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ROGER-POL DROIT

ÉTICA
UMA PRIMEIRA CONVERSA

TRADUÇÃO DE ANÁLIA CORREIA Rios

h
wmfmartinsfontes
SÃO PAULO 2012
Esta dtrra foi publicada orininalmente em francês em o título
LETHIQUE ESPLIQUÍE ATOUT LE MONDE
por Lditians du Seudl, Pare
Copyrizht * Cáitivas du el 24A
Copyright s 2107, Editora VítE Mantins Fontes Ltdo
São Paulo, para o presente edição
1: edição 2012
Tradus
Anála Correa Fum
Acompanhamento editorial
Luzio Aparecido din Santos
Bevisies gráficas
Verudiana Cunha Não poderemos ser justo: não formos humanos.
Maria Rezina Pibews Machado
Edição de ane Vauvernargues, Reflexões
e máximas, 12
Katio Harumi Trrasako
Producin gri
Coralds Alves
Paginação
Moucir Katsumi Matsusala

Dados Internacionais de Catalugação na Publicação (CIP)


(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Drei, Roger-Pe
Éma - uma primeira conversa / RegrrPol Drow
Aniha Correia Rs - São Paulo - Eduora WME Martrs For
Titulo uriginal: L'cthique expliquis 3 teut le monde
15BN 47455 78275544
1 Enca2 Moral L Titulo.

Indices para catilog sistemático


1 éna 170

Todus os direitos desta edição reservados o


Editora WMF Martins Fontes Ltda
Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325030 São Paulo SP Brasil
Tel (11) 3293 61530 Fax (11) 3101 1042
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Índice

Voltar ao início * 9

Capindo 1
As aventuras de uma palavra * 13
Copítuto 2
Um dominio sem fronteiras * 25

Capítulo 3
Entre religiões e filosofias * 43

Capítuto &
Virtudes, deveres ou consequências * 53

Capítuto 5
As dificuldades das aplicações * 69

Capitulo 6
Exemplos de bioética * 81

Conclusão: entre mudança e renascimento * 93


Voltar ao início

As questões de ética estão por toda parte. Essa

palavra nunca foi utilizada com tanta frequência


como hoje. Diariamente, nós a encontramos citada
em inúmeros discursos, impressa em grande quanti-
dade de livros e jornais, ouvida no rádio, na TV, na
escola, na universidade.
Ora, nossa época se preocupa com a ética, atual-
mente, em inúmeras áreas: negócios e vida financei-
ra (em que a crise revela o quanto as regras são
necessárias), esportes (em que o dopping e os jogos
arranjados ameaçam destruir a competição), midias
(em que a informação é muitas vezes viesada ou
manipulada).
Mais ainda, a medicina se tornou foro privile-
giado dos debates sobre ética. As novas técnicas pos-
sibilitam situações até hoje inimagináveis. Elas amea-
çam transformar radicalmente a existência humana
bem como os sistemas de parentalidade e filiação.
Perguntamo-nos então o que rmou,
devemos encorajar, au- como O .ten‘no s)e ((.)
chamada “ética”, dizer
torizar ou proibir. E em nome de qué. ncipais divergéncias que
Essas inteiro- como evoluiu, expor as pri
Bações constituíram, ao longo das ento, esclarecer vin-
últimas décadas, a distinguem as escolas de pensam
bioética. Esse dominio de reflexão s claras, er?lre
coincide com os culos intimos, mas também diferenga
debates filosóficos fundamentais: refe s atuais.
rem-se ao sen- as discussões filosoficas antigas ¢ os debate
tido da vida, aos limites das nossas :
intervenções so- O objetiv ser claro e acessível, sem sacrificar a
bre a matéria viva, ou ainda a dignidade humana. exatidao € a pertinência. Sem “reinventar a roda”,
Igualmente, no dia a dia, a ¢tica se faz cada vez sem relembrar inutilmente o que é evidente. Se é ne-
mais presente. As agressões verbais ou
fisicas se mul- cessário voltar ao início (sem esquecer que essa pa-
tiplicam, a violéncia e a incivilidade crescem, lavra significa ao mesmo tempo“começo ”
e"partida”)
a disci
plina e a autoridade se enfraquecem. Ao n smo ¢ para melhor compreender as implicações atuais
tempo, invocamos o respeito das pessoas, o sentido dos debates sobre ética.
de solidariedade, a necessidade de normas coletivas Ao fim deste livro, se as perspectivas parecerem
para continuarmos a viver juntos. aos leitores mais precisas, a “profundidade de cam-
Todavia, embora essa palavra seja onipresente, po” maior, o objetivo terá sido alcançado.
não € certo que seu significado seja sempre claro. De
que estamos falando exatamente quando se trata de
ética? De moral? De princípios gerais ou de decisões
particulares? Da aplicação de princípios antigos a
situações novas, ou da invenção de normas inéditas?
Trata-se de um assunto para especialistas ou de uma
reflexão que envolve todo o mundo?
A fim de permitir que cada um possa enxergar
mais claramente, este livro propõe voltar ao inicio.
Isso significa: lembrar de onde vem a indagação
isso devem ser assunto de todos. A bioética é algo copirar- 6
sério demais para ser deixado para os especialistas. EXEMPLOS
Para entendé-lo, é preciso que examinemos alguns DE BIOETICA
exemplos.

