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ARTE

PARARS
Ecloardo Giusti
A arte
de
separar-se
Edoardo Giusti

A arte
de
separar-se
Um guia para uma separação
sem traumas antes, durante e depois

CÍRCULO DO LIVRO
CIRCULO DO LIVRO S.A.
Caixa postal 7413
01051 São Paulo, Brasil

Edição integral
Título do original :"L'arte di separarsi"
Copyright © 1984 Armando Armando Editore
Tradução: Raffaella de Filippis
Capa: Moema Cavalcanti

Licença editorial para o Círculo do Livro


por cortesia da Editora Nova Fronteira S.A.,
mediante acordo com Armando Armando S.r.I.

Venda permitida apenas aos sócios do Círculo

Composto pela Linoart Ltda.


Impresso e encadernado pelo Círculo do Livro S.A.

2 4 6 8 10 9 7 5 3 1

89 91 92 90 88
Sumário

Prefácio de Laura Remiddi, 9


Introdução, 17

1. Pensar em separar-se, 19
Motivações sociais e individuais da separação (Premis-
sa — Antigamente — Fatores desagregantes internos ao
casal — Fatores desagregantes externos ao casal), 21
O vínculo emotivo do apego (As origens do apego —
O apego no casal — O ponto de vista sociológico), 28
Decidir não é fácil (Sofrimento — Primeiros sintomas
-- Resistências), 31

2. Depois da decisão, 37
Os estados de espírito subseqüentes (Uma eventual re-
conciliação — Os resíduos do apego — As reações dos
outros — As reações emotivas imediatas — O estado
interior — O tempo e a memória — Ciúme e posse —
O estado interior em relação ao ambiente externo
— Com os amigos — Entre familiares — Compensa-
ções — Considerações), 39
A separação: fracasso ou experiência de vida (O concei-
to de punição — Uma experiência de vida), 54
A consciência necessária para uma recuperação afetiva
(Necessidade de um olhar retrospectivo lúcido — Co-
locar-se no presente para olhar o futuro — Um com-
portamento afirmativo), 58

5
O problema da solidão (O fantasma da solidão — A so-
lidão da separação — Alguma coisa para se aprender
— Na prática), 64

3. Encaminhar-se na nova realidade, 71


Reorganização da vida cotidiana (Novas dimensões de
vida — Na nova ou na antiga moradia), 73
O risco de repetir a própria trajetória (A fuga de si
mesmo — Saber o que se quer — Pedir ajuda — A
fuga dos outros), 76
A volta à vida social (Velhos conhecidos e antigas ami-
zades — O passado se manifesta — Novos encontros
— A sexualidade dos separados), 85

4. Futuro próximo, 95
Desenvolvimento criativo do próprio potencial (Viver
plenamente — Algumas sugestões), 97
Antes de amar novamente (As inclinações pessoais —
A vivência da infância — Antes de um novo relacio-
namento definitivo — Conclusões), 100
A escolha de um estilo de vida (O multiplicar-se dos
estilos de vida — A opção de viver sozinho — Outras
opções), 106

5. Os filhos de pais separados, 111


As preocupações dos pais (Premissa — Permanecer jun-
tos para o bem dos filhos — Os vários condicionamen-
tos culturais — Um esclarecimento importante — Os
sentimentos de culpa), 114
Como e quando informar os filhos (Preliminares —
"Eles são muito pequenos para entender!" — A idade
certa para saber — O direito de saber — O que deve
ser dito — O que é melhor evitar — As tranqüilizações
mais importantes), 123
As reações dos filhos (Na idade pré-escolar entre os
dois e os cinco anos — Na idade escolar dos seis aos
doze anos — Os adolescentes dos doze aos dezoito

6
anos — As reações dos pais — Esquema para referên-
cia geral), 130
Pais em tempo integral e pais part-time, 140
Pais em tempo integral (Pedir ajuda — Sugestões —
Casar novamente) , 141
Pais part-time (Organizar-se — Problemas — As visi-
tas — O novo lar — Pais part-time são pais para todos
os efeitos), 147

6. Considerações finais, 155


Adenda / "sofrimento" ou "alívio" depois da sepa-
ração, 162

Apêndice, 165
Apresentação do autor na livraria Remo Croce de
Roma, 167
Proposta de pesquisa endereçada à área sociológica da
ASDI, 173
A necessidade de uma assistência orgânica psicolegal na
separação, 177
Primeiro Congresso Internacional de
Terapia da Gestalt, 183

Referências bibliográficas, 189

7
Prefácio

Já ao ler pela primeira vez o livro de Edoardo Giusti,


A arte de separar-se, considerei-o ao mesmo tempo uma feliz
idéia e um precioso guia.
Digo feliz idéia porque existe hoje uma enorme curio-
sidade sobre tudo o que diz respeito à separação conjugal.
Isso talvez por ela representar o primeiro passo e reunir em
si os aspectos psicológicos, embora não todos os efeitos jurí-
dicos, da dissolução do casamento. A separação, por causa
de sua atual freqüência, não é mais um fato isolado, parti-
cular e exclusivo de quem está pessoalmente envolvido, mas
um fenômeno social que requer uma atenção mais ampla e
extensa. Este é, portanto, um livro que nos permite com-
preender os problemas dessa aventura humana cada vez mais
comum, e que responde a uma necessidade tanto nos casos
em que a separação se apresenta como desejada liberação
de uma união infeliz, quanto naqueles em que é sofrida como
dolorosa fratura de uma família que preferiria manter-se
unida.
Considerando as muitas dificuldades de quem se vê
frente a um passo tão relevante, Edoardo Giusti, com sua
competência científica, sua experiência profissional e, prin-
cipalmente, com uma grande compreensão humana, conse-
guiu colher uma multiplicidade de situações diferentes e for-
mular uma série de reflexões e de sugestões que levam à
escolha das melhores soluções, objetivamente mais válidas
e subjetivamente mais adequadas.
A exposição clara e a análise precisa dos vários aspectos
divididos em "antes", "durante" e "depois" da separação
fazem do livro um companheiro de viagem indispensável
para viver conscientemente essa importante mudança de vida.
Ao examinar, porém, esta obra com mais atenção, per-
cebi que ela representa também algo de novo e de diferente.

9
Não é apenas a resposta às curiosidades generalizadas ou às
questões específicas; ela põe também em evidência um grave
problema que, por sua vez, pede uma resposta: o da neces-
sidade, quando se enfrenta uma separação, de recorrer a
um psicólogo, sem dispensar a assistência de um advogado.
Numa situação traumática como a separação (na escala
dos fatores causadores de estresse está nos primeiríssimos lu-
gares), apresentam-se vários problemas diferentes que não
podem ser resolvidos com a simples aplicação da lei, nem so-
lucionados pelo juiz ou por um acordo entre as partes. Há a
necessidade de acompanhar a pessoa nas dúvidas, incertezas,
ânsias; de ajudá-la a enfrentar sentimentos de culpa, preo-
cupações e medos; de apontar-lhe eventuais erros de condu-
ta; de sugerir-lhe como responder a comportamentos do
companheiro.
Hoje pede-se essa ajuda ao advogado, que geralmente
não tem (e que, afinal, nem deveria ter) um conhecimento
sobre o assunto e que, portanto, poucos meios possui para
intervir de maneira correta. Assim, pode acontecer que, de
maneira completamente involuntária e talvez até inconscien-
te, se aprofundem fraturas, não se registrem mensagens im-
portantes ou não se saiba interpretar certos comportamentos,
de modo que a ação defensiva, apesar de irrepreensível no
plano jurídico e profissional, pode não surtir o efeito dese-
jado enquanto solução do problema humano.
A aplicação mecânica da norma jurídica e a solução dos
problemas objetivos com referência exclusiva ao estrito âm-
bito legal faz com que os aspectos emotivos ou sejam des-
considerados e reprimidos, ou então se expressem de forma
desordenada em ações judiciais que muitas vezes representam
não exatamente um meio de solucionar controvérsias, mas
antes a canalização de uma agressividade ou mal-estar, isto
quando não se traduzem na danosa escolha de renúncia aos
próprios direitos.
Tudo isso aumenta o estresse da separação, uma vez
que o indivíduo não encontra uma resposta adequada e com-
pleta para todas as suas exigências; só lhe são oferecidas so-
luções práticas, quando o melhor seria tentar compreender
ou ser compreendido, quando no entanto sofre e está emo-
cionalmente envolvido.
Quantos sofrimentos, com seus efeitos nocivos e dura-
douros, que muitas vezes vêm em prejuízo dos filhos, pode-
riam ser evitados se as pessoas soubessem interpretar a tem-
po os primeiros sinais de alarme de alguma coisa que não

lo
esteja funcionando bem no relacionamento, pelo menos
quando se tornam muito insistentes; compreender as resis-
tências de quem recebe a decisão do outro e, por conseguin-
te, dar-lhe tempo e espaço para aceitá-la; distinguir as pre-
varicações e as imposições injustas e conseguir controlá-las.
Para conseguir que a separação se torne menos traumá-
tica e, quando imposta pelas circunstâncias, possa ser vivida
como uma oportunidade de crescimento e amadurecimento,
é necessário oferecer uma resposta para todos os problemas
do indivíduo através de uma visão completa dos mesmos,
que pode ser obtida com uma estreita colaboração entre o
psicólogo e o advogado, ou, pelo menos, com um trabalho
de apoio psicológico acompanhando a assistência legal. Nesse
sentido deveriam atuar não só os especialistas particulares,
mas também todos os serviços sociais, a começar pelos con-
sultórios familiares.
Esta é, pois, mais uma utilidade deste livro: ele consti-
tui um guia para quem quer que, de algum modo, assista a
uma situação de separação ou nela intervenha. Advogados,
juízes, assistentes sociais e os próprios psicólogos podem en-
contrar aqui um ponto de referência válido para o desem-
penho de sua profissão.
Depois de ter enumerado tantas utilidades práticas den-
tre as qualidades do livro, gostaria de assinalar outra de
natureza diferente: o prazer de uma leitura sempre clara,
fluente e repleta de sugestões de grande interesse, através
da qual se percebe a ânsia e a grande vontade do autor de
ajudar aqueles que enfrentam esta situação tão complexa na
vida do ser humano.
Quer a separação seja vivida como perda, derrota, frus-
tração, quer como libertação de uma opressão e, portanto,
escolha de autonomia, o caráter da vida futura de cada um
dos cônjuges, e principalmente dos filhos, inevitavelmente
envolvidos, dependerá em grande parte de como foi gerido
o relacionamento humano na época do afastamento.
Edoardo Giusti nos transmite essa sua bem-fundada e
arraigada convicção, e nós estamos certos de que seu livro
será de grande ajuda nesse sentido.

Laura Remiddi
advogada
especialista em direito de família

11
Para meu filho Igor
Agradecimentos

Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer aos sepa-


rados que participaram dos seminários sobre o "período do
afastamento": sem sua experiência este livro nunca teria sido
escrito.
Devo um agradecimento especial a meus colegas Clau-
dia Montanari, Carlo Mattacchini, Maria Claudia Proietti,
junto aos quais desenvolvi os temas específicos da separação.
Outro agradecimento especial para Eleonora Martelli,
que desde o começo me ajudou na redação do livro.
Agradeço aos amigos Claudio Santarelli e Maria Rosa-
ria Tornisiello, que gentilmente se ofereceram para a corre-
ção e revisão do manuscrito.
Finalmente, um afetuoso agradecimento a minha ex-
mulher Jeanne Mariani: juntos conseguimos viver a separa-
ção de maneira criativa e construtiva.

15
Introdução

"A separação do casal pode vir a ser um


itinerário de crescimento pessoal."

Ao escrever este livro sobre o tema da separação do


casal moderno, não pretendi expor nenhuma teoria científi-
ca exaustiva sob todos os pontos de vista, nem conduzir
uma investigação sociológica sobre um fenômeno que vem
assumindo dimensões cada vez' maiores e um significado so-
cial cada vez mais amplo, e muito menos pretendi apresen-
tar os fundamentos teóricos de uma investigação psicológica
acerca desse problema todo especial da vida emotiva. Mais
modestamente, me propus colocar à disposição daqueles que
estão atravessando o difícil período da separação a minha
experiência de psicólogo, na medida em que ela se reporta
a esse tipo de problema.
Espero que este trabalho possa representar uma ajuda
válida em tal sentido. Ele se dirige principalmente às pes-
soas que estão em vias de se separar e às que já se separa-
ram, as quais muitas vezes se vêem diante de problemas para
os quais não estavam preparadas, e espero que de algum
modo ele possa também satisfazer as exigências dos profis-
sionais empenhados nas "relações de apoio" (psiquiatras,
psicólogos, assistentes sociais, etc.).
Foi minha intenção fornecer, da maneira mais exausti-
va possível, alguns esclarecimentos sobre os processos psico-
lógicos que atuam num momento caracterizado por uma in-
tensa confusão emotiva, e sugerir algumas soluções práticas
para uma retomada tranqüila da vida privada e social. Com
o propósito de obter, portanto, um instrumento prático e
manejável, julguei oportuno ater-me a um estilo simples e a
uma exposição mais empírica do que teórica.
Nos países anglo-saxões, especialmente nos Estados Uni-
dos, já existe uma vasta literatura especializada sobre os
problemas relativos ao período da separação, o que não
ocorre em países como a Itália ou o Brasil, onde pouco se

17
escreveu sobre o momento da separação e suas implicações.
Essa lacuna pode ser justificada pelo fato de que a lei do
divórcio é de adoção muito recente nesses países e, antes
disso, os casos de separação eram vividos na maioria das
vezes como lacerações da organização social, como graves
culpas que cumpria apagar ou esconder. É indubitável que
a introdução do divórcio está acelerando as profundas modi-
ficações sociais e comportamentais que já vêm atuando, de
maneira latente, há muitos anos: refiro-me à nova organi-
zação do núcleo familiar, à sua função diferente na socieda-
de, ainda mal definida e incerta entre a imagem passada e
suas prefigurações futuras, à nova e diferente distribuição
dos papéis no seu interior. Além disso, pesquisas recentes
sobre a família mostraram que no mundo ocidental o núme-
ro de separações tende a aumentar significativamente, ape-
sar da dificuldade de cadastrar todas as separações que ocor-
rem de fato, tendo em vista o fenômeno tão difundido das
convivências efetivas mas não legalizadas. Ainda assim, um
percentual cada vez mais alto de casamentos será atingido
pelas separações, mesmo que estas não resultem em divórcio.
Mesmo sabendo que cada indivíduo é único e que cada
experiência de vida nunca se repete em sua especificidade,
ainda assim é possível afirmar que existem algumas caracte-
rísticas constantes e gerais dos estados emotivos e psíqui-
cos próprios dos momentos da separação, particularmente
dolorosos e difíceis de superar. É especialmente desses esta-
dos que se ocupa este trabalho. Também procurei enrique-
cer minhas observações gerais com referências freqüentes a
situações concretas, ou seja, a experiências efetivamente vi-
vidas em casos recentes de separação a que eu dei assistên-
cia, e em seminários sobre o "período do afastamento".

18
1. Pensar em separar-se

"É melhor acender uma vela do que maldizer a es-


curidão."

Confácio
Motivações sociais e individuais da separação

Premissa
Para a perfeita compreensão das causas que levam à
necessidade de uma quebra do vínculo matrimonial, é indis-
pensável, antes de mais nada, examinarmos as motivações
do casamento ou das uniões entre duas pessoas em geral.
Se duas pessoas se casam por motivos superficiais que
poderíamos chamar de conformismo (por exemplo: "todos
casam, por isso eu também vou casar", "quando se chega a
uma certa idade, é bom casar" e por aí afora), ou por uma
espécie de apego patológico de uma à outra (por exemplo:
necessidade doentia de dependência, incapacidade de organi-
zar a própria vida com autonomia, exigência doentia de uma
"garantia" afetiva, etc.), então pode-se facilmente prever
uma união instável e pouco feliz. Para essa direção encami-
nham-se também aquelas pessoas nas quais o desejo de sair
de uma estrutura autoritária, como a família de origem, ali-
menta uma aspiração de liberdade erroneamente entendida:
o casamento como escapatória.
O constante aumento do percentual das separações deve
ser atribuído a uma certa instabilidade profundamente inse-
rida na ordem da vida moderna. Além disso, as obrigações
criadas pela promessa de viver juntos pelo resto da vida e a
responsabilidade comum de criar os filhos — responsabili-
dade essa que hoje em dia recai quase que exclusivamente
sobre o jovem casal — produzem uma profunda ansiedade,
que só se pode enfrentar com um bom equilíbrio psicoafe-
tivo. Mas esse equilíbrio pessoal nem sempre está presente
e maduro na época do casamento. No primeiro período con-

21
jugal, a aura romântica que envolve o relacionamento amo-
roso funciona como poderoso tranqüilizante. Essa aura su-
pera as dificuldades criadas pela ânsia de uma vida frenética
ou simples e cotidianamente monótona, aplaca a irritação
da descoberta de defeitos inesperados no companheiro e ge-
ralmente abranda as novidades desagradáveis que a vida
conjugal pode trazer nos primeiros tempos. No começo existe
afeto, comunicação fluida, atração sexual e, às vezes, estima
e confiança recíprocas. Um aprecia e admira o outro, ideali-
zando-o. Assim, na troca de amor e admiração, ambos expe-
rimentam a sensação de serem os únicos felizardos que vivem
em tal estado de graça; são, enfim, levados a crer que fa-
zem parte de um encaixe mágico misterioso e perfeito, como
que planejado pela providência divina. Mas, com o passar
do tempo, o período de encantamento romântico' também
passa, e emerge violentamente o outro aspecto da relação,
que nem todos estão preparados para enfrentar juntos.
É assim que se apresenta mais freqüentemente a ambi-
valência dos afetos, que domina todas as relações humanas.
O amor e o ódio, a atração e a repulsão, o afeto e a aversão
nunca podem ser separados completamente. Nós, porém, não
fomos educados para esse aspecto da vida amorosa, apesar
de vivermos todos os nossos relacionamentos, mesmo os
mais ricos e felizes, sob o signo da ambivalência; muitas
vezes, aliás, ela se transforma em fonte das mais variadas
possibilidades de crescimento e troca existencial recíproca.
Quando o indivíduo se apaixona, procura instintiva-
mente afastar qualquer imagem que possa de algum modo
perturbar o estado ideal de sua paixão. Esse desvio, ou seja,
a negação daqueles aspectos que nos perturbam ou aborre-
cem, vai contribuir mais tarde para acentuar as dificuldades
da relação e corroê-la em sua própria base: estar cego, re-
cusar-se a enxergar o que desagrada significa entrar, com

1Este não é o local adequado para fazer uma análise aprofundada das
mensagens sobre o amor que os meios de comunicação nos transmitem
insistentemente (televisão, cinema, imprensa, quadrinhos). Mas pode-
se afirmar com segurança que os valores tradicionais típicos do perío-
do que se segue ao da grande paixão (por exemplo, a fidelidade e o
sacrifício em nome dos filhos e da família) quase não são mais reco-
nhecidos como tais: eles perderam a função de modelos ideológicos
que reforçam a instituição familiar. Ao invés disso, nos é apresentada
de maneira sedutora toda a variedade das experiências existenciais, a
intensidade das paixões, as relações fáceis e a impaciência que as ca-
racteriza.

22
o passar do tempo, num mecanismo de envolvimento auto-
destrutivo.
Quando o casamento é considerado a meta de chegada
de toda uma série de dificuldades, espera-se dele um final
de contos de fada do tipo "e viveram felizes para sempre".
Mas a visão de que o casamento é esperado e vivido da mes-
ma forma que se espera acertar na loteria para resolver todos
os problemas é completamente infundada. Ninguém pode
deixar de levar para o casamento os próprios problemas e
as próprias limitações. Pelo contrário, existe uma grande
probabilidade de que as dificuldades pessoais se multipli-
quem em vez de desaparecerem ou, pelo menos, de se des-
vanecerem sob a luz que emana da nova felicidade consegui-
da: uma vez que cada um tem a própria carga de problemas
somada à do companheiro, ao invés de uma subtração, re-
sulta disso uma soma de dificuldades.
A confiança na felicidade perfeita e duradoura encon-
tra-se mais profundamente arraigada naqueles que não foram
capazes de viver uma vida plena fora do casamento. Ela
persiste tenazmente, além de qualquer prova concreta, mes-
mo quando o indivíduo se dá conta de jamais ter encontrado
alguém em tal estado de felicidade permanente. Esse estado
existe, quase alimentando uma ilusão, em alguns romances,
em alguns filmes e no "ouvi dizer", mas ninguém pode afir-
mar que conhece a pessoa que possui a fórmula da felicida-
de. Essa felicidade, aliás, mais do que um mito almejado,
transformou-se hoje numa modalidade do "ter que ser" so-
cial, que nos é proposta e imposta sem descanso das mais
variadas formas (publicidade, novelas, etc.).
Fixar para si mesmo o objetivo de ser feliz a qualquer
custo é um paradoxo que vai de encontro a toda e qualquer
consideração sensata da realidade. Se aspirar à felicidade sig-
nifica dar corpo a um impulso vital e positivo, pensar que
se pode alcançá-la de maneira permanente é uma coisa com-
pletamente diferente.
Quando chega o momento em que o casamento deixa
de ser uma fonte contínua de pleno prazer e de satisfação
imediata das próprias exigências, quando se delineiam, ines-
perados, os primeiros obstáculos, o casal se vê desiludido.
Se fundamentada em fatores externos, sem a necessária
coesão interna, a união terá consideráveis dificuldades em
sobreviver. Quantos casamentos são realizados simplesmen-
te porque todos casam! É comum o casal pensar que se
casou por amor quando, na realidade, o verdadeiro motivo

23
oculto por detrás de sua união matrimonial era o desejo de
fazer uma coisa socialmente aceita. E quantas vezes o verda-
deiro motivo vem à tona tarde demais!
Outras pessoas, ao contrário, intensamente apaixona-
das, ansiosas por viver uma união o mais completa possível,
mas temerosas de ver mudar seu estado de paixão ideal, de-
sejosas de compartilhar até a menor das experiências, aca-
bam, assim, ficando todo o tempo juntas. A liberdade inte-
rior, necessária a qualquer equilíbrio pessoal, começa a sofrer
com isso. Surgem os primeiros rancores, as primeiras inquie-
tações.
De qualquer maneira, quando o casal percebe (se por-
ventura vier a fazê-lo) as mudanças que ocorreram, as situa-
ções absurdas que se criaram, a separação torna-se muitas
vezes inevitável. Uma vez que hoje o casamento não mais é
necessário à sobrevivência como antigamente, todos esses
fatos fazem com que, na primeira crise, o casal pense ime-
diatamente em separar-se.

