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POR UMA

VIDA BEM
VIVIDA
por Clóvis de Barros Filho

AULAS 1 a 4
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

APRESENTA

POR UMA VIDA


BEM VIVIDA
CLÓVIS DE BARROS FILHO

2
APRESENTAÇÃO
Por Mario Vitor Santos
Diretor Geral

Esta é uma apostila de apoio ao curso Por Uma Vida Bem Vivida, ministrado pelo
professor Clóvis de Barros Filho, na Casa do Saber. O objetivo dela é servir de
material complementar às aulas do curso, que trata de temas fundamentais da
existência à luz dos pensamentos de filósofos que criaram não apenas novas
formas de entender o mundo como o revolucionaram

Aqui os alunos vão encontrar resumos e conteúdos adicionais ao que é exposto


pelo professor nas aulas. Encontrarão sugestões de leitura para maior aprofun-
damento. As fontes são obras dos próprios filósofos mencionados, bem como
trabalhos de estudiosos a respeito deles.

O objetivo da apostila vai além de um resumo: ela propõe leituras e sugere acesso
a matérias complementares para estender o curso para além do horário da aula.
Como as aulas, ela visa instigar o questionamento, perguntar, estimular a curiosi-
dade, a vontade de saber mais, de investigar e, quem sabe, até de inventar!

A apostila pode (e deve) ser usada como base para interação e construção do sa-
ber, para o debate de ideias e a confrontação amistosa. É mais um material didáti-
co e de apoio para um trabalho colaborativo, para a troca, seguindo as propostas
de grandes filósofos, aqueles que, pelo trabalho duro e o diálogo, contribuíram
para que cada um vivesse de maneira mais consciente, mudando a si e o mundo.
AVISO

Este material é exclusivo para os inscritos no curso Por Uma Vida Bem Vivida, com Clóvis
de Barros Filho, realizado pela Casa do Saber entre junho e julho de 2020. É proibida a re-
produção ou divulgação deste material, parcial ou em sua totalidade, sem autorização de
seus autores. Os direitos autorais são exclusivos da Casa do Saber.

MATERIAL PRODUZIDO POR:


Mario Vitor Santos - Diretor Geral
Guilherme Peres - Curador
Isadora Jardim - Curadora
Danilo Kovacs - Monitor
Denis Fernandes - Design

INSCREVA-SE NOS CANAIS DA CASA DO SABER

CLÓVIS DE BARROS FILHO

Casa do Saber | 2020


CLÓVIS DE BARROS FILHO

Sofrerá aquele que espera do mundo mais do que


ele pode dar, sobretudo quando descobrir que o
problema não é de pobreza do mundo - o mundo é
infinitamente mais rico do que você poderá perce-
ber. A pobreza é sua. Pobreza perceptiva. Pobreza
de atribuição de sentido. Pobreza de interpreta-
ção. E assim, claro está que uma certa reconcilia-
ção com o mundo passa pela aceitação da nossa
própria condição de vivente. Reconciliação com
o mundo que é condição de alguma graça para a
vida. Que você seja idealista e transformador, eu
te aplaudo, e me junto a você, mas algum apreço
pelas coisas como elas são tem que existir

No encerramento da live de número 58, organizada pela Casa do Saber ao longo


do período de isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus,
o professor Clóvis de Barros Filho levantou a questão acima. Intitulado “A Vida
Hoje Vale Mais”, o que à primeira vista pode provocar estranhamento, o encontro
caminhou em direção ao cerne de uma das maiores angústias da existência: o
que é uma vida bem vivida? Acometido de um problema de visão, disse ter duas
alternativas: se revoltar ou tentar enxergar, em meio às sombras, à imprecisão e
aos contornos, a beleza que jamais teria visto se não fosse como é então. É esse,
talvez, o maior desafio da existência. É esse o seu professor neste curso.

Conheça seu professor

Clóvis de Barros Filho é professor livre-docente pela USP, onde também obteve
o doutorado em ciência da comunicação. Mestre em ciência política pela Uni-
versidade Paris 3 (Université Sorbonne-Nouvelle), com especializações em direito
constitucional e sociologia do direito, ambas pela Universidade Paris 2 (Université
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Panthéon-Assas). É graduado em direito pela USP e em jornalismo pela Facul-


dade Cásper Líbero. Foi pesquisador na Unesco, professor da ECA-USP, ESPM e
Faculdade Cásper Líbero e professor visitante na FGV-SP. É sócio-proprietário do
Espaço Ética, promovendo estudos, encontros e discussões sobre ética, filosofia,
compliance, entre outros.

É autor e co-autor de, entre outros, Reputação: Um Eu Fora De Meu Alcance (com
Luiz Peres-Neto, HarperCollins, 2019), A Monja e o Professor (com Monja Coen,
BestSeller, 2018), O Que Move as Paixões (com Luiz Felipe Pondé, Papirus, 2017),
Felicidade ou Morte (com Leandro Karnal, Papirus, 2016), Somos Todos Canalhas
(com Júlio Pompeu, Casa da Palavra, 2015), Ética e Vergonha na Cara! (com Ma-
rio Sergio Cortella, Papirus, 2014), Devaneios Sobre a Atualidade do Capital (com
Gustavo Dainezi, Sanskrito, 2014), Corrupção: Parceria Degenerativa (com Sérgio
Praça, Papirus, 2014), A Filosofia Explica as Grandes Questões da Humanidade
(com Júlio Pompeu, inspirado em curso da Casa do Saber, Casa da Palavra, 2013),
O Executivo e o Martelo (com Arthur Meucci, HSM, 2013), A Vida Que Vale a Pena
Ser Vivida (também com Arthur Meucci, Vozes, 2010), O habitus na Comunicação
(com Luís Mauro Sá Martino, Paulus, 2003). Escreveu, ainda, Desejo: Inclinações
do corpo, conjecturas da alma (BestSeller, 2020), A Felicidade é Inútil (Citadel,
2019), Deuses Para Clarice (Benvirá, 2018), Shinsetsu: O Poder da Gentileza (Pla-
neta, 2018), Comunicação na Pólis (Vozes, 2004), A Constituição Desejada (Gráfi-
ca do Senado, 1990) e A Política da Constituinte (Instituto Tancredo Neves, 1988).

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PRIMEIRA AUL A

A VIDA
REFLETIDA

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SÓCRATES

TAGS: #Ética #Dialética #MétodoSocrático #Conhecimento #Sabedoria


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O que é certo é que, conhecendo-nos, ficaremos em condições de saber como


cuidar de nós mesmos, o que não poderemos saber se nos desconhecermos (Só-
crates em Alcibíades I, ou O Primeiro Alcibíades, de Platão).

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Alópece (atual Atenas), 469/470 a.C. – Atenas, 399 a.C.
Área do conhecimento:
Epistemologia (ramo da filosofia dedicado a pensar as origens, processos e limites dos
diferentes saberes)
Principais Obras:
Não deixou obras escritas
Influências:
Parmênides, Platão, Xenofonte, Aristóteles e praticamente todo o pensamento ocidental

Há personagens importantes da história sobre quem se sabe muito pouco. Só-


crates é um caso. É certo que foi cidadão ateniense e que dedicou parte da vida
ao debate e à filosofia (mas não por dinheiro, como praticavam os sofistas). Mas
são poucos os relatos, e alguns um tanto divergentes, sobre a figura e a atuação
daquele que ficou conhecido como o patrono da filosofia ocidental. Assim como
Jesus, não deixou nada escrito de sua autoria, em parte pela rejeição que teria
pela ideia de que os textos cristalizavam ideias, quando, para ele, o filosofar se faz
pelo diálogo. Daí a forma que Platão, seu discípulo mais conhecido, adotou para
relatar a atuação de Sócrates entre os atenienses. O que se sabe sobre ele está
nos diálogos platônicos, nos registros de Xenofonte, ou na caricatura feita em As
Nuvens, de Aristófanes.

Mas é certo também que foi julgado e condenado à morte, tomando o famoso
cálice de cicuta em 399 a.C. Mas por que? Nos registros de Diógenes Laércio,
autor de biografias de filósofos do século 3º d.C., a acusação apresentada contra
Sócrates foi em função de “não aceitar os deuses reconhecidos pelo Estado, intro-
duzir novos cultos e corromper a juventude”. A pena: morte.

Platão produziu quatro diferentes diálogos que narram este último capítulo da
vida de Sócrates: Eutífron, sobre a ida de Sócrates ao julgamento, quando é deba-
tida a noção de “piedade”; a Apologia, em que Sócrates é julgado e discursa em

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defesa própria; Críton, quando Sócrates é visitado no cárcere e recusa a oferta de


ser libertado – um diálogo sobre dever e justiça; e, por último, Fédon, que retrata a
morte de Sócrates e as ideias em torno da imortalidade da alma. Pelo momento, a
parte que nos interessa é a Apologia, apesar de a leitura dos demais diálogos ser
extremamente recomendada.

É durante sua defesa que Sócrates enuncia uma de suas falas mais conhecidas:
Se vos dissesse que esse é o maior bem para o homem, meditar todos os dias
sobre a virtude e acerca dos outros assuntos que me ouvistes discutindo e ana-
lisando a meu respeito e dos demais, e que uma vida desprovida de tais análises
não é digna de ser vivida, se vos dissesse isto, acreditar-me-iam menos ainda.
(Sócrates em Apologia de Sócrates, de Platão).

Há quem diga que a vocação – ou a dedicação – de Sócrates teve início no en-


contro com a sacerdotisa do templo de Apolo, em Delfos, que o denominou como
“o mais sábio entre os homens”. O que Sócrates propunha era a necessidade de,
metodicamente, suscitados pela indagação, que cada um alcançasse a verdade
contida em si. Sua função era induzir a verdade. Nem sempre as respostas às
questões são obtidas, gerando a necessidade de novos questionamentos. O mais
importante é a questão e a investigação. A cada conhecimento uma nova igno-
rância nasce em nós.

O pensamento de Sócrates se fundamentava no princípio da razão como base do


conhecimento, prezando a inteligência em detrimento das emoções e pressupon-
do a prudência como a mais importante das virtudes. Por meio de indagações
feitas diretamente aos indivíduos (alguns deles em posições respeitáveis naquela
sociedade), este método filosófico tinha como propósito causar a discussão de
conceitos e buscar o conhecimento inteligível e, portanto, absoluto, de modo a
abandonar o conhecimento sensível, baseado em opiniões.

Ao longo dos diálogos de Platão, Sócrates levanta a hipótese de que todo erro
tem raiz na ignorância, isto é, só é capaz do erro aquele que não conhece, seja
no campo do conhecimento científico quanto no das condutas morais. Aquele
que pratica o mal o faz porque não conhece o bem. Neste contexto, é essencial
o preceito délfico que Sócrates levará adiante, o “conhece-te a ti mesmo” - seria
somente quando todos os cidadãos se conhecessem de fato que a sociedade po-
deria avançar. Essa máxima traduz a consequência ética da filosofia de Sócrates.

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Ética porque tem consequência direta no cuidado de si.

Aquele que se importa consigo é atento às próprias atitudes, preocupa-se consigo


mesmo. No entanto, embora estas máximas refiram-se textualmente ao indivíduo
somente, seus desdobramentos levam a pensar que o cuidar de si também é o
cuidar do outro, assim como o conhecer-se a si também é o conhecer ao outro.
Como é possível cuidar de si? Apenas ao conhecer-se. O conhecimento de si é a
chave para todo o pensamento socrático, e o cuidar de si gira em torno de per-
ceber este conhecimento tanto no âmbito interno quanto no externo, tendo em
vista a crítica deste imperativo ao materialismo, que já naquele tempo se fazia
presente.

Sócrates é o exemplo máximo da filosofia como um modo de vida. Ele foi capaz
de traduzir seu pensamento em ação, vivendo o que pensava e, portanto, dando
à sua existência um viés social, público. Para o bem e para o mal – foi, por isso,
condenado à morte. Ainda assim permaneceu fiel àquilo que praticou, recusando
a possibilidade de fugir ou ter sua pena alterada sob a justificativa de a única coi-
sa que importa é viver honestamente, sem cometer injustiças, nem mesmo em
retribuição a uma injustiça recebida. Para não trair a própria consciência, preferiu
declarar-se culpado e aceitar a morte. Diante da esposa, filhos e amigos, diz-se
que suas últimas palavras foram a um dos presentes, lembrando que eles deviam
um sacrifício a Asclépio, deus da medicina e da cura.

VÌDEOS
SEI QUE NADA SEI: A INVESTIGAÇÃO DE SÓCRATES
Mauricio Marsola
https://www.youtube.com/watch?v=6pLSC0498l4

CONVITE A PLATÃO: FÉDON E A IMORTALIDADE DA ALMA


Maurício Marsola
https://www.youtube.com/watch?v=NdBlN3YZDl8

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A Morte de Sócrates, de Jacques-Louis David (1787)

Pense mais um pouco…


Com base nos argumentos da aula e de suas leituras, procure refletir sobre mo-
mentos do seu dia em que você “opera no automático” e quais valores você toma
por certos e absolutos em seu cotidiano. Pense sobre isso ou escreva em um
diário, se preferir. Se quiser levar a proposta adiante, experimente praticar, como
Sócrates, o diálogo sobre essas questões com outras pessoas e repita o processo
de reflexão, comparando suas primeiras impressões antes e depois do diálogo.

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PLATÃO
(Busto de Platão - feito por Silanião)

TAGS: #Justiça #ARepublica #TeoriaDasIdeias #Coragem #Alegoria


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Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Atenas, 428/427 a.C. – Atenas, 348/347 a.C.
Área do conhecimento:
Platonismo – doutrina filosófica segundo a qual as essências das coisas têm existência
real e independente delas, constituindo as ideias puras ou arquétipos, de que os objetos
são grosseiras imitações sensoriais
Principais obras:
A República (376 a.C.); O Banquete (380 a.C); Fédon (por volta do ano 387 a.C.o)
Influências:
Sócrates, Pitágoras, Parmênides, Heráclito

O contexto da vida e obra de Platão se dá na Península Ática, porção do território


que compreende a cidade de Atenas. O poder era dividido em várias cidades, cada
qual com seu códigos morais e civis, dando origem à pólis, onde os cidadãos gre-
gos podiam decidir seus próprios destinos e as leis, sendo um lugar de autonomia

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- ao menos para quem era considerado ateniense.

Os conhecimentos provenientes desta sociedade passavam por constantes pro-


cessos de implementação. Um destes conhecimentos é a filosofia, ou a capa-
cidade de se espantar vinculada à liberdade para questionar - a dúvida é a base
deste conhecimento. O conhecimento daquilo que causa medo ou não implica
um conhecimento de todos os bens: tudo o que é mau é causa de medo e temor,
e tudo o que é bom causa confiança (e isso tanto em relação às coisas presentes,
como as experiências passadas e futuras).

