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William James e John Dewey

Gordon H. Clark
Copyright © [1960, 1963] 2012 Laura K. Juodaitis
Publicado originalmente em inglês sob o título
William James and John Dewey
pela THE TRINITY FOUNDATION,
(Unicoi, Tennessee, EUA)

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por

EDITORA MONERGISMO
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Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970
Telefone: (61) 8116-7481 - Sítio: www.editoramonergismo.com.br

1a edição, 2016

1000 exemplares

Tradução: William Bottazzini


Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto e Rogério Portella
Capa: Josaías Ribeiro Jr. e Eduardo Calazans

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


versão Almeida Revista e Atualizada (ARA),
salvo indicação em contrário.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Clark, Gordon Haddon

William James e John Dewey/ Gordon Haddon Clark, tradução William Bottazzini – Brasília,
DF: Editora Monergismo, 2016.

; 21cm.

Título original: William James and John Dewey

ISBN 978-85-69980-06-3

1. Filosofia 2. Teologia 3. Apologética

CDD 230
Sumário
WILLIAM JAMES

I. INTRODUÇÃO

II. O CENÁRIO FILOSÓFICO

Contra a ordem

III. O UNIVERSO PLURALISTA

O avivamento do empirismo

Espiritualismo

Idealismo monista

Hegel e seu método

A composição da consciência

Conclusões

IV. PRAGMATISMO

O significado do pragmatismo

Alguns problemas metafísicos

O pragmatismo e o senso comum

O conceito de verdade do pragmatismo

Pragmatismo e religião

Críticas concludentes

JOHN DEWEY

I. INTRODUÇÃO

II. CIÊNCIA

Valor

Experimentação

III. ÉTICA

Amostra de opiniões

O lugar da ética no pragmatismo


Fluxo pragmático na ética

Valores

Prazeres casuais

Qualidade intrínseca

Certeza ou segurança?

Valor de jure

Ideais maus

Especificações

Implicações políticas

Desacordo quanto ao assassinato

A vida vale a pena ser vivida?

Crítica concludente

IV. LÓGICA

Instrumentalismo

Behaviorismo

Lógica formal

Importação existencial

A lei da contradição
WILLIAM JAMES
I. INTRODUÇÃO

Talvez a primeira coisa que se deva dizer sobre William James ― tendo-
se em vista que a opinião popular considera todo escrito filosófico chato e
deprimente ― diz respeito a seu estilo intensamente interessante. Longe da
técnica dessecada de Aristóteles e Kant, seus escritos combinam o talento
literário de Platão com a sagacidade da Nova Inglaterra. Nestas páginas, um
esquilo corre ao redor de uma árvore e um caçador também circunda uma árvore,
mas será que o caçador circunda o esquilo? Há um trem de passageiros roubados
por alguns bandidos; há também o inquilino cuja conta bancária é inversamente
proporcional à sua honestidade. Sem sombra de dúvida, William James (1842-
1910) é interessante. Sua obra Varieties of Religious Experience [Variedades da
experiência religiosa] prende a atenção mais que Sherlock Holmes, e deveriam
ser lidos os dois volumes de suas cartas pessoais bem como seus títulos
filosóficos.
Por ora, o plano desta monografia é tríplice. O primeiro e indispensável é
uma grande quantidade de exposição. Os alunos, evidentemente, devem ter
alguma ideia do que James ensinava. Visto que A Pluralistic Universe [Um
universo pluralista] e Pragmatism [Pragmatismo] são seus livros mais
característicos, eles fornecerão a maior parte do material. A exposição não
apenas os citará muito, mas grande parte da fraseologia é retirada do texto
mesmo onde as aspas não aparecem. Em segundo lugar, a monografia conterá
certa quantidade de reflexões acerca de pontos especiais entre parênteses.
Algumas críticas, enquanto não suficientemente importantes para serem
colocadas na conclusão, ainda merecem uma menção de passagem. Em seguida,
em terceiro lugar, toda a monografia, escrita de um ponto de vista definido ―
como devem ser todos os escritos filosóficos ―, está projetada para ajudar na
defesa e no desenvolvimento do teísmo cristão. A maior parte da ajuda pode ser
negativa: crítica do posicionamento de James, ou argumentos dele são utilizados
contra outras filosofias não cristãs. No entanto, aí poderia possivelmente emergir
algo mais positivo também.
O primeiro parágrafo mencionou o estilo interessante de James, que é,
contudo, ao mesmo tempo vantajoso e desvantajoso. Talvez James seja popular
demais. Suas ilustrações superam a si mesmas. A ausência da dessecação
aristotélica e kantiana pode significar a falta de exatidão e clareza. Se, por um
lado, a ambiguidade contamina suas proposições, por outro, suas proposições
são inequívocas. Portanto, é melhor começar com os pontos da filosofia
precedente que provocaram sua reação.
II. O CENÁRIO FILOSÓFICO
O século XIX foi caracterizado por duas tendências filosóficas, e ambas
desagradaram a James. A primeira era o idealismo absoluto de Hegel e seus
seguidores de direita. Ele silencia esse tipo de pensamento chamando-o “a
serpente do racionalismo”. Seu argumento será detalhado mais adiante. Na
medida em que o cristianismo exibe características ainda piores, ele também
denuncia o teísmo, tanto nas cartas pessoais como nas publicações formais.
Contra a ordem

Por exemplo, em uma de suas cartas, escrita para Henry W. Rankin de


Edimburgo no dia 16 de junho de 1901, ele diz:

Acredito que eu seja (provavelmente) incapaz de acreditar de forma permanente no


cristianismo como um esquema de salvação vicária… A primeira e principal fonte de todas as
religiões se encontra nas experiências místicas do indivíduo, tomando a palavra mística em um
sentido muito amplo. Todas as teologias e todos os eclesiasticismos são desenvolvimentos
secundários sobrepostos; e as experiências tornam essas combinações flexíveis com as
predisposições intelectuais de seus sujeitos, de modo que se pode quase dizer que eles não
possuem libertação intelectual própria por si, mas pertencem a uma região mais profunda ― e
mais vital e prática ― que a exibida pelo intelecto.

Ou, mais uma vez (para James Henry Leuba, 17 de abril de 1904):

Não tenho nenhum senso vivo de relação com um Deus… Ademais, não há nada em mim que
cause alguma reação quando ouço afirmações feitas nesse sentido por outros… Estou certo de
que não são velhos hábitos teístas e preconceitos da infância. Eles são cristãos; eu cresci de tal
modo fora do cristianismo que o embaraço com isso da parte de uma afirmação mística deve
ser abstraída e superada antes de eu poder escutar.

Com o hegelianismo, a segunda característica do século XIX que


desagradava a James era o cientificismo mecanicista. Embora os dois pareçam,
no primeiro momento, inimigos mortais ― mente versus matéria, liberdade
versus necessidade, apriorismo versus experimentação ― no entanto, concordam
que o mundo seja racional. Ambos são formas de monismo. Um diz que tudo é
espírito; o outro sustenta que apenas os átomos são reais. De um modo ou de
outro ― seja na forma de lei científica, seja na forma de categorias lógicas ― as
duas filosofias admitem haver uma ordem antecedente universal a ser descoberta
pelo filósofo.
Em oposição a isso, James encontrou inspiração favorável no filósofo
americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) e nos pensadores franceses
Renouvier e Boutroux. Deles ele derivou ― ou talvez se deva que neles
encontrou apoio para ― seu pluralismo, acaso, desordem e a “confusão
florescente e barulhenta”. Boutroux negou a necessidade lógica e a matemática.
Lógica e matemática podem ter sido diferentes do que são. O mundo não é
determinado de forma mecânica, mas é contingente, sem relações causais entre
os eventos.
Renouvier, a quem James admitia ser bastante devedor, aceitava uma
espécie de pluralismo, empirismo enfatizado, e favorecia o acaso e o livre-
arbítrio. Profundamente impressionado pelas diferenças de todos os tipos na
natureza, desfazendo-se dos ídolos monstruosos da metafísica ― o infinito, a
substância e a necessidade ― ele não buscava a unidade vaga, mas a pluralidade
de fatos concretos. Pedaços da experiência ocorrem como peças de um quebra-
cabeça e devemos encaixá-los da melhor forma possível. Pelo fato de não
enxergarmos a imagem de antemão, podemos arranjar as peças apenas na ordem
provável. Do mesmo modo que não se deveria permitir que as emoções
controlassem a razão, assim também não devemos permitir que a razão suprima
as necessidades morais e religiosas. Esses são elementos da experiência na
mesma medida que as sensações. O monismo e o panteísmo, contudo, não
podem satisfazer essas necessidades. Nenhum panteísmo pode resistir às noções
de tempo, descontinuidade e liberdade. O teísmo é igualmente ruim, pois o Eu
Sou Aquele que Sou é só uma forma religiosa do Absoluto. O politeísmo é muito
melhor.
Charles Sanders Peirce, de quem não se pode fazer um relato adequado
aqui, assegurou haver acaso real no universo: não que tudo seja tão desordenado
e caótico como poderia, mas que, no mínimo, não é completamente determinado
e harmonioso. Algumas citações serão dignas do espaço que requererão: “Há
lugar para a dúvida de que as leis fundamentais da mecânica funcionam bem
para átomos singulares e parece bastante provável que sejam capazes de
movimentos em mais de três dimensões”.[1]
Em The Doctrine of Necessity Examined [O exame da doutrina da
necessidade], Peirce assevera que o mecanicismo se tornou um postulado da
ciência; mas “postular uma proposição não é nada mais que esperar sua verdade”
(326).

Não acredito que alguém […] possa sustentar que a conformidade precisa e universal dos fatos
à lei esteja provada com clareza, ou mesmo que se tenha tornado particularmente provável, por
quaisquer observações até agora feita [331].

O filósofo mecânico deixa toda a especificação [os detalhes particulares] do mundo


completamente inexplicável, o que é quase tão tuim quanto atribuí-la ao acaso. Eu a atribuo por
completo ao acaso, é verdade, mas ao acaso em forma da espontaneidade de certo modo regular
[337].

A lei mecânica, que o infalibilista científico nos diz ser a única agência da natureza, não pode
produzir diversificação… Logo, se fatos observados apontam para um desenvolvimento real,
eles indicam outra agência, a espontaneidade — para a qual o infalibilismo não fornece
nenhuma classificação [357].

Essas antecipações, portanto, instruem-nos, conforme procedemos à


exposição principal do ponto de vista de James, a ficarmos atentos à substituição
do monismo pelo pluralismo; da lógica absoluta pela experiência pragmática; e
da lei rígida pelo acaso, livre-arbítrio e o direito de afirmar valores religiosos. E,
enquanto se puder dar uma ordem a tópicos interdependentes, eles serão
discutidos nessa ordem.
III. O UNIVERSO PLURALISTA
James abre seu livro assim intitulado com a observação do crescimento
na Inglaterra do interesse pelo pluralismo, humanismo e empirismo, e do
desinteresse pelo hegelianismo. O mais novo empirismo é devedor de Thomas
Hill Green por ter apontado as rudezas do empirismo mais velho e insustentável.
Green enfatizava o relacionamento como a grande atividade intelectual e atacava
a falta de conexão do reinante sensacionismo inglês. Admitimos que Green era
hegeliano, e monista devotado que desdenhava do empirismo e identificava o
homem com a inteligência; mas ao expor “a palha picada da psicologia e do
associacionismo”, os erros do pensamento britânico anterior, ele tornou possível
a onda do empirismo revisto.
O avivamento do empirismo

James define seus termos: “O empirismo significa o hábito de explicar o


todo pelas partes; já o racionalismo significa o hábito de explicar as partes pelo
todo”.[2]
No estágio anterior, é sem dúvida inapropriado julgar os méritos do
empirismo e do racionalismo assim definidos. No entanto, a exposição deveria
ser acompanhada de uma pequena reflexão. Portanto, pode-se perguntar se, em
geral, o todo pode ser explicado nos termos das partes. Por exemplo, o círculo
não pode ser explicado nos termos dos arcos, pois o arco é definido nos termos
do círculo. Ademais, uma grande pintura, como A Ronda Noturna de Rembrandt,
é propriamente o todo sem partes. Sua beleza não é explicada pelos centímetros
quadrados de tela colorida; já a posição das cores é determinada pelo conceito do
todo: assim também o é cada capítulo de um grande romance. Diante desses
exemplos, é justificável perguntar se o mundo como um todo pode ser explicado
por suas partes; ou seja, se o empirismo é uma filosofia satisfatória.
James insiste que nenhum outro método de explicação nos está aberto. O
único material de que dispomos para traçar o quadro do mundo todo é fornecido
pelas partes. Podemos inventar novas formas de conceito, aplicáveis ao todo, que
não foram sugeridas pelas partes. Por essa razão, James afirma que todos os
filósofos ― racionalistas e monistas, bem como outros ― conceberam o mundo
todo de acordo com a analogia de algumas de suas características particulares.
Os teístas tomam sua interpretação da manufatura (que, aliás, não é verdade); já
os panteístas a derivam do crescimento. Outros filósofos retratam o mundo como
uma frase gramatical; nesse caso o todo deve ser logicamente anterior às suas
partes, pois as letras não teriam sido inventadas sem sílabas para escrever, nem
as sílabas sem palavras e sentenças para dizer.

O último exemplo, como o arco e a arte, parece, em um primeiro


momento, favorecer o racionalismo; mas James insiste que todas as analogias
são tiradas de uma subdivisão do mundo ou outra. Enquanto seus proponentes as
supõem como logicamente necessárias, é fácil observar, afirma James, que todas
elas são acidentes de preferência pessoal. Ora, visões pessoais às vezes são
valiosas, mas nenhuma delas é, de forma lógica, a única visão necessária do
todo.
Existem apenas alguns tópicos básicos de visão ou preferência. A
personalidade cínica prefere e escolhe o materialismo; o caráter solidário adota a
filosofia espiritualista. A primeira define o mundo de modo a deixar a alma
humana como uma espécie de passageiro forasteiro ou alienígena, ao passo que a
última insiste que o íntimo e humano deve circundar e fundamentar o bruto.
Espiritualismo

O espiritualismo se divide em dois gêneros, um mais íntimo e monista, o


outro menos íntimo e dualista; o primeiro é o panteísmo, o último é o teísmo. As
preferências de James parecem estar misturadas aqui; enquanto rejeita o
hegelianismo, ele favorece a intimidade de modo caloroso. O grande Deus
antropomórfico preservaria a humanidade do universo; pois, assim concebido,
Deus e homem seriam da mesma espécie espiritual. Ainda assim, não é o mesmo
grau de intimidade encontrado na fusão panteísta de Deus e homem, que nos
torna um com Deus como entidade. No entanto, a rejeição da ortodoxia do
antropomorfismo a favor da transcendência é pior. Deus é eternamente
completo; por um ato livre, ele lança fora o mundo como uma substância
estranha, e o homem é a terceira substância estranha ao mundo como a Deus.
Deus e homem não são da mesma espécie espiritual; eles são “distintos toto
genere […] não têm absolutamente nada em comum” (26).
Essa antecipação do Totalmente Outro de Karl Barth ― que, na verdade,
não é de modo algum um conceito cristão ou bíblico ― gera a consequência de
que Deus não consista no cerne do nosso coração, e sim o magistrado a quem
devemos obedecer de forma automática. Seus mandamentos, embora estranhos,
são nosso único dever moral. Na esfera da razão, a verdade já está estabelecida
sem nossa ajuda. Não é como se o mundo viesse a conhecer a si mesmo ou como
se Deus viesse a conhecer a si mesmo, em parte por intermédio de nós; mas a
verdade existe per se e totalmente pela divina graça e decreto.
Na visão do pluralismo que James defenderá, pode-se pensar que ele
considere o teísmo dualista como ao menos um passo melhor que o panteísmo
monista. Mas sua antipatia ao cristianismo é tal que “deve-se confessar que o
dualismo e a falta de intimidade sempre operaram como uma draga no
pensamento cristão… Deus, como alma íntima e razão do universo, sempre
pareceu a algumas pessoas um conceito mais digno que o Deus criador externo”
(28). Mesmo os nativos iletrados da Índia consideram a doutrina da criação
pueril.
É evidente a verdade que místicos, hindus e monistas absolutos preferem
o teísmo e a criação. James afirma que o conceito de Deus como criador e
governador da moral soa tão estranha “como se fosse alguma religião bizarra e
selvagem”. Mas James se sente assim por ter nascido com esse caráter solidário
e íntimo. Ele não gosta de ser um indivíduo verdadeiro ― embora seja empirista,
e explique o todo pelas partes ― mas prefere fundir-se de modo íntimo com o
universo e deixar de ser William James. No entanto, outras pessoas acreditam
que o misticismo é confusão, que a intimidade (seja qual for seu significado) é
uma draga no monismo, e que hindus iletrados não devem ser aceitos como
oráculos teológicos. Ademais, há a questão geral da moralidade. James, nessas
poucas páginas, já fez certa quantidade de pronunciamentos morais e fará outros
tantos. Devemos, portanto, lembrar-nos em particular de como ― ou se ― é
possível estabelecer seus princípios morais, ou quaisquer outros princípios, sem
recorrer ao regente moral do universo.
A confiança de James nos juízos morais e a insignificância do termo
intimidade são exemplificadas quando diz: “Não exigir relações íntimas com o
universo bem como não querer que sejam satisfatórias deveria ser considerado
sinal de algo errado”. Mas como alguém pode ser íntimo com o universo, ou
com qualquer parte dele, a não ser que se trate de pessoas e talvez de um
cachorro de estimação? Falar em ser íntimo com uma entrada de garagem
cimentada ou com o pico Pikes equivale a usar palavras sem significado.
Entretanto, James concorda bastante com os monistas com relação à
pessoalidade do universo. A substância humana é identificada com a divina.
Contudo ― enquanto o absolutismo acredita que a substância se torna divina só
na forma de totalidade, na forma do todo ―, James prefere a visão pluralista de
que pode não haver nenhuma forma do todo, que toda substância nunca é
totalmente juntada e que a forma de cada é logicamente tão aceitável quanto
provável de modo empírico.
Diante disso, isso parece significar, seguindo o politeísmo de Renouvier,
que o próprio James é um deus. Mas é ainda difícil pensar na entrada da garagem
como um deus. Se cada parte do universo é sem exceção divina, o termo divino
expressa mais significado que o termo íntimo?
Faça o pluralismo sentido para outros ou não, James está convencido de
que o próprio monismo é inconsistentemente pluralista. Em princípios
hegelianos, o mundo é o conhecimento do Absoluto. O universo e a Mente
Absoluta são só dois nomes para a mesma coisa. Mas perceba: o Absoluto
produz o filósofo ao pensá-lo. Então o filósofo pensa o universo. O último
pensamento não é numericamente distinto do próprio conhecimento de si do
Absoluto; não é uma duplicata ou cópia, mas parte dele. Quando o Absoluto me
toma, eu apareço ou existo com tudo o mais em seu campo de conhecimento
perfeito. Mas quando eu me tomo, eu apareço sem o maior número das outras
coisas em meu campo de ignorância relativa. Ora, a ignorância gera erros e eu
sofro a dor e o infortúnio. O Absoluto com certeza sabe que sou ignorante e
sofro dor; mas o Absoluto não sofre nem pode ser ignorante. Fatores e
experiências verdadeiras para o mundo em seus aspectos infinitos não podem,
portanto, ser verdadeiras para o Absoluto, para o mundo como um todo. Assim,
na medida de sua finitude e pluralidade, o conhecimento de si é diferente do
conhecimento de si como um todo e finito.

Essa discrepância radical é uma barreira para a intimidade, quase tão


grande, encontrada no teísmo. Nós, humanos, somos incuravelmente finitos e
temporais. Os caminhos do eterno não são nossos caminhos; quando O Monista
em seu prospecto original nos instava a “imitar o todo”, ele instava ao
impossível.
Idealismo monista

James continua a basear seu pluralismo no princípio vago da intimidade.


Os filósofos, infelizmente, sempre se interessaram pela limpeza do lixo que
aparentemente enche o mundo. Eles sempre têm um desejo constante em relação
à limpeza do monismo. O pluralismo, James admite, é um tipo de assunto turvo,
desordenado e gótico, e no primeiro momento pode provocar apenas o desprezo.
Mas o Absoluto, e Francis H. Bradley o tornou inegável, é-nos estranho:

Não é nem inteligência nem vontade; nem um eu nem uma coleção de eus; nem verdadeiro e
bom, nem belo… É, resumindo, um monstro metafísico… Como absoluto… o mundo repele
nossa simpatia por não ter história… [Ele] nem atua nem sofre; nem ama nem odeia; não tem
necessidades, desejos ou aspirações… [Mas] eu sou completamente finito, e todas as categorias
da minha simpatia estão entrelaçadas com o mundo finito… Se fôssemos apenas leitores do
romance cósmico, as coisas seriam diferentes; nós deveríamos, portanto, compartilhar o ponto
de vista do autor e reconhecer os vilões como tão essenciais quanto os heróis na trama. Mas
nós não somos os leitores, e sim as próprias personagens do drama mundial [47-49].

Cada um de nós é o herói para si e os vilões são os homens que se nos


opõem:

O mundo em que cada um de nós se sente mais intimamente em casa é os dos seres com
histórias que se passam em nossa história… Sem dúvida é mérito de uma filosofia fazer a vida
que levamos parecer real e sincera. O pluralismo, ao exorcizar o Absoluto, exorciza o grande
desrealizador da única vida em que nos sentimos em casa [49].

Se essa defesa do pluralismo parece emocional demais, James a equilibra


contra as frases igualmente emocionais dos absolutistas:

“Eu me rendo ao todo perfeito”, escreve Emerson; e onde você pode encontrar um objeto que
mais abra a mente? Quando você aceita a visão beatífica do que é, em contraste com o que
acontece, você se sente como se tivesse cumprido um dever intelectual [51].

Tendo, assim, equilibrado frases emocionais de admiração, James então


se põe tecnicamente a refutar o argumento de que o Absoluto é o pressuposto de
todo e qualquer saber, e de todo e qualquer pensar. Em primeiro lugar, James
expõe o argumento de Lotze: Se muitas coisas distintas, a, b, c etc., existem de
forma independente das outras, logo a não pode agir sobre b. Agir é exercer
influência. A influência se separa de a e encontra b? Se sim, como a influência
separada atua sobre b? Talvez por outra influência? Mas se de fato b recebe uma
ação, logo b já deve ter tido a capacidade de receber a ação; ou seja, a natureza
de b era de algum modo adequada de antemão à natureza de a. Portanto, a e b
não são seres distintos e independentes.

James responde que esse argumento é puramente verbal. As palavras


independente e distinto, tomadas de modo abstrato, sugerem só desconexão; e
não se pode deduzir influência mútua a partir da desconexão. Assim, Lotze muda
as palavras; ele chama a e b de interdependente, unido, um; e, observe, agora
podem interagir.
James afirma que a palavra interação, ou mesmo o reconhecimento da
interdependência, não explica a ação particular de um a particular sobre um
igualmente particular b. Mas não fica definido se o argumento de Lotze era
puramente verbal, pois ele não tentava explicar uma interação particular em sua
particularidade; ele tentava mostrar que qualquer interação pressupõe algum tipo
de relação anterior, um ajuste de b em relação a a. Dificilmente James será
justificado quanto à rejeição do monismo, pois seu argumento geral não explica
uma situação concreta em sua concretude. Ele se queixa de que os absolutistas
sempre pensam em extremos e nunca enxergam os graus de independência, os
graus de acaso e os graus de livre-arbítrio. (Que é um grau de livre-arbítrio?) Ele
insiste na existência de algumas conexões entre os objetos; mas

O absolutismo, por sua vez, parece sustentar que o termo “alguns” consiste em uma categoria
de todo infectada com a autocontradição e que as únicas categorias consistentes por dentro e,
portanto, pertinentes à realidade são “todos” e “nenhum”.

É possível, entretanto, que James tenha caído em uma pequena confusão


aqui. Na referência ao todos e ao nenhum, ele parece dizer que todo objeto finito
deve, de acordo com o absolutismo, relacionar-se com todos os outros objetos
finitos de todos os modos concebíveis. Dois devem ser maiores e menores que
três. Um objeto não pode manter alguma relação sem manter todas as relações.
Todavia, essa não é a posição do absolutismo. O absolutismo, e também o
teísmo, sustenta que tudo deve estar relacionado a todas as coisas de algum
modo; não há duas coisas completamente independentes, embora, apesar de
Lotze, elas possam ser distintas.
James, em sua página, parece dizer que tudo está relacionado de algum
modo a todas as coisas. Ao menos, suas palavras são: “Como se eu fosse
necessariamente um monomaníaco que nega com insanidade toda e qualquer
conexão”. Essa foi sua exclamação em face da insistência absolutista: “Mas
certamente, certamente, deve haver alguma conexão entre as coisas!”. O
absolutista quis dizer alguma conexão entre todas as coisas. Portanto, quando
James se recusa a ser um monomaníaco descontrolado, deve-se entender que ele
afirma alguma relação entre todas as coisas. De outro modo, sua resposta não se
oporia de modo direto ao absolutista. Veremos, no entanto, que em outras
páginas James nega de forma explícita a relação entre todas as coisas. Ele afirma
que algumas coisas estão de todo desvinculadas e independentes de outras.
Todavia, esse argumento não estabelece o pluralismo nem refuta o monismo.
Hegel e seu método

O teísmo sempre parece embaraçar James. Deveria ele preferi-lo ao


absolutismo por conta de seu dualismo ou deveria preferir o absolutismo por
causa do maior grau de intimidade? Sem dúvida, a intimidade vence e o
pluralismo fica com o segundo lugar. Mas, em todo o caso, James está seguro de
que o absolutismo e o teísmo não são a mesma filosofia. O Deus do cristianismo
é só um membro de um sistema pluralista. “Não posso conceber algo mais
diverso do Absoluto”, diz James, “que o Deus, digamos, de Davi ou de Isaías.
Esse Deus é um ser essencialmente finito no cosmo, não com o cosmo nele”
(111).
É possível agradecer a James por ter visto com tanta clareza o que os
teólogos liberais do século XIX perceberam vagamente, se é que perceberam. O
cristianismo não é hegelianismo. Mas qualquer que seja a plausibilidade que
James deseje reivindicar para o pluralismo, ela não pode ser tomada por
empréstimo de nenhuma aceitação popular do cristianismo. Sua asserção de que
o Deus do cristianismo é só um membro de um sistema pluralista não é
inequivocamente verdadeira. Embora as pessoas não sejam partes de Deus, como
são partes do Absoluto (e, neste sentido, o cristianismo pode ser taxado de
pluralismo), ainda assim a Providência divina unifica o mundo de uma forma
que James não está disposto a aceitar. Mesmo assim James está muito enganado
quando fala de Deus como um ser essencialmente finito no (o itálico é dele)
cosmo. James não só se engana quanto ao poder infinito e à completa onisciência
divina, mas ele também contradiz o princípio bem conhecido de que “nele
vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.28). De modo semelhante, James
está igualmente equivocado quando acrescenta: “Ele e nós ficamos fora um do
outro, exatamente do mesmo modo que [o itálico é meu] o Diabo, os santos e os
anjos ficam fora de nós dois” (110). Essas imprecisões deveriam ser apontadas,
pois na medida em que se baseiam em uma declaração errônea de cristianismo
— como objeções ao teísmo e à plausibilidade do pluralismo, o argumento de
James fica enfraquecido.
Ademais, James confia no problema do mal como objeção conclusiva ao
monismo e, sem dúvida, também ao teísmo. O pluralismo, ele nos diz, escapa a
essa dificuldade. Se há o Absoluto perfeito, o mal deve encontrar sua fonte nele,
pois não há outra fonte. Sem dúvida, isso não é muito íntimo; nem é racional. O
melhor mundo de Leibniz entre todos os possíveis, com uma Mônada Suprema
que não partilha as imperfeições de suas criaturas, que, por sua vez, não
partilham a visão reparadora que o Criador tem do todo, é um enigma insolúvel,
tanto em sentido intelectual quanto moral.

A essa objeção o absolutista responde de uma forma que o teísta não


pode usar de forma consistente. Visto que o Absoluto é o todo, os seres finitos
são suas partes constituintes. Exigir que as partes sejam perfeitas equivale a
demandar que elas não sejam partes, e sim o Absoluto. Mas James adverte que
essa resposta é, na verdade, uma arma pluralista: “A noção de que o Absoluto é
composto de constituintes dos quais seu ser depende é o mais completo
empirismo”. E conclui:

O todo idealmente perfeito é sem dúvida o todo cujas partes também são perfeitas… O
Absoluto é definido como o todo idealmente perfeito, embora a maior parte de suas partes, se
não todas, seja reconhecidamente imperfeita. Evidencia-se que o conceito carece de
consistência interna… Ele cria um enigma especulativo […] do qual a metafísica pluralista está
livre por inteiro [124].

O pluralismo escapa do problema do mal ao não lhe investigar a origem.


Ele toma o mal como fato inexplicável e pergunta apenas como não se pode
reduzi-lo.
A composição da consciência

O problema do mal e as questões sobre moralidade vão se repetir


algumas vezes em uma parte posterior da discussão. Por um pouco mais de
tempo, contudo, o caso contra o absolutismo terá sequência mediante o exame da
relação das partes com o todo. Lembre-se de que James havia definido o
racionalismo como a tendência de explicar as partes pelo todo, e tomara para si
mesmo o procedimento empírico de explicar o todo pelas partes. Como
precaução, este artigo mencionou que os arcos são geralmente explicados pelos
círculos e que um objeto estético não precisa ter partes estéticas. O próprio
James o reconhece e é instrutivo ver o que ele faz com isso.
Nos primeiros escritos psicológicos, James concebeu o conceito de uma
espécie de química mental. Como a combinação de hidrogênio e oxigênio
produz água, assim uma combinação de estados mentais mais simples produz
não só um estado mental mais inclusivo, mas também de qualidade diferente.
Usemos sua própria ilustração:

Não se pode dizer que a consciência do alfabeto não é nada além de 26 consciências, cada uma
de uma letra separada; elas são 26 consciências distintas, de cada letra sem as outras, enquanto
a chamada soma delas é uma consciência, de cada letra com suas companheiras. Há, assim,
algo novo na consciência coletiva [188].

Pelo fato de James não estar disposto a admitir a existência do eu, da


alma, ou de outro agente de combinação, ele tratou a consciência do alfabeto
como o vigésimo sétimo fato, o substituto, e não a soma das 26 consciências
mais simples. Mais uma vez ele ilustra:

Diga o que se quiser, doze pensamentos, cada um de cada palavra, não são do mesmo tipo
metal que o pensamento da sentença toda. Os pensamentos mais elevados, eu insisti, são
unidades psíquicas, não composições [189].