Antigamente
Até alguns anos atrás, as causas que provocavam a dis-
solução do casamento (a qual podia ficar só a nível de des-
quite) eram atribuídas principalmente a um dos cônjuges.
Entre as causas de desquite estavam registrados abandonos
do teto matrimonial, adultérios, alcoolismo, brutalidade e
violências físicas, enquanto as separações amigáveis eram
pouquíssimas. Geralmente a alternativa para a separação,
considerada um remédio extremo para um mal irremediável,
era a de agüentar passivamente uma situação intolerável na
vida conjugal.
Esse estado de coisas dependia de muitos fatores, entre
os quais são certamente relevantes os seguintes:
a. a condição de separado era fortemente condenada tanto
pela Igreja como pela sociedade (uma pessoa separada, prin-
cipalmente uma mulher, era sempre tachada de pouco con-
fiável, pouco séria e desonrada);
b. uma pessoa separada não tinha reais possibilidades de
construir com serenidade uma nova vida afetiva que fosse
legalmente reconhecida.
Hoje em dia, graças ao divórcio, esse fenômeno é mais
aceito em todos os níveis, as motivações tendem a ser
mais articuladas, e as separações amigáveis, mais freqüentes.

24
Ocorre, então, que o fim de um casamento é mais ampla-
mente admitido, e a separação passa a ser a solução de um
problema, ao invés do ato final de uma situação trágica. O
atual estado de coisas indica uma maturidade crescente das
instituições civis e uma consciência de comportamento mais
difundida entre as pessoas.

Fatores desagregantes internos do casal


As razões que atualmente se alegam para obter a sepa-
ração amigável (separação por culpa de ambos ou sem culpa)
enquadram-se, na maioria dos casos, na categoria da incom-
patibilidade dos cônjuges.
Podem ser considerados suficientes para justificar o
rompimento do vínculo matrimonial os seguintes fatores:
a perda de intensidade e calor emotivos, a insatisfação se-
xual, o esmorecimento do prazer de estar juntos, a perda da
capacidade de comunicação, etc.
Muitas vezes, a inexperiência devida à juventude e à
imaturidade do casal provoca surpresas desagradáveis no
curso de sua vida em comum: os dois indivíduos percebem
que têm personalidades profundamente diferentes, com di-
vergências de interesses e de opiniões também na escolha
das atividades e das amizades. Com o passar do tempo, eles
crescem e amadurecem de modo distinto e não paralelo, so-
bretudo porque o caráter e os desejos de cada um se desen-
volvem em direções opostas. Enfim, se não existe mais um
acordo sobre a maneira de educar os filhos e de levar adian-
te a empresa familiar, qualquer acontecimento, mesmo se
irrelevante, pode vir a ser motivo de briga. Interações neu-
róticas podem ajudar a acirrar as divergências e a criar a in-
capacidade (ou a falta de vontade) de chegar a um acordo.
Além disso, não poucas vezes a infidelidade determina o fim
real de uma relação. No relacionamento com outra pessoa
diferente do próprio cônjuge, o indivíduo tenta encontrar
uma auto-realização maior do que a alcançada no casamento.
A infidelidade, assim, transforma-se em uma espécie de ca-
minho alternativo para experimentar novos momentos de
crescimento mais convenientes à sua personalidade, um
modo de conhecer melhor a si mesmo e, às vezes, de desco-
brir aspectos de sua personalidade totalmente desconheci-
dos. Porém, é difícil sentir-se satisfeito em tais relaciona-
mentos vividos às escondidas. É difícil alcançar um sentido

25
de plenitude se não há no indivíduo a capacidade de escla-
recer a própria situação conjugal, de constatar que um capí-
tulo de sua vida está concluído. A infidelidade torna-se mais
um indício de um estado de incertezas e insatisfações do que
uma alternativa real para um casamento que chegou ao fim.
Quando a consciência da situação crítica se aguça, o
casal questiona o sentido de prolongar uma relação conjugal
fundamentada em bases tão frágeis. Geralmente, a preocupa-
ção com os filhos, que são os primeiros a ressentir-se de
uma união que não deu certo, retarda uma decisão defini-
tiva. Porém é fácil, ao final das contas, perceber que viver
em um clima de tensão e de incompreensão, onde a discussão
aberta ou implícita está na ordem do dia, os prejudica mais
do que uma separação.

Fatores desagregantes externos ao casal


Além disso, os cânones morais, que antes induziam a
um comportamento regulado segundo esquemas fixos e pre-
cisos, atualmente perderam sua rigidez. O novo direito fami-
liar, que iguala os deveres e direitos dos cônjuges, e o próprio
feminismo, que conduziu uma longa batalha pela emancipa-
ção da mulher em todos os campos (em casa, no trabalho,
na sociedade, etc.), contribuíram muito para a crise dos va-
lores tradicionais, provocando um certo desequilíbrio dos
modelos estabelecidos.
A fidelidade não é mais um valor absoluto, mas sim
relativo à situação do casal (o adultério não é mais um crime
punível por lei); a mulher não tem mais um papel determi-
nado a priori, mas descobre que pode escolher entre a vida
de dona-de-casa e a carreira profissional, entre a maternida-
de ou não. O fato relevante de que grande parte das mu-
lheres trabalham e alcançaram certo grau de independência
econômica (ou mesmo o fato de proporem-se esse objetivo)
também criou no casal uma dinâmica e uma tendência à auto-
nomia desconhecidas até há algumas décadas atrás. Amplia-
se, cada vez mais, a gama de opções, produzindo um novo
tipo de liberdade, a liberdade de mudar. Mudam-se os pon-
tos de vista, as opiniões, o tipo de vida, etc. Trata-se de uma
mobilidade em todos os sentidos e em todos os campos que
muitas vezes elimina uma possibilidade real de se manterem
raízes sólidas.
Está desaparecendo também a condenação unânime que

26
recaía sobre as pessoas separadas, que já não são tachadas
de pouco confiáveis. Hoje vivemos um momento que eu po-
deria chamar de "experimentação do casal", no sentido de
que começar uma vida matrimonial não significa ter de per-
correr um caminho já traçado, de forma solene e autoritá-
ria, pela tradição, mas antes percorrer uma senda na qual
cada um busca novos equilíbrios e novas maneiras de ser.
A própria Igreja, em sua facção mais progressista, é favorá-
vel a uma concepção mais dinâmica da vida familiar. Enfim
caíram as insuperáveis barreiras legais que se erguiam diante
de nós, impedindo uma revisão crítica de opções passadas.
Hoje errar é permitido, e ter errado não significa mais ter
de jogar fora a própria vida.
Muitos fatores de âmbito social contribuíram para de-
terminar essa maior tolerância no modo de vida ocidental.
Não é este o lugar para examiná-los detalhadamente; aqui
me limitarei a fazer alguns comentários sobre o que nos in-
teressa.
Nos últimos quarenta anos, as sociedades ocidentais,
de um modo geral, seguindo o modelo das sociedades euro-
péias mais avançadas, passaram por uma transformação cuja
rapidez não tem precedentes na história do mundo. Essa
rápida transformação implicou uma certa dificuldade de
adaptação que inevitavelmente se segue às mudanças. Como
conseqüência de uma intensa industrialização, que levou ao
despovoamento do campo devido ao contínuo êxodo para as
cidades, muitos países sofreram um acelerado processo de
industrialização. Dentre as inúmeras conseqüências resultan-
tes desse processo, é igualmente importante a fragmentação
da velha organização familiar de tipo patriarcal (rígida hie-
rarquia centralizada). Não existe mais um núcleo central ao
redor do qual se organizavam, à medida que se constituíam,
as jovens famílias dos filhos e dos netos. Desse extenso con-
junto de pessoas ligadas por regras de comportamento e
papéis preestabelecidos, além de laços de sangue, passou-se
para a família conjugal, composta somente pelos pais e pelos
filhos e independente do resto do sistema de parentesco. A
vida do indivíduo tornou-se mais independente e dinâmica;
arrancada, porém, de um contexto tão rígido quanto pro-
tetor, ela se vê destituída daquela profunda relação de soli-
dariedade que ditava o papel de cada um, inclusive do velho
e da criança.
A extinção da família patriarcal deixou um vazio que
ainda não foi satisfatoriamente preenchido pela organização

27
social, a quem agora compete essa função. Até agora, a so-
ciedade preocupou-se sobretudo em tornar o mais possível
funcionais os serviços relativos às pessoas produtivas, des-
cuidando, assim, das outras. Aquilo de que antes se ocupava
a grande família, sem que se produzissem desequilíbrios e
fissuras çm sua estrutura, está atualmente nas mãos dos in-
divíduos. Somos mais livres, mas o estresse que o exercício
dessa liberdade nos impõe é extremamente fatigante.

O vínculo emotivo do apego

As origens do apego
Quando a criança nasce, ela se encontra, para poder so-
breviver, em um estado de total dependência do outro, e
durante toda a infância o outro é representado pela mãe,
da qual ela obtém a satisfação de todas as suas necessidades.
A mãe alimenta a criança, dá-lhe banho, acalma-a e é fonte
incessante de calor afetivo, absolutamente necessário para
aquela sensação de segurança que é fundamental para um
crescimento saudável e tranqüilo. A mãe, provedora de tudo
isso, é a figura primária de apego; é com ela, de fato, que se
instaura uma relação psicoafetiva primordial e privilegiada.
A literatura psicanalítica ocupou-se extensivamente
desse primeiro estágio da vida humana, uma vez que a ele
se atribui uma importância básica na formação da psique de
cada indivíduo.
De fato, os psicanalistas salientam que é necessário re-
montar à infância para encontrar todas as causas e as matri-
zes do comportamento futuro. A relação de apego à mãe, o
modo como ela se desenvolve, constitui a matriz primária,
o modelo ao qual toda a vida futura, consciente ou incons-
cientemente, se referirá.
Sabemos que a ausência da figura materna ou de seu
substituto sempre cria ansiedade e mau humor notáveis
na criança pequena, e também não ignoramos que, à medi-

1 Na ausência da mãe a figura de apego é representada por aquele que


mais fornece à criança um suporte afetivo contínuo e seguro: o pai,
os avós, etc.

28
da que ela vai crescendo, consegue suportar melhor uma
separação momentânea da figura de apego, já que a experiên-
cia lhe ensinou que uma ausência momentânea não significa
abandono, e que, se a mãe se vai por um instante, é para
mais tarde reaparecer.
No período que se segue à infância, ou seja, na adoles-
cência, o horizonte emotivo se alarga e a necessidade de
apego se transfere, parcialmente, do interior da família para
o exterior, dos pais para o(a) amigo(a) preferido(a) ou uma
turma de amigos. Os pais, porém, continuam a ser fi-
guras importantes que garantem um território de amor
e segurança. Dessa segurança afetiva que o adolescente
"deixa" para trás, mas que na verdade traz dentro de si,
depende sua real possibilidade de dar adequadamente os pri-
meiros passos em direção à própria autonomia. Vez por
outra, passa por separações momentâneas dos pais, e sai em
busca do desenvolvimento de uma personalidade própria.
Durante um bom tempo, é importante e mesmo necessário
que os pais estejam sempre afetivamente acessíveis e dis-
poníveis, pois a dependência deles não é mais total como
antes, mas persiste até que todas as etapas essenciais do
crescimento sejam superadas, segundo modalidades e gradua-
ções que variam de pessoa a pessoa.
No início da idade adulta e durante a passagem da ado-
lescência para esta verifica-se que a atenção se volta mais ra-
dicalmente para o exterior, numa substituição quase defini-
tiva do objeto de apego. Este passa a se identificar com a
pessoa que represente a possibilidade de satisfazer as pró-
prias necessidades afetivas e sexuais, e com a qual eventual-
mente também seja possível partilhar um momento poste-
rior de crescimento e de desenvolvimento em direção a uma
identidade mais definitiva.

O apego no casal
Em geral, hoje uma relação estável não se estabelece
de imediato. Antes que isso aconteça, mesmo o adulto passa
por várias relações, cujo fim sempre é doloroso. Trata-se
daquele estado emotivo provocado pela perda do objeto do
amor, quer externo (perda da pessoa amada, que nos aban-
dona), quer interno (perda do amor pela pessoa que abando-
namos). Em ambos os casos sobrevém uma sensação de falta
e de solidão, cuja intensidade varia de acordo com a inten-

29
sidade emotiva do apego. Porém, de que depende esse dolo-
roso estado emotivo? A primeira vista, poderíamos dizer
que de uma expectativa desiludida. Vejamos melhor.
Lembrando sempre que cada casal tem um tipo de for-
mação específico, uma vez que cada indivíduo tem uma his-
tória e experiências absolutamente singulares, ainda assim
pode-se dizer com segurança que existe uma base comum
sobre a qual os pares se formam. Trata-se do sentimento de
amor, isto é, aquele conjunto de premissas positivas que um
sente pelo outro.
O conjunto de premissas positivas num relacionamento
pode surgir graças à influência de diversos fatores, entre os
quais citamos:

A idealização — se o companheiro responde às próprias ne-


cessidades (emotivas, sexuais, existenciais, etc.), são projeta-
das sobre ele aquelas características do modo de ser deseja-
das para si.

A identificação — somos felizes quando nosso companheiro


está feliz e sofremos quando ele sofre. Nos ajudamos e nos
preocupamos reciprocamente, criando um sentido de soli-
dariedade que alimenta uma necessidade de dependência
mútua.

A confiança — viver junto a alguém que "se empenha" em


nos amar cria um clima de serenidade relaxada que atenua
a ansiedade que todos trazemos dentro de nós.

A complementação — o companheiro tem capacidades e


qualidades que nos faltam. Através da união com ele nos
sentimos completados.

Apenas um desses elementos, alguns deles ou todos


juntos produzem aquele vínculo que conhecemos quando
crianças e que chamo de "vínculo afetivo do apego". Trata-
se agora de uma espécie de soldagem e fusão da qual deriva
a necessidade de ficar juntos, um sentimento tal que, se o
outro de alguma forma desaparecer de nossa vida, nos senti-
remos sozinhos e perdidos.
O casamento, como resultado da união de um casal que
quer se estabilizar, garante, por assim dizer, um caráter de
permanência à figura do apego. Desse modo ele se transfor-
ma também em um meio para exorcizar o difuso medo de

30
perder o objeto do próprio apego: com o casamento, o vín-
culo afetivo é legalizado publicamente pela instituição civil
e assume a forma de um contrato estipulado com a promessa
de ser eterno.

O ponto de vista sociológico


Também do ponto de vista sociológico o casamento é
considerado em sua função de inibidor psicológico das ansie-
dades individuais e de grande ordenador social. Essa função
se desenvolve em vários planos, que, grosso modo, podemos
expor da seguinte maneira:
a. alívio do peso material da vida por meio de uma reparti-
ção dos encargos de subsistência entre os cônjuges;
b. definição social do indivíduo e, conseqüentemente, maior
definição da sua identidade pessoal;
c. criação de uma ordem social que tutele e garanta a repro-
dução da espécie.
Embora tantos elementos (especificamente psicológicos
e de ordem sociológica, aqui rapidamente listados) concor-
ram para fazer do casamento uma instituição basilar da so-
ciedade humana, ela entra cada vez mais em profunda crise.
Geralmente se rompe quando faltam os componentes do me-
canismo de apego.
Mas veremos esse período crítico mais de perto no pró-
ximo capítulo.

Decidir não é fácil

Sofrimentos
Chegar a se dar conta do fato de que a união com o
próprio cônjuge não funciona é uma trajetória íntima muito
árdua e sofrida, carregada da tentação de procurar desmenti-
dos para o próprio sentir.
Pode-se chegar à conclusão de que o próprio casamento
não funciona, ou porque nunca funcionou, ou porque atin-
giu seu fim natural. Porém, uma vez atingida uma visão
clara da crise, o caminho ainda não está terminado, e tem

31
início o período que é possivelmente o mais desgastante,
durante o qual se adia qualquer tipo de decisão.
Antes de mais nada, o indivíduo começa a sentir-se
corroído pela dúvida e pela esperança de ter interpretado
mal as coisas, apesar de seu mal-estar reiteradamente con-
firmar a exatidão das conclusões a que chegou. Todavia,
continua a adiar uma decisão definitiva, na esperança secre-
ta de que um milagre o faça voltar aos felizes tempos em
que ele era amante, esposo e companheiro de vida. Infeliz-
mente, milagres não acontecem, e quando uma união acaba,
alguns sonhos são na verdade irrealizáveis. Essas reações,
porém, são bem freqüentes e muito naturais: como deixar
de sentir saudade de um período feliz de nossa vida, de um
acordo que parecia eterno, de tantas e tantas ilusões vividas
com entusiasmo? É raro que uma união não produza um
apego que cause sofrimento quando, por um motivo qual-
quer, falta-lhe o objeto.
Quem for capaz de fazer uma interpretação da realida-
de, de si mesmo e do outro e de não perder, assim, o senti-
do da própria vida terá um instrumento válido para conter
a dor através da qual é necessário passar; quem, porém,
como muitas vezes acontece, não possui certos instrumen-
tos de "leitura" se verá sofrendo às cegas, insensata e solita-
riamente. Isso porque é difícil que o objeto perdido de um
amor possa ser substituído, mesmo por pessoas que nos são
próximas, como os pais e os amigos.

Primeiros sintomas
Se, por um lado, o indivíduo se apega a qualquer coisa
para não aceitar aquilo que já entendeu e que é obrigado a
sofrer, por outro lado vários fatos, de maior ou menor rele-
vância, insinuam-se na vida cotidiana, alterando-a de modo
às vezes tão sutil que ele não consegue perceber o instante
exato em que a mudança começou. E esses fatos lembram-
lhe insistentemente aquilo que ele quer esquecer.
As primeiras violências verbais, por exemplo, ensinam
que o velho ditado que diz "palavras são palavras" não está
tão certo assim. As palavras, na verdade, ferem como armas
afiadas e sutis que penetram até a nossa mais íntima essên-
cia. São terríveis instrumentos de violência que provocam
feridas invisíveis, mas que dificilmente cicatrizam. As pa-
lavras, muitas vezes, chegam mesmo a ter a função de sinal

32
de alarme das situações a evitar; assim se erguem as pri-
meiras barreiras.
E então, ao invés de buscar uma maneira de se relacio-
nar melhor, o casal procura evitar uma proximidade que se
tornou litigiosa, perigosa. Ficar ocupado em outro lugar que
não a própria casa transforma-se em novo hábito, e cada
oportunidade de não ficar a sós com o companheiro é rece-
bida com alívio: multiplicam-se as visitas e as saídas com
os amigos, os filmes para ver, as horas extras e os serões, as
viagens solitárias. Camas ou quartos separados, assim como
férias enfim passadas em separado, com uma nova e inespe-
rada confiança no "casamento aberto", são alguns dos de-
graus que conduzem a uma real separação, os sintomas de
um estado que, guardando-se as peculiaridades de cada caso,
se apresenta sempre sob essa forma.
Na melhor das hipóteses, os amantes se transformaram
em bons companheiros que dividem a mesma casa (a difi-
culdade em encontrar acomodação muitas vezes obriga o
casal a convivências fantásticas e cinematográficas) e que
discutem juntos com bastante clareza seu futuro como sepa-
rados. Essa é a melhor das possibilidades, uma vez que,
apesar de faltarem os componentes fundamentais de um re-
lacionamento amoroso, permanece intacto um relacionamen-
to humano que funciona como importante ponto de referên-
cia. Infelizmente trata-se de casos raríssimos e, eu diria
mesmo, quase inexplicáveis. De fato, é praticamente inevi-
tável que o período da separação seja vivido com uma
espécie de raiva misturada a tantos outros sentimentos con-
fusos e hostis à figura de apego. É instintivo, ainda que nem
sempre sensato, julgar o outro responsável pelos nossos
sofrimentos e acusá-lo de não estar mais presente como
antes. Velhos rancores e antigas incompreensões, repreensões
acompanhadas por um sentido de perturbação vêm à tona
simultaneamente e tornam a vida amarga, pesada e sem
sentido.