Os primeiros pensadores desta modalidade do saber seriam chamados de filóso-


fos da natureza, pois tentavam explicar a razão humana e o mundo, entendendo
e discutindo as noções de fluxo, permanência e mudança. Tanto de forma a con-
trolar o caos e o cosmos, bem como entender de que forma se dava essa relação
entre o homem e a natureza, Platão retratou o que aprendeu com Sócrates e deu
continuidade à arte filosófica após a execução de seu mentor. Uma de suas prin-
cipais reflexões é a de que só através da razão seria possível chegar às perguntas
fundamentais, não às respostas elementares. Seria atingido um estado de cons-
tante dúvida e, ao mesmo tempo, teria início um processo de “levar ideias à luz a
partir da interpretação e investigação do eidos (a teoria das ideias e das formas).
Ou seja, por meio da razão, seja esta razão a forma de fazer filosofia, na escrita,
na fala, nas histórias ou alegorias, seria possível se atingir o estado chamado
eudaimonia, a sintonia com as virtudes do homem, com o compromisso com o
bom, o belo e o justo, dando assim autenticidade e compromisso à vida humana.

Desta forma só seria possível se conhecer a alma do mundo (anima mundi), de se


chegar à verdade ou à realidade última das coisas, a partir do mundo das ideias,
categoria abriga a essência última das coisas, postulado em um cenário idealista,
além da lógica humana. O corpo só registra a mudança, o movimento. Porém, a
interpretação da realidade vai além da experiência empírica dos sentidos. Desta
forma só resta a essência, que permanece imutável. Portanto, a verdade não está
nos sentidos, mas sim na forma que ultrapassa a realidade e vai de encontro ao
sentido.

Platão fundou a Academia de Atenas, onde reunia seus seguidores mais ilustres
(como Aristóteles) e outros importantes estudantes para praticarem a filosofia e
a dialética, então adaptada à lógica de Platão. A dialética é uma forma de pensar,

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questionar e hierarquizar as ideias por meio de questionamentos, daquilo que já é


implicitamente conhecido, com a intenção de expor as contradições presentes no
mundo e nos conceitos. Sendo assim, o pensamento promovido na Academia de
Atenas gira em torno de três preceitos fundamentais:

1. A doutrina das ideias (eidos);


2. A superioridade da sabedoria sobre o saber;
3. A dialética.

Em sua obra principal, A República, Platão se coloca a pensar sobre as catego-


rias da vida humana, tendo como principais exemplos a política, a educação, as
questões da alma, da morte e da vida. Este lugar ideal que fora pensado se inti-
tula Kallipolis, onde o poder se daria pela sofocracia - literalmente o governo dos
sábios -, e seria lar de uma sociedade dividida em três estamentos principais.
Os trabalhadores, artesãos e camponeses, vinculados à ideia do apetite da alma,
dedicada às ações relativas ao sustento da cidade; os guardiões, guerreiros e pro-
tetores da pólis, vinculados à espiritualidade da alma e à coragem; e os sábios,
vinculados à lógica, à razão, que se colocam a postos para refletir sobre o mundo
e a liberdade humana.

É nesta reflexão que se dão alguns dos principais diálogos de Platão sobre as vir-
tudes (sobretudo a virtude da justiça) e fonte de passagens representativas como
a alegoria da caverna (uma reflexão sobre o conhecimento), demonstrando que a
vida na pólis pode passar por processos injustos, como a execução de seu mentor
Sócrates, em que a maioria assume uma posição por vezes injusta.

Desta forma se dão as quatro virtudes cardeais do pensamento platônico para a


conduta humana, em que cada segmento da alma deve atuar conforme a virtude
correspondente, guiando-a no caminho do bem e de uma vida em compromisso
com a felicidade. São elas a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça.

Portanto, se acreditas em mim, crendo que a alma é imortal e capaz de suportar


todos os males, assim como todos os bens, nos manteremos sempre na estrada
ascendente e, de qualquer maneira, praticaremos a justiça e a sabedoria. (Platão,
em A República)

Em O Banquete, há a descrição de uma festa (simpósio) na qual sábios e amigos

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se juntaram e conversaram sobre as grandes questões da vida na casa de Agatão,


um poeta trágico ateniense. Neste encontro, é sugerido por Erixímaco que fossem
feitos elogios a Eros, o deus do amor e do romantismo. Dentre as diversas falas,
Sócrates levanta a hipótese de que o amor se dá pela coisa bela, pela perfeição,
à procura de se perpetuar. O amor que pode amar a verdade no ser, sendo literal-
mente o amor pela busca, a sede pelo saber. Portanto, o verdadeiro amor apon-
tado neste encontro seria a admiração, seria impulsionar o outro a se tornar uma
forma melhor de si.

Em Mênon, Platão articula por meio de diálogos uma reflexão sobre a virtude hu-
mana, seus valores, suas formas e padrões, e se estas virtudes podem ser repas-
sadas, ensinadas para as próximas gerações, passando pelos questionamentos
sobre o que seria o próprio ensinar. Uma vez que o mundo das ideias nos fornece
arquétipos, formas essenciais, o processo de ensinar não é mais que o ato de tra-
zer de volta conhecimentos que já possuímos, formas inatas, vivências que foram
passadas pela alma. É trazer à tona o conhecimento ao questionar a morada da
verdadeira essência.

Estes questionamentos, se bem feitos, configuram que o desejo de saber é, além


de tudo, uma forma afetiva, de enriquecer e de fazer perpetuar o homem e o sa-
ber, a razão, a lógica. Por isso é um desejo de perpetuação no Belo. Há também,
claro, os conhecimentos adquiridos pelo aprendizado, pela práxis, aprofundados
no exercício da lógica, e da repetição, de forma a firmar a retórica e a ética para o
amadurecimento.

O que ama é, de certa maneira, mais divino que o objeto amado, pois possui em si
divindade; é possuído por um deus. (Platão, em O Banquete)

VÌDEO
A REPÚBLICA DE PLATÃO
MAURÍCIO MARSOLA
https://www.youtube.com/watch?v=8YBne9Ln_38&t=48s

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SEGUNDA AUL A

A BUSCA DA
EXCELÊNCIA
ARISTÓTELES
(Busto de Aristóteles)

TAGS: #Ética #Dialética #MétodoSocrático #Conhecimento #Sabedoria


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Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C..
Área do conhecimento:
Filosofia Clássica, Epistemologia – ramo da filosofia dedicado a pensar as origens, proces-
sos e limites dos diferentes saberes
Principais Obras:
Metafísica, Ética a Nicômaco, Política, Retórica
Influências:
Tomás de Aquino, Galileu, Copérnico e virtualmente toda a filosofia ocidental e parte da
filosofia islâmica

Discípulo da Academia de Platão durante 19 anos, Aristóteles foi um dos maiores


filósofos clássicos ocidentais. O desenvolvimento da tradição filosófica clássica
tem em Platão e em Aristóteles suas duas vertentes principais, seus dois grandes
eixos e, sobretudo na Idade Média, o platonismo e o aristotelismo inspiraram inú-
meras elaborações de teorias filosóficas e teológicas.

Em 343 a.C, Aristóteles passa a ser tutor do mais importante conquistador da


antiguidade: Alexandre O Grande. O pensador foi conselheiro do líder de um dos
principais reinos da antiguidade, o Reino da Macedonia. Em 335 a.C. Aristóteles
deixa Alexandre e volta para Atenas, onde funda o Liceu.

Segundo a filósofa brasileira Marilena Chauí, se devemos a Sócrates o início da


filosofia moral, devemos a Aristóteles a distinção entre saber teorético - ou teóri-
co - e o saber prático. O saber teorético é o conhecimento dos seres e fatos por
si só existententes, independentes da intervenção humana e oriundo da natureza.
O saber prático é o conhecimento do que apenas existe como consequência das
ações humanas e, portanto, depende de nós.

Através de um esforço de elaboração de uma concepção filosófica própria que


não se confundisse com a de seus mestres e ao mesmo tempo superasse o que
considerava suas principais falhas e limitações, o pensamento de Aristóteles de-
senvolveu-se sobretudo a partir de uma crítica tanto à filosofia dos pré-socráticos
quanto à filosofia platônica. Temos assim em Aristóteles uma redefinição da filo-

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

sofia, de seu sentido e de seu projeto, e a construção de um grande sistema de


saber, muito influente no desenvolvimento da ciência antiga.
O ponto central da crítica de Aristóteles à teoria de seu mestre Platão acontece
quando o pensador rejeita a teoria do dualismo platonista, representado pela te-
oria das ideias. Enquanto para Platão a sabedoria e as respostas apenas seriam
encontradas no mundo inteligível, das ideias, Aristóteles afirma que seria no mun-
do sensível que o sujeitos encontrariam a verdadeira sabedoria.

Para Aristóteles, os indivíduos possuem duas substâncias indissociáveis:

A forma = Ato; A Matéria = Potência;


Aquilo que determina a matéria e sua O que delimita a particularidade do ser.
essência, uma universalidade.

Portanto, a forma é o ser em ato. A


matéria é o que tem a potência de se
tornar em ato.

Atenção:
Não confunda forma com formato! A forma é o que faz possível a diferenciação entre uma árvore e
uma porta de madeira. Ambas podem ser feitas da mesma matéria, porém, são coisas diferentes.

Segundo esta lógica, por exemplo, os indivíduos de uma mesma espécie teriam a
mesma forma, mas seriam diferentes do ponto de vista da matéria, uma vez que
todos os indivíduos são distintos uns dos outros. Para Aristóteles, as formas dos
são imutáveis e perfeitas, como as ideias platônicas, mas não residem em outro
mundo. Não existem formas ou ideias puras, como queria Platão – o intelecto
humano, por meio da abstração, separa a matéria da forma, mas esta é uma ação
que não existe na prática. A dialética, a intersecção entre mente e corpo, para
Aristóteles, é inevitável, intrínseca e eterna.

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

A premissa sobre os conhecimentos inatos, ou seja, conhecimentos que já nasce-


mos possuindo, é outra teoria platonista questionada por Aristóteles. Na verdade,
todo conhecimento teria origem com os sentidos ou as sensações (aisthesis), de
maneira que não haveria nada no intelecto que não antes estivesse nos sentidos
- em suma, as sensações não seriam o engano ou a mentira, como dizia Platão.
Segundo Aristóteles, é a partir da memória que são acumulados dados do mundo
sensorial e, assim, criadas experiências a partir das quais são estabelecidas rela-
ções entre os dados sensoriais e aquilo que está na memória. A partir das experi-
ências passamos a elaborar os conceitos e, com a repetição de dados sensoriais,
o homem cria conclusões e expectativas.

A obra “A Escola de Atenas”, executada por Rafael Sanzio, reúne uma série de gran-
des pensadores da filosofia antiga. Dentre muitos outros nomes, estão Sócrates,
Pitágoras, Epicuro, Parmênides e, ao centro, Platão e Aristóteles. Uma das interpre-
tações da imagem demonstra o conflito entre as teorias dos dois filósofos, uma vez
que Platão, ao apontar para o céu, referiria-se à razão advinda do mundo das ideias
e Aristóteles, ao posicionar sua mão em direção ao solo, atribui a origem do conhe-
cimento ao mundo sensível.

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

A FELICIDADE
Felicidade e alegria são afetos, coisas que sentimos. Eles dependem do instante
de vida em que nos encontramos e de nossa relação com o mundo, a forma como
o afetamos e como somos afetados por ele. Estamos tratando, portanto, de uma
passagem, uma tradução que o corpo faz das transformações ininterruptas que
sofre, que são o motivo de nossos sentimentos surgirem também ininterrupta-
mente.

Se existe alegria, existe a transformação do corpo em direção a ela, bem como a


seus contrários e similares, mostrando que ela é apenas uma maneira de o mun-
do nos afetar. Outro ponto de ressalva é não considerá-la um estado: ela é uma
passagem, um deixar de estar, uma imprecisão conceitual significativa. Alegria é
transformação.

A alegria começa a ser tratada muito antes do surgimento histórico da filosofia. É


com as narrativas homéricas, mais especificamente na Odisseia, que vemos um
Ulisses triste por estar longe de sua esposa Penélope, chorando de saudades em
frente às ofertas de imortalidade e fartura da deusa Calipso. O castigo aplicado
em Ulisses por Poseidon aconteceu em sua memória, nos mostrando que a ale-
gria não tem a ver com paraísos e que ela pressupõe, além de um conhecimento
de si, também dos mundos que a proporcionam.

Para Aristóteles, o conhecimento, também estava com aquele que se comprome-


tesse a contemplar as coisas mais altas e divinas. Entre essas coisas, a mais bela
seria a sabedoria. Com isso, começava a se formar o conceito de eudaimonia, o
estado de ser habitado por um bom gênio. A história filosófica traduz eudaimonia
como felicidade.

A felicidade aristotélica seria um fim em si mesma, um estado de completude.


Não dissociada do prazer, mas não apenas prazerosa. O homem digno entenderia
que a eudaimonia se atinge a partir do prazer corpóreo em conjunção com o pra-
zer mental. Para o homem grego, apenas na política estava o caminho para uma
vida plena e feliz.

Segundo Aristóteles, a grande alegria da vida é a busca diária da excelência, ou


seja, é preciso dar o seu melhor para obter os resultados mais compensadores - é

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

a procura, portanto, da máxima perfeição que a natureza de cada um permite al-


cançar. A incansável busca da alma humana seria pela felicidade, um sentimento
pleno. Por fim, a felicidade é o pleno desabrochar na natureza de quem vive.

Dinheiro e prazer são meios para a felicidade, não a felicidade. A finalidade na fi-
losofia de Aristóteles é funcional. Ela é definido a partir da função própria de cada
ser. Ora, no caso do ser humano, a função própria é a sua atividade racional. Por-
tanto, um ser humano feliz, no pensamento de Aristóteles, é aquele que faz bom
uso da razão e que vive conforme à razão. Porque só a razão é capaz de educar
os apetites que atrapalham a felicidade humana. Por isso, Aristóteles insiste no
seu pensamento ético na educação das emoções, para que floresça o caráter e se
tenha uma vida virtuosa e boa.

Pense um pouco mais…


Como você viu nesta aula, Aristóteles faz um elo entre virtude, excelência e
felicidade. A eudaimonia, esse “encaixe com o Universo” não é necessariamente
algo predeterminado (não confunda isso com um “destino” individual), mas um
encontro com você mesmo e suas potencialidades.

Ao longo da próxima semana, procure observar em que momentos você se


sente mais realizado enquanto executa alguma atividade. Examine, da mesma

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

forma, quais atividades o afastam de seu exercício pleno das virtudes e da felici-
dade. Tente sair do automático e examinar de maneira crítica em que momentos
sua excelência “acontece”. Num segundo momento, procure fazer sua excelên-
cia se manifestar nas atividades que te afastam da felicidade - ponha a teoria à
prova: é possível ter mais de um “lugar ideal” no Universo?

VÍDEO
A essência da felicidade
Luís Mauro
https://www.youtube.com/watch?v=sTyYYqTOEg4

LIVRO
A felicidade é inútil
CLÓVIS DE BARROS FILHO
https://www.amazon.com.br/felicidade-in%C3%BAtil-Cl%C3%B3vis-Barros-Filho/
dp/6550470226

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TERCEIRA AUL A

O VALOR DO
PRAZER
EPICURO
(Busto de Epicuro, fim do século 3 d.C.)

