiente pode estar também relacionado ao seu sis-
tema social. Quando a área de um único macho equivale e se sobrepõe com a área de uma fêmea, o
sistema social esperado para essa espécie é o monogâmico, que está relacionado a um menor grau
de dimorfismo sexual e maior cuidado parental (Ostfeld, 1990; Boonstra et al., 1993). Dentre os
marsupiais brasileiros, as espécies de Caluromys são as mais prováveis de apresentarem tal sistema
social devido ao fato de apresentarem algumas dessas características (Atramentowicz, 1982; Cáceres
& Graipel, neste volume), tal como áreas de vida de machos e fêmeas similares em tamanho para C.
philander (Julien-Laferrière, 1995).
O sistema poligínico é o vigente quando machos possuem tamanhos corporais expressivamente
maiores que os de fêmeas; apresentam áreas de vida também maiores, abrangendo diversas áreas
de fêmeas em seu interior (McFarland, 1985; Ostfeld, 1990; Krebs & Davis, 1996). Nesse sistema,
haveriam machos transeuntes que permanecem pouco tempo na área de um macho dominante, que
os forçaria para áreas vicinais, ou diretamente através de confrontos, ou indiretamente através de
gestos agressivos, feromônios, urina e/ou fezes (Burt, 1943). Esta pode ser a função das glândulas
toráxicas/abdominais secretoras de feromônios de machos do gambá D. virginiana e das cuícas Me-
tachirus nudicaudatus e Monodelphis domestica (Faden, 1987; Fonseca & Kierulff, 1989; Holmes,
1991; Helder-José). No entanto, a função dessas glândulas não é plenamente conhecida e é possível
que atuem também na indução de fêmeas ao estro, como em M. domestica (Harder & Jackson, 2010).
Sunquist & Eisenberg (1993) propuseram o sistema social poligínico para Didelphis marsupialis
baseando-se em proporções sexuais de ninhadas desviadas para um maior número de filhotes machos em
Tabela 2. Movimentos a partir de tocas e entre tocas do gambá Didelphis virginiana em Kansas, E.U.A.
Efeito de Borda
Em paisagens fragmentadas, certas espécies de marsupiais habitam preferencialmente os fragmentos
florestais, como observado em estudos na Amazônia e Floresta Atlântica (Malcolm, 1988; Carvalho et al.,
1999; Pires et al., 1999), mas outras podem tolerar ou mesmo serem mais abundantes em áreas abertas
ou campestres (Umetsu & Pardini, 2007, Cáceres et al., 2011). Em uma zona de simpatria entre duas
espécies de Didelphis, D. aurita habita fragmentos florestais (Cáceres & Monteiro-Filho, 1998) ao passo
que D. albiventris é mais frequente em suas bordas ou fora deles (Cáceres & Machado, 2013), havendo
aparentemente uma restrição parcial na movimentação de D. albiventris para o interior dos fragmentos.
Esse fenômeno não implica em um efeito de borda direto sobre uma das espécies, já que a ocupação do
espaço talvez esteja sendo determinada pela presença de outra espécie congênere.
Os marsupiais brasileiros têm sido influenciados pelo efeito de borda ocasionado pela fragmentação
de habitats (Stevens & Husband 1998; Pires et al., 2002; Pardini, 2004), mas essa incidência dependerá
do grau de conservação das bordas dos fragmentos florestais (Nápoli & Cáceres, 2012) e do grau de
especialização da espécie de estudo (Lira et al., 2007). Exemplos de espécies possivelmente afetadas
negativamente pelo efeito de borda são M. incanus, G. microtarsus e M. americana e positivamente são
Marmosa paraguayana, M. murina e C. philander (Pardini, 2004; Lira et al., 2007). Estas últimas espé-
cies, de hábito arborícola, parecem ser mais favorecidas pela criação de bordas do que as terrícolas na
Floresta Atlântica (Pardini, 2004; Lira et al., 2007), o que também é observado no Cerrado para outras
espécies (Cáceres et al., 2010). Mesmo assim, ainda há deficiência de dados sobre quais espécies são
mais afetadas e em que tipo de habitats e paisagens, sob diferentes tipos de pressões humanas como, por
exemplo, matrizes de rebanhos de gado bovino e aquelas usadas para plantio, como o de soja (ver também
a seção “Movimentos entre fragmentos de habitat”, Vieira et al., 2009, e Püttker et al., neste volume).
a popularização da técnica. Essas vantagens têm sido usadas para o estudo de diversos aspectos do uso
do espaço pelos marsupiais brasileiros, incluindo áreas de movimentos (Loretto & Vieira, 2005; Leiner &
Silva, 2007; Almeida et al., 2008; Vieira & Cunha, 2008), seleção de habitat (Moura et al., 2005; Leiner et
al., 2010; Prevedello et al., 2010a), movimentos nos estratos verticais da floresta (Cunha & Vieira, 2002,
2005; Loretto & Vieira, 2008; Prevedello et al., 2009a; Leiner et al., 2010) e uso de abrigos (Loretto et
al., 2005; Prevedello et al., 2009a). Em conjunto com dados de captura-marcação e recaptura, as medidas
obtidas com o carretel de rastreamento permitem estimativas acuradas de densidade populacional (Men-
del & Vieira, 2003), além do estudo da capacidade de deslocamento de uma espécie (Forero-Medina &
Vieira, 2009; Prevedello et al., 2010b, 2011). No entanto, a técnica é inadequada para o estudo de áreas
de vida, pois não permite registros contínuos de mais de um dia de atividade de um indivíduo, por causa
da limitação física da quantidade de linha que cada carretel apresenta. O método também não é capaz
de fornecer informações sobre a velocidade do deslocamento ou horário de atividade (ao contrário da
rádio-telemetria), e é de difícil aplicação para animais arborícolas, pois o acesso ao estrato arbóreo não
é simples para o pesquisador ao rastrear um indivíduo (Delciellos et al., 2006; Prevedello et al., 2008).
Uma das aplicações mais recorrentes dos carretéis de rastreamento é o cálculo da área de movimentos
(daily home range), que representa a área ocupada pela linha rastreada, e que fornece uma medida dos
requerimentos espaciais de um indivíduo em curta escala espaço-temporal (Spencer et al., 1990, Loretto &
Vieira, 2005; Vieira & Cunha, 2008). No Brasil, a área de movimentos já foi avaliada para D. albiventris
(Almeida et al., 2008), D. aurita (Loretto & Vieira, 2005; Vieira & Cunha, 2008), M. paulensis (Leiner
& Silva, 2007), P. frenatus e M. nudicaudatus (Vieira & Cunha, 2008). Assim como ocorre para as áreas
de vida, o tamanho da área de movimentos tem relação positiva com o tamanho do corpo do indivíduo
Agradecimentos
Agradecemos a Natália O. Leiner e Paula K. Lira pela revisão do capítulo, à Cambridge Uni-
versity Press pela autorização para a reprodução da Figura 2 (J. RYSER. Journal of Zoology, v. 228,
n. 1, p. 127-139, 1992), bem como à National Research Council of Canada – NRC pela autorização
para a reprodução da Figura 1 (Canadian Journal of Zoology, v. 73, n. 7, p. 1280-1289, 1995). Nil-
ton C. Cáceres foi pesquisador do CNPq – MCT – Brasil (Processo: 308.957/2010-5) e bolsista de
pós-doutorado no exterior (PDE) pela mesma agência (CNPq: Processo: 202267/2011-3) durante a
elaboração deste capítulo.
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Laboratório de Ecologia de Vertebrados, Departamento de Ecologia, Instituto de Ciências
Biológicas, CP 04457, Universidade de Brasília (UnB). Brasília, DF, 70919-970, Brasil.
† Autor correspondente: emvieira@unb.br
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade de Brasília. Brasília, DF, 70919-970,
**
Brasil.
Caluromys philander e Micoureus (=Marmosa) spp., por exemplo, ocupam sempre preferencialmente o
dossel das florestas, tanto em áreas de Floresta Amazônica quanto na Floresta Atlântica. Já as espécies
do gênero Marmosops normalmente ocupam o solo e o sub-bosque das florestas. Espécies desse gêne-
ro parecem poder variar, no entanto, no grau de utilização dos diferentes estratos florestais de acordo
com a fisionomia da vegetação. Palma (1996) observou que M. incanus usa significativamente mais o
solo do que o sub-bosque em áreas de floresta de “mussununga” da Mata Atlântica do Espírito Santo. A
mussununga é um tipo de formação florestal associada a solos arenosos composta por árvores de menor
porte e em geral um pouco menos densa do que a chamada Mata de Tabuleiro, que é a formação florestal
mais comum na região e que apresenta similaridades com a Floresta Amazônica de terra firme (Peixoto
& Gentry, 1990). O padrão se inverte, no entanto, em áreas de Mata de Tabuleiro, onde M. incanus
apresenta uma utilização significativamente maior do sub-bosque (Figura 2).
Espécies do gênero Didelphis parecem apresentar uma maior variação na utilização dos três es-
tratos. Esses animais provavelmente se adaptam às condições particulares do hábitat. Didelphis aurita,
por exemplo, embora seja sempre encontrado também no sub-bosque e no dossel, apresenta uma maior
utilização proporcional do solo nas áreas de floresta semidecídua de Minas Gerais em comparação com
áreas de Mata Atlântica de planície (Figura 2).
Tipo de Dieta
Como já foi discutido anteriormente, uma das vantagens potenciais que a arborealidade traz é a
possibilidade de se alcançar frutos antes que esses caiam e fiquem disponíveis para outros organismos.
Para mamíferos não voadores, em geral, parece haver uma relação entre a dieta do animal e o estrato
vertical que esta espécie ocupa, com espécies arborícolas geralmente sendo mais frugívoras do que
espécies terrestres (Emmons, 1980; Gautier-Hion et al., 1980; Malcolm, 1995). Entre os marsupiais
neotropicais, de fato, espécies arborícolas tendem a ser mais frugívoras que espécies terrestres (Emmons,
1995; Vieira & Astúa de Moraes, 2003). Sendo assim as espécies com maior atividade arbórea (e.g.
Processos Ecológicos
A análise de mamíferos habitantes de dossel possibilita não só um maior conhecimento da história
natural dos membros deste grupo como também uma maior compreensão dos processos ecológicos
em que eles estão envolvidos. A utilização do hábitat em três dimensões possibilita uma exploração
mais eficiente do ambiente disponível, teoricamente permitindo a sobrevivência dos animais em uma
menor superfície de floresta. Com isso, modifica-se também a maneira como se deve analisar alguns
requerimentos ecológicos básicos das espécies, como áreas de uso (“home range”), por exemplo.
Grande parte da informação existente sobre área de uso, padrões de deslocamento e biomassa de
marsupiais neotropicais tem sido obtida através de estudos onde se considera somente capturas no
solo ou, no máximo, até 2 m de altura (Cerqueira et al. 1990; Bergallo, 1994; Gentile & Cerqueira,
1995; Fernandez, 1997; Gentile et al., 1997; Nitikman & Mares, 1997; Cáceres & Monteiro-Filho,
2001). Pouco ainda se sabe sobre quais seriam as variações intra e inter-específicas nas áreas de uso
dos marsupiais arborícolas se o componente vertical do hábitat também fosse analisado. Indivíduos de
espécies trepadoras, que aparentemente estariam sobrepondo suas áreas de uso, poderiam estar usando
estratos diferentes da floresta, havendo uma partilha vertical de recursos. Em um dos poucos trabalhos
feitos no Brasil que enfocou a utilização tridimensional do hábitat por marsupiais, com a amostragem
do solo, sub-bosque e dossel de uma floresta semidecídua do estado de Minas Gerais, Grelle (2003)
não encontrou correlação entre as áreas de uso em duas e três dimensões tanto para D. aurita quanto
para Mar. paraguayana. Isso demonstra a precariedade de estimativas de área de uso em duas di-
mensões para espécies arborícolas. A escassez de estudos analisando áreas de uso tridimensionais de
marsupiais brasileiros impede que se faça qualquer análise mais aprofundada sobre este tema. Uma
abordagem distinta de utilização do espaço, com base em dados obtidos com carreteis de linha, pode
ser promissora para estudos nessa área (e.g. Cunha & Vieira 2005).
Além da análise dos padrões de uso tridimensional do hábitat e interações entre as espécies, o estudo
da atividade arbórea dos marsupiais torna possível o conhecimento de uma gama de interações desses
animais com outras espécies existentes no dossel. A importância potencial de marsupiais neotropicais
como polinizadores e dispersores de espécies com flores e frutos no dossel têm sido apontada por diversos
autores (Charles-Dominique et al., 1981; Janson et al., 1981; Steiner, 1981; Medellín, 1994, Cáceres,
2006). No Brasil, Caluromys lanatus aparentemente visita regularmente flores de Pseudobombax tomen-
tosum (Bombacaceae), uma árvore que ocorre nas bordas de florestas de galeria de Cerrado e cujos ramos
ficam geralmente em contato com o dossel destas (Gribel, 1988). Além disso, C. lanatus é um dos mais
freqüentes visitantes florais de Caryocar villosum (Caryocaraceae), uma árvore da Amazônia central com
grande importância devido à qualidade da madeira e a produção de frutos para populações humanas e
animais (Martins & Gribel, 2007). Adicionalmente, Vieira et al. (1991) relatam que D. marsupialis (=
aurita) visita freqüentemente inflorescências de Mabea fistulifera (Euphorbiaceae) em Minas Gerais,
podendo servir como polinizador desta espécie arbórea.
Conclusões
Agradecimentos
Somos gratos ao editor pelo convite para a elaboração desse capítulo. Agradecemos também a E. L.
A. Monteiro-Filho, A. R. T. Palma e C. E. Grelle pela leitura crítica de versões preliminares do mesmo.
Alexandre R. T. Palma também autorizou o uso de dados não publicados existentes em sua dissertação.
Uwe Schulz gentilmente revisou o “Abstract”. Agradecemos a André F. Mendonça pela cessão da foto-
grafia de Caluromys lanatus apresentada no início do capítulo.
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Locomoção, Morfologia e
Uso do Habitat em Marsupiais
Neotropicais: uma Abordagem
Ecomorfológica
Marcus V. Vieira*†
Ana Cláudia Delciellos*
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 363-381, 2012.
*
Laboratório de Vertebrados, Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
CP 68020, Rio de Janeiro, RJ, 21941-902, Brasil.
† Autor correspondente: mvvieira@biologia.ufrj.br
A Abordagem Ecomorfológica
O interesse na relação entre morfologia e ecologia vem de longa data, inclusive cunhando-se o
termo “ecomorfologia” ou “morfologia ecológica” (Ricklefs & Miles, 1994). A abordagem tradicional
procurava simplesmente correlações entre variáveis ambientais e variáveis morfológicas de um conjunto
de espécies. Esta abordagem ecomorfológica foi amplamente utilizada em peixes, mas também em aves,
morcegos e lagartos (revisão em Wainwright & Reilly, 1994). Sua maior limitação está na dificuldade de
interpretação de correlações entre conjuntos muito grandes de variáveis, tanto morfológicas como ecoló-
gicas (Ricklefs & Miles, 1994). Muitas vezes torna-se difícil compreender a natureza de uma correlação
e elaborar hipóteses sobre os mecanismos de causa e efeito.
Figura 1. Caminhos que efeitos da morfologia seguem até afetar aptidão, ecologia de populações e comunidades. A morfologia
afeta a ecologia de um organismo porque determina o limite de desempenho em comportamentos e no uso do ambiente, isto é,
no uso de recursos. O uso de recursos, por sua vez, determina a sobrevivência e reprodução, as quais, por fim, afetam a aptidão
e a ecologia das populações e das comunidades. Modificado de Ricklefs & Miles (1994).
5. Cruzar descontinuidades na copa, como distâncias entre galhos diferentes ou árvores diferentes.
6. Encurtar o caminho ao longo dos galhos de uma árvore, de forma a cobrir distâncias rapidamente.
Como visto, as soluções dos problemas da vida arborícola incluem não somente locomoção ativa,
que resulta em deslocamento, como também captura e ingestão de alimento, limpeza corporal e descanso.