Nos anos em que ele sustentou esse ponto de vista, James aplicou seus
princípios ao Absoluto com coerência; ou seja, o Absoluto não pode ser a soma
das partes. A grande metáfora transcendental é composta de sílabas e palavras, e
o conhecimento de cada uma delas não garante a compreensão do todo. Então,
nós, seres finitos, conhecemos uma palavra ou frase, mas o Absoluto pensa a
sentença toda. Perceba, também, que o idioma não começou com a invenção de
palavras separadas, mas com o desejo de expressar declarações completas. De
modo semelhante, o Absoluto é a precondição do nosso pensamento finito.
Somos apenas seus fragmentos verbais.
James acredita com muita clareza que essa experiência se aplica às
sentenças e “literalmente à multidão de todos menores de experiência”. De
forma incidental, portanto, é possível sugerir que James não é um empirista
completo. Nestes casos, pelo menos, ele seguiu o procedimento racionalista.
Entretanto, talvez se possa permitir que o pluralista aceite a pluralidade de
epistemologias. Seria monista demais sustentar apenas uma de maneira coerente.
Embora o princípio racionalista se sustente em muitos casos menores,
argumenta James, ele não consiste em auxílio real para o absolutismo. Se
analisada com cuidado, a noção de que somos parte do campo eterno do
Absoluto da consciência traz à tona grandes dificuldades.
Por exemplo, se o Absoluto nos faz ao nos conhecer, não podemos existir
de modo diferente de como ele nos conhece. Ora, ele conhece cada um de nós de
maneira indivisível do restante, como as palavras de uma oração são conhecidas
em conjunto quando a oração toda é compreendida. No entanto, nós mesmos nos
experimentamos de forma ignorante e divisa; temos dúvidas e curiosidades
incapazes de perturbar o Absoluto. Portanto, na verdade, nós existimos, sim, de
modo diferente do conhecido pelo Absoluto.
James admite que o teísmo não enfrenta essa objeção. Distinto do
Absoluto, o Deus do cristianismo, ao criar os homens, dota-os com uma
perseidade que o Absoluto não pode dar. O teísmo pode supor que Deus seja um
agente mental que unifica em uma visão o conteúdo da mente diversa de cada
um de nós. Contudo, o idealismo panteísta — com a insistência que somos
literalmente partes de Deus, ou antes, do Absoluto — não pode permitir que o
homem exista senão como o Absoluto o experimenta.
Todavia, a reflexão ulterior levou James a modificar as objeções
anteriores ao absolutismo inspiradas pela psicologia. Ele estava perplexo,
ressentido e enciumado porque os absolutistas fizeram pouco caso das objeções
como se fossem triviais. Visto que as objeções lhe eram tão pesadas ― elas
pareciam logicamente persuasivas — os absolutistas deveriam ao menos ter
tentado encará-las em vez de ignorá-las. Para James, parecia que os absolutistas
usavam um tipo de lógica intelectual para estabelecer sua posição e, então,
desconsideravam a mesma lógica quando usada para atacá-los.
O absolutismo enfrenta um dilema. Se toda existência é mental, como ele
afirma, então os estados mentais são como aparecem. Ninguém finge que a dor,
como tal, apenas se parece com a dor, mas em si mesma é diferente [dela]. No
entanto, sendo assim, os níveis mais altos e mais baixos no universo não podem
ser entes idênticos, como se afirma.
Ou, os absolutistas podem reter o princípio de que a existência mental é
como aparece e postula um agente distinto de unificação para fazer o trabalho de
um conhecedor de tudo, exatamente como se espera na opinião comum que
nossa respectiva alma ou o eu faça o trabalho de conhecedor parcial. No entanto,
apesar dos protestos de amizade relativos à unidade de apercepção
transcendental de Kant (como se fosse um agente de combinação), o monismo é
insensível à alma ou aos agentes de fala do Absoluto constituídos pelas próprias
experiências finitas. Ele é o alfabeto, e nós somos as letras: na verdade, não
como se o alfabeto fosse algo adicional às letras, mas sim como se fosse apenas
outro nome dado às próprias letras. A forma do todo sem dúvida difere da forma
do cada, mas os conteúdos são os mesmos. No entanto, isso contradiz mais uma
vez o princípio idealista de que um fato mental consiste apenas em sua
aparência; ou seja, o pluralismo é inescapável. É impossível tratar a experiência
coletiva de qualquer grau como logicamente idêntica ao conjunto de
experiências distributivas.
No entanto, James não se satisfaz totalmente com este argumento contra
o monismo. Isso o leva à direção pela qual ele não se importa em seguir. Se, na
psicologia, observamos cada fato mental complexo como uma entidade
separada, suplantando outros erroneamente chamados suas partes — mas sem se
compor deles de fato —, na teologia deveríamos substituir o absolutismo pelo
teísmo. Tal é a força da lógica. Todavia, o teísmo é tão intolerável que agora
somos forçados a questionar nossa lealdade à lógica.
A perspectiva absolutista de permitir inescrupulosamente que campos
mentais se componham para tornar o universo mais contínuo não pode ser uma
contradição encarnada. Ainda que fosse pluralista, James queria ser tão monista
quanto possível. Por isso, se a lógica conflita com a perspectiva absolutista, pior
para a lógica. “A lógica, sendo inferior, a abstração estática e incompleta deve
sucumbir à realidade, não a realidade à lógica” (207). Portanto, os absolutistas
foram justificados no ato de ignorar as objeções à sua teoria.
Assim, James encontrou-se em um impasse, um dilema, ou melhor, um
trilema. Ele se veria obrigado a abandonar a “psicologia sem a alma” (com a
qual toda a sua educação científica e kantiana o comprometeu), e nesse caso
precisaria reintroduzir agentes espirituais que fariam conhecer e combinar os
estados mentais;[3] ou ele teria de confessar que o problema era insolúvel e
desistiria da lógica intelectualista, ou admitiria que a vida é irracional. (Talvez o
leitor possa ser desculpado ao pensar que as duas últimas opções são idênticas.)

Ora, a primeira possibilidade ― a admissão da alma ou de agentes


espirituais ― é infecunda:

Não se pode mergulhar mais fundo no fato de que uma centena de sensações são compostas ou
conhecidas em conjunto pelo ato de pensar que uma “alma” faz a composição do que você vê
em um homem de oitenta anos de vida mediante o ato de pensar nele como octogenário [209-
210].

Então? Sem dúvida não há mais informação contida na expressão


“octogenário” que em “oitenta anos de idade”; mas as duas, de alguma forma,
parecem pressupor o homem que executa a ação de viver.
Algum dia, admite-o James, as almas podem ser aceitas novamente; mas
só depois do acréscimo a elas de certo significado pragmático. E depois?
Podemos abandonar a lógica e afirmar que a experiência humana é
fundamentalmente irracional? Hegel foi o primeiro escritor não místico a
abandonar a lógica ordinária, reservando um pseudorracionalismo para o
universo ao inventar seu processo dialético. Bradley reteve a lógica e por meio
dela culpou o universo humano de estar irracionalmente encarnado. Ele, a seguir,
acrescentou que o Absoluto é aliviado da irracionalidade de alguma maneira
secreta que é sua, acerca da qual não podemos sequer conjecturar.
“De minha própria parte”, diz James, “finalmente encontrei-me impelido
a abandonar a lógica, de modo justo, honesto e irrevogável” (212). De fato,
podemos dizê-lo, James foi forçado pela lógica a abandonar a lógica. Sem
dúvida, a lógica tem alguma utilidade na vida humana. Mas a realidade, a vida
ou a experiência excede a lógica, transborda-a e circunda-a. Se parece
desagradável chamar a realidade de irracional, ao menos ela é não racional:

e por realidade aqui eu me refiro à realidade em que as coisas acontecem, toda realidade
temporal sem exceção. Eu mesmo não encontro nenhuma boa garantia para sequer suspeitar da
existência de alguma realidade de uma denominação mais elevada que a espécie de realidade
distribuída, consentida e fluente na qual nós seres finitos estamos imersos [213].

No entanto, se houvesse uma realidade mais elevada, seria menos


agradável para a lógica.
Conclusões

Em todo o argumento contra o absolutismo e pelo pluralismo há uma


motivação religiosa. Os estudos de James em Varieties of Religious Experience
[Variedades da experiência religiosa] o convenceram de que a experiência
religiosa era real e importante. Mas isso ultrapassa a razão. A razão nunca
poderia ter antecipado que a nova vida de Martinho Lutero sobrepujaria seu
desespero anterior. Essa experiência não pode ser explicada pelo naturalismo
nem pelo teísmo.
É muito estranho que James afirmasse, sem se basear em um argumento,
que o Deus de Abraão e de Isaías não pudesse ser responsável pela conversão de
Lutero. Pode-se perceber que o ódio arraigado contra o cristianismo leva os
homens a fazer declarações absurdas e de falsidade tangível. Talvez o
absolutismo considere a conversão evangélica um pouco embaraçosa, mas não é
isso o teísmo? Não é isso o que Deus faz?
Entretanto, James chega à conclusão de que as variedades da experiência
religiosa apontam para a existência de um “eu mais amplo do qual fluem
experiências salvadoras”. O “eu mais amplo” pode na verdade consistir em certa
quantidade de “eus”. Fechner era declaradamente panteísta e só pelo fato de o
termo panteísmo ser ofensivo a ele, James se recusou a usá-lo. Mas em todo o
caso, o único jeito de escapar dos dilemas e das perplexidades do absolutismo é
ser pluralista e presumir que a consciência sobre-humana contenha um ambiente
externo e seja, por conseguinte, finita: no conhecimento, no poder, ou nos dois
ao mesmo tempo.

O pluralismo com seu finito deus, ou deuses, produz um desvio curioso


que James parece não perceber. Ele continua a insistir:

Assim, o estranhamento fica banido de nosso mundo… Somos, de fato, partes internas de Deus
e não criações externas… No entanto, visto que Deus não é o Absoluto, mas ele mesmo
consiste em uma parte quando o sistema é concebido de modo pluralista, suas funções podem
ser tomadas como não totalmente dissimilares das de outras partes menores… [318].

Ora, em primeiro lugar, o pluralismo pode afirmar com coerência que


somos partes internas de Deus? Se há muitos deuses, de quais deles somos
partes? E se Deus também é uma parte, como James acabou de dizer, o resultado
mais elevado não é o absolutismo?
Sendo tão vigoroso em sua rejeição do absolutismo, suponhamos que a
referência de James ao fato de sermos partes internas de Deus tenha sido um erro
de escrita. Deve admitir-se, entretanto, que há diversos erros de escrita na seção.
Em um momento ele diz:

Toda parte, embora não esteja em conexão real ou imediata, encontra-se, contudo, em certa
conexão possível ou mediada com todas as outras partes, ainda que remota, mediante o fato de
que cada parte permanece unida com seus vizinhos muitos próximos em uma fusão
inextrincável [325].

Mas se descontamos o tom monista dessas palavras e continuamos seu


pluralismo vigoroso, então se tem um politeísmo ou pampsiquismo que ele não
nega, e até mesmo parece aprovar. Todo deus, portanto, toda alma e espírito ―
embora James queira a psicologia sem a alma ― será parte de um sistema
pluralista:

Tudo que se possa pensar, por mais vasto ou inclusivo, tem sob a óptica pluralista um ambiente
genuinamente “externo”… Nada inclui tudo […] algo sempre escapa… Ainda que possa ser
coletado, ainda que muito possa ser relatado como presente em qualquer centro efetivo de
consciência ou ação, algo mais é autogovernado, ausente e irredutível à unidade [321-322].

Mas agora, em segundo lugar, essa construção pode banir o


estranhamento que James considera tão desagradável? Sem dúvida, posso ser
íntimo de um deus ou de vários, mas eu posso ser integralmente íntimo do
pampsiquismo pluralista sem ser eu mesmo o centro efetivo de consciência em
que tudo está presente?
Ademais, embora James afirme que o pluralismo se recusa a perguntar
sobre a fonte do mal, ele deve ter alguma fonte no cosmo. Alguma parte do
universo, algum deus ou outro, deve ser sua origem. Portanto, posso presumir,
sem dúvida, que sou tão bom quanto James acredita ser, e também tão íntimo e
solidário ao mal quanto ao bem? Eis questões cujas respostas não são
encontradas com facilidade no pluralismo de James, problemas varridos para
baixo do tapete com a lógica. Ao tipo de religião envolvida e à distinção entre o
bem e o mal, teremos de voltar mais tarde.
IV. PRAGMATISMO

No relato precedente do pluralismo de James, observou-se sua oposição


ao intelectualismo e o repúdio da lógica. Dois anos antes da publicação de A
Pluralistic Universe [Um universo pluralista], ele havia publicado Pragmatism
[Pragmatismo], e nele a verdade e a lógica são bastante discutidas.
O significado do pragmatismo

Sob esse título James pergunta se um caçador circunda um esquilo, se,


enquanto ele anda ao redor da árvore, o esquilo sempre se mantém do lado
oposto do tronco. A solução proposta por James para a parte caçadora, como se
ela ficasse sentada ao redor de uma fogueira, é que noite fria de inverno era
simplesmente duas definições do termo ao redor. Se se quiser dizer para o norte,
para o leste, para o sul ou para o oeste do esquilo, a resposta é sim; mas se se
quiser dizer em frente, na direita, na parte de trás e na esquerda a resposta é não.
Mas em vez de aceitar a solução como mera questão de definição
escolástica, James conclui que o conceito “ao redor” ― e qualquer outro
conceito ― significa suas consequências práticas. Quando se pergunta: O
mundo é um ou muitos? Material ou espiritual?

o método pragmático em tais casos é tentar interpretar cada noção traçando suas respectivas
consequências práticas… Se nenhuma diferença prática puder ser traçada, então as alternativas
significam quase o mesmo [Pragmatism, 45].

James concede a Peirce o crédito da descoberta desse princípio


pragmático. Afirmando que todas as crenças são realmente regras para a ação,
Peirce sustentou que para desenvolver o significado de um pensamento precisa-
se apenas determinar a conduta que ele é capaz de produzir: para nós, essa
conduta é seu único significado. Não importa quão sutil seja o conceito, ele
consiste em nada mais que uma diferença possível na prática.[4]
“Nossos conceitos desses efeitos”, diz James, “nossas reações, nossas
sensações, as ‘consequências práticas’, sejam imediatas ou remotas, são, assim,
para nós o todo do conceito sobre o objeto, na medida em que o conceito conta
com um significado positivo, afinal” (47).

Disso se segue ― e não deve ser assim? ― que o conceito do universo


pluralista não é a descrição de nenhuma realidade independente de mim. Seu
significado consiste apenas no meu comportamento. De modo semelhante, de
modo independente do deus que possa existir, ele é incapaz de existir como
consciência além da minha; deus é apenas o que eu faço. Já o absolutismo não
passa da conduta prática de Hegel, Bradley e seus colegas. Os conceitos
metafísicos, portanto, são em essência ações a serem julgadas por padrões
morais. Mesmo a massa, a energia, o comprimento e o tempo devem recair na
esfera da ética. Cada uma destas palavras, Deus, matéria, razão etc., deve ser
dada

em caução prática… Isso se parece menos como uma solução, portanto, que com um programa
para mais trabalho e, de modo particular, como uma indicação de que forma as realidades
existentes podem ser mudadas. As teorias, assim, tornam-se instrumentos dos enigmas, e não
sua resposta [grifos do autor; 53].

A ênfase sempre crescente na conduta, na alteração das coisas, nos


programas e instrumentos, mostra com mais clareza a cada capítulo que o
pragmatismo é em sentido fundamental uma teoria da moralidade.
James recomenda o pragmatismo com muitas palavras honestas: ele “se
afasta da abstração e da insuficiência […] de razões a priori ruins [todas as
razões a priori são ruins], de princípios fixos e sistemas fechados”; ele se volta
para “o ar livre e as possibilidades da natureza, como contra o dogma, a
artificialidade e a pretensão de finalidade na verdade” (51).
Na verdade, o próprio conceito do pragmatismo significa diferenças na
conduta. Dá a entender uma enorme mudança na prática filosófica. Mostra que
professores racionalistas ficariam congelados fora das posições da universidade
(51-52) e só os pragmáticos apontam para Harvard.
O racionalismo supôs que as leis da ciência consistiam nos pensamentos
eternos do Todo-Poderoso, que trovoava em silogismos e reverberava em seções
cônicas. Mas agora, diz James (e isso se tornou muito mais claro a partir da
época dele), as leis científicas são consideradas, na melhor das hipóteses, meras
aproximações. Ademais, há tantas formulações rivais, que os cientistas
reconhecem que nenhuma delas é a transcrição da realidade. Não passam de
linguagem produzida pelo homem que exibe uma considerável arbitrariedade
humana. Ou seja, as

ideias […] se tornam verdadeiras na medida exata em que nos ajudam a entrar em uma relação
satisfatória com outras partes de nossa experiência… Quaisquer ideias nas quais podemos
viajar […] ligando coisas de maneira aceitável, trabalhando com segurança, simplificando,
poupando trabalho, são verdadeiras na quantidade exata, verdadeiras na extensão certa,
verdadeiras como instrumentos [58].

Ao mencionar como as novas informações e descobertas ― como a


descoberta do rádio alterou o conceito de conservação de energia ― perturbam
as velhas ideias, James escreveu:

A verdade puramente objetiva, a verdade em cujo estabelecimento a função de dar satisfação


humana casando partes anteriores, não desempenhou nenhum papel, não pode ser encontrada
em lugar nenhum. As razões pelas quais chamamos algo de verdadeiro decorrem de sua
veracidade, pois “ser verdadeiro” significa apenas realizar a função de casamento… A verdade
independente; a verdade meramente descoberta; a verdade não maleável à necessidade
humana; que os pensadores de mente racionalista julgavam existir […] representa apenas o
coração morto da árvore viva, e estar lá significa somente que a verdade também tem
paleontologia própria… No entanto, a transformação das ideias lógicas e matemáticas tem
mostrado vividamente quão plásticas são, de fato, as verdades mais antigas… [64-65].

Por conseguinte, “se as ideias teológicas demonstram ter valor para a


vida concreta, serão verdadeiras para o pragmatismo, no sentido de serem boas
para tanto” (73). Como foi dito antes, Deus é meu comportamento. Assim, o
Absoluto é meu comportamento. O Absoluto significa que podemos tirar férias
da moral e não carregar a responsabilidade pelo universo todo de modo
contínuo. “Caso esse seja o significado do Absoluto, e nada além, quem pode
negar sua veracidade? Negá-lo equivaleria a insistir que os homens nunca
deveriam relaxar” (75).
O absolutista, no entanto, carente de férias, seria capaz de relaxar se
fosse convencido de que o Absoluto significa apenas o seu descanso? Não é
necessário acreditar que o Absoluto, ou Deus, é algo diferente do próprio
comportamento, caso acredite que as coisas ficarão bem?
Alguns problemas metafísicos

Além da afirmação geral do pragmatismo, James é bom o suficiente para


nos dizer o significado do pragmatismo, não só com respeito ao emprego de
professores universitários, mas também com respeito a alguns problemas
metafísicos. Dois deles serão considerados aqui com brevidade: a substância e
Deus.
Todos utilizam a distinção entre substância e atributo por ter sido
preservada na própria estrutura da língua como sujeito e objeto. Supomos que o
giz consiste em uma substância cujos atributos são branco, cilíndrico, friável,
insolúvel etc. De modo similar, os atributos desta escrivaninha são inerentes à
substância da madeira e nossos pensamentos e sentimentos são propriedades da
alma substancial.
No entanto, tudo que conhecemos das substâncias são seus atributos. À
parte, e além, de o giz ser branco, cilíndrico e friável, não sabemos nada sobre o
giz. O próprio grupo de atributos é a única caução da nossa experiência real. Se
fôssemos arrancados dos atributos, jamais suspeitaríamos da existência da
substância. No entanto, os nominalistas concluem que a substância consiste em
uma ideia espúria, em mero nome para um grupo de qualidade. Na verdade, as
propriedades não são inerentes a nada; elas são inerentes ou coerentes entre si.
Por trás do simples fato da coesão, não há nada mais.

O único valor pragmático já concedido ao conceito de substância é o


dogma católico romano da transubstanciação. Nessa superstição romana, as
propriedades do pão permanecem idênticas, mas a substância se converte na
substância do corpo de Cristo, para que o receptor ingira a graça. Todavia, como
se reconhece, ninguém poderia descobrir nada disso por observação empírica; e,
além disso, a substância não significa absolutamente nada.
A refutação filosófica da substância material foi realizada pelo bispo
Berkeley. Esse observador arguto interpretou o mundo da forma exata que
aparenta ser (branco, cilíndrico e assim por diante) sem qualquer matéria não
observável subjacente. Berkeley, portanto, interpretou a substância material de
modo pragmático, apenas como o nome das coleções de experiências sensoriais.
John Locke (de certa forma inconsistente) e David Hume aplicaram a
mesma crítica à substância espiritual. O racionalismo explicara a continuidade
prática em nossa existência por meio da unidade da substância da alma. Mas
Locke e Hume argumentaram não haver diferença pragmática entre a
continuidade da consciência em si mesma e a continuidade inerente a um
princípio espiritual. James afirma, repetindo Locke: Suponha que Deus remova
nossa consciência e nos deixe o princípio da alma:

Seríamos melhores por ainda contarmos com o princípio da alma? Suponhamos que ele
anexasse a mesma consciência a diferentes almas, seríamos nós, como nos percebemos, piores
por esse fato? [90-91].

Portanto, James concluiu: a alma é só o nome das coesões verificáveis da


vida interior.
Apesar da oposição aguda entre materialistas e espiritualistas, ele
continua, a matéria e o espírito são equivalentes em relação aos significados
tradicionais. É verdade que o materialismo é considerado rude e grosseiro; o
espiritualismo é refinado e intelectual. No entanto, Herbert Spencer expôs essa
avaliação emocional ao mostrar que uma “matéria” tão infinitamente sutil para
satisfazer as necessidades da ciência moderna não deixou para trás nenhum traço
de grosseria; por sua vez, o espírito, de acordo com o conceito tradicional, é
grosseiro em demasia para explicar a tenuidade requintada dos fatos da natureza.
Ambos os termos, portanto, são apenas símbolos da realidade que não pode ser
conhecida em que as oposições cessam.
James não faz uma pausa aqui para criticar a realidade que não pode ser
conhecida de Spencer, mas continua a insistir que o materialismo e o
espiritualismo são equivalentes. Qual a diferença prática entre os dois?

Não faz um pingo de diferença enquanto o passado do mundo seguir […] Imagine, na verdade,
que os conteúdos inteiros do mundo estejam apresentados de uma vez por todas e de modo
irrevogável. Imagine-o acabar exatamente agora e não ter futuro; e então deixe um teísta e um
materialista aplicarem suas explicações rivais à história mundial. O teísta mostra como um
Deus o fez; o materialista mostra, e talvez com igual sucesso, como ele resultou de forças
físicas cegas… O pragmático deve, por conseguinte, dizer que as duas teorias, apesar de os
nomes parecerem diferentes, querem dizer exatamente a mesma coisa [96-97].

Mas talvez esteja na hora de pausar por um momento e examinar a


construção dessa objeção. Há diversos pontos que devem ser destacados. Em
primeiro lugar, presumamos que James procede como um pragmático
consistente. Então, no que se refere à história passada, Deus e a matéria são
explicações igualmente falhas, pois, de acordo com a teoria pragmática da
verdade, as ideias são planos de ação futura cuja caução consiste na nossa
própria conduta.
Todavia, James pode proceder como um pragmático consistente e ainda
apresentar sua objeção? Na medida em que o pragmatismo puder se livrar de
Deus e da matéria ao identificá-los como nossa conduta futura, talvez o
pragmático fique satisfeito. Mas isso levanta a segunda questão a respeito de o
pragmatismo poder de fato explicar o passado. É possível que James se permita
ser um pouco inconsistente e, de uma forma ou outra, deixar que as ideias sejam
identificadas com os acontecimentos passados e com os eventos futuros. Isso
parece estar envolvido na parte do argumento em que ele reduz Deus, a alma e a
matéria a “substâncias”, e interpreta a substância como mero nome para as
coleções de qualidades e eventos. Nesse caso, Deus e matéria seriam nomes
dados aos próprios acontecimentos passados. Mas também o seria qualquer outro
conceito que James considere melhor que os tradicionais. Pela mesma razão, os
conceitos de James seriam tão desprovidos de valor quanto Deus e a matéria,
pois não explicariam o passado ― eles seriam o passado. Em princípios
pragmáticos, portanto, não se pode apresentar nenhuma explicação.
Em seguida, está claro agora que James não pode apoiar sua objeção em
uma base estritamente pragmática. Deve-se tomá-lo como argumento ad
hominem, pois seus termos só fazem sentido de acordo com a interpretação
intelectualista dos termos matéria e Deus. No entanto, como argumento ad
hominem, a objeção é fraca, pois seus oponentes não permitirão que James dê o
mesmo significado aos dois termos. Na perspectiva tradicional, Deus e matéria
têm significados bastante diferentes. Matéria significa átomos inertes, como o
próprio James admite (99); Deus, por sua vez, significa a inteligência onipotente.
Com esses significados, há uma implausibilidade prima facie em supor que se
tratem de explicações igualmente bem-sucedidas da história passada. No
entanto, a força total da objeção de James é a suposição duas vezes afirmada do
sucesso equivalente. Sem dúvida, trata-se de uma petitio principii.
A petitio ocorre também em outra forma. Umas poucas páginas antes, ao
falar sobre a alma e a substância, James apresentou a suposição de que Deus
possa remover nossa consciência enquanto nos deixa o princípio da alma. Assim,
parece que James entende, bem ou mal, a substância espiritual como inerente e
inconsciente. Mas essa não era a perspectiva de Descartes, nem de Leibniz, nem
de Berkeley, nem de Agostinho, nem de ninguém. Em todos os casos, a alma era
definida como um ser ativo e de percepção; e remover o poder da percepção
equivaleria a destruir a alma. A objeção de James, portanto, baseia-se em
contradições.
Depois disso, James também presume, ao elaborar esse teste, que o
mundo chega ao fim exatamente agora e não tem futuro. Mas não se pode
presumi-lo com princípios pragmáticos nem intelectualistas. Pois os conceitos de
James, como já insistimos, devem se referir a consequências práticas; eles são as
regras da ação, a ação futura. Como foi mencionado antes, Deus e a matéria não
são a solução, mas “um programa para mais trabalho e particularmente como
indicação do modo de alteração das realidades existentes. Assim, as teorias
tornam-se instrumentos, não respostas para enigmas”. Portanto, James não pode
apelar por si mesmo à objeção que ele elaborou. Nenhum conceito, nem mesmo
o do pragmatismo, teria qualquer significado nessa suposição. Nem o pode a
objeção de um argumento ad hominem, visto que os teístas não concederão que o
mundo não tenha futuro. Os teístas cristãos predizem a ocorrência do julgamento
futuro de forma bastante explícita.
Em uma passagem assim John Dewey pode encontrar a justificativa para
a acusação de que James oscila com incoerência entre o pragmatismo e o
intelectualismo. Às vezes, James liga um conteúdo intelectualista ao conceito de
Deus e deseja que isso seja testado na experiência, mas outras vezes argumenta
que os conceitos são precisamente seus efeitos futuros no comportamento
humano. Só com a combinação dessas perspectivas incompatíveis ele pode
elaborar seu dilema, esta objeção confusa e fútil.
Sem dúvida, James também espera um futuro; e tenta defender, em
conexão com o futuro, algum tipo de uma crença em Deus. Por mais estranho
que pareça, ele argumenta: a matéria pode fazer tudo o que Deus seria capaz de
realizar no passado; contudo, a matéria não pode fazer o que Deus é capaz de
realizar no futuro: “O teísmo e o materialismo, tão indiferentes quando tomados
em retrospectiva, apontam, quando tomados de forma prospectiva, para
percepções da experiência completamente diferentes” (103). O conceito de
matéria aponta para a morte do cosmo:

As energias de nosso sistema decairão, a glória do Sol se escurecerá… O homem vai para o
fundo do poço e todos os seus pensamentos perecerão… Já a noção de Deus […] garante a
ordem ideal que será preservada de forma permanente [105-106].

A escolha entre essas perspectivas é de ordem moral. As mentes


superiores se preocupam com seriedade em relação à ordem ideal; o
materialismo apela apenas a homens vazios. A religião incita nossos momentos
mais estrênuos e justifica nossa confiança e alegria. De modo semelhante, o
livre-arbítrio é uma teoria cosmológica geral da promessa; é uma doutrina
religiosa de auxílio. O determinismo é a ausência de promessa e de esperança:
“As palavras Deus, livre-arbítrio, projeto etc. não têm nenhum outro significado
além do caráter prático” (121). Defina-as em sentido intelectual e você
contemplará com estupidez uma imitação pretensiosa. Só o pragmatismo pode
lhes dar um significado positivo.
No entanto, apenas uma questão ― a mesma questão mais uma vez: se
Deus e o livre-arbítrio não terão nada além de um significado pragmático; se,
como James repete na introdução do capítulo subsequente: “O projeto, o livre-
arbítrio, a mente absoluta, o espírito em vez de matéria, têm como significado
único a promessa mais bem relacionada ao resultado do mundo” (127); ou seja,
se Deus conta apenas com o significado pragmático de ser minha esperança
subjetiva, e não o Ser transcendente e onipotente, definido de forma intelectual,
em que sentido “Deus” pode garantir a preservação da ordem ideal depois da
morte do sistema solar? O pragmatismo, portanto, não fará o que James deseja;
ele não funcionará; logo, é falso.
O pragmatismo e o senso comum

Mais uma vez James contrasta a hipótese de que a unidade do universo é


encontrada no conhecedor onisciente com a hipótese oposta de que o campo
mais vasto do conhecimento ainda contém alguns fatos ignorados. Ele conclui de
pronto, a partir do fato de serem substitutos lógicos, que o segundo pode ser
aceito com legitimidade, pois “estamos comprometidos a tratá-lo com tanto
respeito quanto o monismo noético até que os fatos tenham virado o jogo;
[portanto] nosso pragmatismo, originariamente nada além de um método,
forçou-nos a sermos amigáveis à perspectiva pluralista” (166). É evidente que
James não demanda muita força. Deve-se, contudo, conceder a James que nosso
conhecimento é incompleto e examinar sua explicação sobre seu
desenvolvimento.
Em primeiro lugar, nosso conhecimento se desenvolve de modo desigual.
Aceitamos a nova ideia, descartamos a ideia antiga, enquanto todo o restante
dificilmente é alterado de alguma forma. A mudança continua, mas continua
com muita lentidão: “Segue-se que modos muito antigos de pensamento podem
ter sobrevivido ao longo de todas as mudanças mais recentes na opinião dos
homens” (169). O resíduo é o que chamamos senso comum; ou seja:

nossas formas fundamentais de pensar sobre as coisas foram descobertas por ancestrais remotos
e conseguiram se preservar ao longo da experiência de todo o período subsequente… Fôssemos
lagostas ou abelhas [teríamos desenvolvido outras categorias não humanas]. Pode ser também
(não podemos negá-lo de modo dogmático) que as categorias inimagináveis por nós hoje
tivessem se mostrado em geral tão úteis para lidarmos mentalmente com nossas experiências
quanto as que nós de fato usamos [171].

É inegável que a descrição de James se encaixa no desenvolvimento e na


substituição da maior parte — senão de todos — dos conceitos científicos.
Força, massa, energia, campos magnéticos e valência química — tão diferentes
dos conceitos da Física de Aristóteles, Livro VIII, e dos conceitos psicológicos
do próprio James sobre o hábito e a consciência — foram inventados só no
passado recente e já passaram por modificações consideráveis. Todavia, a
descrição de James é aplicável a todos os conceitos? É o bastante afirmar sem
argumentos que o espaço e o tempo, longe de serem intuições kantianas, “são
construção tão patentemente artificiais quanto qualquer outra que a ciência pode
demonstrar” (178)? Se fosse assim, se conceitos substitutos inimagináveis por
nós hoje pudessem ter sido tão úteis quanto o espaço e o tempo, então nossos
ancestrais remotos teriam de ter passado por experiências fora do espaço e do
tempo. Aliás, essa sugestão é inimaginável para a discussão.
Ademais, permitiremos que James confie em afirmações como: estes
conceitos “podem ter sido descobertos de modo bem-sucedido por gênios pré-
históricos”, e “podem ter se espalhado até que toda a linguagem ficasse sobre
eles” (182-183); e concluir que os conceitos de implicação e contradição podem
ter sido, ou ainda podem ser, substituídos com uma lógica diferente, porém
inimaginável dessas suposições frágeis? Se isso fosse possível, se as leis da
lógica fossem construções artificiais, então um filósofo poderia aceitar o
monismo e o pluralismo, o racionalismo e o empirismo; e toda implicação seria
válida e inválida ao mesmo tempo.
O conceito de verdade do pragmatismo

James está muito perturbado porque os racionalistas atacaram com muita


ferocidade a perspectiva da verdade de Ferdinand C. S. Schiller e de John
Dewey e a “compreenderam muito mal”. Ele, portanto, deseja fazer “uma
afirmação clara e simples” a seu respeito (197).
Em primeiro lugar, James destaca a dificuldade de sustentar que a
verdade é a cópia da realidade como a fotografia é a reprodução do seu objeto.
Essa identificação da verdade com imagens da memória foi, de fato, feita na
história da filosofia, mas a referência a Descartes, Hegel e Brand Blanshard
mostra que as viradas de sorte do intelectualismo independem dessa teoria. O
próprio James admite:

alguns idealistas parecem dizer que elas [nossas ideias] são verdadeiras sempre que constituem
o que Deus deseja que pensemos sobre o objeto… No entanto, a grande suposição dos
intelectualistas é que a verdade significa em essência uma relação estática e inerte [199-200].

Se ele tivesse dito que a verdade para o intelectualismo é uma relação


estável e dependente, a conotação e a sugestão teriam sido diferentes. Visto que a
verdade é imutável para o intelectualismo, a posse da verdade ou do
conhecimento, preenche

o destino pensado [de alguém] […] e nada mais precisa se seguir ao ápice do destino
racional… Já o pragmatismo questiona… “Suponha que uma ideia ou crença seja verdadeira”,
diz, “que diferença concreta este ser verdadeiro fará na vida real de uma pessoa?… Que
experiências serão diferentes das obtidas se a crença fosse falsa?” [200].