TAGS: #Felicidade #Epicurismo #Empirismo #Liberdade #Prudência


Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de


fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasia-
do velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se
à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda
não chegou, ou que já passou a hora de ser feliz.
(Epicuro, em Carta Sobre a Felicidade a Meneceu)

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Samos, 341 a.C. — Atenas, 271/270 a.C.
Área do conhecimento:
Epicurismo – sistema filosófico que prega a procura dos prazeres moderados para atingir
um estado de tranquilidade e de libertação do medo.
Principais Obras:
Carta a Heródoto, Carta Sobre a Felicidade a Meneceu, Doutrinas Capitais
Influências:
Demócrito de Abdera, Pirro de Élis, Aristipo de Cirene

É fácil, ao abordar o tema “felicidade”, se deparar com a seguinte pergunta: o que


faz as pessoas felizes?. Enquanto muitos pensadores de sua época estavam pre-
ocupados em descobrir a natureza humana e a bondade do ser, Epicuro se debru-
çava sobre as questões do prazer, da diversão e da felicidade, sendo o fundador
do movimento intitulado epicurismo, uma das primeira grandes escolas helenís-
ticas por volta do final do século 4 a.C. Esta escola muitas vezes foi considerada
hedonista radical, mas o sentido da experiência do prazer para Epicuro é outro.

Nascido em Samos, uma das ilhas que formam o arquipélago grego ao leste do
Mar Egeu, em 341 a.C, Epicuro refletiu sobre o que faz uma vida ser bem vivi-
da. Ao tratar da felicidade, teve uma visão completamente ímpar em seu tempo.
A felicidade, para ele, só pode ser alcançada por meio de prazeres moderados
que levam a um estado de tranquilidade (ataraxia). A busca do prazer configura a
própria definição de felicidade e vice-versa e o encontro com a felicidade seria a
manutenção do corpo que manteria a serenidade do espírito.

Para se alcançar a felicidade são necessários três procedimentos, caminhos que


apontam para o concretização do prazer e os relacionamentos - mais especifica-
mente os bons relacionamentos como a amizade -, de forma que esta deva ser
vivenciada no dia-a-dia. Essa postura se confirma na vida de Epicuro, que possuía
um casaréu para compartilhar com seus amigos em Atenas, o famoso Jardim de
Epicuro. É necessário ter amigos ao redor e compartilhar lembranças, conciliando
os prazeres da vida e o exercer da sabedoria.

29
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

O exercício da calma não está no que vemos, mas em passar tempo consigo, com
leituras, escrita e meditação. O bem-estar dependeria das decisões tomadas no
dia-a-dia, da investigação rumo ao autoconhecimento. Para Epicuro, é isso que
nos afasta das distrações e perturbações da vida, abrindo espaço para a liberdade
de ser, de poder vivenciar experiências novas e desfrutar do prazer de viver.

A teoria do conhecimento dos epicuristas é uma forma de empirismo: por meio


das induções e deduções do sentidos, das experiências sensoriais, atribuímos
sentido à realidade. Mas cada experiência só pode ser confirmada no exercício
da memória, da repetição e da prática. Quando em contraste com novas experiên-
cias e práticas, geram novas formas de entendimento, inclusive sobre os limites
da experiência e do conhecimento.

É a partir de sua teoria atomista que Epicuro abre mão de um deus criador e da
ideia de destino, baseando-se na ação do acaso e do fortuito sobre os corpos para
afirmar que estamos sujeitos ao imponderável. Possuímos vontades, autonomia
e liberdade, mas é necessário o compromisso com a ética. Desta forma, Epicuro
estabelece a criação de quatro remédios para o alcance da felicidade:

1. Não se deve temer os deuses;


2. Não se deve temer a morte;
3. O Bem não é difícil de se alcançar;
4. Os males não são difíceis de suportar.

Para Epicuro, os deuses não estão preocupados com a vida humana, portanto
cabe a nós, por meio da sabedoria, construirmos nosso próprio caminho. Ocupar-
-se de o que pensam os deuses seria tão inútil quanto temer a morte, porque nos
afastaria da vida e dos momentos que importam. Durante a vida, enquanto houver
o bem, seja ele pautado pela prática das virtudes, pela convivência amistosa ou
pelo exercício da memória (portanto, prazer), não existirá dor ou sofrimento. Mes-
mo assim, quando dor ou sofrimento existirem, duram pouco. A arte de viver bem
e a de morrer bem são uma só. Desta forma, a sabedoria e a prática da filosofia
seriam valiosas aliadas na superação das angústias.

De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual
ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as de-

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

mais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza
e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. (Epicuro em
“A Carta a Meneceu”).

Pense mais um pouco…


Os quatro remédios de Epicuro (tetra-pharmakon) eram preceitos para uma vida
prazerosa que deveriam estar sempre à mão. A raiz deles está na crença de Epicu-
ro de que a filosofia seria um “tratamento da alma”. Ao longo desta semana, viva
com prudência e procure adaptar os preceitos epicuristas à sua rotina: evite se
preocupar com as influências fora de seu controle (os deuses e o destino), volte
sua atenção aos momentos de sua própria vida (especialmente os mais simples)
e busque identificar aquilo que lhe dá prazer (e o que lhe causa sofrimento).

VÍDEO
UMA REFLEXÃO SOBRE O PRAZER
Mauricio Marsola
https://www.youtube.com/watch?v=g7QaPGMhszI

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QUARTA AUL A

O AMOR,
O ÁGAPE
JESUS

TAGS: #Fé #Esperança #Caridade #Amor #Teologia #Culpa #Perdão


Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Vós me procurareis e, assim como disse aos judeus: “aonde eu vou, não podeis
vir”, também vos digo a vós agora. Um novo preceito eu vos dou: que vos ameis
uns aos outros. Assim como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. To-
dos hão de conhecer que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.
(Jesus, na ocasião da última ceia, em João, 13:33-35)

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Belém (7-2 AEC) - Jerusalém (30-33 DEC)
Área do conhecimento:
Cristianismo
Principais Obras:
Não deixou obras escritas. Sua sabedoria era difundida através de ensinamentos ao povo
e aos discipulos que, posteriormente, escreveram sobre Jesus.
Influenciou:
Paulo de Tarso, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Santo Abelardo, Dante Alighieri,
John Milton, René Descartes, Gottfried Leibniz, Bento de Espinosa, Friedrich Nietzsche,
Dostoiévski, Sigmund Freud, entre outros

Teria de fato existido um Jesus histórico? De um ponto de vista histórico, se existe


um cristianismo, existiu também uma figura fundadora. É claro que, do ponto de
vista de um fiel, a existência ou não de uma figura histórica de Jesus Cristo não
é uma questão relevante. O cristianismo surgiu como uma vertente do judaísmo
– dentre várias à época, como os fariseus, os saduceus, os zelotes etc - os primei-
ros cristãos apareceram dentro da própria comunidade judaica, destacando-se
por reconhecer na figura de Jesus Cristo o verdadeiro e esperado messias.

Assim como Sócrates, o que se sabe a respeito de Jesus vem de relatos de ter-
ceiros. Os primeiros escritos cristãos são as cartas de Paulo (por volta do ano 50
do século 1° da nova era cristã). Uma das características de destaque da nova
mensagem que começava a se espalhar com os apóstolos era o caráter universal
do chamado: o Deus cristão era um Deus acolhedor e compreensivo, e para entrar
em seu reino bastava levar uma vida baseada no amor e na caridade, seguindo o
exemplo de Jesus Cristo.

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Após a morte de Jesus, seus apóstolos se espalharam para disseminar sua men-
sagem, gerando a necessidade de fixar os ensinamentos por escrito. Os evange-
lhos são fruto disso: a reunião das histórias e parábolas pertencentes à tradição
oral, pequenas narrativas que possuem um sentido em si uma função didática.
Os evangelhos que integram hoje o Novo Testamento são os relatos de Marcos,
Mateus, Lucas e de João - apesar de os fundamentos cristãos terem outras per-
sonagens fundamentais.

A essência da doutrina cristã está contida no Sermão da Montanha, relatado nos


evangelhos de Mateus (capítulos 4 a 7) e Lucas (ao longo do livro). Nele estão
contidos os principais elementos da fé cristã, além de fazer a distinção definitiva
do cristianismo de sua matriz judaica. O Sermão estabelece um novo modelo
de relação entre o homem e Deus, com base no amor. Ao começar tratando das
bem-aventuranças, que contrariam o senso comum, pregou que as fraquezas
deste mundo são, na verdade, as virtudes e que os oprimidos neste mundo alcan-
çarão a vida eterna ao lado de Deus - “Felizes os pobres de espírito, porque deles
é o reino dos céus”.

O sermão prossegue com outros pontos fundamentais da doutrina de Cristo,


como a reafirmação da Lei e dos Profetas e o amor aos inimigos (Ouvistes que foi
dito: ‘olho por olho e dente por dente’. Pois eu vos digo: não resistais ao malvado.
Se alguém te esbofetear na face direita, oferece também a outra).

Ao final, é quando Jesus apresenta o valor da esmola e da oração - ocasião em


que ensina o Pai Nosso (que reafirma a maior intimidade com Deus) -, a ilusão
das riquezas na terra e o perigo dos julgamentos (Por que olhas o cisco no olho
do teu irmão e não vês a trave no teu? Como ousas dizer a teu irmão ‘deixa-me
tirar o cisco do teu olho, quando tens uma trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a
trave de teu olho e assim verás para tirar a palha do olho do teu irmão). É esse o
momento em que apresenta a Regra de Ouro, sua ética da reciprocidade, ao dizer:
Tudo que desejais que os homens vos façam, fazei vós a eles. O encerramento
traz a metáfora de “edificar sobre a rocha”: colocar os ensinamentos verdadeira-
mente em prática. Sendo assim, o homem edificaria o bem como uma casa sobre
a rocha, que é resistente em todas as tempestades. A palavra de Deus, portanto,
serviria como base e sustentaria as pessoas, protegendo-as das dificuldades a
serem enfrentadas na vida.

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Na Epístola aos Gálatas, Paulo reconhece Pedro, Tiago e João como “colunas”
(Gálatas, 2:9). Eles personificam, de certa maneira, essa edificação sobre a rocha.
Em primeiro lugar vem João, cujo evangelho é a palavra do amor: Deus amou tan-
to o mundo que entregou o Filho Unigênito para que todo aquele que crer nele não
pereça, mas tenha a vida eterna (João, 3:16), expresso também em sua primeira
epístola: Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ele
nos ter amado e enviado seu Filho para expiar nossos pecados. Se Deus assim
nos amou, também nós devemos amar uns aos outros. Ninguém jamais viu Deus.
Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece conosco e seu amor em nós é
perfeito (I João, 4:10-13).

O segundo pilar, Pedro, afirma nossa regeneração, por Cristo, para a esperança
da glória: Estai, portanto, com o espírito preparado. Sede sóbrios e colocai toda a
esperança na graça que vos será dada na revelação de Jesus Cristo. Como filhos
obedientes, não vos guieis pelos apetites de outrora, em vossa ignorância. Mas a
exemplo da santidade daquele que vos chamou, sede também santos em todas
as ações, pois está escrito: “Sede santos porque eu sou santo” (I Pedro, 1:13-16).
Esse é o processo que levaria a uma vida reformada: O poder divino nos deu tudo
que contribui para a vida e a piedade, fazendo-nos conhecer aquele que nos cha-
mou pela sua glória e virtude. Com elas nos foram dadas as mais preciosas e
ricas promessas para que, por elas, vos torneis participantes da natureza divina,
fugindo da corrupção, que devido às paixões existe no mundo. (II Pedro, 1:3-4).

O último pilar, Tiago, seria um fruto que surge de João e Pedro. O amor e a vida
transformada por ele levariam ao exercício da fé e desse amor em direção ao outro:
De que aproveitará, meus irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Po-
derá a fé salvá-lo? Se o irmão ou irmã estiverem nus e carentes do alimento cotidia-
no e algum de vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos”, mas não lhes
derdes com que satisfazer à necessidade do corpo, que adiantaria? Assim também
a simples fé, se não tiver obras, será morta. (Tiago, 2:14-17). São muitas as possi-
bilidades de interpretação. O termo grego ágape, um dos diversos relacionados ao
amor, é geralmente empregado para caracterizar esse amor divino, mas também o
praticado por nós quando inspirado por ele. Independentemente de fé, essa dedica-
ção ao outro é também uma dedicação a si mesmo, não com vistas à promessa da
eternidade, mas do cuidado da própria alma e de um exercício da humanidade. Nas
palavras de Paulo, no presente permanecem estas três: fé, esperança e caridade;
delas, porém, a mais excelente é a caridade. (I Coríntios, 13:13).

36
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Representação clássica de Jesus ao lado de uma imagem aproximada de como Jesus teria sido. A imagem à
direita foi produzida pelo antropólogo forense Richard Neave representando um cidadão comum da época, com
base em ossos encontrados na Galileia.

Pense mais um pouco…


Pratique, ao longo da próxima semana, atos gratuitos de amor, tanto com conhe-
cidos quanto com desconhecidos. Não precisa ser nada grandioso, mas experi-
mente promover uma “boa ação” e atente-se a como esses atos fazem você se
sentir. Quer ir além? Pratique, além do amor, o perdão. Reflita sobre ao menos um
momento em que você foi prejudicada(o) e procure perdoar (outra pessoa ou até
a si mesma(o).

Vídeo
Clóvis de Barros Filho
A Maior Lição de JESUS
https://www.youtube.com/watch?v=GqpttFlNdB0

37
POR UMA
VIDA BEM
VIVIDA
por Clóvis de Barros Filho

PARTE 2
Aulas 5, 6 e 7
APRESENTAÇÃO
Por Mario Vitor Santos
Diretor Geral

Esta é uma apostila de apoio ao curso Por Uma Vida Bem Vivida, ministrado pelo
professor Clóvis de Barros Filho, na Casa do Saber. O objetivo dela é servir de
material complementar às aulas do curso, que trata de temas fundamentais da
existência à luz dos pensamentos de filósofos que criaram não apenas novas
formas de entender o mundo como o revolucionaram

Aqui os alunos vão encontrar resumos e conteúdos adicionais ao que é exposto


pelo professor nas aulas. Encontrarão sugestões de leitura para maior aprofun-
damento. As fontes são obras dos próprios filósofos mencionados, bem como
trabalhos de estudiosos a respeito deles.

O objetivo da apostila vai além de um resumo: ela propõe leituras e sugere acesso
a matérias complementares para estender o curso para além do horário da aula.
Como as aulas, ela visa instigar o questionamento, perguntar, estimular a curiosi-
dade, a vontade de saber mais, de investigar e, quem sabe, até de inventar!

A apostila pode (e deve) ser usada como base para interação e construção do sa-
ber, para o debate de ideias e a confrontação amistosa. É mais um material didáti-
co e de apoio para um trabalho colaborativo, para a troca, seguindo as propostas
de grandes filósofos, aqueles que, pelo trabalho duro e o diálogo, contribuíram
para que cada um vivesse de maneira mais consciente, mudando a si e o mundo.
AVISO

Este material é exclusivo para os inscritos no curso Por Uma Vida Bem Vivida, com Clóvis
de Barros Filho, realizado pela Casa do Saber entre junho e julho de 2020. É proibida a
reprodução ou divulgação deste material, parcial ou em sua totalidade, sem autorização
de seus autores. Os direitos autorais são exclusivos da Casa do Saber.