— Quando ouço falar de clonas


ção genética, de coisas desse tipo, tenho a impres
que se trata mais de ficção científica do que da minha
própria vida...
— ... e você se engana redondamente! Pois b
ao contrário do que você acha, esses assunt
todos nós e nossa vida do dia a dia Am
você sofrer um acidente, poderá precisar de
transplante de órgão. Alguém da sua família px
ter problemas de fertilidade e recorrer a procri
medicamente assistida. Por razões médicas | ou poli-
ciais!), você pode se ver às voltas com um diagnost-
co genético. E, se você cuida da sua saúde, é muito
provável que se veja confrontado com a medicina
preditiva, que indica os riscos de desenvolver essa ou
aquela doenca em fungao de seus dados geneticos
Todas essas técnicas medicas apareceram 2o lon-
g0 das últimas décadas. Seus avos não sabiam quase

80 81
os
nada a respeito delas, seus pais começaram a desco- ficado: Pode sigmificar simplesmente que grup
diferentes detendem princiy nios distintos, Suasm com
con
bri-las. Algumas dessas técnicas são ainda apenas
imaginadas: o útero art ial, por exemplo, que, se vicções religiosas, filosóficas ou polticas faze
mesmo sistema de
algum dia existir, poderá permitir que um feto se de- que uns e outros ndo tenham o
ex
senvolva inteiramente fora do ventre da mãe. Por valores. Assim, alguns acharão que determinada
enquanto, de fato, isso ainda parece ficção cientifica. periência deve er proibida, enquanto outros pensa
Mas não é inacessível. Imagine tudo o que mudaria rão, a0 contrário, que deve ser autorizada,
de
na vida das mulheres — e dos homens! — se a gravidez Entre as discussões desses ultimos anos, os
ão
os embri
com taç
a respeito da experimen oes
fosse assumida por uma máquina? bates
Essas situações novas — muitas das quais já são humanos inutilizados colocaram em evidência essa

tecnicamente possíveis, ou o serão amanhã — não


se- situação. Lembro-The, rapidamente, o que são esses
rão necessariamente realizadas. Pois podemos
esco- embrioes. No começo, em numerosos casos de pro
criação medicamente assistida, óvulos fecundados
lher, por razões éticas, recusá-las. Sob condição,
O — ou seja, embrioes humanos no estado micial - fo
evidentemente, de explicar por quais motivos.
che- ram congelados, à espera de que pudessem ser 1m
objetivo dos reiterados debates de hoje é tentar
o que se plantados no atero da mae. Dada a taxa vada de
gar a um acordo sobre o que se permite e
refletir, caso a fracassos nessas implantações, prevemos mais em
proíbe. Para isso, importa sobretudo
ou brioes, para fazer frente ds tentativas multiplis Ha
caso, sobre as raz es que se têm para autorizar
vivi- portanto um excedente.
não uma técnica, segundo exemplos concretos
as. Mas, assim O que se pode fazer com os embrioes que so
dos pelas diferentes pessoas envolvid
-se na incerteza. bram? É possivel desenvalvé-los para abter tecidos
que se inicia essa reflexao, mergulha
para implantes terapéuticos, Ou utilizar algumas de
— Por que vocé fala de incerteza?
particularmente no suas celulas para claborar
novos tratamentos, Diante
— Porque quase sempre,
flitos entre diferen-
dessas possibilidades, alguns querem proibir comple
campo da bioética, existem “con tamente qualquer experiéncia com esses embrioes,
pode ter virios signi-
tes principios”. Essa expressao