Resistências
Esse estado é vivido indefinidamente, como se não
houvesse saída; realmente, de um passado cheio de erros,
alguns sem dúvida inconscientes, e de um presente tão
obscuro, o futuro só pode parecer temível e ameaçador. Re-

33
trair-se na imobilidade é às vezes uma reação instintiva.
Disso resulta uma vontade de adiar qualquer decisão, uma
vontade, talvez até inconsciente, de não errar mais, de não
se mover. Muitas vezes ocorre que uma decisão definitiva
de separação seja tomada depois de muitos anos de inquie-
tude e angústia. De fato, quantos motivos se apresentem
para querer a separação, tantas outras causas de resistência
ao afastamento entram em funcionamento, e tantas outras
interrogações, dúvidas e indecisões vêm à mente. Sente-se
vontade de sair desse impasse e poder responder com segu-
rança a tantas perguntas insistentes.
Em torno dos filhos, para quem os tem, gira a maior
carga de temores e sentimentos de culpa: como é que eles
vão nos julgar? Que imagem vão guardar de nós? Que re-
percussões terá em suas vidas o trauma de nos ver separa-
dos? Como poderemos criá-los e educá-los sozinhos?
Embora o problema dos filhos seja o mais grave, na
medida em que eles são os únicos, com exceção dos cônju-
ges, que se vêem pessoalmente envolvidos em acontecimen-
tos que, além do mais, não podem controlar, é necessário
também levar-se em conta que esse é um problema que existe
sempre e apesar de tudo. Muitos casais infelizes, em nome
dos filhos, nem levam em consideração a possibilidade de
separar-se. Nesses casos, os pais recusam-se a perceber que
as crianças vêem tudo, registram tudo e sofrem principal-
mente por aquilo que lhes é imposto sem que possam com-
preender. Se os pais estão ansiosos, inquietos e insatisfeitos,
seus filhos inevitavelmente se comportarão desta forma. Sem
dúvida, ajudará muito pouco não ser capaz de responder
com serenidade às perguntas que eles fazem. Aqueles pais
que brigam, que se evitam, ou que encontraram um equilí-
brio de vida extremamente formal e frio, funcionam como
exemplo negativo, fazendo de seus filhos pessoas fechadas,
desconfiadas e inseguras.
É muito difícil expor aqui todas as causas que determi-
nam essa forte resistência à separação e, portanto, ao afas-
tamento da figura de apego. Elas são múltiplas e variadas
e, o que é pior, diferem de pessoa para pessoa. Quanto
mais se apresentam como inexprimíveis ou sem um funda-
mento razoável, mais elas ficam arraigadas na vida passada
e no sistema psicológico de cada um.
Comecei mencionando os filhos como causa de resis-
tência mais grave e consistente, na medida em que, objetiva-
mente, esse é um fato que deve ser levado em conta com

34
especial senso de responsabilidade. Porém, muitas outras
causas agem com intensidade em todos os casais, com ou
sem filhos. Nesse período geralmente infiltram-se em cada
pensamento uma profunda insegurança e o medo do desco-
nhecido, constituindo o núcleo daquele "sentir" de onde
emergem as mil e uma razões para adiar, não decidir, não
querer ver.
Ambos temem que a separação seja um capricho do
qual se arrependerão amargamente na solidão da vida futura.
Eles têm a sensação não só de jogar fora anos de vida pas-
sados em comum, como também de destruir com um só
golpe tantos projetos comuns acalentados com entusiasmo.
A quem e para que dirigiremos de novo tamanho entusias-
mo? Colocando de lado os projetos passados, parece que
vem avançando em nossa direção um vazio indefinível..
não teremos mais planos!
Um sentimento inconfessado de vergonha e de inade-
quação pelo temor de ter acabado com o próprio casamento
se estende veladamente a outros aspectos da vida: o indiví-
duo começa a ter dificuldades no pensar e no agir, fica em-
baraçado na frente dos outros, tem medo do modo como
será recebido.
O receio de errar e a sensação de ser fraco ou covarde
quando não se encontra coragem para decidir (espera-se
sempre que o outro tome a decisão) criam um estado de
contradição interna que alimenta medos de todos os tipos:
de ferir os parentes, de ficar sozinho, de não conseguir auto-
suficiência econômica, de nunca mais encontrar alguém que
goste da gente, de ser ridículo (principalmente quando se
tem uma certa idade), enfim, mil e um temores, todos apa-
rentemente justificados.
Alguns casais procuram remediar a situação de crise
com a psicoterapia individual ou de casal. Essas tentativas
confirmam mais uma vez a convicção, que alimenta todas as
inseguranças de que falamos, de que existe algo de errado
ou falho dentro de nós. Tudo isso para não ter de reconhe-
cer no próprio casamento a origem do mal-estar e das inibi-
ções que vivemos, para não ter de renunciar ao objeto de
apego. Nesses casos, não é raro acontecer que, exatamente
com essas sessões terapêuticas, se obtenha o efeito oposto
aquele esperado: em vez de elas apararem as arestas da rela-
ção matrimonial, evidenciam com a máxima clareza os pro-
blemas essenciais da crise; em vez de levarem à confirmação

35
de uma suposta doença individual, elas mostram a falência
da união, e assim o casal acaba por encontrar força e cora-
gem para chegar ao esclarecimento da situação, solucionan-
do-a definitivamente.

36
2. Depois da decisão

"Não é na maneira como uma alma se aproxima da


outra, mas na maneira como se afasta, que reconheço seu
parentesco e afinidade com a outra."

F. Nietzsche
Os estados de espírito subseqüentes

Uma eventual reconciliação


Levada a cabo a separação, após uma solução definiti-
va, surge às vezes uma súbita necessidade de reconciliar-se.
Diante do fato consumado, voltam à mente todas as razões
do vínculo do apego até então vivido e ainda não totalmen-
te rompido, e de repente esquecem-se as causas que fizeram
com que fosse impossível continuar a vivê-lo. É uma reação
freqüente ante o transtorno que sobrevém em tais momen-
tos, mesmo naquelas pessoas que se sentem finalmente liber-
tas e aliviadas: um "canto de sereia" nostálgico e perigoso
sussurra que é melhor voltar a um passado infeliz mas se-
guro do que enfrentar um futuro incerto, apesar de quase
certamente melhor. Essa voz, que prende ao passado e obri-
ga a olhar para ele com lágrimas nos olhos, atinge os pontos
fracos e desarmados do sistema emotivo (medos inconfessos,
fraquezas, pequenas obsessões e os mais variados tipos de
insegurança).
Algumas vezes realmente acontece que, depois de uma
separação saudável, o casal volte a unir-se, superando agora
o que antes era um obstáculo; todavia essa possibilidade
não constitui algo seguro no qual se pode confiar. Trata-se
principalmente de casos nos quais o período da separação
foi vivido enquanto tal até o fundo, de maneira definitiva,
ou seja, naqueles em que cada um dos cônjuges foi capaz
de realizar sozinho um trabalho fatigante de redefinição da
própria personalidade (por exemplo, conseguiu passar de pes-
soa extremamente dependente para pessoa autônoma).
A separação constitui uma quebra, um trauma interno

39
que não adianta "negar" ("vou fingir que não existe") com
medo de sofrer demais. Tomar a decisão de separar-se, po-
rém, não significa vedar para sempre qualquer possibilidade
de voltar atrás e reconciliar-se. Significa simplesmente que
por enquanto o casamento acabou e que esta é a única cer-
teza que se possui. Se não existem agora as condições para
uma vida em comum com o cônjuge, isso não exclui a
possibilidade de que venham a existir no futuro: poderiam,
por exemplo, sobrevir fatos positivos que permitissem a
reconciliação, se isso fosse realmente desejado.
Porém, viver na esperança e na expectativa passiva de
que isso aconteça é destrutivo. Conheço casais que, uma vez
separados, não conseguindo- reagir positivamente ao choque
provocado pela separação, puseram-se a esperar e a desejar
uma mudança, impedindo-se, quase como para punir-se, qual-
quer possibilidade de uma vida nova e diferente e também
de uma volta feliz para o ex-cônjuge. Enfim, tão logo a
separação é levada a cabo, surge a tentação de considerá-la
um momento de passagem ou um parêntese doloroso, quan-
do, ao contrário, é essencial viver esse momento como uma
verdadeira separação (completa e definitiva), a fim de que
ela possa vir a ser um fato existencialmente válido e provei-
toso, qualquer que seja seu desdobramento futuro.

Os resíduos do apego
Por que acontece tudo isso? Realmente, pode parecer
um contra-senso, na medida em que a separação constitui a
tão desejada solução para um problema que não poderia ser
resolvido de outra forma. Não deveria, então, ser vivida
com uma sensação de alívio? E se, em lugar do alívio, mui-
tas vezes o que se sente é uma penosa opressão? Será que
isso indica que houve um engano? Senão, por que essa ne-
cessidade de voltar atrás mesmo depois do ato legal, alcan-
çado com tanto sofrimento e temor? O fato é que a decreta-
ção do desquite (ou, quando se trata de simples convivên-
cia, uma decisão posta em prática) sanciona a suspensão de
uma relação conjugal, mas não termina de vez com suas
profundas implicações emotivas.
Ter sido casado não é mera formalidade legal; é, mais
substancialmente, um vínculo entre duas pessoas, consolida-
do pela vida em comum e pelos hábitos que dela decorrem,
pelas promessas feitas e pelos acordos acertados e sofridos.

40
Sentir-se sozinho e abandonado não resulta apenas da ausên-
cia do cônjuge, mas sobretudo do fato de ele ter ido real-
mente embora, no verdadeiro sentido da palavra: "minha
outra metade foi embora", uma parte de nós mesmos que
não podemos mais considerar como tal e que estávamos acos-
tumados a sentir dentro de nós, um ponto de referência
fundamental que agora nos falta.
A separação não é só o fim de uma união material e
externa, mas também a quebra de vínculos profundos, de
"laços emotivos", sexuais e afetivos criados tanto pelo amor
como pelo ódio, pelas brigas e pelas reconciliações e por
toda uma série desses elementos. Quanto mais longa e ínti-
ma for a união, mais desolador será o momento da separa-
ção, mesmo se a intimidade for produto de sofrimentos, in-
compreensões e ofensas.

As reações dos outros


Não menos importantes são alguns elementos externos
ao casal que agem negativamente na pessoa separada. Todos
sabem, pois faz parte do patrimônio de tradições que nos é
transmitido (marcas culturais), o que se "deve" sentir num
nascimento, num casamento ou num enterro; nessas oca-
siões, todos sabem como comportar-se. A própria linguagem
providencia e vem em nosso socorro: enviamos nossas con-
gratulações, desejamos felicitações, damos parabéns ou pê-
sames. Nesses casos, todo o comportamento das pessoas está
previsto nos códigos sociais, desde a roupa a ser usada e as
palavras a serem pronunciadas até os sentimentos não ex-
pressos. Trata-se de normas que se sedimentaram em nós
através dos séculos, como patrimônio de uma cultura comum.
Como comportar-se no caso de uma separação? O que
se "deve" sentir? O roteiro para essa situação de vida ainda
não foi estabelecido. Estamos em uma posição ambígua. O
comportamento mais comum oscila entre a reprovação e a
participação piedosa, dependendo de estarmos entre paren-
tes ou amigos e do nível de tolerância que o ambiente pro-
duza. Há também a surpresa: "Minha nossa! Como foi que
isso aconteceu?" Junto com uma separação freqüentemente
vêm à tona, ao mesmo tempo e como que por mágica, todas
aquelas hipocrisias tão entranhadas na nossa vida social. Sem
saber, a pessoa separada transforma-se em objeto de compa-
rações e confrontos e torna-se alvo dos mais diversos senti-

41
mentos. Ela não pode permanecer indiferente ou passar des-
percebida pelo simples fato de ter sido obrigada a expor
publicamente aquilo que em geral fica oculto na vida fa-
miliar.
As reações dos outros são tão mais violentas quanto
mais inconscientes forem: quem pensou em separar-se sem
concretizar seus desejos por falta de coragem ou por outros
motivos sentirá uma espécie de inveja; quem, por outro
lado, está insatisfeito, reprimido ou preso a rígidas concep-
ções (por exemplo, "é melhor sacrificar-se do que procurar
uma realização plena"), só poderá condenar o separado com
acidez e recriminação; quem, enfim, já passou pela experiên-
cia de uma separação tenderá a identificar-se em tudo, com
um forte sentimento de solidariedade. O separado, então,
se transforma, sem saber, em vítima do fogo cruzado das
mais variadas reações emotivas, uma vez que o seu gesto
de ruptura atinge a todos de uma forma ou de outra, sem
que ele sequer perceba. Tudo isso provoca muitas incertezas
e muita confusão. As reações externas de aprovação ou de
condenação, de incompreensão ou de intolerância são muito
importantes e contribuem profundamente para determinar
um comportamento e um estado de espírito.
Quem se separa nunca sabe com exatidão o que lhe
reservam os familiares, os colegas de trabalho e os amigos.
Assim, seja para quem sofreu a separação, seja para
quem tomou a decisão e também para aqueles que concor-
daram com ela, a separação não é uma coisa simples. Aquele
que fica na antiga casa se sente abandonado, tendendo a
sentir-se deprimido e a fechar-se em si mesmo. Aquele que
saiu de casa no início se sente livre e eufórico, mas com
freqüência e subitamente se vê em dificuldades antes desco-
nhecidas; fica perplexo, triste, e às vezes se pega chorando
sozinho.
Esse estado de coisas, tão estressante em sua totali-
dade, por requerer grande quantidade de energia concen-
trada num único problema, torna os indivíduos mais fracos,
vulneráveis e indefesos, tanto no nível psíquico quanto no
físico.

As reações emotivas imediatas


Quase sempre a separação provoca um abalo emotivo
que, na escala das causas de estresse, vem imediatamente

42
após a morte de um parente ou o choque de ser preso, e que
pode ser considerado equivalente ao trauma causado pela
perda da única fonte de subsistência.
Depois do vínculo parental, o vínculo matrimonial é de
fato o mais profundo da vida de uma pessoa. Quando ele se
rompe, o trabalho interior necessário para recuperar o equi-
líbrio emotivo e existencial requer um grande dispêndio de
energia psíquica, e esse dispêndio freqüentemente provoca
deterioramentos físicos e nervosos, tal como ocorre durante
um luto grave.
Parece-me interessante citar aqui algumas das reações
emotivas mais imediatas que me foram relatadas por pessoas
separadas há pouco tempo, nas consultas individuais que
dou ou nos seminários para separados:

Faltas

"Falta-me o otimismo necessário para enfrentar o futuro."


"Falta-me alguém para amar, idealizar e adorar."
"Faltam-me momentos de plenitude e de abandono."
"Sinto falta da submissão a que estava acostumada; sinto
falta de um guia."
"Sinto falta da alegria compartilhada."
"Sinto falta daquela sensação de aceitação recíproca; isso
me dava segurança e sensação de estabilidade."
"Sinto falta da espera: ser esperada ou esperar alguém."

Medos

"Tenho um verdadeiro pavor de viver: medo da solidão e


medo do futuro."
"Sinto uma incerteza contínua em todas as situações."
"Estou perplexa: não tenho certeza de ter tomado a decisão
certa."
"Estou surpreso, atônito mesmo, com o fato de uma coisa
assim ter acontecido logo comigo."
"Estou sempre pensando nisso e remexo continuamente o
passado."
"Estou profundamente desiludido; agora estou sempre alerta
para evitar outras decepções."

43
Depressão-Raiva

"Sinto-me rejeitado e reprovado, e ao mesmo tempo sinto


repulsa pelos outros."
"Sinto remorsos e sentimentos de culpa, sobretudo com
relação a meus filhos e minha mulher."
"Sinto-me apreensiva."
"Todo o meu cotidiano me aborrece."
"Estou furiosa com meu `ex'."
"Irrito-me com facilidade."
"A menor contrariedade me atinge e fico logo agressivo."
"Sinto desprezo e repugnância por mim mesmo e pelos
outros."
"Estou triste e magoada."
"Não tenho interesse pelas coisas que faço, tudo me cansa."

A expressão dessas emoções delineia, em alguns aspec-


tos, aquilo que podemos chamar de "situação de luto", por
extensão e analogia com o luto pela morte real de uma pes-
soa querida.

O estado interior
De fato, tem-se a sensação de assistir a um enterro
fantasmático, sem flores nem acompanhamento, e no qual
estamos sós com nosso luto. Pouco a pouco, porém, as emo-
ções que nos mantêm estancados e impossibilitados de rea-
gir vão sendo reelaboradas e vividas de maneira mais direta
e menos dilacerante.
O fato de nunca realmente nos termos preocupado com
a eventual possibilidade de uma separação faz com que ela
nos pegue desarmados quando chega a nossa vez. Aliás, como
poderíamos prever tal eventualidade? O casamento baseia-se
por natureza em um otimismo confiante, sem o qual talvez
não pudesse existir. É óbvio que esse otimismo traído nos
deixe decepcionados e cheios de amargura. A instituição an-
cestral do casamento, que protegia a união sancionada pelo
Estado e pela Igreja, caiu, e o vínculo que ela garantia foi
quebrado.
De quem é a culpa? Os sentimentos de culpa nascem
depressa e se apegam a qualquer coisa: sentimos culpa com
relação a nós mesmos e à nossa vida, com relação aos filhos,
ao ex-cônjuge e enfim à sociedade, que, de certo modo, sem-

44
pre nos obriga a prestar contas de nossos atos. Algumas
pessoas tendem a assumir toda a carga de responsabilidades
devido a um sentimento de inferioridade e de inadequação
fixados no próprio caráter; outras, ao contrário, tendem a
fazer a operação oposta, não suportando ser responsabili-
zadas de forma alguma. Em ambos os casos, acabamos esque-
cendo que estamos sempre aos pares (são necessárias duas
pessoas para fazer um casamento, bem como para dissolvê-lo)
e que, além disso, existem muitos fatores externos que in-
teragem em um casamento ou em uma convivência (ver ca-
pítulo 1).
Ter uma visão moral do que aconteceu não deve, por-
tanto, significar deixar-se esmagar por uma condenação mo-
ralista, ainda muito difundida nos costumes de diversos
países, mas antes saber conferir um peso adequado à própria
experiência, dando-lhe uma perspectiva correta. É pouco
provável que isso seja alcançado de imediato: de fato, para
chegar a uma visão o mais objetiva possível da própria vida,
é fundamental que as primeiras reações emotivas tenham a
possibilidade de sedimentar-se com o tempo. Quanto tempo,
porém, não pode ser determinado, pois cada pessoa tem os
seus próprios problemas.
Geralmente, apesar de termos imaginado com antece-
dência os momentos que se seguem à separação, ficamos
atônitos com a extensão de nosso transtorno e confusão. Não
imaginávamos que ficaríamos tão mal!
É nesse período que voltam à tona mais decisivamente
as experiências da infância.
As pessoas que quando crianças viveram traumaticamen-
te a experiência do abandono, por exemplo, certamente en-
contrarão maiores dificuldades. Elas sentem o afastamento
com particular ansiedade: uma verdadeira angústia do aban-
dono, causada por uma fundamental insegurança afetiva, com
profundas raízes na infância. É inevitável que no novo afas-
tamento sejam confirmadas muitas razões de insegurança:
"Ninguém me ama!" é um leitmotiv que se ouve com fre-
qüência e que reflete uma convicção bem arraigada.
Por outro lado, aquelas pessoas que, ao contrário, vi-
veram uma infância gratificada pelo afeto e foram criadas
em uma atmosfera serena, encontram em sua bagagem de
vida muitos recursos para enfrentar melhor os momentos de
solidão; estas terão menos probabilidades de conhecer a ver-
dadeira angústia.
Com uma intensidade e uma ansiedade mais ou menos

45
agudas, de acordo com as características psicoafetivas de
cada um, nesse período emerge com particular insistência
o passado recente da pessoa. O casamento falido vem à tona
com toda a sua história, seja nos fatos importantes, seja nos
episódios quase esquecidos. A memória é forçada e a capa-
cidade de interpretação é continuamente chamada à ação.
Dessa releitura da própria vida conjugal nascem sentimentos
contrastantes; da saudade ao ressentimento, da frustração à
lamentação, eles se sobrepõem, se chocam, atormentam.

A saudade: parece que a melhor parte da vida já pas-


sou e que o carinho, o amor e a felicidade se acabaram para
sempre. Ela contribui para inibir qualquer impulso vital e
qualquer curiosidade, obrigando a uma perpétua reestrutura-
ção do passado. Os bons momentos vividos juntos, as saídas
com os amigos e os parentes e os hábitos adquiridos em
comum, agora inúteis, saltam vivos à memória. Os objetos
que pertenceram a ambos, terríveis testemunhas, também
impelem para trás.

A frustração: quando se refere ao passado, ela torna in-


suportável a sensação de ter desperdiçado tanto tempo, prin-
cipalmente se as esperanças e as promessas recíprocas não
foram realizadas.

O ressentimento: freqüentemente segue-se ao sentimen-


to de impotência e frustração frente ao que existiu; em geral
exprime-se como rancor pelo ex-companheiro, considerado
particularmente responsável pelo acontecido.

O tempo e a memória
As grandes variações de humor, a inquietude e a iras-
cibilidade constituem normalmente a parte visível de um
desgaste oculto.
Infelizmente, trata-se de um processo que não pode ser
interrompido com um simples ato de vontade, pois ele se
desenrola de tal forma que os pensamentos passam a domi-
nar a pessoa, e não o contrário. Eles se apoderam da mente
e da atenção segundo motivações e associações inconscientes,
mantendo-nos em seu domínio. Daí resulta um estado de
alarme contínuo. É a memória que nos desarma frente àquilo
de que gostaríamos de nos defender, pois somos obrigados

46
a lembrar. À noite, quando todas as ocupações do dia ces-
saram e não há televisão, cinema ou leitura para nos distrair,
somos obrigados a pensar e repensar o passado, a sentir bem
no íntimo a própria solidão e o vazio. Algumas pessoas pas-
sam a ter dificuldades para conciliar o sono; outras, para
dormir tranqüilamente. Os horários oscilam, mas a dimensão
do tempo também é distorcida: a angústia provinda da lem-
brança do passado se projeta no futuro, a tristeza do mo-
mento presente provoca o desejo de retrair-se e de refugiar-
se nas recordações. Assim, o presente, o momento vivido, é
geralmente ignorado.
Cada vez mais freqüentemente, porém, queremos ver
varrido de nossa vida qualquer pensamento e qualquer sen-
timento que nos liga ao ex-cônjuge, e ver definitivamente
rompido todo e qualquer vínculo. Ao mesmo tempo, come-
çamos a perceber quanta coisa ainda precisamos fazer, pen-
sar e viver antes que isso possa acontecer.
A tentativa de ser realista, voltando a atenção para as
ocupações imediatas e obrigando o pensamento a se dirigir
para novos projetos, os filhos e a organização da vida futu-
ra, constitui parte fundamental da recuperação psicoafetiva.
Para tanto, a pressão exercida pela vida cotidiana, com todas
as suas urgências pequenas mas importantes, é de grande
ajuda: os compromissos que ela impõe constituem uma
distração concreta do sentimento abstrato de vazio que in-
vade tudo.