MATERIAL PRODUZIDO POR:


Mario Vitor Santos - Diretor Geral
Guilherme Peres - Curador
Isadora Jardim - Curadora
Danilo Kovacs - Monitor
Denis Fernandes - Design

INSCREVA-SE NOS CANAIS DA CASA DO SABER

CLÓVIS DE BARROS FILHO

Casa do Saber | 2020


CLÓVIS DE BARROS FILHO
Sofrerá aquele que espera do mundo mais do que
ele pode dar, sobretudo quando descobrir que o
problema não é de pobreza do mundo - o mun-
do é infinitamente mais rico do que você poderá
perceber. A pobreza é sua. Pobreza perceptiva.
Pobreza de atribuição de sentido. Pobreza de
interpretação. E assim, claro está que uma certa
reconciliação com o mundo passa pela aceitação
da nossa própria condição de vivente. Reconci-
liação com o mundo que é condição de alguma
graça para a vida. Que você seja idealista e trans-
formador, eu te aplaudo, e me junto a você, mas
algum apreço pelas coisas como elas são tem
que existir

No encerramento da live de número 58, organizada pela Casa do Saber ao longo


do período de isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus,
o professor Clóvis de Barros Filho levantou a questão acima. Intitulado “A Vida
Hoje Vale Mais”, o que à primeira vista pode provocar estranhamento, o encontro
caminhou em direção ao cerne de uma das maiores angústias da existência: o
que é uma vida bem vivida? Acometido de um problema de visão, disse ter duas
alternativas: se revoltar ou tentar enxergar, em meio às sombras, à imprecisão e
aos contornos, a beleza que jamais teria visto se não fosse como é então. É esse,
talvez, o maior desafio da existência. É esse o seu professor neste curso.

Conheça seu professor

Clóvis de Barros Filho é professor livre-docente pela USP, onde também obteve
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

o doutorado em ciência da comunicação. Mestre em ciência política pela Uni-


versidade Paris 3 (Université Sorbonne-Nouvelle), com especializações em direito
constitucional e sociologia do direito, ambas pela Universidade Paris 2 (Université
Panthéon-Assas). É graduado em direito pela USP e em jornalismo pela Facul-
dade Cásper Líbero. Foi pesquisador na Unesco, professor da ECA-USP, ESPM e
Faculdade Cásper Líbero e professor visitante na FGV-SP. É sócio-proprietário do
Espaço Ética, promovendo estudos, encontros e discussões sobre ética, filosofia,
compliance, entre outros.

É autor e co-autor de, entre outros, Reputação: Um Eu Fora De Meu Alcance (com
Luiz Peres-Neto, HarperCollins, 2019), A Monja e o Professor (com Monja Coen,
BestSeller, 2018), O Que Move as Paixões (com Luiz Felipe Pondé, Papirus, 2017),
Felicidade ou Morte (com Leandro Karnal, Papirus, 2016), Somos Todos Canalhas
(com Júlio Pompeu, Casa da Palavra, 2015), Ética e Vergonha na Cara! (com Ma-
rio Sergio Cortella, Papirus, 2014), Devaneios Sobre a Atualidade do Capital (com
Gustavo Dainezi, Sanskrito, 2014), Corrupção: Parceria Degenerativa (com Sérgio
Praça, Papirus, 2014), A Filosofia Explica as Grandes Questões da Humanidade
(com Júlio Pompeu, inspirado em curso da Casa do Saber, Casa da Palavra, 2013),
O Executivo e o Martelo (com Arthur Meucci, HSM, 2013), A Vida Que Vale a Pena
Ser Vivida (também com Arthur Meucci, Vozes, 2010), O habitus na Comunicação
(com Luís Mauro Sá Martino, Paulus, 2003). Escreveu, ainda, Desejo: Inclinações
do corpo, conjecturas da alma (BestSeller, 2020), A Felicidade é Inútil (Citadel,
2019), Deuses Para Clarice (Benvirá, 2018), Shinsetsu: O Poder da Gentileza (Pla-
neta, 2018), Comunicação na Pólis (Vozes, 2004), A Constituição Desejada (Gráfi-
ca do Senado, 1990) e A Política da Constituinte (Instituto Tancredo Neves, 1988).

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QUINTA AUL A

A INTENSA
POTÊNCIA
DE AGIR
ESPINOSA

TAGS: #Ética #Afetos #Epistemologia #Livre-arbítrio #Deus #Natureza


Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Pois o homem submetido aos afetos não está sob seu próprio comando, mas sob o
do acaso, a cujo poder está a tal ponto sujeitado que é, muitas vezes, forçado, ainda
que perceba o que é melhor para si, a fazer, entretanto, o pior.
(Espinosa. Ética. Prefácio à quarta parte, “A servidão humana ou a força dos afetos”. Tradução de Tomaz
Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2010).

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Amsterdã, Países Baixos (1632) – Haia, Países Baixos (1677)
Área do conhecimento:
Racionalismo
Principais obras:
Princípios da Filosofia de Descartes (1663), Tratado Teológico-Político (1670), Ética De-
monstrada à Maneira dos Geômetras (1675)
Conexões:
Goethe, Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer, Nietzsche e Bergson

APRESENTAÇÃO Espinosa acreditava serem ilusórios o


livre-arbítrio e valores absolutos, e seu
Bento de Espinosa teve formação ju- problema filosófico principal era a éti-
daica tradicional no seio de uma fa- ca. Seu projeto foi a busca de algo que
mília de cristãos novos portugueses, possibilitasse uma alegria contínua
mas com 24 anos foi excomungado da originada de um conhecimento verda-
comunidade por conta de suas ideias, deiro (união da mente com a Natureza,
principalmente a respeito de Deus – identificada com Deus em sua obra).
foi um dos primeiros grandes críticos Outras de suas propostas mais impor-
que apontaram as diversas autorias de tantes incluem que Deus só existe no
textos do Antigo Testamento. De todos mundo filosófico e que a alma não é
seus trabalhos, o único assinado com imortal, mas uma ideia do corpo, am-
seu nome foi uma obra de introdução bos diferentes expressões da mesma
a Descartes, único autor citado na sua realidade.
grande obra, Ética.

8
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

O grande fascínio por Espinosa é que ser pessoal, não possui intelecto e nem
tudo é demonstrável à maneira geomé- vontade, ele é uma natureza naturante
trica (herança do projeto cartesiano). que produz uma infinidade de coisas
Embora ele seja o racionalista abso- nele mesmo. A identificação de Deus
luto, a afetividade não desaparece em como Natureza é a base de seu monis-
meio a tanta razão. Espinosa inclusive mo panteísta e de sua cisão com o du-
demonstrou que afetos nascem da ra- alismo de Descartes, que separava cor-
cionalidade. po e alma. Segundo Espinosa, apenas
Deus pode ser substância e as coisas
PRINCIPAIS IDEIAS: finitas são modificações dessa única
ÉTICA, AFETOS E PAIXÕES substância. Nada é independente a ela,
sendo a matéria um dos atributos pelo
Nosso corpo funciona pelas leis da na- qual Deus se expressa – provocando
tureza, mas nossa alma não, e para a efeitos a que ele chamava de natureza
compreensão das causas dos afetos e naturada.
paixões é preciso partir da causa para
o efeito, não o contrário. Quanto mais A prova do monismo, uma das teses
as paixões são racionalmente compre- mais difíceis de Espinosa, é que pro-
endidas, maiores serão as chances de priedades distintas podem constituir
transformá-las em afetos ativos (que um mesmo ser, retomando um proble-
nascem da razão). Qualquer projeto ma clássico da filosofia: a questão de
ético que pretenda abolir as paixões é, identidade e diferença. Nem toda dife-
para Espinosa, uma ignorância comple- rença é oposição e a diferença não im-
ta. É preciso entender como o conheci- plica incompatibilidade, nem tampouco
mento intelectual e os afetos nascidos é ilusória. A natureza naturante e a natu-
dele transformam nossa vida e nossa reza naturada, ou seja, a causa e o efei-
forma de estar no mundo. Ponto im- to, também são aspectos diferentes
portante: o conhecimento por si só não da mesma realidade. Todos os efeitos,
é capaz de transformar o afeto; só um em todos os modos, pela sua própria
afeto maior pode vencer outro afeto. essência, participam da potência cau-
sal que é a natureza. Existir é causar
Toda ética de Espinosa é uma ética da efeitos. Tudo é causa. Esse dinamismo
potência. O fundamento da potência causal estará na base do desejo, para
de todas as coisas é a identificação Espinosa.
entre a substância (Deus) e a substân-
cia causal e inesgotável (potência) que
produz uma infinidade inesgotável de
efeitos. O Deus de Espinosa não é um

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

potência substância naturante


Extensão Pensamento

modos corpos* ideias*2 naturada

Efeitos Efeito

Conjunto de Efeitos - Natureza Naturada

*
com graus de complexidade diferentes. Ideias são maneiras da realidade se manifestar. Não
é só o Homem que têm ideias. Todas as coisas da natureza são animadas em graus diversos.
*2
Nossa alma faz parte de um pensamento universal.

A base de toda a teoria da afetividade mano, seu impulso originário. Somos e,


é que cada efeito participa da potência ao mesmo tempo, possuímos desejo.
divina, infinita, e da qual participamos
de forma finita. A ideia de conatus sig- O afeto, para Espinosa, é algo que faz
nifica a atualização da essência - todas variar a potência do corpo ou da alma
as coisas se esforçam tanto quanto para mais ou para menos. O aumento
podem para perseverar no seu ser. É da potência é a alegria, e a diminuição
um impulso natural de preservação da é a tristeza. Afetos podem ter causas
estrutura e de realização de tudo que adequadas, quando o ser é a causa
essa estrutura torna possível. A potên- (isto é, possui autonomia em relação
cia da natureza como um todo não pos- a outras coisas finitas). Nesse caso, o
sui conatus, mas cada parte do todo afeto é chamado ação. Quando o ser é
sim. A potência da mente, por exemplo, a causa inadequada de um afeto, ele é
é produzir ideias e seu conatus é cha- chamado de paixão. Portanto, afeto ati-
mado de vontade. Já o conatus do cor- vo é ação e afeto passivo é paixão. Um
po é o apetite. Apetite com consciência afeto passivo é a conjunção de causas
é desejo, porém, a consciência apenas interiores e exteriores, e pode tanto
acompanha o apetite, não determinan- ser alegre quanto triste; já o afeto ati-
do ou orientando fundamentalmente vo, como parte da natureza interior (do
o desejo. O desejo é a essência do hu- conatus) e independente do exterior, é

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

sempre alegre. Por mais que tenha fi- com locais definidos; boa disposição e
cado claro que uma paixão triste causa melancolia são alegria e tristeza gene-
uma diminuição do conatus, indireta- ralizadas. Quando existe uma alegria
mente ela pode fazer bem - isto acon- acompanhada da ideia de uma causa
tece quando uma dor corrige um prazer exterior, surge o amor (e da mesma for-
que indiretamente possa prejudicar o ma, no sentido oposto, o ódio). Amor
todo do indivíduo. Como a mente hu- e ódio, na verdade, são para Espinosa
mana tem a capacidade de criar ideias obsessivos e alienantes, e base de to-
cujo conteúdo não depende de causas dos os outros afetos. Por serem afetos
externas, existem afetos que nascem projetados no exterior, imagina-se que
do conhecimento verdadeiro e intelec- o objeto ou pessoa seja a causa úni-
tual. É, portanto, o conhecimento ina- ca da alegria ou do ódio, levando cada
dequado (passivo) que gera paixões. um a querer, a todo custo, sustentar
Daí que, para Espinosa existem afetos ou destruir essa causa. A ideia de que
racionais, podendo se falar em desejos a imaginação tem uma interpretação
racionais e passionais. equivocada do mundo vale também
para o equívoco de que o objeto do de-
Sentimentos cotidianos se encaixam sejo é em si bom ou mau. São ilusões
nessa mesma dinâmica: Dor e prazer naturais da própria consciência que de-
são, respectivamente, tristeza e alegria vem ser corrigidas pela razão.

(O Deus de Espinosa)

11
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

relação gera estruturas de superstição


PRINCIPAIS IDEIAS: e dominação política. O simples fato
O LIVRE-ARBÍTRIO E A de imaginar alguém semelhante a mim
MORAL tende a fazer com que eu sinta algo
que ela sente, gerando um impulso de
Mesmo sua visão sobre si mesmo en- sociabilidade. Por outro lado, este im-
tra em questão: há nela a imaginação pulso também gera tensões e desejos.
de como os outros veem você e, por- Quando o objeto de desejo não pode ser
tanto, é, muitas vezes, um afeto inade- possuído por todos, surgem conflitos.
quado. O vínculo com causas exterio- Neste contexto, assim como existem
res ameaça nos colocar sob domínio alimentos tóxicos, também existem
alheio. Ou o livre-arbítrio, por exemplo, ideias tóxicas. E se valores são relati-
que depende da contingência: imagi- vos - o que é bom ou ruim para você
nar coisas a partir de possibilidades não necessariamente será para outro -
aumenta exponencialmente a intensi- o percurso ético consiste em se tornar
dade das paixões. Há tantas formas cada vez mais ativo e menos passivo.
de amor e ódio quanto há tipos de ob-
jetos. A razão é um conhecimento uni-
versal, mas indivíduos são singulares.
Todos fomos crianças antes de ser-
mos adultos, ou seja, recebemos pas-
sivamente uma série de preceitos por
sermos dependentes corporalmente e
intelectualmente, criando preconceitos
que são difíceis de serem quebrados.
Ao compreender os motivos de as pai-
xões poderem ser obsessivas, alienan-
tes e mais fortes do que nós, é possível
perceber os limites do que é possível
controlar. Fique em paz: o controle ab-
soluto é uma ilusão. A esperança, por
exemplo, é uma alegria ligada a ideia
de algo que nós não sabemos se acon-
teceu ou vai acontecer, assim como o
medo. É constitutivo da esperança o
medo de algo acontecer ou não, e vice-
-versa. Segundo Espinosa, esse tipo de

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

EXERCÍCIO
Experimente, ao longo da semana, listar as ações e encontros que aumentaram
ou diminuíram sua potência. Reflita por que eles tiveram esse efeito em você e se
ou de que maneiras você pode mudar sua percepção a respeito dos afetos nega-
tivos. Se houver algo que você possa fazer, tente agir sobre ao menos um destes
itens e complemente sua reflexão anterior..

GLOSSÁRIO
Deus: substância infinitamente infinita, geradora de todas as coisas. Tudo na na-
tureza provém e é parte de Deus. Sua existência é comprovável pelo fato de o
homem possuir a ideia de Deus - mesmo ideias são fruto de sua essência.
Conatus: a força de perseverança dos seres vivos; essência do ser e impulso das
manifestações de seus atributos e potências
Livre-arbítrio: para Espinosa é uma ilusão. Pensamos agir livremente, mas a men-
te, finita, age a partir de outras causas finitas que muitas vezes desconhecemos.
Afetos: causas externas que agem em relação ao conatus, aumentando ou dimi-
nuindo a potência de agir.