Estas são as tarefas em que o desempenho dos didelfídeos deve ser importante. Cada uma destas tarefas
exige um funcionamento particular dos músculos e esqueleto, isto é, um conjunto de posturas corporais
específico. Assim, o estudo da locomoção pode ser visto como uma parte do estudo das posturas corporais,
ou do comportamento postural (Biewener, 1989; Charles-Dominique, 1990; Cant, 1992; McClearn, 1992).
Portanto, a relação da morfologia a comportamentos elaborados, como forrageamento e locomoção, se
dá através do comportamento postural, que está diretamente relacionado ao desempenho do animal em
tarefas ligadas à aptidão em seu ambiente. Informações sobre o comportamento postural de marsupiais
didelfídeos são ainda limitadas a poucos estudos (ex: Jenkins, 1971; Kluge, 1977; Lemelin et al., 2003;
Youlatos, 2010; Dalloz et al., 2012).
Já a variedade de posturas e modos de locomoção em primatas é evidente e bem documentada (re-
visão em Martin, 1990; Wright, 2007; Youlatos & Meldrum, 2011), claramente relacionada à morfologia
do esqueleto pós-craniano. Devido ao nível de conhecimento mais adiantado, à maior variedade e à maior
especialização encontradas nos primatas, este grupo é uma referência natural para estudar e comparar
a morfologia e locomoção em outros grupos de animais arborícolas, como marsupiais didelfídeos. Em
marsupiais didelfídeos, a variação na forma do corpo é menor que a observada em primatas, mas existe
e pode ser relacionada à sua locomoção, comportamento postural e uso da vegetação (Hildebrand, 1961;
Izor & Pine, 1987; Maunz & German, 1997; Vieira, 1997).
* Para deixar claro o significado pretendido, reservaremos o termo “escansorial” para seu significado como usado na morfolo-
gia, referindo-se a adaptações morfológicas para escalar (Hildebrand, 1995). “Semiterrestre” deixa uma margem menor para
interpretações: o animal escala ocasionalmente aos estratos superiores da floresta permanecendo mais tempo no solo.
metade do tempo de duração da passada, de modo que o animal tem três patas no solo durante a maior
parte da passada (Hildebrand, 1967, 1995). A velocidade considerada como corrida é definida como a
velocidade em que cada pata permanece no solo menos da metade do tempo de duração da passada. Na
corrida, o animal em geral tem duas patas no solo durante a maior parte da passada. Quando a veloci-
dade do caminhar se aproxima da transição para a corrida, o modo de andar muda para um trote, onde
o membro anterior e posterior de lados opostos do corpo se deslocam em sincronia, formando pares
diagonais (“diagonal couplets”) que se movimentam alternadamente em sincronia (Figura 2b). Neste
ponto é preciso atenção: o trote e pares diagonais são diferentes de uma sequência diagonal segundo a
definição de Hildebrand (1995). O trote pode ser atingido com o aumento da velocidade, tanto a partir
de uma sequência lateral como diagonal.
Nos didelfídeos, tanto os terrestres Didelphis, Lutreolina, Metachirus, Monodelphis e Philander,
como os arborícolas Caluromys e Marmosa (Micoureus), utilizam pares diagonais ou trote, quando co-
meçam a correr (McManus, 1970; Pridemore, 1992; Santori et al., 2005). Na velocidade do caminhar,
um dos didelfídeos mais arborícola, C. philander, usa uma sequência diagonal (Cartmill et al. 2002;
Lemelin et al. 2003; Schmitt & Lemelin 2002; Youlatos, 2008). Entretanto, faltam informações sobre
Figura 5. Indivíduo da espécie Marmosa paraguayana no teste de desempenho locomotor no andar arborícola sobre suporte
horizontal de 10,16 cm de diâmetro, nos estudos de Delciellos & Vieira (2006, 2007). Foto: Diogo Loretto.
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Alimentação, Nutrição
e Adaptações Alimentares
de Marsupiais Brasileiros
Ricardo T. Santori* †
Leonardo G. Lessa**
Diego Astúa***
*
Núcleo de Pesquisa e Ensino de Ciências, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade
de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua Francisco Portela,
1470, Bairro Patronato. São Gonçalo, RJ, 24435-000, Brasil.
† Autor correspondente: rsantori.uerj@gmail.com
Laboratório de Ecologia, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal dos
**
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 383-404, 2012.
Introdução
Devido à ampla distribuição geográfica dos marsupiais didelfídeos no Brasil, esta família está
representada em grande parte dos estudos de ecologia de comunidades e de populações de pequenos
mamíferos realizados no país. Em consequência, o conhecimento sobre a ecologia dos membros desta
família tem sido acrescido também de informações sobre seus hábitos alimentares.
Os marsupiais didelfídeos têm sido considerados, em sua grande maioria, como mamíferos de há-
bitos alimentares generalistas, com algumas exceções, podendo variar de “insetívoros/onívoros” a “fru-
gívoros/onívoros” (Paglia et al., 2012). Algumas das principais compilações sobre hábitos alimentares,
que incluem dados sobre a família Didelphidae, fazem uso de categorias tróficas, pela sua capacidade de
condensação e simplificação das informações existentes para fins comparativos (Robinson & Redford,
1986, 1989; Reis et al., 2010; Paglia et al., 2012). Com o crescimento no número de estudos e o aumento
do conhecimento sobre a ecologia alimentar dos marsupiais brasileiros (Figura 1), o uso de categorias
muito gerais, como estas, tem se revelado inadequado, ocultando informações importantes para estudos
diretamente relacionados com a ecologia das espécies, estrutura trófica das comunidades e suas implicações
ecológicas (Lessa & Geise, 2010). Assim, o uso destes tipos de categorias tróficas pode ser contestável,
sobretudo quando o conhecimento preciso sobre os hábitos alimentares das espécies é escasso (Hume,
1999; Vieira & Astúa de Moraes, 2003; Lessa & Geise, 2010).
Alimentação na Natureza
O grau de conhecimento sobre os hábitos alimentares das espécies brasileiras de marsupiais é muito
variável. Embora existam dados sobre praticamente todos os gêneros, apenas 29% das espécies têm sua
Figura 1. Evolução da produção científica sobre a dieta de marsupiais nas últimas três décadas. Barras em preto referem-se ao
total de artigos científicos publicados, incluindo Didelphidae, Caenolestidae, Microbioteridae (n = 116) e barras em cinza às
referências relacionadas à dieta de marsupiais didelfídeos brasileiros (Didelphidae) (n = 56) (Modificado de Lessa & Geise, 2010).
Caluromys
As cuícas lanosas brasileiras, Caluromys philander e C. lanatus, são as espécies com hábitos mais
frugívoros dentre os didelfídeos brasileiros, sendo classificadas como frugívoras-onívoras por Paglia et
al. (2012). A dieta de C. philander na Mata Atlântica e Cerrado inclui uma elevada proporção de frutos,
podendo chegar a até 90% do volume em amostras fecais (Leite et al., 1994; Leite et al., 1996; Lessa &
Costa, 2010), ao passo que em outros estudos com a mesma espécie a porcentagem varia, mas ainda assim
é alta, como é o caso em florestas tropicais da Guiana Francesa, onde registrou-se 75% de frutos na dieta
(Atramentowicz, 1988). A riqueza de espécies vegetais consumidas varia de oito (Leite et al., 1996) a 28
(Charles-Dominique, 1983), com gêneros como Astrocaryum (Arecaceae), Cecropia (Urticaceae), Ficus
(Moraceae), Inga (Fabaceae) e Passiflora (Passifloraceae), dentre outros, incluindo espécies ricas em
carboidratos, lipídeos e água (Atramentowicz, 1988; Julien-Laferrière, 1999). O restante de sua dieta é
geralmente composto por invertebrados (sobretudo Coleoptera, Hemiptera, Hymenoptera - Formicidae e
Lepidoptera) (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988; Leite et al., 1994; Leite et al., 1996;
Lessa & Costa, 2010), podendo também incluir flores, néctar (Couepia – Chrysobalaneceae, Hymenea –
Fabaceae, Inga - Fabaceae, Ravenala - Strelitziaceae) e gomas (Fagara – Rutaceae) (Charles-Dominique
et al., 1981; Janson et al., 1981; Charles-Dominique, 1983; Atramentowicz, 1988; Gribel, 1988; Julien-
Laferrière & Atramentowicz, 1990). No Cerrado, sua dieta é influenciada pela marcada sazonalidade na
oferta de recursos do meio, incluindo principalmente artrópodes na estação seca (sobretudo Coleoptera,
Hymenoptera - Formicidae e Arachnida) e frutos, como Clidemia urceolata (Melastomataceae), Miconia
holosericea (Melastomataceae), Myrcia sp. (Myrtaceae) e Vismia glaziovii (Hypericaeae) na estação
chuvosa (Lessa & Costa, 2010). A dieta de C. lanatus é provavelmente semelhante à de C. philander
(Emmons & Feer, 1997), incluindo frutos, invertebrados e néctar, mas já foram encontrados vertebrados
(aves e mamíferos) em amostras estomacais de C. lanatus, em uma área de mata estacional semidecidual,
no sul do Brasil (Casella & Cáceres, 2006). Indivíduos de C. lanatus também já foram observados utili-
zando o néctar de flores de Quararibea cordata e Q. stenopetala (Bombacaceae) na Amazônia (Janson
et al., 1981) e visitando flores de Pseudobombax tomentosum (Bombacaeae) no Cerrado (Gribel, 1988).
Caluromysiops
Informações sobre a ecologia de Caluromysiops irrupta são extremamente raras. Existem relatos
ocasionais de indivíduos de C. irrupta alimentando-se em flores de Quararibea cordata (Bombacaceae),
na Amazônia (Janson et al., 1981). Paglia et al. (2012) classificam C. irrupta como frugívora-onívora
provavelmente devido à proximidade filogenética e semelhanças no uso do espaço com as espécies do
gênero Caluromys, mas existem relatos de uma dieta variada, incluindo itens animais (Izor & Pine, 1987).
Chironectes
A cuíca d’água, Chironectes minimus, o único didelfídeo de hábitos semi-aquáticos, é considerada
uma das espécies de hábitos mais carnívoros deste grupo (Marshall, 1978a; Paglia et al, 2012). Sua
Didelphis
Os gambás, saruês, cassacos ou timbus são as espécies mais generalistas entre os Didelphidae e são
consideradas frugívoras/onívoras (Paglia et al., 2012), incluindo em suas dietas pequenos vertebrados,
invertebrados e frutos, usados de uma maneira oportunista. Os dados disponíveis, no entanto, concentram-
se em D. aurita, D. marsupialis e D. albiventris, não existindo informações disponíveis sobre a dieta de D.
imperfecta. Em mata de restinga, D. aurita inclui em sua dieta pequenos roedores (Akodon cursor), aves,
lagartos (Mabouya e Tropidurus), serpentes, anfíbios anuros e uma grande diversidade de invertebrados,
como Diplopoda e Chilopoda e, os insetos das ordens Blattodea, Hymenoptera e Orthoptera, e frutos
(Araceae, Bromeliaceae, Cactaceae, Sapindaceae e Passifloraceae) (Santori et al., 1995a). A presença de
pupas de dípteros nas fezes pode ser um indicador do consumo de carniça (Santori et al., 1995a). Esta
composição de artrópodes, característica da fauna de folhiço, e a sua relação com características de seu
microhabitat indicam que a quantidade de folhiço seja importante para sua alimentação em área de res-
tinga (Freitas et al., 1997). A dieta de D. aurita em remanescentes de Mata Atlântica do Rio de Janeiro
é semelhante, incluindo artrópodes e frutos em proporções volumétricas iguais nas fezes, ainda que os
artrópodes tenham frequência de ocorrência maior (Leite et al., 1994; Leite et al., 1996). Um estudo em
Floresta de Tabuleiros, no Espírito Santo, também indicou consumo de vertebrados (Mabouya), artrópodes
e frutos (Palma, 1996). Em fragmentos de mata de Araucária do estado do Paraná, sua dieta inclui aves
(Turdus rufiventris), roedores e serpentes (Liotyphlops), invertebrados (Blattodea, Coleoptera, Diplopoda,
Hymenoptera – Formicidae, Opiliones, Decapoda e Gastropoda), e 21 espécies de frutos (principalmente
Melothria – Cucurbitaceae, Passiflora - Passifloraceae, Piper - Piperacaeae e Solanum - Solanaceae),
com diversos itens apresentando variações sazonais (Cáceres & Monteiro-Filho, 2001). Didelphis aurita
parece ser uma espécie importante na dispersão de diversas espécies de Araceae, Cactaceae, Moraceae,
Myrtaceae, Rosaceae e Solanaceae (Vieira & Izar, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2007). Em uma área
rural no estado do Rio de Janeiro, município de Sumidouro, a dieta de D. aurita também foi constituída
de frutos, pequenos vertebrados e artrópodes, com maior frequência relativa destes últimos (Ceotto et
al., 2009).
Didelphis marsupialis também apresenta uma dieta variada, composta por roedores (Rattus), aves,
répteis, anuros (Rhinella), uma grande variedade de invertebrados (sobretudo, Coleoptera e Orthopte-
ra), assim como uma alta diversidade de frutos (mais de 40 espécies, como Astrocaryum - Arecaceae,
Cecropia - Urticaceae, Clusia - Clusiaceae, Ficus - Moraceae, Inga – Fabaceae, e Psidium - Myrtaceae),
incluindo frutos de casca mais dura, inacessíveis às espécies de menor tamanho (Charles-Dominique et
al., 1981; Cordero & Nicolas, 1987; Atramentowicz, 1988; Cordero & Nicolas, 1992; Medellín, 1994).
Indivíduos de D. marsupialis também foram observados alimentando-se de néctar de flores de Quararibea
cordata (Bombacaceae) e outras espécies herbáceas (Janson et al., 1981; Charles-Dominique, 1983), e
Glironia
Praticamente não existem relatos sobre a ecologia de Glironia venusta e nenhum sobre seus hábitos
alimentares (Emmons & Feer, 1997), apesar de Paglia et al. (2012) a definirem como insetívora-onívora.
Não é possível atualmente confirmar ou rejeitar essa classificação.
Gracilinanus
Assim como todas as espécies anteriormente classificadas no gênero Marmosa (Gardner &
Creighton, 1989), as espécies do gênero Gracilinanus são consideradas insetívoras-onívoras por Paglia
et al. (2012). As poucas informações sobre os hábitos alimentares deste gênero restringem-se a G. agilis
Lutreolina
Apesar de estar listada como piscívora por Paglia et al. (2012), Lutreolina crassicaudata é sem
dúvida a espécie mais carnívora dos Didelphidae. Apresenta grande agilidade e agressividade, caracte-
rísticos de uma espécie predadora, podendo ser comparada com carnívoros da família Mustelidae (Davis,
1966). Entretanto, os dados disponíveis sobre os hábitos alimentares da espécie restringem-se a poucas
localidades (Monteiro-Filho & Dias, 1990). A composição da dieta de L. crassicaudata varia espacial-
mente, provavelmente como resultado da variação na disponibilidade de recursos alimentares do meio
(Facure & Ramos, 2011). Sua dieta inclui diversos pequenos vertebrados, como roedores (Necromys,
Mus, Oryzomys), marsupiais (Marmosa), lagomorfos (Sylvilagus), aves (Columbiformes), anuros (Rhi-
nella), lagartos (Hemidactylus) e peixes, mas, inclui também artrópodes, anelídeos e sementes (Cecropia
Urticaceae, Miconia – Melastomataceae, Passiflora – Passifloraceae, Piper - Piperaceae, Syagrus – Are-
caceae) (Marshall, 1978b; Monteiro-Filho & Dias, 1990; Hume, 1999; Cáceres et al., 2002; Facure &
Ramos, 2011). Existem também relatos de predação de jararacas (Sazima, 1992) e de consumo de carniça
(Facure & Ramos, 2011).