Ciúme e posse
Esses aspectos positivos, no entanto, avançam através
de muitas dificuldades, grande parte das quais tem origem
dentro de nós. Ainda não conformados com o que aconteceu,
por exemplo, somos freqüentemente tomados por um forte
desejo de rever o companheiro e por fantasias incessantes,
como a de voltar para ele e começar tudo de novo. Durante
muito tempo permanece viva a esperança de que o outro
pense melhor e volte atrás, especialmente no caso de termos
sido abandonados. Em geral, porém, os encontros habituais
que se seguem à separação servem para confirmar a decisão
tomada, na medida em que recomeçam as brigas e renascem
as antigas incompreensões.
Apesar disso, é difícil deixar de pensar a respeito da
vida e dos atuais sentimentos do antigo companheiro: se

47
ele sente a nossa falta, se precisa de nós ou se está recons-
truindo sua própria vida. Qualquer sinal é captado com par-
ticular apreensão, e o menor indício de eventuais novas re-
lações pode dar início ao ciúme, inclusive em quem nunca
o sentiu.
O ciúme e o sentimento de posse afloram especialmente
quando se perdem todos os direitos: se antes tínhamos "o
direito de amor exclusivo" sobre uma pessoa, quando ele
cessa de existir surge uma profunda sensação de frustração
e de surda impotência.
Por um estranho mecanismo inconsciente, pode acon-
tecer, sobretudo com as pessoas particularmente inseguras,
que o sentimento de posse substitua o amor: não amamos
nem somos amados, mas queremos continuar exercendo o
"poder" que o amor outrora nos concedia. O sentimento
de posse é o que mais reforça os vínculos do apego, princi-
palmente quando este entra em crise. As vezes, ocorre que
depois da separação, ao mesmo tempo que se aguça o desejo
de possuir e de controlar o outro, começamos a perder toda a
motivação para viver e experimentamos a penosa sensação
de estar à deriva.
As implicações negativas desse sentimento complexo se
revelam também em sentido inverso, ou seja, na angústia de
não mais pertencer a alguém. A sensação de ser uma folha
ao vento, que nada e ninguém pode segurar numa situação
afetiva bem determinada, priva a pessoa do equilíbrio usual
adquirido após anos de vida em comum. Levantar-se de ma-
nhã para ir trabalhar, lavar o rosto, vestir-se, fazer a barba
ou maquiar-se tornam-se de repente gestos pesados e sem
sentido: "Para quem estou fazendo isso? Para quê? Com
que interesse?" É necessário readquirir a vontade de viver
como um indivíduo para responder simplesmente: "Eu estou
fazendo isso para mim."
Esses problemas assumem um caráter ainda mais fati-
gante para aqueles que se encontram em dificuldades eco-
nômicas. Encontrar-se em apertos financeiros a que não se
estava acostumado, (necessidade de encontrar trabalho e de
economizar em tudo, renúncia ao lazer e às férias, etc.) au-
menta o acúmulo de preocupações e de responsabilidades que
de repente somos chamados a enfrentar sozinhos, sem qual-
quer apoio. Subitamente, estamos sozinhos diante da vida.
Temos de decidir sozinhos quanto gastar, o que com-
prar, em quem podemos confiar, como mover-nos no meio
das outras pessoas e, às vezes, onde morar. As pequenas e

48
grandes responsabilidades recaem todas sobre uma só pessoa,
que antes disso tinha por hábito compartilhar todas as idéias
e todas as decisões.

O estado interior em relação ao ambiente externo


Quando anunciamos a amigos, conhecidos ou parentes
nossa separação, temos a nítida sensação de ter anunciado
a morte de alguém. Logo paira no ar aquela atmosfera de
luto que no momento domina nossa vida interior.
Para aqueles que são muito sensíveis às reações dos
outros, ser motivo de dor e objeto de desaprovação é parti-
cularmente penoso: essas pessoas aceitam com resignação o
pedido implícito que lhes é feito de explicar em minúcias as
circunstâncias que as levaram a uma decisão tão grave. Mes-
mo que se aceite (com muitas dúvidas) que, de algum modo,
uma pessoa tenha o dever de justificar-se, não se pode esque-
cer que é exatamente isso que dá corpo àquele sentimento
de culpa que persegue os que se separam, sobretudo quando
estes admitem servir de alvo às observações dos outros.
Outras pessoas, ao contrário, prestam menos atenção
às reações dos outros e estão firmemente convencidas de que
ninguém tem o direito de intrometer-se em suas vidas: elas
sentem que se trata de um fato íntimo no qual nenhum es-
tranho deve tomar parte. Mas nem um nem outro comporta-
mento pode parar "a máquina devoradora" acionada pelo
anúncio de uma separação. Todos, com maior ou menor dis-
crição, tentam dar conselhos que, na maioria das vezes, se
revelam inúteis.

Com os amigos
Muit, vezes os amigos comuns não resistem à tenta-
ção de tomar o partido de um dos cônjuges, gerando neles
sensações desagradáveis. De fato, quando uma pessoa sepa-
rada escuta alguém criticar seu ex-companheiro, sente-se im-
pelida a defendê-lo diante dos outros: no fundo, ela teme
ser ofendida ou mal interpretada. Por outro lado, quando ela
mesma é criticada ou simplesmente não vê suas razões con-
firmadas, sente-se incompreendida e desconsiderada. Mas,
afinal de contas, quem é que pode julgar um casal? Sua

49
dinâmica interna é tão complexa e delicada que nenhuma
pessoa pode avaliar bem o que se passa dentro dela.
Os consolos mais freqüentes, aqueles do tipo "Não ligue
não, você ‘erá que tudo vai dar certo e que vocês vão voltar
a viver juntos", são os mais irritantes. Isso porque não
levam em conta o sofrimento que determinou a decisão de
separar-se e o esforço contínuo que se deve exercitar sobre
si mesmo para mantê-la. Para quem se separa e sabe que
nada pode "dar certo" se ele não se conformar, voltar a viver
juntos representa uma derrota que equivale a uma condena-
ção. Voltar atrás é a solução mais temida: significa ter de
admitir que não existem outras possibilidades de vida além
daquela da dramática relação passada, depois que se teve
a prova de que não se pode nem se deve aspirar a nada
diferente. Ouvir repetidamente que se trata de uma crise
passageira dá a entender que os sofrimentos, as ansiedades
e as preocupações até então vividas foram em vão. Afinal
de contas, a pessoa separada sabe que vale a pena aceitar
o desafio.
Entre os conhecidos, em geral não falta quem "conhe-
ça" o estado de desequilíbrio emotivo que se segue à se-
paração e queira nos encorajar com um tapinha nas costas,
garantindo que, com o tempo, acabaremos por nos acostu-
mar até a isso. Mas por que, ao invés de sentir-se compreen-
dido e encorajado, o indivíduo em geral se vê acometido de
uma depressão desesperada? Quem se encontra numa situa-
ção difícil como essa deve reunir todas as suas forças e tomar
consciência de que só pode contar com elas, ao passo que
as atitudes de piedosa compreensão induzem de algum modo
à autopiedade e, portanto, a uma certa forma de despoja-
mento. Muitas pessoas se surpreendem contando indefinida-
mente e em todos os detalhes seu destino infeliz, sobretudo
com os velhos amigos, encontrando neles manifestações de
simpatia e compreensão. Raramente, porém, isso constitui
um verdadeiro alivio.

Entre familiares
Normalmente as coisas são mais complicadas entre os
familiares. Os pais, mesmo quando são pessoas reservadas
e respeitosas da vida de seus filhos, reagem sempre de ma-
neira muito marcante e freqüentemente destituída de tato;
é muito provável que nem percebam isso, na medida em que

50
tendem a fazer da situação um caso pessoal, como se eles
próprios estivessem vivendo a separação do filho ou da filha.
As vezes, ainda que deplorem a separação em si, inconscien-
temente a encorajam, já que ela expõe um novo quadro no
qual ainda poderão ter uma função, além de readquirir seu
poder sobre os filhos. Em muitos casos isso depende do
fato de que sua vida de aposentados inúteis pode de súbito
readquirir sentido (talvez o filho volte a morar com eles,
verão os netos com mais freqüência, etc.). Em geral eles
ficam enfurecidos, no verdadeiro sentido da palavra, com o
ex-genro ou a ex-nora. Pessoas de certa idade podem des-
carregar a ansiedade reativada pela situação crítica dos filhos
tratando-os como perfeitos irresponsáveis: "O que será das
crianças? O que dirão os parentes, os conhecidos, os vizi-
nhos, o chefe? Por que não pensaram nisso antes?", etc.,
enfim, todas as coisas em que a pessoa que tomou a decisão
já pensou mil vezes, procurando inclusive o estado de espí-
rito adequado para enfrentá-las da melhor maneira possível.
Mais particularmente no caso de mãe e filho, a separação
deste ativa alguns mecanismos psicológicos muito comuns,
mas nem por isso menos "perigosos". Eles consistem na
tentativa por parte da mãe de aproveitar a ocasião para reatar
o antigo vínculo com o filho e restabelecer sua influência
sobre ele. Freqüentemente ela explode por aquilo que pen-
sou ter de suportar no passado, deixando escapar exclama-
ções típicas tais como: "Eu lhe disse que ela não era pessoa
para você! Eu sabia que acabaria assim!" Com uma filha
os problemas se apresentam sob outro aspecto. Geralmente
a mãe tende a culpá-la, julgando-a incapaz de "agarrar" um
homem.
Mencionei o relacionamento com a mãe porque nor-
malmente é ela, mais do que o pai, quem se sente envolvida
em problemas desse tipo. A figura paterna, nessas circunstân-
cias, normalmente se mantém um pouco à parte.

Compensações
Gostaria de salientar, a essa altura, um fato muito im-
portante. Mesmo quando os componentes traumáticos da
separação estão maciçamente presentes, o quadro existencial
que se apresenta não é necessariamente catastrófico, como
eu o tenho pintado até agora. Existem numerosos elementos
positivos que analisarei a fundo e separadamente no pros-

51
seguimento desta exposição. Por enquanto me limitarei a
mencioná-los resumidamente.
A separação não consiste apenas no rompimento com
um passado que não se pode mais viver, ela constitui tam-
bém um impulso (ou a condição para um impulso) afirma-
tivo frente à própria vida. Mesmo quando a separação é
consensual, hoje em dia a mais freqüente, sempre há entre
os cônjuges aquele que expressou uma vontade de separar-
se maior e mais decidida e que, portanto, vive nos primeiros
tempos dessa nova situação de maneira mais positiva. Ele
sentirá de imediato uma enorme vontade de ser livre e orga-
nizar a própria vida (se não pôde fazê-lo antes), levando em
conta seus desejos profundos, talvez através do conhecimento
de novos ambientes e do estabelecimento de novas relações
afetivas.
Às vezes, no campo amoroso, pode acontecer que a car-
ga erótica de uma pessoa só alcance a plenitude e a cons-
ciência da própria potencialidade quando livre de vínculos
predeterminados, como os matrimoniais. De fato, no casa-
mento o amor e a sensualidade freqüentemente se confun-
dem com o dever (em todos os sentidos), em detrimento
de um relacionamento realmente livre e feliz.
Quando o indivíduo tem uma relação alternativa àquela
matrimonial ou pelo menos está disponível para tê-la, é nesse
período que ele pode de fato sentir-se leve e alegre, em paz
com o resto do mundo e como que livre de um peso. Todos
os vários aspectos da vida se apresentam sob uma nova pers-
pectiva, suscitando interesses e até entusiasmos inesperados.
Normalmente, quem mais desejou a separação é que
sente de imediato o fascínio da liberdade reconquistada; to-
davia, num outro ritmo interno, e com maiores dificuldades
para superar, também aquele que pensa "ter sido obrigado
a consentir" vai lentamente se abrindo para os aspectos
positivos da nova situação. Além disso, aqueles que sempre
tiveram muitos interesses e um trabalho que os mantêm
ocupados e os satisfaz se sentirão certamente melhor do que
aqueles que concentraram no casamento toda a sua razão de
ser. O trabalho e os diferentes tipos de compromisso, as
curiosidades e os interesses culturais, bem como as boas
amizades, seguem sendo válidos pontos de referência que
nada nem ninguém pode apagar, constituindo recursos ine-
xauríveis para a vida de cada um.
Por fim, ficar com os filhos também é um fator afeti-
vamente compensador de extrema importância, se bem que

52
aquele a quem eles são confiados se encontra imerso nos
mais variados problemas (ver capítulo 5), entre os quais
uma liberdade de ação e de expansão pessoal mais limitada.

Considerações
É impossível prever quanto tempo durará "o período
de luto", assim como é difícil determinar o momento em
que ele começa efetivamente. Mesmo muito tempo antes de
a separação ser decidida, por vezes já se notam no casal
claros sintomas de uma vida conjugal atrofiada, com todas
as depressões e melancolias típicas de uma situação de luto.
Outras vezes o casal só se sente "de luto" depois da decisão,
como por exemplo no caso em que os cônjuges, mesmo vi-
vendo juntos, levam vidas autônomas e independentes. O
fato é que, seja a separação a responsável pelo estado de-
pressivo acima descrito, sejam algumas formas particulares
de depressão, esse problema é geralmente insolúvel. As for-
mas de ação dos componentes do estado de luto e as condi-
ções necessárias para que este se verifique variam com a al-
ternância de situações e de pessoas.
Em todo caso, é certo que a remoção dos sentimentos
penosos contribui para prolongar, em vez de eliminar, o pe-
ríodo da crise, arrastando-o indefinidamente.
O primeiro passo consiste, portanto, em antes de mais
nada admitir o fim da relação para si mesmo, aceitando intei-
ramente os sofrimentos e a tristeza que isso implica. Como
vimos antes, trata-se de uma condição na qual estamos ne-
cessariamente sós, já que ela diz respeito apenas à própria
vida e à própria história. Nem sequer um novo compa-
nheiro pode aliviá-la ao compartilhá-la conosco. Poderá ape-
nas limitar-se a nos fazer companhia e a exercitar sua pa-
ciência nos momentos de abatimento e de mau humor.
Do ambiente externo é melhor não esperar grande
ajuda, sendo ele muitas vezes também fonte de numerosos
problemas. Gradualmente e de forma cada vez menos exaus-
tiva terá lugar uma adaptação emotiva à nova condição de
solidão, ao mesmo tempo em que crescerá no indivíduo um
desejo de uma renovação interior.
Apresentarei apenas dois exemplos banais, embora ainda
válidos e muito freqüentes, do tipo de mudanças que podem
aparecer. Uma mulher que a vida inteira fez a vontade dos
outros terá maiores oportunidades de reconhecer e de cana-

53
lizar suas energias não expressas e mal reconhecidas, tor-
nando-se mais afirmativa e mais segura. Ao contrário, um
homem que sempre se apoiou numa imagem estereotipada
de força e de dureza poderá descobrir uma maneira mais
autêntica e completa de viver, aprendendo a aceitar também
seus próprios sentimentos de pena. Ambos criarão, assim,
um bom preambulo para uma vida mais satisfatória. Em
determinado estágio da vida, para que uma renovação possa
ter lugar, é necessária uma crise profunda que atinja muitos
níveis da consciência existencial, tal como aquela causada
pela separação.
Via de regra, para poder enfrentar uma crise desse gê-
nero é indispensável encontrar-se novamente sozinho e vir-
gem no que se refere à realidade. Dizer para si mesmo "eu"
em lugar de "nós", isto é, "eu sozinho, e não com o meu
companheiro", depois dos momentos iniciais de solidão e
transtorno, elimina aquela responsabilidade relacionada com
o outro, que nos relacionamentos em crise se transforma
sempre num fator fortemente inibitório. Só assim pode rea-
lizar-se aquela espécie de "monólogo consigo mesmo", feito
de reflexões, ações e eventos vividos profundamente, que
pouco a pouco dará vida e forma aos desejos profundos até
agora não atendidos.

A separação: fracasso ou experiência de vida

Socialmente a separação vem assumindo proporções e


características de um fenômeno muito difundido. Nestes
últimos anos, a separação e o divórcio vêm sendo pratica-
dos com freqüência cada vez maior e aceitos pela opinião
pública com menos hostilidade. Estão começando a fazer
parte tanto da cultura social e moral quanto do patrimônio
institucional de toda a sociedade. É através dessa ótica que
devemos interpretar, por exemplo, o progressivo enfraqueci-
mento da idéia de vínculo eterno. Trata-se, obviamente, de
uma tendência para a qual está dirigida a renovação da insti-
tuição familiar, e não de uma mudança já plenamente rea-
lizada. Com relação a isso, vimos no capítulo precedente
quantos problemas e quais dificuldades determinadas pelo
meio a pessoa que se separa ainda tem de enfrentar. Todavia,

54
é certo que, se há alguns anos separar-se era considerado um
golpe cruel do destino, hoje, apesar de a separação ainda
ser muitas vezes vista em termos de fracasso, há uma pro-
pensão maior para avaliar esse fato como solução criativa
para um problema de outro modo insolúvel.
Nas classes médias altas, então, e nas categorias sociais
mais cultas ', já nem se trata de "tolerar perdoando" ou
de "compreender" o fenômeno da separação: ela tornou-se
uma circunstância da vida de cada um, e a pessoa separada
não mais é vista como uma desagradável exceção à regra.
Essa maneira de encarar a questão da separação e a tendência
a considerá-la um fato que diz respeito exclusivamente à vida
particular do indivíduo (e, portanto, sem relação com a
opinião pública em geral) estão atualmente se difundindo
cada vez mais, em todos os níveis sociais. Desta forma, se
eliminarão muitos daqueles fatores que sempre tornaram
especialmente difícil a condição de separado: condenação
social explícita ou não, dificuldades no trabalho e na carreira,
perda de credibilidade, etc., fardos que o separado não terá
mais de carregar e que não podem nem devem pesar sobre
seus ombros devido à sua condição de "solteiro".
Na vida cotidiana, em termos práticos, quem está se se-
parando encontrará entre os amigos, os parentes e os colegas
de trabalho pessoas já separadas ou em vias de separar-se.
Ele não será mais um indivíduo isolado e, por assim dizer,
diferente. Esse fato por si só levará à superação de muitas
das antigas dificuldades e dos lamentáveis problemas, bem
como proporcionará com freqüência bem maior momentos
de autêntica compreensão por parte dos outros.

O conceito de punição
A equação "fracasso do casamento = fracasso da vida
inteira" é um fardo que a sociedade carrega desde tempos
imemoriais. Ela pesa sobretudo sobre as mulheres, para as
quais até não muito tempo atrás (e em boa parte ainda hoje)
a vida só adquiria sentido com o casamento (papel de esposa
e de mãe). Colocar as mulheres dentro dos moldes fixados

1 Sabe-se que são as classes economicamente privilegiadas e cultural-


mente avançadas que aceitam com maior facilidade e desenvoltura
todas as novidades, adotando-as para si, e delas obtendo os maiores
benefícios.

55
por esses papéis era toda a educação que estas recebiam
desde a infância. Do mesmo modo, a educação e uma ideo-
logia profundamente arraigada faziam com que tudo isso
parecesse natural e inquestionável, tanto para as mulheres
como para os homens.
Numa sociedade predominantemente católica como a
nossa, na qual o poder religioso tem o direito incontestável
de assinalar as fases da vida de cada um desde o nascimento
até a morte (por exemplo, através dos sacramentos), mar-
cando com regras seculares todo o comportamento dos indi-
víduos, não é fácil abandonar esse modo integrado de ver
a vida.
Até pouco tempo atrás, casar-se no civil e não na Igreja
representava para a sociedade um desafio ameaçador; ainda
hoje os casais jovens têm de enfrentar a ira dos parentes
caso desejem casar-se apenas no civil. É principalmente daí
que deriva o sentimento de fracasso culposo que aparece
quando o casamento se deteriora e encontra um fim defi-
nitivo.
Na ótica do "casamento = vínculo eterno", o rompi-
mento do vínculo matrimonial só pode ser considerado como
fracasso. Quando uma sociedade é moldada com esse tipo
de ideologia (religiosa ou não), uma vez que a sociedade
sempre considera o fracasso como uma culpa, a carga desta
e o peso da punição recaem sempre sobre o indivíduo sepa-
rado. Gerações e gerações de casais cresceram ouvindo dizer
que quem se separa não é normal. Transgredir as regras do
vínculo indissolúvel significava, então, preparar-se para ex-
piar o erro das mais variadas formas.
Antes da introdução do divórcio, como já vimos, a
punição consistia, antes de mais nada, na impossibilidade
de o indivíduo reconstruir uma vida afetiva estável e legal-
mente reconhecida. Quem se separava permanecia para sem-
pre um "separado", tachado como pessoa estranha e dife-
rente, emocionalmente instável, pouco séria e pouco confiá-
vel. Eram situações impiedosas, que se tentava por todos
os modos omitir, velar e ocultar. Quem mais sofria com isso
eram os filhos, pois acabavam sentindo-se crianças diferentes
das outras; podemos perceber a gravidade desse sentimento
quando pensamos no profundo desejo das crianças de pare-
cer com os outros em tudo e por tudo (a criança ainda não
conhece o desejo de distinguir-se, ela é conformista por exce-
lência). Na escola, não eram raros os professores que con-

56
tinuamente faziam seus alunos "pagarem" pela diversidade
de seus pais. As famílias dos colegas também não ficavam
atrás, com suas perguntas indiscretas e discursos petulantes.
No fundo, quem se separava também admitia sentir-se
fracassado e culpado: a educação recebida, o exemplo da
vida dos outros e as convicções religiosas confirmavam sua
culpa. A separação, última chance, constituía a solução extre-
ma, o mal menor de uma vida infernal. Era necessário en-
contrar-se realmente numa situação de desespero para esco-
lher uma outra também tão desesperadora!
Concluindo, pode-se falar em fracasso somente com re-
lação a uma concepção baseada na eternidade do vínculo
matrimonial. Na ausência de tal concepção, a idéia de fra-
casso também cai por terra, sendo naturalmente substituída
pela da consumação natural do vínculo afetivo.