Vídeos
O QUE É O AFETO? UMA VISÃO A PARTIR DE SPINOZA
LUÍS MAURO SÁ MARTINO
https://www.youtube.com/watch?v=0OCrnnV518s

A CAUSA DE SI E DE TODAS AS COISAS


Fernando Dias Andrade
https://www.youtube.com/watch?v=qiyu8yNeF0s&t=222s

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NIETZSCHE
(Friedrich Nietzsche.)

TAGS: #Individualismo #VontadeDePotência #EternoRetorno #Niilismo


#AlémDoHomem
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

“Puseste nessas paixões o teu objetivo mais elevado; então passaram a ser tuas
virtudes e alegrias.”
(Friedrich Nietzsche em Assim falou Zaratustra)

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Prússia, 1844 — Weimar, 1900 Weimar
Área do conhecimento:
Perspectivismo – visão filosófica o conhecimento de qualquer realidade pode ser feito a
partir de diferentes perspectivas e todas elas com uma justificativa, onde cada indivíduo
tem sua própria representação do mundo.
Principais Obras:
Assim Falou Zaratustra (1885), A Gaia Ciência (1882), Além do Bem e do Mal (1886), Huma-
no Demasiado Humano (1878).
conexões:
Schopenhauer, Hegel, Goethe, Espinosa, Dostoiévski

APRESENTAÇÃO humana, pautada na contingência. No


pensamento do autor, são inexisten-
Friedrich Wilhelm Nietzsche é um dos tes algumas categorias fundamentais
mais importantes e controversos pen- como a alma, Deus e um sentido à vida
sadores do final do século 19, sendo humana, de forma que o mundo concre-
também um dos principais expoentes to seria a única categoria de realidade.
para a sociedade atual ocidental e para Portanto, passa a refletir de que forma
os estudos da filosofia contemporânea. seria possível se atingir uma vida plena
Nietzsche acreditava que a principal fun- sem estas categorias tão fixadas na vida
ção da filosofia seria esclarecer aos indi- do homem, como a cultura (sobretudo a
víduos como se tornarem quem de fato cultura ocidental) a religião e a moral.
são, em um mundo sem um Deus e sem
sentidos preestabelecidos. “Deus está morto! Deus permanece mor-
to! E quem o matou fomos nós! Como
Os valores, portanto, seriam socialmen- haveremos de nos consolar, nós os al-
te e historicamente uma construção gozes dos algozes? O que o mundo pos-

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

suiu, até agora, de mais sagrado e mais a busca constante de uma implemen-
poderoso sucumbiu exangue aos golpes tação, de dominar e dar sentido aos
das nossas lâminas. Quem nos limpará acontecimentos e objetos ao redor,
desse sangue?” (Nietzsche, em A Gaia uma constante forma de se expandir.
Ciência) Estas forças podem ser divididas entre
as forças ativas - que existem por si só
PRINCIPAIS IDEIAS: no mundo -, e as forças reativas -que
A MORAL, SUA SUPERAÇÃO E se dão em forma de oposição a uma
A VONTADE DE POTÊNCIA força preexistente. Como a vontade de
potência em si não é nem boa e nem
Ao longo de sua vasta obra, estas ca- má, e como bem e mal são categoriais
tegorias postuladas do pensamento e mutáveis, seria preciso superar a passi-
da cultura ocidental são colocadas em vidade em direção a um niilismo ativo
xeque, uma vez que para Nietzsche a - a transvaloração de todos os valores
civilização foi formada pela imposição - redirecionando esta força vital para a
dos mais fortes sobre os mais fracos, destruição da moral. Em outras pala-
por sábios e líderes que se destacaram vras, é preciso fazer surgir, a golpes de
na mobilização de grupos e de coleti- martelo, um espírito verdadeiramente
vos; e que figuras moralistas forjaram livre das amarras morais, um além-do-
valores e crenças que, de certa forma, -homem.
nos impedem de encontrar nossos pró-
prios valores individuais. “Quando falamos de valores, falamos
sob a inspiração, sob a ótica da vida: a
Haveria, sem Deus, uma força vital que vida mesma nos obriga a instaurar valo-
compõe o mundo. Essa vontade de res, a vida mesma valora através de nós
potência, configura em si o motivo da quando instauramos valores”. (Nietzs-
sobrevivência das espécies, da supera- che, em Crepúsculo dos Ídolos)
ção dos homens sobre os animais não
racionais, sendo um modo de se com- PRINCIPAIS IDEIAS:
portar de algo que não possui em si um O ETERNO-RETORNO
sentido, uma essência. “O mundo visto
de dentro, o mundo determinado por Outro conceito igualmente importan-
seu ‘caráter inteligível’ – seria justamen- te de Nietzsche que foi trabalhado ao
te ‘vontade de potência’, e nada mais”. longo de suas obras, mais especifica-
(Nietzsche, em Além do Bem e do Mal) mente em Assim Falava Zaratustra,
seria o conceito do eterno-retorno, em
A vontade de potência, portanto, seria que Nietzsche propõe um convite à

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

imanência (algo que tem em si próprio suprema de afirmação a que se pode


o seu princípio e fim) como uma alter- chegar. Aceitar a imposição desta “roda
nativa para se superar o niilismo que que continua rodando por si mesma”
elimina a vontade de potência. Já que como parte integrante da existência hu-
a morte de Deus está posta, seria ne- mana e aceitar suas eventuais conse-
cessário combater a desvalorização de quências, em uma forma de se firmar e
todos os valores e voltar o foco para as afirmar a vida autêntica.
questões realmente importantes como
a própria noção de realidade e a pas-
sagem da vida no tempo. Desta forma,
o eterno-retorno seria o estabelecimen-
to de uma relação imbricada entre o
instante e a eternidade, uma fórmula

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

GLOSSÁRIO
Vontade de potência: para Nietzsche, o mundo e todos nós somos uma maré de po-
tência oscilando entre a criação e a destruição, um movimento cego, que não conhece
saciedade ou cansaço, fadados a repetir estas manifestações ao longo da eternidade.
Niilismo: a história - e, portanto, a existência humana - não possui um sentido último,
ou um destino a ser atingido. A consciência é mais um dos acasos surgidos na maré
do tempo e, quando ela desaparecer, nenhum valor absoluto (todos historicamente
criados e situados) originado dela permanecerá. Essa questão deve ser enfrentada,
não evitada.
Eterno retorno: já que a existência não tem sentido último, tudo que existe está inse-
rido na lógica de um vir-a-ser eterno, em que cada acontecimento possível anuncia
outros acontecimentos que se repetem indefinidamente. Tudo, portanto, já estaria
anunciado para acontecer, já que a lógica de tudo que existe é um movimento que vai
da criação para a destruição e de volta novamente.
Amor fati: espécie de resposta ao eterno retorno, seria uma postura afirmativa da
vida e de aceitação da imanência. Sua vida é uma afirmação de sua potência, ou,
por medo das consequências, uma negação? Você aceitaria repetir tudo novamente,
indefinidas vezes? Aprender a amar o destino é superar os ressentimentos e viver
de forma genuína, e implica uma existência que afirme essa vida também de forma
genuína.
Transvaloração: valores morais, por serem relativos e historicamente construídos,
manifestam-se como imposições, frequentemente aceitas passivamente pelo medo
da imoralidade, e que deveriam ser questionadas e/ou subvertidas.
Além-do-homem: a forma humana e utópica de Nietzsche que haveria ultrapassado
não apenas o niilismo, mas todos os grilhões que a cultura e as superstições teriam
colocado no trono de Deus após sua morte ter sido decretada. O além-do-homem te-
ria feito a transvaloração dos valores e sobrevivido, tornando-se imune a toda sorte de
crenças, moral, leis e valores, existindo de forma pura na afirmação de sua potência.

Vídeos
O ETERNO RETORNO E O ALÉM-DO-HOMEM
OSWALDO GIACOIA JUNIOR
https://www.youtube.com/watch?v=qDAHX8KnFz0

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SEXTA AUL A

ÉTICA,
OU A VIDA
COMPARTILHADA
HOBBES
(Retrato de Thomas Hobbes.)

TAGS: #FilosofiaPolítica #Contratualismo #Mecanicismo #Medo


#EstadoHobessiano
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A Destruição de Leviatã - gravura de Gustave Doré (1865)

Um homem para outro é como um lobo e não um homem, quando ele não sabe de
que tipo ele é.
(Thomas Hobbes em O Leviatã)

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Wiltshire, Inglaterra (1588) - Hardwick Hall, Inglaterra (1679)
Área do conhecimento:
Contratualismo – teorias filosóficas e políticas que tentam explicar os caminhos que levam
as pessoas a formar governos e manter a ordem social.
Principais Obras:
Leviatã (1651), Do Cidadão (1642), Elementos da lei natural e política (1650).
Conexões:
Francis Bacon, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Euclides de Alexandria

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APRESENTAÇÃO saber e fazer humano na sua imitação


da natureza. Para Hobbes, a vida é o mo-
Ao tratarmos do Estado moderno e vimento dos membros do corpo organi-
das concepções e formações sociais, zado que se origina numa parte interna,
é impossível não abordar os teóricos isto é, nada mais do que o resultado de
intitulados contratualistas - entre eles, uma espécie de fricção da matéria entre
Thomas Hobbes. Sua obra aborda suas partículas e o vazio. Assim, é pos-
questões tanto da natureza individual sível afirmar que os autômatos, máqui-
humana, como também da formação nas que se governam a si próprias, pos-
de uma rede social complexa e interli- suem vida artificial. A definição se dá por
gada. Hobbes vivenciou momentos his- Hobbes através da comparação entre
tóricos importantes que incentivaram a corpo humano e máquina: o coração é
formação de seu pensamento, como a uma mola, os nervos são as cordas e as
Guerra Civil Inglesa entre 1642 e 1651, juntas são as rodas. O Leviatã, o Estado,
as ideias científicas que movimenta- é um organismo autômato construído
ram o Renascimento Europeu (devido exatamente à base e semelhança do
suas aproximações com Francis Ba- corpo humano: possui coração/alma,
con), a decadência da metafísica e a que equivale à soberania, um sistema
consolidação do pensamento empiris- nervoso (poder legislativo) e um sistema
ta e materialista. motor (poder subalterno).

Em “Leviatã”, sua principal obra, Hobbes Para Hobbes, um homem só se impõe a


faz uma reflexão sobre as questões da outro por meio do uso da força e da im-
natureza dos homens, da liberdade e, posição. Sem a articulação da socieda-
sobretudo, do contrato social. O mons- de, as relações humanas se fundamen-
tro mitológico que aparece pela primei- tariam na desconfiança, uma vez que a
ra vez no livro de Jó representando a in- vida isolada seria limitada, pobre, violen-
veja foi usado como uma analogia para ta. O estado de natureza se resumiria,
o Estado imperativo hobbesiano. então, numa forma de conflito de “todos
contra todos”. O homem se diferencia de
PRINCIPAIS IDEIAS: outros animais pela sua capacidade de
O ESTADO COMO LEVIATÃ raciocínio, pela sua capacidade de sentir
medo e de se articular, pela motivação
O Leviatã, representação do Estado, de saber o como e o porquê das coisas.
é um animal mítico, um modelo expli- Ao tratar a liberdade humana como au-
cativo utilizado por Hobbes. A palavra sência de atrito, Hobbes levanta a hipó-
artificial, aqui, é utilizada no sentido do tese de que limites são estabelecidos

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pela própria imposição do medo. Vai se ditar as regras sociais: para ele, é neces-
desenhando aí a figura do Estado. sário um poder comum que seja capaz
de fazer as pessoas respeitarem umas
PRINCIPAIS IDEIAS: às outras – e a expressão mais direta
O CONTRATO SOCIAL deste poder seria a polícia, mas ele tam-
bém poderia se manifestar através da
O Estado seria responsável por mediar interiorização das normas de controle
a liberdade, por permitir que estes mo- social defendidas pelo Estado. Sem um
vimentos sem atrito aconteçam, sem in- poder controlador, viveríamos, segundo
terrupções ou perturbações para todos ele, em um estado de guerra de todos
os sujeitos da sociedade. Em vista disso, contra todos, em que cada um estaria
é preciso suprimir a liberdade absoluta entregue a si mesmo. Isso se daria na
em prol da união e constituição de um medida em que haveria dois elementos
“contrato socia”l, para uma manutenção causadores de guerras: a ambição pelo
harmoniosa da ordem em uma socieda- que é do outro e a defesa preventiva. A
de civil organizada. Além de garantir o sensação de desproteção causada pela
direito à liberdade para todos, o Estado ausência de um Estado faria, portanto,
seria responsável também por garantir que todos se sentissem ameaçados e,
o direito à vida, possível apenas ao não sendo assim, todos se atacariam para
permitir que aflore o estado de natureza evitar serem atacados. Hobbes defendia
de todos contra todos. Nasce, portan- um Estado absoluto porque, segundo
to, a ideia do monopólio da violência na ele, um Estado não absoluto, que pudes-
forma de um estado centralizador. Este se ser regido pelo povo, sofreria cons-
Estado concentraria em si toda a socie- tantes sublevações; além disso, o poder
dade, o território, o comércio, formando seria algo tão importante e perigoso que
assim o corpo político, a coisa pública. é de fundamental importância que a pes-
Este posicionamento a época fora mui- soa no poder fosse uma pessoa capaci-
to controverso, uma vez que o poder tada.
real era posto por uma categoria divina,
como uma imposição da vontade de PRINCIPAIS IDEIAS:
Deus. O contrato é a troca de sua liber- O SOBERANO E A FUNÇÃO DO
dade pela sua segurança. ESTADO

O fato de Hobbes defender um Estado Ainda que, após anos de experiência de-
absoluto provinha de sua crença de que mocrática, tenhamos visto que um Es-
o homem, por natureza, vive em estado tado não precisa, necessariamente, ser
de guerra se não houver um Estado para todo-poderoso para que a ordem de uma

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sociedade seja relativamente mantida e (Thomas Hobbes em Leviatã)


para que não se chegue ao caos, o pen-
samento de Hobbes ainda é capaz de
colocar questões relevantes: é possível
confiar nos seres humanos sem a inter-
ferência externa de um Estado ou seriam
a confiança e o relacionamento com o
outro apenas possíveis sob a proteção
e o ordenamento de um poder comum?

O Leviatã é um deus mortal. O soberano


é, em última instância, o poder fundado
em uma relação essencialmente contra-
tual. O soberano é a quem se atribui o
poder absoluto com vistas a três objeti-
vos principais: a prosperidade (riqueza), o (Do cidadão - Liberdade, Império, Religião; Tho-
mas Hobbes, 1642)
bem-estar do povo (a saúde pública) e a
justiça (as leis). Portanto, a instituição do
Estado existe como força em termos do
asseguramento de objetivos e em termos
de memória (razão/vontade).