Marmosa
Na Guiana Francesa, a dieta de Marmosa murina é composta por invertebrados (Coleoptera, Hyme-
noptera - Formicidae, Myriapoda e Annelida) e por polpa de frutos. Sementes de Bellucia (Melastomata-
ceae), Cecropia (Urticaceae), Ficus (Moraceae) e Henriettea (Melastomataceae) foram encontradas em
suas fezes, contudo foram observados indivíduos consumindo a polpa de frutos maiores, dos quais não
ingerem as sementes (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988). Flores e nectários foram
encontrados em estômagos de M. murina (Charles-Dominique, 1983). Há também registros de restos de
1
Estes exemplares são referidos como G. microtarsus por Martins et al. (2006), mas a Localidade de estudo e o exame de
exemplares coletados sugerem que devam ser na realidade G. agilis. Nesse sentido, ver comentários em Astúa (2010) e parti-
cularmente em Cooper et al. (2009), que trabalharam com exemplares da mesma Localidade.
Marmosops
Todas as nove espécies do gênero Marmosops, que correm no Brasil, são classificadas como
insetívoras-onívoras por Paglia et al. (2012). Restos de artrópodes estiveram presentes em 100% das fezes
analisadas de M. incanus, em uma área de Mata Atlântica no Espírito Santo, assim como poucas sementes
e restos vegetais (Palma, 1996). No Cerrado, artrópodes, com destaque para Coleoptera e Hymenoptera
(Formicidae) , também foram registrados em 100% das amostras, no entanto, o consumo de frutos de
espécies pioneiras (em torno de 29%) parece ser um importante recurso alimentar, principalmente na
estação seca (Lessa & Costa, 2010). Na Mata Atlântica, um padrão similar foi descrito para M. paulensis
(Leiner & Silva, 2007), reforçando a importância de frutos como fonte de água e suplemento energético
na dieta de alguns didelfídeos (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990; Astúa de Moraes et al., 2003;
Camargo et al., 2011). O consumo de flores na estação seca também foi observado para M. incanus e M.
paulensis (Leiner & Silva, 2007; Lessa & Costa, 2010). A classificação dos hábitos alimentares das demais
espécies brasileiras é provavelmente deduzida pela semelhança com outras espécies de Marmosops, já
que não existem descrições disponíveis sobre a sua dieta natural.
Metachirus
Classificada como insetívora-onívora por Paglia et al. (2012), M. nudicaudatus é reconhecida
como uma espécie predominantemente insetívora, com sua dieta essencialmente composta de artrópodes
(Streilein, 1982; Emmons & Feer, 1997). Em uma mata de restinga do estado do Rio de Janeiro, sua dieta
Monodelphis
As 15 espécies do gênero Monodelphis listadas por Paglia et al. (2012) são todas classificadas como
insetívoras-onívoras. Monodelphis dimidiata tem uma dieta composta principalmente por invertebrados
(Hemiptera, Hymenoptera - Formicidae, larvas de Lepidoptera e Arachnida), porém também consomem
pequenos roedores como Calomys laucha, Necromys obscurus, Oligoryzomys flavescens e Oxymycterus
roberti, apesar do peso corporal em torno de 50g (Pine et al., 1985; Busch & Kravetz, 1991). Restos ve-
getais também foram encontrados em conteúdos estomacais de indivíduos desta espécie e, em cativeiro,
consumiram moluscos (caramujos e lesmas), minhocas e isópodos.
Monodelphis domestica alimenta-se principalmente de insetos, mas pode utilizar pequenos vertebra-
dos (roedores, lagartos e anuros), frutos e carniça (Streilein, 1982; Emmons & Feer, 1997; Hume, 1999),
além de sementes de Cipocereus minensis (Cactaceae), que foram registrados nas fezes em uma área de
campo rupestre (L.G. Lessa, dados não publicados). Monodelphis brevicaudata também inclui pequenos
roedores, insetos, carniça e frutos em sua dieta (Streilein, 1982). Frutos, invertebrados (sobretudo Blatto-
dea, Coleoptera e Hymenoptera) e vertebrados (aves e mamíferos) foram encontrados no estômago de M.
sorex (=M. dimidiata), em um estudo realizado em fragmentos de Mata Atlântica no sul do Brasil (Casella
& Cáceres, 2006). Dois indivíduos de M. sorex (=M. dimidiata) foram capturados em Mata de Araucária,
utilizando-se de um tomate silvestre e banana, indicando o uso de frutos pela espécie, mas as fezes de um
indivíduo apresentaram apenas fragmentos de artrópodes (N.C. Cáceres, comunicação pessoal). Dados
sobre a dieta natural das demais espécies brasileiras são raros ou inexistentes, mas acredita-se que todas
as espécies tenham dietas semelhantes, essencialmente insetívoras (Emmons & Feer, 1997).
Philander
As cuícas-de-quatro-olhos cinzas são todas denominadas como insetívoras-onívoras por Paglia et
al. (2012). Existem estudos detalhados sobre a dieta de pelo menos duas espécies do gênero, Philander
opossum e P. frenatus. Um estudo realizado com P. frenatus, desenvolvido em uma mata de restinga, no
estado do Rio de Janeiro, mostrou que esta espécie tem uma dieta composta principalmente por inver-
tebrados (principalmente Blattodea, Coleoptera e Hymenoptera - Formicidae) e pequenos vertebrados,
como roedores (Akodon cursor), lagartos (Ameiva, Tropidurus e Mabouya) e aves, sendo complementada
por frutos (Anthurium – Araceae, Achmaea – Bromeliaceae, Erythroxylum – Erythroxylaceae, Passi-
flora - Passifloraceae, Paulinia - Sapindaceae, e Pilosocereus - Cactaceae) como suplemento hídrico
Thylamys
As três espécies de Thylamys listadas no Brasil são classificadas como insetívoras-onívoras (Paglia
et al., 2012), mas na realidade existem informações disponíveis apenas para T. velutinus. Esta espécie ali-
menta-se essencialmente de artrópodes (44,1%), ocorrendo também restos vegetais em suas fezes (24,6%).
Em cativeiro, indivíduos aceitaram também frutos e pequenos roedores jovens (Vieira & Palma, 1996).
Preferências alimentares
A maior parte das informações disponíveis, até recentemente, sobre os hábitos alimentares de
marsupiais didelfídeos originaram-se de estudos de campo realizados através da análise dos conteúdos
fecal e estomacal e, em menor escala, através de observação direta. Entretanto, tais métodos apresentam
falhas na tentativa de amostrar o universo dos recursos alimentares consumidos. De um modo geral, estes
favorecem a identificação (e, portanto, tendem a uma superestimação) dos itens que se preservam melhor
após os processos digestivos como: exoesqueletos, carapaças, pelos, ossos, penas, escamas e sementes
(Kunz & Whitaker, 1983; Dickman & Huang, 1988; Kronfeld & Dayan, 1998). As lacunas deixadas le-
vantam dúvidas sobre a possível subestimação de componentes da dieta destes mamíferos. Em especial,
alimentos de mais rápida digestão, como invertebrados de corpo mole e polpa de frutos, tendem a ser
sistematicamente subestimados, apesar de sabidamente constituírem parte da dieta de muitas espécies de
didelfídeos. Além disso, a variação espaço-temporal da disponibilidade dos recursos alimentares dificulta
eventuais comparações interespecíficas dos hábitos alimentares. Os métodos mais usuais de estudo dos
hábitos alimentares providenciam informações pouco detalhadas sobre as necessidades de nutrientes das
espécies estudadas.
Outro aspecto relevante é que o estabelecimento de dietas para a criação destas espécies em
cativeiro não pode basear-se exclusivamente nas informações produzidas em estudos de campo, uma
vez que o conhecimento do espectro total de alimentos e nutrientes necessários, e suas respectivas
proporções, necessários para manter as diferentes espécies em boas condições de saúde, não são
precisamente determinadas com os métodos anteriormente citados. Através de métodos de escolha
alimentar, em laboratório, é possível fazer comparações entre as preferências alimentares de diferen-
tes espécies eliminando-se o problema da variação da disponibilidade de alimentos. As informações
obtidas através destes métodos têm auxiliado na montagem de um quadro geral para o entendimento
das possíveis relações tróficas entre diferentes espécies, em comunidades de pequenos mamíferos, bem
como na determinação da preferência e necessidades alimentares para a criação em cativeiro (Périssé
et al., 1989; Astúa de Moraes et al., 2003).
Quatro fatores influenciam decisivamente a escolha alimentar de um animal: disponibilidade,
palatabilidade, acessibilidade e o retorno energético obtido com o alimento (Owen, 1982). O estudo da
escolha alimentar, em laboratório, provavelmente reflete melhor os fatores intrínsecos responsáveis por
preferências alimentares distintas, pois elimina os efeitos da disponibilidade e do acesso aos alimentos.
Estudos da seleção alimentar por marsupiais didelfídeos, aplicando métodos de escolha alimentar em
laboratório, foram feitos por Périssé et al. (1988; 1989), Cerqueira et al. (1994), Santori (1995), e Astúa
de Moraes et al. (2003). O método aplicado nestes estudos baseia-se em testes de livre escolha de di-
ferentes categorias de alimentos comercialmente disponíveis, colocados simultaneamente à disposição
Figura 2. Trato digestório de marsupiais didelfídeos. Modificado de Santori et al. (2004), com autorização dos editores
de Mammalia (Paris) [SANTORI, R. T.; ASTÚA DE MORAES, D.; CERQUEIRA, R. Comparative gross morphology of the
digestive tract in ten Didelphidae marsupial species. Mammalia, v. 68, p. 27-36, 2004].
Estômago
O estômago dos marsupiais didelfídeos é simples, unilocular e aproximadamente reniforme com
incisura angularis pouco profunda (Hume, 1982, 1999; Santori et al., 2004). Em C. philander e M. (Mi-
coureus) demerarae (Figura 1F, H), o estômago é relativamente mais alongado (Charles-Dominique et
al., 1981). A região cardíaca é ligeiramente mais estreita em D. albiventris e M. nudicaudatus e ampla
em M. domestica e L. crassicaudata (Figura 1B, D, E, G). A região pilórica em D. albiventris e M. nu-
dicaudatus é mais volumosa e a curvatura maior se estende além da abertura do esôfago (Figura 2B, E).
O comprimento relativo do estômago é ligeiramente maior em P. frenatus do que nas duas espécies
do gênero Didelphis, que são de tamanho intermediário. Esta característica do estômago de P. frenatus
está provavelmente associada aos hábitos alimentares mais carnívoros desta espécie em relação à Didel-
phis (Santori et al., 1995b).
Intestinos
Os intestinos delgado e grosso em todas as espécies constituem-se em tubos simples de paredes
lisas (Figura 2A-J), com exceção de C. philander (Figura 1F), que apresenta bolsas no cólon proximal
(Charles-Dominique et al., 1981). Em todas as espécies, o intestino grosso apresenta maior calibre que o
delgado. No caso de D. albiventris e C. philander, o maior desenvolvimento da região posterior do trato
digestório (Figura 2B, F), pode estar relacionado respectivamente com uma maior superfície de absorção
de água a partir de uma dieta generalizada (Chivers & Hladik, 1980), e com um maior compartimento
para fermentação de uma dieta mais frugívora ou mais rica em fibras vegetais (Charles-Dominique et
al., 1981; Santori et al., 2004). Cáceres (2005) chama a atenção para o pequeno tamanho do intestino
grosso de Monodelphis sorex (= M. dimidiata), relacionando esta característica a uma dieta composta
predominantemente por matéria animal.
Ceco
Apresenta uma aparência vibriforme ou cônica simples em todas as espécies (Figura 2F). Em C.
Agradecimentos
Somos especialmente gratos ao Dr. Rui Cerqueira, pela orientação em todos os trabalhos que rea-
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O Papel de Marsupiais
na Dispersão de Sementes
Nilton C. Cáceres* †
Leonardo G. Lessa**
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 405-423, 2012.
*
Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS,
97110-970, Brasil.
† Autor correspondente: niltoncaceres@gmail.com
Laboratório de Ecologia, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal dos
**
Síndromes de Dispersão
Os marsupiais são atraídos por frutos que apresentam características comuns a mais de uma síndrome
de dispersão, em particular duas amplamente reconhecidas, a quiropterocoria e a ornitocoria (van der Pijl,
1982). Os frutos quiropterocóricos, de coloração críptica (como de cor verde), parecem ser os preferidos
pela maioria dos marsupiais como Caluromys, Didelphis, Gracilinanus, Marmosops e Philander (Atra-
mentowicz, 1988; Cantor et al., 2010; Lessa & Costa, 2010; Camargo et al., 2011), embora esta relação
não seja sempre clara (Julien-Laferrière, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2000). No entanto, frutos
ornitocóricos, de cores brilhantes e vistosas, como o vermelho e o amarelo, característicos de aráceas e
rubiáceas, são também consumidos, principalmente por espécies arborícolas como Caluromys, Marmosa
O tamanho do marsupial pode também influenciar na quantidade das sementes ingeridas. Isso é
regulado pelos requerimentos energéticos que cada espécie possui e que estão relacionados diretamente
à sua massa corporal (Julien-Laferrière, 1999), além do tamanho da semente e de quantas sementes há
regularmente em um fruto. Portanto, animais maiores irão necessitar de maior número de frutos para
satisfazerem suas necessidades metabólicas, ao passo que animais menores em tamanho irão consumir
menos frutos. Consequentemente, tendo como base os hábitos alimentares similares e a simpatria dos
marsupiais (onde há maior probabilidade de consumo dos mesmos frutos), os maiores irão consumir e
dispersar maior número de sementes, como ocorre no caso de Lutreolina crassicaudata (500 g de massa
corporal) e Marmosa paraguayana (100 g) que vivem simpatricamente no sul do Brasil (Cáceres et al.,
2002) e no caso de Didelphis marsupialis (1200 g) e Philander opossum (350 g), no sul do México (Me-
dellín, 1994). Os marsupiais maiores em tamanho são capazes de totalizar de 1000 a 10000 sementes de
uma única espécie em uma ou poucas fezes (Piper como exemplo), o que depende também do tamanho
da semente e de sua disponibilidade no ambiente. Assim, a chuva de sementes que determinadas espécies
Tempo de Passagem
das Sementes pelo Tubo Digestivo
O tempo de passagem do alimento pelo trato digestivo de mamíferos, como no de carnívoros, tem
sido bem estudado (Harlow, 1981; Foley et al., 1995; Carss et al., 1998; Carter et al., 1999), mas uma
menor parcela trata especificamente da passagem de sementes visando a dispersão. É sabido que certos
morcegos filostomídeos apresentam uma rápida passagem de sementes pelo tubo digestivo (1 a 2 h).
Devido a isto, aliado a outros fatores como o voo até os poleiros onde se alimentam, podem fazer uma
dispersão de sementes não-aleatória (Fleming & Heithaus, 1981). Os marsupiais didelfídeos parecem
exibir um mecanismo de digestão mais lento, com o alimento levando em torno de 24 h para passar pelo
seu trato digestivo (Foley et al., 2000; N.C. Cáceres, dados não publicados). Porém, dependendo do tipo
de fruto ingerido, uma parcela das sementes pode ser defecada ainda na mesma noite do consumo. A
partir do princípio de que este tempo de trânsito não danifica as sementes no tubo digestivo (Grelle &
Garcia, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2000, 2007; Cáceres, 2002, 2004), os marsupiais podem levá-
-las a pequenas ou grandes distâncias a partir da planta-mãe, dependendo do ritmo de movimentação que
realizam; esse ritmo pode ser ditado pelo tamanho corporal e características do uso do habitat da espécie
(Gentile & Cerqueira, 1995; ver Capítulos 15, 16 e 17).
Dispersão Secundária
e Formação de Banco de Sementes
A dispersão de uma semente nem sempre se efetiva quando é depositada em um determinado local,
pois pode haver a ação de agentes pós-dispersores sobre a mesma ainda nas fezes. As sementes nas fezes
podem ter vários destinos, como serem incorporadas no longo prazo ao banco de sementes do solo pela
ação do intemperismo (como chuvas e ventos que ocasionam a queda de folhas), serem destruídas por
predadores (como certos roedores), ou alcançarem o banco de sementes de maneira mais rápida pela ação
de agentes pós-dispersores, como besouros coprófagos e formigas que as levam para túneis feitos no solo.