Uma experiência de vida


O conceito de fracasso e de punição torna-se totalmente
absurdo e infundado, se considerarmos a separação como
única solução de um casamento que se transformou numa
prática destrutiva. Tal conceito resulta ainda mais improce-
dente se adotarmos aquela nova ótica, que pouco a pouco
vem se impondo, segundo a qual os laços matrimoniais não
constituem necessariamente e por definição um vínculo in-
dissolúvel. O casamento pode até ser feliz e durar a vida
inteira, quando junto ao vínculo de amor existe também o de
profundo afeto, estima e respeito. Mas isso nem sempre
acontece. Aliás, pode-se honestamente afirmar que ocorre
muito raramente. Ao contrário, vêem-se com freqüência
exemplos de pseudovínculos que se arrastam tediosamente
por força do hábito ou por desconhecimento das opções.
Já que pouco a pouco está mudando a concepção do
casamento (enquanto rapidamente muda a sociedade na qual
o casal se insere), é claro que se modifica também a imagem
social do separado. O casamento e a instituição familiar não
são mais, de fato, partes essenciais da estrutura da sociedade,
e atualmente são muito menos vitais para o seu funciona-
mento do que o eram há cem anos atrás.
Assim, a nova cultura superou em grande parte a idéia
de que o separado é um desajustado e um fracassado que
deve expiar a culpa de seu próprio fracasso. Pelo contrário,
é mais provável que ele seja considerado uma pessoa honesta

57
consigo mesma e particularmente corajosa. De fato, é neces-
sário muita coragem para tomar uma decisão tão difícil e
impopular que questiona a própria vida, assim como para
encontrar a disponibilidade interior para começar tudo de
novo.
Essas considerações atualmente provocam certa admira-
ção, em lugar do habitual desapontamento, e assim acontece
mesmo de os amigos cumprimentarem a pessoa pelo duro
passo dado e não sentirem mais a necessidade de exprimir
compaixão por quem se separa.
Quem nunca passou pela experiência da separação e
tampouco sentiu essa necessidade pode se perguntar se aquela
determinada relação conjugal estava realmente em crise, a
ponto de justificar o rompimento e, em seguida, se a sepa-
ração não é "uma cura pior que a doença". Porém, o peso
e a dor que uma relação realmente acabada provoca só po-
dem ser avaliados por quem os viveu. Somente a pessoa
mesma pode avaliar em profundidade se o próprio casamento
é válido para dar uma ordem estável a toda a vida, ou se é
algo importante e fundamental, mas nada além de uma expe-
riência de vida.

A consciência necessária para uma


recuperação afetiva

Consumada a separação, na solidão e no dramático sen-


timento de perda daquele apoio que a presença do cônjuge
fornecia a cada momento, a vida matrimonial há pouco
interrompida volta à lembrança, pedindo uma compreensão
final. Onde foi o erro? De quem? Quando e como as coisas
mudaram? Por que não se pôde dar um jeito?
Antes de mais nada, percebe-se com bastante nitidez
que o casamento havia gravado em letras claras a nossa
identidade, de forma que agora nos sentimos nus e des-
providos de um caráter bem definido: o casamento nos
dizia quem éramos, o que devíamos fazer, que emoções
sentir e como se comportar em cada ocasião.
Essa "sabedoria" foi agora perdida, e a força da sau-
dade a chama de volta. As vezes, no curso de uma união

58
conjugal, algumas regras de vida eram o resultado de acordos
explícitos obtidos depois de todo tipo de discussões, brigas
e choques; outras vezes, elas se haviam estabelecido tácita
e naturalmente, numa espécie de encontro amoroso e com-
promisso harmônico; em todo caso, tinham se arraigado pro-
fundamente. Sentir-se subitamente desprovido dessa espécie
de "catálogo geral das regras de comportamento", as quais
só eram válidas quando referentes a duas pessoas casadas,
leva àquele estado de atônito desconcerto do qual já falei
outras vezes,

Necessidade de um olhar retrospectivo lúcido


Exatamente nesse estado bastante confuso e particular-
mente delicado para o equilíbrio do indivíduo é que se impõe
a necessidade de esclarecer bem para si mesmo a própria
história, com razões e respostas lúcidas. Para poder con-
tinuar vivendo com serenidade é absolutamente indispensá-
vel terminar os capítulos passados sem carregar cicatrizes
desagradáveis.
Conseguir examinar a relação passada com objetividade
e serenidade aumenta a consciência de si, dos próprios limi-
tes e das possibilidades concretas de uma pessoa, e é, ao
mesmo tempo, um salutar exercício de aproximação e solu-
ção de futuros problemas. No entanto, não é uma empresa
simples. É complicada, sobretudo para quem não tem senso
crítico e para aqueles que não estão acostumados a refletir
e analisar seu mundo emocional. Estes últimos se debatem
às cegas, querendo a todo custo encontrar um bode expiató-
rio: por isso culpam excessivamente a si próprios ou ao
ex-cônjuge, sem jamais chegar de fato à raiz dos problemas.
Às vezes acontece que os temperamentos mais dóceis
e ingênuos, mesmo depois de anos, vejam-se obrigados a
admitir que não entendem o que aconteceu, continuando
a se perguntar o que foi que não deu certo em seu casamen-
to. É muito difícil dar-se conta de que a maioria dos erros
passados eram de responsabilidade de ambos, e só a partir
dessa profunda convicção é que se pode rever os fatos do
próprio casamento de maneira realista e identificar as causas
do seu fracasso.
Para a dissolução de uma convivência podem contribuir
diversos fatores, como por exemplo a inexperiência e a ima-
turidade devidas à pouca idade ou a uma vida pregressa

59
vivida em condições de superproteção. Quantas pessoas saem
diretamente da família para a vida conjugal, sem nunca terem
passado pela experiência de enfrentar sozinhas os proble-
mas da vida? Desses fatores deriva com muita freqüência
a incapacidade de prever (e conseqüentemente aceitar) que,
inevitavelmente, a relação conjugal se modificará com o tem-
po. Essas pessoas não sabem colher e acolher o crescimento
e as mudanças do companheiro: gostariam de tê-lo igual e
idêntico a quando se casaram com ele, enquanto, ao contrá-
rio, alguns aspectos das pessoas estão destinados a modifi-
car-se, de modo que o equilíbrio a dois deve ser continua-
mente reconstruído, inclusive onde não permaneceu viva a
motivação para fazê-lo. Em todo caso, além de uma pro-
funda motivação, são necessários docilidade, compreensão
e o mesmo grau de atenção de cada um dos cônjuges para
com o outro.
É impossível que as inumeráveis responsabilidades do
fracasso de um casamento se devam apenas a uma das par-
tes. Aquele que é injustiçado, por exemplo, pode reagir de
muitas maneiras diferentes, entre as quais algumas põem
fim às prevaricações e outras as alimentam. Além disso, para
algumas pessoas de índole inquieta, cheias de recursos emo-
tivos mas também de constantes novas necessidades, de curio-
sidade pela vida e de vontade de crescer, acontece freqüen-
temente que um companheiro seja muito apropriado para um
determinado período da vida, mas negativo para o seguinte.
Isso ocorre quando o casal vive fora de sintonia, com dis-
tintos problemas e exigências. Desse modo, os cônjuges aca-
bam não tendo nada em comum e sentindo o despropósito
de uma união que fora plena e vital. Também nesses casos,
como estabelecer de quem seja a responsabilidade de um
"fracasso"? Não será objetivamente sensato afirmar que é
de ambos?
Examinar com o maior distanciamento possível a rela-
ção passada e avaliar em que medida fatores desse tipo
influíram sobre ela é fundamental. Isso porque nos momen-
tos de crise que se seguem à separação é necessário colocar-se
em condições de compreender o próprio passado e através
dele compreender a si mesmo no presente. Somente desse
modo, isto é, só começando assim, podem-se eliminar os fa-
tores que impedem uma recuperação afetiva. Citarei aqui
alguns dentre os mais significativos e difundidos:
— os resíduos da dependência do ex-cônjuge provocam vá-
rios rancores, envenenando qualquer nova experiência;

60
— a pessoa fundamentalmente independente sentirá a falta
da dependência do outro. Ela se sentirá privada de algo
a que não pode mais aspirar;
— com falta dos apoios habituais, começam a aparecer me-
canismos irracionais que descarregam recriminações doloro-
sas, principalmente para quem as faz;
— na falta de regras estabelecidas, a vida pode parecer um
imenso campo amorfo, provocando um verdadeiro medo de
viver.
Compreender que se trata de reações resultantes de re-
cíprocas interações negativas que se verificaram no decorrer
de um longo período ajudará a evitar que a pessoa se sinta
vítima ou carrasco, a passe a se recriminar e lamentar-se. De
fato, essas atitudes interiores não fazem mais que inibir todo
verdadeiro impulso e todo contato positivo com a realidade;
elas destroem antecipadamente os recursos vitais de que
todos somos ricos.

Colocar-se no presente para olhar para o futuro


Quando o indivíduo consegue viver com serenidade no
presente significa que o exame do próprio casamento co-
meçou a dar seus frutos; nesse momento é possível, ou
menos penoso, cortar os vínculos negativos que nos empur-
ram para trás e reduzir o medo do futuro.
Nossa vida cotidiana tem muitas exigências que pedem
para ser satisfeitas. Reencontrar o prazer de cumprir os de-
veres mais insignificantes é um primeiro passo muito posi-
tivo: ele representa a vitória sobre a repugnância que às
vezes nos inspiram as coisas, as pessoas e tudo o que
acontece.
A separação é uma oportunidade preciosa para fazer
com que uma pessoa evolua e melhore a qualidade de sua
vida, oportunidade essa que se pode aproveitar, repito, desde
que se acertem as contas com o passado. Mas, cuidado! Isso
não significa remover em bloco os desgostos e tentar esque-
cer a qualquer custo o que se passou. Pode parecer estranho,
mas é de grande ajuda e conforto dar à vida passada todo
o seu valor positivo (lembrar os bons momentos não pode
fazer mal, mas apenas causar melancolia) e reconhecer nela
todas as satisfações recebidas.
Essencialmente negativos são só os pensamentos que ten-
dem a tirar o sentido da vida, seja a pregressa, seja a atual.

61
A angústia nasce, de fato, da vontade de apagar (remover
ou negar) os vários aspectos da vida e de seus desejos, in-
clusive quando se trata do passado. A consciência positiva
nasce justamente do contrário, da profunda aceitação de nós
mesmos, com nossos defeitos e fraquezas. Essa consciência
leva a apropriar-nos de cada fase da vida, integrando-a a si
com tudo o que ela comporta. Os fatos e as coisas em si
nunca são negativos, e sim os sentimentos que por eles nutri-
mos. Então, ao invés de lamentar-se e recriminar-se (maneira
velada de apartar-se do que aconteceu), será mais útil debru-
çar-se nas coisas e nos problemas atuais, sem rejeitar a força
e a fragilidade que carregamos dentro de nós. Somente
sentindo prazer com a vida que estamos levando é que
poderemos olhar um pouco mais adiante, com clareza e
tranqüilidade.

Um comportamento afirmativo
O prazer de viver é muitas vezes uma conquista pessoal
e não, como muitas pessoas são levadas a pensar, um senti-
mento inato do homem. Como em qualquer outra conquista,
é necessário um esforço de autodisciplina. É verdade que
existem pessoas que estão sempre em paz consigo mesmas,
de caráter fundamentalmente otimista, para as quais um
exercício de autodisciplina (com relação aos sentimentos, às
ações, aos pensamentos) é quase supérfluo. Elas chegam
instintiva e espontaneamente àqueles estados que outras pes-
soas só alcançam com muito custo, e sentem uma alegria
natural pelos acontecimentos de sua vida, pelo contato com
os outros e pelo trabalho que realizam. Há outras, ao con-
trário, de caráter inseguro e mais pessimista, para as quais
se torna indispensável um esforço sério e contínuo para re-
frear os sentimentos negativos que as invadem. Nesse último
caso, é importante lembrar que as pessoas que têm senti-
mentos negativos não são necessariamente negativas. Não
existe uma identidade absoluta e imediata entre o sentir e o
ser. Impõe-se, porém, um esforço no sentido de liberar
todas as energias aprisionadas em esquemas pessimistas e
torná-las positivamente afirmativas.
Como é possível produzir um comportamento afirma-
tivo? É essencial evitar situações sabidamente desagradáveis
e dolorosas e, ao mesmo tempo, criar premissas para condi-

62
ções que gratifiquem as próprias necessidades. Mesmo se na
esfera sentimental ainda se sentem emoções contraditórias
com relação ao ex-companheiro, só é recomendável que eles
se vejam quando for absolutamente necessário. Isso porque
algum dia chegará o momento de parar de investigar o pró-
prio passado e, conseqüentemente, de "interrogar o outro",
a fim de confirmar a decisão tomada. Chega uma hora em
que é necessário deixar-se viver e considerar a separação um
fato irreversível. Assim, ambos deverão evitar pretextos para
rever-se e, quando isso for inevitável (filhos, questões legais
indefinidas, etc.), devem tentar não se julgar e não se agre-
dir reciprocamente.
É o momento de zelar pela própria independência, mas,
para que isso possa de fato acontecer, é necessário, antes de
mais nada, respeitar a independência do ex-cônjuge. Só quan-
do o indivíduo conseguir aceitar a plena liberdade do outro,
sem que isso cause qualquer ressentimento, é que estará em
condições de afirmar plenamente a própria vida e prescindir
do outro. Ao mesmo tempo, a afirmação da própria perso-
nalidade precisa de circunstâncias positivas, pois não basta
evitar aquelas desagradáveis.
Ter boas relações de amizade e aprender a tê-las inde-
pendentemente do sexo das pessoas é talvez um dos com-
ponentes principais de urna boa recuperação da crise emoti-
va. Aprofundarei esse assunto mais adiante (ver capítulo 3).
Por enquanto é suficiente dizer que na fase seguinte à se-
paração é em geral desaconselhável começar uma relação pro-
funda de amor, a menos que já exista a certeza de que
a relação passada não deixou lastros emotivos. Envolvendo-
se muito cedo num novo relacionamento, corre-se o risco
de levar consigo todos os resíduos da relação passada e de
estabelecer os próprios modelos negativos de comportamen-
to. É mais aconselhável dar mais tempo para si mesmo.
Muitas pessoas que passaram direto da família de origem
para a vida conjugal nunca puderam aprender a ser indi-
víduos independentes: quem nunca foi uma pessoa "soltei-
ra" é provável que sinta logo uma forte tentação de "escon-
der-se" de novo em outra relação.
Assim que o casamento é desfeito, as necessidades afe-
tivas se tornam grandes e "devoradoras"; o conforto e o
calor que uma nova relação pode oferecer se transformam
nesses momentos em um forte apelo. Todavia, embora possa
parecer paradoxal, um indivíduo só está efetivamente pronto

63
para uma relação a dois quando é capaz de enfrentar a vida
sozinho. Nessa espécie de solidão forçada que se segue à se-
paração, torna-se necessário aceitar ativa e plenamente a
própria condição e transformá-la em um período produtivo
e positivo. Também é oportuno confirmar para si mesmo,
nos momentos de hesitação, que a relação passada terminou
tanto legal quanto emocionalmente. Agora depende de nós
mesmos não permitir que o passado prevaleça sobre o pre-
sente, assim como depende sempre de nós adotar um pro-
cesso de crescimento saudável a fim de sair do obscuro túnel
do isolamento.

O problema da solidão

O fantasma da solidão
O problema da solidão hoje não atinge apenas os sepa-
rados, mas um número muito maior de pessoas, de tal forma
que ele poderia ser definido como uma doença social que se
torna mais aguda a cada dia. A solidão ataca os jovens das
grandes cidades e dos subúrbios distantes, os velhos aposen-
tados ou abrigados em asilos, as crianças abandonadas a si
mesmas, as donas de casa, etc. Estará certamente na origem
do uso de entorpecentes, do alcoolismo e da delinqüência ju-
venil. Em todo caso, trata-se de uma solidão forçada e indu-
zida por uma organização social deficiente, que provoca a
falta de uma boa qualidade de vida para todos.
Mas a marginalização social e a solidão produzem um
mal posterior e muito mais profundo através da imagem
que cotidianamente oferecem de si; a solidão transformou-se
em um fantasma assustador que vagueia por todos os lados
e que alarma a imaginação de todos, um fantasma que é ne-
cessário exorcizar de qualquer maneira e a qualquer custo.
Quanto mais se mostra a solidão dos outros, mais cresce
em todos, de forma crítica, o pavor da própria.

64
A solidão da separação
A solidão não é só um mal e um estado penoso; ela
pode também ser uma fonte benéfica de força interior '.
Vejamos o que acontece com uma pessoa que se separa
e que de súbito sente dentro de si um vazio impreenchível.
No caso do separado, o vazio interior e o agudo sentimento
de solidão são normalmente determinados por dois fatores
simultâneos: o isolamento emotivo e um parcial isolamento
social. Todavia, eles representam urna simples e momentâ-
nea fase da vida, inclusive quando tudo parece indicar o
contrário.
O isolamento social se dá por causa de uma certa ten-
dência da pessoa que se separou a perder os amigos que
tinha quando era casada. O círculo social do qual ela partici-
pava a dois se rompe aqui e ali. Para explicar esse fato
podem-se aduzir várias razões:

— Quando urna relação conjugal termina, os ex-cônjuges


tornam-se de imediato eventuais novos companheiros, in-
clusive, ou principalmente, para os conhecidos ou os amigos
mais próximos. A maneira que um separado vê os outros
e as coisas ao redor muda, assim como também muda o modo
como é recebida a sua pessoa: enquanto habitualmente uma
pessoa casada é "inofensiva", uma pessoa separada e livre
pode representar urna "ameaça". Os convites rareiam, espe-
cialmente por parte dos casais de amigos.

— A separação é um fato fortemente "polarizador", que de-


sencadeia muitas emoções nas pessoas com as quais se convi-
ve. Os amigos tendem a defender um ou outro dos cônjuges,
muito raramente os dois. Assim, perdem-se de vista muitas
pessoas que ficaram "do lado" do nosso ex.

— "Se aconteceu com você, pode acontecer comigo tam-


bém": a separação de um casal torna-se uma imagem viva

1 Em épocas passadas da nossa história e da nossa cultura, a solidão


assumiu várias funções positivas de reconhecimento social unânime e
natural. Ela não tinha ainda as terríveis conotações atuais, pelo con-
trário! O retiro espiritual, o estudo solitário e a reflexão, que renova-
vam o contato das pessoas consigo mesmas, eram considerados ele-
mentos básicos para um verdadeiro e profundo equilíbrio pessoal.
Ainda que de outras formas, esses valores podem continuar válidos
até hoje.

65
e ameaçadora para muitos casamentos ainda de pé mas tal-
vez intimamente em crise. As pessoas não gostam de ter
perto de si a imagem daquilo que temem.

— O separado é quase sempre objeto de juízos muito se-


veros, que em geral não têm nada a ver com ele em par-
ticular. Velhos amigos tornam-se de repente obstinados em
atitudes moralistas, que normalmente são alimentadas por
medos muito profundos e inconscientes. Acontece, então,
que o separado não se sente à vontade com os casais de
amigos que freqüentava antes e chega mesmo a sentir-se,
em muitas outras ocasiões, marginalizado e excluído.

Sua problemática, além do mais, não pode ser com-


preendida por aqueles que não viveram a experiência da
separação, e estes tampouco desejam compreendê-la. Essa
experiência, de fato, toma conta de toda a personalidade,
e muitas vezes a transforma, alterando certos pontos de
vista que poderíamos chamar de "culturais lato sensu". O
separado enfrenta seus problemas de um ângulo ligeiramente
diferente do anterior. Essa pequena fratura, uma maior
distância da sua vivência cultural precedente, torna-o uma
pessoa que evolui criticamente e, portanto, uma pessoa "in-
cômoda". Além disso, o fato de não ser mais parte inte-
grante do ambiente social a que estava acostumado aguça
seu sentimento de solidão. Ele se vê diante de uma árdua
tarefa: restabelecer as coordenadas culturais, sociais e emo-
tivas através das quais poderá novamente prosseguir vivendo
sem incertezas.