“(...) esse grande Leviatã que se denomina


coisa pública ou Estado (Commonwealth) ...
o qual não é mais do que um homem arti-
ficial, embora de estatura muito mais eleva-
da e de força muito maior que a do homem
natural, para cuja proteção e defesa foi ima-
ginado. Nele, a soberania é uma alma artifi-
cial,pois que dá a vida e o movimento a todo
corpo... A recompensa e o castigo... são os
seus nervos. A opulência e as riquezas de to-
dos os particulares, a sua força. Salus populi,
a salvação do povo, e a sua função... a equi-
dade e as leis são para ele razão e vontade
(Imagem de capa da primeira edição de Leviatã. Note
artificiais. A concórdia é a sua saúde, a sedi-
como o corpo do soberano, ao topo, é composto por
ção sua doença, e a guerra civil sua morte.” outro corpos minúsculos - a sociedade.)

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

GLOSSÁRIO
Estado de natureza: para Hobbes, a autoridade política é artificial. A única naturalida-
de que existe é a possibilidade de dominação dos mais fracos pelos mais fortes. Seu
pensamento, ainda que datado por acreditar que esta condição existiria em socieda-
des ditas “primitivas”, possibilita que esta condição aflore em qualquer momento no
qual o poder estabelecido é minado e a autoridade se desfaz. O estado natural do ser
humano seria, portanto, de conflito permanente, seja pela garantia de necessidades
básicas, medo ou glória.
Contrato social: forma proposta por Hobbes de atenuar e suprimir o estado de natu-
reza. Por meio de um acordo tácito, o soberano deteria o monopólio da violência a fim
de garantir a segurança daqueles que seguem as leis, bem como a punição de quem
não a segue. Em troca, cidadãos abririam mão de seus “direitos naturais” de garantir
a própria sobrevivência pelos meios que julgassem necessários, além da limitação de
sua liberdade em prol de uma coexistência pacífica.
Soberano: o detentor do direito de julgar e punir. A grande questão está em torno de
sua autoridade, fundada nesta “promessa” de os cidadãos cumprirem sua parte no
contrato. Esta fragilidade é sustentada por Hobbes em torno da religião, que estimu-
laria um desenvolvimento moral dos indivíduos, coagindo-os à obediência das leis.

Vídeo
POLITICAL THEORY - Thomas Hobbes
https://youtu.be/9i4jb5XBX5s

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MARX
(Karl Marx)

TAGS: #Trabalho #Revolução #Proletariado #Burguesia #Comunismo


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De cada um, de acordo com suas habilidades, a cada um, de acordo com suas
necessidades. (Crítica ao programa de Gotha)

A história de todas as sociedades existentes é a história da luta de classes.


(Manifesto do Partido Comunista)

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Tréveris, Prússia (1818) - Londres, Reino Unido (1883)
Área do conhecimento:
Sociologia e Economia
Principais Obras:
A Ideologia Alemã (1846); Manifesto do Partido Comunista (1848); O Capital (1867-1883)
conexões:
Kant, Hegel, Saint-Simon, Proudhon.

APRESENTAÇÃO longa sucessão de conflitos entre gru-


pos hierarquicamente distintos, como
Karl Marx foi, com certeza, um dos mestres e escravos; lordes medievais
mais influentes pensadores contempo- e servos; trabalhadores e patrões, e
râneos. O autor “dividiu” o mundo em concluiu o conflito iminente que se per-
dois durante o século 20, além de ter petuava durante a história das socieda-
desenvolvido teorias sem as quais se des.
tornou impossível pensar as ciências
sociais. Marx se dedicou a entender PRINCIPAIS IDEIAS:
por que o sistema capitalista possui MANIFESTO DO PARTIDO CO-
contradições em sua origem e de que MUNISTA
maneiras tais contradições o tornam
insustentável. O “Manifesto do Partido Comunista”,
de 1848, financiado e escrito conjun-
Marx desenvolveu sua teoria através do tamente pelo filósofo alemão Friedrich
pensamento de que a “história de todas Engels, é um breve texto de mais ou
as sociedades existentes é a história menos 40 páginas que explicava mi-
da luta de classes”. O autor observou a nuciosamente os ideais comunistas de

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sociedade, criticando o monopólio dos CLASSES


meios de produção e de propriedade
privada e a dominação eclesiástica Para Marx, a infraestrutura dos meios
de produção seria formada por suas
As palavras de Marx e Engels ficaram relações técnicas e sociais. Por rela-
marcadas como um divisor de águas ções sociais, Marx entendia a relação
no pensamento ocidental - o Manifesto entre o dominador, aquele que detém
possuía caráter panfletário e era entre- os meios de produção, e o dominado,
gue nas portas das fábricas aos traba- sendo a forma como esta relação se
lhadores. Os autores procuravam expli- dá a verdadeira diferença entre os di-
car os valores e intenções dos planos versos modos de produção. Já a su-
políticos do comunismo, um ideal até perestrutura seria composta pelo con-
então desenvolvido e aperfeiçoado por junto de instituições que também são
grupos socialistas alemães radicais. importantes para uma sociedade, além
da economia: como a política, a religião
O texto do Manifesto do Partido Comu- ou a ordem jurídica. A base econômica,
nista alegava que a sociedade havia a infraestrutura, é que determina como
sido reduzida aos conflitos entre a bur- a superestrutura é organizada. Assim, é
guesia - detentora dos meios de produ- o ser social que determina a consciên-
ção e, portanto, do capital - e o prole- cia de uma pessoa, e não a consciência
tariado - os trabalhadores. Segundo os que determina o ser social, visão con-
autores, o proletariado das fábricas, a trária à apresentada por Hegel.
partir de um processo de tomada de
consciência de classe, deveria se unir A luta de classes é outro elemento fun-
enquanto grupo político coeso para damental no pensamento do autor. Ela
revolucionar o sistema econômico e é o motor de mudança de um modo
social: de produção para outro. Com o desa-
parecimento das classes sociais, ou
Os proletários nada mais têm a perder seja, com a supressão deste motor e,
com ela [a Revolução Comunista] do portanto, de novas mudanças, a huma-
que seus grilhões. Têm, sim, nidade chegaria ao que ele chama de
um mundo a ganhar. “fim da História”. Esta etapa seria divi-
Trabalhadores do mundo todo: dida em duas partes: a do socialismo,
Uni-vos! ainda uma fase de revolução em que
haveria uma resistência capitalista e
PRINCIPAIS IDEIAS: que deveria ser combatida com uma
A BURGUESIA E A LUTA DE ditadura do proletariado; e, enfim, uma

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

fase comunista, em que a resistência exemplo, representava uma proporção


seria vencida e o Estado (segundo ele, muito menor da economia. Já no capi-
mero comitê executivo às ordens da talismo, a própria capacidade de traba-
burguesia) deixaria de existir. Findas lho torna-se objeto de compra e venda,
as classes sociais e criado um novo e o trabalhador é, então, duplamente li-
meio social, surgiria o “homem novo”: vre: no sentido de poder dispor de suas
um homem sem as ambições incita- horas livres como bem entender, mas
das pelo meio capitalista. Este homem também de maneira negativa, livre da
trabalharia menos, pois não visaria à posse dos meios de produção.
acumulação de bens, e a produtividade
avançaria cada vez mais. Seria a volta A perspectiva marxista atribui ao Esta-
à sociedade primeira, ao comunismo do uma dupla funcionalidade: técnica
primitivo, mas com os avanços tecno- (gerencial) e de dominação política.
lógicos e outras vantagens da vida mo- Isso se dá pela postura de gestor do
derna. trabalho, papel atribuído ao Estado em
razão da distância entre as classes;
A palavra burguesia é derivada do fran- quanto maior o abismo social entre a
cês “burgeois”, e refere-se ao indivíduo classe dominante e a classe operária,
proprietário de negócios, que ascendeu maior a necessidade de um elemento
socialmente e dirige seu próprio empre- de vigilância. Segundo Lênin, o Estado
endimento. Segundo Marx, a burguesia é “o produto e a manifestação do cará-
se instala como classe, não somente ter irreconciliável das contradições de
pela semelhança sobre a detenção dos classe”, sendo um momento avançado
meios de produção, mas também pelo da luta de classes. O pensamento mar-
compartilhamento de uma série de ide- xiano corrobora com tal afirmação ao
ais e valores. estabelecer que, quanto mais acirrado
o desenvolvimento das lutas de classe,
PRINCIPAIS IDEIAS: mais o Estado se posiciona para man-
O CAPITALISMO, O ESTADO, A ter a dominação de uma classe sobre
IDEOLOGIA E O TRABALHO a outra.

Para Marx, uma das características


que diferenciam o capitalismo dos ou-
tros modos de produção é o fato de
que nele a mercadoria atinge seu má-
ximo de desenvolvimento. O comércio
sempre existiu, mas no feudalismo, por

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

(O Manifesto do Partido Comunista, 1848, edição original)

GLOSSÁRIO
Materialismo histórico: método de estudo e interpretação da história, economia e
das sociedades colocado em prática por Marx e Engels. A premissa de Hegel de que
a consciência e as ideias ditariam o rumo da história e da humanidade é invertido: na
verdade, a consciência e as ideias é que são influenciadas pelos acontecimentos his-
tóricos - essencialmente pela luta entre opressores e oprimidos. Daí seu nome “mate-
rialista”, já que todos os movimentos estão ligados às relações humanas - sobretudo
de exploração e enriquecimento -, não a algo superior ou metafísico.
Ideologia: para Marx é um ocultamento do real, ideias que deturpam a percepção
sobre a verdadeira forma pelas quais as relações de exploração acontecem. A ideolo-
gia seria uma “falsa consciência”, fruto da divisão entre trabalho intelectual e manual
e produzida a fim de sustentar e reproduzir os meios de dominação de uma classe
sobre outra.
Mais-valia: há variáveis que compõem o restante do percurso entre o custo de produ-
ção de uma mercadoria e o preço pelo qual ela é vendida: o custo da matéria-prima, o
valor de uso e também o valor do trabalho empregado em sua produção. A fim de que

30
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

o detentor dos meios de produção tenha lucro, o trabalho é explorado, fazendo com
que seja produzido um excesso e possibilitando a acumulação de capital.
Alienação: gerada em função da mercadoria (a produção decorrente do trabalho) e
do lucro (a exploração do trabalho sem retorno ao trabalhador). Produção e consumo
dependem um do outro e se retroalimentam - cada mercadoria produzida vira uma
mercadoria a ser consumida, situação em que o explorado se torna também explo-
rador da força do trabalho. A alienação se manifesta sempre em que há relações
pautadas pelo capital.

(Karl Marx e Friedrich Engels, monumento em Berlim)

Vídeos
Por que ler Marx? | Clóvis de Barros Filho
https://www.youtube.com/watch?v=m93ihi0DIgE

As principais escolas de pensamento econômico: Clássica | Julio


Pires
https://www.youtube.com/watch?v=M4WcIHvtWPY

QUEM SOMOS NÓS I Especial 200 Anos de Karl Marx


https://www.youtube.com/watch?v=O8RKM3lilyk

31
DURKHEIM

TAGS: #Sociologia #FilosofiaDoPensamento #MétodoSociológico


#FatoSocial #Solidariedade
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Épinal, França (1858) - Paris, França (1917)
Área do conhecimento:
Sociologia
Principais Obras:
Da divisão do trabalho social (1893); Regras do método sociológico (1895); O suicídio (1897),
As formas elementares da vida religiosa (1912).
conexões:
Marcel Mauss

APRESENTAÇÃO francesa. O autor não foi o primeiro


sociólogo na França, mas inovou ao se
Considerado um dos fundadores da so- dedicar ao estabelecimento da socio-
ciologia - junto com Max Weber e Karl logia como uma disciplina autônoma
Marx -, Émile Durkheim foi também um e distinta de outras ciências sociais,
dos maiores defensores da ideia de como a psicologia e a filosofia. Em
que o desenvolvimento da ciência so- 1890 fundou o primeiro departamento
ciológica fosse não somente baseado da ciência social da Universidade de
em teorias, mas também em método. Bordeaux.
Profundamente preocupado com a
aceitação da sociologia como ciência PRINCIPAIS IDEIAS:
legítima, teorizou sobre como as repre- A SOCIOLOGIA
sentações coletivas são construídas
em meio ao desenvolvimento de uma Durante sua atuação acadêmica e
sociedade e, por meio de métodos produção teórica, Durkheim optou por
científicos, elaborou uma série de es- analisar os diversos temas cotidianos
tudos que explicaram o funcionamento da sociedade europeia sob a perspec-
da vida dos indivíduos em sociedade. tiva sociológica. A família, as religi-
ões, a solidariedade social, o suicídio,
Sociólogo, antropólogo, cientista polí- a sociologia criminal, o socialismo e
tico e filósofo francês, Durkheim pode a educação foram alguns dos obje-
ser considerado, também o pai da so- tos sociológicos estudados por ele.
ciologia - foi um dos principais, se não
o principal, fundadores da sociologia Dois dos pensadores mais influentes na

33
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

obra de Émile Durkheim foram Auguste


Comte e Herbert Spencer. Durkheim foi Todo sistema religioso é um con-
influenciado pelo positivismo de Comte, junto de práticas e sistemas e, para
bem como pela sua abordagem cientí- Durkheim, a religião também deve ser
fica e tecnicista da humanidade. A par- analisada como objeto do estudo so-
tir da lógica positiva, Comte aplicava a cial. Em “As Formas Elementares da
metodologia das ciências puras para Vida Religiosa” (1912), o autor busca
o estudo das sociedades humanas. o aspecto que seria essencial e per-
manente nas sociedades para analisar
Para Émile Durkheim, o dever do soci- suas representações coletivas e os
ólogo é buscar a instância objetiva da comportamentos comuns a todas elas.
realidade, analisando as representa-
ções coletivas do meio social, e não Em “As Regras do Método Sociológico”
os casos específicos e individuais. É , de 1895, o autor apresenta o concei-
preciso tratar os fatos sociais como to denominado “fato social”, definido
coisas, objetos, e observá-los objeti- como o principal objeto de estudo da
vamente a partir do método científico. sociologia. O termo engloba aconte-
cimentos, maneiras de agir, pensar e
Segundo Émile Durkheim, o indivíduo na sentir que ocorrem com regularidade e
realidade é um ser duplo, tanto individu- generalidade dentro de uma ou mais so-
al quanto social. Para ele, as relações ciedades. É também exterior ao indiví-
entre os sujeitos de uma mesma socie- duo - ou seja, pertence à sociedade - e é
dade definem todos os comportamen- dotado de um poder de coerção social.
tos sociais. Em suma, Durkheim afirma
que “apenas o social explica o socia”l, O poder coercitivo do fato social con-
uma vez que os comportamentos hu- siste em pensamentos comuns à
manos são criados, transformados e maioria dos indivíduos de um grupo/
establecidos exclusivamente no meio sociedade. Estes são obrigados a se-
social. As “representações coletivas”, guir padrões e regras determinados por
produtos de uma imensa cooperação seu meio social, baseados numa moral
que se estende não apenas no espaço, vigente. As forças coercitivas sociais
mas no tempo, são as manifestações parecem agressivas àqueles que se
sociais analisadas por Durkheim. voltam contra elas, fazendo com que
estes indivíduos sejam excluídos da so-
PRINCIPAIS IDEIAS: ciedade por não seguirem os padrões
RELIGIÃO, FATO SOCIAL E O por ela impostos. Segundo Durkheim,
OBJETO SOCIOLÓGICO até mesmos nossas vontades mais ín-

34
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

timas são moldadas pela vontade so- do estabelecimento de algumas práti-


cial, uma vez que desde o nascimento cas e representam os anseios morais
somos educados e ensinados a obede- dos cidadãos. Em suma, a sociedade
cer este conjunto de regras “gerais”. As em nós permanece mesmo contra nos-
leis, que também são reflexos do pen- sas vontades, sendo algo intrínseco à
samento comum, são criadas a partir existência do homem.