Ao formular a questão desse modo, James insinua que a verdade


intelectual não pode ter consequências práticas, e que a atenção às consequências
é a pretensão unicamente do pragmatismo.
James está muito equivocado nisso. Que a ideia intelectualista e imutável
de Deus seja um Espírito infinito, eterno e imutável em seu ser, dotado de
sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade. Ora, se esse Espírito
realmente existe, ou seja, se essa ideia se refere a uma realidade verdadeira,
seguem-se centenas de conclusões práticas. E, se esse Espírito não existe, então
se seguem daí centenas de conclusões práticas bastante diferentes. James,
portanto, falha na tentativa de culpar o intelectualismo de não ter nenhuma
relação com a conduta.
Além disso, deseja-se aprender as aplicações práticas do pragmatismo em
relação à sua teoria da verdade:

A verdade de uma ideia não é uma propriedade estagnada e inerente a ela. A verdade acontece
com uma ideia. Ela se torna verdadeira, é feita verdadeira pelos eventos. Sua veracidade é na
verdade um evento, um processo: o processo, a saber, da própria verificação, da sua
verificação. Sua validade é o processo de sua válida-ação [201].

Se, agora, James se permite chamar um conceito intelectualista de


“estagnado”, não podemos interpretar o precedente, com mais razão, como uma
afirmação de que a verificação é um processo de tornar falsas ideias em
verdadeiras? Elas não são verdadeiras para começar; elas devem se tornar
verdadeiras. Como consequência, elas começam como falsas. Assim, o
pragmatismo é a tentativa de fazer o pior argumento parecer o melhor.
O processo de verificação, entretanto, não está explicado com tanta
clareza. Seria bom saber como uma ideia falsa, ou qualquer ideia não verdadeira,
torna-se verdadeira. James fala da verificação como uma série de eventos ou
experiências que nos leva para dentro de outras experiências, ou em direção a
elas, para que as transições de ponto a ponto sejam progressivas, harmoniosas e
satisfatórias. Essa afirmação é extremamente vaga e James tenta clareá-la com
um exemplo:

Caso eu me perca na floresta e esteja faminto, e encontre algo parecido com uma trilha de
vacas, é de extrema importância que eu pense em uma habitação humana no fim dela, pois se o
fizer, eu me salvarei [203].

O exemplo, infelizmente, não explica como uma falsa trilha de vacas


pode se tornar uma verdadeira trilha de vacas, ou como a direção errada de
qualquer trilha pode se tornar a direção certa. Seguindo por uma trilha de vacas e
chegando a uma casa, pode mostrar que minha ideia ou estimativa fosse
verdadeira o tempo todo, mas nada do que James disse explica como algo se
torna verdadeiro, sem sê-lo antes. Tampouco, repito, James foi bem-sucedido ao
se despojar da verdade antecedente e intelectualista de importância prática.
James, na verdade, protesta pelo fato de a produção da verdade não
consistir em um assunto que seja tratado de forma despreocupada. A verdade é o
que funciona; mas entre as exigências da realidade sensorial e a consistência
necessária do pensamento correto, “o aperto é tão forte que há pouca atuação
livre para qualquer hipótese. Nossas teorias são muito forçadas e controladas”.
No entanto, ele continua a insistir: “A verdade é produzida, como a saúde,
riqueza e força” (217-218). Da mesma forma que um homem doente se torna
sadio, também uma ideia falsa se torna verdadeira.
Assim, de que modo James pode explicar a objeção racionalista? Não é
muito plausível que a trilha da vaca leve com antecedência (ou não) a uma casa e
que nós apenas a descobrimos e não a tornamos assim? James, na verdade,
afirma a objeção com bastante vigor: “Eles [os processos de verificação] são só
sinais do ser [verdadeiro], apenas nossos caminhos insatisfatórios de averiguar o
fato do qual nossas ideias já possuíam a qualidade assombrosa” (219).
Como resposta, James se refere ao grande número das ideias que nós
tomamos por verdadeiras, embora não as tenhamos verificado de modo direto.
Por exemplo, a gravidade específica do ouro foi verificada um número definido
de vezes, e por causa destas verificações supomos que as amostras presentes e
futuras de ouro terão a mesma densidade. Se verificássemos uma nova amostra,
“descobriríamos” que se trata do mesmo que ocorreu com as outras amostras. De
modo semelhante, sem dúvida muitos indivíduos verificaram a ideia de que
trilhas de vacas levam a uma casa:

A qualidade da verdade, obtida ante rem, significa de forma pragmática que, em tal mundo, as
ideias inumeráveis funcionam melhor pela verificação indireta ou possível que pela verificação
direta e real. A verdade ante rem significa só a verificabilidade [220].

Essa tentativa, entretanto, de esconder a dificuldade presente não remove


a dificuldade. Ela ainda se liga às instâncias passadas. Pegue algum experimento
anterior com trilhas de vacas antes que diversas instâncias tivessem sido
verificadas. O homem está perdido e observa pouca vegetação; ele então cogita
que se trata de uma trilha, e que andar para a direita, ao invés de andar para
esquerda, o levará a uma casa, a uma tenda ou a uma caverna habitada. Andar
pela trilha o faz seguir na direção correta? Andar cria a habitação pela qual se
espera? O problema não parece diferente hoje do que era mil anos atrás. O
sucesso em alguma instância depende do fato de a casa já estar lá. Sem dúvida,
nosso sucesso em evitar a fome depende também da caminhada. Mas a verdade
da afirmação de que a casa está lá não depende do nosso andar, mas do
construtor antecedente. Nós certamente não a fizemos enquanto andávamos,
mesmo na direção correta.

Reconhecidamente James golpeia com dizeres algumas afirmações dos


racionalistas. A definição de verdade de Alfred E. Taylor como sistema de
proposições que reivindica ser reconhecido como detentor de validade
incondicional é, na melhor das hipóteses, circular. Mas quando James se agarra à
ideia da reivindicação incondicional e a denuncia, ele deixa passar o ponto
principal. Na verdade, uma situação concreta não cumpre a alegação de verdade
irrelevante: se você me pergunta o que é o tempo e eu respondo que minha casa
se situa à Rua Irving n.o 95, minha resposta pode até ser verdadeira, mas não há
nenhum dever incondicional para eu responder desse modo à sua pergunta (232).
James afirma até que um endereço falso seria bastante para o propósito. Mas isso
não nos faz perder a questão principal? A irrelevância da resposta à pergunta
específica não apaga a diferença entre o endereço falso e o verdadeiro. Se, em
sentido concreto, inexiste o dever em fornecer o endereço correto, pelo menos há
um dever ― uma reivindicação incondicional ― de não dar o falso.
James ridiculariza a noção da realidade que nos chama a “concordar”
com ela apenas pelo fato de a reivindicação ser incondicional. Mas havendo
realidade, James pode nos aconselhar a desconsiderá-la? Em caso afirmativo,
temo que o pragmatismo perca toda e qualquer plausibilidade possível.
Mas talvez a realidade não exista. Claro que James diz que há; mas ele a
considera maleável, quase infinitamente maleável. O núcleo sensorial da
realidade é forçado sobre nós e não se sabe de onde ele procede, embora
escolhamos algumas sensações e ignoremos outras. É difícil dizer se o núcleo
pode existir de modo independente de nossa manipulação. “Podemos vislumbrá-
lo, mas nunca pegá-lo. Agarramos sempre algum substituto para ele — que o
pensamento humano anterior dissolveu e cozinhou para nosso consumo” (242-
249).
Para ilustrar isso, James imprime uma estrela de seis pontas. Podemos
tratá-la, ele diz, como uma estrela, como dois triângulos equiláteros
entrelaçados, como um hexágono com pernas, ou como seis pequenos triângulos
ligados entre si pelo ápice. Do mesmo modo, certa constelação no norte pode
com igual direito ser chamada Melro d’Água, a Grande Ursa ou a Carroça de
Charles. O nome dado às coisas “parece bastante arbitrário, pois nós esculpimos
tudo, como esculpimos constelações, para servir a nossos propósitos” (253).
Ora, sem dúvida o nome de uma constelação é bastante arbitrário; e em
sentido puramente semântico triângulo e círculo são arbitrários, pois a palavra
três pode ter significado quatro e a palavra reto pode ser aplicada a curvas. Mas
não podemos esculpir com arbitrariedade um círculo com linhas de triângulos
equiláteros entrelaçados. Eles estão, de certa forma, fixos de maneira
racionalista.
Nesse ponto, James retorna à antítese do monismo e do pluralismo. “Do
lado pragmático”, diz:

Há apenas uma edição do universo, inacabada, crescendo em todos os tipos de lugares, em


especial nos lugares em que trabalham seres reflexivos. Do lado racionalista, existe um
universo em muitas edições, uma real, o fólio infinito — ou edition de luxe — eternamente
completa; e então as várias edições finitas, cheias de leituras falsas, distorcidas e mutiladas a
seu jeito [259].

Não é estranho que aqui James alie o pragmatismo ao monismo e o


racionalismo ao pluralismo? Ele não deveria fazê-lo desse jeito, por mais
evidente, pois o racionalismo conta com o universo real, e o pragmatismo dispõe
de tantos universos quantos são os indivíduos para criá-los. Precisamente nessa
conexão James atribui as escolhas entre as perspectivas para estabelecer “uma
diferença temperamental” entre os homens:

A mente racionalista, tomada com radicalidade, demonstra um aspecto doutrinário e


autoritário… Já o pragmático radical é uma espécie de criatura anárquica e descuidada… O
conceito do universo folgado afeta os racionalistas típicos do mesmo jeito que a “liberdade de
imprensa” pode afetar um oficial veterano do departamento russo de censura… Parece
desprovido de suporte principal e de princípio da mesma forma que o “oportunismo” em
política se parece com um legitimista francês fora de moda, ou com um apoiador fanático do
poder divino do povo… Para os racionalistas, ele [o fluxo de experiências finitas] descrevia o
mundo errante e de andar pesado, desorientado no espaço, sem um elefante ou uma tartaruga
para apoiar a sola do pé [259-261].

James continua a contrastar os racionalistas de “mente branda”, que


sentem a necessidade da base imutável para apoiar o fluxo, com os empiristas de
mente estreita cujo “alfa e ômega” são fatos.
No entanto, James não está muito disposto a aprovar os empiristas de
mente estreita sem qualificação.

Qualquer uma das hipóteses é legítima na ótica pragmática, pois qualquer uma delas tem seus
usos… Em sentido abstrato […] o conceito de mundo absoluto é indispensável. Tomado em
sentido concreto, ele é também indispensável, ao menos para certas mentes, pois os determina
de forma religiosa… Não se pode, portanto, unir metodologicamente os empiristas de mente
estreita na rejeição da noção toda de um mundo além de nossa experiência finita. Uma
incompreensão do pragmatismo é identificá-lo com a estreiteza de mente positivista… Tenho-o
[pragmatismo] oferecido o tempo todo expressamente como um mediador entre a estreiteza e a
brandura de mente. Caso se possa provar que a noção de um mundo ante rem […] implica
qualquer tipo de consequência para nossa vida, ela tem um significado. Se o significado
funcionar, ele terá alguma verdade que deveria ser sustentada por meio de todas as
reformulações possíveis ao pragmatismo. A hipótese absolutista — do caráter eterno,
aborígine e realíssimo da perfeição — conta com um significado perfeitamente definido e
funciona religiosamente [266-270].
Pragmatismo e religião

O uso do Absoluto na religião está provado por todo o curso da história


da religião. Os braços eternos estão, pois, subjacentes. A situação humana é
tomada no modo místico de pura emoção cósmica. As glórias e grandezas são
absolutamente nossas, apesar das aparências presentes. Esse é o modo do
quietismo, do indiferentismo, ridicularizado pelos inimigos como um ópio
espiritual; “no entanto, o pragmatismo deve respeitar esse modo, por ele tem
uma justificação massiva e histórica” (276).
O pragmatismo, no entanto, também considera outra maneira de ser
respeitado. As glórias, indubitáveis no passado, tornam-se objetivos a serem
alcançados pelas conquistas das aparências presentes; a unidade, em vez de estar
atrás de nós como um princípio necessário, é uma unificação empírica e
possível, um terminus ad quem. O intelectualismo coloca seus valores religiosos
ante rem; o pragmatismo os coloca in rebus. No primeiro, reclina-se; no último,
segue-se adiante.
De modo mais explícito, a religião absoluta torna certas todas as coisas
boas e todas as coisas ruins impossíveis. Comparando-a com o pragmatismo, vê-
se que “a grande diferença religiosa reside entre os homens que insistem no fato
de que o mundo dever ser e será salvo e os contentes com a crença que o mundo
pode ser salvo”.
Afirmar a possibilidade da salvação do mundo significa que algumas das
condições de sua libertação existem de fato. Quanto mais elas existirem, e
quanto menos existirem as condições opostas, melhor. Ora, quem finge ser
indiferente e neutro quanto à salvação do mundo é tolo e uma farsa. Todos nós
queremos minimizar a insegurança do universo. No entanto, há alguns

homens infelizes que consideram impossível a salvação do mundo. Sua doutrina consiste no
pessimismo. O otimismo, por sua vez, seria a doutrina de quem considera inevitável a salvação
do mundo. No meio termo se encontra o que pode ser chamado doutrina do meliorismo [285].

De acordo com essa perspectiva, a salvação não é necessária nem


impossível. A salvação é uma possibilidade que se torna cada vez maior
conforme suas condições reais se tornam mais numerosas.
O que aumenta o número das condições desejáveis? Nós! Nossos atos —
por meio dos quais nos constituímos e crescemos — são os lugares de inflexão e
crescimento reais — não só nossos, mas do mundo, que parecem ser. Vemos o
fato em nossas ações.
Irracional?

Suponha que o autor do mundo exponha a situação a você antes da criação, dizendo: “Farei um
mundo incerto de sua salvação, um mundo cuja perfeição será apenas condicional — cada um
dos diversos agentes fará o melhor que puder. Eu lhe ofereço a chance de tomar parte nesse
mundo. A segurança dele, como você percebe, não está garantida. É uma aventura real, com
perigo real, embora possa superar as dificuldades. É um esquema social de trabalho
cooperativo genuíno que deve feito. Você se juntará ao desfile? Confiará em si mesmo e nos
outros agentes o suficiente para enfrentar o risco?”.
Com toda a seriedade, você se sentiria, se a participação nesse mundo lhe fosse proposta,
compelido a rejeitá-la por segurança insuficiente? Você diria que, em vez de consistir em uma
parte e parcela do universo tão fundamentalmente pluralista e irracional, sua preferência
recairia no torpor do qual foi momentaneamente despertado pela voz do tentador?

É claro que, sendo normal sua constituição, você não faria nada do tipo. Há certa disposição à
mente saudável na maior parte de nós para a qual o universo combinaria com exatidão. Nós,
portanto, aceitaríamos a oferta — “Topp! Und schlag auf schlag!” [Feito! E rápido].[5] Seria
exatamente como o mundo em que vivemos na prática; e a lealdade à Natureza, nossa nutriz,
nos proibiria de dizer não. O mundo proposto nos pareceria “racional” do modo mais vivo
[290-291].

Sem dúvida James admite a existência de algumas almas mórbidas


discordantes. O Nirvana significa segurança e isso apela ao hindu e ao budista,
pois eles temem, temem a vida:

Não pode haver dúvida de quando os homens são reduzidos ao ponto extremo da doença, o
absolutismo é o único esquema salvador. O moralismo pluralista apenas faz seus dentes
rangerem; ele lhes refrigera o coração dentro do peito [293].

Encontramo-nos diante da questão final da filosofia… A alternativa monista-pluralista [é] a


questão mais profunda e mais significativa que nossa mente pode formular. É possível que essa
consista na disjunção final? […] Tudo que posso dizer é: meu próprio pragmatismo não oferece
objeção ao alinhamento com a perspectiva mais moralista e minha desistência da alegação de
reconciliação total… No fim, a fé, e não a lógica, decide essas questões, e eu nego o direito de
qualquer lógica alegada vetar minha própria fé [293-296].

Nesse universo perigoso, que pode ser salvo ou não, James conta com a
ajuda, não só de seu colega o homem, mas também de um deus finito, ou deuses.
Nós, seres humanos, nos relacionamos com o universo tanto na mesma medida
que nossos animais de estimação, caninos ou felinos, se relacionam conosco:

Eles habitam nossas salas de estar e bibliotecas. Tomam parte em cenas de cujo significado não
suspeitam. São apenas tangentes de curvas da história: o começo, o fim e as formas do que
passa muito além de seu conhecimento. Logo, somos tangentes da vida mais ampla das
coisas… Portanto, podemos bem acreditar, com a prova fornecida pela experiência religiosa, na
existência de poderes mais elevados que trabalham para salvar o mundo em linhas ideais,
similares à nossas [300].
Críticas concludentes

Algumas das críticas feitas incidentalmente ao longo do curso da


exposição não precisam ser repetidas. Duas delas, porém, demandam repetição,
ainda que de forma breve. A brevidade não se deve à pequena importância, mas
por sua destrutividade total.

Em primeiro lugar, James abandonou explicitamente a argumentação


racional. Ele denunciou a lógica. Os absolutistas usaram a lógica intelectualista
para estabelecer sua posição em face de sistemas concorrentes, mas James se
irritou com o fato de que eles, então, não prestaram atenção à mesma lógica
quando foi utilizada contra eles próprios. Tomada por si mesma, a insatisfação
seria uma boa razão para rejeitar o absolutismo; mas quando James reivindica o
mesmo privilégio de desconsiderar a lógica, ele perde as vantagens dadas a ele
por seus argumentos anteriores.
Em situação semelhante, a lógica que o levou a rejeitar o monismo exige
sua substituição pelo teísmo. Mas o teísmo lhe é tão intolerável que descarta a
lógica. Ou ele teria que abandonar a “psicologia sem alma”, à qual toda a sua
educação científica e kantiana o entregou, ou deveria renunciar à lógica e admitir
a irracionalidade da vida. Ele escolheu a última opção. “De minha parte”, diz
James, “finalmente me encontrei compelido a desistir da lógica, de forma justa,
honrada e irrevogável”.
O irracionalismo é característico de grande parte da reação contra Hegel.
Kierkegaard, Nietzsche, Durkheim, Dewey e Ayer: todos se opõem à lei da
contradição. Eles sujeitam as próprias formas da lógica ao fluxo evolucionário.
Falam de lógicas que podem ter existido ou que ainda poderão existir, embora
tão diferentes das nossas, beiram ao inimaginável. Talvez nessas lógicas, a
afirmação de que todos os homens são mortais implique que nenhum mortal seja
homem. Se tomamos essas propostas tão seriamente quanto elas parecem ser
proferidas, elas se tornam destruidoras de tudo que os autores escreveram. Todas
as perspectivas deles não contam com fundamento racional. Não existe razão
para concordar com eles. O diálogo ilógico põe fim a toda discussão racional.
Esse suicídio intelectual destrói James, Dewey e Ayer in toto e de uma só
vez. Entretanto, se o resto de pragmatismo não exige essa irracionalidade
(embora seja duvidoso que qualquer desses autores consiga restabelecer a lógica
em algum lugar) fica-se curioso sobre o valor do resto. Por isso procederemos a
outras objeções.
A segunda objeção, caso não se aplique a todos os filósofos incluídos na
objeção anterior, afeta igualmente o próprio James. É a objeção feita por Dewey:

O senhor James emprega o método pragmático para descobrir o valor em termos de


consequências na vida de alguma fórmula que tem o conteúdo lógico já fixado; ou ele a
emprega para criticar, revisar e, por fim, constituir o significado da fórmula?

A percepção de Dewey é exata. Algumas passagens citadas acima James


declara de forma explícita que o significado de uma fórmula é basicamente
constituído pelas próprias experiências e a partir delas. No entanto, outras seções
grandes podem ser entendidas apenas em uma base intelectualista. Quando
James descreve a crença apaixonada no “eu mais amplo do qual fluem
experiências salvadoras”, ele não pode estar pensando no próprio
comportamento como constituinte do eu mais amplo. Ele necessita de deuses
finitos para sustentar seu meliorismo. A consciência sobre-humana deve ser mais
que o próprio James. Ele fala de homens como partes internas de Deus. E tudo
isso ocorre na passagem que enfatiza o pluralismo. A falta de consistência entre
o pragmatismo puro de Dewey e essas passagens realistas e intelectualistas
divide a filosofia de James ao meio.

Visto que a segunda objeção é tão devastadora quanto a primeira — para


James, se não o for para Dewey — o resto de valor possível que procuramos
deve ser encontrado na metade “não Dewey” da filosofia de James. Purgando
James, portanto, de sua inconsistência dominante (na medida do possível),
tentaremos desenvolver a grande objeção à moralidade e religião na qual embasa
as posições mais características.
Deve-se perceber em primeiro lugar e manter em mente o fato de que a
totalidade da filosofia de James está baseada na sua compreensão da moralidade.
Na verdade, ele usa alguns argumentos intelectualistas contra o absolutismo.
Eles o levaram ao teísmo. No entanto, sua rejeição do teísmo e do absolutismo,
com a indiferença em relação à lógica, origina-se da suposição de que a
intimidade com o universo não é apenas desejável, mas também um princípio
suficiente para a escolha de visões de mundo alternativas. Outro exemplo de
motivação moral é a divisão da raça humana em mente estreita e branda, cínico e
compreensivo: um tipo escolhe a filosofia materialista, o outro a espiritualista;
um é pessimista, o outro otimista. Mas James pensa que a excelência moral
reside no meliorismo e, por essa razão, escolhe a posição intermediária.
O ponto crucial da questão — e o ponto mais vulnerável das propostas de
James — é a escolha retratada por ele de Deus oferecendo ao homem prestes a
ser criado. Perceba que não se propõe a escolha entre o mundo que certamente
será salvo e o mundo que sem dúvida estará perdido. A escolha oferecida pelo
Deus de James é entre o mundo de salvação incerta, mas possível, e o torpor da
nulidade.
Ora, a omissão não é um erro? Se a constituição e o destino do mundo
devem ser decididos por nossa escolha, com que autoridade James nos proíbe de
considerar qualquer possibilidade mais importante? Se Deus dissesse a um
homem: “Você pode escolher a salvação infalível, a salvação incerta ou o torpor
da nulidade”, nós poderíamos muito bem conjecturar que ele muito
provavelmente escolheria a salvação infalível. Por isso o fato de James ter
retirado essa opção se parece com um estratagema para evitar um grande número
de votos contrários.
Estudemos, entretanto, sem preconceito (como se diz legalmente) a
escolha que James verdadeiramente oferece. Deus oferece um mundo cuja
salvação está condicionada a cada um dos muitos agentes que fazem seu melhor.
E James responde que toda pessoa com a mente sã exclamaria: “Topp! Und
schlag auf schlag”. Somente algumas almas mórbidas, hindus e budistas que têm
medo da vida, homens reduzidos à extremidade doente — somente estes
rejeitariam ser criados.
Deve notar-se o quão importante James considera essa proposta.
“Estamos aqui diante da questão final da filosofia”, ele diz. E, portanto, ele não
se pode queixar se o julgamento se voltar contra ele nesse ponto.
O julgamento não deve se voltar contra ele? A condição da salvação do
mundo é que todo ser humano faça o melhor para salvar o mundo. Caso
contrário, ele estará perdido. Ora, a história do mundo aparentemente dá
exemplos de homens que não se esforçaram muito para fazer o melhor. Claro
que James não conhecia Hitler e Stalin, mas deve ter ouvido falar de Calígula e
de Nero, de Luís XIV e de Charles I, como de Átila, o Huno, e dos primeiros
orientais. Independentemente do significado atribuído por James ao indivíduo de
mente sã, parece que qualquer um com uma quantia módica de prudência
rejeitaria essa proposta não promissora. Tal fé no homem está seguramente
deslocada e a possibilidade de salvação se torna muito mais remota.
James, em um trecho, afirma estar disposto a perder, se apenas puder ter
a diversão de viver com perigo. Mas além da temeridade dessa escolha, há a
inconsistência acrescentada de que o pragmatismo louva o que funciona. Se ele
perdesse, isso seria a prova empírica de que a disposição para correr o risco
estava errada. Só o sucesso pode justificar o pragmatismo.
Sem dúvida, além da humanidade, James conta com o auxílio divino. Há
uma consciência sobre-humana, um deus ou muitos deuses que deveriam ajudar-
nos. Desse modo, a situação desesperadora pode possivelmente ser aliviada.
Pode, isto é, se os deuses de fato existirem e se eles todos estiverem interessados
em nossa salvação.
Mas que garantia temos destes dois fatores redentores? Mesmo que
descontemos a rejeição de James da lógica, existe um argumento que prove a
existência de deuses? Em segundo lugar, se esses deuses existem, por que
devemos pensar que todas as consciências sobre-humanas são boas? Talvez,
como os homens, nem todos os deuses façam seu melhor. Nesse caso, qualquer
que seja o auxílio proporcionado por alguém, ele seria cancelado pela aversão do
outro.
Ora, o problema com a teologia de James é sua completa falta de base
racional. Lá pelo começo de seu trabalho, há a citação de uma carta a Henry W.
Rankin; nela James escreveu:

A primeira e principal fonte de todas as religiões se encontra nas experiências místicas do


indivíduo… Todas as teologias […] são desenvolvimentos secundários sobrepostos; e as
experiências tornam essas combinações flexíveis […] de modo que se pode quase dizer que
elas não possuem libertação intelectual própria por si…

No entanto, só com base nessas experiências desarticuladas podemos


acreditar em poderes mais elevados (300).
A posição de James, assim parece — e todo o pragmatismo, onde for
aceito — só tem por base a preferência pessoal. Esta é uma acusação causadora
de ressentimento nos pragmáticos. John Dewey entra em negação veemente;
Jacques Barzun, no fim de seu divertido texto Darwin, Marx, and Wagner
[Darwin, Marx e Wagner], estigmatiza-o como uma incompreensão completa.
No entanto, podemos dar crédito a essas negações? James, de fato, disse: “No
fim, é nossa fé e não nossa lógica o que decide tais questões”.

A evidência no caso de James é bastante clara. Ele prefere viver


perigosamente e conta com certo conceito de mente sã. É isso que ele chama de
bem. No entanto, ele repugna o budismo e as almas mórbidas que não preferem
os riscos temerários por ele apreciados. Essa precaução, prudência e sabedoria
ele chama de mal. Contudo, além da própria preferência sem base, ele não possui
critério para distinguir o bem do mal. Apesar de todas as outras coisas ditas por
ele dependerem de sua moralidade, ele na verdade nada diz para recomendar
essa moralidade a outros. Por isso, a totalidade de sua filosofia carece de
sustentação. Essa situação não é suficiente para convencer um homem com
moralidade diferente — moralidade que se recusa a se arriscar contra
probabilidades esmagadoras. Sem dúvida, o teísmo cristão é preferível ao
pragmatismo.
JOHN DEWEY
I. INTRODUÇÃO

John Dewey (1859-1952) nasceu em Vermont (EUA), estudou na Universidade de Vermont e


concluiu o doutorado na John Hopkins. Ensinou nas universidades de Michigan, Minnesota, Chicago e
Columbia, de 1904 até a aposentadoria, em 1929. Tanto antes quanto depois da aposentadoria, Dewey
publicou prolificamente. Houve muitos escritos educacionais: A Common Faith [Uma fé comum] expõe
suas opiniões sobre religião; um volume é dedicado à estética; Human Nature and Conduct [Natureza
humana e conduta], Logic [Lógica], The Theory of Inquiry [A teoria da investigação] e The Quest for
Certainty [A busca por certeza], como muitos outros títulos, expõem sua filosofia básica. Visto que sua
biografia é quase totalmente acadêmica — ensino e publicação —, é possível iniciar o presente estudo in
medias res.
A filosofia de John Dewey, tão variada em suas particularidades, pode, como a dos estoicos, ser
compreendida sob três títulos. A filosofia, diziam os estoicos, é como um ovo: a clara é a ética, a gema é a
física, e a lógica é a casca; ou ainda, a filosofia é como um animal: a lógica corresponde aos ossos e nervos,
a ética à carne, e a física à alma. Este trabalho, portanto, será dividido em três partes: física, ética e lógica. A
primeira parte será a mais curta, pois não se deve supor que Dewey fosse um físico. Embora seu respeito às
conquistas específicas da ciência fosse considerável e profundo, seu interesse particular estava centrado no
método científico. Era por este método que ele esperava resolver os problemas urgentes da ética, da política
e da sociologia. Daí que uma exposição da filosofia de Dewey não pode perder muito tempo com a ciência
propriamente dita, mas, tendo-se estabelecido o método, deve passar para sua aplicação. A segunda seção da
discussão será sobre ética, ou, de modo mais amplo, sobre as ciências sociais. Dar-se-ão alguns exemplos
das propostas concretas de Dewey, mas, sem dúvida, o importante é a tentativa de mostrar como tais
problemas podem ser resolvidos pela experimentação científica. Por fim, ou seja, em terceiro lugar, dado
que sua explicação de ciência se funde de imediato com questões de ética, segue-se que sua ética científica
não mais pode ser mantida separada da teoria de lógica.
Embora os assuntos se fundam, pois se tenciona que se fundam, a crítica pode bem tentar separá-
los um pouco. Talvez as visões de Dewey sobre a ciência sejam sustentáveis, não obstante sua ética ser
fraca; ou, ainda, os contornos principais de sua ética poderiam ser recomendáveis, embora sua ciência
estivesse equivocada. Certamente, se sua ética se mostrasse indefensável, Dewey seria o primeiro a admitir
que nada de muito valor foi deixado de lado. Mas em último caso, por mais plausíveis que sua ciência e
ética possam ser, se a lógica da qual o todo depende não puder resistir à crítica, se a casca do ovo estiver
quebrada, se os ossos do animal estiverem dissolvidos, não sobreviverá absolutamente nada.
II. CIÊNCIA

Dewey considerava a sociedade moderna frustrada por causa da adesão incoerente a dois ideais
conflitantes. Herdado dos gregos, o apreço à teoria e o desdém à prática, a teoria espectadora de
conhecimento, a retirada para uma torre de marfim. Este ideal tem sido reforçado pela aprovação religiosa
da contemplação espiritual bem como pelo racionalismo autossuficiente do idealismo absoluto. Já a ciência
moderna — pelos métodos experimentais, pela manipulação de corpos físicos e aplicações práticas —
contribuiu para o controle da natureza e para a comodidade e o conforto. Embora possamos confessar,
envergonhados, que tais desenvolvimentos materialistas são nossos objetivos finais e possamos falar dos
ideais gregos e cristãos da boca para fora, continuamos direcionando a maior parte de nossa energia na
direção moderna. Isso não é apenas a ruptura entre o que falamos e fazemos, mas envolve, também, dois
métodos incoerentes de proceder. Nossos valores professados se baseiam nas filosofias não empíricas do
passado, enquanto a vida diária é controlada pela prática e experimentação. Assim, a ciência moderna
causou a ruptura entre nossos interesses diários e nossa fé com respeito ao destino eterno e à natureza da
realidade última. Assim, o problema principal da filosofia contemporânea é unificar as visões divididas do
homem sobre o valor e a natureza. O sucesso retumbante da ciência experimental nos campos limitados em
que ela tem assumido o controle é a promessa da integração efetiva no campo mais amplo da experiência
humana coletiva.[6]
Valor
A situação completa, contudo, não é tão simples como essas poucas linhas parecem sugerir, pois a
ciência moderna, ou melhor, a teoria científica moderna, tem de fato contribuído para agravar a dificuldade.
A versão filosófica do conflito popular entre ciência e religião é a acusação — substancial — de que a
ciência despojou o Universo de todo o valor. Quando Galileu desviou a atenção das qualidades dos corpos e
iniciou um estudo quantitativo, estabeleceu as bases da perspectiva que reduziria o quente, frio, doce e
amargo a qualidades “secundárias” existentes apenas na mente, não no mundo real. Por óbvio, os valores
seriam ainda menos reais. O mundo real tornar-se-ia, assim, uma escuridão infinita onde matéria morta era
movida por forças insensatas. Quando se julga que a ciência deve atingir a realidade última, e se pensa que
ela não atinge valores, diz-se que a ciência eliminou os valores.[7] Essa conclusão insustentável, uma
inferência válida a partir de Galileu e Newton, surgiu dessas duas noções equivocadas sobre a natureza da
ciência e a função da experimentação. Se, contudo, a ciência não revela a natureza real do ser antecedente,
mas é entendida operacionalmente, os valores podem ser salvos, a experimentação estendida e o conflito
moderno entre ideais concorrentes pode ser resolvido.
Experimentação
Qualquer que seja o defeito na filosofia newtoniana de ciência, não é a confiança na
experimentação. Aristóteles observava, mas a ciência moderna experimenta. Em vez de apenas contemplar
o objeto e esperar descobrir sua “forma” fixa e característica, o físico ou químico age sobre ele. Ele o tritura
ou dissolve; faz passar uma corrente elétrica por ele; aquece-o ou o congela; em suma, faz coisas com ele.
Se o astrônomo não pode manipular as estrelas, pode ao menos agir sobre sua luz, fazê-la passar por
prismas ou golpeá-la para frente e para trás com espelhos.[8]
O propósito imediato dessas operações é estudar mudanças. Em vez de tentar definir algo que
permanece constante nas mudanças, o cientista busca relações constantes entre as mudanças.[9] O propósito
mais amplo da ciência é o sistema de mudanças interconectadas; e embora a leitura do barômetro não possa
impedir a chuva indesejada, ela nos capacita a mudar a relação com a chuva pela plantação de um jardim,
pelo porte de um guarda-chuva ou pela alteração do curso de um navio. Por meio do conhecimento de
mudanças correlacionadas, portanto, podemos controlar ou produzir as qualidades desejadas. Terras áridas
podem ser irrigadas ou água potável pode ser produzida a partir do oceano.[10]
Essa ênfase no controle para fins de experiências não cognitivas mostra que a ciência, em vez de nos
dar conhecimento sobre realidades antecedentes, constrói novos objetos de conhecimento. Os velhos
objetos — as coisas comuns: chuva, sal, chumbo, estrelas — são objetos qualitativos de prazer. A ciência
expressa suas mudanças na forma quantitativa ou matemática. Isso torna os velhos objetos candidatos a
receber novas qualidades e significados para servirem a novos fins. Objetos naturais não mais têm fins fixos
em si mesmos. Mas no que tange ao conhecimento, como distinto do prazer, ele é o experimento em si —
os resultados de operações planejadas —, que “forma os objetos que têm a propriedade de serem
conhecidos”.[11]
A distinção entre experiência cognitiva e não cognitiva ― o efeito do experimento em construir
objetos de conhecimento, bem como o controle e a produção de qualidades desejadas ― é posteriormente
esclarecida pela visão de Dewey do que é de fato um conceito científico. Um conceito não é elemento de
informação sobre um ser independente e antecedente. Não é uma revelação de que a realidade está
despojada de qualidades secundárias. Ao contrário, conceitos científicos são planos de ação. Por exemplo, a
análise da água como H2O não nega que a água é molhada e sacia a sede. A água é tudo o que a experiência
comum diz ser. Contudo, o termo água não relaciona a substância comum a gelo e vapor. A fórmula
química não só expressa essas relações, como também relaciona a água com outros elementos químicos.
Assim, o conceito científico, como parte da teoria química desenvolvida, é em essência a afirmação de
como produzir água, hidrogênio, oxigênio ou outros compostos desejados.[12]