O isolamento emotivo. Os mesmos sintomas que surgi-


ram logo após a separação reaparecem, trazidos pela solidão
e pelo isolamento: ansiedade, tensão, insônia. Enquanto
antes o fantasma do ex-companheiro fazia sentir a persis-
tência do vínculo de apego, agora a falta de qualquer objeto
de apego cria um vazio psicológico: a vida parece sem senti-
do e nada vale a pena. Não há mais ninguém com quem
almoçar, com quem dormir, com quem trocar opiniões, com
quem observar e comentar a cada dia o crescimento das
crianças! Acostumado como se estava à presença e ao contato
com outra pessoa, agora em casa só há um pesado silêncio.
Parece não haver mais ninguém no mundo que possa com-
preender a nossa situação e com quem se possa compartilhar
os nossos pontos de vista, aspirações e projetos. Algumas

66
pessoas reagem retirando-se para a sua toca; ficam abatidas
e se sentem profundamente desencorajadas. Fogem de qual-
quer relacionamento com os outros, sentindo-se culpadas e
inaceitáveis aos olhos de todos, incapazes de mexer-se ou
de fazer qualquer coisa.
Outras, ao contrário, insistem em ficar com os outros
a qualquer custo, de modo que sempre têm companhia,
procurando cuidadosamente evitar um segundo sequer de
contato consigo mesmas. Lançadas numa fuga incessante de
si mesmas, não se permitem refletir a fundo e com calma.
Suas sensações são idênticas àquelas dos "tipos solitários",
só que reagem de maneira diferente.
Há também os "hiperativos", as pessoas eternamente
ocupadas, quer com o trabalho, quer com outros afazeres,
sempre ligadas a uma atividade qualquer que as mantenha
afastadas dos pensamentos e de sua solidão interna. Elas
organizam com antecedência todas as horas da semana, desde
a manhã até a noite, de maneira a nunca terem um momento
de trégua. Para todos, indistintamente, qualquer que seja
a reação exterior (depressão e bloqueio motor, hiperativida-
de, procura frenética de outras pessoas, etc.), a solidão que
assola depois da separação traz sempre uma sensação muito
dolorosa. A solidão constitui um sofrimento que nos alerta
sobre algo que ainda vamos aprender. Citei algumas reações
típicas e muito freqüentes, todas com um ponto em comum:
a fuga de uma realidade dolorosa. Mas esse certamente não
é o melhor modo de acabar com a perseguição!
Um grande número de pessoas sofre de solidão desde a
infância. Ela persiste durante o casamento e se agrava duran-
te e depois da separação. Se o sentimento de solidão e de
abandono representou um obstáculo à vida delas durante
anos, elas sofrerão pela separação do companheiro com uma
intensidade nunca antes conhecida. Essa característica do sis-
tema psicoafetivo multiplica e aumenta todos aqueles pro-
blemas com que os separados se deparam. O trauma da
separação, porém, poderá constituir a ocasião propícia para
enfrentar seriamente (sem fugir mais uma vez!) essa grave
limitação da personalidade.

Alguma coisa para se aprender


O sentimento da solidão provoca uma angústia incon-
trolável. "Eu não valho nada", "Ninguém pode me amar",

67
"Se alguém me ama é porque se enganou ou então porque
é pior do que eu": são pensamentos que, embora nem sem-
pre formulados com tanta clareza e consciência, estão pre-
sentes de forma inconsciente naqueles que se sentem sós.
O sentimento de solidão normalmente se combina com uma
forte autodepreciação e com uma insegurança profunda e
generalizada.
Não cabe aqui indagar do que dependem esses fenôme-
nos psíquicos, já que suas causas podem ser múltiplas, além
de variarem de acordo com a pessoa. Existe, porém, uma
circunstância comum a todos os casos, que não deve ser
esquecida: nunca se trata de uma realidade objetiva, como
se poderia deduzir a partir de sensações vividas, mas sim de
severos fantasmas julgadores que a própria pessoa criou, e
que nos momentos de crise se fortalecem e tomam posse
dela.
Acreditamos, assim, que nossa própria sobrevivência
emocional dependa exclusivamente dos outros, e não de
nós mesmos, e até quando somos amados, no fundo nunca
acreditamos nisso com confiança e naturalidade; convence-
mo-nos de que a vida não pode ter sentido se não for intei-
ramente compartilhada com alguém disposto a produzir esse
sentido, e acabamos identificando nos outros as únicas fontes
de segurança.
O traço mais característico da angústia da solidão con-
siste em nunca ter prazer em ficar a sós consigo mesmo.
E como é que isso seria possível se o indivíduo se sente tão
feio, tão mau, tão inadequado? A única reação instintiva a
essas sensações é a fuga de si mesmo, que, ao invés de elimi-
nar a angústia, alimenta-a.
De fato, essa fuga é identificada como "sem trégua, sem
fim", uma vez que se pode fugir de tudo, menos de si
mesmo. Nem todos se dão conta de estar fugindo, porque
a fuga se oculta em várias atividades aparentemente muito
necessárias.
É muito importante, porém, entender como e quando
esses mecanismos agem dentro da pessoa e, ao encontrá-los,
tomar consciência deles. No momento em que o indivíduo
se indagar "em voz alta", com zelo e honestidade intelec-
tuais, das razões pelas quais não se julga à altura da própria
aprovação, poderá constatar que essas razões não resistem
a um exame mais atento. O sentimento de inadequação
geral, de fato, surge a partir de experiências negativas e
sensações desagradáveis que se transformam em julgamentos

68
latentes da própria pessoa: em outras palavras, ele nasce
de coisas de que a pessoa não tem culpa.
Além do mais, é preciso lembrar que não existe razão
no mundo que possa tirar de alguém o direito de afirmar
com alegria o próprio viver. Essa é uma etapa inicial indis-
pensável para acabar com a angústia. Positivamente, de nada
adianta trancar-se o dia inteiro dentro de casa e fechar-se
em si mesmo, deixando que o desespero vença qualquer pen-
samento, e nem correr atrás dos negócios e das pessoas sem
uma pausa sequer. É essencial convencer-se de que ficar so-
zinho pode ter qualidades muito salutares (e agradáveis), tais
como permitir a introspecção, a reflexão e o desenvolvimen-
to do próprio Eu interior. Parar para olhar de frente aquilo
que se teme é a única maneira de pôr fim à fuga e, com ela,
à angústia da solidão. Descobriremos que a solidão (e os
pensamentos que ela traz) não passa de uma sombra maligna
que desaparece ante um olhar perscrutador.
Viver sozinho não quer dizer necessariamente viver na
solidão, nem viver na solidão significa necessariamente sen-
tir-se só.

Na prática

Podemos sentir-nos sós também no meio de uma mul-


tidão ou de um salão cheio de amigos, podemos sentir-nos
sós com o próprio companheiro ou companheira. Anton
Tchékhov chegou mesmo a dizer: "Se você teme a solidão,
não se case". No entanto, somos todos levados a identificar
a solidão física com a emocional, na medida em que todos
temos necessidade de troca e contato social. Mas se fosse
realmente verdade que a solidão física traz consigo a interior
e vice-versa, então não seria possível sentir-se sozinho entre
amigos e inteiramente satisfeito na solidão. Porém, como
já dissemos, a solidão, aquela que traz ansiedade e angústia,
nasce exclusivamente dentro da própria pessoa, quando ela
perde o contato com seu Eu interior ou quando procura
sistematicamente fugir de um problema, um desejo ou um
pensamento que a incomoda. No momento em que o contato
se restabelece e a fuga se interrompe, a angústia da solidão
desaparece e só resta uma plena capacidade de escolher e
decidir.
Certamente, durante o casamento ocorreu a todos ter
de renunciar a muitas coisas, quer por falta de tempo, quer

69
porque nosso "ex" não gostava, ou ainda por outros moti-
vos: passar um fim de semana no campo, ler aqueles livros
que ainda estão lacrados, convidar amigos para jantar, via-
jar, dedicar-se a um hobby qualquer, etc. De repente, o se-
parado tem muito mais tempo para si do que quando era
casado. No início, é claro, essa liberdade e essa disponibili-
dade de tempo provocam uma incômoda sensação de verti-
gem que leva por vezes ao imobilismo. Porém, passado o
período de adaptação, pode-se até descobrir inesperadamente
o prazer de ficar sozinho e a capacidade de organizar-se e
entusiasmar-se com as próprias atividades. Depois de um
dia na companhia dos amigos, despontará o desejo de um
momento de solidão e, inversamente, depois de um dia soli-
tário, começará a procura de um pouco de companhia, mas
sem ansiedade ou frenesi. Mais uma vez, tudo depende
de nós.
O equilíbrio pessoal nunca é algo que se obtém para
sempre. Ele é tratado, protegido, corrigido e deslocado a
toda hora. De fato, são inevitáveis os momentos de saudade
e de melancolia e, em geral, de retorno ao passado. O im-
portante é vivê-los à luz de tudo o que se conquistou e dar
ao passado o direito de existir, sem que para isso ele precise
nos destruir.

70
3. Encaminhar-se na nova
realidade

. .. e a luta cessou, na falta de combatentes."

Corneille
Reorganização da vida cotidiana

Novas dimensões de vida


O universo cotidiano no qual se encontra uma pessoa
sozinha é muito distinto daquele do casal. A duração do
dia segue um ritmo novo e o mesmo espaço ao redor pode
dilatar-se ou contrair-se. Não é mais necessário adaptar os
próprios hábitos cotidianos aos do outro. O indivíduo entra
numa dimensão desconhecida na qual, a intervalos regulares,
pode ter a impressão de mover-se no vazio. Assim que passa
a se orientar segundo novas coordenadas, porém, tem início
uma fase de sua vida onde tudo está para ser descoberto
e todas as coisas se apresentam sob uma nova ótica.
Quando o separado pára definitivamente de pensar em
um Nós e assume a própria pessoa como um EU (ou EU +
FILHos), a passagem fica cada vez mais fácil e espontânea,
e até agradável. Grande parte das energias será logo aplica-
da na resolução das "pequenas coisas" de todos os dias, as
quais terão um agradável sabor de novidade. De fato, quer
ele tenha permanecido na antiga moradia, quer tenha se
mudado, sente igualmente a necessidade de utilizar de outra
forma o espaço ao seu dispor, segundo outras exigências que
não as da vida passada. Há uma grande probabilidade de
que as necessidades antes relegadas a segundo plano voltem
à tona, agora revigoradas e ansiosas por serem satisfeitas:
um quarto só para si, um canto para ocupar-se do próprio
hobby, um horário de refeições diferente (mais rígido, mais
elástico), etc. A vida de solteiro permite aventurar-nos em
empresas nunca antes tentadas, ampliando os nossos horizon-

73
tes. Obviamente isso acontece de maneira diferente nos
homens e nas mulheres.
Uma mulher que sempre viveu em estreita dependência
dos outros (do pai, da mãe, do marido), habituada a não
fazer nada sozinha ou para si mesma, poderá um belo dia
experimentar ir ao cinema por conta própria. Poderá ver um
filme e criticá-lo como quiser, ler as notícias dos jornais sem
a influência dos comentários alheios, enfim, começar a ter
uma opinião própria acerca das coisas e dos acontecimentos
que a rodeiam, o que a levará a adquirir um forte sentido
de segurança. A mulher, com efeito, está geralmente pouco
acostumada àquela espécie de monólogo interior que cons-
titui a base de um bom relacionamento consigo mesma. Ela
é normalmente constrangida a só se fazer presente em função
dos outros (pai, mãe, marido, filhos); assim, vê-se privada
daquela disponibilidade especial necessária ao desenvolvimen-
to da personalidade.
A exigência de crescer explode em todos os níveis no
momento em que se aceita viver sozinho; ao mesmo tempo,
sente-se a necessidade de concretizar o crescimento através de
objetos e atividades práticas (isto é, cujo resultado possa ser
logo desfrutado). Por exemplo, encontrando-se na antiga casa,
poderá surgir o desejo natural de mudar seu aspecto: pintar
novamente as paredes dos quartos ou colocar papel de pa-
rede; essas e muitas outras atividades consideradas "masculi-
nas" poderão revelar-se divertidas e ser a fonte de muitas
pequenas satisfações.
Por outro lado, quantos homens viveram até a época da
separação na plena convicção de serem pessoas absolutamen-
te auto-suficientes! E quantos se darão conta, quando fica-
rem sozinhos, de como estavam longe disso! Não encontrarão
mais a roupa limpa e passada, as refeições prontas e a casa
arrumada. Tudo aquilo que antes parecia fazer parte de uma
ordem natural se revelará obra da mãe e da esposa. O casaco
jogado distraidamente em algum lugar e o sapato deixado
Deus sabe onde: agora tudo fica onde foi esquecido. A ge-
ladeira vazia, a louça suja na pia, a falta de meias limpas
e tudo o mais servem para mostrar quanta atenção, organiza-
ção e esforço diário são precisos para viver de maneira
"naturalmente" arrumada. Inicialmente essas pessoas serão
desleixadas e se sentirão deslocadas, obrigadas a admitir
amargamente que não são nem um pouco auto-suficientes.
Não é necessariamente desagradável a tarefa de saber
organizar a própria vida doméstica. Pelo contrário, ela pode

74
ser uma grata surpresa. Alguns descobrirão que cozinhar
pode ser um divertido hobby e um pretexto para divertidas
reuniões com os amigos; outros, que fazer compras pode ser
uma maneira totalmente nova de ter contato com a vida do
bairro, e que lavar e passar roupas não é assim tão cansativo,
bastando organizar-se segundo as próprias necessidades.
Assim, farão rapidamente tudo aquilo que acham chato e de-
dicarão mais tempo às ocupações que acham divertidas.
Também para as mulheres a relação com os afazeres
domésticos muda radicalmente, uma vez que não estão mais
tolhidas pelas exigências diárias do marido: a limpeza e a
ordem doméstica se transformam em escolha e estilo de
vida, e não mais em pesada obrigação. Vivendo sozinho
pode-se até optar por viver numa certa desordem pessoal,
na qual se está à vontade e da qual (finalmente!) ninguém
mais pode reclamar.

Na nova ou na antiga moradia


Com certeza o momento mais divertido é aquele dedi-
cado à decoração do novo lar ou à reorganização do antigo.
Cada um sente que desse modo está dando vazão a uma
parte de sua personalidade e seu caráter. E expressar-se é
sempre muito agradável e positivo, qualquer que seja a ma-
neira como isso ocorre. Em casa, há quem tente tornar o
mais funcionais possível todos os espaços e quem, ao contrá-
rio, guiado sobretudo pela necessidade de um ambiente deli-
cado e aconchegante, tente preenchê-los com objetos bonitos,
apesar de pouco úteis.
Já tive ocasião de dizer, a respeito dos objetos, que
aqueles que pertenceràm à vida precedente às vezes fun-
cionam como terríveis testemunhas que nos observam, a todo
instante lembrando-nos o passado. Esse testemunho patente
pode dar a algumas pessoas um tranqüilizante sentimento de
continuidade da vida, enquanto para outras, a incômoda sen-
sação de não conseguir esquecer algo que querem esquecer.
Ao contrário do que se pensa, os objetos "falam", de si, de
nós e das outras pessoas. Fazem-no com insistência, incansa-
velmente, durante todo o tempo que nós lhe concedermos.
Portanto, em alguns casos, a separação deve abranger tam-
bém os objetos, tirando-os de vista, dando-os de presente ou
colocando-os num lugar onde não possam mais exercer esse
poder (armário, mala, porão, lata de lixo, etc.).

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Uma vez que os separados geralmente atravessam uma
crise econômica, quase sempre são obrigados a procurar pre-
ços mais em conta. Remexendo e pechinchando nas lojas de
objetos usados à procura de móveis para restaurar, procuran-
do nas feiras de bairro aqueles objetos de que se necessita
urgentemente em casa, descobre-se toda uma parte da vida
da cidade que possivelmente jamais leváramos em conside-
ração. Damo-nos conta de ter amigos que conhecem "um
fulano que tem verdadeiras raridades" ou "um homenzinho
que faz uns preços excepcionais", de que existe, enfim, todo
um submundo ladeando aquele universo cintilante dos consu-
mos de massa, povoado de objetos em desuso e com o ar
vagamente familiar, os quais muitas vezes se adaptam me-
lhor do que os outros aos nossos gostos e necessidades
íntimas.
Descobre-se que muitas pessoas conhecem esses "luga-
res para compras" baratas e divertidas. Quantos conhecidos
tornam-se mais amigos apenas com a troca de bons conselhos,
ou talvez porque eles também passaram pela mesma expe-
riência e pelos mesmos problemas!
O período de adaptação durante o qual estamos imer-
sos na tentativa de resolver mil e um problemas práticos
pode desta forma tornar-se também um precioso momento
de transição, no qual estreitamos as relações com nossos co-
nhecidos e passamos a dar mais valor às amizades. Surgem
oportunidades para novos vínculos e, em geral, o separado
percebe que os pontos de contato que tem com o resto do
mundo são muito mais numerosos do que ele imaginava.

O risco de repetir a própria trajetória

Sem profundas transformações baseadas na expansão e


no enriquecimento da consciência de si, o risco de repetir
inconscientemente, nos relacionamentos futuros, os erros pas-
sados é muito grande. Como mencionei antes, o caminho que
conduz a uma boa consciência de si, ou seja, a uma visão
clara e boa da própria vida, é bastante difícil e permeado de
obstáculos. Na verdade, existem em nós muitas forças psí-
quicas que atuam procurando fazer com que tudo permaneça

76
como está, uma vez que cada um de nós é no íntimo profun-
damente conservador. As vezes torna-se difícil até esboçar
uma imagem nítida e significativa de "como eu era antes"
(quando mergulhado na realidade concreta dos detalhes), sem
a qual qualquer reflexão ou mudança será impossível.
Com o objetivo de fornecer alguns pontos de referência
que possam servir de "chaves de compreensão" de uma re-
lação que acabou, gostaria de apresentar um esquema dos
possíveis modelos de comportamento no relacionamento de
duas pessoas.

1. Relacionamento de dependência recíproca. Duas pessoas


ficam juntas porque se dão apoio recíproco. Apesar de muitas
vezes trazer uma agradável sensação, esse tipo de relaciona-
mento acaba se tornando limitante. As duas estão psicologi-
camente em uma situação de dependência: quando uma se
desloca, muda ou cresce, a outra se vê perigosamente dese-
quilibrada.

2. Relacionamento do tipo "siamês". Frases típicas: "Não


posso viver sem você. Quero viver sempre com você. Farei
tudo para que você seja feliz. Como eu gosto de ficar com
você!", etc. Muitos apaixonados começam seu relacionamen-
to assim, embora em seguida essa forma paralisante de con-
trole de um sobre o outro vá aos poucos se afrouxando,
fazendo com que sobre mais espaço para o crescimento indi-
vidual. Esse relacionamento é particularmente freqüente du-
rante a lua-de-mel de qualquer amor. Durante um determina-
do período ele pode ser muito bonito, mas quando se pro-
longa por muito tempo torna-se cansativo e pode dar a
sensação de "uma armadilha".

3. Relacionamento de adoração. "Eu o amo não pelo que


você é, mas pelo que eu acho que você seja. Tenho uma
imagem idealizada de você e desejo que você se adapte a ela."
Aquele que é idealizado assim se encontra em uma posição
muito precária, como se estivesse tentando se equilibrar no
topo de um pedestal. Tem expectativas demais para satisfa-
zer. Nesse caso, surgem fortes problemas de comunicação,
já que ela não ocorre entre duas pessoas reais, mas entre uma
pessoa e a imagem ideal de outra.

4. Relacionamento do tipo "escravo-patrão". O patrão age


de acordo com o seguinte lema: "Aqui dentro o chefe da

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família sou eu, por isso sou eu quem decide". Nem sempre
é o homem que assume esse papel; de fato, não são raros os
casos em que são as mulheres que se comportam como pa-
trões. Esse tipo de relacionamento depende do fato de um
dos dois ter uma personalidade mais forte e imperativa que
o outro, o que por si só não é negativo. Passa a ser negativo
quando o relacionamento se enrijece sobre essas posições de
maneira inflexível, e quando só um dos dois toma sempre
todas as decisões. Então, crescendo as diferenças, insinua-se
também um afastamento emocional. Geralmente um relacio-
namento do tipo "escravo-patrão" muito arraigado tende a
resolver-se em cruéis batalhas que absorvem muitas energias
preciosas. Tudo isso dificulta uma boa comunicação inter-
pessoal e a intimidade amorosa.

5. Relacionamento do tipo "pensão". Duas pessoas fazem


uma espécie de contrato, concordando em viver juntas. Com-
portamento típico: chegam em casa, sentam e vêem televisão
comendo, cada um por conta própria, e em silêncio. Não se
vê nenhuma expressão de amor, e um foge do outro. É
importante notar que também se chega a esse tipo de rela-
cionamento quando um dos dois segue em frente, muda,
cresce e amadurece, enquanto o outro só está exteriormente
envolvido nessa mudança. Muitos só se dão conta desse com-
portamento quando sua relação está para acabar.

6. Relacionamento "de vítima". Define-se assim o relacio-


namento no qual interage uma pessoa que tende a fazer-se
mártir e vítima dos outros: "Eu me sacrifico pelos outros!"
O tipo mártir procede fazendo sempre uma quantidade de
coisas pelo outro e nunca dedicando tempo a si mesmo. Mas
não devemos deixar-nos enganar pela humildade desse com-
portamento que visa inconscientemente ao poder sobre o
outro, carregando-o, através de um perverso mecanismo de
controle, de um forte sentimento de culpa. Como agir livre-
mente, talvez por estarmos nervosos, com uma pessoa que
zela tanto pela gente? O tipo mártir é muito competente
em exercer seu incansável poder sobre o próximo, dificultan-
do muito o dever de viver junto dele, na medida em que
limita a livre expressão dos desejos e do sentimento do outro.