Objeto de estudo
da Sociologia

FATO SOCIAL

Externo
Geral Coercitivo

Os fatos sociais
Os fatos sociais são devem ser exteriores É o poder ou a força
coletivos e não indivi- ao indivíduo, ou seja, que os padrões da
duais. Atingem toda a já estão organizados cultura de uma
sociedade e enraizados na determinada socie-
sociedade antes de seu dade são impostos
nascimento. aos integrantes.

O Fato Social leva os indivíduos a cumprirem padrões culturais e sociais que nem sempre estão
de acordo, mas que são convenções pré-estabelecidas pela sociedade em que vivem. Fatos
sociais podem ser desde o simples ato de tomar banho diariamente até o ato do suicídio, uma
ação que, ao mesmo tempo que não é desejada pelo todo, tragicamente acontece em todos os
grupos sociais. Pensando nessa questão, em 1897, Emilé Durkheim escreve o livro “O Suicídio”.

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

PRINCIPAIS IDEIAS: como um dos principais pensadores


O TRABALHO E A VIDA EM sobre o tema. Para ele, observar os
SOCIEDADE comportamentos daqueles à nossa
volta é fundamental para entender his-
Em “Da Divisão do Trabalho Social”, de tórica e sociologicamente as razões
1893, o autor elabora uma classifica- que levaram a nossa sociedade a ser
ção para as sociedades, e toma como como é. Em suma, o autor dedicou
principal critério a observação dos seus estudos à análise de regras e fa-
graus de interação/solidariedade en- tos universais e como estes interferem
tre os indivíduos. Estas solidariedades diretamente na esfera individual do
estão divididas em duas: orgânicas e sujeito. A coerção social, seja no meio
mecânicas. social que for, será a base de todas as
decisões do indivíduo, desde seu nasci-
A solidariedade mecânica consiste nas mento, até sua morte.
semelhanças entre os sujeitos, seja de-
vido à simplicidade de suas relações
ou do quase nulo contato com outros
povos. Os indivíduos, a partir da ótica
de Durkheim, seriam bastante “pareci-
dos”, tendo o sentimento coletivo como
próprio. O exemplo que o autor fornece
para a solidariedade mecânica é o das
sociedades tidas como “arcaicas’.
Já a solidariedade orgânica se expres-
sa pelas diferenças que a moderna divi-
são do trabalho proporciona entre seus
indivíduos, gerando uma sociedade de
pessoas com diferentes funções, mas
de igual importância para a vida cole-
tiva. Desta forma, cria-se uma depen-
dência do indivíduo ao corpo social, já
que ele necessita do trabalho do outro
enquanto deve também contribuir para
o funcionamento da sociedade.

Quando falamos de vida em compar-


tilhada, Émile Durkheim se apresenta

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

GLOSSÁRIO
Fato social: existem externamente ao indivíduo e independentemente de nossa cons-
ciência sobre sua existência ou autonomia. Por serem externos, não podem ser mo-
dificados simplesmente pela vontade. São fatos objetivos - regras, valores e conven-
ções - que influenciam a forma de pensar e existir dos indivíduos de uma sociedade,
obrigando-os a se adequarem às normas vigentes.
Coerção social: fator fundamental para o funcionamento da sociedade (em conjun-
to com a coesão social). A coerção é tão mais eficiente quanto mais imperceptível
for, tornando-se hábito (como, por exemplo, a educação). A coerção é exercida pelos
fatos sociais e Durkheim diz que não só podem ser transgredida como, em alguns
casos, deve.
Coesão social: o que mantém um grupo social unido e em funcionamento dentro de
uma sociedade - como o compartilhamento de valores, por exemplo. Em um mundo
no meio da industrialização, Durkheim pensou a coesão como decorrente da interde-
pendência dos grupos em cooperação, já que cada setor seria responsável pelo bom
funcionamento de diferentes partes da sociedade.
Suicídio: há três tipos de suicídio para Durkheim: o egoísta (em que há uma excessivi-
dade de individualização que afrouxa os laços entre indivíduo e sociedade), o altruísta
(quando, pelo contrário, há uma dissolução do ego no corpo social, destituindo o su-
jeito de individualidade) e o anômico (praticado quando a sociedade se encontra em
situação de anomia).
Anomia: deriva de a+nomos (a ausência de normas ou regras). Ocorre quando um
acontecimento atípico desestabiliza ou altera as regras da sociedade e, por consequ-
ência, seus meios de funcionamento (como uma crise econômica ou uma pandemia,
por exemplo).

Vídeo
Viver em sociedade é sobreviver | Luís Mauro
https://www.youtube.com/watch?v=Ik2Y0SMAQkM

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

(O Suicídio, Émile Durkheim, 1897, edição original)

(Convenções Sociais, Quino)

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BOURDIEU

TAGS: #CapitalSimbólico #Habitus #CapitalSocial #CapitalCultural


#Campo
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Mais profundamente, uma das maneiras mais imparáveis, para um grupo, de redu-
zir pessoas ao silêncio é excluí-las das posições a partir das quais se pode falar.
Pelo contrário, uma das maneiras para um grupo de controlar o discurso consiste
em pôr em posições nas quais se fala pessoas que não dirão senão aquilo que o
campo autoriza e reclama.
(Pierre Bourdieu. “A censura”, em Questões de Sociologia. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim
de Século, 2003)

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Denguin, 1930 – Paris, 2002
Área do conhecimento:
Sociologia/teoria social
Principais Obras:
Questões de Sociologia (1980), O Senso Prático (1980), Meditações Pascalianas (1997), A
Dominação Masculina (1998)
conexões:
Max Weber, Karl Marx, Émile Durkheim, Norbert Elias, Marcel Mauss, Claude Lévi-Strauss,
Michel Foucault entre outros

APRESENTAÇÃO lidade sobre as consequências de seus


atos. A “natureza humana” faria parte,
Pierre Bourdieu nasceu no sudoeste da então, de uma ideologia de dominação
França, na cidade de Denguin. Consi- ao imputar características ditas inatas
derado pela sociedade parisiense um - como o biologismo de gênero, por
caipira, filho de um funcionário públi- exemplo.
co, toda sua obra é marcada por esse
contexto de inferioridade social da qual PRINCIPAIS IDEIAS:
se sentia vítima. O primeiro conceito CAMPO SOCIAL.
a entender a respeito de sua obra é a
ilusão naturalista, a tendência no senso O próximo passo é o conceito de cam-
comum de naturalizar a ação humana po social: um espaço abstrato povoado
e que retira da sociedade a responsabi- por agentes que ocupam posições es-
pecíficas construídas relacionalmente.
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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Ou seja, sempre nos posicionamos em mesmo jogo - algo que Bourdieu cha-
relação a alguém. A posição ocupa- mou de “illusio”. Essa obviedade do va-
da por alguém não é geográfica - em lor do troféu é o que faz com que eles
um “café da manhã com o chefe”, por sejam perseguidos como decorrência
exemplo, o zelador está abissalmente natural de pertencimento a um campo
distante do presidente da empresa se específico. Mas nosso comportamento
pensarmos no campo social; já dois é definido além disso e de nossa pró-
professores com carreiras acadêmicas pria consciência. Muito do que faze-
semelhantes têm a mesma posição mos tem origem social e nós não per-
social, mesmo se cada lecionarem em cebemos. A isso Bourdieu chamou de
continentes diferentes. Todo campo habitus, o conjunto de disposições para
tem estruturas e regras que são re- agir, socialmente construídas e que não
sultado de uma aceitação tácita dos são efetuadas conscientemente. São
agentes, um acordo implícito sobre as as ações inconscientes que importam
formas de agir dentro dos campos (o e que traduzimos em nosso comporta-
que não exclui a possibilidade de que o mento como naturais.
campo seja um espaço de disputa). O
que importa dentro do campo, mesmo Dentro deste contexto, Bourdieu afirma
entre adversários, é que joguem o mes- que todos estão interessados em algo,
mo jogo, já que é isso que os mantêm já que desejos são fatos sociais, têm
como agentes. valor definido socialmente. É investi-
gando o campo, seus troféus e agentes
PRINCIPAIS IDEIAS: que a origem das dinâmicas se revela.
CAPITAL SIMBÓLICO Mas não olhando-o de dentro: só quem
está fora do campo tem recursos para
Há nesses campos uma quantidade olhar o jogo com distanciamento ne-
de “fichas”, distribuída de acordo com cessário para explicá-lo. As ações dos
a relevância de cada agente. Esse é o agentes tendem muito mais a escon-
capital simbólico, conjunto de recursos der sua intenções do que revelá-las.
que se tem para disputar os troféus
existentes no campo específico, e fruto Uma pergunta cabível é: como essas
do reconhecimento de outros agentes estruturas se sustentam? Conforme
que legitimam a importância de uma adquirimos capital e possibilidade de
pessoa. Os troféus, por sua vez, repre- subverter o poder, o interesse se perde.
sentam conquistas dentro do sistema Só quem não possui meios para alterar
de valores de cada campo, que só é o equilíbrio do poder é interessado por
entendido pelos agentes que jogam o isso. Toda trajetória social é constru-

41
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

ída sobre uma expectativa de acúmu- A sociedade é um espaço de organiza-


lo de capital que o jogador aprende a ção dos desejos. O princípio não desa-
projetar em troféus intermediários, em parece, mas a sociedade regula a satis-
pequenas conquistas sucessivas. Para fação. Em Eros e Civilização, Herbert
isso o campo não se basta de “illusio”, Marcuse diz que a sociedade capita-
mas precisa convencer seus agentes lista tem um binômio organizador das
de que as conquistas são possíveis e energias vitais: trabalho e consumo. O
isso legitima a dominação. primeiro nos permite um ganho de ca-
pital que nos leva ao segundo, gerando
PRINCIPAIS IDEIAS: satisfação. A esse binômio Bourdieu
HABITUS acrescenta o elemento da temporali-
dade social – a organização do nosso
Mas os dominados não têm acesso ao ritmo de vida, que é constituinte do
processo arbitrário de exercício de po- habitus do indivíduo. Vivemos com
der. As instâncias de legitimação do po- cadências socialmente definidas que
der estruturam os campos e são focos vão se naturalizando e que só as per-
de luta, questionados e expostos pe- cebemos quando, em outro campo so-
los que se sentem prejudicados. Cada cial, notamos a falta de semelhantes.
campo tem formas específicas de le- Bourdieu chega inclusive a zombar da
gitimação, operando em um processo eudaimonia aristotélica ao afirmar que
cíclico no qual relações estruturam as um simples alinhamento com a ordem
instâncias, que dependem dessas re- do universo não nos trará felicidade,
lações. Sempre que a dominação for mas sim quando nos alinharmos com
questionada ou depender de demons- o que a sociedade espera de nós (dese-
trações de poder e justificações ela se jos, orientações etc.) e tivermos condi-
torna frágil e está em via de ser sub- ções de responder a suas expectativas.
vertida. A melhor dominação surge de
um acordo tácito através do reconhe- Os espaços nos proporcionam dois
cimento social do dominante por parte tipos de capital: dos agentes (que dis-
do dominado, e a legitimação ocorre a põem de seu capital pessoal como
partir de uma grande concordância (de forma de investimento para alcançar
pensamentos, sentimentos, postura troféus) e em circulação (do próprio
etc.) entre eles. A dominação é muito espaço, institucional, a ser apropriado
mais eficaz quando transforma as con- pelos agentes que o integram). A pers-
dições de dominantes e dominados em pectiva de ganho de capital é autôno-
habitus. ma aos corpos, ela transcende nossos
desejos, pois nossa existência social

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dura muito mais do que a orgânica. Em muitos casos – como o do próprio Bour-
dieu em relação aos seus desafetos – o capital social de uma pessoa faz as vezes
de sua alma penada.

EXERCÍCIO
Com base no que você aprendeu neste encontro, de que forma Hobbes, Marx, Durkheim
e Bourdieu podem “se encontrar”? Desde o início do curso, uma das constantes é o ques-
tionamento das coisas ditas naturais. Desta vez não é diferente, mas em um espectro um
tanto mais amplo.

Procure o meio que achar melhor - esquemas, fluxos de pensamento (se começou um diá-
rio, abuse dele) - e tente delinear o seu modelo de Estado ideal. Que tipo de “contrato social”
seria estabelecido? Quais concessões individuais seriam feitas em troca de um amparo
deste Estado? Ou não haveria Estado? Como essa organização influenciaria as relações
sociais, tanto no trabalho e na economia quanto no cotidiano? Tente listar as posições
simbólicas, bem como o tipo de capital simbólico e quais são os troféus nos diferentes
campos, partindo de suas relações mais próximas - parceiro(a), familiares, amigos - e vá
ampliando o foco - sua rua, prédio ou condomínio, seu bairro, sua cidade, o próprio país. Se
quiser mesmo desafiar seu pensamento, tente comparar o seu modelo com a realidade,
analisando tanto os pontos em comum quanto aqueles em que ambos se diferenciam, em
maior e menor grau, e veja como pequenos universos geram uma complexidade imensa.

GLOSSÁRIO
Campo social: a sociedade não é apenas um conjunto de indivíduos, mas uma
arena de forças que competem livres de qualquer determinismo por influência e
dominação de respectivos campos (a universidade, o mercado financeiro, o mun-
do artístico ou a política são alguns exemplos). Cada campo tem regras, crenças
e dinâmicas específicas, que frequentemente não valem para outros campos.
Capital simbólico: o valor de troca que determina influência e poder dentro de
cada campo. Pode ser econômico (renda ou bens) ou cultural (diplomas e títulos),
por exemplo. Eles determinam quem atua em qual posição hierárquica e quais as

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

limitações e possibilidades de cada agente dentro dos campos sociais.


Habitus: disposições e trejeitos típicos de cada campo, adquiridos e internaliza-
dos conforme a atuação de cada indivíduo dentro de um campo específico. Dizem
respeito às estruturas do próprio campo e influenciam os agentes em seus juízos
morais, estéticos, políticos. Professores, por exemplo, falam, interagem e compar-
tilham de valores de formas diferentes de médicos, estudantes ou executivos etc.
Violência simbólica: a relação de dominação dos campos é sustentada por ela e
aceita de maneira consentida pelos dominados. Diz respeito à aceitação e inter-
nalização de valores, troféus, regras e crenças, bem como à legitimação tácita das
imposições feitas pelos dominantes de cada campo.