De modo geral, um conceito é definido por operações. Massa não é quantidade de matéria; é o
conjunto de operações usadas quando se trabalha com tal fator numa fórmula. Comprimento significa os
movimentos pelos quais se passa quando se faz uma medição. Esse operacionalismo confere às ideias uma
origem empírica, não no sentido antigo da recepção passiva de qualidades sensoriais, mas no sentido
experimental de atos que devem ser realizados. As qualidades sensoriais têm importância, sem dúvida, mas
só como consequências de ações intencionais. Qualidades são fins a serem produzidos. O conceito é o
método de produção; ele é a declaração, não do que é ou foi, mas de atos a serem realizados.[13]
Newton era demasiadamente metafísico; seu empirismo era defeituoso. Ele acreditava que para
explicar a natureza eram necessárias partículas permanentes. Embora alegasse bases sensoriais para
presumir a existência dos átomos, e não lhes desse outras propriedades além das pertencentes a todos os
corpos da experiência sensorial, a crença de que permanentes não observáveis são necessários para evitar o
colapso no caos resulta do temor metafísico, não empírico.[14] Assim também, sua estrutura independente
de espaço e tempo é metafísica, não obstante as dificuldades científicas de se observar movimentos
simultâneos serem apenas recentemente apreciadas. Muito tempo atrás os princípios de Newton foram
atacados em relação à lógica. Sua hipótese de que a partícula e a velocidade poderiam ser determinadas
isoladamente de outras partículas e velocidades é incompatível com a outra hipótese da interação contínua
de todas as partículas. A princípio isso não fazia nenhuma diferença observável. Mais tarde, o experimento
Michelson-Morley revelou a discrepância entre a velocidade da luz e a teoria da dinâmica. Newton pensara
ser possível determinar a simultaneidade de dois eventos mesmo quando eles não estão no mesmo campo
observacional. Einstein exigiu o que Newton não podia fornecer: o método empírico para determinar a
simultaneidade. Como isso não era algo vindouro, Einstein manteve o experimento, mas alterou os
conceitos. Isso resultou na abolição dos absolutos de Newton e na formação de conceitos derivados de
operações reais. Quando as operações mudam, como constantemente se dá ao se realizar uma
experimentação, os conceitos também devem mudar.[15]
Talvez isto seja tudo que se pode dizer da filosofia de ciência de Dewey sem avançar até as
aplicações éticas ou o fundamento na teoria mais geral do instrumentalismo. Embora o presente estudo seja
concluído com uma crítica severa a Dewey, deve-se dizer aqui que o operacionalismo na física não
necessariamente permanece ou cai com o uso geral de Dewey. Talvez ele seja uma perspectiva de ciência
totalmente sustentável. Fórmulas químicas não podem nos dar nenhum conhecimento de seres antecedentes.
Talvez o espaço e o tempo, enquanto conceitos físicos, não passem de um conjunto de movimentos em
laboratório. De qualquer modo, a rapidez com que as teorias científicas do passado recente foram
inventadas, aceitas e descartadas nos serve de alerta de que a ciência não é uma verdade fixa e absoluta. A
ciência newtoniana durou dois séculos. A ciência hodierna dificilmente durará duas décadas. O
operacionalismo é uma descrição muito plausível do que a ciência é na prática. Mas se o operacionalismo e
a teoria geral do instrumentalismo podem fornecer a base sólida para a ética, é uma questão totalmente
diferente. Para desenvolver a resposta a essa questão, é necessário fazer um relato bastante cuidadoso das
opiniões de Dewey sobre a ética e os valores.
III. ÉTICA
Visto que a análise abstrata de valor poderia se provar uma introdução confusa às especulações
éticas de Dewey, far-se-á primeiramente uma seleção aleatória de suas propostas concretas para a política,
para a economia e para a moralidade. Elas mostrarão o que Dewey pretende justificar com seu método
subjacente. O método de justificação poderá ser assim discutido de maneira mais inteligente.
Amostra de opiniões
Como primeiro exemplo das recomendações específicas de Dewey, sua oposição à pena capital é
esclarecedora. Uma teoria de justiça, argumenta ele (Human Nature and Conduct, Capítulo I), que exige a
vindicação da lei sem atentar à instrução e recuperação do malfeitor é a recusa em reconhecer a
responsabilidade e a erupção sentimental que torna o criminoso uma vítima sofredora. Se a pena capital
ignora a responsabilidade, isso depende da ideia de culpar pelo assassinato a sociedade tanto quanto se
culpa o assassino. Cometer um homicídio não é por certo um crime tão horrível quanto destruir o direito de
viver do criminoso; e, por conseguinte, a lei penal deve buscar apenas a reabilitação do agressor.
O segundo exemplo diz respeito às suas teorias educacionais, das quais se encontra uma pálida
insinuação no mesmo livro (Human Nature and Conduct, Capítulo II, Seção 2). Os pais ensinam os filhos a
se conformar com o costume porque desconfiam da inteligência da criança. Os hábitos morais assim
ensinados se tornam profundamente arraigados e governam o pensamento consciente posterior. Esses
infantilismos são mais “i-na-tin-gí-veis” precisamente onde o pensamento crítico se faz mais necessário —
a saber, na moral, na religião e na política. Infelizmente, esses irracionalismos são muito numerosos, e se
alguém fosse listá-los e buscasse sua erradicação, admite Dewey, seria provavelmente expulso da sociedade
respeitável. Assim, ao que parece, a moral de Dewey era consideravelmente diferente da tida como
respeitável na época em que ele viveu.
Algumas das tendências políticas de Dewey são indicadas no penúltimo capítulo do mesmo livro.
Ele rejeita os princípios liberais clássicos (como é comum nos “liberais” do século XX) e encoraja a
regulação governamental. “Ache um homem”, diz ele,

que acredita que tudo o que os homens precisam é liberdade das medidas opressivas legais e
políticas, e você terá um homem que, a menos que esteja apenas resguardando de forma
obstinada os privilégios pessoais, traz em sua nuca alguma herança da doutrina metafísica do
livre-arbítrio, acrescida da confiança otimista na harmonia natural.[16]

Essa sentença sem dúvida distorce a verdade. Provavelmente ninguém diria que liberdade da
opressão é tudo de que um homem precisa; ainda assim, isso não torna tal liberdade menos desejável.
Dewey usa os termos preconceituosos obstinação e privilégio pessoal em lugar do conceito de direitos
pessoais inalienáveis. Ademais, algumas pessoas se opõem ao totalitarismo não porque acreditam no livre-
arbítrio nem porque são otimistas, mas porque acreditam na depravação humana. Elas acreditam que não se
pode confiar poderes demais aos homens. Seja como for, a preferência de Dewey por controles
governamentais é clara. Ele não apresenta qualquer objeção teórica à coerção, pois mais adiante diz que se
um homem deve ou não ser forçado a filiar-se a um sindicato contra sua vontade, não é uma questão de
princípio, mas uma questão experimental a ser decidida cientificamente com base em consequências
concretas. Como, porém, o coersor e a vítima por óbvio avaliarão as consequências de modos diferentes,
torna-se questão importante exigir a análise posterior de como essas consequências concretas podem
determinar o que deve e o que não deve ser feito.
O teor dessas passagens é reproduzido algumas vezes. Com bastante frequência, controvérsias
filosóficas específicas são resolvidas pelo viés social. Por exemplo, a teoria das leis fixas da natureza, diz
ele, retardou o avanço social, pois considera a regulação do governo uma interferência. De fato, pareceria
que a ciência em geral não é controlada por interesses de classe e, portanto, a sociedade deveria ser
reconstruída.[17] Clamando pelo controle amplo sobre os indivíduos,[18] se não acaba de fato impugnando
a honestidade dos seus oponentes, ele ao menos fala de forma ríspida. Ele ataca a “asserção clamorosa” dos
“que têm gozado do poder e da regulação sobre outros seres humanos em razão da estrutura existente nas
instituições políticas, eclesiásticas e econômicas” e então questiona “teríamos razões para acreditar que a
preocupação deles com os valores humanos é honesta?”. Poder-se-ia bem parar por um momento para
comparar esta objeção à regulação por outros seres humanos com a própria exigência de Dewey por uma
teoria científica das causas do desejo para podermos levar os homens a ter os desejos “corretos” e, assim,
manipulá-los como agora manipulamos as coisas físicas.[19]
Em A Common Faith Dewey apresenta suas principais ideias sobre a religião. Em essência, a
religião é a tentativa de se ajustar às situações reais da vida, e essas experiências valiosas devem ser
emancipadas das formas históricas das religiões organizadas, repulsivas à mentalidade moderna. Como as
situações mudam de época para época, a religião também deveria mudar. Características doutrinárias,
intelectuais e institucionais são acréscimos adventícios. Talvez não se deva dizer que a religião é idêntica à
moralidade, pois a moralidade deve incluir uma série de responsabilidades diárias menores, ao passo que a
religião é uma preocupação com ideais inclusivos que produzem autointegração e introduzem uma
perspectiva nos episódios mutáveis da existência. Se poucas pessoas têm muito ardor religioso, a falta
reside não tanto no poder dos ideais quanto na dissipação desse poder em fantasias sobrenaturais
irrelevantes à vida real. Essa atitude obscurece os valores distintamente religiosos inerentes à experiência
natural. Portanto, esses valores reais deveriam estar divorciados de credos e cultos, pois esses valores não
estão atrelados a qualquer item de assentimento intelectual, como a existência de Deus. Os detalhes da
religião devem ser buscados por meio da única entrada para o conhecimento que existe, a saber, a ciência. O
conhecimento científico pode mudar com constância, mas não há outra fonte de conhecimento. Ou, mais
precisamente, a ciência não é um corpo de conhecimentos fixos: é um método. Isso não exclui Deus, pois
Deus pode ser definido como a unidade e todos os ideais que despertam o desejo e a ação. Qualquer outra
concepção de Deus — transcendental ou sobrenatural — é apenas o apelo à força, pois tudo o que a
existência sobrenatural pode acrescentar à realidade dos ideais é o poder de punir e recompensar. Há ainda
outra dificuldade: a do problema do mal.

Tais temas, tomados de A Common Faith, trazem à tona novamente o


questionamento feito logo acima: como a ciência pode determinar no concreto o
que é ideal e o que não o é? Com a recorrência da questão, não há motivo para
continuar com estas amostras introdutórias das opiniões de Dewey. Agora é o
momento de começarmos a exposição mais sistemática de sua teoria ética.
O lugar da ética no pragmatismo

Embora o sistema completo de filosofia deva incluir uma exposição da


ética, o sistema pode atribuir a ela maior importância que outro. No sistema
aristotélico, a ética é um fator relativamente pouco importante. O cristianismo,
entretanto, com a condenação do pecado e o apelo à retidão dá forte ênfase à
moral. Não obstante, a ética não é a base do sistema cristão. A teologia é mais
fundamental, pois a ética depende de Deus. O pecado é a rebeldia, os princípios
morais são os mandamentos divinos e a obediência prática a eles depende da
graça de Deus. Contrastando com o aristotelismo e com o cristianismo, o
instrumentalismo de Dewey tem uma necessidade bastante mais desesperada de
ética. O instrumentalismo, pode-se dizer, não é nada mais que ética. Sugeriu-se
que a ética se baseia na ciência; mas a lógica pragmática subjacente, que faz da
ciência e da verdade os resultados de ação deliberativa, nos devolve para os fins
práticos como o tribunal humanista de última instância. “A condição efetiva da
integração de todos os propósitos divididos e conflitos de crença é a percepção
de que só a ação inteligente é o último recurso do ser humano em qualquer
campo”.[20] Não há Deus do qual o homem possa obter conforto, encorajamento
e força — e muito menos sabedoria, instrução e intervenção. O homem tem
apenas a si mesmo.

O ateísmo destaca a necessidade desesperada de uma teoria irrefutável da


ética. Se o humanismo falha em salvar o homem dos apuros de seus conflitos em
qualquer campo, o humanismo falha de fato. Ele pode ter uma admirável teoria
da ciência, pode planejar auxílios efetivos para a educação, estimular professores
à participação na política; mas, visto que a ciência e a política são apenas meios
para fins e ideais escolhidos, se o humanismo não puder justificar racionalmente
um ideal contra outro, se sua teoria da ética não puder fornecer uma orientação
clara para as perplexidades da vida, ele terá falhado no objetivo principal e
deverá ser abandonado.
Fluxo pragmático na ética

Quaisquer que sejam os padrões propostos por Dewey, eles não podem
ser considerados normas fixas e formais para todos os seres humanos. Por ora,
uma citação será suficiente:

Instituímos padrões de justiça, de verdade, de qualidade estética, etc. […] exatamente como
estabelecemos uma barra de platina como padrão métrico para o comprimento. O padrão está
tão sujeito à modificação e revisão em um caso quanto no outro com base nas consequências de
sua aplicação operacional… A superioridade de uma concepção de justiça em relação a outra é
da mesma ordem da superioridade do sistema métrico […] embora não seja da mesma
qualidade.[21]

Logo ficará claro que a comparação entre o padrão de justiça e o padrão


de medidas não consiste em uma ilustração adequada. Certa linha é sempre mais
longa que a segunda linha, usemos polegadas ou centímetros para medi-las; e um
peso é sempre mais pesado que outro, seja em gramas ou em onças. Na moral,
contudo, um ato pode ser louvável em um padrão e mau em outro. Este é um
aspecto que deve ser observado por toda a análise a seguir.
Para os propósitos de Dewey, é melhor outra ilustração. Padrões morais
são como o idioma — no sentido de que ambos resultam do costume. As teorias
de ética absoluta argumentam que padrões ideais antecedem os costumes e
julgam quanto à sua correção ou incorreção; quaisquer ideais alegados,
resultantes do costume, não poderiam ser seu juiz. Este absolutismo é, na melhor
das hipóteses, desnecessário, o que se vê no caso do idioma. Não havia nenhum
princípio antecedente da gramática. O idioma evoluiu do balbuciar ininteligível e
dos gestos instintivos. Em seguida vieram as regras da gramática e o aparato da
literatura. Isso, contudo, não é o fim, pois o idioma e sua gramática mudam para
corresponder a novas situações e necessidades. As palavras têm a forma e o
significado alterados, novas expressões são inventadas e as regras antigas se
tornam arcaicas. Não obstante, as regras do idioma, embora sejam apenas
resultados imprevistos e não intencionais, exercem sua autoridade sobre nós. A
gramática e a moral são parte da vida. Ninguém pode escapar delas, mesmo que
se queira. A escolha humana reside simplesmente em adotar costumes mais ou
menos significativos.[22]
A analogia entre as regras gramaticais e os princípios morais acarreta
implicações importantes. A mais óbvia é o fato de que diferentes nações usem
idiomas diferentes. É certo que, se desejamos falar francês, devemos nos
conformar com seus costumes o suficiente para sermos entendidos. E se
nascemos franceses, não temos muita escolha no começo. Por fim, entretanto,
pode ser possível emigrar para os Estados Unidos. Isso envolve a decisão de
falar inglês em vez de francês. A oportunidade de desaprovar os costumes
morais de uma nação e, contra a pressão social, viver um estilo diferente de vida
está mais prontamente disponível que a emigração. Isso não requer uma norma
moral superior aos costumes condenados?
A analogia de Dewey com o idioma tende a minimizar a importância da
questão. Afinal, não é muito importante se uma pessoa fala francês, alemão ou
inglês, nem se ela infringe algumas regras de gramática ao fazê-lo. Mas os
missionários cristãos relatam que em certas regiões da África os costumes
sociais são tais que as meninas mal chegam à adolescência antes de terem sido
estupradas meia dúzia de vezes. Ainda no século passado havia tribos canibais
em várias ilhas do Pacífico. Os missionários se opunham aos “padrões morais”,
estes produtos do costume, e a estes gestos instintivos. Eles afirmavam existir
padrões divinamente revelados, fixos e universais que condenam tais ações. Ora,
se isso não é verdade e se a ética é análoga ao idioma, pode haver alguma
justificativa para impor os costumes de uma sociedade a outra? A condenação de
um conjunto de costumes não requer uma norma que seja mais que o efeito de
outro conjunto de costumes?
Dewey tem uma resposta interessante — e talvez perturbadora — para
essa pergunta. Em primeiro lugar, ele afirma que os proponentes de padrões
fixos, como os missionários cristãos, se enganam. Na verdade, eles não dispõem
de nenhuma norma absoluta. Seus conceitos morais resultam apenas dos
costumes do próprio grupo. O costume, portanto, ainda é a fonte de toda a
moralidade. Ora, em segundo lugar, a oposição de um costume a outro mais
amplo é uma forma de luta de classes; com efeito, “a séria forma de luta de
classes”. A luta de classes não é excessivamente escrupulosa. Cada lado trata o
oponente como violador obstinado de princípios morais absolutos. Assim, temos
o conflito presente entre a burguesia e o proletariado. Daí, a noção de padrões
morais fixos resulta em uma guerra que pode ser encerrada só pela força.
Aparentemente, o estupro continua louvável na África.
A ausência de verdade fixa na ciência e a teoria instrumental da lógica
será discutida na ordem adequada, mas o fato de não haver princípios eternos e
universais de moral permeia o pragmatismo de tal modo que são desnecessários
outros sumários e documentação. O livro Reconstruction in Philosophy
[Reconstrução na Filosofia], no capítulo cinco, baseia as tentativas da ética na
tentativa da ciência; e todo o Question for Certainty, um fogo fátuo perseguido
por filósofos tradicionais, oferece como substituto a promessa científica da
segurança.
Valores

O problema imediato, portanto, é identificar os valores e os ideais no


fluxo da experiência. John Dewey acreditava ter enxergado o problema com
clareza e ter descoberto a chave para sua solução. O problema mais profundo da
vida moderna, ele sustentava, é a integração das crenças humanas sobre o mundo
físico com as crenças sobre valores humanos. Na Idade Média, ciência e religião
estavam em harmonia porque ambas se desenvolveram a partir de um único pano
de fundo filosófico. Todos os problemas eram resolvidos com base em princípios
tomistas. Hoje, contudo, a ciência medieval desapareceu, mas as crenças comuns
sobre o valor ainda retêm certo sabor medieval. Uma vez que, na atualidade, a
conduta moderna é principalmente motivada pela ciência, o resultado é que a
conduta do homem moderno entra em conflito com suas crenças sobre valores.
Surgem duas desvantagens de duas reações a este conflito. Alguns homens com
forte ligação emocional com a teoria antiquada do valor menosprezam e
retardam a ciência, no mínimo dissipando suas energias em esforços infrutíferos.
[23] O outro tipo aceita a ciência de todo o coração, mas pelo fato de os valores
que lhes foram ensinados não poderem ser cientificamente estabelecidos, eles
repudiam por completo o valor. Portanto, o problema importante para a filosofia
que não quer ser isolada da vida moderna é harmonizar a teoria moderna e a
prática.
A solução do problema deve ser encontrada na exploração mais detalhada
do método científico. Conforme a ciência se separava, problema após problema,
da síntese medieval, seus sucessos acumulados até agora no século XX, há razão
para supor que todos os problemas da humanidade se submetem ao mesmo
método. As crenças sobre valores, ética e sociologia estão hoje quase no mesmo
estado das crenças sobre a física na era pré-científica.[24] A aplicação das
técnicas científicas se faz necessária. Só duas atitudes obstaculizam a aceitação
desta perspectiva. Com alguns há uma desconfiança básica quanto à capacidade
da experiência de desenvolver padrões, ideais ou normas para a vida. Esta
primeira atitude depende de valores eternos e apela para um Ser Supremo. Não
se pode criar nenhuma esperança em relação a tal perspectiva teísta. Agora,
interesses seculares dominam a mente dos homens; o sentido dos valores
transcendentais está enfraquecido; a autoridade da igreja diminuiu; os homens
até podem professar a velha religião, mas agem de modo secular. A divergência
entre as ações dos homens e suas palavras é a evidência exterior do conflito no
pensamento moderno. Para resolver o problema e acabar com o conflito, os
pensamentos do homem devem se conformar ao que fazem: eles jogam golfe no
domingo e acreditam na existência de Deus; enquanto continuarem a jogar golfe,
deveriam ser ensinados a repudiar a fé em Deus em vez de mudar a conduta e ir
à igreja.
A segunda atitude que obstaculiza a aceitação do método científico é o
desfrute de prazeres, bens ou valores que não levam em consideração o método
usado para produzir este gozo. Tal perspectiva supõe que “ser desfrutado e ter
valor são dois nomes para o mesmo fato”.[25] Esta atitude ou teoria de valor é
superior à perspectiva teísta — em que os valores são experiências concretas de
desejo e de satisfação aqui e agora. Sua falha surge do fato de os prazeres serem
casuais e não regulados pela inteligência. Escapar do absolutismo transcendental
não significa ficar preso em prazeres casuais, mas definir o valor pelos prazeres
que são as consequências da ação inteligente. “Sem a intervenção do
pensamento, os prazeres não são valores, mas bens problemáticos, que se tornam
valores quando se renovam em uma forma transformada do comportamento
inteligente”.[26]
Prazeres casuais

Uma passagem de um livro anterior já havia explicado esta perspectiva,


exceto pelo fato de que na passagem anterior Dewey usa o termo valor em
sentido mais amplo e não o havia restringido como o fez em The Quest for
Certainty. Aqui o termo valor equivale ao termo posterior prazer ou bem
problemático. No resumo a seguir, preserva-se o uso de Dewey.
Valores, portanto, são fugidios e precários, de modo que se faz necessário
um método de discriminar os bens com base em suas condições e consequências.
Os valores são apenas valores com certas qualidades intrínsecas; nada há para
dizer deles enquanto valor: simplesmente são o que são. O que quer que se possa
dizer acerca deles pertence a suas causas e efeitos. A razão para desfrutar de um
valor muitas vezes se encontra no fato de o objeto ser um meio para algo mais ou
um resultado dele; a razão se refere à causa do valor e não tem nada que ver com
o valor-qualidade intrínseco.
Antes de continuar o resumo, é preciso parar para destacar um fator
confuso nas linhas acima. É verdade que os valores são desfrutados muitas vezes
ou, ao menos, escolhidos, por serem a causa de algo mais. Tais valores, segundo
alguns autores, são chamados instrumentais enquanto opostos aos valores
intrínsecos; eles variam do tomar um táxi para o aeroporto até o ato de ir ao
dentista. Mas o argumento de Dewey requer realmente que este seja o caso, não
somente “frequentemente”, mas sempre. Paremos e perguntemos se todos os
valores são instrumentais ou se alguns são intrínsecos. É verdade que a razão
para desfrutar de um valor não tem nada que ver com o valor-qualidade
intrínseco? Deve-se ter esta questão em mente conforme prossegue o resumo.
O bem genuíno, continua Dewey, difere do bem espúrio por causa da
reflexão acerca das consequências. Toda crítica se refere às consequências
porque nenhuma propriedade traz credenciais adequadas de imediato.
Nesta conexão, devem ser levantados dois pontos. O primeiro,
mencionado algumas linhas cima, se refere aos antecedentes dos quais o valor
em questão é consequência. Este ponto diz respeito ao desfrute de prazeres
causais sem que se leve em consideração o método usado para produzi-los. O
segundo, e talvez mais importante, toca nas consequências que o valor em si
produz.
Inventemos um exemplo: suponhamos que um homem se candidate a um
emprego, realize seu trabalho e seja pago; nesse caso, o dinheiro não é um bem
espúrio, mas um valor real, pois foi obtido por meio da ação inteligente. Se o
homem tivesse encontrado a mesma quantia de dinheiro na calçada, ela não seria
um valor real. É o aqui afirma Dewey. Para a maior parte das pessoas, contudo, o
dinheiro encontrado é tão valioso quanto o dinheiro ganho pelo trabalho. Com
efeito, embora os poderes de compra de um dólar ganho pelo trabalho e os de um
dólar encontrado sejam os mesmos, o trabalho para obtê-lo pode ser tão longo e
custoso, que a soma dos valores de uma vida seja diminuída por uma previsão
inteligente e aumentada por um achado de sorte. O tempo e a força do
trabalhador podem estar tão esgotados que a aquisição promovida pelo dólar mal
pode ser desfrutada. Assim, poder-se-ia dizer, em nítido contraste com Dewey,
que o prazer casual e imerecido é de maior valor.
Com certeza, se Dewey quisesse dizer simplesmente que não é prudente
depender, para a própria subsistência, de encontrar dinheiro na rua, seu
argumento seria bastante sensato, ainda que trivial. O teísta de perspectivas mais
pronunciadas, como o epicurista que tenta evitar problemas cochilando no sol,
concordaria que certa quantidade de planejamento e de trabalho é necessária
para a nossa satisfação comum. A trivialidade não pode consistir na base do
antagonismo de Dewey em relação a teístas e epicuristas. Suas expressões e
ênfases parecem dizer que prazeres inesperados apenas não possuem valor. Eles
são espúrios.
Esta perspectiva, de aparência tão estranha para o senso comum, depende
à primeira vista da tese de que o valor de um objeto deriva-se do fato de ele
resultar de um meio para algo mais e, em particular, não depende da qualidade
agradável intrínseca. Nada possui valor em si mesmo. Já se disse o bastante por
ora acerca dos antecedentes do prazer; o segundo ponto é relativo às
consequências do valor desfrutado.
Qualidade intrínseca

Também neste ponto, a crítica — continuando a pressionar a questão do


valor intrínseco — será basicamente a mesma. Pode-se conceder a atribuição de
valor ao dinheiro por causa das possíveis consequências, a saber, das coisas que
podemos comprar com ele; neste sentido, uma conta ou um cheque, enquanto
apenas pedaço de papel, não apresenta credenciais de valor. Mas isso significa
dizer que nada as traz? Não há nada valioso por si mesmo? São todos os valores
meramente instrumentais? Não há nenhum tipo de fim?
Utilizemos, como ilustração, o jogo de xadrez. O prazer pelo xadrez
depende, para seu valor, das consequências? Sem dúvida, o xadrez pode ser
usado para cimentar amizades e, sem dúvida, outras consequências engenhosas
podem ser listadas. Mas normalmente, a razão para jogar xadrez não é a de que o
jogo é o caminho para um resultado ou outra coisa. Isso tem tudo que ver com
seu valor-qualidade. Se as credenciais em sua face não fossem adequadas, o
xadrez não seria escolhido.
Dewey, estranhamente em companhia de Aristóteles, pode desprezar a
ilustração com o xadrez. Jogar xadrez não é uma atividade suficientemente séria
para ser mensurada com os principais esforços humanos. Ademais, como
Aristóteles dizia, a recreação se ordena para o trabalho: nós jogamos para
trabalhar, nós não trabalhamos para jogar. Embora as opiniões corroborem muito
bem a perspectiva aristotélica, não está claro que Dewey possa usá-las com
muita consistência. Se nada é intrinsecamente valioso, como se poderia insistir
em que jogar é um meio para o trabalho e não o contrário? Se nada apresenta
credenciais próprias, como se poderia distinguir o sério e o trivial? Aristóteles
fazia da recreação um meio para uma atividade intrinsecamente valiosa, uma
atividade ordenada a si mesma e não como meio de outra coisa. Mas, se, como
diz Dewey, não há causa final e se tudo é escolhido apenas como meio para outra
coisa e nunca por causa de suas qualidades intrínsecas, faz alguma diferença o
que escolhemos?
Rapazes e moças escolhem, em grande quantidade, ir para a faculdade.
Pela teoria de Dewey, simplesmente bastante bem aceita pelos estudantes, a
razão não pode ser nenhum valor intrínseco no conhecimento. Dar tal razão seria
fugir da realidade e se refugiar na desacreditada torre de marfim aristotélica.
Para o rapaz, a faculdade significa conseguir um emprego melhor; para a moça,
é um meio de conseguir um marido melhor. Mas nem a família, que o casamento
traz, nem a comida, que o emprego fornece, devem ser escolhidos por alguma
qualidade intrínseca. Também eles são meios para outra coisa. A faculdade é o
meio para o emprego; o emprego é o meio para o casamento; o casamento é o
meio para a família; a família, junto com o emprego, é o meio para enviar um
filho para a faculdade. Mas o xadrez é o meio de restringir os contatos sociais a
um pequeno número; restringir os contatos sociais é o meio de evitar o
casamento; uma única bênção poupa o dinheiro que se gastaria na educação de
um filho; e este dinheiro é o meio para adquirir um conjunto mais bonito de
peças de xadrez. Mas por que seguir uma série causal em vez de outra? Todas as
atividades são meios sem valor para outros meios sem valor. Ou, ao menos, as
escolhas são baseadas em nada mais que preferência pessoal.

Neste ponto, pareceria que outro humanista, Gardner Williams, percebe


com mais clareza John Dewey quando escreve: “Não importa, do ponto de vista
do indivíduo, quão satisfeito ele esteja desde que, em longo prazo, esteja
satisfeito”.[27] Neste contexto o como/quão parece incluir a presença e a
ausência da previsão inteligente e a identificação do que satisfaz.
A estas últimas afirmações, Dewey provavelmente responderia com
algumas expressões de repulsa. Ele as repudiaria, não só como falta de
entusiasmo em relação ao método científico, mas também como evasão da
responsabilidade pela reconstrução de instituições econômicas, políticas e
religiosas. Em diversos lugares, Dewey baseia sua rejeição para opor teorias em
preferências sociológicas. A epistemologia, por exemplo, perde um tempo que
poderia ser proveitosamente utilizado na remediação de males sociais. O
pensamento não deveria ser utilizado para nenhum bem privado; se ele tem por
objetivo algum resultado especial, não é sincero.[28] Nesse contexto ele fala até
mesmo de “algo válido por si mesmo”, embora na página seguinte acrescente
com mais consistência: “Não há nenhum fim particular estabelecido
antecipadamente de modo a encerrar as atividades de observação, formação de
ideias e aplicação”. Já,

A satisfação emocional e o conforto particular […] a satisfação em questão significa uma


satisfação de necessidades e de condições do problema fora das quais a ideia, o propósito e o
método emergem… É tão repulsivo o conceito de verdade que faz dela mera ferramenta de
uma ambição e de um engrandecimento privados, que causa espanto os críticos tenham
atribuído essa noção a homens sensatos.[29]

Mas a repulsa de Dewey é uma resposta suficiente às objeções? Seus


objetivos políticos serão retomados mais tarde. A questão aqui é: por meio de
qual argumento lógico Dewey pode recomendar a faculdade e não o xadrez? Ele
tem alguma razão para sentir repulsa ao bem privado? Ele não pode alegar que
os críticos atribuíram erroneamente noções disparatadas a homens sensatos. O
professor Williams é um homem sensato; e também o eram os sofistas e
epicuristas. E muitos outros homens se recusarão a deixar fins particulares,
confortos privados e bens intrínsecos apenas pelo fato de Dewey considerá-los
repulsivos.
Certeza ou segurança?