Besouros coprófagos (adultos ou larvas) utilizam apenas os detritos das fezes para sua alimentação em
câmaras subterrâneas (geralmente a profundidades de 1 a 15 cm), não danificando as sementes que foram
enterradas. São conhecidos casos em que tais besouros favorecem a germinação de sementes encontradas
nas fezes do quati Nasua narica e do macaco-aranha Ateles paniscus no México, através dessa dispersão
secundária (Chapman, 1989; Estrada & Coates-Estrada, 1992).
Entretanto, entre os marsupiais brasileiros, são conhecidas apenas algumas espécies de besouros
que utilizam as fezes de Didelphis albiventris e D. aurita, enterrando-as ou transportando-as para
outros locais. Desses últimos, destacam-se Dichotomius assifer como um escavador noturno, que
constrói túneis no próprio local das fezes e as enterram ali; Coprophanaeus saphirinus também age
como um escavador, porém diurno, e Eurysternus cyanescens não transporta nem escava as fezes,
permanecendo sob as mesmas em covas rasas. Os besouros roladores (chamados de transportadores,
como Agamopus e Canthidium) são espécies menores que as citadas anteriormente e que incidem
sobre fezes de gambás no sul do Brasil; eles rolam pequenos pedaços de fezes (que podem conter
diminutas sementes) para longe do local de deposição, enterrando-as em covas rasas (Cáceres &
Monteiro-Filho, 2006).
Formigas do gênero Acromirmex também incidem sobre as fezes de Didelphis carregando para
seus formigueiros pequenos fragmentos das mesmas, ou sementes que porventura estejam ali (Passiflora
e Solanum) (Cáceres & Monteiro-Filho, 2006). A dispersão se concretiza quando algumas formigas
deixam cair sementes pelo caminho ou levam-nas para locais propícios para germinação (Levey &
Figura 2. Freqüências de germinação de sementes provenientes de frutos e de fezes de duas espécies de gambás, gênero
Didelphis, em um fragmento com floresta ombrófila mista no sul do Brasil. Os experimentos foram realizados em ambiente
com luz difusa, simulando uma clareira em floresta. Para S. granulosoleprosum e S. swartzianum não houve experimentos para
D. albiventris (Cáceres & Monteiro-Filho).
Métodos e Perspectivas
para a Área de Conhecimento
Os marsupiais didelfídeos têm sido estudados quanto à dispersão de sementes principalmente por
três tipos de métodos: 1) análise de conteúdo estomacal; 2) análise de fezes; e 3) observação direta. Todos
estes métodos são eficazes dependendo do objetivo final do estudo, mas cada um tem suas limitações.
A análise de conteúdo estomacal tem sido utilizada com marsupiais da Guiana Francesa (Charles-
-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988) e no Brasil (Casella & Cáceres, 2006; Talamoni et al.,
2007; Pinotti et al., 2011) na detecção de várias espécies de frutos consumidos. As limitações deste método
estão relacionadas: (1) à eventual necessidade do sacrifício do animal; e (2) ao fato de que as sementes
encontradas necessariamente não passaram pelo trato digestivo completamente e, portanto, não poderiam
ser testadas quanto a sua viabilidade. No estudo da dispersão de sementes, a viabilidade é testada apenas
quando as sementes passam por todo o trato digestivo dos animais. No entanto, é o método indicado para
se estabelecer a dieta das espécies de marsupiais, pois os itens alimentares não se encontram tão digeridos
e, portanto, são mais fáceis de serem identificados.
A análise de fezes é o método mais utilizado por pesquisadores e o mais recomendado para o estudo
da dispersão de sementes por marsupiais, já que são animais noturnos e esquivos. Além disso, a análise
de fezes não requer o sacrifício do animal quando capturado. Porém, também tem suas limitações, como
por exemplo o fato das amostras normalmente serem obtidas através de capturas em armadilhas, que
é um método invasivo e que atrapalha o deslocamento natural do animal. Uma alternativa seria o uso
de carretéis de linha sobre as costas do animal (ver Cáceres et al., Capítulo 15 e a detecção das fezes
seguindo o percurso do animal posteriormente. A partir das sementes encontradas nas fezes, podem ser
feitos testes de viabilidade de sementes, sejam de germinação em placas de Petri ou mesmo por meio do
teste do tetrazólio, os quais apontam quais os percentuais de sementes vivas após passar completamente
pelo trato digestivo. Também pode-se verificar quais os requerimentos físicos da semente para alcançar a
germinação (ambientes de sombra, iluminados, etc.) ou mesmo testar se a passagem pelo trato digestivo
aumenta ou diminui a viabilidade das sementes e as taxas de germinação, através de comparações com
sementes coletadas diretamente de frutos maduros. Podem-se fazer experimentos em “in situ” também,
para verificar como as sementes são tratadas no meio natural, através de experimentos de exclusão de
agentes pós-dispersores.
A observação direta de marsupiais didelfídeos tem sido pouco utilizada na determinação da die-
ta e dispersão de sementes, salvo estudos específicos com certas espécies. Esse método é o de maior
Agradecimentos
Agradecemos a Alexandra S. Pires pela valorosa revisão sobre o capítulo, e ao amigo Dalton, da
turma de ciências biológicas da UFPR (1990-1993) pela elaboração da Figura 1. NCC foi pesquisador
e bolsista de pós-doutorado (PDE) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq/MCT) quando atualizou este capítulo. Parte dos dados apresentados por LGL teve financiamento
da FAPEMIG (processos CRA 133-03 e APQ 01034-09).
Referências
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d’Ecologie (Terre et la Vie), v. 36, p. 373-395, 1982.
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phidae) in dry woodland areas of Cerrado in central Brazil. Mammalia, v. 74, p. 225-227, 2010.
1) Cipocereus minensis (quiabo da lapa - Cactaceae): registro de sementes para Didelphis albiventris e Marmosops incanus
(foto: L.G. Lessa).
2) Clidemia urceolata (pata choca – Melastomataceae): registro de sementes para Gracilinanus agilis, Gracilinanus microtarsus, Mar-
mosops incanus, Marmosa paraguayana, Caluromys philander, Metachirus nudicaudatus e Didelphis albiventris (foto: L.G. Lessa).
4) Solanum granulosoleprosum (Solanaceae): registro de sementes em amostras de Didelphis albiventris e Didelphis aurita
(foto: N.C. Cáceres).
6) Dichotomius assifer: espécie de besouro escavador noturno, que constrói túneis no próprio local das fezes e as enterram.
Procuram por fezes de Didelphis albiventris e D. aurita quando ainda estão frescas. Enterram sementes neste processo, sem
danificá-las.
8) Asterostigma lividum: germinação de sementes em placa de Petri, provenientes de amostras de fezes da Didelphis aurita.
*
Laboratório de Ecologia e Conservação de Populações, Departamento de Ecologia, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, CP 68020, Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil.
† Autor correspondente: rodentia@biologia.ufrj.br
Endereço atual: Laboratório de Diversidade e Conservação de Mamíferos, Departamento de
**
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 427 CONSERVAÇÃO
Atlantic Forest fragments in Poço das Antas Biological Reserve, Rio de Janeiro state. Captures
were also carried out at the matrix surrounding fragments and at a control grid in the Reserve’s
main forest block. Trapping resulted in 1,916 captures of eight marsupials, five species had most
captures (Marmosa paraguayana, Philander frenatus, Didelphis aurita, Caluromys philander,
and Metachirus nudicaudatus). Sixteen individuals of three species (P. frenatus, M. paraguay-
ana and C. philander) were radiotracked. The most abundant species (1) were either tolerant
or more common at edges, (2) were either more abundant in the fragments than in the control
(except D. aurita) or present only in the former, (3) had smaller and/or overlapping home ranges
in fragments, and (4) had populations within fragments connected by individuals moving across
the matrix. Thus, all predictions were corroborated for most of the species investigated. This
finding can be useful to forecast expected changes and for management aiming to mitigate local
extinctions in the Atlantic Forest biodiversity hotspot.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 427-443, 2012.
Introdução
Na Mata Atlântica, extremamente fragmentada (Ribeiro et al., 2009), muitas extinções locais e
mesmo extinções globais de espécies florestais são praticamente certas nas próximas décadas (Brooks
& Balmford, 1996; Grelle et al., 2005; Harris & Pimm, 2008). No entanto, algumas espécies são mais
vulneráveis aos efeitos da fragmentação do que outras (Laurance, 1991; Davies et al., 2000; Purvis et al.,
2000; Swihart et al., 2003; Henle et al., 2004; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004).
No caso de pequenos mamíferos, os últimos anos têm testemunhado um avanço considerável no
conhecimento no nível de comunidade, tais como padrões de riqueza e composição de espécies, como os
relacionado tanto ao habitat (Fonseca & Robinson, 1990; Paglia et al., 1995; Stevens & Husband, 1998;
Pardini, 2004) quanto a atributos da paisagem (Pardini, 2004; Pardini et al., 2005; Umetsu & Pardini,
2007; Umetsu et al., 2008; Vieira et al., 2009; Pardini et al., 2010). No entanto, os processos populacionais
que geram tais padrões comunitários são menos conhecidos.
Um padrão claro encontrado para vários táxons, incluindo marsupiais neotropicais, é que para manter
a riqueza de espécies em paisagens fragmentadas, é essencial que as populações não estejam isoladas nos
fragmentos (Fahrig & Merriam, 1985; Laurance, 1990; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Pardini
et al., 2005). Características das paisagens, como corredores de habitat ou matrizes permeáveis, podem
evitar o isolamento (Beier & Noss, 1998; Gascon et al., 1999; Jules & Shahani, 2003; Kupfer et al.,
2006; Umetsu et al., 2008; Pütker et al., 2011). Entretanto, a capacidade de sobreviver nessas condições
depende também de características biológicas das próprias espécies (Laurance, 1991; Davies et al., 2000;
Swihart et al., 2003; Henle et al., 2004; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004). Estas últimas devem
incluir características da história de vida que permitam que as espécies tolerem os principais problemas
associados à fragmentação florestal, tais como efeitos de borda (Malcolm, 1994; Harrison & Bruna,
1999; Laurance et al., 2007), pequenos tamanhos populacionais nos fragmentos (Gilpin & Soulé, 1986;
Purvis et al., 2000; Henle et al., 2004) e isolamento das populações (Fahrig & Merriam, 1985; Burkey
& Reed, 2005).
Dadas essas considerações, é esperado que espécies de marsupiais que persistem em pequenos frag-
mentos de Mata Atlântica possuam as seguintes características: (1) não evitem as bordas, (2) tenham altas
densidades populacionais em pequenos fragmentos em comparação com as de áreas maiores de floresta,
CONSERVAÇÃO 428 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica
(3) tenham menores áreas de vida em fragmentos e/ou tolerem um alto grau de sobreposição de áreas de
vida, favorecendo assim altas densidades populacionais e (4) usem ativamente a matriz, mantendo suas
populações conectadas na paisagem.
Durante um estudo de onze anos sobre pequenos mamíferos em pequenos fragmentos de Mata
Atlântica, obtivemos uma grande quantidade de informações sobre a ecologia populacional de marsupiais,
muitas das quais publicadas separadamente (Pires & Fernandez, 1999; Quental et al., 2001; Pinheiro et
al., 2002; Pires et al., 2002; Fernandez et al., 2003; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Carvalho et
al., 2005; Pires et al., 2005; Barros, 2006; Fernandez et al., 2006; Lira et al., 2007; Barros et al., 2008;
Lira & Fernandez, 2009; Crouzeilles et al., 2010). No presente capítulo, usamos essa longa série de
dados, reunindo tanto informações já publicadas como inéditas, para testar a hipótese de que os marsu-
piais que atualmente persistem nos pequenos fragmentos estudados assim o fazem porque apresentam
as características acima mencionadas. Embora existam muitas diferenças entre paisagens fragmentadas
em diferentes locais da Mata Atlântica, esperamos que os resultados possam fornecer informações úteis
para a conservação de marsupiais em conjuntos de pequenos fragmentos, que são comuns na maior parte
deste hotspot de biodiversidade.
Métodos
Área de Estudo
A Reserva Biológica Poço das Antas (22º30’-22º33’ S, 42º15’-42º19’ W), no norte do estado do
Rio de Janeiro, é uma das maiores reservas na Mata Atlântica de Baixada no estado, com 6300 ha.
O clima na região é moderadamente estacional, com os meses de maio a agosto sendo os mais frios
e secos e os meses de outubro a abril os mais úmidos e quentes. De 1995 a 2005, a média anual de
temperatura foi de 25,7°C e a média anual de precipitação foi de 2053 mm (Programa Mata Atlântica,
dados não publicados).
Os oito fragmentos florestais estudados, nomeados de A a H e conhecidos como Ilhas dos Barbados,
estão situados na parte sul da Reserva (Figura 1). A área dos fragmentos, que varia de 1,3 a 13,3 ha, é
bastante representativa da atual situação da Mata Atlântica, onde cerca de 80% dos fragmentos possuem
áreas menores que 50 ha (Ribeiro et al., 2009). As distâncias entre os fragmentos variam de 60 a 1150 m,
e o conjunto de fragmentos dista aproximadamente 2 km do bloco de mata contínua (3500 ha) da Reserva
(Figura 1). A vegetação dos fragmentos, com cerca de 20 m de altura, inclui algumas espécies caracte-
rísticas de estágios avançados de sucessão e é rica em palmeiras. Ao longo das bordas, o sub-bosque é
denso e rico em espécies de estágios iniciais de sucessão, incluindo trepadeiras, samambaias e árvores
pioneiras como Trema micrantha (Cannabaceae) e Cecropia spp. (Urticaceae). As matas que formam os
fragmentos estavam unidas até a década de 1970 por uma vegetação de porte arbóreo, característica de
áreas alagadas, hoje inexistente. Alterações provocadas pela construção da barragem de Juturnaíba no
Rio São João culminaram na drenagem da área, que passou a ser apenas parcialmente alagada na estação
úmida (Viveiros de Castro & Fernandez, 2004).
Atualmente, a matriz onde estão inseridos os fragmentos é um mosaico vegetacional dominado por
gramíneas (principalmente Imperata brasiliensis, Melinis minutiflora e Panicum maximum), samambaias
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 429 CONSERVAÇÃO
Figura 1. Localização das Ilhas dos Barbados dentro da Reserva Biológica Poço das Antas, no estado do Rio de Janeiro. São
indicadas também as grades de armadilhas na mata principal da reserva (P) e na matriz (M).
(P. aquilinum) e arbustos, além de bosques de árvores pioneiras, como Cecropia spp. e T. micanthra.
Tais bosques, no entanto, são frequentemente destruídos por incêndios que atingem essa área da Reserva.
Esses incêndios ajudam a manter a vegetação da matriz em estágio inicial de sucessão e mantêm os frag-
mentos isolados. Três incêndios atingiram a área durante o estudo, em 1997, 2000 e 2002. O primeiro,
e mais intenso, atingiu severamente o fragmento A e levemente o fragmento D, os quais estavam sendo
armadilhados na época.
Métodos de Amostragem
Captura-marcação-recaptura
Sessões de captura, com cinco noites consecutivas cada, foram conduzidas de março de 1995 a
setembro de 1998 no fragmento A, de abril de 1996 a novembro de 2001 no fragmento D e de janeiro a
novembro de 2005 no fragmento E. As amostragens foram bimestrais em 1995-1999, trimestrais em 2000-
2003 e de novo bimestrais em 2004-2005. As linhas de armadilha eram transversais ao maior eixo de cada
fragmento, distando 50 m entre si, e cobrindo todo o fragmento. Os pontos de captura foram dispostos a
cada 20 metros. Em cada ponto, uma armadilha (uma Sherman 38 x 10 x 12 cm ou uma Tomahawk 48,3
x 15,2 x 15,2 cm) foi colocada no solo e uma armadilha Sherman adicional foi colocada em árvores entre
1,5 e 2 m de altura, ou em plataformas no dossel com altura variando de 5 a 15 m.