(K}
82
Porque julgam tais Prá da re-
ticas contrárias à dig decisio precisa num caso concreto. À marca
da pessoa. Aos seus nidade
olhos, esses embriões. .
mesmo Nexão ética contemporánea ¢, Muitas vezes, à tensão
qQue par €Cam ser apenas
um amontoado de células, Quero falar dessa tensão interna que subsiste neces-
14 530 1dentificados como sere
s humanos. Outros, 20 sariamente quando não há solução que se imponha
contrdrio, consideram que é
perfeitamente possivel de maneira absoluta, sem discussão, com uma evi-
utilizar esses embriões Ppara fins tera
peéuticos ou ex- dência total.
perimentais. Não consideram que se trate de seres
Ora, a realidade não espera. É preciso dizer “sim”
humanos propriamente ditos, na medida em
que ou “nao” a alguém que pede um tratamento, que es-
seu desenvolvimento se situa bem antes
da forma- pera uma decisão. À discussão permanece aberta,
ção do corpo.
mas a escolha deve ser feita. Ao mesmo tempo, essa
Assim, pessoas diferentes tém visoes totalmente
decisão tem algo de imperfeito. É preciso contudo
opostas sobre as mesmas situações. Com isso, a in-
assumi-lo. O que descobrimos no campo da etica
certeza cresce. Devemos portanto chegar a concilia-
aplicada, qualquer que seja a diversidade das discus-
ções, encontrar equilibrios provisérios. Mas não é o
sões e a amplitude dos debates, ¢ tambem a solidão
unico caso de contradição entre principios. Ao lado
das escolhas.
desses conflitos entre sistemas de valores opostos,
Já lhe falei, você se lembra, da fórmula de Sartre:
acontece também de encontrarmos conflitos entre
“Decidimos sozinhos e sem desculpas.” O seu signi-
os préprios principios.
ficado? Sem lei divina transmitida nem código mo-
— Entre os proprios principios? O que isso quer
ral herdado, estamos sós, desprovidos de qualquer
dizer?
abrigo em que possamos nos esconder. Não temos
— A ética aplicada nao divide unicamente a so-
desculpas a procurar, estamos sozinhos exercendo
ciedade, com comunidades que tém cada uma seus
soberanamente nossa liberdade. Acredito que
valores e suas maneiras de ver. Ela divide também os essa é
uma descrição que corresponde profundamente
préprios individuos, quando se veem diante da ne- à
situagdo ética contemporanea.
cessidade de hierarquizar os principios e tomar uma

84 85
X Nessa solidio e nessa incerteza, nte o primeiroo ser
ser h humano
é preciso se produzirão cletivame
sda lei, e incorrerãoem penas F
info AL é é precpreciso abrir debates, não penas pe-
deixar as clonado serás o fora de
questoes fundamentais nas mãos dos especialistas sadas. O que mot!
vou essa proibição do ponto
da precaução,
nem acreditar que clas se resolvem sozin
has. Gran- vis ta ctico? Não é somente 0 prin cipio
desdes deba
debate
tes éticos s real
s ético re. izam-se atualmente na nossa em razão dos sofrimentos possíveis ligados à incer-
sociedade. rfeição das técnicas.
teza dos resultados ¢ à impe
tal, a clonagem re-
— Por exemplo?
De maneira mais fundamen
rume ntali-
- Lembrei a questão do embrião, e da utilização produtiva foi considerada como uma inst
dos embriões excedentes. Um outro exemplo é a clo- zação inaceitável do ser viv o futuro, que
depende da
nagem humana. Desde o nascimento da ovelha Dolly, própria clonagem. Efetivamente, na reprodução ha-
em 199 , que foi o primeiro mamifero produzido bitual, seja ela natural ou medicamente assistida,
por essa tecnologia, a questão da clonagem foi obje- dois códigos genéticos se combinam, o do pare o da
to de inumeros debates. Para entender o sentido das mãe, e dão um resultado rigorosamente imprevisi-
discussões, e de algumas decisões já tomadas a vel. Um indivíduo é de alguma forma sempre o filho
respeito da clonagem humana, é preciso antes lem- da sorte, o resultado único de uma loteria genética
brar a distinção capital entre a clonagem reproduti- que, com os mesmos pais, pode proporcionar inu-
va (em que se trataria de reproduzir um organismo meráveis outras combinagoes.

humano completo, levando a termo o desenvolvi- Com a clonagem, é completamente diferente.