Por trás da repulsa de Dewey e da insistência de que os métodos


científicos resolverão os problemas éticos, permanece um contraste que Dewey
gostava de enfatizar. Trata-se do contraste entre a certeza e a segurança.
Religiosos, místicos e platônicos iludidos buscam certezas e, às vezes, alegam
que realmente chegaram à posse da verdade absoluta, mas a teoria da ciência e a
crítica afiada de Ferdinand Schiller em relação a Platão mostram que a verdade
fixa não pode ser alcançada. Assim, o desejo tradicional da certeza deveria ser
abandonado. Em seu lugar, a ciência moderna forneceu algo muito melhor — a
segurança. A química melhora o abastecimento de comida de povos civilizados.
A física permite a invenção de telefones, rádios e jatos. Se, agora, estudamos as
condições pelas quais os valores podem ficar mais seguros e mais amplos,
resolvemos, parece dizê-lo Dewey, os problemas da ética.
Costumava-se pensar — e mesmo cientistas da era moderna, como por
exemplo, Newton — que a ciência é a descoberta da verdade. A água, diziam,
realmente é H2O. Esta é uma visão equivocada da natureza e do propósito da
ciência. A ciência não descobre o que é; a ciência produz o que será. H2O não é
água; H2O não é ácido sulfúrico. Estas são fórmulas, planos de ação, pelas quais
fazemos uso da água e do ácido sulfúrico para propósitos úteis. Mediante
fórmulas químicas torna-se possível produzir ácido sulfúrico ou gás hidrogênio
da água. De modo semelhante, todas as leis da ciência são essencialmente planos
de ação, planos para controlar a natureza, planos para assegurar o futuro.
Inexiste conhecimento de um ser antecedente, mas o método científico pode
controlar e manipular a natureza de modo a assegurar nossos bens.[30]
Que Platão e Aristóteles, Descartes e Spinoza, e até mesmo Newton
tenham falhado em alcançar a verdade absoluta na ciência, é uma conclusão
plausível e inevitável dos argumentos de Dewey; Schiller era ainda mais
convincente. A busca da certeza pode, com efeito, ter sido um fracasso. No
entanto, sendo o fracasso dos racionalistas uma razão para abandonar a
esperança da verdade, seria ele também uma razão para adotar uma expectativa
de segurança?
Dewey afirma que o método científico moderno pode resolver o
problema da ética. Mas este problema é o problema da segurança? Não é antes a
escolha do que assegurar? Dewey indicou algumas escolhas políticas bastante
definidas. Ele se opõe ao laissez-faire, à liberdade e ao individualismo, e advoga
um tipo de coletivismo. No entanto, somos forçados a perguntar se o método
científico ou sua teoria nos compele a escolher um em vez do outro.
Por certo, podemos também perguntar se a ciência pode assegurar o ideal
uma vez que tenha sido escolhido. Neste século bárbaro, os políticos prometem
segurança e os cientistas planejam meios para torná-la impossível. Um
demagogo amplamente aclamado prometeu à nação a liberdade do medo. Daí em
diante, o medo científico agarrou o mundo todo. A ciência parece ter assegurado
a destruição do homem mais do que — ou ao menos tanto quanto — assegura
sua preservação. Na melhor das hipóteses, a ciência pode assegurar um ideal
com tanta facilidade quanto outro. A ditadura e o republicanismo podem fazer
uso dela. Ela fornece os meios para qualquer coisa que possa ser escolhida pelo
homem. Mas ela pode fornecer alguma razão para escolher isto e não aquilo? A
questão principal, portanto, não é como assegurar valores, mas como selecioná-
los. Substituir a segurança pela certeza sob essas condições deve ser um ato de
desespero filosófico e existencial.
Entretanto, a segurança, a reflexão acerca de condições e consequências e
a depreciação de qualidades intrínsecas são uma aplicação consistente do
paralelismo da ética com a ciência. A ciência voltou as costas para o
imediatamente percebido molhado da água a fim de formar um conceito, H2O,
que poderia produzir experiências do molhado mais seguras e mais
significativas. As coisas desfrutadas deveriam ser tratadas de modo semelhante;
elas são possibilidades de valores que devem ser alcançados. Dizer que algo é
desfrutado equivale a afirmar que a água é molhada. Isso pode ser um fato, mas
não é um valor. O valor é algo satisfatório, e o satisfatório é o que fará, isto é, a
predição em relação ao futuro, não a declaração do presente. A declaração sobre
o presente, como, “esta experiência é satisfatória”, só levanta o problema.
Admitindo-se que desfrutamos dela, como o desfrute deve ser classificado? É
um valor ou não? É algo por ser desfrutado? Dizer que é um valor significa que
continuará a satisfazer. Ele o fará. A declaração do fato presente não reivindica
nada para a ação, mas o juízo sobre o que deve ser desejado se volta para o
futuro e possui qualidade de jure, e não só de facto.
Valor de jure

À luz da especulação ética prévia, a distinção entre a qualidade


meramente de facto e uma qualidade de jure pareceria importante. É possível ver
que um prazer não o fará e que outro o fará? Como podemos distinguir o valor
que continuará a satisfazer no futuro do que não continuará? E como a distinção
pode ser feita sem confortos privados e fins últimos?
Dewey nota que, embora os valores devam estar conectados
inerentemente com gostos, preferências ou desejos, eles não devem estar
conectados com nenhuma preferência aleatória, mas só com as racionalmente
aprovadas após exame. O conflito entre a irreflexão, os desejos esporádicos e os
planos escolhidos de forma refletida para propósitos de longo prazo é comum.
Em relação ao primeiro, as pessoas normalmente dizem: Eu gostaria de fazer ou
de ter isso; mas quanto ao segundo, elas afirmam, com arrependimento ou
determinação: Eu deveria ter feito isso. Dewey deve levar em consideração o
“deveria” da moral tradicional, e deve-se apontar a distinção entre de jure e de
facto. A questão é se o instrumentalismo pode justificar a distinção. Que espécie
de exame revelará que o gosto de alguém deve ser aprovado e o do outro,
rejeitado? E visto que Dewey critica a teoria racionalista em relação ao fato de
ela não proporcionar nenhuma orientação, espera-se, naturalmente, que Dewey a
forneça.[31]
O tipo de exame que Dewey tem em mente está pelo menos claro o
suficiente; é fácil citar as frases pelas quais Dewey acredita ter atendido aos pré-
requisitos. Com efeito, ele põe uma delas em itálico:

Juízos de valores são juízos sobre as condições e os resultados dos objetos experimentados;
juízos sobre o que deveria regular a formação de nossos desejos, afeições e prazeres.[32]

Quando deveres ou valores entram em conflito, o dogmatismo tenta


construir uma escala de valores. Mas isto, diz Dewey, é uma confissão da
inabilidade para julgar o concreto. A alternativa ao esquema hierárquico é o
juízo por meio das relações em que o valor ocorre. Devem-se examinar causas,
condições e consequências, interações e conexões. Quanto mais verificamos os
detalhes, mais conhecemos os objetos em questão e podemos julgar melhor seu
valor.
O que poderia ser mais plausível, mais de acordo com o senso comum?
No entanto, caso o entendimento decorra do senso comum superficial, isso
sustenta a posição de Dewey? Se Dewey tivesse apenas desejado declarar que o
exemplo adequado de algum prazer imediato ou de uma preferência causal
requer olhar para as consequências prováveis, ele não faria nada além de refutar
Billy Bones.[33] O capitão Billy Bones na Hospedaria Almirante Benbow
preferia mais rum, mas seu valor ou não valor é percebido em sua morte rápida.
Entretanto, parece que Dewey usa esse tipo de exame, não só como necessário,
mas como critério suficiente de valor. Ele afirma:

Prazeres que saem da conduta direcionada pelo conhecimento das relações têm significado e
validade devido à maneira como são experimentados. Desses prazeres não devemos nos
arrepender; eles não geram nenhum travo de amargura.[34]

No caso de Billy Bones, a maioria de nós decidiria que o rum seria algo
de não valor, pois suas relações, condições e consequências envolviam a morte.
Mas Billy Bones aparentemente pensava que a vida sem rum fosse pior que a
morte. O mero exame e a listagem das causas e das consequências não garantem
o acordo em relação ao valor. Os mártires cristãos primitivos sabiam da
consequência da recusa de negar a fé e escolhiam a morte de modo mais
deliberado que o capitão Bones. Devemos dizer que — pois tanto o pirata quanto
os mártires examinavam as relações, interações, causas e condições — seus
prazeres são igualmente valores de jure que não possuem nenhum gostinho de
amargura? E admitirá Dewey que as escolhas deles são tão satisfatórias quanto
as suas?
Aqui o argumento de Dewey depende de três suposições relacionadas: os
prazeres casuais não são valores, os valores são meios para fins e os prazeres
escolhidos à luz de suas relações não são algo de que nos devamos arrepender.
Ele fornece um exemplo. O aquecimento e a luz elétrica bem como a velocidade
do transporte e da comunicação foram obtidos não por enaltecimento de sua
conveniência, mas pelo estudo de suas condições. “Tendo-se obtido o
conhecimento das relações, a habilidade para produzir se seguiu e o prazer se
seguiu de modo natural”.[35]
Se este exemplo tinha a intenção de mostrar como o método científico
pode produzir ideais, resolver o problema da ética e assegurar os bens — e esta
parece ter sido a intenção do exemplo; ou seja, caso se esperasse que o exemplo
respondesse às críticas anteriores — ele não é convincente. Sem dúvida, o
método científico assegura a rapidez dos transportes, mas o prazer e a satisfação
não se seguem de forma natural. A velocidade nos transportes e na comunicação
ajuda a tornar a guerra mais horrível. O conhecimento das relações e a
habilidade para produzir podem ser direcionados para fins dolorosos com tanta
facilidade quanto para fins prazerosos. Em ambos os casos, os meios são
variáveis para a produção dos fins; e o agente pode ter um conhecimento
exaustivo das causas, condições, consequências, interações e conexões; mas
Dewey admitirá que, portanto, uma via de ação vale tanto quanto a outra? Ele
pode sustentar que a eficiência per se é a razão última para a escolha?
Um sujeito vestido de forma desalinhada conseguiu passar pelo porteiro
de um hotel pomposo e caminhou até o mezanino. Ali, o detetive o encontrou e o
lançou a pontapés escada abaixo para o saguão. O porteiro aproveitou para
agarrá-lo de supetão e lançá-lo a pontapés no meio da rua. De lá, o vagabundo
olhou para trás admirado e exclamou: “Uau, que sistema!”.
Em outras palavras, não deve haver um valor, bem, fim, cuja bondade
intrínseca possa motivar a escolha antes que o conhecimento dos meios, das
condições e das circunstâncias nos leve a garanti-lo? A ciência pode justificar
ideais?
Ideais maus

Nesta linha de pensamento que a distinção entre a qualidade de facto e a


de jure se torna claramente necessária. Dewey concorda com a existência de
ideais errados. Sem o prazer estético, a humanidade pode tornar-se uma raça de
monstros econômicos capazes de usar o lazer apenas em exibições ostentosas e
em dissipações extravagantes.[36] Ao que parece nenhuma quantidade de
conhecimento das interações e das relações fará dos monstros econômicos um
valor. Mas por que não? O acordo de paz da Primeira Guerra Mundial foi feito
com a mais realista atenção nos detalhes da vantagem econômica e Dewey nunca
se cansa de insistir nos detalhes concretos. Também os objetivos foram
amplamente sociais e não foram limitados para o conforto privado; mas em
Versalhes, segundo Dewey, a atenção à vantagem econômica distribuída em
proporção ao poder físico criou as perturbações futuras. E presume-se que isso
foi ruim. O mal de tal situação não surge da ausência de ideais; e menos ainda,
como se deve dizer, da ignorância dos detalhes; ao contrário, os maiores males
surgem dos ideais errados. Então, como a maior atenção ao detalhe realista pode
identificar ideais de valor? Dewey censura o olhar míope e insiste que não se
deveria sacrificar o futuro à pressão imediata. Mas a sagacidade resolverá o
problema se não puder ver longe o bastante para passar além dos meios valiosos
para o fim intrinsecamente valioso?
Dewey estava consciente de que este tipo de refutação lhe seria
oferecida. Portanto, ele tenta evitá-la com a referência ao diálogo platônico no
qual Górgias louva a arte da oratória.[37] O irmão de Górgias é médico, mas
Górgias se saiu muito melhor que o irmão no que se refere a persuadir o paciente
a seguir o tratamento; há também engenheiros que colocam planos diante do
conselho da cidade, mas Górgias com sua oratória, em vez dos técnicos com seus
detalhes científicos, pode persuadir ou dissuadir o conselho. A este panegírico da
oratória, Platão responde que nem o técnico, com seu conhecimento das
condições e das interações, nem o orador, com seu jeito para a persuasão, sabe se
é melhor ou pior para o paciente ser curado ou para o conselho ser persuadido. É
necessário o conhecimento, não tão derivado, dos ideais. Dewey também se
refere à ilustração platônica de que o sapateiro pode ter conhecimento científico
da fabricação de sapatos, mas esse conhecimento não pode decidir se é bom ou
não calçá-los.[38] No entanto, infelizmente, Dewey segue de encontro com a
posição platônica; ao menos os contextos imediatos nos dois volumes não
apresentam nenhuma resposta breve a Platão. Tem-se, portanto, permissão para
julgar a teoria de forma integral.
Que os métodos da ciência não podem ser aplicados na determinação dos
princípios éticos, isso pode ser mais bem apreciado se forem tidos em mente
com clareza os resultados específicos que Dewey pensa ter obtido mediante seus
métodos. E para tornar a discussão mais concreta, os ideais mencionados por um
dos sinceros e influentes discípulos de Dewey — professor William Heard
Kilpatrick — serão acrescentados à lista. Em cada caso a questão deve ser: o
método científico produz esses ideais?
A comparação entre métodos e resultados não é algo sobre o que os
humanistas possam se queixar com correção. Por causa da posição fundamental
atribuída à ética nesse tipo de filosofia, por causa da queixa de Dewey de que o
teísmo e o transcendentalismo tornaram severa a moral da natureza humana e
destruíram a integridade de ambos com o ambiente,[39] pelo fato de os
oponentes do humanismo serem estigmatizados como esponjas sociais
irresponsáveis (e, com certeza, obscurantistas não inteligentes) e por causa da
exigência de que o pensamento deveria resolver os problemas concretos da
experiência diária, os humanistas têm a obrigação de indicar algumas
orientações detalhadas. Se os métodos da ciência na verdade não estabelecem os
ideais especificados, seu programa concreto fracassa. E se os métodos empíricos
do laboratório não podem justificar nenhum ideal, a base da filosofia de Dewey
entra em colapso.
Especificações

Em diversos lugares Dewey exige “a reconstrução direcionada das


instituições econômicas, políticas e religiosas”.[40] Ele quer que “o tédio do
prazer vago [seja] preenchido com imagens que empolguem e satisfaçam”.[41]
Isso, infelizmente, é um pouco vago demais para ser classificado como ideal
para a orientação concreta. É lamentável que Dewey seja tantas vezes vago. As
reconstruções particulares das instituições e as empolgantes imagens particulares
devem ser deixadas vagas, pois, segundo Dewey, a reflexão deixa de ser
completa se estiver subordinada à manutenção de algum propósito pré-
concebido. Ter por objetivo um resultado especial é sinal de insinceridade.[42]
Mas caso não se possa insistir em nenhuma reconstrução especial da
sociedade e em nenhum grupo de imagens empolgantes, parecerá que o método
tem pouca utilidade nas situações reais.
No entanto, Dewey nem sempre é tão vago. Os resultados especiais —
sinais de insinceridade — são principalmente (talvez sempre) os de vantagem
privada e unilateral; “o fim pessoal é repulsivo”.[43] A teoria instrumentalista da
verdade, queixa-se Dewey, tem sido frequentemente pensada em termos de
satisfação de alguma necessidade apenas pessoal. Isso é um erro. A satisfação
que o instrumentalismo fornece, Dewey explica, é “a satisfação das necessidades
e condições do problema fora do qual a ideia — o propósito e o método de ação
— emerge. Ela inclui as condições públicas e objetivas”.
Superficialmente, ao menos isso se deve admitir. Esteja eu
desenvolvendo novas vacinas ou investindo no mercado de ações, há muita
objetividade obstinada que deve ser levada em consideração. E nesse sentido o
problema tem “necessidades e condições” que devem ser satisfeitas. Mas que se
deve dizer da escolha anterior entre desenvolver vacinas e investir no mercado
de ações? O primeiro, presume-se, não motiva particular ou pessoalmente
(embora, sem dúvida, possa fazê-lo), e o último é um bom exemplo — quanto o
é qualquer uma das satisfações pessoais. Mas que procedimento da ciência —
seja ciência biológica ou econômica, para não falar da física e da química —
demonstra de forma empírica que o fim puramente privado é repulsivo? Sem
dúvida há aí uma lacuna não preenchida entre as premissas de Dewey e suas
conclusões, e parece que ela não pode ser completada. Não se refuta o egoísmo
tão facilmente.
Além da questão de a ciência demonstrar ou não a repulsa dos fins
pessoais, a exclusão deles deixa a posição de Dewey vaga; pois mesmo entre fins
não pessoais e desinteressados — admitindo-se que existam — há escolhas
incompatíveis. A ciência pode estabelecer um como oposto ao outro? Quando
Dewey se define, ele tem a ciência para si mais do que a escolha oposta teria?
Para todas as suas vaguezas gerais, há certos ideais relativamente
definidos que Dewey aceita. Ele menciona saúde, riqueza, amizade,
laboriosidade, temperança, cortesia, aprendizado e iniciativa,[44] como luz
elétrica, aquecimento e transportes.[45] Estas especificações são, aliás,
suficientemente definidas; e por serem típicas, seguem um longo caminho para
resgatar a ética do atoleiro dos valores eternos, e até mesmo da rigidez das
verdades fixas.
Kilpatrick também é específico. Saúde corporal e vigor são bens que
nenhum homem de mente moderna negaria. Personalidade bem ajustada,
relacionamentos satisfatórios, trabalho significativo oposto a uma vida de
prazeres, música, processo adequado de vida social e religião não sobrenatural
são exemplos dos doze constituintes da boa vida de Kilpatrick. Moral é tudo o
que promove esta vida boa.[46]
Mais ideais específicos podem ser inferidos da depreciação do antigo
sistema militar de Esparta e do louvor à Atenas de Péricles (pp. 286-289). Ele
ainda se opõe explicitamente à discriminação racial (p. 340) e ao Ensino Médio
com mais de 3 mil alunos (p. 343); afirma que o laissez-faire é um mal (p. 405),
como também o é o antiquado americanismo que acreditava no dever do governo
de proteger a propriedade privada e de manter direitos inalienáveis (pp. 403, 53-
54).
De modo mais enfático, ele se opõe à liberdade de religião. Ele não só
impediria grupos religiosos de manter escolas e faculdades (p. 354), mas ainda
acredita que é “antidemocrático” permitir que pais ensinem as doutrinas de sua
religião aos próprios filhos. Aparentemente, ele acredita que se deveria invadir
até mesmo o lar para forçar a crença no secularismo humanista. Bem, ninguém
poderá acusar Kilpatrick de ser vago demais em seus argumentos.
Implicações políticas

Que o método científico devesse gerar o ideal do totalitarismo político é


um aspecto dessa teoria que deveria ser mais enfatizado. Dewey indica as
conexões entre a ciência e o socialismo destacando que os avanços na ciência e
na invenção dependem da cooperação de muitos indivíduos. Isso o leva à
conclusão contra quaisquer objetivos egoístas e ignóbeis. Ele repudia o
subjetivismo e o individualismo. E para pôr mais força em sua teoria, ele
assinala que as sociedades exercem pressão em indivíduos recalcitrantes. Assim,
em vez da sanção divina da moral, há a sanção social. Com efeito, em um
parágrafo enunciado de forma obscura, Dewey visa à maior compulsão no futuro
do que no passado. Os cientistas planejarão os procedimentos para controlar os
desejos dos homens.
Deixemos Dewey falar por si mesmo:

É teoricamente concebível que devesse haver uma teoria ética preocupada científica e
objetivamente com as condições causais e com as consequências concretas deste e daquele
desejo. As dificuldades práticas no caminho são imensas. Foi feito somente um pequeno
começo. Mas, fossem as empresas perseguidas, desenvolver-se-iam, conforme amadurecessem,
técnicas para lidar com a natureza humana como nós as temos agora para a natureza física.
Estas técnicas não consistiriam na manipulação da natureza de fora porque exigiriam respostas
cooperativas voluntárias para a sua realização. Tal ciência e tal técnica não são conspícuas por
sua ausência.[47]

Este parágrafo com a esperança de averiguar as causas do desejo está


expresso de forma muito cuidadosa. Quando, no final, ele nota que as técnicas
para controlar os desejos humanos não são conspícuas por sua ausência, pode-se
supor que ele tenha apenas propaganda na cabeça. O repúdio à manipulação de
fora e a exigência de respostas voluntárias parecem excluir toda a coerção brutal,
todas as drogas, toda a destruição comunista e toda a reconstituição da
personalidade. No entanto, não está claro como os desejos dos homens podem
ser causados e controlados sem alguma espécie de manipulação. Mesmo as
propagandas são externas. Em que medida, portanto, mecanismos externos
devem ser desenvolvidos? Eles devem ser aplicados com ou sem o
consentimento da vítima? Não é inconcebível causar um desejo ou uma resposta
voluntária sem que a vítima esteja consciente das técnicas aplicadas a ela. De
qualquer modo, Dewey tem em mente algo bastante diferente da persuasão e da
propaganda. Sua proposta vai além até mesmo do que ele provavelmente tinha
em mente. Pois, ainda que se proponha, com cautela, a controlar os desejos dos
homens, a dura realidade logo se torna escandalosamente simples.
Dewey quer manipular os homens de modo tão completo como a ciência
manipula a natureza física. Certos manipuladores controlarão os pensamentos do
povo e farão todo mundo desejar o que os manipuladores querem que eles
desejem. “Foi feito somente um pequeno começo.” O ideal é o controle
completo, inelutável. Não mais será possível aos indivíduos querer o que até
agora quiseram. Os pais não poderão desejar ensinar aos filhos a própria
religião; eles não poderão acreditar em direitos inalienáveis. Conforme essas
técnicas forem desenvolvidas para além do estágio ineficiente a que os
comunistas as trouxeram — e esse estágio não é conspícuo por sua ausência — a
propaganda governamental, a arregimentação política e a lavagem cerebral
banirão o subjetivismo e o individualismo da ética, e haverá um sistema político
completamente objetivo.
Estas poucas últimas linhas não são exatamente o que Dewey disse. O
que ele realmente disse pode ser visto no parágrafo citado ou examinado em seu
contexto no livro. Mas se isso não é o que ele disse explicitamente, não é o que a
teoria quer dizer? Há algo mais que Dewey não diz e sequer parece negar, mas
que parece seguir-se necessariamente da sua perspectiva geral. Isso diz respeito
ao papel do governo civil. Em certo ponto, Dewey expressa desgosto pelo estado
onipotente; ele também mostra respeito por seus ancestrais de Vermont que não
eram comunistas nem algum tipo de totalitários. Tais expressões não devem ser
tomadas como insinceras; no entanto, ao mesmo tempo, sua teoria social da ética
não pode logicamente ficar aquém do totalitarismo. Se a natureza humana deve
ser controlada de forma tão efetiva como a natureza física é agora controlada, e
se os desejos das pessoas devem ser regulados, fica-se forçado a perguntar que
agente da compulsão social faz a regulação. Onde está o foco da sanção social da
moral?
Dificilmente pode ser toda a humanidade. O que quer que aconteça no
futuro no caminho do governo mundial, no passado nações e civilizações
estiveram em grande parte separadas. No momento presente, não há exigências
que sejam com clareza demandadas por toda a humanidade. Se é que a
humanidade fala no balbucio das Nações Unidas, ela fala em uma linguagem tão
indistinta e ambígua, que não se pode discernir nenhuma obrigação específica.
Na verdade, são exigências conflitantes de diferentes segmentos da humanidade
que produzem os atuais problemas internacionais. Pela mesma razão, está claro
que a sociedade universal não impõe sanções. A raça humana nem promulga
regras, nem as impõe e tampouco as executa. Pode-se mesmo dizer que inexiste
sociedade universal.
A família está no outro extremo. Em números, é a menor sociedade,
embora em influência e em sanções seja mais efetiva que o todo da humanidade.
Outra sociedade é a igreja, embora não seja necessário dizer que Dewey não
baseou seu pensamento em nenhuma igreja. Poderia, então, ser um grupo de
publicitários ou uma associação de cientistas que controlaria os pensamentos dos
homens? Sendo o caso, esse grupo controlaria os oficiais civis e outros cidadãos
para que esse grupo seja o próprio governo ou a éminence grise (ou plutôt rouge)
[48] por trás do trono. A sociedade, portanto, o objeto da confiança do
instrumentalismo, admita-o Dewey ou não, é a nação, pois de todas as
sociedades, a nação pode aplicar as maiores sanções. Mas se a moral deve ser
determinada pela nação, nosso dever é obedecer de modo integral a tudo que o
Estado mandar? Com efeito, que mais seríamos capazes de desejar?
Segue-se disso que o assassinato e a brutalidade estão corretos onde quer
que o Estado decida empreendê-los. O Estado não pode errar, pois o direito é
determinado pelo que ele faz.
Desacordo quanto ao assassinato

Embora este totalitarismo pareça estar logicamente subentendido pela


teoria de Dewey com a sua condenação do individualismo e sua esperança de
lavagem cerebral da população, ainda assim isso não é o que Dewey disse nem
provavelmente o que ele quis dizer de forma consciente. Em um de seus livros,
Dewey afirma que nenhuma pessoa honesta pode convencer-se de que o
assassinato teria consequências benéficas, e também acrescenta que uma pessoa
normal irá ofender-se com um ato de crueldade gratuita.[49] Há, contudo, um
grande número de pessoas (presumidamente normais) que se divertem com
touradas. Mas Dewey delimita a sua afirmação a pessoas normais e imparciais.
[50]
Filosoficamente, isso é petição de princípio. Os membros da Society for
the Prevention of Cruelty to Animals (SPCA) consideram os fãs de touradas uma
espécie inferior da humanidade. Estes, por sua vez, acreditam que os primeiros
simplesmente não têm um senso normal de diversão. Em que bases, por
conseguinte, este desacordo deve ser resolvido? Não se deve primeiro definir o
certo e o bom, e somente nesta base decidir quem é normal e imparcial? Ora,
podemos dizer simplesmente que estas designações honoríficas devem ser
aplicadas às preferências da maioria? A plausibilidade de que uma pessoa
normal se ofenda com a crueldade gratuita e condene o assassinato está no fato
de que a declaração é verdadeira no tempo presente nos EUA, por causa de
nossa herança cristã. Mas isso não é verdade nos países comunistas. Lá o
assassinato e o massacre são definitivamente aceitos como tendo consequências
muito benéficas. Ora, se Dewey e Kilpatrick conseguirem destruir o cristianismo
mediante a proibição de os pais darem instrução religiosa aos filhos, poderia
alguém estar certo de que o massacre ainda seria considerado errado? E se um
governo socialista descobrir como controlar os desejos da maior parte da
população, não poderia tornar-se verdade — mesmo nos EUA — que toda
pessoa normal e imparcial acreditasse que a tortura dos dissidentes políticos é
um bem?[51]
O motivo de uma reação violenta da parte de Dewey contra essa
inferência se deve ao fato de ele ter contrabandeado perspectivas para sua
filosofia que são petições de princípio, factualmente falsas ou que se encontram
em conflito com seus próprios princípios. Como foi indicado, ele pressupõe um
acordo moral universal a respeito de assassinato ou touradas, em que nada ou
pouco existe; e espera que o leitor aceite o pressuposto sem questionar. A
afirmação de Dewey sobre o assassinato e a crueldade gratuita não é apenas
factualmente falsa, mas também é uma petição de princípio, pois em nenhum
lugar se produziu evidência científica de que o assassinato jamais obtenha
resultados benéficos. Tampouco seus princípios podem consistir em uma norma
moral fixa — o que ocorreria se isso pudesse ser provado. A insistência de
Dewey na experimentação de todas as hipóteses práticas requer dele a admissão
de que a crueldade gratuita possa algum dia ser o meio mais eficiente para um
objetivo social.
Ao rejeitar os fins pessoais e privados, Dewey também pressupõe que os
indivíduos sejam obrigados a se submeter à sociedade. Essa sociedade, já
argumentamos, deve ser o Estado. Mas a obrigação categórica de obedecer ao
Estado não é um ponto de acordo universal. Há, portanto, outro experimento
científico que poderia demonstrar a obrigação? E se um homem disser que será
leal à família e não à pátria?
Na Rússia, com certeza, eles matariam essa pessoa executando-a ou
fazendo-a trabalhar até a morte na Sibéria, mas aqui nós podemos estar
inclinados a pensar que o homem que desobedece ao comunismo é um homem
moral e um mártir honrado. O ponto que se deve observar é que as várias
sociedades, as diversas nações e as muitas famílias não estão de acordo. Elas
ordenam ou recomendam tipos de ação bastante diferentes. Como, pois, o
indivíduo deve escolher à qual sociedade ele deverá obedecer? Se Hitler nos
ordena massacrar os judeus ou se Kruschev nos ordena abater os húngaros, seria
certo ou errado desobedecer? Que teoria justifica a supremacia do Estado como
o juiz do certo e do errado? Qual é a base de qualquer reivindicação que a nação
nos pode fazer? Por que não deveríamos tentar fugir da lavagem cerebral de
nossos governantes científicos?
Há outro enigma deixado pela teoria de Dewey, embora não seja um
enigma para cuja solução muitos leitores deste livro serão convocados. Mas o
enigma é este: Como os governantes devem decidir que política seguir? Supondo
que possam fazer-nos desejar o que querem que desejemos, como podem decidir
o que querem que nós desejemos? Se a moral é o decreto do Estado, todos os
problemas morais estão automaticamente escolhidos para nós, escravos comuns.
Mas os problemas não estão automaticamente escolhidos para os líderes no
Kremlin. Eles não recebem ordens de ninguém. A ciência pode sem dúvida
projetar o meio mais efetivo para esse ou para aquele fim. Mas o fim é a
preferência particular do ditador. Dewey pode afirmar que os fins privados são
repulsivos, e Kilpatrick pode afirmar que não é democrático para os pais ensinar
princípios morais aos próprios filhos, mas a reivindicação não provou que a
ciência pode distinguir entre prazeres de jure e de facto.
A ênfase em desacordos sobre assassinato, desacordos entre toureiros
espanhóis e puritanos, entre Kilpatrick e pais cristãos, entre ditadores sucessivos
ou que competem entre si destaca uma falha séria na filosofia de Dewey. Ele
teria que defender, no último caso, que o ditador solicitasse a seus cientistas a
formação e o controle de seus desejos. Não é provável que isso aconteça. Ou, em
sentido mais amplo, a ciência produziria um acordo entre pais e educadores. De
modo geral, a suposição de Dewey é que a ciência pode chegar bem perto de
produzir um acordo moral e universal. Ou, pelo menos, a ciência pode
determinar valores. Mas Dewey falhou no teste neste seu ponto mais fácil. O
assassinato não era o exemplo de mal — um exemplo com o qual toda pessoa
imparcial deveria concordar? No entanto, Dewey não foi bem-sucedido em
mostrar como esse juízo moral pode ser justificado pelo procedimento científico.
Com efeito, devido a toda a insistência em que a ciência pode solucionar todos
os problemas e que os valores só podem surgir no ato de relacionar os meios a
fins próximos, Dewey, até onde sei, não deu nem um só exemplo de valor que
tenha sido assim descoberto. Ele parece admitir isso.[52] Mas é insensato pedir
somente um exemplo?