De maio de 1998 a julho de 1999, todos os oito fragmentos foram amostrados (Pires et al., 2002).
Durante esse período, além das sessões de captura regulares nos fragmentos A e D, sessões de captura
de quatro noites foram realizadas nos outros fragmentos. Nestes, as linhas de armadilhas também foram
marcadas transversalmente ao maior eixo de cada fragmento, mas a distância entre as linhas foi de 100
m, com pontos de captura a cada 20 m.
CONSERVAÇÃO 430 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica
Sessões de captura de quatro noites consecutivas também aconteceram de março de 1998 a feve-
reiro de 1999 em uma grade de captura (9 x 9 linhas com armadilhas a cada 20 m) colocada na matriz
entre os fragmentos A e D (Feliciano et al., 2002; Figura 1). Em cada ponto, uma armadilha Sherman
foi colocada no solo.
Sessões de captura, de cinco noites consecutivas, foram também realizadas de 2000 a 2002 em uma
grade controle no maior bloco de mata da Reserva (Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Figura 1).
A grade controle reproduziu a forma da grade do fragmento D, o qual estava sendo amostrado concom-
itantemente.
As armadilhas foram iscadas com uma mistura de aveia, banana, bacon e manteiga de amendoim
colocada sobre uma rodela de aipim. Na matriz, além dessa mistura em metade das armadilhas, usou-se
algodão embebido em óleo de fígado de bacalhau e um pedaço de abacaxi. Os animais foram marcados
individualmente com brincos numerados; cada indivíduo foi solto no mesmo ponto de captura.
Radiotelemetria
Indivíduos adultos de três espécies (Philander frenatus, Marmosa paraguayana e Caluromys phi-
lander) foram equipados com colares radiotransmissores (SOM-2380A e SOM-2190, Wildlife Materials,
Inc.) entre 2001 e 2004. Os indivíduos foram monitorados durante a noite, sendo a primeira localização
de cada indivíduo obtida antes que este saisse de seu abrigo (geralmente ao anoitecer). A partir desta eram
obtidas localizações subsequentes com intervalo mínimo de 60 minutos até que o indivíduo retornasse ao
seu local de descanso (geralmente ao amanhecer). Ocasionalmente, também foram obtidas localizações
diurnas de animais nos abrigos. As localizações foram obtidas por uma variação da técnica “homing-in
on the animal” proposta por Lira et al. (2007). Oito indivíduos de P. frenatus, quatro de M. paraguayana
e quatro de C. philander receberam colares; para cada espécie, metade dos indivíduos era macho e me-
tade fêmea. Cada indivíduo foi monitorado de dois a oito meses e foram obtidas 136 localizações de P.
frenatus, 118 de M. paraguayana e 289 de C. philander.
Análise de dados
A utilização das bordas por cada espécie foi analisada nos fragmentos A, D e E. Os pontos de captura
foram agrupados em três classes de distância a partir da borda: 0-40 m, 40-80 m, e maior que 80 m. Foi
usado um teste de aderência (qui-quadrado) para avaliar se as distribuições de captura de cada espécie
estavam de acordo com o que seria esperado sob a hipótese nula de que as capturas fossem distribuídas
entre classes de distância de acordo com o esforço de armadilhagem.
Com relação às densidades populacionais, uma estimativa acurada da densidade populacional é
difícil de ser obtida para pequenos mamíferos, já que necessita de uma estimativa da área efetiva de
amostragem, a qual pode ser muito mais difícil que a estimativa de tamanho populacional (Williams
et al., 2002). Assim sendo, foi utilizado um indicador de densidade, com finalidade meramente com-
parativa entre diferentes áreas (fragmentos versus controle, por exemplo) e que pudesse ser utilizado
mesmo para as espécies com números amostrais pequenos demais para o uso de estimadores proba-
bilísticos. O indicador de densidade utilizado foi o número de diferentes indivíduos capturados por
100 armadilhas-noite.
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 431 CONSERVAÇÃO
Para finalidades específicas, e quando possível, estimadores demográficos mais acurados foram uti-
lizados. Nos fragmentos, as variações das abundâncias das espécies ao longo do tempo foram analisadas
para as cinco espécies mais comuns usando o estimador Minimum Number Known Alive (MNKA; Krebs,
1966). Para a análise da resposta ao fogo da espécie mais abundante do estudo, Marmosa paraguayana,
foi utilizado um estimador mais robusto para a estimativa de tamanho populacional, o estimador Jackknife
(Nh de Burnham & Overton, 1979) para populações fechadas.
A influência do incêndio de agosto de 1997 nas populações de M. paraguayana foi verificada através
da comparação dos tamanhos populacionais, mês a mês, dentro de períodos de um ano antes e após o
incêndio, utilizando o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Com o mesmo teste, foram comparadas
as capturabilidades (número total de capturas em uma sessão dividido pelo número máximo de capturas
possíveis, ou seja, o tamanho populacional multiplicado pelo número de noites de captura) antes e depois
do fogo a fim de se verificar se possíveis diferenças encontradas nos tamanhos populacionais seriam
resultado de variações na capturabilidade.
Áreas de vida foram estimadas pelo método do Mínimo Polígono Convexo utilizando o programa
ArcView 3.2 (ESRI), tanto com dados de captura-marcação-recaptura como de radiotelemetria. Áreas
de vida foram estimadas para todos os indivíduos com pelo menos cinco capturas ou localizações. Para
verificar padrões de associação espacial entre indivíduos do mesmo sexo de uma mesma espécie foi feita
uma análise do padrão de sobreposição de áreas de vida dos indivíduos que estavam vivos simultanea-
mente (ver Pires & Fernandez, 1999). Esse procedimento só foi possível para Marmosa paraguayana, já
que poucos indivíduos das demais espécies foram capturados/monitorados simultaneamente.
A frequência de movimentos entre fragmentos foi calculada para cada espécie através da razão entre
o número de movimentos entre fragmentos (detectados por recapturas obtidas em fragmentos diferentes
de onde havia ocorrido a captura anterior) e o número total de recapturas nos oito fragmentos (ver Pires
et al., 2002). Para o cálculo da frequência de movimentos foram usados apenas os dados coletados entre
maio de 1998 e julho de 1999, quando todos os fragmentos estavam sendo armadilhados.
Resultados
Um esforço total de 70.579 armadilhas-noite nos fragmentos resultou em 5.530 capturas de 21
espécies de mamíferos. Entre elas, cinco mamíferos de médio porte foram capturados ocasionalmente:
o macaco-prego Cebus nigritus, a cutia Dasyprocta leporina, o tatu-galinha Dasypus novemcinctus, o
mico-leão-dourado Leontopithecus rosalia e o quati Nasua nasua. As outras dezesseis espécies foram de
pequenos mamíferos, incluindo oito espécies de roedores. As oito espécies restantes foram marsupiais;
delas foram obtidas 1.916 capturas, sendo que apenas cinco espécies - Marmosa paraguayana, Philander
frenatus, Didelphis aurita, Caluromys philander e Metachirus nudicaudatus - foram comuns (Tabela 1).
CONSERVAÇÃO 432 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica
Tabela 1. Números de capturas e de indivíduos (entre parênteses) e estimativas de densidade de oito espécies de marsupiais em
oito pequenos fragmentos de mata atlântica, na matriz de vegetação aberta entre os fragmentos e em uma área controle dentro da
mata principal da Reserva Biológica Poço das Antas (RJ). Os esforços de amostragem em cada lugar são fornecidos em número
de armadilhas-noite (an). O indicador de densidade foi dado pelo número de indivíduos/100 armadilhas-noite. Para densidade foi
considerado somente o período nos quais fragmentos e controle foram amostrados concomitantemente. Monodelphis americana
foi capturada em uma armadilha de queda para artrópodes.
esperado no interior dos fragmentos. Para C. philander e M. nudicaudatus as capturas foram distribuídas
independentemente da distância das bordas (Figura 2).
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 433 CONSERVAÇÃO
Figura 2. Frequências de capturas de cinco espécies de marsupiais em diferentes classes de distâncias da borda de fragmentos
de mata atlântica em Poço das Antas (RJ). As barras pretas representam as proporções de capturas e as brancas as proporções
de pontos de captura em cada classe. Para cada espécie, são fornecidos o número de capturas e o valor de qui-quadrado para o
teste da hipótese nula de que as capturas fossem distribuídas aleatoriamente entre as classes de distância para a borda.
Padrões Espaciais
Tamanhos de áreas de vida puderam ser estimados, tanto nos fragmentos como no controle, para 118
indivíduos pertencentes a seis espécies (Tabela 2). Para M. paraguayana, o tamanho médio de áreas de
vida estimadas por captura-marcação-recaptura foi 0,85 ha para machos (n = 32) e 0,50 ha para fêmeas
(n = 46) (Tabela 2). As áreas de vida estimadas por radiotelemetria foram de modo geral maiores do que
as estimadas por captura-marcação-recaptura, variando de 2,5 a 7,0 ha para C. philander, de 0,6 a 7,4 ha
para P. frenatus e de 0,8 a 1,7 ha para M. paraguayana (Tabela 2).
Tanto os machos quanto as fêmeas de M. paraguayana apresentaram sobreposição intrasexual de
áreas de vida durante o período de estudo, no entanto a sobreposição de áreas de vida de fêmeas foi maior
e mais frequente em altas densidades populacionais (Tabela 2). Para as demais espécies, os números de
áreas de vida estimadas simultaneamente não permitiram análises de sobreposição, mas a literatura sugere
que ocorre sobreposição de áreas de vida entre indivíduos do mesmo sexo (Tabela 2).
Uso da Matriz
Indivíduos das cinco espécies mais comuns foram capazes de se mover entre fragmentos. Foram
observados, no total, 33 movimentos entre fragmentos; a frequência de tais movimentos variou bastante
CONSERVAÇÃO 434 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica
Tabela 2. Áreas de vida de marsupiais, estimadas pelo método do Mínimo Convexo Polígono, em pequenos fragmentos de
Mata Atlântica (F) e em uma área controle na mata principal (Controle = C), dentro da Reserva Biológica Poço das Antas (RJ).
Quando tanto porções de fragmentos florestais quanto porções da matriz não-florestais foram incluídas na área de vida, esta está
listada como Paisagem (P). N = número de áreas de vida estimadas por captura-marcação-recaptura (em parênteses, números
e tamanho de áreas de vida estimadas por radiotelemetria). Padrões de sobreposição de área de vida de indivíduos do mesmo
sexo são baseados nesse estudo e em dados da literatura.
Área de vida (ha)
Espécie Local Sexo N Sobreposição
Média ± dp Min-max
M 3 1,33 ± 0,89 0,60-2,30
M (2) (5,99 ± 1,41) (5,00-6,97)
Caluromys philander F Ambos os sexosa
F 1 0,20 -
F (2) (2,62 ± 1,11) (2,54-2,70)
M 1 0,90 - Ambos os sexos;
Didelphis aurita F
F 2 0,58 ± 0,39 0,30-0,85 menor em fêmeasb
M 1 3,00 -
C
F 1 1,30 -
M 32 0,85 ± 0,67 0,10-2,45
M (2) (1,49 ± 0,31) (0,77-1,66)
Marmosa paraguayana F Ambos os sexosc
F 46 0,50 ± 0,37 0,05-1,60
F (2) (1,22 ± 0,63) (1,27-1,71)
Marmosops incanus C F 1 0,40 - -
Metachirus nudicaudatus F M 2 2,75 ± 1,84 1,45-4,05 -
M 4 0,93 ± 0,49 0,20-1,35
F F 9 0,36 ± 0,27 0,10-1,00
F (3) (1,43 ± 1,27) (0,63-2,90)
Philander frenatus M 2 7,91 ± 5,94 3,71-12,11 Ambos os sexosd
P M (4) (4,28 ± 2,21) (2,30-7,43)
F 2 5,40 ± 0,14 5,30-5,50
F (1) 1,00 -
a
Julien-Laferrière (1995), b Cáceres & Monteiro-Filho (2001), c Fernandez et al. (2006), d Gentile et al. (1997).
entre as espécies (Tabela 3). Didelphis aurita foi a espécie que se moveu com maior frequência, com um
quinto de todas as recapturas sendo resultantes de movimentos entre fragmentos. Philander frenatus tam-
bém cruza a matriz entre fragmentos frequentemente: dois dos oito indivíduos dessa espécie monitorados
por radiotelemetria realizaram cinco movimentos entre fragmentos, e esse mesmo padrão de movimentos
frequentes foi encontrado nos resultados de captura-marcação-recaptura. Para M. paraguayana, foram
detectados 14 movimentos entre fragmentos, todos observados através de recapturas. Esses movimen-
tos foram realizados por sete machos dessa espécie. Por sua vez, C. philander teve um só movimento
registrado (fora do período durante o qual todos os fragmentos foram amostrados concomitantemente),
apesar do número relativamente alto de recapturas (Tabela 1). Metachirus nudicaudatus também só teve
um movimento registrado, mas com um número menor de recapturas.
Além dos movimentos entre fragmentos, foram registrados também 12 movimentos entre fragmentos
e a matriz, realizados por indivíduos de três diferentes espécies (C. philander, D. aurita e P. frenatus).
Uma fêmea de C. philander e um macho de P. frenatus em movimento foram localizados em moitas de
Piperaceae na matriz.
Discussão
De modo geral, as espécies encontradas nos pequenos fragmentos apresentaram todas as carac-
terísticas esperadas, indicando que essas características são comuns em marsupiais que persistem em
paisagens fragmentadas.
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 435 CONSERVAÇÃO
Tabela 3. Movimentos de marsupiais entre fragmentos florestais e entre fragmentos e matriz, detectados por captura-marcação-
-recaptura e por radiotelemetria. Para cada movimento entre fragmentos, a distância entre capturas ou localizações sucessivas
(DCS) e a distância mínima (em linha reta) percorrida na matriz são apresentadas. Médias e desvios padrões das distâncias
percorridas são fornecidos (valores mínimos e máximos são apresentados entre parênteses) para as espécies para as quais foi
registrado mais de um movimento. O número de movimentos realizados por machos ou fêmeas (M/F) também é apresentado.
Movimentos Movimentos entre
entre fragmentos fragmentos e matriz
Distância Frequência
Espécie N (M/F) DCS (m) N (M/F)
na matriz (m) (%)*
CONSERVAÇÃO 436 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica
Figura 3. Variação ao longo do tempo na abundância de cinco espécies de marsupiais em três fragmentos florestais (A, D e
E) das Ilhas dos Barbados, na Reserva Biológica Poço das Antas (RJ). A linha vertical indica quando ocorreu o incêndio que
atingiu a área. Cp: Caluromys philander; Da: Didelphis aurita, Mn: Metachirus nudicaudatus; Mp: Marmosa paraguayana;
Pf: Philander frenatus.
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 437 CONSERVAÇÃO
Abundâncias Populacionais
Marmosa paraguayana foi mais abundante nos fragmentos do que na área contínua (Tabela 1). Duas
das espécies (P. frenatus e C. philander) não foram capturadas na área controle, mas foram abundan-
tes nos fragmentos. Uma vez que esses marsupiais são comuns na Mata Atlântica em geral, e já foram
capturados no bloco principal de mata da Reserva (Leite et al., 1996), é muito provável que existam
populações na área controle. A falta de capturas dessas espécies no controle, onde nosso esforço amostral
foi menor que nos fragmentos, deve refletir densidades populacionais mais baixas no primeiro que nos
últimos. O gambá, D. aurita, apresentou abundâncias similares entre fragmentos e no controle. As outras
quatro espécies - inclusive M. nudicaudatus, que foi capturado com pouca frequência na época em que
fragmentos e controle foram amostrados simultaneamente - tiveram números amostrais baixos demais
para permitir este tipo de comparação.
Abundâncias aumentadas de marsupiais em pequenos fragmentos florestais foi um padrão en-
contrado por Malcolm (1997) no Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais na Amazônia
e parece ser comum em outros lugares (Tellería et al., 1991; Laurance, 1994; Offerman et al., 1995).