(Censura de Diversões Públicas, Fortuna)

(Divisão do trabalho, Laerte)

44
SÉ TIM A AUL A

O FASCÍNIO DA
VIDA QUE ESTÁ
POR VIR
BUDA

TAGS: #Iluminação #Desejo #Felicidade #Angústia #Autoconhecimento


Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Deixe para trás o que já se passou. Desapegue-se de tudo o que se passa neste dia.
Abandone o anseio pelo que ainda está por vir. É assim que se pode atravessar até
a outra margem da existência. Com a sua mente enfim liberta, você já não terá a
necessidade de voltar a mergulhar no rio revolto do mundo. Se uma pessoa é ator-
mentada por dúvidas constantes, se ela é dominada pelas próprias paixões e só
tem olhos para a busca desenfreada pelo prazer, então o seu anseio só vai crescer,
dia após dia. Tal pessoa está a forjar o seu próprio grilhão
(Dhammapada - O caminho do Darma como nos ditou o Buda. §348-349. Trad. Rafael Arrais. Publicação
independente, 2019).

Ficha técnica
Origem, nascimento e morte:
Lumbini (atual Nepal, 563 a.C.) - Kushinagar (atual Índia, 483 a.C.)
Área do conhecimento:
Budismo
Principais Obras:
Não deixou escritos de sua autoria. O relato mais fiel é o Dhammapada, feito por discípulos
que conviveram com ele
conexões:
Pirro, Nagarjuna, Hume, Schopenhauer, Nietzsche, Husserl

APRESENTAÇÃO lenda que sua mãe, uma rainha esté-


ril, teve um sonho em que um elefante
Dentro do budismo, “Buda” é um títu- branco a tocou na axila, que era o pon-
lo dado a quem alcança a iluminação. to do corpo do qual saíam os membros
Mas, tradicionalmente, quando se fala da casta dos reis e governantes, à qual
de Buda - ou o Supremo Buda -, a per- pertenciam. Depois, quando chegou a
sonagem é Sidarta Gautama. O primei- hora de dar à luz, ela levantou o braço e
ro passo quando nos aproximamos do o bebê nasceu.
Budismo é entender o conceito religio-
so, para depois comparar com outras Em uma celebração no palácio, ao ver
filosofias que conhecemos. Sidarta o recém-nascido, um oráculo disse que
Gautama viveu cerca de 600 anos a. C. ele seria alguém muito importante para
e se tornou um Buda meditando. Diz a a Índia: um líder político ou, caso tives-

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se contato com as tristezas do mundo, PRINCIPAIS IDEIAS:


um líder religioso. Assim, buscando A JORNADA DE AUTOCONHE-
evitar o segundo caminho, o pai de Si- CIMENTO E ILUMINAÇÃO
darta o cercou de coisas boas dentro
do castelo. Diz-se que aos oito anos, no Durante esse período, Sidarta sofreu
entanto, enquanto brincava no jardim, tentações, resistindo a todas elas. Por
ele viu uma minhoca sendo comida por meio da meditação, percebeu que to-
um passarinho e este por um pássaro dos os seres estão interconectados,
maior, iniciando em seguida seu pri- passando a ser chamado de Buda, o Ilu-
meiro processo meditativo. No começo minado. Ao pensar sobre como trans-
da vida adulta, casado e com um filho mitir seus ensinamentos, teria ouvido
pequeno, o príncipe ouviu uma música uma voz do passado lhe dizer: “faça
para além dos muros do castelo e co- como fizeram os Budas do passado.”
meçou a fazer passeios externos. Em A revelação dá a entender que Buda é
sua primeira saída, ele viu um idoso um estado de espírito que pode ser
sendo empurrado e toma consciência atingido. Esse estado de Buda é tam-
da velhice e do sofrimento; da segun- bém o da quietude da alma, alcançável
da vez, viu um doente e percebeu que pela meditação e práticas de atenção
a saúde é temporária e, em sua terceira e pensamento corretos. A meditação
saída, ele viu uma cremação à beira do correta, para o budismo, não é aquela
Rio Ganges e se deu conta da existên- voltada ao pensar, mas à observação
cia da morte. de si mesmo.
Inquieto, abandonou sua família e ri-
quezas, cortou o cabelo (símbolo de O budismo não fala de um deus, mas
sua casta nobre) e foi para a floresta, sim de causas e consequências, em
onde meditou com um grupo de iogues. um universo no qual tudo é interligado.
Ainda insatisfeito, seguiu seu caminho Existem três tesouros: Buda, Darma e
e encontrou um grupo que praticava o Sanga. A natureza Buda é aquela que
jejum absoluto. Depois de seis anos, já permeia tudo, e que se percebe ou não;
muito magro e fraco, percebeu que o o Darma estabelece que não há nada
melhor caminho é o caminho do meio. fixo ou permanente, tudo está sempre
Então, abandonado pelos amigos, co- em transformação; a Sanga é a comu-
meçou a meditar sozinho embaixo de nidade de pessoas que praticam e es-
uma figueira. tudam juntas, em harmonia. Para Buda,
todos os seres são iluminados e co-
nhecemos a verdade porque somos a
manifestação da verdade. Tendo cons-

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

ciência disso, agimos como tal. Como seus fenômenos, como se tivéssemos
todos os seres são interligados, é pre- uma identidade fixa e as coisas deves-
ciso cuidar do mundo como se fosse sem acontecer de acordo com ela.
vocês mesmo. O Budismo defende que
tudo e todos são parte de um mesmo A segunda das nobres verdades refere-
eu. Segundo esta visão, o eu é apenas -se aos apegos (ganância), à aversão
um meio de ir além e de atingir o Uni- (raiva) e à ignorância sobre a própria
verso. condição, princípio gerador dos apegos
e da aversão. A terceira é o fato de que
PRINCIPAIS IDEIAS: existe um estado possível de paz, cha-
AS QUATRO NOBRES mado nirvana (um estado presente e
VERDADES desperto de paz). A quarta é a de que
existe um caminho de libertação, que
Após sua iluminação, Buda viu uma ele denominou de nobre caminho óctu-
oportunidade para expressar esse ca- plo – caminho esse que aponta para a
minho do meio. Seus dois primeiros prática do Budismo.
sermões (considerados o primeiro giro
da roda do Darma – a “lei verdadeira”) Ainda que haja um lado filosófico no
são a base comum a todas as verten- Budismo (Buda perguntou-se, afinal,
tes e escolas budistas. “quem sou eu?” pergunta muito similar
à feita por filósofos desde a Grécia an-
Em seu primeiro sermão, Buda apre- tiga), não se pode dizer que o Budismo
sentou as quatro nobres verdades. A seja uma filosofia ou uma teoria – tra-
primeira delas refere-se ao fato de toda ta-se, principalmente, de uma prática
existência ser dukka, palavra muitas movida pelo sentimento de insatisfa-
vezes traduzida como sofrimento, in- ção – o Budismo busca a libertação
satisfação ou mal. É importante ter em da dukka. Estudar o caminho de Buda
mente que este termo tem três níveis é estudar a si mesmo e estudar a si
de entendimento: o do sofrimento puro mesmo é uma tentativa de iluminar o
e simples (doença, velhice, morte); o caminho de tudo o que existe.
associado à dificuldade humana em
lidar com a temporalidade e a transito- PRINCIPAIS IDEIAS:
riedade das coisas (nesse sentido, fe- O CAMINHO ÓCTUPLO
licidade também pode ser dukka, uma
vez que não pode ser eterna) e o que O nobre caminho óctuplo trata de fala
se refere ao pensamento de que cada correta, ação correta e meio de vida
um é um “eu” separado do mundo e de correto (os preceitos), esforço correto,

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

atenção correta e concentração corre- dade de praticantes).


ta (o zen ou meditação), pensamento
correto e compreensão correta (a sa- Há, ainda, seis paramitas (ou seja, as-
bedoria). É este caminho de prática que pectos da travessia em direção ao não-
revela que não somos entidades sepa- -sofrimento): dana paramita (praticar
radas. Não se trata de um entendimen- a doação), sila paramita (praticar os
to intelectual: a experiência de Buda preceitos budistas), ksanti paramita (a
incorreu numa abertura de sua condi- perseverança – o caminho budista não
ção mental – por meio desta prática ele é fácil, pois não há outro responsável
chegou a um estado de desprendimen- pelo que acontece com um sujeito e
to. Sua sabedoria foi um despertar. com suas ações a não ser ele mesmo),
virya paramita (o esforço), dhyana pa-
Buda apresentou três regras de ouro ramita (a atenção e a concentração) e
(não fazer o mal, fazer o bem e fazer o prajna paramita (a sabedoria desperta-
bem a todos) e dez proibições: não se da com a prática da concentração e da
trata de mandamentos, pois não há ne- meditação).
nhuma noção de pecado, mas são uma
oportunidade de autoconhecimento – PRINCIPAIS IDEIAS:
Buda estava tentando encontrar uma O VAZIO
maneira de conviver harmoniosamente
com os outros. As dez proibições são: Três dias depois, Buda fez um segun-
não matar; não roubar; não abusar da do sermão, desta vez sobre o vazio. Ao
sexualidade (ter relações sexuais com contrário do que se pode pensar, o va-
respeito e responsabilidade); não men- zio do budismo não se relaciona com o
tir; não negociar intoxicantes (ou seja, niilismo: para Buda, todos os fenôme-
não trair a condição mental do outro e nos são vazios de existência fixa. O que
nem de si mesmo – seja com entorpe- chamamos de “eu” é uma composição
centes, seja com palavras); não apontar de cinco agregados: forma (o atributo
os erros e falhas alheios; não se elevar físico: o corpo), sensação, percepção,
e rebaixar ou outros , não se rebaixar conexões mentais e consciência. Es-
e elevar os outros, nem se igualar; não ses cinco constituintes geram a noção
agir movido pela raiva, não agir movido de vazio que, no Budismo, é a ausência
pela ganância e não falar mal dos três de fixidez, é a fluidez. A compreensão
tesouros (daquilo que representa a sua do fluxo inerente a tudo faz com que
fé – no caso do Budismo, os três pre- sejamos capazes de “dançar com o uni-
ceitos: Buda – o ser iluminado -, Darma verso”, criando a felicidade da liberdade
– a lei verdadeira – e Sanja – a comuni- do peso de uma fixidez. A dor faz parte

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

da existência, pois somos trânsito; mas Diferentemente do que se possa pen-


o sofrimento, segundo Buda, pode ser sar, no entanto, não se atinge o vazio
evitado, é uma escolha. com o total afastamento do mundo e
dos outros. Tudo o que fazemos, pen-
O pensamento ocidental é binário e dis- samos e falamos deixa uma marca na
criminatório (pois separa as existências). realidade – é importante, portanto, ter
A mente cria dificuldades, problemas e atitudes positivas. Quando se percebe
sofrimentos: deixar esta forma de pensar a transitoriedade, somos obrigados
de lado (abandonando esta mente que a tomar decisões frente às coisas na
condena e absolve) é perceber o vazio possibilidade de mudá-las. Mais do que
– nem o pensamento é fixo. Com a des- apenas meditar de longe, é preciso se
truição desse sofrimento há a libertação: questionar sobre como transformar
como qualquer religião teísta, o budismo o que está acontecendo. A dinâmica
busca uma salvação, mas a salvação bu- do budismo é fazer a negação da ne-
dista é a libertação da ignorância. Para o gação: perceber que tudo é vazio e
budismo, a verdade está em cada um de esvaziar até mesmo o vazio – não se
nós: temos uma mente cuja expansão deve apegar nem mesmo a Buda, nem
abrange luz e sombra, fora de nós só há à transcendência e nem à imanência,
maya, ilusão. nem ao profano e nem ao sagrado.

(Laykyun Setkyar - estátua de Sidarta Gautama, Mianmar)

51
Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

(Swayambhunath, O Templo dos Macacos, importante ponto de


peregrinação do Nepal)

Árvore sob a qual Sidarta Gautama teria atingido a iluminação em


Bodh Gaya, na Índia

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

EXERCÍCIO
Na última proposta de exercício desse curso, recupere suas reflexões, desde o
início, e medite sobre elas - não necessariamente uma meditação “budista”, mas
tente perceber o processo pelo qual você passou ao longo das últimas semanas.
Sua forma de enxergar o mundo mudou? Ou mesmo sua forma de enxergar a si
mesmo e suas relações? Se sim, de que maneiras? Se não, por que? Quer um exer-
cício ainda mais radical? Monges budistas passam meses construindo mandalas
com areia colorida, em formatos extremamente complexos, para desmancharem
o desenho quando ele está terminado. São lembretes da impermanência e do
desapego. Se quiser ir ao extremo, desapegue-se de suas anotações - a transfor-
mação, se efetiva, já foi internalizada - e vá em direção a um novo dia, com novos
aprendizados

GLOSSÁRIO
Buda: título budista reservado aos que atingiram a iluminação. A tradição conta
que Sidarta Gautama foi o último de uma linhagem que o antecedeu.
Darma: tem diferentes significados (varia, por exemplo, do hinduísmo para o bu-
dismo, ou para o sikhismo), mas diz respeito, em geral, à norma de conduta ade-
quada - assemelha-se, de certa forma, à virtude. Fala, também, sobre os ensina-
mentos, doutrinas e deveres da vida de acordo com a ordem natural. Aqueles que
vivem de acordo com o darma, vivem no caminho da iluminação.
Carma: é a intenção de cada ato, que pode gerar consequências boas, ruins ou
neutras. O acúmulo destas intenções, dentro do budismo, aprisionaria a pessoa
em um ciclo de reencarnações, sendo a iluminação a quebra e encerramento des-
te ciclo cármico, momento em que o indivíduo se une à ordem cósmica.
Sanga: a comunidade (monástica e praticante) do budismo. Foi estabelecida por
Buda para aqueles que teriam a intenção de viver o darma de maneira íntegra.
Dukka: frequentemente traduzido como “sofrimento”, é a condição essencial da
vida de acordo com o budismo. Há diversos tipos de dukka e o caminho da ilumi-
nação pressupõe a superação deste sofrimento.

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Por Uma Vida Bem Vivida | Clóvis de Barros Filho

Vazio: outro conceito fundamental no caminho da iluminação. As coisas do mun-


do, inclusive as pessoas, são destituídas de uma essência que as defina. Essa é
uma das ilusões fundamentais que representam um entrave à iluminação, já que
o ego ou o valor atribuído às coisas, por exemplo, cria realidades que ofuscam a
visão em direção à verdade. O Universo seria constituído de partes interconecta-
das e interdependentes, partes de um mesmo todo.
Nirvana: estágio de iluminação em que ocorre o desprendimento do sofrimento,
das coisas materiais, do apego aos sentidos, à existência e da ignorância. É estar
no mundo sem ser afetado por ele, em um estado que superou os desejos e as ilu-
sões do mundo (importante ressaltar que diferentes escolas do budismo diferem

Vídeos
O que é Zen Budismo? | Monja COEN
https://www.youtube.com/watch?v=U6aujS2BqrA

VOCÊ É UMA TEIA VIBRANTE EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO | Monja


Heishin Gandra
https://www.youtube.com/watch?v=EoYoRkFJIuk&t=60s

SER E EXISTIR | Monja Heishin Gandra e Fabiano Moulin


https://www.youtube.com/watch?v=q3JG2GERlDw

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REFERÊNCIAS
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