Dewey não pode responder à objeção. Mas nós podemos, por meio de
uma ilustração, examinar como um de seus defensores tenta descartar a objeção
de que princípios normativos não podem ser deduzidos de declarações
descritivas.
O professor Geiger começa notando que os cientistas atômicos estão
enfrentando problemas morais: “O cientista amoral não é exatamente um ser
humano completo”.[53] Mas isso só mostra que o homem pode ser moralista e
cientista. Está longe de mostrar que valores e princípios não nativos podem ser
gerados fora das declarações científicas descritivas. Mais adiante (p. 121), ele
diz que a maior parte das questões morais não é levada ao bem último. Isso pode
ser uma declaração descritiva verdadeira de quão incompleto é o pensamento da
maior parte das pessoas, mas a defesa de Dewey requereria razões para o fato do
apelo ao último nunca ser necessário. Geiger insiste na necessidade de saber os
meios para o fim, mas nenhuma razão é dada para aceitar o fim. Por último, o
autor confunde a questão: “Todo o argumento de Dewey se baseia na premissa
de não haver substituto para o conhecimento autenticado ao lidar com os
problemas onde eles possam ocorrer” (p. 135). Sem dúvida, isso é plausível e até
mesmo verdadeiro. Mas não tem relação com o assunto. Pode-se também
argumentar que, visto não haver substituto para o hidrogênio na água, segue-se
que o hidrogênio não é necessário. Admitamos que certa quantidade de
“conhecimento autenticado” seja necessária para realizar um propósito;
admitamos que o conhecimento dos meios seja importante; isso ainda não
contribui para mostrar de que forma os meios ou valores podem ser gerados do
modo alegado. Quando o oponente de Dewey faz o pedido sensato de que se
mostre um exemplo, a substituição do apelo esperançoso sobre o futuro pelo
sucesso realizado no passado não é satisfatória; ela não funcionará.
A disparidade entre os princípios normativos e as declarações descritivas
é uma das objeções básicas ao naturalismo. Não raro, nos arriscaremos a dizer,
tentativas de responder a essa objeção normalmente sempre fogem da questão.
Para tornar a evasão mais aparente e mais embaraçosa, mais um exemplo será
adicionado.
A vida vale a pena ser vivida?

Uma crítica de Dewey salientou que por mais que o instrumentalismo


afirme o fluxo universal, o sistema tem um absoluto eterno, fixo e imutável: o
valor da indagação, a importância de resolver problemas. Por trás desta verdade
fixa, está o princípio mais geral de que a vida vale a pena ser vivida. Certamente
esse ponto não poderia ser evitado e passado em silêncio. Ele é um tema de
desacordo, pois ressalta uma situação indeterminada. Seria um tema de
indagação pedir uma solução em termos de alguma ideia que seja um plano de
ação. E isso também não é um problema artificial. Muitos homens o encaram de
várias formas.
No século XX, a forma pela qual a morte se torna uma opção viva para
muitos se materializa sob a opressão totalitária. Milhares se arriscaram a morrer
ao fugirem através da Cortina de Ferro de arames farpados e das balas das
metralhadoras. Outros milhares encontraram a morte na oferta húngara de
liberdade. Todos eles, sem dúvida, teriam preferido viver, mas ao se arriscarem a
morrer, mostraram que pensavam que a vida sob o comunismo não valia a pena
ser vivida. Há também um número menor que cometeu suicídio. Ademais,
existiram outros que cometeram suicídio sem que tivessem sido levados a isso
por essa opressão. Vários estoicos decidiram que era melhor morrer que viver.
Também nos Estados Unidos a taxa de suicídio aumentou muito nos últimos
cinquenta anos. O valor da vida, portanto, não é um problema artificial, e o
instrumentalismo está obrigado a defender sua atitude otimista ou ao menos
meliorista. O cristianismo, com sua base de revelação, afirma a imoralidade do
suicídio; mas o que se pode dizer por meio de uma filosofia empírica e
descritiva?
A questão do suicídio não deve ser entendida só como um detalhe entre
muitos. Não é como se tivéssemos perscrutado os méritos do furto, da mentira,
do adultério, do assassinato e — ah sim, há mais um! — do suicídio. Antes, ao
contrário, a menção do suicídio tem a intenção de colocar em primeiro plano o
pré-requisito absolutamente indispensável de todas as outras decisões éticas. O
furto versus a honestidade e o assassinato versus a não resistência são escolhas
possíveis apenas se tivermos decidido previamente continuar a viver. Em que
base, portanto, pode-se mostrar que a vida vale o tempo e o incômodo?
A grande maioria dos moralistas modernos se recusa a encarar o
problema. Kant, certamente, encarou-o com os dois olhos abertos; mas quem
pode julgar que a sua solução torturada e teórica é outra coisa além de uma falha
completa? Ferdinand Schiller, que com James e Dewey é um dos fundadores do
humanismo pragmático, encarou o problema com um olho aberto. No volume
sobre o Humanismo, ele admite que o pessimismo é a escolha real. Com efeito,
credita-se a ele a percepção de que a necessidade pessimista não sustenta a
existência do excedente de dor em relação ao prazer. Se a vida em geral é apenas
tediosa e sombria, sem objetivos grandes e importantes, se simplesmente não
vale o incômodo de atravessar os movimentos, logo o pessimismo e
possivelmente o suicídio são a única coisa racional. Mas enquanto Kant encarou
o problema com honestidade, Schiller de imediato fecha o único olho aberto e
procede como se não houvesse dificuldades. Ele não tem nenhum argumento
contra o suicídio; a vida para ele é só uma preferência pessoal e, por essa razão,
suas escolhas morais particulares também são apenas preferências pessoais.
Mas a maior parte dos escritores éticos e religiosos modernos não tem
sequer um olho aberto como Schiller. Tanto com Dewey quanto com os outros, a
linha usual de argumentação procede da falsa suposição da existência de um
acordo geral acerca dos princípios morais entre pessoas imparciais.
No entanto, tudo isso que Dewey tão sinceramente toma por verdadeiro
tem sido negado e atacado com vigor por pensadores de renome mundial e por
porções significativas da raça humana. O budismo, por exemplo, declara a dor
um elemento necessário no processo universal; o desejo causa a dor, e a
supressão do desejo, completado na inconsciência do nirvana, é o único remédio
para a dor. O budista provavelmente diria que esses princípios são conclusões
tão óbvias da observação do mundo que só o teimosamente cego não consegue
percebê-las.
No mundo ocidental, essa perspectiva foi adotada por Arthur
Schopenhauer. Na verdade, nem os budistas nem Schopenhauer acreditavam no
suicídio como a solução adequada. No entanto, deve-se manter com clareza que
o tipo de vida derivado do princípio pessimista deve ser muito diferente do
baseado no meliorismo confiante.
Bem, passemos de Schopenhauer a Friedrich Nietzsche. Nietzsche não
era pessimista; talvez ele fosse o que se pode chamar otimista exuberante.
Aceitando o universo com sinceridade, ele ficou impressionado com o processo
evolutivo. Nele, não percebeu apenas a luta pela existência, mas a vontade de
obter poder. Os biólogos cometem um erro básico quando dizem que as espécies
são importantes. A existência das espécies não é nada além do meio da produção
de indivíduos fortes. Inerente a esse processo da vida há a tendência de crescer e
se expandir, não só de sobreviver. Há muitos instintos animais positivamente
perigosos para a sobrevivência, mas úteis para obter o domínio. A vontade de
obter poder não é ficção; ela representa de fato o mundo. E, portanto, na espécie
humana, o grande número de pessoas medíocres não tem importância e todo o
valor está concentrado em poucos super-homens.
Aqui dois pensamentos vêm à mente. O primeiro, de menos importância,
se refere às multidões medíocres. Visto que Nietzsche encontra valor só na vida
dos super-homens, parece não haver boa razão para que nós, simples mortais,
não acabemos completamente com ela. Posso eu, como indivíduo, entrar com
muito entusiasmo na existência cujo único valor consiste em pertencer a uma
espécie que pode, por uma mutação repentina, produzir um super-homem? Que
obrigação, ou mesmo que vantagem, tenho para tomar parte no processo? Por
que eu não deveria desistir da mesma forma que desisto da partida de xadrez que
está perdida?
Mas a segunda consideração é mais importante para a argumentação
geral. Segundo Nietzsche, o medíocre e o fraco são imorais. Ter piedade deles é
um vício. A virtude consiste em marchar com brutalidade sobre as massas e
dominá-las. A crueldade causa a cultura. O governante absoluto, como
Napoleão, é o ápice da felicidade. As virtudes do cristianismo são servis e
degradantes. Não é necessário, todavia, expor em detalhes a moral de Nietzsche.
O importante notar é que Schopenhauer, Dewey e Nietzsche, todos, olharam
(supostamente) para o mesmo mundo; mas sem dúvida não perceberam a mesma
coisa. Alguns não veem nada de errado; outros não veem nada de certo.
Daí, o caráter inelutável da primeira conclusão. Deve-se julgar que
falharam os moralistas que procederam como se todos os homens concordassem
acerca do que é desejável. Eles devem ser forçados a abrir os olhos e a enfrentar
os problemas básicos. Não só devem ser forçados a explicar por que preferem
certos elementos resguardados da moral cristã à brutalidade e ao totalitarismo;
também devem ser obrigados a justificar a vida em si. Eles não fizeram isso e,
portanto, seus sistemas são falhos.
Há também a segunda conclusão dificilmente menos óbvia. Todos estes
homens, Nietzsche e Dewey, parecem pensar que a natureza fala de modo não
ambíguo. Não raro eles escrevem como se uma observação quase causal da
natureza removesse toda a dúvida sobre os valores que propõem. Bem, se Dewey
insiste em dar mais atenção aos detalhes científicos, às relações particulares, às
múltiplas causas e condições, ainda assim o ideal aparece de modo automático. É
como se uma lista de acontecimentos pudesse mostrar por si quais eventos são
bons e maus. No entanto, eu afirmo essa impossibilidade. Nenhuma descrição do
mundo biológico ou histórico é suficiente para o juízo de avaliação. Napoleão e
Pasteur, Jesus e César, são figuras equivalentes da história. Seus feitos podem ser
descritos nos mínimos detalhes, mas nenhuma descrição pode consistir no
critério para sua avaliação mental.
Crítica concludente
Para que voltemos à tese principal de Dewey de que a ciência pode
resolver o problema da moral, a crítica que controlou o argumento é de caráter
duplo. Primeiramente, o método científico não justifica os ideais de Dewey e
Kilpatrick; e, em segundo lugar, o método científico não pode justificar nenhum
ideal.

Embora o primeiro ponto seja de menor importância lógica, não carece


de valor ad hominem. Ademais, talvez possa encontrar aceitação mais pronta,
pois os cientistas e o cidadão comum podem perceber com clareza não haver
nada nos métodos de laboratório que exija como ideal a supressão
governamental da religião.

Na verdade, há o “cientificismo” adotado por comunistas que afirmam


ser a religião um tipo de ópio. O ateísmo limitaria todos os objetivos e ideais a
este mundo; inexistem a dimensão sobrenatural, a vida após a morte ou o mundo
futuro. E sendo uma verdade absoluta e fixa, justificam-se os comissários
quando impedem os pais de ensinar a religião aos filhos. No entanto, não existe
um argumento válido conducente à conclusão do caráter preferível do
secularismo mediante a descrição de métodos laboratoriais.
Mesmo que se pudesse demonstrar que os métodos de laboratório
implicam de forma válida uma ditadura totalitária — algo impossível —, esta
última não se tornaria um ideal por isso. Nesse caso, muitas pessoas escolheriam
mais liberdade e menos ciência. Os desconfortos físicos da sociedade pré-
científica são menos importantes em comparação com a tortura espiritual de uma
burocracia inquisitorial.
A lacuna entre as premissas do método científico e os ideais oferecidos
por Dewey e Kilpatrick como conclusões não é menos real no caso da liberdade
religiosa — talvez algo sem importância e menos evidente. A boa saúde e a
rapidez nos transportes não se tornaram desejáveis por causa do aumento da
técnica científica. Eles não foram escolhidos como ideais em primeiro lugar por
causa do conhecimento científico incipiente. Sem dúvida, a ciência fez
maravilhas na medicina e aumentou a velocidade dos transportes para além da
imaginação até mesmo de Jules Verne, mas a ciência não faz o homem desejar
essas coisas nem as torna desejáveis. Os cientistas começaram a buscar meios de
garanti-las pelo fato de os homens as escolherem como ideais.
Com efeito, quanto mais se enfatiza a ciência como instrumental, mais
evidente deveria se tornar o fato de ela não estabelecer fins ou ideais.
Esta é a segunda parte da crítica concludente. O método científico não
pode produzir nenhum tipo de ideal. A ciência é instrumental. Se um grupo de
educadores deseja extinguir a liberdade religiosa, a atenção científica aos
detalhes e às relações da psicologia, da sociologia e da política vai ajudá-los a
obter seu fim. A mesma técnica científica pode ser utilizada para o propósito
oposto. As técnicas da medicina podem curar doenças fatais um século atrás,
mas o mesmo conhecimento técnico pode ser também utilizado com facilidade
para produzir as doenças. Na verdade, a pesquisa sobre o câncer na atualidade
está muito interessada em produzir câncer. Mas nenhuma técnica instrumental,
médica ou política, pode fornecer qualquer base para decidir como utilizá-la.
Portanto, deve-se, felizmente, declarar que fracassou a tentativa
humanista contemporânea de solucionar os problemas da ética pela aplicação de
métodos científicos. Ademais, visto que o problema — como argumentei em
outro lugar[54] — engloba teorias seculares anteriores, como o utilitarismo,
talvez se deva dar consideração mais compassiva à revelação divina que àquela
comumente recebida nas universidades do país.
IV. LÓGICA

A estrutura, ou o esqueleto, em que estão construídas a ética e a ciência


de Dewey é a teoria da lógica, ou, como ele preferia chamá-la, a teoria da
investigação. O próprio Dewey, como esta monografia, toma o termo lógica de
forma bastante ampla. A lógica dedutiva consiste apenas em uma pequena parte
dela; a lógica indutiva, ou os métodos de descoberta na ciência, consiste em uma
parte maior; há também a epistemologia pragmática, ou o instrumentalismo, e
também as fontes biológicas. A última seção principal da monografia será
dividida, portanto, em instrumentalismo, behaviorismo e lógica formal.
Instrumentalismo

Dewey não se cansa de contrastar o antigo ideal do conhecimento com o


dele. O primeiro contava com uma espécie de mente sobrenatural que
contemplava o ser imutável. O âmbito da opinião e do fluxo era uma esfera
inferior, difícil de relacionar com as realidades eternas. Da disparidade entre os
dois mundos surgem todos os pseudoproblemas da filosofia tradicional:
materialismo e idealismo, corpo e mente, aparência e realidade, ideais
representacionais e a teoria coerente da verdade, bem como a possibilidade de
valores.[55]
Para escapar de todos os enigmas insolúveis, Dewey insiste que o
conhecimento não apreende a realidade antecedente. O conhecimento, como se
pode ver na melhor forma — a ciência — visa ao futuro. Ele objetiva a nova
construção, não a descoberta do velho. A ciência se desenvolveu fora do trabalho
ordinário, pois o trabalho estimulava as pessoas a anotar e registrar as relações
que poderiam iluminar seu trabalho. Assim foram inventadas as ferramentas. O
conhecimento deve ser encontrado no processo da invenção. As qualidades
imediatas das coisas são desconsideradas, e procuram-se as características que
sinalizem algo futuro: “A própria concepção do significado cognitivo,
significado intelectual, é de que as coisas, dado seu imediatismo, estão
subordinadas ao que pressagiam e evidenciam… O caráter do significado
intelectual é instrumental”. Como a ciência se aprimora, o objeto percebido é,
por fim, despojado de todas as qualidades imediatas e aí se produz o objeto do
conhecimento — o epítome anatomizado dos traços exatos de importância
indicativa ou instrumental.[56]
Por vezes, a descoberta — a descoberta histórica — é usada como
evidência de que o objeto do conhecimento estava ali o tempo todo. Esperava-se
que nós o revelássemos do mesmo modo que o caçador de tesouro encontra o
baú de ouro pirata. Assim, afirma-se que os normandos descobriram a América.
Mas isso fez da América um objeto de conhecimento? A menos que o objeto
recentemente descoberto seja usado para modificar velhas crenças, a menos que
ele transforme a situação anterior, a menos que ele altere o mundo público em
que os homens atuam abertamente, não existe descoberta em sentido intelectual
significativo. Com certeza admite-se haver uma existência antecedente à
pesquisa e descoberta;[57] mas se nega que seja objeto do conhecimento.[58] Os
conteúdos da experiência são de dois tipos distintos. Alguns ocorrem com um
mínimo de previsão e de preparação; outros resultam da ação inteligente anterior.
Ambos os tipos são tidos; eles são desfrutados ou sofridos; mas só o segundo
tipo é conhecido, não o primeiro.[59] Bem, mais uma vez: “a experiência
qualitativa imediata não é a cognitiva; ela não preenche nenhuma das condições
lógicas do conhecimento e dos objetos qua conhecidos”.[60]
A negação da possibilidade de conhecimento do ser antecedente, por
mais paradoxal que pareça, é defendida na teoria pragmática ou instrumental do
conhecimento. De forma contrária à visão tradicional, o conhecimento não é o
domínio ou a contemplação de objetos dados. Os gregos argumentaram que
saber significa saber algo, algo que é, não algo que está se tornando. O que está
se tornando não mais é o que era nem é ainda o que será: a mudança é
indeterminada e, portanto, não pode ser conhecida. O ser é o objeto do
conhecimento; saber, para usar a caracterização não totalmente precisa de
Dewey, assemelha-se a uma fotografia do ser. De modo contrário à visão
tradicional, Dewey afirma que o conhecimento é um modo de ação prática: é
“uma maneira de operar nos objetos da experiência ordinária e com eles”.[61]
“O pensamento não é uma propriedade de algo qualificado de intelecto que se
encontra separado da natureza; é uma forma de ação aberta e direcionada.”[62]
A razão ou a inteligência não é uma substância mental. Parece-se mais com um
advérbio que um substantivo; é uma qualidade da conduta.[63]
Para melhor entender a importância das afirmações de Dewey, serão úteis
algumas análises e críticas preliminares. Se o conhecimento é uma forma de
ação prática, deve haver, em primeiro lugar, algo sobre o que agir; em seguida,
vem a ação em si; e, por fim, um novo objeto é construído. As frases precedentes
parecem colocar o conhecimento no segundo dos três termos e parecem negar a
possibilidade de conhecimento dos outros dois. Mais obviamente, Dewey
defende a impossibilidade de conhecimento do primeiro. E repete que não há
conhecimento do ser antecedente. Mas se é assim, como ele poderia afirmar com
credibilidade a existência antecedente à busca e à descoberta? Não sendo um
objeto de conhecimento,[64] como ele sabe dessa existência? Dewey admite que
o “dado” é uma qualidade dominante tão indeterminada que só pode ser
chamada confusão florescente e barulhenta.[65] Este conceito de existência
incognoscível é legítimo? Kant tinha certa dificuldade com esta linha e
dificilmente se espera encontrá-la, reaparecendo, em Dewey. O cientista não
filosófico normalmente pensaria que ele poderia saber, antes da experimentação,
que o objeto era preto, molhado, pesado ou doce. Este tipo de conhecimento
jamais satisfaria os padrões de Platão em relação ao mundo das ideias, mas não é
necessário para — e bem dentro dele — o alcance do conhecimento mais
tentador e mutável de Dewey?
É difícil imaginar como o sistema de Dewey poderia ter início sem este
tipo de conhecimento. No entanto, Dewey reluta em admitir que a experiência
com o preto, molhado e pesado seja conhecimento, venha a experiência no
começo do processo científico ou no fim. A ciência ou o conhecimento produz a
característica molhada da água para o deleite não cognitivo. O conhecimento
parece ocupar o lugar entre o primeiro deleite causal e o deleite final assegurado
pelo controle científico. Mas os dois extremos são não cognitivos. Este aspecto
do pensamento de Dewey deveria ser considerado de forma mais detida. Existe
uma experiência não cognitiva? Pode-se desfrutar da qualidade molhada da água
para saciar a sede, sem saber que ela é molhada e fresca? Caso se queira
restringir de forma arbitrária o termo conhecimento ao procedimento científico
de controle do fornecimento de água, pode-se, com efeito, proporcionar uma boa
descrição dele; mas a restrição impedirá a formulação de uma teoria geral do
conhecimento satisfatória. É difícil evitar a impressão de que Dewey nos oferece
uma perspectiva estreita e nos pede para aceitá-la como completamente geral.
A maneira pela qual Dewey substitui objetos construídos do
conhecimento por qualidades imediatas, conduz a outras dificuldades. Quando,
em muitos lugares, ele fala de relações seletivas em vez de qualidades como o
material para a investigação científica, menciona “anotar e registrar os feitos da
natureza”, e sujeita o “pensamento a uma ordem pertinente do espaço e do
tempo”,[66] devemos supor que estes feitos e esta ordem sejam apenas nossas
manipulações musculares das coisas, nossa ação aberta, e não algo que estava
“lá” antes que agíssemos? Podemos fazer distinção com aspereza entre as
qualidades e as relações, de tal modo que as primeiras não possam ser
conhecidas, e as últimas, sim?[67] Se críticos de Aristóteles acham difícil manter
a distinção das categorias de qualidade e de relação, pode-se suspeitar que
Dewey, avesso a Aristóteles, seja ainda menos bem-sucedido. Mas em todo o
caso, se as relações são objetos próprios da ciência, e se nossa ação aberta
modifica as “qualidades de tal forma, que as relações se tornam manifestas”,[68]
é difícil identificar a ação aberta com estas relações. Em outras palavras, se o
conhecimento é o modo de operar nos objetos, podem as relações — resultantes
das ações, mas que não são nossas ações — ser anotadas, registradas e
conhecidas? A questão se torna dificílima quando Dewey distingue eventos
temporais (dos quais nossas manipulações devem ser exemplos) das relações
abstratas, não temporais e, se preferir, eternas.[69]
Logo mais acima, a situação do conhecimento estava dividida entre
existência antecedente, o planejamento e a ação e o produto final. A análise nos
conduziu da existência antecedente ao produto final. Consistentemente, assim
pareceria, Dewey deveria negar que este último seja objeto do conhecimento.
Mas aqui ele hesita mais do que antes. Por diversas vezes, nega o conhecimento
do ser antecedente, mas em algumas instâncias permite o conhecimento do ser
subsequente:

Visto que cada caso especial do conhecimento é constituído como resultado de alguma
investigação especial, o próprio conceito de conhecimento só pode consistir na generalização
das propriedades descobertas como pertencentes a conclusões resultantes de investigação. O
conhecimento, como termo abstrato, é o nome para o produto de investigações competentes.
[70]

Qual é, portanto, o caso? O conhecimento deve incluir o antecedente


material que é o ponto de partida, o processo aberto e também o produto? Deve
ficar restrito só ao produto, como essa citação parece dizer? Ou o conhecimento
deve ser igualado ao comportamento aberto? Parece haver uma dificuldade real
aqui. Quanto mais Dewey insiste nas ideias como planos de ação, menos ele
consegue admitir que a existência antecedente ou produtos subsequentes são
objetos de conhecimento. É necessário, portanto, ver o que Dewey tem a dizer
sobre as ideias, pois as ideias desempenham sem dúvida um papel importante no
ato de conhecer.
Todas as filosofias tradicionais — não só as antigas, mas também as
modernas — consideram as ideias, de certa forma, representativas da realidade
antecedente. O empirismo fabuloso nega da forma mais óbvia o caráter
originário do pensamento. O pensamento originário seria um erro. O idealismo,
embora rejeite a chamada teoria da verdade, faz a mesma negação. Qualquer que
seja a atividade criativa e permitida à imaginação produtiva ou à faculdade de
síntese, essa ação é inteiramente mental e as aparência concretas permanecem
obstinadas. Dewey, no entanto, propõe o início pela suposição de que todo o
nosso conhecimento sobre as ideias seja derivado do papel no procedimento
experimental.[71] Na ciência, com certeza, isso se chama operacionalismo,
como foi explicado antes. Aqui Dewey aplica o princípio de forma mais geral,
ou assimila, melhor dizendo, todo o pensamento nos processos das ciências.
Após a explicação detalhada dessa suposição, Dewey conclui: “As ideias são
declarações não do que é ou foi, mas dos atos que devem ser realizados”.[72]
Por exemplo: julgar o caráter doce de um doce, sem prová-lo, significa predizer
que, quando for provado, ocorrerá uma sensação doce. De modo similar, pensar
no mundo em termos de fórmulas matemáticas do espaço, do tempo e do
movimento não é ter uma imagem da essência fixa e independente do universo.
Significa descrever objetos experimentáveis como materiais sobre os quais
certas operações são realizadas.[73]
Essa última frase renova a dificuldade mencionada pouco acima. Caso
descrevamos os objetos, mesmo com o propósito de efetuar certas operações
neles, não se tem uma ideia do ser antecedente que não seja um plano de ação?
Dewey não se ajuda muito ao acrescentar: “O conhecimento que consiste apenas
na reduplicação do que já existe no mundo pode nos proporcionar a satisfação de
uma fotografia, mas isso é tudo”.[74] Nessa frase, ele parece admitir o
conhecimento representativo da existência antecedente. Seja a satisfação provida
por ele de pouco valor ou não, deve-se insistir na questão principal: isso é
conhecimento e isso é uma ideia? Se sim, as outras frases de Dewey são
minadas; com efeito, toda a sua filosofia fica anulada; portanto, sem dúvida, ele
trata aqui só por meio de acomodação e ad hominem. Deve ser acomodação, pois
depois de dizer (como foi citado antes) que o pensamento é uma ação aberta e
dirigida, ele continua: “As ideias são planos antecipatórios e desígnios que têm
efeito na reconstrução concreta das condições antecedentes da existência”.[75]
A mesma visão é expressa em muitas outras passagens. Uma descrição
favorita é a de que as ideias são ferramentas cujo “valor reside não em si
mesmas, mas em sua capacidade de trabalhar”.[76] Os conceitos e as teorias
“são instrumentais para a reorganização ativa do ambiente”.[77] Ora, a
ferramenta física não é idêntica às ações abertas do usuário; mas se estas ideias-
ferramentas são hábitos ou reações do organismo, a designação da ideia como
ferramenta ainda nos deixa no limite do comportamento. Assim, “uma coisa é
em sentido mais significativo o que ela torna possível do que o estado imediato”.
Ou seja, embora, em certo sentido dúbio, talvez possamos “conhecer” algo
antecedente, nossa ideia significativa da coisa é seu trabalho produtivo.
Continuamos com a citação:

A própria concepção do significado cognitivo, do significado intelectual, é de que as coisas, em


seu imediatismo, estão subordinadas ao que pressagiam e evidenciam… O caráter do
significado intelectual é instrumental.[78]

Uma das declarações mais claras de Dewey quanto à referência de


conceitos é encontrada em um trabalho anterior no qual ele acusa William James
de ambiguidade. Um resumo de uma dúzia de páginas será o mais esclarecedor.
[79] James havia dito que a função da filosofia é descobrir a diferença que uma
fórmula de mundo irá fazer em nossa vida, se esta, e não a outra, for verdadeira.
Dewey objeta que essa forma de questão admite como dado o significado da
fórmula de mundo, ao passo que a função da filosofia deveria ser a de explanar
os significados da fórmula tomada como um programa de comportamento para a
modificação do mundo existente. Portanto, ele pergunta:

O senhor James emprega o método pragmático para descobrir o valor em termos de


consequências na vida de alguma fórmula que tem o conteúdo lógico já fixado; ou ele a
emprega para criticar, revisar e, por fim, constituir o significado da fórmula?

Dewey repete essa questão dupla em diversas formas. A ideia de um deus


providencial, se verdadeira, justifica a confiança no futuro, ou o conceito de
confiança no futuro define e substitui noções anteriores de Deus? O teste
pragmático deve acrescentar excessivamente um valor ao significado já fixado,
ou ele constitui o significado inteiro dos termos? Dewey conclui: “De minha
parte, não hesito em dizer que parece não pragmático para o pragmatismo
contentar-se com a descoberta do valor de um conceito cujo próprio significado
inerente o pragmatismo não foi o primeiro a determinar”. Assim, o ponto
anterior está corroborado: o conhecimento não se relaciona “com a revelação de
características de existências e essências antecedentes”.[80] Incidentalmente,
isso deixa Dewey sem justificação para citar e interpretar de forma equivocada a
afirmação evangélica: “Pelos frutos, conhecê-los-eis”.[81]
Antes de continuar a desenvolver a crítica em relação à identidade do
objeto do conhecimento, é necessário mencionar uma fase adicional da
perspectiva de Dewey. Se o conhecimento ou a experimentação produz objetos
com a qualidade de serem conhecidos — ou seja, se conhecer é literal e
fisicamente construtivo ou reconstrutivo, e não meramente representativo — é
muitíssimo plausível dizer que a natureza antecedente é “inerentemente
indeterminada ou dúbia” e que o pensamento transforma a situação problemática
em uma situação relativamente estável e clara.[82] Se a dúvida fosse apenas o
sentimento subjetivo de incerteza de banir pelo sentimento de certeza, o
pensamento cessaria de ser um esforço por mudar a situação objetiva. Devemos
reconhecer “o caráter objetivo da indeterminação: ela é uma propriedade real de
algumas existências naturais”.[83] Ademais, nas últimas poucas páginas de sua
discussão sobre a liberdade, Dewey quer “possibilidades abertas no mundo, não
na vontade”.[84]
O caráter objetivo de indeterminação é particularmente importante para a
lógica. Dewey define a investigação como a transformação controlada da
situação indeterminada em determinada. O estado de dúvida não é uma questão
mental. É a situação que detém essas características:

Duvidamos por ser a situação intrinsecamente dúbia… Consequentemente, as situações


perturbadas ou problemáticas, confusas ou obscuras, não podem ser endireitadas, esclarecidas e
ordenadas pela manipulação do estado pessoal da mente… O hábito de descartar o duvidoso
como se coubesse apenas a nós e não à situação existencial […] é uma herança da psicologia
subjetivista… Por conseguinte, trata-se de um erro supor que uma situação é duvidosa só em
sentido “subjetivo”.[85]

No capítulo seguinte, Dewey utiliza um caso na justiça criminal ou civil


como ilustração de situações duvidosas. E, por fim: “O fim último e o teste de
toda a investigação é a transformação da situação problemática (que envolve
confusão e conflito) em uma situação unificada”.[86]
Ora, consideremos, por um momento, sendo plausível considerar o ser
antecedente — sobre o qual sabemos tão pouco ou até mesmo nada — como
inerentemente indeterminado. Pode-se concordar que “estados pessoais de
dúvida não evocados por alguma situação existencial, e não relativos a ela, são
patológicos”,[87] sem chegar à conclusão indeterminista. Tomemos como
exemplo qualquer problema de xadrez em que as peças brancas devam ser
movidas e dar o xeque-mate em três lances. Nesse caso, não está cada uma das
afirmações de Dewey falsificada? A “situação”, separada da mente, não se
encontra inerentemente indeterminada. Seus fatores estão todos fixados e só uma
situação é possível. A dúvida, portanto, jaz apenas na mente; nós todos temos
dúvidas, talvez a despeito dela, mas com certeza não porque a situação seja
duvidosa. A situação em si já está unificada e não precisa de transformação —
não é nem mesmo necessário mover as peças abertamente.
O exemplo do xadrez ressalta a diferença entre os dois investigadores.
Para um, o problema é excessivamente difícil; para outro, é fácil ou talvez já
esteja resolvido. O problema é a mesma situação, se nós separamos a situação do
estado mental do investigador, como Dewey fez de forma abrupta. Por
conseguinte, a dúvida, a perturbação e a obscuridade pertencem apenas ao
investigador, seja ou não uma herança da psicologia subjetiva.
Ao que parece, o próprio Dewey era incapaz de evitar esse subjetivismo.
Uma situação é confusa, ele afirma, caso “seu resultado não possa ser
antecipado”; obscura quando suas “consequências não puderem ser facilmente
percebidas”; conflitante “quando tende a evocar respostas discordantes”.[88]
Mas nos termos antecipado, facilmente percebidas e evocar respostas, indica-se
que a indeterminação da situação depende do estado mental do investigador.
Com certa frequência, somos forçados a concluir que Dewey insere na
explicação elementos que nega de modo explícito. Isso já foi visto acima e será
revisto mais abaixo.
Não permitiremos que Dewey rejeite o xadrez como um jogo trivial e
afirme não se tratar de um exemplo de pensamento. Uma restrição do
pensamento a alguma forma particular pode levar a descobertas valiosas sobre
essa forma, mas também se deveria reconhecer que uma teoria estreita não pode
ser substituída pela explicação geral. O exemplo do xadrez é, portanto,
pertinente. Contudo a química também deveria ser considerada.
A química, ou a física, é mais complicada que o xadrez, e as ações
abertas da experimentação são necessárias para resolver nossas dúvidas. Embora
isso não implique de forma necessária que a própria situação externa seja
indeterminada. Possivelmente, os cientistas anteriores estavam equivocados
nesse aspecto, mas parece plausível supor que as características dos elementos
estivessem fixadas e que seus compostos ocorressem de modo determinado.
Mesmo quando, nos últimos tempos, a lei científica passou a ser considerada
estatística, alguns cientistas continuaram a acreditar que as partículas últimas
não são inerentemente indeterministas. Ora, não se deve ter uma prova
experimental e persuasiva do determinismo. Não é por nenhum desses métodos
que Dewey pode ser refutado de uma vez por todas. Mas há um desvio no
argumento que não favorece muito a afirmação dele de que as situações são
inerentemente indeterminadas.
As ideias são consideradas ferramentas; seu conteúdo intelectual é
encontrado nas ações dirigidas por elas. Deus, caso o termo signifique algo,
consiste em certos aspectos do nosso comportamento. Bem, a ideia de uma
situação inerentemente indeterminada é em si um plano de ação, e seu conteúdo
também é encontrado em situações subsequentes. Podem ser questões
interessantes: exatamente, que ações a ideia de determinismo significa e que
diferentes ações o indeterminismo significa? A primeira significa um
procedimento confiante e o último um procedimento hesitante?
Se isso parece forçado, talvez eles não sejam planos de ação e, portanto,
absolutamente nenhuma ideia. Mas se a teoria de Dewey de uma situação
indeterminada for uma ideia, ela não poderá ser a descrição do estado de coisas
antecedente. Todas as ideias são olhares antecipados; elas não afirmam o que
existe ou o que houve, e “uma situação indeterminada” deve significar algo que
ocorrerá no futuro. Ela não pode ser um terminus a quo existente antes do início
da investigação. Por isso, a teoria de Dewey sobre a investigação torna
incognoscível o próprio ponto de partida.
A impossibilidade de conhecer o passado trata de um foco no estudo da
história. Se o conteúdo das ideias consiste em ações futuras, é possível saber que
Colombo descobriu a América ou que César lutou na Gália? No Journal of
Philosophy [Revista de Filosofia], volumes XIX e XXI, Dewey argumentou este
ponto com outros colaboradores. O distinto professor Brand Blanshard analisa a
discussão.[89]
Diversas frases, como “ideias são intenção” para agir, com as quais
Dewey ressalta a natureza previdente da filosofia levaram o professor Blanshard
a concluir que nenhum pensamento pode significar ou se referir ao passado.
Dewey havia dito: “Nos juízos sobre o passado, a natureza do acontecimento
passado é o assunto requerido para estabelecer um juízo sensato sobre o futuro.
Este último, assim, constitui o objeto ou o significado genuíno do juízo”.[90]
Mas essa conclusão, na qual o professor Blanshard não estava sozinho, foi
repudiada por Dewey nos artigos mencionados. Cada juízo, com certeza, se
refere ao futuro, mas alguns juízos também podem se referir ao passado.
Dewey assim explica: o juízo sobre um acontecimento passado, como
todos os outros tipos de juízo, é o processo do estabelecimento de uma dúvida.
Ora, em toda investigação há dois fatores distintos. Em primeiro lugar, há um
“assunto”, uma grande massa de fatos aceitos e considerações tomadas por certas
e usadas como base para alcançar a solução. A seguir, em segundo lugar, há a
“referência”, o “objeto” ou o “significado” da investigação, que estará expressa
no veredicto. O primeiro fornece a referência retrospectiva; a segunda é a
principal preocupação da investigação.
Embora esse debate no Journal tenha começado há muito tempo, ele
continua, e o professor Blanshard não é o único que põe em dúvida o
conhecimento de Dewey a respeito de eventos passados. Muito mais tarde, no
livro de Schlipp, o professor Arthur E. Murphy enfrenta a mesma dificuldade e
vale a pena mencionar a resposta de Dewey:

O sr. Murphy não é o único a estar perturbado com minha negação de que as condições
antecedentes constituem os objetos do conhecimento. Se escrevo algo afirmando que os objetos
antecedentes não são capazes de ser conhecidos e não são realmente conhecidos, se, no dizer
do sr. Murphy, afirmei a sua “inacessibilidade”, qualquer pessoa, incluindo a mim mesmo,
deveria ficar perturbada… Em vez de negar que as condições antecedentes não percebidas são
objetivas do conhecimento no primeiro contexto, eu explicitamente declarei que nenhum
problema relacionado às questões existenciais pode ser resolvido a não ser pelas investigações
que assegurem as condições antecedentes não observadas previamente.[91]
Dewey, a seguir, continua dizendo que os objetos antecedentes não são o
objeto completo e final do conhecimento e não satisfazem as condições da teoria
generalizada do conhecimento porque também o conhecimento — e sobretudo
ele — faz uma referência futura.
Portanto, deve-se perguntar, como o crítico de Dewey volta ao ponto que
ele alega ter explicado de maneira tão explícita. Os críticos estão desatentos ou
talvez sejam um pouco chatos? Bem, poderia ser que as respostas de Dewey às
suas críticas pareçam inadequadas? Dewey confia aqui em algum tipo de senso
comum não autorizado por sua teoria? Sem dúvida, o professor Blanshard não
havia falhado ao considerar a alegada distinção de Dewey entre o assunto
antecedente e a referência futura do juízo. Sua crítica não surge devido à
desatenção, mas porque sua muita atenção o convence de que a distinção não
pode se encaixar na teoria de Dewey.
O professor Blanshard tenta aplicar a distinção à afirmação histórica de
que Swift se casou com Stella. O assunto em que a conclusão biográfica se
coloca é toda a evidência aceita. Qual é, pois, o objeto ou o significado da
conclusão? Poderia esperar-se que o significado se encontrasse nas
consequências futuras, nos planos de ação, na antecipação das coisas por vir.
Mas Dewey diz que o objeto é mais complicado que isso. O significado do juízo
histórico é o contínuo inteiro dos eventos que se estendem das consequências
passadas até às consequências presentes e futuras: “O passado por si e o presente
por si são, ambos, seleções arbitrárias que mutilam o objeto completo do juízo”.
Embora a interpretação do juízo histórico seja engenhosa e plausível, o
professor Blanshard a considera insustentável. O evento passado não pode ser
identificado como o assunto ou o significado. Se fosse o assunto, a afirmação
Swift se casou com Stella seria um fato considerado certo sobre cuja base outro
juízo seria inferido. No entanto, a própria afirmação é o ponto de investigação.
Trata-se, de forma exata, do que não é dado por certo. E a afirmação tampouco
pode ser identificada como o significado. O evento passado sem dúvida não
pode ser o contínuo temporal do passado, do presente e do futuro. O professor
Lovejoy havia feito um comentário incisivo sobre o ponto: Dewey acredita se
sentir aliviado de toda a preocupação lógica acerca da referência primária ao
passado quando mostra que um juízo retrospectivo contém uma referência
implícita ao futuro. A disputa principal do instrumentalismo é que o pensamento
consiste no ajuste orgânico para a realização de algo. A teoria exige a exclusão
de referências ao passado e a tentativa de Dewey de tornar a história plausível é
uma reflexão posterior não assimilada. A investigação histórica (qualquer que
seja o fim prático que também possa ter) não se encontra de maneira manifesta
em suas afirmações centrais, nada preocupada com a ação ou com o controle,
nem com nenhuma consequência futura.

Depois do intercâmbio de artigos no Journal of Philosophy, Dewey


voltou à discussão da história em Logic (230-239). Em vez de enfrentar a crítica
principal de forma direta, ele começa com a pergunta:

Dada a continuidade temporal, qual é a relação das proposições sobre uma sequência passada,
duradoura e extensiva para proposições com o presente e o futuro? O contínuo histórico
envolto em proposições assumidamente históricas do passado é localizado no passado ou se
estende e inclui o presente e o futuro?

Esta parece uma formulação desfavorável, caso o conhecimento do


evento passado deva ser justificado. A crítica de Lovejoy se aplica com toda a
força. A formulação logo muda para a questão de a evidência presente tornar
alguns juízos sobre o passado mais críveis que outros. Seguem-se umas nove
páginas de historiografia elementar. Ele não só menciona o tipo de evidência e a
necessidade de inferência das quais o leitor inculto pode não estar consciente,
mas também mostra a prevalência dos juízos de valor, adotados da cultura e da
história, conducentes à reescrita da história um século mais tarde. Em outras
palavras, um livro de história depende da seleção do material, e a seleção é
guiada pelo que alguém considera importante. Mais para o fim da seção, Dewey
conclui: “Toda a nossa discussão das determinações históricas revelou a
inadequação e a superficialidade da noção de que o passado é seu objeto
exclusivo e completo, por constituir seu objeto imediato e óbvio”.[92]
Não fica claro se mesmo essa conclusão se justifica de modo integral. Há
um sentido em que o “objeto” da investigação diz respeito apenas a se Swift se
casou com Stella ou não. Mas, além disso, a crítica principal permanece se o
instrumentalismo não fornece nenhuma ideia dos eventos passados. Dewey é
capaz de apresentar, e de fato apresenta, uma boa exposição da historiografia,
mas o que se requeria — e o que ele evitou — era a explicação de como o
conhecimento do passado é consistente com a sua teoria das ideias.
Antes de deixarmos as críticas do instrumentalismo feitas por Blanshard
e Lovejoy, devemos voltar a outra fase do intercâmbio entre Dewey e Murphy.
Substituindo a paralisia infantil e a batida de bastão média do New York Yankees
por Swift e Stella, Murphy alega que Dewey não pode permitir o conhecimento
do passado, embora a maior parte da investigação tenha por objetivo exatamente
as existências antecedentes. Naturalmente, para se preparar para as críticas, o
professor Murphy caracteriza com brevidade a posição de Dewey por meio de
citações e de resumos.
Dewey, ao responder, cita dois resumos. Primeiro:

[A teoria de Dewey sobre a investigação] refere-se a nós e não à teoria do papel das ideias
como instrumentos para alterar de tal maneira a situação presente indeterminada que uma
experiência futura a ser usufruída — em si mesma não cognitiva, mas válida —transcorrerá
com confiança a partir do uso de procedimentos que provaram seu valor instrumental relativos
a essa capacidade.[93]

Ora, parece-me que essa caracterização do ponto de vista de Dewey é


bastante boa, embora tenha sido feita em tão poucas linhas. Devemos nos
lembrar de que ela ocorre no contexto de um artigo longo que fixa seu
significado. Ademais, pareceu-me que Murphy e Blanshard haviam tocado em
uma falha vital na filosofia de Dewey. No entanto, para minha consternação, à
medida que continuo lendo a página, Dewey rejeitou toda a nossa crítica,
dizendo: “Estou tão longe de reconhecer a minha teoria da investigação na
apresentação feita pelo dr. Murphy, que, da forma apresentada, ela me parece tão
ininteligível quanto para o sr. Murphy”.
Quase não se faz necessário declarar que Dewey seria tão pouco capaz de
reconhecer sua teoria neste estudo quanto nos de Murphy e de Blanshard. Pelo
fato de ele já estar morto, o leitor fica à vontade para decidir se Dewey afirmou o
que a crítica lhe atribuiu ou se ele queria dizer algo totalmente diferente — de
forma tão incapaz, que todas as outras pessoas não o compreenderam da forma
correta.
Dewey cita o professor Murphy pela segunda vez:
Nós já vimos [presumivelmente nas passagens citadas] que ele o considera [o conhecimento]
um uso de ideias como sinais de possíveis experiências futuras e meios para efetivar a transição
para essas experiências de maneira satisfatória. As experiências futuras, na medida em que
põem termo à investigação, não serão casos de “conhecimento”, isto é, do uso das experiências
dadas como sinais de outra coisa.

Aqui, infelizmente, Murphy chamou uma ideia de sinal em vez de um


plano para a ação futura. Dewey o ataca nesse ponto. Ideias não são sinais.
“Capacidade significante pertence só a fatos ou dados observados.”[94]
Entretanto, visto que Murphy também declarou que as ideias eram meios para
efetivar a transição para a situação desejada, alguém ainda se admira de que
Dewey responda: “Lamento minha incapacidade de identificar qualquer parte [!]
da minha teoria nas passagens acima”.
Em seguida, Dewey reafirma sua teoria:

Afirmei que as ideias estão correlacionadas, de forma estritamente conjugada, com o material
discriminado na observação, sendo que aquela serve para indicar uma solução operativa
possível e este, para localizar e delimitar o problema a fim de que a situação resolvida seja
alcançada (se for alcançada) pela interação operacional com cada um dos conteúdos
observados e ideacionais.

Embora a reafirmação de Dewey seja levemente mais completa que a


breve caracterização de Murphy, a diferença principal é apenas o pedantismo de
Dewey. Se ideias se encontram correlacionadas ao material de observação
discriminado, logo a ideia não é a discriminação. Mas como se pode discriminar
sem ideias? Como o material de observação em si pode localizar e delimitar um
problema? A objeção principal permanece, a menos que talvez o behaviorismo
possa responder a essas questões.
Behaviorismo

Embora o behaviorismo possa não ser classificado de maneira adequada


sob o título de lógica — pois alega ser ciência, psicologia e biologia —, Dewey
o relaciona de maneira muito estrita à epistemologia, o lugar em que deve ser
considerado. Segundo Dewey é possível afirmar que o conhecimento consiste
em uma subdivisão da biologia. Referências a dois de seus trabalhos são
suficientes.
O capítulo “Habits and Will” [Hábitos e vontade] salienta os hábitos e
insiste que a ação deve preceder o pensamento. Os hábitos formam as ideias. A
“vontade” de fazer o bem é derrotada por maus hábitos:

No caso de nenhum outro mecanismo agir assim, supõe-se que a máquina defeituosa forneça
bons produtos apenas por ter sido convidada a… A recusa em reconhecer esse fato só conduz à
separação da mente em relação ao corpo, e à suposição de que os mecanismos mentais ou
“físicos” sejam de tipos diferentes dos das operações corporais e independentes delas.[95]

O que se deve mencionar na citação é a comparação de Dewey da mente


com um mecanismo e a afirmação mais literal de que mecanismos mentais não
diferem em tipo das operações corporais.

Mais adiante, o mesmo ponto de vista é repetido com mais ênfase:

Hábitos formados no processo do exercício de aptidões biológicas são os únicos agentes de


observação, recordação, previsão e juízo: a mente, a consciência ou a alma, de forma geral, que
realize essas operações é um mito… O conhecimento não projetado contra a escuridão
desconhecida reside nos músculos, não na consciência.[96]

Há, entretanto, uma diferença entre o behaviorismo de Dewey e outras


variedades. Embora esta distinção seja encontrada no trabalho anterior, Dewey
foi convocado a repeti-la mais tarde. A distinção é sem importância, para os
propósitos deste artigo, mas a reiteração do naturalismo demonstra que as
passagens anteriores não foram mal interpretadas. Na resposta a várias objeções,
Dewey escreveu:

Embora a teoria psicológica envolvida seja uma forma de behaviorismo […] o comportamento
não é considerado algo ocorrente no sistema nervoso, ou sob a pele de um organismo, mas
sempre uma interação com as condições do entorno — de forma direta ou indireta, de caráter
premeditado óbvio ou a certa distância, por meio de um número de ligações intervenientes.[97]
Isso é, com efeito, o que ele já havia dito: “Os hábitos incorporam um
ambiente consigo mesmos. Eles são ajustes do ambiente, não só ao ambiente”.
[98] Sua resposta a Parodi surte o mesmo efeito. A qualidade como o vermelho,
diz Dewey, ocorre como qualquer outro evento natural, dentro ou fora do
organismo:

Não há passagem do físico para o mental, de um mundo externo para algo sentido… No
entanto, quando uma qualidade é classificada como “sensação” […] é então colocada em uma
conexão especialmente selecionada, com o organismo ou com o eu. Dependendo do resultado
da investigação ainda não completa, não se pode saber se uma qualidade, por exemplo, o
vermelho, pertence a este ou àquele objeto no ambiente nem, com efeito, se pode ser o produto
de processos intraorgânicos, como no caso de “ver estrelas” após uma pancada na cabeça. Em
outras palavras, a ocorrência de qualidades sobre minha visão é um evento puramente mental.
[99]

A tentativa de explicar a sensação ligando a qualidade vermelho a um


organismo, e não a um celeiro, chama a atenção para uma grande quantidade de
imprecisões e ambiguidades. Deseja-se saber como um organismo possui uma
qualidade e como um celeiro tem uma qualidade. Se houver qualquer diferença
no ter, se a sensação deve ser distinguida de uma camada de tinta, a diferença se
torna obscurecida pelo uso indiscriminado do verbo ter. Em um trecho, ele diz:
“O objeto do pensamento, designado de forma proposicional, é uma qualidade
experimentada em primeiro lugar ou tida de modo direto e irrefletido”.[100] Em
outro trecho, ele diz: “[Diz-se] que certa pintura tem uma qualidade de Ticiano
ou de Rembrandt… Isso não é algo que se possa expressar em palavras, pois se
trata de algo que se deve ter”.[101] O verbo ter significa a mesma coisa nos dois
casos? Se uma pintura tem uma qualidade em um sentido e eu tenho uma
qualidade em outro sentido, e se — como o behaviorismo defende — o segundo
ter não é um ter mental ou sentido, mas um evento natural — ou o que no
momento podemos chamar psicoquímico —, torna-se imperativo fazer a
distinção entre os dois com muitos detalhes. É extremamente infeliz confundi-
los em uma única forma de expressão. A redução da sensação a um evento
psicoquímico será discutida alguns parágrafos mais abaixo, quando a força de
algumas das observações se tornar mais evidente. Mas no momento, é possível
confundir a linguagem de Dewey. Ele diz: “Há duas dimensões de coisas
experimentadas: uma é a de tê-las e a outra, a de conhecê-las”.[102] E mais uma
vez: “Animais complexos e ativos têm sentimentos que variam muito em
qualidade… Eles as têm, mas não sabem que as têm”.[103] A implausibilidade
disso se torna evidente quando qualquer um de nós tem uma dor de dente. A
questão é que Dewey enfrenta um dilema. Ele quer tanto o behaviorismo
científico, com a negação de qualquer aspecto mental, mas também os
sentimentos e as sensações. O melhor caminho para incluir as duas coisas em
uma teoria ocorre por meio do uso da terminologia vaga e ambígua.
O behaviorismo de Dewey — e, sem dúvida, todas as formas de
behaviorismo — adquire toda sorte de plausibilidade aparente por causa de dois
fatores que interagem. O primeiro é a jactância da metodologia científica. Isso já
basta para obnubilar a implausibilidade inicial de que não estou mais consciente
da sensação do vermelho, a consciência mental ou “sentida”, do que um celeiro
tem consciência de sua pintura vermelha. O segundo fator é a trapaça do
behaviorista de inserir todas as vantagens da consciência depois de lhes ter
negado a existência.
Quando Dewey faz objeções às observações de Russell a respeito da
privacidade e da subjetividade da percepção, ele insiste que a percepção de uma
pessoa a respeito do sol é apenas um evento mais complexo que o próprio brilho
do sol. O fato de a percepção ocorrer na retina não a torna particular, embora
isso possa torná-la mais difícil de observar. E: “Quanto ao argumento de que a
experiência é particular por não existirem duas pessoas com exatamente a
mesma experiência, eu suponho que seja verdade que dois eventos físicos iguais
não ocorrem duas vezes”.[104] Por conseguinte, as percepções podem ser
individuais como o são os eventos em dois tubos; mas uma percepção não é mais
mental ou privada que a pintura de um celeiro. Afirma-se que a diferença entre
esta e aquela, além da complexidade maior, consiste na “conexão especialmente
escolhida — a do organismo ou do eu”. Este é o ponto em que ocorre a maior
parte da inserção.
Organismo é um dos termos em que estão escondidas muitas
dificuldades. Qual é precisamente a diferença entre o brilho do sol e o organismo
que, em contato com o sol, sustenta a ocorrência natural da sensação? A asserção
de um behaviorista é a de que os organismos, que na última citação repetida
Dewey fundiu com o eu, não diferem em tipo de nenhum outro corpo. A pessoa
ou eu, portanto, é em essência similar a um motor, a uma máquina ou a um tubo
de ensaio. Os mecanismos mentais não são diferentes em tipo das operações
corpóreas. O conhecimento vive nos músculos, e as funções biológicas —
tornadas hábitos — são os únicos agentes de memória e previsão. Embora sejam
afirmações behavioristas, nenhuma evidência científica ou explicação é aberta. A
menção vaga à “conexão especialmente escolhida” contrasta fortemente com
uma descrição científica dos detalhes de uma planta de motor ou máquina. Não
se oferece nenhuma explicação para tornar plausível a possibilidade de um
motor ter lembrança ou exercer a previsão.
O organismo não é o único termo indefinido. Dewey evita enfrentar o
problema diretamente também pelo uso do termo hábito. Que é hábito? Como o
hábito é formado? Que significa dizer que os hábitos são “ajustes do ambiente,
não apenas para o ambiente”?
Aqui a discussão toma duas direções. Na primeira, a explicação tende a
apagar a distinção entre organismo e ambiente. O hábito é um ajuste do ambiente
e, visto que os hábitos são os únicos agentes de observação, segue-se que o
ambiente, como o organismo, observa e se lembra. O comportamento, disse
Dewey — e o comportamento deve incluir o conhecer —, não ocupa lugar sob a
pele do organismo, mas sempre de caráter premeditado óbvio ou a certa
distância. Ora, na resposta pedante de Dewey a Murphy, ele insiste (por causa da
omissão desculpável no breve sumário de Murphy) que há uma interação
operacional entre conteúdos observados e ideacionais. Se, entretanto, o ambiente
observa tanto quanto o organismo, que acontece com as distinções assumidas
entre o material observado e os fatores ideacionais?
A segunda linha de discussão relativa ao hábito retorna à sua definição.
Que é um hábito? Há uma passagem em que Dewey parece apresentar uma
definição formal de hábito. Falando de um circuito cuja primeira fase é a tensão
de vários elementos de energia orgânica, e cuja segunda fase é a instituição de
interação integrada entre organismo e ambiente, ele diz: “Certa modificação do
ambiente também ocorreu… No entanto, há uma mudança nas estruturas
orgânicas que condiciona o comportamento posterior. A modificação é
denominada hábito”.[105] E na página seguinte ele nos diz que a repetição não
desempenha nenhum papel popularmente atribuído a ela, mas que os hábitos
estão firmados “pela instituição de interação efetiva integrada de energias
orgânicas do entorno”. A última frase não expressa nenhum significado definido.
Nem o expressa o trecho inteiro. Visto que todo evento psicológico de certa
forma condiciona o comportamento futuro, a mudança química na corrente
sanguínea pode ser uma qualidade de acordo com essa definição — mas não só
na corrente sanguínea nem somente sob a pele; considere qualquer evento no
ambiente: a reação química de um elemento com outro é um ajuste do, e para, o
ambiente. Ao menos o enxofre se ajusta ao hidrogênio e ambos se ajustam ao
oxigênio. Mas chamaremos H2SO4 de hábito? Se a reação química for um hábito,
não foram todos os hábitos, segundo a filosofia naturalista, reduzidos a reações
químicas? Contudo, se for desse modo, qual será a diferença entre a reação
química e o hábito? É difícil encontrar respostas para essas perguntas nos textos
de Dewey. O uso que ele faz de termos como organismo, hábito e sensação é
completamente inadequado e inapropriado em especial para quem se gaba
principalmente da metodologia científica.
A referência acima quanto à redução do hábito e à sensação como reação
química leva a outra fase da mesma dificuldade, pois sob essa ambiguidade há
mais inserções do que se pode trazer à luz em poucas linhas. Se um idealista
acusa o behaviorismo de materialismo, surge a negação indignada do atomismo
e do reducionismo. Projéteis sólidos em movimento no espaço não são mais uma
imagem adequada do universo, e o behaviorista não deseja tornar o
conhecimento “nada além” do movimento de partículas. Em vez disso, ele
identifica com alegria a realidade com o universo físico em toda a sua
complexidade. A realidade é a natureza. Mas exatamente aqui se encontra o
problema. O universo físico é deixado indefinido, e a natureza permanece
inexplicada. A natureza não pode consistir em átomos, pois os átomos são planos
de uma ação humana futura, não uma descrição do ser antecedente. Mas se a
natureza não consiste em átomos em movimento, então o que é? Dewey, como
vimos antes, é extremamente vago a respeito da existência original. No entanto,
para julgar a afirmação de que a mente humana pode se desenvolver da natureza,
seria preciso saber o que é a natureza da natureza. Se o reducionismo deve ser
repudiado com justiça, o behaviorista é obrigado a caracterizar a realidade física
e a mostrar em detalhes como ela produz os hábitos, a recordação e a previsão.
Dewey não faz nada disso. O termo natureza permanece vago e vazio, ou, no
máximo, o natural é contrastado com o sobrenatural. Mas o sobrenatural,
excluído da realidade, não é apenas Deus, é também a mente consciente. Se,
ademais, o behaviorista se torna um pouco religioso, como o humanismo por
vezes acha de bom tom fazer, a natureza assume até mesmo alguns atributos de
Deus. E a inconsistência do reconhecimento involuntário de algo além do
naturalismo pode ser disfarçado apenas por meio da ambiguidade generalizada.
Não se empreenderá aqui uma análise abrangente do behaviorismo.
Algumas outras objeções psicológicas são forçosamente afirmadas em um
trabalho previamente recomendado, a saber, The Nature of Thought [A natureza
do pensamento], de Brand Blanshar, Volume 1, capítulo IX. Entretanto, por
causa dos principais interesses de Dewey, é pertinente e imperativo pelo menos
mencionar a relação entre o behaviorismo e os valores.
Dewey, sem dúvida, se interessa muito por valores. Ele se gaba de ter
resgatado valores do mundo morto e sombrio da ciência newtoniana. Contudo,
perguntamo-nos se o behaviorismo pode oferecer algo menos do que sombras e
morte. Este não é outro exemplo da reivindicação de valores não autorizados
pela filosofia de Dewey?
Se, por exemplo, a sensação é apenas um evento mais complexo que o
brilho do sol — e, contudo, do mesmo tipo — como ela poderia ter mais valor
ou qualquer valor? A complexidade é ipso facto valiosa? O terremoto em uma
região não habitada é mais complexo que o simples movimento de uma única
partícula, mas nenhum dos dois parece ter qualquer valor em si. As duas
ocorrências são físicas. Um é maior que o outro, mas isso é tudo que se pode
dizer.
Sem dúvida, dois eventos distintos levam a dois resultados distintos. Nas
discussões sobre valor, Dewey coloca muita ênfase nos meios e nos resultados.
Os primeiros devem ser julgados pelos últimos. Mas se os dois resultados são
igualmente eventos físicos, a questão originária reaparece. O resultado que em si
não tem valor não pode conferir valor aos meios.
Só enquanto afeta um organismo, em particular um organismo humano,
pode-se dizer que o brilho do sol ou a ocorrência de um terremoto tem valor ou
não. Isso nos leva uma vez mais à ambiguidade do termo organismo.
Se o funcionamento de um organismo é do mesmo tipo — embora muito
mais complicado — que a maior parte dos processos físico-químicos, se a dor
não é sentida na mente nem o prazer desfrutado, se o vermelho na retina é o
mesmo vermelho do celeiro e não há nenhum vermelho na mente, logo — com
todos os outros valores — esvai-se o valor da discussão. O funcionamento do
organismo de Dewey e do ambiente, e o funcionamento do meu organismo e do
meu ambiente — apesar da incompatibilidade intelectual não behaviorista — são
eventos igualmente naturais. Nele, as aptidões biológicas se desenvolveram em
uma direção; em mim, surgiram hábitos diferentes. Não há, entretanto, nenhuma
diferença sentida, pois nada é mental ou sentido. Só o olhar não behaviorista, de
fora do mundo de Dewey, poderia reconhecer as diferenças da complexidade
natural. A alma não behaviorista veria que a biologia do meu organismo — ou
seja, os argumentos que aduzi aqui — são tão naturais, bons e valiosos quanto os
de Dewey. Ou, de modo mais próprio, esta alma não behaviorista veria que as
publicações de Dewey foram exatamente tão naturais, sem valor e sem
significado quanto o movimento de uma partícula. Se alguns dos discípulos de
Descartes, como se relata, torturavam animais de forma deliberada para
demonstrar sua sinceridade na defesa do automatismo cartesiano, poderíamos
esperar que um behaviorista sincero sentisse escrúpulos contra a tortura de seres
humanos para alcançar suas ambições políticas?
A inserção de conceitos não justificados pela teoria básica é tão geral e
tão intimamente relacionada com o behaviorismo que mais um ou dois exemplos
servirão de conclusão adequada para esta subseção. O instrumentalismo enfatiza
a resolução de problemas. Dewey enfatiza a investigação: sua Lógica tem
subtítulo, The Theory of Inquiry [A teoria da investigação]. “A existência de
investigações não é uma questão de dúvida… Como forma de conduta, a
investigação é tão acessível ao estudo objetivo quanto o são os outros estilos de
comportamento”.[106] O argumento, em seguida, continua com o que Dewey
acredita consistir na natureza da investigação. Mas, agora, o que é investigação?
Sua definição não exige todos os termos mentalistas que o behaviorismo evita?
Na página seguinte, Dewey repete pela centésima vez: “A dependência de
estados subjetivos e ‘mentalistas’ e de processos está eliminada”. Pareceria que
isso se segue de apenas duas opções. Ou os termos mentalistas deveriam ser
rigidamente excluídos da discussão, ou, se palavras inglesas comuns devem ser
usadas, deveriam ser explicitamente definidas como não mentalistas ou como
termos físicos. Investigação controlada, experimento direcionado, planos de
ação são todos mentais.[107] Quando Dewey diz: “A interação orgânica se torna
investigação quando as consequências existenciais são antecipadas […] e
quando as atividades receptivas são selecionadas e ordenadas com referência à
atualização de algumas potencialidades, em lugar de outras, em uma situação
existencial”,[108] as palavras têm significado só na estrutura mentalista. Que
podem significar antecipação e referência ao futuro? Esses são termos de fato
subjetivos e mentalistas. Por acaso Dewey define em algum lugar essas palavras
comuns em uma linguagem não behaviorista? Não, não define. Por exemplo, não
há explicação sobre como uma reação química na retina poderia antecipar o
futuro ou selecionar um plano de ação. Um evento físico ou psicológico pode
preceder um evento posterior e, com efeito, contribuir com suas características,
da mesma forma que um precipitado pode ser formado em um tubo de ensaio.
Mas isso não é antecipação, e muito menos seleção.
Talvez Dewey possa responder que cuidara de tudo isso na teoria da
linguagem. O ambiente é cultural, diz, tanto quanto físico. As reações são
ordinariamente sociais: “A modificação do comportamento orgânico no
ambiente cultural, e por meio dele, explica — ou melhor, é — a transformação
do comportamento puramente orgânico marcado pelas propriedades
intelectuais”.[109]
Essa é a declaração de Dewey da transição tão necessária ao
behaviorismo. Mas, ao apelar a uma cultura e sociedade, Dewey não só admite
que a cultura poderia produzir a transição no organismo puramente fisiológico,
mas também pressupõe, sem explicação, a cultura e a sociedade. Elas podem ser
definidas de modo behaviorista ou Dewey substituiu duas impossibilidades por
uma?
O mecanismo da maior confiança de Dewey para efetuar a transição é a
linguagem. A linguagem para Dewey inclui não só palavras, mas também ritos,
monumentos, ferramentas e belas artes. Tudo isso tem algo a dizer.[110] Eles
operam, afirma Dewey, não como meros objetos físicos, mas em razão de seu
significado. Ora, muito do que Dewey diz acerca do valor e do uso da linguagem
é completamente aceitável. O ponto em questão é como os movimentos físicos e
os efeitos, as ferramentas e as palavras, podem assumir um significado. Caso se
suponha que as palavras sejam mais do que sons emanados da laringe, elas não
podem explicar a transição tão necessária ao behaviorismo, pois a transição
(caso existisse) já teria ocorrido. As propriedades intelectuais devem estar
presentes no “organismo” antes de poderem atribuir algum significado aos sons.
Assim, Dewey muitas vezes confia na mente ou na alma enquanto o nega com
vigor.
À discussão sobre a linguagem ele acrescenta uma nota de rodapé
muitíssimo interessante:

Generalizando além das exigências estritas da posição delineada, eu diria que não estou
consciente de nenhuma atividade ou resultado “mental”, como é chamado, que não possa ser
descrito nos termos objetivos de uma atividade orgânica modificada e dirigida por significados
simbólicos ou linguagem, em seu sentido amplo.[111]

Acerca de sua teoria, é claro, Dewey não poderia estar consciente de


nada; mas, da minha parte, posso interpretar isto apenas como a recusa
determinada de encarar o problema.
Lógica formal

Se o behaviorismo é insustentável, logo colapsa a genética de Dewey,


baseada em sentido biológico na teoria do conhecimento. Por ora, passemos da
genética para os aspectos estruturais do sistema. Aqui o sujeito não é a lógica no
sentido mais amplo da epistemologia geral, e sim as formas de raciocínio
dedutivo, os processos de inferência, a lei de contradição. Sem dúvida, Dewey
não discute esses temas com muitos detalhes. Para ele, a lógica enquanto teoria
da investigação é muito mais ampla, e seus interesses estão, sobretudo, nela. Não
obstante, o que ele diz, devido à sua grande generalidade, inclui (como
mostraremos) uma perspectiva específica dos princípios de dedução. Embora
Dewey considere essa parte da lógica de menor importância, a seguinte análise e
crítica defenderá sua grande importância e que a perspectiva lógica sustentável é
fatal para o todo da filosofia de Dewey.