Este padrão pode ser produzido por dois mecanismos distintos e complementares. O mais direto é
compensação de densidade (MacArthur et al., 1972): espera-se que densidades populacionais sejam
mais altas em lugares com baixa riqueza de espécies (como pequenos fragmentos), uma vez que re-
cursos são liberados pela ausência de algumas espécies competidoras. A outra razão é que espécies
bem adaptadas a bordas e habitats transformados podem se beneficiar das mudanças ambientais que
ocorrem em fragmentos.
Em geral, os padrões encontrados nas Ilhas dos Barbados corroboraram, pelo menos na maioria dos
casos, nossa expectativa de que as espécies que persistem seriam capazes de manter densidades popula-
cionais mais altas nos pequenos fragmentos, quando comparados com florestas maiores. A alta densidade
populacional compensa até certo ponto os efeitos da pequena área de habitat disponível nos fragmentos,
permitindo que as espécies mantenham nos pequenos remanescentes de habitat tamanhos populacionais
maiores do que os que elas poderiam ter de outra forma.
Cabe notar que os padrões também podem variar para uma mesma espécie em lugares diferentes.
Nossos resultados diferem bastante de um estudo prévio sobre M. incanus, que em nosso estudo foi mais
comum no controle que nos fragmentos. Esta espécie foi muito comum em paisagens fragmentadas de
Mata Atlântica no Espírito Santo e em São Paulo, especialmente em fragmentos em estágios iniciais de
regeneração ou muito perturbados (Pardini et al., 2005; Goulard et al. 2006; Passamani & Fernandez,
2011). O fato de M. incanus ter sido tão raro nas Ilhas dos Barbados (Tabela 1) pode ser devido a pequenas
diferenças no habitat ou devido a uma interação negativa com M. paraguayana que tem uma ecologia
similar e um tamanho corporal um pouco maior; M. paraguayna foi ausente no estudo de Pardini et al.
(2005), e raro no de Passamani & Fernandez (2011). Além disso, foi possível observar que ao longo do
tempo par de espécies de ecologia similar se alternaram nos fragmentos estudados. Metachirus nudicautus
foi muito abundante nos fragmentos no início do estudo, e ao longo do tempo declinou gradualmente até
desaparecer, contrastando com o aumento de P. frenatus (Crouzeilles et al., 2010). Este padrão tendeu
a se inverter no final do estudo, com aumento da abundância de M. nudicaudatus e diminuição de P.
frenatus. Considerando que este padrão de alternância de espécies de ecologia similar, a interação entre
espécies também pode ser um fator importante.
CONSERVAÇÃO 438 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica
Padrões Espaciais
Áreas de vida estimadas para P. frenatus e C. philander por radiotelemetria (7,4 e 7,0 ha respec-
tivamente) foram quase tão grandes quanto o tamanho do fragmento E, onde os indivíduos viviam (11
ha). Nossos resultados apontam para a interessante possibilidade de que o tamanho dos fragmentos possa
estar limitando o tamanho das áreas de vida. Em um fragmento próximo de Mata Atlântica e muito maior
(com cerca de 2400 ha, localizado na Reserva Biológica União), Moraes & Chiarello (2005), também
usando radiotelemetria, encontraram áreas de vida de M. paraguayana até quinze vezes maiores que
as encontradas aqui. De qualquer forma, naquele estudo houve indícios de que algumas espécies que
persistem nos pequenos fragmentos possuem áreas de vida pequenas, quando comparadas com aquelas
em fragmentos maiores.
Em relação à sobreposição de áreas de vida, M. paraguayana apresentou alta sobreposição nos frag-
mentos, com as áreas de vida das fêmeas se sobrepondo em altas densidades populacionais (ver Fernandez
et al., 2006). Três outras espécies, para as quais informações foram obtidas na literatura, também tiveram
sobreposição de áreas de vida em ambos os sexos, embora menos frequentemente nas fêmeas. Esses
últimos dados não provêm dos nossos resultados, portanto não se pode saber ao certo se essas mesmas
espécies se comportam da mesma forma nos pequenos fragmentos. De qualquer forma, nós não vemos
nenhuma razão a priori para pensar que espécies que apresentem sobreposição de áreas de vida em
florestas maiores não devam também apresentar o mesmo padrão nos fragmentos, cujas populações são
mais densas (ver acima). Portanto, nossa inferência que estas espécies apresentem sobreposição também
nos fragmentos parece bastante plausível.
Apesar de nossos resultados não terem demonstrado conclusivamente que espécies que persistem em
pequenos fragmentos têm áreas de vida de tamanho reduzido e ausência de territorialidade, há indícios de
que seja assim para algumas espécies. Essas características permitiriam que mais indivíduos coexistissem
nos pequenos fragmentos, favorecendo que as espécies tolerassem as altas densidades populacionais.
Uso da Matriz
Nossos resultados mostraram que as cinco espécies analisadas foram capazes de mover entre frag-
mentos, embora com frequências variáveis (Tabela 3; ver também Pires et al., 2002). A capacidade de
mover entre fragmentos afeta fortemente a persistência de populações. Viveiros de Castro & Fernandez
(2004) usaram atributos biológicos de marsupiais e de roedores – fecundidade, peso corporal, longevidade,
densidade antes da fragmentação (estimada pela área controle e por literatura), grau de arborealidade e
tolerância à matriz – para explicar a persistência das espécies nas Ilhas dos Barbados. Apenas tolerância
à matriz – a capacidade de ou usá-la como habitat ou cruzá-la com frequência – foi um preditor signifi-
cativo da vulnerabilidade à extinção nessa paisagem. Este resultado concorda com os de outros estudos
(Laurance, 1991; Gascon et al., 1999) e também com nossa expectativa de que tolerância à matriz é
importante para a persistência das populações em paisagens fragmentadas.
Outro papel interessante da matriz nesta paisagem foi fornecer recursos alimentares suplementares
para algumas espécies florestais. Indivíduos de C. philander e P. frenatus foram localizados em moitas
de Piperaceae na matriz. Sementes de Piperaceae foram frequentes na dieta desses marsupiais nas Ilhas
dos Barbados (Carvalho et al., 2005). Recursos propiciados pela matriz (ver também Ewers & Didham,
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 439 CONSERVAÇÃO
2006) podem ser muito úteis para marsupiais vivendo em fragmentos florestais onde as densidades po-
pulacionais são altas e os tamanhos de área de vida são pequenos (ver acima).
Síntese e Implicações
Nossos resultados apoiam nossa expectativa inicial de que espécies de marsupiais persistindo em
pequenos fragmentos florestais de Mata Atlântica, em geral, (1) não evitam as bordas dos fragmentos, (2)
apresentam altas densidades populacionais, (3) apresentam áreas de vida pequenas e/ou toleram um alto
grau de sobreposição de áreas de vida e (4) são capazes de usar a matriz. A maioria das espécies estudadas
apresentou todas essas características biológicas sugerindo a existência de uma síndrome envolvendo um
conjunto de características biológicas associadas que caracteriza as espécies resistentes à fragmentação.
Esta conclusão não é surpreendente, pois há várias razões para esperar que os quatro mecanismos não
sejam independentes uns dos outros. Por exemplo, tolerância a bordas e flexibilidade de padrões espaciais
ambos contribuem para permitir que uma espécie mantenha altas densidades populacionais em pequenos
fragmentos. Tolerância a habitats perturbados, que favorece a tolerância a bordas, também favorece a
habilidade de atravessar a matriz. Distinguir diferentes mecanismos é útil por razões heurísticas, mas eles
parecem ser fortemente associados em uma síndrome que caracteriza os marsupiais que são resistentes
à fragmentação da Mata Atlântica.
Entender melhor o conjunto de características que tornam algumas espécies resistentes à fragmentação
é útil não apenas para explicar a composição de comunidades de marsupiais em pequenos fragmentos,
mas também para predizer mudanças futuras à medida que a fragmentação avança e o isolamento dos
fragmentos se torna mais antigo. Além disso, nossos resultados indicam a necessidade de uma abordagem
firmemente embasada em conhecimento demográfico das espécies envolvidas para que se possa conservar
a diversidade de marsupiais da Mata Atlântica.
Agradecimentos
A Nílton Cáceres pelo convite para escrever este capítulo. Aos muitos colegas que trabalharam
no projeto em diferentes momentos ao longo de todos esses anos. A Renata Pardini, Adriano Chiarello,
Jean Paul Metzger e Nílton Cáceres pelas sugestões em versões prévias deste manuscrito. Aos gestores
e funcionários de Poço das Antas pelo apoio ao estudo. À Associação Mico-Leão Dourado, especial-
mente através de Denise Rambaldi, pelo apoio logístico. À Fundação Grupo O Boticário de Proteção à
Natureza, PROBIO/PRONABIO-MMA, Critical Ecosystems Partnership Funding (CEPF), MacArthur
Foundation, Nature Conservancy, FAPERJ, FUJB e Idea Wild pelo apoio financeiro. Ao CNPq, CAPES
e FAPERJ pelas bolsas concedidas.
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Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica 443 CONSERVAÇÃO
Foto: Maurício E. Graipel
CAPÍTULO 21
Marmosa paraguayana em
Paisagens Fragmentadas:
um Migrante por Geração
Resgata Metapopulações
em Declínio?
Daniel Brito* †
*
Universidade Federal de Goiás, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Ecologia,
Laboratório de Ecologia Aplicada e Conservação. Departamento de Ecologia, CP 131, Rodovia
Goiânia-Nerópolis, km 5, Campus II, Itatiaia. Goiânia, GO, 74001-970, Brasil.
† E-mail: brito.dan@gmail.com
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 445-453, 2012.
Introdução
A perda e a fragmentação de habitats são as principais ameaças aos mamíferos (Schipper et al.,
2008). Esses processos transformam habitats naturais contínuos em paisagens em mosaicos, compostas por
remanescentes de vegetação nativa circundada por áreas de uso antrópico (Fahrig, 2003). Essa alteração
na paisagem também afeta a estrutura das populações que ocupam a área afetada por estes processos, e
populações contínuas podem ser subdivididas em várias populações isoladas, ou podem se reorganizar
em metapopulações (Fahrig & Merriam, 1994; Burkey, 1995; Fahrig, 1997, 2001). Essa mudança na
estrutura natural das populações pode aumentar sua vulnerabilidade à extinção (Shaffer, 1981; Brito,
2009a). Portanto, não é surpresa que um considerável número de espécies de mamíferos apresente severos
declínios populacionais, culminando em extinções locais (Ceballos & Ehrlich, 2002).
Atualmente, a Mata Atlântica está restrita a apenas cerca de 16% da sua cobertura original (Ribeiro
et al., 2009), sendo um dos biomas que mais sofreu com os processos de perda e fragmentação de habitats
no mundo (Myers et al., 2000; Mittermeier et al., 2005). A maioria dos remanescentes de Mata Atlântica
é muito pequena (Ribeiro et al., 2009) e inserida em uma matriz antrópica. Esse cenário altera a estrutura
natural de populações de mamíferos arborícolas, favorecendo o surgimento de populações pequenas e
isoladas e de metapopulações (Fahrig, 2003). Neste contexto, um certo grau de conectividade é essencial
para a persistência destas populações (Wang, 2004).
Uma regra amplamente utilizada em conservação é a de “um migrante por geração”, onde este nível
de dispersão preveniria os efeitos negativos de estocasticidade genética (e.g. depressão endogâmica) e
demográfica (e.g. desvios na razão sexual), através do efeito resgate (Lacy, 1987). Entretanto, uma taxa
de dispersão maior que um migrante por geração pode ser necessária para manter populações viáveis em
paisagens fragmentadas (Mills & Allendorf, 1996; Vucetich & Waite, 2000), pois em situações reais o
tamanho efetivo de uma população é quase sempre menor que o seu tamanho de censo (Frankham, 1995).
O objetivo do presente capítulo é avaliar a eficácia da regra de um migrante por geração em mitigar
os efeitos da fragmentação em populações, usando o marsupial Marmosa paraguayana como modelo
de estudo.
Material e Métodos
Área de Estudo
A Reserva Biológica de Poço das Antas (22o30’-22o33’ S; 42o15’-42o19’ W) possui uma área total
de 5065 hectares (WWF Brasil, 2012). Neste capítulo, uma paisagem composta por nove fragmentos de
Mata Atlântica inseridos em uma matriz composta por gramíneas e samambaias foi usada como modelo.
Esses fragmentos, conhecidos como “Ilhas dos Barbados”, apresentam áreas variando entre 1,5 a 15,0
Figura 1. Nove fragmentos de Mata Atlântica que compõem as Ilhas dos Barbados, localizados na Reserva Biológica de Poço
das Antas.
meses de idade e as ninhadas podem ter até 11 filhotes (Rocha, 2000). A longevidade máxima observada
in situ foi de 24 meses (Rocha, 2000). Pires et al. (2002) estimaram uma taxa de dispersão de 1,2% entre
as populações das Ilhas dos Barbados.
Cenários de Migração
Como primeiro passo, foi construído um modelo de viabilidade populacional, usando o programa
VORTEX (Lacy, 1993, 2000), simulando a situação atual da metapopulação das Ilhas dos Barbados, isolada
das populações próximas. Depois, foram modelados cenários incluindo diferentes graus de conectividade
dessa metapopulação (seja por mudanças naturais na paisagem ou por manejo) com outras populações.
Existe um debate na literatura sobre qual seria o grau adequado de migrantes por geração para garantir
viabilidade a longo prazo, que poderia variar entre um (Franklin, 1980), 10 (Mills & Allendorf, 1996)
ou até mesmo 20 (Vucetich & Waite, 2000) indivíduos por população local por geração. Desta forma, os
cenários criados avaliaram três graus de migrantes por população local por geração: 1, 10 e 20.
Resultados
Os resultados mostram que manter fluxo de indivíduos em populações que se encontram em paisagens
fragmentadas traz benefícios para essas populações (Figura 2). Esta conectividade reduziu sensivelmente
a probabilidade de extinção da metapopulação de Marmosa paraguayana nas Ilhas dos Barbados, inde-
pendentemente do número de migrantes por geração. Mesmo uma baixa taxa, de apenas um migrante
por população local por geração, já resultou na persistência dessa população na escala temporal deste
estudo (100 anos).
Entretanto, observa-se um efeito importante na taxa de migrantes por geração no tamanho da meta-
população (Figura 3). Apesar de taxas baixas e médias (1 ou 10 migrantes por geração) terem sido sufi-
Figura 3. Tamanho da metapopulação de Marmosa paraguayana na Ilha dos Barbados. Os diferentes cenários modelados simulam
um contexto de paisagem onde a metapopulação encontra-se isolada (Baseline) ou possui conectividade com (metapopulações)
próximas em diferentes graus: um migrante por população local por geração (1 MPG), 10 migrantes por população local por
geração (10 MPG) ou 20 migrantes por população local por geração (20 MPG).
Figura 4. Heterozigosidade da metapopulação de Marmosa paraguayana na Ilha dos Barbados. Os diferentes cenários mode-
lados simulam um contexto de paisagem onde a metapopulação encontra-se isolada (Baseline) ou possui conectividade com
(metapopulações) próximas em diferentes graus: um migrante por população local por geração (1 MPG), 10 migrantes por
população local por geração (10 MPG) ou 20 migrantes por população local por geração (20 MPG).
Agradecimentos
Agradeço ao professor Nilton Cáceres pelo convite para escrever este capítulo. Agradeço ao CNPq
pela bolsa de financiamento à minha pesquisa (projeto #305631/2009-8).
Referências
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Respostas de marsupiais
da Mata Atlântica à perda
e fragmentação do habitat
– um índice de vulnerabilidade
baseado em padrões de ocupação
Thomas Püttker* †
Thais K. Martins*
Adriana A. Bueno* **
Natália F. Rossi*
Renata Pardini*
*
Universidade de São Paulo, Instituto de Biociências, Departamento de Zoologia - Rua do
Matão, travessa 14, 101. São Paulo, SP, 05508-090, Brasil.