mento de um embrião obtido através de clonagem) Pois trata-se de uma “reprodugao idéntica”, uma du-
e a clonagem terapéutica (em que se trata de limitar plicagio de um individuo. O “clone” teria o mesmo
a utilização de um embrião obtido através de
clona- código genético do “clonado”, a copia seria idéntica
ulas permitindo a cultura de 20 modelo. Mas não necessariamente em todos os
gem à produção de
o). detathes de seu organismo. E ainda menos na sua
tecidos utilizáveis para restaurar o organism
É provável
Hoje a clonagem humana é proibida.
consciéncia e seus pensamentos! Um ser humano
1 ado, apese ar
clon
mas aqueles que de e todas f; i que circulam
as fantasias
que seja posta em prática um dia, ,

86 87
seria uma pessoa integral, com sua biografia própria os debates sejam mais amplos. Um importante tra-
e sua autonomia. balho é realizado pelas comissoes de ética que se -
N O que foi recusado, proibindo-se a clonagem multiplicaram no mundo desde que a Franca fun-
humana reprodutiva, foi também a entrada numa dou a primeira, em 1984. Confrontadas com os pro-
aventura humana desconhecida. Pois os lagos de pa- blemas novos que surgem no campo meédico, elas os
rentalidade, de filiagao, de sucessao das gerações se abordam levando em conta diferentes sensibil:idades
alterariam profundamente pela realizagao dessa re- éticas que se manifestam na sociedade, e se empe-
produgao nao sexuada que nao tem precedente em nham em propor soluções que são a0 mesmo tempo
toda a histéria da humanidade. respeitadoras das pessoas e dos principios e aceitá-
— E quanto a clonagem terapéutica? veis por todos.
— Os debates prosseguem. O caso é muito dife- Mas esse trabalho, entretanto consideravel, deve
rente, pois o objetivo é curar, e o desenvolvimento ser retomado e ampliado pelo debate público.
dos embriões deve permanecer muito limitado. En- — Mas nao sao questoes de especialistas, discussões
tretanto, as opinides são diferentes segundo os paises, muito técnicas, especializadas dema:

as legislagoes, as convicgoes intimas. Alguns conside- — Não acho. Sao escolhas que dizem respzito a
ram que essa clonagem ¢ legitima e deve ser autoriza- todos nos, que dizem respeito aos nossos fithos e ao
da, cerceada evidentemente por leis que prevejam mundo no qual desejamos viver. Numa democracia,
sanções para eventuais abusos ou desvios. Outros o trabalho dos especialistas é explicar quais são as
pensam, ao contrério, que se trata de um atentado ao opções e suas diferentes consequéncias, mas cabe a0
cardter sagrado da pessoa e da dignidade humana. povo decidir. Nem todo mundo é geneticista, biólo-
Em torno dessa questio e de muitas outras — g0, médico, jurista, nem mesmo filosofo. Mas todo

como por exemplo a gestação por outrem (o proble- mundo deve poder entender quais são as escolhas

ma das “maes de aluguel”), o direito de levar à que se colocam as nossas sociedades, as implicações
da bioética, e os debates fundamentais que estão em
morte os pacientes incuraveis que a solicitam, as
doações de órgãos —, € preciso que as informagoes e
JOBO nessas questões aparentemente técnicas.

88 89
e, mas também
existéncia permanente — na sociedad
— E você, afinal, como vê as escolhas que se
em cada um de nós.
oferecem? esentam apenas
Pois esses dois polos não repr
— Parece-me que hoje duas grandes atitudes se cate; gorias ideológi
cas e políticas conhecidas —“co
n-

opõem, dois polos que se encontram em tensão ssista”, “ordem ou movimento”,


servador ou progre ponto de
constante na reflexão. Um desses polos é levado
a idade”, etc. Do meu
“tradi¢do ou modern a
defender princípios, a manter normas, a enfatizar
os tar que basta dar razao
vista, seria nefasto acredi
limites indispensáveis contra o poder da técnica,
a clamar a vitéria de um
uns e condenar os outros, pro
nções hu- to de vista adversario,
definir fronteiras rígidas para as interve ponto de vista sobre o pon
essa resolvidas e os debates
manas sobre a matéria viva. Em nome da ética, para que as questoes sejam
es do
atitude pende mais para proibições e restriçõ encerrados.
que esses deba-
que para experimentos novos ¢ inovaçõ
es. Ao contrario. É preciso lembrar
smo que devam,
O outro polo, ao contrário, deseja fazer
evoluira tes são por definição sem fim (me
es majoritá-
lei, deseja vê-la adaptar-se, e permitir
possibilidades obrigatoriamente, ser objeto de decisõ