Em Logic [Lógica], a primeiríssima questão de Dewey é se as formas da


lógica têm subsistência independente ou se são formas de um assunto.
Talvez seja necessário mencionar de imediato que Aristóteles, cuja lógica
Dewey objeta com tanto vigor, não atribuía suas formas a uma subsistência
independente. Para Aristóteles, as formas da lógica são secundárias em relação
às formas do pensamento, pois as formas do ser são primarias. A lógica se baseia
na ontologia. O que Dewey quer dizer com sua disjunção se tornará claro quando
avançarmos. Infelizmente, sua expressão inicial é ambígua. Pode-se também
mencionar de pronto, antecipando muitos outros exemplos, que a questão de
Dewey cobre o que chamamos lógica formal (ainda que também seja ontológica)
bem como outras fases da investigação. Com efeito, ele explicitamente insiste
que uma teoria sobre o último tema da lógica deva explicar o tema seguinte,
[112] previamente identificado como relações entre proposições, afirmação e
negação, inferência e as formas categóricas.
O que Dewey quer dizer ao contrastar de modo independente formas
subsistentes com formas de temas não mais ficam em dúvida. Ele propõe que:

… todas as formas lógicas […] surgem na operação de inquirição… Esse conceito conta com
muito mais implicações que as revelações de formas lógicas ou o surgimento de formas lógicas
quando refletimos sobre os processos de inquirição em uso. Sem dúvida esse é seu significado,
mas também significa que as formas se originam nas operações de inquirição.[113]
Ao mencionar de forma específica os princípios de identidade,
contradição e do terceiro excluído — evidência conclusiva de que sua teoria
inclui esses itens — Dewey rejeita a visão tradicional de que “esses princípios
representam propriedades invariantes últimas dos objetos com os quais os
métodos de inquirição se preocupam e devem se conformar”.[114] Contudo, “os
princípios são gerados no próprio processo de controle da investigação
continuada, ao passo que de acordo com outra visão [tradicional], há princípios
fixados a priori e com antecedência à investigação e condicionando-a ab extra”.
[115]
O processo para a geração desses princípios começa no hábito
behaviorista e biológico. Nada mais será dito sobre o behaviorismo, mas é
preciso mencionar que os hábitos mudam, como mudam quando são
insatisfatórios, e os novos hábitos gerarão novos princípios. Isso deve ser assim
porque um princípio ou uma lei da lógica é apenas a formulação de uma forma
habitual de ação. A lógica, portanto, torna-se melhor, tornou-se melhor e tornar-
se-á melhor; e a melhora ocorre nas questões principais, não só nos detalhes
menos importantes.[116]
O mesmo tema é enfatizado em uma página posterior. Depois de afirmar
que, assim como a lógica grega refletia a ciência da Antiguidade, também uma
nova lógica deve ser baseada na ciência moderna, Dewey salienta o contraste ao
citar e se opor à visão de Horace W. B. Joseph. Joseph havia dito:

A visão de Aristóteles (representada nos Topics) é mais antiquada em relação aos problemas a
serem respondidos [pela ciência moderna] que em relação ao caráter lógico do raciocínio pelo
qual devemos provar nossas respostas.

A isso Dewey responde:

A implicação da passagem, em especial quando ampliada para se aplicar a outros trabalhos de


lógica além dos Topics, dá a impressão de que a mudança radical nos problemas e nos objetos
da investigação (como a mudança que parte das substâncias imutáveis e de suas formas
essenciais necessárias para correlações de mudança) possa ocorrer com pouca mudança nas
formas lógicas… O postulado em contrário motiva o presente exame da lógica aristotélica.
[117]

Isso deixa claro que, como o interesse científico muda de um problema


para outro, não há parte da lógica que não possa mudar com ele. E se nenhuma
parte da lógica escapa da mudança, devemos estar preparados para, por fim,
abandonar a lei da contradição.[118] O mesmo ponto é confirmado pela
comparação de Dewey das leis da lógica com as leis dos contratos.[119] A
comparação com a lei civil, implicando a possibilidade de mudança em cada
parte, pode ser encontrada em vários lugares.[120]
Não se faz necessária mais nenhuma documentação. Dewey não defende
a eternidade de nenhum princípio da lógica; todos estão sujeitos à mudança;
grandes mudanças ocorreram no passado e deve-se esperar o progresso
substancial no futuro. A análise seguinte da melhora alegada será analisada, e
sua arrogância diminuída. Em segundo lugar, a impossibilidade de substituir a lei
da contradição será usada para concluir que a filosofia de Dewey é basicamente
ilógica e irracional.
Importação existencial

Seguindo a invenção da lógica simbólica de George Boole, os lógicos


alegaram ter encontrado um equívoco na subalternação aristotélica. A introdução
da classe nula levou à conclusão de que o universal implica o particular somente
quando ambas as classes contêm membros existentes. A subalternação, portanto,
não é um princípio geral, pois se subdivide em outros casos. Nos manuais
contemporâneos de lógica, como os de Morris Cohen e de Ernest Nagel, William
H. Werkmeister, Irving Copi e, com efeito, de quase todos os autores, ela está
expressa, em benefício de estudantes primários, como a importação existencial
de proposições particulares. Quando dizemos: “Todos os gatos são mamíferos”,
ou, “Todos os snarks são boogums”, não sugerimos a existência de gatos e
snarks. No entanto, quando afirmamos: “Alguns gatos são mamíferos”, e,
“Alguns snarks são boogums”, automaticamente declaramos a existência dos
membros dessas classes. Portanto A (ab) não sugere I (ab) porque a importância
da existência deste não pode ser deduzida daquele.
Ora, Dewey usa isso como exemplo de melhora em relação à lógica
aristotélica e seu abandono.[121] No entanto, evidencia-se não ser esse o caso, e
uma evidência muito importante abandona a posição de Dewey. Ele próprio não
apresenta muitos argumentos a favor da importação existencial: ele a toma por
certa. Longe de sugerir que esse fato reduza as críticas a um ataque queixoso a
respeito de um detalhe trivial, quase toda a aceitação universal da importação
existencial que desobriga Dewey da necessidade de argumentar apenas ressalta a
importância desse ponto na lógica não aristotélica. Para satisfazer o argumento,
portanto, devemos nos voltar a outros autores. Por exemplo, os três manuais
mencionados há pouco, embora omitam a prova simbólica, explicam a questão
em linguagem comum. Apesar de os estudantes manterem uma reverência
desordenada pelos manuais, qualquer um que pare para analisar o que se diz
descobre com facilidade que a conclusão alegada não procede das razões
apresentadas. Por exemplo, Werkmeister, que tenta explicar a importação
existencial de maneira mais determinada e completa que muitos outros, começa
dizendo que proposições gerais devem ser diferenciadas das genéricas.[122] Elas
não fazem nenhuma afirmação a respeito da existência e seus termos podem ser
nulos. O reconhecimento dessa distinção é um progresso em relação a
Aristóteles, pois Aristóteles não só não dispunha de nenhuma classe nula… Pior
ainda, sua introdução na lógica aristotélica “conduz a complexidades
desanimadoras, senão a absurdos” (238).

Em um momento, argumentar-se-á que não surge nenhuma absurdidade;


mesmo Werkmeister na página seguinte admite que uma proposição geral pode
ser traduzida em uma proposição genérica. A distinção, portanto, é inútil, e a
principal defesa da importação existencial deve consistir nos seguintes
parágrafos.
Diferentemente das proposições genéricas,

as proposições particulares não podem ser interpretadas como tendo natureza hipotética.
“Algumas nações desejam a paz”; é bastante óbvio que isso não significa que “se alguma coisa
é uma nação, logo deseja a paz”, pois essa interpretação mudaria a proposição para um
universal.

A última sentença é bastante verdadeira. A interpretação apresentada de


maneira precisa mudou o particular em um universal. Mas isso está longe de
provar que os particulares têm importação existencial. Se a frase a seguir de
Werkmeister tem a intenção de fornecer a prova faltante, ela falha, pois se trata
apenas de uma afirmação sobre o ponto a ser provado:

O particular apresentado afirma, na verdade, a existência de nações que desejam, sim, a paz…
Portanto, as proposições universais e particulares diferem quanto à importação existencial; esta
envolve uma afirmação sobre a existência, ao passo que aquela, não [240-241].

Não é preciso dizer mais nada a respeito dos argumentos sobre a


linguagem comum. Eles são normalmente apoiados pelo acréscimo de
diagramas. Espera-se que a afirmativa universal, representada por dois círculos
concêntricos, defina ab’ como nulo, sendo ab = o é igualado ao universal
negativo. Nem mesmo isso está correto, pois quando o sujeito, ou o sujeito e o
predicado, é nulo, ele também exemplifica ab = o. Por isso, Werkmeister está
errado ao dizer: “A afirmação de que SP é uma classe nula é o significado
verdadeiro e completo da proposição E” (243).
Mas nós estamos interessados principalmente na proposição particular.
Aqui o autor desenha dois círculos sobrepostos e argumenta que ab ou SP não é
igual a zero. A fonte da ilusão é a suposição de que áreas geométricas
reproduzem com correção todas as relações entre duas classes, e, de forma mais
explícita, que elas reproduzem as relações entre classes nulas. Se, em vez de
círculos, esses lógicos usassem pontos, talvez ficasse claro que SP é zero quando
um dos dois, ou ambos, é zero. Portanto, a definição de I não é SP ≠ 0, e,
portanto, não há nenhuma importação existencial.
Entretanto, nem os argumentos na linguagem comum nem os diagramas
geométricos contam a história toda. Caso se deseje entender por que a
subalternação aristotélica é tão uniformemente rejeitada, deve-se seguir pela
prova técnica e simbólica. Felizmente, isso não é muito difícil. “Todo a é b”, ou
A (ab), é expresso como “a classe a está incluída na classe b”, ou, a < b. Ora, se
A (ab) significa a < b, logo por obversão E (ab) significa a < b’. Contradizendo
E, I (ab) se torna (a < b’)’ — as plicas contradizem tudo aquilo a que estiverem
ligadas — e O (ab) se torna (a < b)’.
Suponhamos agora que A (ab) implique em I (ab). Em símbolos, isso é
escrito (a < b) < (a < b’)’. Se esta implicação é válida, caso se mantenha para
qualquer significado de a e de b, logo qualquer coisa pode ser substituída por
esses termos. O termo a pode ser nulo, e o termo b também pode ser nulo.
Portanto, se a subalternação aristotélica deve ser generalizada, (o < o) < (o < o’)’
deve ser uma implicação válida. Por implicação válida se quer dizer a inferência
em que a forma da conclusão é verdadeira todas as vezes que a forma da
antecedente for verdadeira. Ora, o antecedente da implicação (o < o) é sempre
verdadeiro. Uma classe está sempre incluída em si mesma. Mas a conclusão não
é verdadeira pela seguinte razão: o contraditório da classe nula é o universo do
discurso. Portanto, a conclusão pode ser reescrita (o < i)’. No entanto, o universo
é a classe que contêm todas as classes. Se o universo é a raça humana, ele deve
conter não só homens e mulheres, mas também o produto dessas duas classes:
seres humanos que são homens e mulheres. Esta é uma classe nula. Ademais, é
uma classe porque é o produto de classes e, assim, está incluída no universo. A
conclusão, sendo discutida, nega a inclusão da classe nula no universo. Portanto,
a conclusão é falsa. Isso torna a implicação inválida. Logo, um universal como
“todos os gatos são mamíferos” não implica validamente o particular “alguns
gatos, por exemplo, gatos persas, são mamíferos”. Esse é um dos principais
exemplos de Dewey sobre a deterioração da lógica aristotélica e o progresso
moderno simbólico.
A fim de que leitor não passe muito tempo tentando encontrar o parafuso
solto, deve-se dizer que não há nenhuma falha no processo de raciocínio. Uma
vez que os conceitos de universo e de nulo sejam introduzidos — progresso que
não precisa ser objetado por nenhum aristotélico — e uma vez que “Todo a é b”
está reduzido a a está incluído em b, o resto se segue de forma automática. Mas
não se segue que a subalternação aristotélica se deteriore, ou que não possa ser
generalizada. É bastante possível manter, com o princípio da contradição, o
processo de obversão pelo qual a definição de E é obtida de A, e o de O de I,
junto com quaisquer outros fatores necessários à lógica simbólica, e manter
também a subalternação.
O saudoso professor Henry B. Smith,[123] da Universidade da
Pensilvânia, que detectou a não conclusão do argumento moderno e resolveu de
forma simbólica a justificação da subalternação. Seu trabalho merece mais
reconhecimento que o recebido. A compreensão, contudo, precede o
reconhecimento. Smith notou que o caso todo da lógica não aristotélica consiste
na escolha de uma definição. Admitiu-se que “Todo a é b” significa “a está
incluído em b”. A suposição é desnecessária. Ademais, uma vez que ela conduz
à rejeição da subalternação, também não é desejável. Pelo menos, se outra
definição puder ser construída e preservar a subalternação e a generalidade
perfeita requerida pela matemática, a definição será preferível. Smith formulou
essa definição e demonstrou a subalternação por meio dela. No primeiro
momento, as fórmulas parecem complexas, mas a complexidade não deve
assustar os lógicos simbólicos modernos.

A (ab) = (a < b) [(b < a) + (a < b’)’(b’< a)’]


E (ab) = (a < b’) [(b’ < a) + (a < b)’(b < a)’]

Removendo-se os colchetes, as duas linhas se tornam:

(a < b)(b < a) + (a < b)(a < b’)’(b’ < a)’


(a < b’)(b’ < a) + (a < b’)(a < b)’(b < a)’

O produto das duas linhas é ipso facto o produto de AE. Se AE = 0, logo,


por contradição e por permuta, A < I. A multiplicação de duas definições
mostrará que o produto, na verdade, é zero.
O produto dos seis fatores que seguem os sinais de adição contém (a < b)
(a < b)’. Esses dois são contraditórios e, por conseguinte, o produto é zero. Em
cada caso em que os dois fatores antes dos sinais de adição são multiplicados por
três fatores depois do sinal de adição na outra linha, o produto contém zero e,
portanto, é zero.
Quando os quatro fatores antes dos sinais de adição são multiplicados, o
produto se reduz à identificação de b e b’. Portanto, um termo é identificado com
seu contraditório. Isso também é uma falsidade ou zero.
Portanto, AE implica zero. Isto é, AE é falso. Mas sendo assim, A
implica I, e a subalternação está salva.
Não se afirma aqui que a lógica não possa de algum modo ser
aprimorada. A classe nula e o simbolismo são geralmente aprimoramentos. Ou
melhor, a afirmação é de que os aprimoramentos não devem rejeitar os
princípios aristotélicos, mas sim construir sobre eles. E esta subseção, em
particular, mostra que o principal progresso não aristotélico, ou melhor,
antiaristotélico, não é de forma alguma um progresso. A rejeição da
subalternação leva a uma lógica mais restrita e menos geral. É uma lógica menos
frutífera por contar com menos implicações válidas. O esquema aristotélico é
claramente superior.
A lei da contradição

Embora Dewey não afirme que alguém tenha descartado a lei da


contradição como se descartou a subalternação, sua teoria sugere que a ciência
futura pode muito bem alterar também a lei da contradição. Viu-se acima que
suas expressões acerca da natureza mutável da lógica eram todas inclusivas, e
ele explicitamente mencionou a contradição.[124] O leitor se lembrará de sua
crítica ao professor Joseph e de como ele continuou a dizer que mudanças
radicais ocorrem — não só nos detalhes — mas também em temas de grande
importância.
Além dessa documentação particular, deve-se notar, tanto nos contextos
imediatos das citações quanto, de forma geral, nas publicações volumosas de
Dewey, que o fluxo universal é a base de sua filosofia. Dewey é um filósofo da
mudança e do fluxo. Nada pode ser admitido como estável e eterno. Permitir até
mesmo uma única fixidez, a lei da contradição, confundiria, com mais forte
repugnância à sua natureza estética mais profunda, o projeto flutuante de sua
arte. No entanto, contemplar a possibilidade da mudança radical na lei da
contradição significa já estar preso na mesma confusão.
Vimos que Dewey compara as leis da lógica com as leis civis. Ele
também fala delas como estipulações. São princípios de procedimentos por
serem adotados e seguidos enquanto produzirem resultados satisfatórios. Ora,
quando os interesses da ciência mudam o suficiente, pode vir um período em que
os investigadores estipulem algo radicalmente diferente da lei da contradição.
Que ocorrerá então?
Sob a lei aristotélica, todo pensamento claro — passado, presente e
futuro — requer do termo um significado unívoco. Sem dúvida há palavras
ambíguas em todas as línguas que significam muitas coisas diferentes. Mas
enquanto esses significados forem finitos em número, um termo especial pode
ser atribuído a cada significado para que todo termo tenha um significado
unívoco. Isso é impossível só quando um termo carrega um número infinito de
significados. Ou seja, uma estipulação radicalmente diferente da lei de
Aristóteles exigiria que um termo, que cada termo, significasse tudo. Zero
significaria tanto zero quanto um; subalternação significaria tanto obversão
quanto disjunção. Não só isso: círculo significaria triângulo, navio, o sul da
Califórnia e Universidade de Columbia. Se a lei da contradição é negada, esse
resultado não é somente possível: é o único resultado possível. Pois, se nós
negamos que um termo possa, no máximo, significar um número finito de
coisas, estipulamos que ele deve significar um número infinito de coisas. Talvez
se retruque que há outra possibilidade: o termo pode significar absolutamente
nada. Que seja. As duas possibilidades são idênticas, pois um termo que designa
tudo não designa nada.
Analisemos uma frase qualquer. Com base nessa estipulação, “Dewey é
filósofo” significa “O sul da Califórnia é uma classe nula”, pois Dewey significa
Califórnia, e filósofo é uma classe nula. Mas essas duas sentenças de significado
idêntico também significam que César era Sócrates e que o instrumentalismo é
tolice.
A última observação não é uma distorção jocosa para criar uma
conclusão bem-humorada. Que o instrumentalismo é tolice, tal é o resultado
sóbrio e sério da teoria da lógica. O argumento no Livro Gama da Metafísica de
Aristóteles é irrespondível, e parece significativo que os diversos expoentes do
irracionalismo contemporâneo negligenciem sua discussão. Nenhuma
implicação aqui tem a intenção de afirmar que o restante dos escritos de
Aristóteles seja impecável. Não só é possível rejeitar sua física, como também
sua epistemologia com a teoria da abstração podem também ser insustentáveis.
Ao contrário da alegação de Dewey, a lógica de Aristóteles é independente: visto
não depender do estado da ciência na Antiguidade, logo os avanços da ciência
moderna não podem alterá-la. Ou melhor, a ciência depende de sua lógica. Todos
os temas, todos os tópicos de conversação dependem da lógica, e uma vez que a
lei da contradição seja postulada como ausente acaba a inteligibilidade. Portanto,
o instrumentalismo é literalmente tolice.

Apenas mais uma observação é necessária para concluir este trabalho. O


discípulo que defende Dewey, se agora estiver envergonhado de predizer a
anulação da contradição, pode protestar dizendo que Dewey, na verdade, não a
tinha rejeitado — isso deveria acontecer no futuro — e que, portanto, o restante
do instrumentalismo está intocado por esta crítica.
Provavelmente Dewey não ficaria extasiado com sua defesa. Uma
filosofia do fluxo universal não pode ficar feliz com nenhuma exceção. Mesmo
uma única verdade seria demais. Essa única verdade tampouco é facilmente
removida do restante do instrumentalismo, pois se nós removemos os princípios
de Dewey da lógica de sua filosofia, o que sobra se quebra em pedaços sem
relação uns com os outros. Entretanto, alguém, em desespero, poderia
argumentar que eles poderiam ser reconstituídos em outra forma. De qualquer
modo, assim prosseguiria a disputa, não é muito justo condenar tudo o que
Dewey escreveu, baseando-se no fato de que uma predição não pode ser
cumprida. A resposta ríspida à defesa desesperada é, certamente, que Dewey é
Dewey; não estamos discutindo outra filosofia capaz de emergir em uma
reconstrução posterior. Mas o mais relevante que a resposta ríspida é que todas
as partes da posição de Dewey foram examinadas em separado. Os argumentos
contra o behaviorismo confiaram o mínimo possível na fixidez da contradição.
Termos-chave, como hábito e organismo, foram analisados para mostrar sua
ambiguidade. A acusação de inserção foi introduzida; o reducionismo oculto foi
mostrado; o behaviorismo em si, não só a lógica formal, foi atacado. Este foi o
procedimento também com o instrumentalismo. A discussão lidou com o objeto
do conhecimento, com o desconforto de uma existência incognoscível, com
ideias como planos de ação e a possibilidade da história. Em seguida, por fim,
quanto aos valores — um tema, senão o principal, de grande importância para
Dewey — a crítica, como o mostram os subtítulos, foi dirigida a cada ângulo. O
argumento mostrou que o método científico não pode justificar nenhuma
preferência, qualquer que seja ela. Os ideais sociais e políticos de Dewey, em seu
próprio sistema, não são nada mais que seu próprio preconceito pessoal, e em
outro sistema são considerados maus.
Esse seria o caso mesmo que os ideais fossem tão fixos e eternos como
os do cristianismo. Só o operacionalismo na primeira seção do trabalho escapou
da crítica, e isso ocorreu porque a discussão ali o restringiu à física e à química.
Já o conceito operacional de Deus caiu sob os argumentos do instrumentalismo.
Ao mesmo tempo, e além desses tópicos, há também o racionalismo
completamente abrangente de um fluxo universal que não só nega os valores
permanentes, mas elimina até mesmo a lei da contradição. O leitor fica com uma
escolha: a escolha entre princípios ininteligíveis e fixos. Se o pensamento tem
significado, logo há verdades eternas; ao passo que um trabalho sobre Dewey
não é o lugar para expô-lo, as verdades eternas requerem a Mente Eterna cujo
pensamento as torna assim.

[1] Philosophical Writings of Peirce, Justus Buchler (org.), p. 318.

[2] A Pluralistic Universe, pp. 7-8.

[3] A antipatia de James em relação à alma unificadora, ou eu, levou-o ao a ser aparentemente um
behaviorista total. O título do primeiro dos Essays in Radical Empiricism pergunta: “A consciência existe?”.
A resposta é: Não. A designação vaga descrita pelo termo consciência não é uma substância nem uma
maneira de ser, mas um tipo de relação externa. Os primeiros empiristas estavam errados ao entender a
experiência como algo sem continuidade. Já o empirismo radical reconhece as relações tão reais como
qualquer outra coisa. Daí o caráter desnecessário da alma, do ego transcendental ou do ego para realizar a
unificação.
O “eu penso” que Descartes e Kant fizeram acompanhar todos os meus objetos, diz James, significa o “eu
respiro” que realmente os acompanha. “Estou persuadido de que respirar movendo-se para fora, entre a
glote e as narinas, é a essência com que os filósofos construíram a entidade que lhes é conhecida como
consciência. Essa entidade é fictícia” (p. 37).
Um ano depois (1905), James concluiu outro artigo, “La Notion de Conscience”, com seis teses, das quase
foram selecionadas as seguintes palavras: “A Consciência […] não existe. O […] que a palavra Consciência
recobre é a suscetibilidade das partes da experiência de ser relatadas ou conhecidas. Essa suscetibilidade se
explica […] de tal modo, que algumas [partes da experiência] acabam desempenhando o papel de coisas
conhecidas, e as outras o de sujeitos conhecedores” (p. 232).
O behaviorismo não será discutido neste trabalho sobre William James. Ele recebe o que lhe cabe no
trabalho sobre Dewey e em Behaviorism and Christianity. Mas se pode observar com brevidade na citação
acima a suscetibilidade de ser conhecido pelo fato de que algumas coisas são conhecidas enquanto outras
coisas são conhecedoras. Isso aponta para a turvação circular da “experiência pura”.
[4] John Dewey acusa James de ambiguidade neste ponto. Brevemente, Dewey pergunta: “Sr. James
emprega o método pragmático para descobrir o valor em termos de consequências na vida de alguma
fórmula que já tem o conteúdo lógico fixo; ou o emprega para criticar, revisar e o significado da fórmula?”.
O próprio Dewey jamais hesitou em aceitar o segundo significado.
[5] Expressão encontrada no diálogo entre Fausto e Mefisfófeles na obra Fausto (1808), de Johann
Wolfgang von Goethe. [N. do R.]

[6] The Quest for Certainty, pp. 24ss., 225; Reconstruction in Philosophy, p. 42; Experience and Nature,
p. 394.
[7] The Quest for Certainty, pp. 94-102.
[8] Reconstruction in Philosophy, p. 113; The Quest for Certainty, p. 87.
[9] Reconstruction in Philosophy, p. 61; The Quest for Certainty, p. 102.
[10] The Quest for Certainty, pp. 98, 106, 128-32.
[11] The Quest for Certainty, pp. 86-7, 99, 103.
[12] The Quest for Certainty, pp. 158-9.
[13] The Quest for Certainty, pp. 112, 131, 137.
[14] The Quest for Certainty, p. 116.
[15] The Quest for Certainty, pp. 142-6, 202-6.
[16] Human Nature and Conduct, Capítulo IV, Seção 3.
[17] The Quest for Certainty, pp. 79ss., 210.
[18] Problems of Men, pp. 160-3.
[19] Problems of Men, pp. 178-9.
[20] The Quest for Certainty, p. 252.
[21] Logic, the Theory of Inquiry, p. 216.
[22] Human Nature and Conduct, I, 5.
[23] The Quest for Certainty, pp. 35-6.
[24] Reconstruction in Philosophy, pp. 42-3.
[25] The Quest for Certainty, p. 258.
[26] The Quest for Certainty, p. 259.
[27] Gardner Williams, Humanistic Ethics, p. 55.
[28] Reconstruction in Philsophy, pp. 124, 126.
[29] Reconstruction in Philsophy, p. 157.
[30] The Quest for Certainty, pp. 39, 42, 128; Experience and Nature, p. 396.
[31] The Quest for Certainty, pp. 264-7.
[32] The Quest for Certainty, p. 265.
[33] Personagem de A ilha do Tesouro, livro infanto-juvenil escrito por Robert Louis Stevenson e lançado
em 1833. [N. do R.]
[34] The Quest for Certainty, p. 267.
[35] The Quest for Certainty, p. 269.
[36] Reconstruction in Philosophy, p. 127.
[37] The Quest for Certainty, p. 269.
[38] Reconstruction in Philosophy, pp. 15ss.
[39] Reconstruction in Philosophy, Introduction.
[40] The Quest for Certainty, pp. 259, 282.
[41] Reconstruction in Philosophy, pp. 103, 127.
[42] Reconstruction in Philosophy, pp. 145-6.
[43] Reconstruction in Philosophy, p. 157; compare Philosophy and Civilization, p. 16.
[44] Reconstruction in Philosophy, pp. 166-9.
[45] The Quest for Certainty, pp. 166-169.
[46] William Kilpatrick, Philosophy of Education, pp. 97-8, 151-61.
[47] Problems of Men, pp. 178-9.
[48] Éminence grise significa “eminência parda” (em francês). A expressão significa a pessoa que, sem se
revelar com clareza, detém grande influência na vida política ou em outras esferas de atuação. Plutôt rouge
deixa transparecer o caráter socialista (rouge, vermelho). [N. do R.]
[49] Ethics, pp. 265-92.
[50] Ethics, p. 251.
[51] Sobre o grau do socialismo de Dewey, v. Sidney Hook, John Dewey, cap. XII; e George R. Geiger,
John Dewey in Perspective, cap. 8 e a nota na p. 179.
[52] The Philosophy of John Dewey, Schlipp (ed.), p. 592 (nota).
[53] George R. Geiger, John Dewey in Perspective, pp. 109-10.
[54] Veja o capítulo IV de Uma visão cristã dos homens e do mundo (Brasília: Monergismo, 2013).
[55] Reconstruction in Philosophy, pp. 22, 106-12; Experience and Nature, p. 149; The Quest for
Certainty, pp. 17-25; Logic, the Theory of Inquiry, pp. 520ss.
[56] Experience and Nature, pp. 128-9.
[57] Philosophy and Civilization, p. 54.
[58] Experience and Nature, p. 156.
[59] The Quest for Certainty, p. 243.
[60] Logic, the Theory of Inquiry, p. 522.
[61] Reconstruction in Philosophy, p. 87; The Quest for Certainty, p. 106.
[62] The Quest for Certainty, p. 166.
[63] Experience and Nature, p. 158.
[64] Experience and Nature, p. 156.
[65] Philosophy and Civilization, pp. 105, 107.
[66] Experience and Nature, p. 121.
[67] Experience and Nature, p. 129; Philosophy and Civilization, p. 93.
[68] The Quest for Certainty, p. 104.
[69] Experience and Nature, p. 148.
[70] Logic, the Theory of Inquiry, p. 8.
[71] The Quest for Certainty, p. 110.
[72] The Quest for Certainty, p. 138; Philosophy and Civilization, p. 25.
[73] The Quest for Certainty, p. 137; Philosophy and Civilization, p. 106.
[74] The Quest for Certainty, p. 137.
[75] The Quest for Certainty, pp. 166-7; Reconstruction in Philosophy, p. 144; Philosophy and
Civilization, p. 31.
[76] Reconstruction in Philosophy, p. 145.
[77] Reconstruction in Philosophy, p. 146.
[78] Experience and Nature, p. 128.
[79] Essays in Experimental Logic, pp. 312-6.
[80] The Quest for Certainty, p. 71.
[81] Reconstruction in Philosophy, p. 156.
[82] The Quest for Certainty, p. 227.
[83] The Quest for Certainty, p. 231.
[84] Human Nature and Conduct, capítulo IV, seção 3.
[85] Logic, The Theory of Inquiry, pp. 105-6, 161.
[86] Logic, The Theory of Inquiry, p. 491.
[87] Logic, The Theory of Inquiry, p. 106.
[88] Logic, the Theory of Inquiry, p. 106.
[89] Em The Nature of Thought, pp. 359ss. Também o restante do capítulo de Blanshard, do qual se podem
extrair pouquíssimas exceções, é uma necessidade para estudantes sérios do instrumentalismo. Ademais,
Bertrand Russell em The Philosophy of John Dewey, editado por Paulo Arthur Schlipp, faz críticas bastante
importantes. O presente trabalho na medida do possível busca evitar repetir o que já foi tão bem afirmado.
Sem dúvida, não se pode evitar certa repetição (ao menos, especificação) das objeções mais abrangentes.
[90] Blanshard, p. 359.
[91] The Philosophy of John Dewey, p. 565.
[92] Logic, the Theory of Inquiry, p. 237.
[93] The Philosophy of John Dewey, pp. 557-8.
[94] The Philosophy of John Dewey, p. 558.
[95] Human Nature and Conduct, capítulo 1, seção ii; compare com The Quest for Certainty, pp. 123, 149-
50.
[96] Human Nature and Conduct, capítulo III, seção i; compare com Logica, ther Theory of Inquiry, vi;
The Quest for Certainty, pp. 86, 166.
[97] The Philosophy of John Dewey, p. 555.
[98] Human Nature and Conduct, capítulo I, seção iii.
[99] The Philosophy of John Dewey, p. 599.
[100] Philosophy and Civilization, p. 107.
[101] Logic, The Theory of Inquiry, p. 70.
[102] Experience and Nature, p. 21.
[103] Experience and Nature, p. 258.
[104] Problem of Men, p. 177.
[105] Logic, the Theory of Inquiry.
[106] Logic, the Theory of Inquiry, p. 102.
[107] Logic, the Theory of Inquiry, p. 104.
[108] Logic, the Theory of Inquiry, p. 107.
[109] Logic, the Theory of Inquiry, p. 43.
[110] Logic, the Theory of Inquiry, p. 46.
[111] Logic, the Theory of Inquiry, p. 57
[112] Logic, the Theory of Inquiry, p. 3
[113] Logic, the Theory of Inquiry, pp. 3-4
[114] Logic, the Theory of Inquiry, p. 11
[115] Logic, the Theory of Inquiry, p. 12; compare com Philosophy and Civilization, p. 129.
[116] Logic, the Theory of Inquiry, pp. 13-4.
[117] Logic, the Theory of Inquiry, p. 82; compare pp. 156-7, 328-9.
[118] Logic, the Theory of Inquiry, pp. 372, 374, nota 2, 391.
[119] Logic, the Theory of Inquiry, pp. 16-7
[120] Compare com Logic, the Theory of Inquiry, pp. 102, 120, 372ss.
[121] Logic, the Theory of Inquiry, pp. 255-6, 289-90, 380 e rodapé.
[122] An Introduction to Critical Thinking, pp. 236-5; 276-7.
[123] Symbolic Logic, 1927.
[124] Logic, the Theory of Inquiry, p. 11.

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