† Autor correspondente: thomaspuettker@gmx.de
**
Fundação Florestal - Planos de Manejo - Rua do Horto, 931. São Paulo, 02377-000, Brasil.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 455-453, 2012.
Introdução
Marsupiais habitam todos os biomas do Brasil (Paglia et al., 2012; Reis et al., 2010; Melo & Spon-
chiado, Capítulo 4) e uma ampla variedade de habitats (e.g. Alho et al., 1986; Fish, 1993; Paglia et al.,
2012; Aragona & Marinho-Filho, 2009). Diferem quanto aos hábitos de locomoção (Delciellos et al.,
2006; Delciellos & Vieira, 2006; Vieira & Delciellos, Capítulo 13), ao uso de espaço (Bergallo, 1994;
Gentile et al., 1997; Pires & Fernandez, 1999; Cunha & Vieira, 2002; Cáceres, 2003; Grelle, 2003; Vieira
& Monteiro-Filho, 2003; Moraes Junior & Chiarello, 2005; Lira et al., 2007; Prevedello et al., 2008;
Galliez et al., 2009; Leiner & Silva, 2009; Prevedello et al., 2009; Cáceres et al., Capítulo 11), à dieta
(veja revisão recente Lessa & Geise, 2010; Pinotti et al., 2011; Santori et al., Capítulo 15), e ao tamanho
do corpo (Robinson & Redford, 1986; Paglia et al. 2012; Reis et al., 2010). Além disso, diferem em
outros atributos da história de vida como densidade populacional (e.g. Cerqueira et al., 1993; Bergallo,
1994; Mares & Ernest, 1995; Talamoni & Dias, 1999; Gentile et al., 2000; Quental et al., 2001; Gentile
et al., 2004; Barros, 2006; Graipel et al., 2006; Lambert et al., 2006; Martins et al., 2006a; Barros et al.,
2008; Martins, 2011), distribuição geográfica e endemismo (Gardner, 2008; Reis et al., 2010; Melo &
Sponchiado, Capítulo 4) e grau de especialização de habitat (Stallings, 1989; Fonseca & Robinson, 1990;
Freitas et al., 1997; Stevens & Husband, 1998; Olifiers et al., 2005; Umetsu & Pardini, 2007; Püttker
et al., 2008; Naxara et al., 2009; Martins, 2011). Vários desses atributos estão entre os principais deter-
minantes do risco extinção e vulnerabilidade a distúrbios causados pelo homem (O’Grady et al., 2004;
Davidson et al., 2009; Fritz et al., 2009). Dessa forma, não é de se admirar que as espécies de marsupiais
apresentem ampla variedade de respostas à perda e fragmentação do habitat (e.g. Viveiros de Castro &
Fernandez, 2004; Pardini et al., 2005).
Tendo em vista o aumento global das pressões e ameaças aos ecossistemas e espécies (Butchart et
al., 2010), abordagens e esquemas racionais para priorizar estratégias e garantir a alocação efetiva de
recursos frequentemente limitados para a conservação são essenciais (Margules & Pressey, 2000; Brooks
et al., 2006; Bottrill et al., 2008; Fischer et al., 2009; Wilson et al., 2011b). Abordagens de otimização
propõem que ações de conservação deveriam ser priorizadas com base em objetivos claros e específicos,
levando em consideração parâmetros como o julgamento do valor do bem a ser conservado, o benefício
esperado para a biodiversidade, a probabilidade de sucesso e o custo de ações alternativas de conservação
(Bottrill et al., 2008; Fischer et al., 2009). Para a priorização entre espécies (decidir qual espécie deveria
ser priorizada para receber investimento de conservação), o protocolo mais conhecido é a Lista Vermelha
de espécies ameaçadas da IUCN (IUCN, 2011), cujo foco é estimar o risco de extinção das espécies.
Figura 1. Localização dos três pares de paisagens adjacentes de mata contínua e fragmentada no Planalto Atlântico de São Pau-
lo, mostrando a distribuição dos sítios de amostragem. Em destaque nos retângulos, as paisagens fragmentadas com diferentes
porcentagens de floresta remanescente (da esquerda para a direita: 11%, 49% e 31%).
não inclui o zero; Lo, 1994; Payton et al., 2003). O código de R para calcular o índice e intervalos de
confiança pode ser obtido do primeiro autor.
Resultados
A vulnerabilidade à fragmentação florestal variou de -0,256 a 0,611 entre as 14 espécies de marsupiais
(Tabela 1, Figura 2). Dois grupos de espécies puderam ser diferenciados: (1) espécies menos vulneráveis,
contendo seis espécies com valores negativos de vulnerabilidade (proporção de sítios ocupados maior
nas paisagens fragmentadas do que nas paisagens de mata contínua), mas cujos valores não foram signi-
ficativamente diferentes entre si; e (2) espécies mais vulneráveis, abrangendo oito espécies com valores
Tabela 1. Espécies de marsupiais capturadas em três pares de paisagens adjacentes de mata contínua e fragmentadas no Planalto
Atlântico de São Paulo. São apresentados o número de sítios em que a espécie está presente nas paisagens de mata contínua e
fragmentada, o valor observado de vulnerabilidade e estatísticas do procedimento bootstrap (média, desvio padrão, assim como
intervalos de confiança superior e inferior) para cada espécie. Espécies ordenadas do menor para o maior valor de vulnerabilidade.
Paisagens de Paisagens
Índice de Vulnerabilidade
mata contínua fragmentadas
# sítios # sítios Bootstrap média Desvio IC 95% IC 95%
Espécies Observado
(n= 18) (n= 50) (n= 10.000) padrão superior inferior
Didelphis aurita 8 35 -0,256 -0,255 0,134 0,007 -0,518
Monodelphis kunsi 0 11 -0,220 -0,220 0,059 -0,120 -0,340
Gracilinanus microtarsus 10 37 -0,184 -0,185 0,132 0,078 -0,442
Monodelphis dimidiata 0 5 -0,100 -0,100 0,042 -0,020 -0,200
Marmosa paraguayana 0 4 -0,080 -0,080 0,038 -0,020 -0,160
Lutreolina crassicaudata 0 2 -0,040 -0,040 0,027 0,000 -0,100
Metachirus nudicaudatus 2 0 0,111 0,111 0,075 0,278 0,000
Marmosops incanus 17 34 0,264 0,264 0,086 0,420 0,089
Monodelphis sp. n. 6 3 0,273 0,273 0,117 0,511 0,051
Philander frenatus 6 2 0,293 0,292 0,113 0,516 0,071
Marmosops paulensis 6 0 0,333 0,333 0,111 0,556 0,111
Monodelphis scalops, M. americana 17 28 0,384 0,384 0,090 0,560 0,204
Monodelphis iheringi 11 0 0,611 0,608 0,115 0,833 0,389
Figura 2. Vulnerabilidade à fragmentação florestal para 14 espécies de marsupiais (intervalos de confiança +/- 95%). Espécies
ordenadas ao longo do eixo X do menor para o maior valor de vulnerabilidade. As letras (A-D) indicam grupos de espécies com
valores de vulnerabilidade significativamente diferentes.
Discussão e Conclusões
O índice revelou uma variação considerável na vulnerabilidade à perda e fragmentação do habitat
entre os marsupiais da Mata Atlântica, com poucas espécies não sendo afetadas pelo desmatamento. De
maneira geral, para espécies mais bem estudadas, a vulnerabilidade estimada é congruente com o conhe-
cimento prévio. Didelphis aurita, a menos vulnerável entre as espécies investigadas, é conhecida por ser
uma espécie generalista que se beneficia da alteração do habitat e é frequentemente capturada em áreas de
Referências
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Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
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marsupials? Mammalian Biology, v. 73, p. 463-467, 2008.
Desafiando as Restrições
Wallaceanas para o Estudo
de Marsupiais Neotropicais:
o Caso das Espécies do
Gênero Thylamys
Paulo De Marco Júnior* †
Poliana Mendes*
Nilton C. Cáceres**
*
Laboratório de Ecologia Teórica e Síntese, Departamento de Biologia Geral, Universidade
Federal de Goiás, Rodovia Goiânia-Nerópolis km 5, Campus II, Setor Itatiaia, CP 131. Goiânia,
GO, 74001-970, Brasil.
† Autor correspondente: pdemarco@icb.ufg.br
**
Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria, Camobi. Santa
Maria, RS, 97.110-970, Brasil.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 471-485, 2012.
Introdução
A falta de informações completas sobre a distribuição de espécies é reconhecida como um dos prin-
cipais entraves ao avanço de alguma abordagem de estudos de biogeografia e macroecologia, bem como
de estratégias de conservação, principalmente em sistemas neotropicais (Diniz et al., 2010; Tobler et al.,
2007). Esse tema se tornou tão importante que o termo “Restrições Wallaceanas” (Wallacean shortfall)
foi cunhado para caracterizar o problema fazendo menção ao trabalho de compilação e estudo das distri-
buições de espécies por Alfreld R. Wallace (Brown & Lomolino, 1998; Bini et al., 2006). O argumento é
especialmente importante porque, para alguns grupos originalmente estudados por Wallace em sua visita
à Amazônia brasileira, a quantidade de informação sobre a distribuição geográfica não avançou muito
desde o século XVIII. Sem informações detalhadas sobre a distribuição é difícil, por exemplo, utilizar
as técnicas mais recentes de priorização de conservação (e.g. o “Zonation” de Moilanen et al., 2005) e a
busca de áreas de conservação se torna muito subjetiva e, provavelmente, ineficiente.
Na busca por um conhecimento mais detalhado da distribuição devemos reconhecer a natureza dinâ-
mica desse atributo das espécies. A visão atual (Soberon, 2007; Soberon & Nakamura, 2009) sugere que
a distribuição de uma espécie é resultado de três conjuntos de variáveis importantes, todas elas variando
no espaço e no tempo (Figura 1). Por um lado existem as variáveis ambientais que devem definir o nicho
Grinelliano de cada espécie. Por nicho Grinelliano compreendemos o conjunto de variáveis climáticas,
ou variáveis ambientais, em escala mais ampla, e que devem definir a ocorrência local da espécie (repre-
sentado pelo conjunto “A” na Figura 1). Contrapondo a esse subconjunto de variáveis, uma porção de
efeitos ligados ao nicho Eltoniano, derivado das interações entre espécies, também é fundamental para
definir a amplitude de distribuição de uma espécie (representado pelo conjunto “B” na Figura 1). Esse
Figura 1. O modelo conceitual para modelagem de distribuição de espécies baseado em seu nicho ecológico (de acordo com
Soberon 2007; Soberon & Nakamura 2009). A porção “A” representa o conjunto de fatores abióticos, condições que, no
modelo de Soberón, representa o nicho Grinelliano. A porção “B” representa o conjunto de interações bióticas necessárias
para a persistência de uma espécie em uma Localidade e relaciona-se com o conceito de nicho Eltoniano. A porção “M”
representa o conjunto de locais que podem ser alcançados dadas as limitações de dispersão e barreiras. Apenas a interseção
desses três componentes (em cinza) deve representar a distribuição real da espécie. Mais explicações no texto.
Métodos
Dados Ambientais
Nós utilizamos seis variáveis climáticas para a América do Sul (temperatura média anual, sazonalida-
de da temperatura, média do trimestre mais seco, precipitação média anual, sazonalidade da precipitação
e média do trimestre mais quente) derivadas da base de dados do WORLDCLIM (http://www.worldclim.
org/) e duas variáveis topográficas (altitude e inclinação) derivadas do modelo de elevação digital Hydro
-1K (http://edcdaac.usgs.gov/gtopo30/hydro/). Todas as variáveis foram reduzidas à resolução de 0.0416
graus para a análise, representando células de cerca de 4km x 4km.
Procedimentos de Modelagem
Vários métodos têm sido apresentados para gerar predições sobre a distribuição potencial de espécies
baseado na variação ambiental em pontos reconhecidos de ocorrência. Essas técnicas são reconhecidas
como ponderosas para gerar predições em uma grande variedade de problemas ecológicos (Guisan &
Thuiller 2005). No entanto, existem vários pontos importantes que afetam nossa definição de qual a
estratégia mais efetiva de produzir esses modelos. Com certeza o número de registros disponíveis é um
dos fatores mais importantes, por afetar diretamente a qualidade com que o nicho das espécies poderia
ser descrito (Luoto et al. 2005). Considerando as diferenças encontradas entre as espécies de Thylamys,
nossa escolha foi de um método mais complexo para modelar as espécies com mais pontos e outro mais
simples, baseado em distâncias para modelar as espécies com menos pontos. De fato, os modelos mais
complexos têm muito mais parâmetros e, se aplicados a problemas com poucos pontos de ocorrência,
devem representar uma sobre-parametrização. Mesmo existindo técnicas de reduzir seu efeito sobre os
modelos (“regularization” em Phillips & Dudik, 2008), vale a pena evitar o uso dessas técnicas com pou-
cos dados. Para a técnica mais complexa utilizamos o MAXENT que é um dos métodos mais utilizados
na literatura atual e avaliado positivamente em muitos dos testes já publicados (Elith et al., 2006; Tsoar
et al., 2007). Para o método mais simples utilizamos o DOMAIN (Carpenter et al., 1993b) e a distância
Euclidiana.
O processo de modelagem no Maxent, assim como em outros modelos, envolvem a estimativa de
parâmetros e alguns critérios de otimização. Um problema com esse procedimento é a possibilidade de
sobreajustar os dados de treinamento, principalmente se existe um grande número de variáveis ambientais
em relação a um pequeno número de pontos de ocorrência. Uma constante β é usada como parâmetro de
regularização impedindo o sobre-ajuste nesses casos (Phillips et al., 2006). O valor utilizado de limite
de convergência foi de 10-5 e o número máximo de iterações foi limitado em 1000.
A distância de Mahalanobis foi considerada como um dos métodos mais eficientes de modela-
gem em algumas avaliações recentes (Tsoar et al., 2007). Esse método é mais simples que o Maxent,
envolvendo um número menor de parâmetros. No entanto, por envolver a inversão de matrizes de
Variância-Covariância, tem restrições sérias ao número de pontos de ocorrência mínimo. Da mesma
Conectividade
Os modelos de distribuição baseados em variáveis ambientais podem gerar uma distribuição po-
tencial nem sempre totalmente conectada entre si. Muitas vezes fragmentos de área com alta adequabi-
lidade estão rodeados por áreas com baixa adequabilidade o que poderia dificultar a colonização desta
área pelas espécies. Pensando nisso, nós utilizamos o conceito de fragmento para calcular o quanto cada
“fragmento” desses estava distante dos pontos de ocorrência. Para isso, consideramos áreas adequadas
à junção dos modelos (“ensemble”) para cada espécie considerando o limite máximo de cada modelo.
Para identificar esses “fragmentos” de ambiente adequado utilizamos uma regra em que somente células
vizinhas ortogonais são consideradas como fazendo parte de um mesmo fragmento, enquanto que vizi-
nhas diagonais fazem parte de fragmentos separados. Calculamos então a distância em metros entre o
centroide de cada um desses fragmentos e o ponto de ocorrência da espécie mais próximo; essa métrica
foi chamada de isolamento. Esse cálculo foi feito utilizando o programa Hawth’s Analysis Tools (Beyer,
2004). O objetivo dessa análise foi considerar a probabilidade das espécies colonizarem uma determinada
área adequada ambientalmente para a espécie, buscando assim tentar inserir as restrições de movimento
(porção “M” da Figura 1) no modelo para predizer a distribuição.
Tabela 1. Diferenças nos modelos relacionadas ao número efetivo de pontos de ocorrência (N), eficiência dos modelos (valor
de AUC) e área de distribuição predita considerando o limite máximo e mínimo para os modelos. O limite mínimo de adequa-
bilidade busca minimizar os erros de omissão, enquanto o limite máximo busca minimizar os erros de comissão.