initivos ou apenas
inéditas. Nas aplicações dos novos avanços biotec- rias, de acordos, de protocolos def
damente ne-
nolé; gicos, essa atitude privilegia a satisfaç
ão dos de- provisórios). De fato, parece-me profun
práti-
sejos pessoais d: s indivíduos, tal como se
manifes- cessário dar razão, tanto na reflexão quanto na
tar
tam na evolugdo dos cost tumes (casais
homossexuais, ca, a cada um desses dois polos. É preciso ten
idade de procriagdo, por exemplo).
Supde-se que pensá-los em conjunto, na complexidade de suas in-
dessas satisfa- terações. Porque os debates sobre a bioética precisam
novas formas de felicidade decorram v
entender que é necessário ao mesmo tempo limites e
ções individuais.
de maneira inovações, proibições e transgressões. Dessa manei-
Entre esses dois polos, que descrevo
vocé pode, como ra, situada sob permanente incerteza, a ética encon-
muito esquemitica, parece-me que
s lhe convem tra-se no seu lugar, entre mudança e renascimento.
qualquer um, escolher aquele que mai:
opinião, trata-
ou que lhe diz mais. Mas, em minha
em conta 2
_se menos de escolher do que de levar

90 91
Conclusão

¥ mF
ENTRE MUDANÇA
E RENASCIMENTO

de estilo,
A ética atravessa OS séculos, mudando
XIX e XX,
mas sem nunca desaparecer. Nos séculos
i-
pudemos imaginá-la moribunda, ou mesmo aniqu
história
lada. Não somente devido aos eventos da
ais
política, mas também em razão das críticas radic
das quais ela foi objeto. Nietzsche, mais que nenhum
outro, foi até os bastidores. Entrando no subsolo
onde se fabricam os ideais, ele descobre nas cozinhas
manhas e astúcias pouco apetitosas.
Segundo ele, não se deve nunca acreditar nos va-
lores sob palavra. Por trás das virtudes, é preciso
procurar apetites ferozes. Na justiça, o desejo de vin-
gança e a alegria de fazer sofrer. Na igualdade, a re-
Í
vanche dos incapazes. Na fraternidade, o ressenti- É
mento. Nenhum pensador, sem dúvida, submeteu a I
|
ética a mais dura crítica. Nenhum filósofo tentou
mais violentamente denunciar as hipocrisias e as
aparências enganosas.

93
Esse questionamento completo desemboca, em mento. Existe o desconhecido entre nós, sempre. Essa
prcocupução com os outros, que se chama ética, é
Nietzsche, numa forma nova de aceitação da exis-
tência na sua integralidade, caracterizada por uma sempre também a preocupação com outra coisa.

alegria de artista e uma sabedoria trágica. Mas as


tormentas da história decidiram de outra forma.
Esse pensamento da vida foi utilizado — às avessas —
por criminosos, para fins inumanos. Os nazistas fi-
zeram desse filósofo, que era à sua maneira um
moralista, uma arma de destruição e de morte.
Parece-me não haver nenhum acaso no fato de
que após o Holocausto a renovação contemporânea
mais profunda da ética tenha vindo de um judeu, na
pessoa do filósofo Emmanuel Levinas. O que ele
| sempre disse foi que a simples presença do rosto de
| outro é, para cada um de nós, uma exigéncia e um
apelo. Antes da preocupação consigo mesmo, que
todos nós temos legitimamente, a ética nos convida
à preocupação com os outros e nos chama a ser res-
ponsáveis para com eles.
Suas formas concretas podem ser infinitamente
diversas. Todos se inscrevem nessa abertura, im-
possível de ser fechada, que aprofunda as relações
humanas. Presença do estrangeiro, hospitalidade,
respeito por aquilo que não entendo, acolhimento
daquilo que não espero, descentralização, distancia-

95
94
Todos falam de ética. Negócios, esportes,
midias, medicina... o termo diz respeito
também à vida cotidiana.
Mas seu sentido permanece muitas vezes
obscuro. É simplesmente a moral? Ou a
invenção de regras novas? E quem deve
participar da reflexão? Especialistas ou
cada um de nós?
Num estilo límpido, Roger-Pol Droit
esclarece a história da palavra. Expõe com
pedagogia as implicações das crenças
religiosas e das análises filosóficas.
Desde os saberes da Antiguidade até
a bioética de amanhã, as perspectivas
mudam. Mas o eixo central permanece
o mesmo: o melhor guia, para a ética,
é a preocupagao com os outros.

c
3
2
z3
Uma primeira conversa
&
E Roger-Pol Droit
o
8
32
õ
@
4

ISBN 978-85-7827-554-9

LL
37585781 275549 |1 wmfmartinsfontes |

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