7. O bom relacionamento. Ele se instaura somente entre


indivíduos que são capazes de cuidar de si mesmos. Esse
tipo de pessoa tem muito para dar e dividir com os outros,

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e quando se une a alguém é por livre e espontânea vontade,
como indivíduo que quer fazer outra pessoa participar de
sua vida. Aqueles que alcançaram esse grau de maturidade
pessoal podem tornar-se muito unidos e livres para viver
temporariamente até mesmo um relacionamento do tipo 2,
caminhando de mãos dadas. Isso é possível porque são capa-
zes de atuar também individualmente, tendo cada um a
própria carreira, a própria vida e os próprios amigos. A
opção de ficar juntos depende exclusivamente do sentimento
de amor de um pelo outro, e não de necessidades emocio-
nais insatisfeitas. Um relacionamento amoroso sadio dá a
ambos espaço para crescer e capacidade de realizar-se plena-
mente. Além disso, ele se transforma cada vez mais num
importante alicerce da vida de cada um.
Qual desses modelos descreve mais de perto a relação
passada? Qual era o nosso papel? Quais eram as profundas
motivações que nos forçavam a assumi-lo?

A fuga de si mesmo
O ser humano é cheio de contradições e sua natureza
é inevitavelmente composta de regiões iluminadas e regiões
escuras. Enquanto pode, ele foge do confronto total consigo
mesmo, evitando com cuidado iluminar as regiões escuras,
na medida em que isso significaria um conflito aberto com
a imagem ideal que ele mesmo construiu para sua própria
satisfação e tranqüilidade. Mas é ilusório pensar que seja
mais fácil conviver com essa imagem ideal do que com a
consciência da verdadeira natureza. Se o conflito entre como
nos representamos e o que realmente somos é grande ou
insanável, mais cedo ou mais tarde se manifestará sob a
forma de uma profunda crise. Por exemplo, aquele que numa
relação a dois se comporta como vítima pensa sinceramente
ser o bode expiatório de toda situação que se lhe apresente.
Além disso, age e interage com o outro como se o papel
da vítima fosse o único papel que ele pudesse assumir. "Eu
sofro, já decidi que é inevitável. Mas, veja bem, a culpa
é toda sua!" Enquanto as coisas ficam assim, essa pessoa
evita sistematicamente iluminar suas regiões de sombra e
desse modo evita também confessar a si mesma:

— Que sua posição é cômoda, permitindo-lhe o controle


psicológico sobre o outro.

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— Que é uma posição de fuga das responsabilidades (é mais
cômodo jogá-las nas costas do outro que assumi-las).
— Que ela deseja ter sempre à mão alguém para tiranizar,
de modo a descarregar a agressividade provocada por suas
frustrações.

Que vantagens obtém agindo dessa maneira?

a. Sente-se melhor, infinitamente melhor do que os outros.


b. Atribui a seu "forçado" papel de submissão o seu con-
fronto frustrado com a realidade.
c. Tudo o que a incomoda é automaticamente descarregado.
Atrás desse esforço e dessa maneira de agir, antieco-
nômica e mais lesiva para si do que para os outros, se
encerra um profundo egoísmo que não é aceito com fran-
queza e com o qual não se consegue conviver em paz. Assim,
ele é atribuído aos outros: o egoísmo continua protagonista,
mas não é mais sentido como próprio!
Esse é apenas um dentre os muitos exemplos possíveis
de como se pode "proceder por ilusões". Esclarecer as pró-
prias contradições em um caso desse tipo não significa de
forma alguma eliminar o que as produz (aqui, um egoísmo
desconhecido). O problema é muito mais delicado e difícil.
Vimos o que acontece quando não aceitamos nossos pró-
prios traços e características. Trata-se, efetivamente, de en-
contrar a força de espírito para aceitar-se do jeito que se
é, inclusive naqueles aspectos que não parecem nada aceitá-
veis. Em poucas palavras, trata-se de reaproximar o máximo
possível a imagem ideal da própria natureza real. Só assim
podemos vir a compreender nossas verdadeiras necessidades
e aquilo que temos condições de (ou que desejamos) ofe-
recer.

Saber o que se quer


É muito importante saber o que queremos dar aos
outros e o que efetivamente lhes pedimos. Freqüentemente,
nossos verdadeiros pedidos são diferentes daqueles que pen-
samos estar fazendo. Grande parte dos casamentos (e das
histórias de amor em geral) acaba porque um dos cônjuges
muda sem que haja uma mudança correspondente no outro,
ou porque nunca houve uma resposta satisfatória para os
verdadeiros pedidos que se fizeram.

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Poderíamos citar o exemplo de uma pessoa tão insegura
a ponto de nem reconhecer a própria insegurança, compor-
tando-se de maneira insolente e quase provocante. Suas ex-
pectativas mais íntimas são as de encontrar encorajamento,
ternura e proteção, enquanto seus pedidos aparentes e explí-
citos incluem a admiração, o amor incondicional e o debate.
Freqüentemente ocorre que as primeiras não encontrem res-
posta, ou porque o próprio companheiro não consegue deci-
frar semelhante comportamento, ou, mais simplesmente,
porque ele não é a pessoa certa para satisfazê-las. Nem todos
são a pessoa certa.
Apesar disso existe a paixão, que nunca leva em conta
essa pequena verdade, além do afeto, que é substituído pelo
hábito até que as necessidades não satisfeitas se cansem de
esperar.
Antes de procurar uma pessoa que responda às nossas
necessidades afetivas, é preciso realizar o que se quer, ainda
que isso nem sempre seja fácil. Muito tempo passou desde
o primeiro encontro com o ex-companheiro; seria natural
descobrir que nós mudamos e que mudaram nossas exigên-
cias; também pode ocorrer que percebamos de repente que
elas nunca foram satisfeitas, e que as expectativas de antiga-
mente se arraigaram ainda mais profundamente. Em todo
caso, uma nova relação deveria sempre apoiar-se em bases
diferentes daquelas da passada. De fato, ou nós mudamos, e
então é em função dessas mudanças que desejamos viver
uma nova vida afetiva, ou continuamos iguais, e então senti-
mos a exigência de encontrar alguém que finalmente respon-
da adequadamente às nossas mesmas demandas.
Um traço comum entre pessoas que se separaram é uma
maior desconfiança dos outros e de si mesmo.
"Eu tinha tanto amor, tanto frescor de vida e entusias-
mo, mas não fui capaz de transformar tudo isso em uma
relação duradoura! E ela (ele) não entendeu o que eu real-
mente desejava!" Sem contar a palavra "amor", que nós
todos usamos com tanta segurança e desembaraço, sem pen-
sar na vasta gama de afetos, sensações e comportamentos
que este determina, como é que nós manifestamos "nosso
próprio amor"? O amor não é apenas uma experiência es-
pontânea, ele é também feito de inteligência e de vontade,
coisa que muitos aparentemente desejam ignorar. Freqüen-
temente o amor é reduzido somente ao seu lado "românti-
co", instintivo e espontâneo, como se, por tratar-se de emo-
ções, tudo devesse ocorrer por si.

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Seria bom refletir sobre essa máxima de vez em quan-
do: "O pior inconveniente das relações românticas de toda
espécie é que acabam com qualquer romantismo". Quando
alguém mergulha na aura romântica de uma relação esperan-
do uma completa afinidade de ser e de sentir, mais cedo ou
mais tarde vai brutalmente de encontro à plenitude e à com-
plexidade de uma realidade que quis ignorar.
Voltemos agora à capacidade de cada um de manifestar
de maneira concreta o próprio amor. Todos querem amor e
afirmam ter amor para dar, mas o cerne da questão não
é esse.
Quem decide sobre a sorte de uma relação é a modali-
dade de relacionamento que conseguimos estabelecer. Mui-
tas vezes, passando por cima da vontade consciente, dispa-
ram, inexoráveis, os mecanismos da posse, ciúme ou vontade
de poder, e emergem desejos de segurança, dependência
(recíproca, do outro ou própria) e presença contínua. A
necessidade constante de aprovação, por exemplo, além de
trair a falta de aceitação de si, impede a pessoa de ocupar-se
realmente do outro, vendo-o nas suas necessidades mais pro-
fundas e ouvindo suas solicitações. Sem perceber, negamos
o que desejamos receber. Conseguir saber "como e o que
somos capazes de dar" contribui para redimensionarmos as
próprias pretensões, muitas vezes absurdas, e transformá-las
em expectativas razoáveis.

Pedir ajuda
Se tentarmos recapitular os vários problemas que o
separado se vê obrigado a enfrentar, teremos um quadro
muito complexo. Cada dificuldade particular deriva de (ou
influi em) outras questões de maneira interdependente, de
modo que é fácil ficar com a impressão de nunca poder con-
cluir nada.
Vejamos de novo as questões mais importantes:

— A permanência do vínculo de apego.


— A condenação social ainda presente.
— A necessidade geral de uma mudança em muitos aspectos
da vida, principalmente:
a. na reconstrução de nossos valores pessoais positivos;
b. na relação com os filhos;
c. nas próprias expectativas;

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d. nas relações sociais e interpessoais concretas;
e. na organização da vida cotidiana.

A lista certamente não se esgota com esse olhar apres-


sado, mas serve para dar uma idéia da quantidade de coisas
que se precipitam sobre o separado. O fim de um casamen-
to, sobretudo se baseado na confiante idéia do vínculo "para
sempre", não pode deixar de colocar em questão todo o
sistema de vida.
É necessário ficar sozinho? Ou é mais oportuno humil-
demente pedir ajuda? Estou convencido de que uma coisa
não exclui a outra e ambas são necessárias.
O momento da solidão, conforme vimos, não pode nem
deve ser evitado. Ninguém pode nos poupar a tristeza, a
sensação de abandono e falta que por muito tempo teremos
de sentir. Mas também ninguém pode nos privar da nova
força interior que aos poucos vamos adquirindo. Também
é vital saber pedir ajuda no momento oportuno. Abrir-se
com os outros, confrontar-se com eles sobre os problemas
que mais doem dentro de nós, trocar opiniões e conselhos
sempre é um fato positivo. É sobretudo nesse momento que
se aprecia verdadeiramente uma amizade autêntica e profun-
da, na qual seja possível encontrar apoio e ajuda. Às vezes,
porém, a amizade não basta.
Quando o indivíduo está envolto em problemas emoti-
vos cujos limites ele mesmo não consegue vislumbrar, pode-
rá ser útil a ajuda de assistentes que operem no setor psico-
lógico. Em certos casos, uma consulta desse tipo poderá
evitar o fato de encontrar-se, a longo prazo, na condição de
necessitado de ajuda perpétua. Repito: o pedido de ajuda
nunca é depreciativo quando feito com consciência; pelo
contrário, denota uma capacidade madura de avaliar as pró-
prias forças.

A fuga dos outros


Existem pessoas que têm grandes dificuldades em es-
tender a mão e pedir; qualquer que seja o motivo (do pe-
dido de amor e de afeto aos fatos mais insignificantes), elas
retraem a mão antes mesmo de estendê-la.
Nelas atuam desconfianças radicadas através dos anos,
talvez devido a desilusões ou rejeições sofridas, das quais
em geral perderam qualquer lembrança. Em seu lugar foi

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se formando uma falsa concepção de orgulho e auto-suficiên-
cia, a fim de preservá-las de posteriores desenganos.
Essa atitude não é só comportamental, mas assinala
também uma configuração psíquica bastante profunda. O
medo de ser rejeitado pelos outros ou de ficar de algum
modo decepcionado sempre indica que já houve uma recusa
de si mesmo. Voltamos sempre a esse ponto: um número
infinito de problemas surge a partir da incapacidade de
aceitarmo-nos como somos. É por isso que insistimos conti-
nuamente no fato de que a falta de consciência e aceitação
de si constitui um nó fundamental a ser desatado, caso
tenha sido efetivamente formado no sistema psicológico de
uma pessoa.
Cada um tem suas peculiaridades, sua história e seus
medos, grandes ou pequenos, mas sempre muito pessoais;
assim, muda conforme o caso o modo de vencer as descon-
fianças.
De modo geral, pode-se afirmar que a tentação de fe-
char-se, de ser completamente auto-suficiente, de "não pedir
nada a ninguém" não pode levar muito longe. Devo reafir-
mar quanto é importante, ou melhor, absolutamente vital,
ter uma riqueza de relações e oferecer-se a elas de maneira
criativa e o mais livremente possível.
No difícil e delicado período que se segue à separação,
no que diz respeito às relações interpessoais de qualquer
espécie, será oportuno dar-se tempo, não se apressar e não
se preocupar com compromissos "definitivos". Toda história
de amizade ou de amor é uma aventura em que a própria pes-
soa se explora não menos do que as outras; toda relação
humana representa sempre e de qualquer modo um atalho
que pode levar ao caminho principal para uma aceitável con-
vivência consigo mesmo.
A decepção que presenciamos em algumas pessoas (mas
não todas!) também constitui uma válida aproximação do
conhecimento de si. Ninguém disse que devemos nos dar
bem com todos; pelo contrário, muitas vezes rejeitar ou ser
rejeitado por causa de certos traços da personalidade dá um
sentido de objetividade e consistência à realidade individual.
Torna-se necessário, não só como autodefesa, mas também
como afirmação positiva da própria realidade, aprender:

— A não considerar uma rejeição sofrida como a negação


total de si e do próprio mundo.

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— A pensar que nem todos são adequados para se relacio-
narem conosco.
— A assumir cada escolha feita não como algo desesperador
e negativo, mas como parte da riqueza e da variedade da
vida.

A volta à vida social

O "luto" por que se passa no período de separação


não é ainda reconhecido socialmente. Quero dizer com isso
que esse período, apesar de possuir muitas das característi-
cas do luto, não só não encontra os apoios correspondentes
no nível social, como também é piorado por múltiplos fato-
res externos (ver também páginas 41-42). A parte velha e
imóvel da sociedade está convencida, manifestando-se a res-
peito disso com especial violência, de que o sofrimento tra-
zido pela separação é mais que merecido (toda audácia será
castigada!) e de que os separados são eles mesmos instáveis,
teimosos e "de certo modo inadequados". Essas convicções
ainda pairam um pouco em todo lugar. "Ele/a sabia o que
o/a esperava. O que queria, então? Nossa aprovação? Já
que escolheu isso, que sofra!" Seja qual for a ocasião em que
se manifeste essa maneira impiedosa de abordar os aconteci-
mentos dramáticos da vida alheia, ela é o primeiro obstá-
culo que convém superar naquela barreira que é a mentali-
dade retrógrada. Ela deve ser sempre repelida, sinal de
intolerância incivilizada e princípio de toda a violência. Infe-
lizmente, trata-se de um mecanismo perverso que ocorre com
freqüência: a pessoa, que em sua solidão está às voltas com
grandes problemas pessoais e ao mesmo tempo com contra-
dições sociais que transcendem sua esfera individual, se vê
encarnando o papel do Culpado.
Mas o quadro não é inteiramente negro. Está cada vez
mais em evidência aquela parte da sociedade que defende
os valores individuais e as conquistas institucionais feitas
nesse sentido. Todavia, ainda é papel do separado enquanto
indivíduo sozinho dar crédito a si mesmo, tanto como figura
social quanto como pessoa positiva que nasce uma segunda

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vez para a vida adulta, depois de ter superado uma séria
prova de maturidade.

Velhos conhecidos e antigas amizades


Depois da tempestade, o separado olha ao seu redor e
faz o balanço dos amigos e conhecidos que tem. Muitas
vezes percebe que as pessoas com quem ele mais gostava
de sair junto da sua "ex" eram todos casais estáveis. Existe
entre as pessoas uma espécie de acordo implícito segundo
o qual os casais saem com os casais e os solteiros com os
solteiros. Se prestarmos atenção, os famosos círculos fecha-
dos, de que tanto se fala para descrever o comportamento
das pessoas de uma determinada cidade, dividem-se nesses
dois grandes grupos. Esse acordo implícito tem, no fundo,
uma razão de ser: os casais, especialmente se já formados
há algum tempo, sentem-se mais seguros e menos ameaçados
com pessoas que já têm um companheiro; os solteiros, por
outro lado, mais curiosos e mais inquietos, ou procuram
um companheiro no meio de outras pessoas "sozinhas", ou
têm um comportamento insólito e inquietante que não en-
contra correspondência naquilo que já está normalizado.
Quando duas pessoas se separam, o que acontece? A
regra é quebrada. Os dois ex-cônjuges se transformam de re-
pente em uma possível ameaça para o habitual grupo de
suas amizades: sua separação poderia provocar o encadea-
mento de outras. Com as pessoas que se conhecem indivi-
dualmente em uma relação a dois pode-se falar, abrir-se e
continuar a manter sem traumas a relação de sempre. Em
geral, é preciso defender-se um pouco dos casais de amigos,
na medida em que são eles que assumem primeiro uma ati-
tude defensiva (afastada, crítica, incrédula, etc.).
A separação de pessoas que nos são próximas sempre
cria, inconscientemente ou não, a necessidade de refletir
sobre o próprio casamento; assim permanece, de resto, a
prática quase cotidiana do confronto entre a própria vida de
casal e a dos outros.
As vezes, a imagem de um casal tal como aparece exter-
namente é muito diferente daquela de sua verdadeira dinâ-
mica interna. Quantas vezes já aconteceu que um casal em
profunda crise passasse a idéia de ter encontrado um equi-
líbrio estável e de ser feliz? O quadro completo, quando
salta aos olhos, é um choque para os espectadores mais pró-

86
ximos: "A gente pensava que vocês fossem felizes. Mas se
vocês não eram, se lhes aconteceu isso, o que será de nós?"
Para quem tem um vínculo em crise, a história de uma
separação é uma ameaça real e não imaginária. E se na pes-
soa separada se encontram refletidos aqueles elementos que
supostamente devem seguir-se a uma justa separação (sen-
sação de alívio, maior liberdade, queda da tensão, etc), então
o próprio separado em carne e osso se assusta, como se
olhasse num espelho.
"Não tinha mesmo mais nada a fazer? Você está mes-
mo melhor agora? Tem certeza de que você está bem? Não
se sente sozinho/a?" Aqueles que estão meditando sobre a
possibilidade de uma separação experimentam desse modo
sondar o terreno sobre o qual se encontra agora o separado.
Em seus confrontos, ficam divididos entre a admiração por
aquilo que conseguiu alcançar e o temor de que o preço a
ser pago seja muito alto. Muitas vezes procuram obter
dele/a, direta ou indiretamente, "todas as informações" so-
bre o que acontecerá caso decidam dar o mesmo passo. De
fato, é fácil intuir o desgaste das longas horas de solidão,
os sofrimentos causados pelo pensar e repensar, a angústia
do apego ainda sentido; mas a verdadeira intensidade e a
importância desses momentos ninguém pode realmente sen-
tir se não os viveu.
Desse modo, os casais se sentem chamados a depor,
como se fossem obrigados a responder a uma pergunta que
na realidade quem se separa só colocou para si mesmo:
"Nós ainda não temos coragem suficiente para enfrentar
esse passo", "Nossa situação é muito diferente", "Apesar
de existirem muitas coisas que não estão dando certo, não
somos mais tão jovens para começar tudo de novo", etc.
Essas atitudes criam em geral uma fratura, às vezes imper-
ceptível, que leva a um afastamento e que dá início a uma
divergência: a divergência entre os problemas do separado
que se encaminha por uma nova estrada e aqueles de suas
antigas amizades que vivem serenamente a vida a dois.
É muito mais simples manter uma velha relação de ami-
zade a dois, e essa relação é posta à prova por essas críticas
destruidoras. Nos momentos de crise o separado não é certa-
mente sempre uma pessoa agradável. De acordo com o seu
temperamento, terá momentos de mau humor, silêncios inex-
plicáveis, estranhas ausências e fugas repentinas, enfim,
apresentará uma série de comportamentos pouco agradáveis
para quem está próximo. Em geral não é fácil ficar perto

87
dele: é necessária uma boa dose de afeto e disponibili-
dade para suportar todas as suas inconstâncias, para saber
estar presente quando ele realmente precisa e para desapare-
cer quando for o momento; enfim, para sentir espontanea-
mente que é o caso de preocupar-se mais com ele do que
conosco. É assim que dessas situações algumas amizades
saem fortalecidas e outras, ao contrário, são completamente
esquecidas.

O passado se manifesta
Não se pode prever quanto tempo durará o desenvolvi-
mento emotivo da separação, mas apenas que será um pro-
cesso longo que pode durar meses, anos . . . Qualquer que
seja sua duração, sempre chegará o momento do verdadeiro
e sentido afastamento, o momento em que o vínculo de
apego cessa de existir. O concretizar-se desse esgotamento
na sensação de um fio que se rompe, de um habitual vínculo
interior que desaparece, remete-nos ao dever de reconfirmar
o propósito da separação. De fato, algumas vezes fica-se ten-
tado a prolongar os resíduos do apego que de algum modo
ainda estão ativos, a agarrá-los como se constituíssem a única
e última ligação com um pedaço da vida que foge e do qual
se sente saudade.
Quando o afastamento ocorreu mas ainda não foi ple-
namente aceito como nova dimensão da vida, assiste-se fre-
qüentemente a inúmeras reações contraditórias. Verbalmen-
te elas são expressas mais ou menos assim: "Gostaria de
apaixonar-me de novo, mas ainda não estou pronto/a";
"Preciso de alguém que faça com que eu me sinta nova-
mente vivo/a". Depois entram em cena generalizações do
tipo: "Todas as mulheres são ciumentas e possessivas";
"Todos os homens são egoístas e infiéis"; "Não posso con-
fiar em ninguém"; "Ou encontro a pessoa perfeita, ou nada
feito".
O desejo de culpar ainda o ex-cônjuge pela presente si-
tuação emerge claramente de todas essas expressões. Mas
as reservas mentais e emotivas que elas denotam são um
fato absolutamente pessoal: não há ex-cônjuges, histórias
dolorosas ou más experiências que resistam, já que as de-
fesas criadas com o objetivo de viver em cima do muro
são nossas e é nosso dever eliminá-las. Assim, apesar de
todas as ajudas externas que solicitarmos e encontrarmos,

88
o ato final e decisivo só depende da vontade de viver bem.
Lamentar-se de como a vida foi pouco generosa e má trans-
forma-se a longo prazo em uma armadilha da qual no fundo
a pessoa não quer sair: sente-se mais segura na própria
toca, onde não corre riscos. Às vezes, nessas situações, vai
à procura de alguém que se compadeça dela e lhe diga cari-
nhosamente: "Coitadinho/a!" É uma ilusão pensar que isso
possa ajudar. As pessoas que estão sempre mal, na verda-
de, inconscientemente adiam o problema sine die.