Figura 3. Locais com maior adequabilidade para Thylamys macrurus utilizando os modelos Maxent, Domain e Distância de
Mahalanobis. “TH min” significa o limite mínimo de adequabilidade e “TH max” significa o limite máximo. Os pontos em
vermelho representam os pontos de ocorrência utilizados no modelo.
Figura 5. Proximidade entre o centroide de cada fragmento de área adequada para o ponto de ocorrência da espécie mais
próximo. Foi utilizada uma junção dos modelos (“ensemble”) considerando o limite máximo de adequabilidade para definir os
fragmentos. Sendo eles: Maxent, Domain e Distância de Mahalanobis para Thylamys karimii e T. macrurus, já para T. velutinus
foram utilizados os modelos Domain e Distância Euclidiana.
dos dois lados desse rio e o pequeno potencial desses pontos funcionarem como barreiras nas nascentes
de grandes rios amazônicos que nascem no Cerrado servem para descartar a possibilidade dessas serem
barreiras efetivas dentro desse fragmento. Por outro lado, as cadeias de montanhas na Mata Atlântica
podem estar servindo de barreiras efetivas para a colonização de áreas próximas ao litoral onde, apesar
de existirem condições ambientais adequadas, nenhum ponto de ocorrência foi até o momento relatado. É
importante notar, no entanto, que essas áreas litorâneas, em que os modelos consideraram ser climatica-
mente semelhantes a locais onde T. karimii já foi encontrado, apresentam vegetação muito distinta, sendo
primariamente de Floresta Atlântica incluindo áreas de matas semideciduais. Essas diferenças podem
também estar influenciando a ocorrência dessa espécie por manterem uma rica fauna de marsupiais, que
pode representar um impedimento competitivo à persistência dessa espécie.
Por outro lado, a área conectada de T. macrurus sobrepõe-se largamente ao bioma Pantanal, incluindo
áreas marginais de Cerrado no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo. Existem áreas não
conectadas no Cerrado e na Mata Atlântica que, quase certamente, estão isoladas para colonização dessa
espécie seja por barreiras ambientais, rios e cadeias de montanhas. Novamente, não existem barreiras
suficientemente fortes para impedir a colonização natural dessas espécies nas áreas previstas pelo modelo
no fragmento principal (e.g. Cáceres, 2007).
Discussão
As técnicas apresentadas aqui representam uma visão mais equilibrada sobre o uso dos modelos e uma
revisão de suas limitações. A escolha dos métodos como uma função direta da quantidade de informações
disponíveis é algo cada vez mais importante na literatura e representa uma das discussões importantes sobre
a forma de tratar a modelagem de distribuição de espécies de forma mais efetiva (Kamino et al., 2011).
Uma discussão comum sobre esse tipo de abordagem envolve uma visão limitada de que só se podem
comparar “coisas iguais”, “procedimentos iguais”. Nessa visão, não podemos comparar os modelos gerados
por técnicas diferentes, como, no nosso caso, os modelos para as duas espécies com mais informações e
aquela mais rara. Em primeiro lugar, nada é “igual” nesse universo. Nenhum procedimento é perfeitamente
controlado e os níveis de qualidade de descrição do nicho das espécies variam largamente por uma série
de fenômenos incluindo o nível de vícios na sua amostragem (Platts et al., 2008). Por outro lado, é preciso
definir muito claramente “o que comparar”. Evidentemente, todos os modelos devem apresentar algum
nível de imprecisão, mas utilizar essa imprecisão como argumento para não avançar uma possível discus-
são da distribuição das espécies representaria um considerável entrave no desenvolvimento do pensamento
ecológico e consequentemente na minimização das restrições wallaceanas.
A menor sobreposição de T. macrurus com as outras espécies em relação à distribuição geográfica,
que representa menor similaridade nas variáveis climáticas, também é congruente com a menor semelhança
dessa espécie com relação às variáveis morfológicas (Carmignotto & Monfort, 2006) e ecológicas, como a
capacidade de escalar árvores e ocorrência também em áreas florestadas (Cáceres et al., 2007). Além disso,
T. macrurus representa um clado basal quando comparado com outras espécies de Thylamys da América
do Sul (Carvalho et al. 2009a). Já T. velutinus e T. karimii representam espécies com maior similaridade
Agradecimentos
Esse trabalho foi parcialmente financiado por várias bolsas de produtividade do CNPq para Paulo
De Marco Júnior. Poliana Mendes foi financiada por bolsa do CNPq junto à pós-graduação em Ecologia
e Evolução da UFG. Nilton C. Cáceres foi bolsista de produtividade do CNPq e recebeu bolsa de pós-
doutorado no exterior (PDE) da mesma agência enquanto colaborava neste capítulo.
Referências
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Apêndice 1. Localidade, município, estado e suas coordenadas geográficas em decimais utilizadas neste capítulo, conforme
a espécie e fonte consultada.
Thylamys macrurus: Cáceres et al. (2007): 1) Faz. Princesinha, Bonito, MS, -21.08, -56.83; 2) Faz.
Sta Terezinha (próximo), Bonito, MS, -20.83, -56.62; 3) Piraputanga, Aquidauna, MS, -20.45,
-55.5; 4) UEMS, Aquidauana, MS, -0.42, -55.67; 5) Faz. São Cristovao, Dois Irmãos do Bu-
riti, MS, -20.5, -55.3; 6) Faz. Lindos Campos, Inocência, MS, -19.82, -51.53; N.C. Cáceres,
dados não publicados: 7) Faz. Sossego, Campo Grande, MS, -20.48, -54.50; 8) Faz. Borbo-
leta, Miranda, -20.50, -56.18; 9) Porto Conceição, Porto Murtinho, MS, -21.47, -57.90; 10)
Granja 10°RCMEC, Bela Vista, MS, -22.07, -56.55; Carmignotto & Monfort (2006): 11) Faz.
Califórnia, Bodoquena, MS, -20.68, -56.87; Palma & Vieira (2006): 12) Bonito, MS, -21.12,
-56.45; Vieira (1955): 13) Campo Grande, MS, -20.45, -54.62; Giarla et al. (2010): 14) Escuela
Agropecuaria, Concepción (Paraguay), -23.35, -57.38; Torres (2002): 15) Central, Asunción
(Paraguay), -25.27, -57.67; 16) Sapucay, Paraguari (Paraguay), -25.67, -56.92.
Thylamys velutinus: Rodrigues et al. (2002): 17) Parque Nacional de Emas, Mineiros, GO, -18.27,
-52.88; Carmignotto & Monfort (2006): 18) Faz. Água Limpa/Reserva do IBGE, Brasília, DF,
-15.93, -47.85; 19) Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, Alto Paraíso, GO, -14.03, -47.53;
20) Lagoa Santa, MG, -19.63, -43.88; 21) Cachoeira de Emas, Pirassununga, SP, -21.92, -47.35;
22) Ipanema, SP, -23.43, -47.60.
Thylamys karimii: Carmignotto & Monfort (2006): 23) Cocorobó, BA, -9.87, -39.03; 24) Faz. Fun-
dão, Cocos, BA, -14.18, -44.53, 25) Faz. Jatobá, Correntina, BA, -13.95, -45.97; 26) Estação
Ecológica Águas Emendadas, Planaltina, DF, -15.58, -47.58; 27) Corumbá, Caldas Novas, GO,
-17.72, -48.53; 28) Faz. Bandeirantes, Baliza, GO, -16.4, -52.45; 29) Reserva SAMA, Minaçu,
GO, -13.53, -48.22; 30) 55 km N Serra da Mesa, Niquelândia, GO, -14.47, -48.45; 31) Fazenda
Brejão, Brasilândia de Minas, MG, -17.03, -45.9; 32) Parque Nacional Grande Sertão Veredas,
Formoso, MG, -15.25, -45.88; 33) Serra Cabral, Pirapora, MG, -17.35, -44.93; 34) Serra do
Roncador 264 km N, Xavantina, MT, -12.82, -51.77; 35) Exu, PE, -7.52, -39.72; 36) Estação
Ecológica Uruçuí-Uma, Uma, PI, -8.88, -44.97; 37) Parque Nacional Serra das Confusões,
Guaribas, PI, -9.22, -43.47; 38) BR-364, km 55, RO, -12.52, -60.43; 39) Estação Ecológica
Serra Geral do Tocantins, Ponte Alta do Tocantins, TO, -10.82, -46.8; 40) Guaraí, TO, -8.83,
-48.5; Carvalho et al. (2009): 41) 20 km NW, Colinas do Sul, GO, -14.15, -48.07; 42) Giarla et
al. (2010): Chapada dos Guimarães, MT, -15.43, -55.75.
In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo
Grande: Ed. UFMS, p. 487-498, 2012.
Introdução
Fernando Pessoa certamente não se referia às mudanças climáticas globais ou aos modelos de dis-
tribuição de espécies quando escreveu essa anotação que integra os “Poemas Inconjuntos (1913-1915)”
das Ficções do Interlúdio, mas o trecho acima lhes cai bem. Muito se tem dito e escrito sobre mudanças
climáticas, em geral, e sobre o aquecimento global, em particular. De fato, estudos científicos indicam
que as recentes taxas de extinção superam em muito àquelas inferidas a partir de períodos anteriores por
meio do registro fóssil, e que as mudanças climáticas globais são uma ameaça clara à manutenção da
biodiversidade no planeta (Thomas et al., 2004).
Ainda assim, é sempre bom ter em mente que previsões futuras - quando feitas por um cientista e
não por um vaticinador - baseiam-se em extrapolações e modelos gerais, que, por definição, são uma
simplificação da realidade. Os efeitos de tais mudanças sobre a distribuição de espécies, por exemplo,
são normalmente inferidos por meio de modelos empíricos (correlativos) de distribuição de espécies,
os quais escondem no interior de suas previsões um copioso recheio de incerteza oriunda de diversas
fontes (Araújo & New, 2007). O próprio Alberto Caeiro diria: “Verdade, mentira, certeza, incerteza o
que são? [...] Qualquer coisa mudou numa parte da realidade [...] Qual a ciência que tem conhecimento
para isto?”*
No entanto, a Ciência (em especial as ciências naturais) se destaca por seu poder de previsão e ex-
plicação dos fenômenos naturais. Assim sendo, resta aos cientistas lançar mão de modelos para prever
o comportamento de um sistema no futuro de maneira minimamente confiável. Nosso objetivo nesse
capítulo é apresentar um panorama sobre os possíveis efeitos das mudanças climáticas globais sobre a
distribuição de marsupiais que ocorrem no Brasil e sobre padrões de riqueza de espécies e turnover exi-
bidos por esse grupo. Apontamos ainda locais onde a manutenção do clima adequado pode minimizar o
risco de extinção de marsupiais, indicando o nível de incerteza sobre essa informação.
Os marsupiais brasileiros compreendem pelos menos 55 espécies de pequeno (ca. 10 g) a médio
porte (ca. 4 kg) que se distribuem principalmente em ambientes de floresta ombrófila densa, como a
Amazônia e a Mata Atlântica (Cáceres & Monteiro-Filho, 2006). Ainda hoje, pouco se conhece sobre a
distribuição de marsupiais no interior do Brasil, principalmente em domínios como o do Cerrado, Pan-
tanal e florestas estacionais semideciduais (Cáceres & Monteiro-Filho, 2006) - daí a importância de se
gerar modelos de distribuição para essas espécies no país.
Além disso, os marsupiais brasileiros figuram entre as espécies mais ameaçadas pelo processo de
fragmentação florestal, embora ainda haja pouca informação detalhada sobre as respostas de marsupiais
*
Fernando Pessoa, Poemas completos de Alberto Caeiro, p. 115. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ. 171 p.
Figura 1. Padrão de riqueza de espécies de marsupiais do Brasil (atual e futuro, 2050) previsto por modelos de distribuição de
espécies gerados a partir de diferentes métodos de modelagem (GAM, GBM, GLMA, MARS, Random Forest, Redes Neurais),
modelos climáticos (CGCM3, MK2, HadCm3, NIES99) e cenários de emissão de gases de afeito estufa (otimista, B2a e pessi-
mista, A2a). Ver o texto para mais detalhes.
Figura 2. Mapa consensual do padrão de riqueza de espécies de marsupiais do Brasil para o clima atual e para o ano de 2050,
mapa do turnover médio previsto pelos modelos e mapas com a incerteza associada aos métodos de modelagem de distribuição,
modelos climáticos e cenários de emissão de gases de efeito estufa.
Figura 4. Porcentagem de espécies de marsupiais brasileiros que devem reter locais com clima adequado. Os resultados cor-
respondem à mediana da porcentagem de espécies em cada local, segundo obtido pelo modelo consensual de todos os métodos
de modelagem (GAM, GBM, GLMA, MARS, Random Forest, Redes Neurais), modelos climáticos (CGCM3, MK2, HadCm3,
NIES99) e cenários de emissão de gases de afeito estufa (otimista, B2a e pessimista, A2a). Ver o texto para mais detalhes.
Palavra Final
É importante observar que nossa abordagem é baseada na modelagem da distribuição de espécies
no Brasil e não leva em consideração que a distribuição (tamanho, formato e local) dos biomas brasilei-
ros pode se alterar (Salazar et al., 2007). As mudanças climáticas também podem mudar a distribuição
geográfica das espécies presentes em países ao redor do Brasil, que não foram incluídas nesta análise e
que poderiam invadir os próprios limites nacionais.
Apesar disso, acreditamos que nossas generalizações são válidas por duas razões (ver também
Diniz-Filho et al., 2009). Em relação às mudanças apenas no Brasil, isso seria um problema de fato
apenas para as espécies com distribuições limitadas e especialistas em habitat. O Brasil tem um
número baixo de marsupiais endêmicos, portanto, a modelagem da distribuição geográfica de um
grande número de espécies provavelmente forneceria um retrato realista para o país (apesar dessas
espécies poderem expandir para além do domínio sob análise, como em qualquer exercício de mo-
delagem). Em segundo lugar, o mesmo argumento de baixo endemismo é válido para a tendência
da baixa riqueza modelada de espécies, já que não levamos em consideração outras espécies que
estão atualmente fora do Brasil e que poderiam ocupar o país sob certas condições de mudanças
climáticas.
Nossa abordagem de modelagem também pressupõe que a distribuição geográfica das espécies
(e, consequentemente, a riqueza de espécies), é influenciada pelas variáveis ambientais utilizadas neste
estudo, as quais são todas de natureza climática (ver Terribile et al., 2009). Para a maioria das espécies,
os modelos realmente apresentaram uma adequação relativamente alta aos dados atuais (segundo a es-
tatística TSS).
Como indicamos no início do capítulo, modelos são uma simplificação da realidade e sempre têm
pressupostos claros. Vale à pena mencionar aqui uma citação do filósofo da ciência Karl Poper:
“A ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos. [...]
Nossa ciência não é conhecimento (episteme): ela jamais pode proclamar haver
atingido a verdade, ou um substituto da verdade, como a probabilidade. [...] Não
sabemos: só podemos conjecturar. Nossas conjecturas são orientadas por fé não
científica, metafísica (embora biologicamente explicável) em leis, em regularida-
des que podemos desvelar, descobrir”, Karl Popper, A lógica da pesquisa cientí-
fica, p. 305-306. **
Mapear padrões baseados em modelos correlativos de distribuição de espécies tem se tornado uma
tarefa importante e amplamente difundida. Nossos resultados fornecem um panorama geral sobre os
** Karl R. Popper, A lógica da pesquisa científica. Ed. Pesamento-Cultrix, São Paulo. 567 p.
Agradecimentos
Somos gratos à Nilton Cáceres pela gentileza do convite para escrever esse capítulo. R.D.L. é
bolsista de produtividade do CNPq (processo #304703/2011-7). P.L. é bolsista de doutorado do CNPq.
F.V.F. e J.T-F são bolsistas de doutorado da CAPES. A pesquisa do Laboratório de Biogeografia da Con-
servação tem sido constantemente financiada pelo CNPq, CAPES, Conservação Internacional do Brasil
e MCT-Rede CLIMA.
Referências
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ESPÉCIE: Marmosops incanus | AUTOR: Leonardo Lessa | LOCAL: São Gonçalo do Rio Preto, MG
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