Novos encontros
Quando a pessoa se arrisca em novos relacionamentos,
além de aprofundar as relações com os velhos conhecidos,
também entra em contato com ambientes novos e pessoas
desconhecidas. Isso freqüentemente provoca a excitante (e
inquietante) sensação de não estar "protegido": somos ter-
reno virgem para os outros, assim como os outros o são
para nós. Um gesto, uma palavra, um comportamento qual-
quer têm, para quem nos conhece, uma profundidade su-
bentendida de sentido que não é captada por quem não
sabe quem somos. É isso que significa estar entre desco-
nhecidos: a própria história, com as relações passadas, a
qualidade do caráter e o sistema das idéias não nos defi-
nem nem nos sustentam. Pode ter início um jogo de co-
nhecimento recíproco, com o qual se aprendem comporta-
mentos e atitudes (também interiores) mais apropriados à
vida contemporânea, às suas constantes exigências de cresci-
mento e renovação. Isso, porém, não significa, como acon-
tece muitas vezes, que, na ânsia de ser aceitos, devemos
aderir a modelos estranhos à nossa personalidade, obrigan-
do-nos a aceitar esquemas estereotipados de comportamento
(sociabilidade, desenvoltura a qualquer preço, eterno sorriso
nos lábios, etc.). Pelo contrário, devemos apresentar nossas
exigências mais profundas com muita clareza, procurando a
maneira mais adequada para dizê-las para nós mesmos e
para comunicá-las aos outros; em outras palavras, devemos
tentar ser o mais fiéis possível a nós mesmos e às nossas
próprias necessidades. Desse modo e por esse caminho liber-
tamos também o que foi sufocado, por uma razão ou por
outra, pela necessidade de nos adaptarmos a normas exter-
nas mais ou menos rígidas ou sentidas como estranhas.
O resultado do trabalho que o separado realiza sobre

89
si mesmo se concretiza no deslocamento e na inclinação por
melhores equilíbrios psicoafetivos, os quais são postos à
prova logo nos primeiros encontros: como em um labora-
tório experimental, não se tem idéia do que pode acontecer,
considerando o alto número de incógnitas a que se vai de
encontro. "Será que alguém ainda pode gostar de mim? E
eu ainda posso gostar de alguém? Serei capaz de ser feliz
com outra pessoa?", etc.
Em geral, encontramos muitas pessoas com as quais se
instauram vínculos de intensidade e natureza variadas antes
de ocorjer um envolvimento tal que permita o começo de
um relacionamento mais sério. Todavia, todos os encontros
que de algum modo nos envolveram emotivamente têm im-
portância, uma vez que todos contribuem para eliminar (ou
mesmo apenas indicar) as repressões que impingimos a nós
mesmos, às vezes sem nem perceber. Quantos desejos repri-
midos ao nascer e quantas fantasias não realizadas podem
ser satisfeitos pelo inesperado modo de ser de um novo
companheiro!
Freqüentemente percebemos que na relação passada nos
tínhamos cristalizado, junto ao nosso "ex", em comporta-
mentos forçados, não mais transformáveis nem transferíveis
dos trilhos em que se colocaram: eles tinham se estabelecido
no decorrer do tempo e, uma vez estabilizados, inibiam
qualquer possibilidade de juntos produzirem uma verdadeira
transformação da relação. Por exemplo, uma mulher que
sempre transferiu para o marido ou companheiro sua necessi-
dade de proteção paterna achará difícil, se não impossível,
uma vez percebida a própria mudança e o desejo de um rela-
cionamento de igualdade, realizá-lo com aquele companheiro:
pesará sobre ambos a força repetitiva dos modelos adotados
até então.
A reflexão sobre a vida conjugal passada tem também
a qualidade de apontar com clareza o ponto em que o pró-
prio crescimento foi interrompido. Muitas vezes, imersos na
sucessão de novos encontros, podemos vislumbrar quantas
e quais potencialidades (criativas, emotivas, sexuais, de rea-
lização, etc.) tínhamos à disposição sem que conseguissem
realizar-se por falta de "escoadouros". Assim, com um co-
nhecimento cada vez mais claro das frustrações sofridas e
das nossas próprias necessidades internas, aprendemos a es-
colher melhor as pessoas e a especificar as características que
mais nos gratificam e melhor se adaptam à nossa pessoa.
Em geral, inclinamo-nos a nos relacionar com quem

90
teve experiências parecidas com a nossa; o separado ficará
mais à vontade com outros separados, com os quais será
mais fácil entender-se, tendo eles uma espécie de linguagem
e toda uma série de vivências comuns, sobre as quais às
vezes pode ser muito interessante discutir, trocando opiniões
e experiências.

A sexualidade dos separados


Muitas coisas mudaram desde que o separado, não po-
dendo casar novamente, era condenado a viver só a menos
que decidisse infringir, sozinho e contra todos, as severas e
rígidas regras morais aceitas unanimemente por toda a co-
munidade.
Hoje, com o divórcio, mudou completamente a ordem
legislativa que regulamenta todo o percurso da separação e,
como reflexo disso, tornou-se muito mais permissivo e tole-
rante também o código moral que está na base do comporta-
mento comum das pessoas. As concepções morais vêm se
adequando com rapidez às exigências da cada vez mais com-
plexa vida moderna. Muito contribuiu para esse crescimento
civil a difusão da idéia de que, no que diz respeito à vida
privada e íntima, cada um tem de responder somente a si
mesmo pela própria conduta.
Tudo isso não significa que quem se separa não encon-
tra mais problemas quando se trata de retomar uma vida
sexual plena e satisfatória. É ainda mais válido aqui o que
se disse a respeito dos novos encontros em geral: domina a
sensação de se estar a descoberto, de não se estar protegido.
Nessa vertente tão delicada, essa sensação cria dificuldades
muito maiores do que aquelas das simples relações de ami-
zade, já que são afetadas esferas psicoafetivas muito pro-
fundas e pouco controláveis a nível consciente.
Que o código moral, no que diz respeito à vida sexual,
seja mais permissivo é certamente um fato positivo e neces-
sário, embora ainda insuficiente para criar bases sólidas para
uma vida interpessoal autêntica e serena. "Permissivo", em
poucas palavras, significa "faça como bem entender, não
quero nem saber, e se eu vier a saber de alguma coisa vou
fingir que não vi". Nessa concepção permissiva e tolerante
do sexo existem pelo menos dois dados negativos:

91
1. Qualquer ato que exprima liberdade sexual, apesar de
ser tolerado, ainda é considerado culpável.
2. Falta uma formulação moderna e adequada aos dias de
hoje do que se deva entender por bom comportamento.

De fato, o comportamento totalmente aceito ainda é


aquele tradicional, segundo o qual a vida sexual se desen-
volve apenas no âmbito do matrimônio. Falta à nossa cultura
uma educação sentimental e sexual saudável, já que suas
raízes ainda repousam em concepções de culpa e punição. O
medo do sexo (inibições e fobias diversas, medo das conse-
qüências, etc.) ainda está muito difundido, e é mais sentido
por aqueles que vivem experiências sexuais em situações não
reconhecidas.
Em suma: se, por um lado, o severo juízo que nascia
no âmbito de uma moral já antiquada permanece suspenso,
por outro a sociedade não elaborou outra moral (sistema
coerente de regras comportamentais) adequada aos proble-
mas modernos.
Essa árdua tarefa, mais de uma vez, é confiada à pessoa
"solteira". O trabalho de definir um comportamento moral
que consiga direcionar as próprias necessidades sexuais (e
existenciais) sem esmagá-las constitui um peso significativo,
sob o qual se perde freqüentemente o equilíbrio: vai-se em
direção a conflitos dilacerantes, a desvios, a confusões. É
muito difícil encontrar e seguir uma diretriz pessoal, sobre-
tudo se no passado se levou uma vida dentro dos trilhos
usuais, sem ter de enfrentar problemas desse tipo.
Assim, ocorre com freqüência que depois da separação
se viva à mercê de fortes emoções (conscientes ou incons-
cientes), sem conseguir dar-lhes uma ordem. E, uma vez
que na vida sexual normalmente se condensam todas as
preocupações e as tensões a que se está sujeito, muito fre-
qüentemente as pessoas ocupadas com os problemas provo-
cados pela separação não conseguem encontrar de imediato,
também nessa esfera, uma serenidade satisfatória. Alguns se
abstêm de qualquer relação sexual, tentando levar uma vida
afetiva extremamente reservada e "separada". Essa atitude
pode ter várias causas, entre as quais as mais freqüentes são:

1. O indivíduo sente-se atormentado por preocupações mo-


ralistas opressoras que impedem a livre expressão das ener-
gias eróticas. Nesses casos, geralmente se considera imoral
qualquer relacionamento íntimo fora do casamento; trata-se

92
de um preconceito que ainda atinge de maneira muito mais
acentuada as mulheres do que os homens.
2. O indivíduo tem tanto medo, na maioria das vezes in-
consciente, da explosão da própria emotividade, que viven-
cia toda a esfera erótico-sexual como uma ameaça constante
que pode desnorteá-lo de uma hora para outra: ele é incapaz
de controlar as reações emotivas provocadas por contatos
físicos íntimos.
3. Ele é desconfiado por temperamento ou porque sofreu
demais no passado. Isso depende, em geral, da incapacidade
de avaliar bem as pessoas e, no estado de liberdade em
que se encontra o separado, essa incapacidade se acentua,
reforçando a tendência a fechar-se.

É bom esclarecer, porém, que esses problemas não sur-


gem do nada no momento da separação, nem por causa dela.
Eles já existiam antes: o estado de incerteza que se segue
à separação só faz evidenciá-los. Mostram-se agora em toda
a sua aspereza, tanto mais que muitas vezes, depois da se-
paração, exatamente por se tornarem tão urgentes, são en-
frentados e resolvidos com seriedade. Também aquelas pes-
soas que, mal se libertam de qualquer vínculo, abusam da
liberdade sexual, agem levadas por reações incontroladas.
Alguns casos:

1. Uma necessidade de descarga puramente física devida


quase sempre a uma vida sexual reprimida durante o casa-
mento e à incapacidade de ajustar-se às enormes tensões do
momento "pós-separação".
2. Uma necessidade de afirmação (ou de aceitação plena
por parte dos outros) e de confirmação do fascínio da pró-
pria virilidade ou feminilidade, independentemente das pes-
soas sobre as quais é exercido.

Outros, movidos por impulsos provocados por humi-


lhações e frustrações sofridas no passado, procuram em en-
contros mais ou menos ocasionais a maneira de descarregar
desejos de vingança. Outros ainda, mais cautelosos, aceitam
ter apenas aquelas relações que os envolvem moderadamen-
te: o sexo é usado com o objetivo de sentir-se novamente
desejado como homem ou como mulher.
Todos esses comportamentos, de uma forma ou de ou-
tra, são indicadores de desagrado ou de transtorno em re-
lação à vida sexual. Eis como são muitas vezes expressos:

93
"Desde que me separei, sinto-me mais fechada e descon-
fiada."
"Sei que o sexo é importante para o equilíbrio pessoal,
mas não consigo admitir relações sexuais fora do âmbito
matrimonial."
"O sexo é um fato puramente físico e enquanto tal é vivi-
do. Por que carregá-lo de tantos significados?"
"Fico sempre com medo de não agradar, por isso não me
sinto tranqüilo/a quando surge a possibilidade de uma re-
lação sexual. Apesar disso, me acontece com freqüência ter
relações sexuais indiscriminadamente."
"Carrego comigo todos os problemas que tinha com o meu/
minha `ex', mas sinto que só poderei resolvê-los indepen-
dentemente dele/a."

Muitas vezes, quem se separa é levado por um intenso


desejo de transformar e de melhorar a própria vida; com
a mesma freqüência, todos acabam, mais cedo ou mais tarde
e segundo as próprias necessidades, encontrando maior esta-
bilidade e um modo de viver mais satisfatório: se a pessoa
o deseja, as relações tornam-se mais sofisticadas e exclusi-
vas, mais envolventes no plano afetivo e mais estáveis.
Mas, visto que a sociedade hoje não tem condições de
propor modelos de comportamento válidos em nível geral
(como eram os tradicionais), o indivíduo "solteiro" e em
crise não tem bases sólidas para se apoiar. Ele deve achá-las
e elaborá-las dentro de si, e, principalmente, confiar nelas.
Eis que, como qualidades individuais, a responsabilidade, a
autenticidade e a força interior se afirmam cada vez mais
como valores fundamentais e necessários, enquanto os papéis
fixos, oficiais e preestabelecidos vão perdendo a verdadeira
consistência ética.

94
4. Futuro próximo

"O amor é a unidade conjunta criada pela alternância


do envolvimento passional e da indiferença criativa."

O Tao
Desenvolvimento criativo do próprio potencial

Viver plenamente
A pessoa que sai da experiência da separação encon-
tra-se em geral psicologicamente "maltratada", afundada em
sentimentos de culpa, cheia de interrogações sobre suas possi-
bilidades pessoais e crivada de dúvidas e impulsos auto-
destrutivos. Essa que é considerada uma "derrota" na vida
particular estende-se, geralmente, a todas as dimensões do
viver: a pessoa separada sente-se mais insegura no trabalho,
com os amigos e nos relacionamentos íntimos. Questionan-
do-se continuamente, tem a sensação de que todos a julgam.
Depois da separação, é comum verificar-se, especialmente
nas pessoas de algum modo predispostas a formas de de-
pressão, uma forte diminuição do amor a si mesmas.
Para superar esse estado de espírito e a ansiedade que
daí deriva, é necessária uma disciplina mínima que vise ao
máximo desenvolvimento do próprio Eu. Essa disciplina
serve para favorecer o desenvolvimento das próprias poten-
cialidades de maneira equilibrada, distribuindo as energias à
disposição entre os diversos componentes da personalidade.
De fato, pode-se dizer esquematicamente que o Eu total de
uma pessoa é composto por várias partes que se diferenciam
a partir dos diversos momentos da vida e que todas devem
ser levadas em consideração e desenvolvidas. Há o compo-
nente físico, o afetivo, o que se justifica em relação ao am-
biente e ao trabalho e, enfim, aquele que se satisfaz com o
alcance de uma segurança material (casa, dinheiro, objetos).
Viver plenamente significa, então, desenvolver cada um
dos elementos da personalidade, já que a atrofia de um deles

97
pode comportar um desequilíbrio geral. Por exemplo, se uma
pessoa se dedica exclusivamente ao trabalho, à carreira e à
construção de uma posição social sólida, deixando de lado,
assim, a esfera afetiva, não poderá nunca sentir-se total-
mente satisfeita, tanto mais que a longo prazo aquilo a que
ela se dedicou com exclusividade também se ressentirá.
Existem alguns fundamentos existenciais dos quais nin-
guém pode abrir mão se quiser sentir-se razoavelmente sa-
tisfeito com a própria vida:

1. Saber aceitar-se tal como se é, sem ficar eternamente bus-


cando um "ter que ser" diferente.
2. Dar a prioridade devida aos próprios interesses e aos
próprios desejos.

Muitas vezes, porém, torna-se muito difícil adotar essa


ótica, já que grande parte da educação recebida, sistema
ainda hoje amplamente difundido, baseia-se em princípios
que pregam exatamente o oposto: o sacrifício pessoal, a
negação de si, a corrida atrás de ideais abstratos, uma falsa
concepção do altruísmo, etc.
Não é raro que o separado tenha seguido essas diretri-
zes na relação passada, reprimindo, assim, suas exigências
mais profundas, acumulando obrigações auto-impostas e
submetendo-se a pesados (e muitas vezes inúteis) sacrifí-
cios. Tudo isso contribuiu decisivamente para fazê-lo sen-
tir-se inadequado às situações, insatisfeito e frustrado. Um
homem cheio de energias, em vez de tornar-se resoluto e
afirmativo, acaba tornando-se interiormente hostil ao mundo
e aos outros. Para uma mulher as coisas funcionam do mes-
mo modo, exceto pelo fato de que, normalmente, ela volta
a própria agressividade contra si mesma, e não contra os
outros, adotando uma atitude de condescendência e de
submissão.
Antes de mais nada, portanto, trata-se de eliminar,
caso existam, esses comportamentos interiores tão nocivos
ao próprio equilíbrio psicoafetivo. Saber amar-se é, para
muitas pessoas, uma arte muito difícil, implicitamente rela-
cionada com a capacidade real de amar os outros; e saber
alegrar-se significa também tornar-se capaz de ser fonte de
alegria. Eis que o primeiro sinal verdadeiro de um cresci-
mento positivo da pessoa chega quando ela organiza e vive
criativamente o próprio presente, com a atenção voltada para
seus verdadeiros e profundos desejos.

98
Algumas sugestões
Gostaria agora de dar algumas sugestões e de fornecer
pequenas indicações que podem ajudar a desenvolver cria-
tiva e harmonicamente a própria personalidade:

1. Antes de mais nada, é essencial aprender a distinguir os


sentimentos e as necessidades que nos animam daqueles que,
apesar de identificados como nossos, na realidade nos são
estranhos, impostos por papéis culturais e sociais preesta-
belecidos.
2. É importante saber correr os riscos que se apresentam,
concedendo-se, sem muitas ansiedades, a permissão de errar.
O medo de errar muitas vezes paralisa qualquer ação, man-
tendo a pessoa na imobilidade. Uma vida sem erros é uma
vida sem crescimento pessoal.
3. É útil impor-se objetivos realistas, isto é, ao alcance das
próprias possibilidades e capacidades, e fixar novas metas
somente depois de ter alcançado as primeiras, evitando dessa
maneira o acúmulo de coisas para fazer. É exatamente isso
que muitas vezes inibe qualquer resultado.
4. Observar de vez em quando os próprios progressos e
tomar consciência deles (por exemplo, diminuição dos com-
portamentos autodestrutivos ou dos sentimentos de derrota)
só pode fazer bem, encorajando a continuar a nova vida.
5. A situação em que se vive deve ser considerada como
conseqüência pura e simples das próprias opções de vida,
e não uma realidade inevitável que nos atingiu de fora,
independentemente da nossa vontade.
6. Ser afirmativo e determinado é a base essencial para
tornar-se uma pessoa autônoma e responsável. Sem uma von-
tade exercitada no sentido de afirmar-se (em qualquer am-
bito) não é possível mover-se de maneira autônoma.
7. Quando não se consegue encontrar o "fio" da própria
vida, quando se percebe com angústia crescente que há
muito tempo se está girando em torno do problema sem
chegar a nenhuma solução, pode ser de grande ajuda re-
correr à assistência de um especialista nesse tipo de pro-
blema. Muitas vezes trata-se apenas de superar a vergonha
infundada de pedir ajuda e aquele falso orgulho do tipo
"vou me virar sozinho".
8. No final de uma história de amor muitas vezes a pessoa
se sente velha e acabada, inútil. Nesses momentos ela não
deve esquecer que se trata sempre de crises da imaginação:

99
ela está atravessando uma fase em que de repente faltam
aqueles elementos que fazem com que se sinta viva e jovem.
Muitas vezes, porém, uma idade verdadeiramente avançada
age como ótimo álibi para descansar e sucumbir àquele im-
pulso autodestrutivo de resignação que todos trazem dentro
de si.
9. Ter medo do incerto, do inesperado e, em geral, do que
não se conhece constitui uma reação natural nos momentos
de transtorno da própria vida. É preciso entender, porém,
que se trata de um temor da vida enquanto tal, e não de
um medo fundado e determinado pela situação real.
10. Enfim, conseguir considerar-se o único responsável pela
qualidade da própria vida é a única forma de viver plena-
mente e para si mesmo. Descarregar as responsabilidades
sobre os outros nunca dá um verdadeiro alívio, apenas ajuda
a afundar a pessoa em um inútil sentimento de impotência.

Antes de amar novamente

As inclinações pessoais
Um grande percentual de separados se divorcia para
consolidar um novo vínculo duradouro. Alguns, porém, per-
cebem que procuraram uma relação que só na aparência
difere da precedente: pouco a pouco emergem, na nova vida
cotidiana, problemas, incompreensões e obstáculos que carac-
terizavam o casamento precedente. O fato é que normal-
mente o separado é atraído inadvertidamente por aquele
tipo de pessoa que possui características semelhantes às do
ex-companheiro. Se voltarmos nossa atenção para nossas re-
lações passadas, tornar-se-á mais fácil notar a presença cons-
tante e ativa de um denominador comum a todas, o qual
sempre determinou uma repetição sistemática das mesmas
dificuldades. Alguns, assim, compreendem que são inevita-
velmente atraídos por aqueles que os tratam mal ou que
parecem rejeitá-los; outros perceberão que escolhem sempre
um companheiro de personalidade mais forte do que a dele
ou de caráter prepotente; outros ainda, que são fascinados
por quem tem uma posição social superior à sua. Os exem-
plos não se esgotam aqui e são infinitos . . .

100
Cabe a cada um entender quais são as "molas" que
despertam nele o íntimo desejo de estabelecer uma relação.
Por isso, depois de ter acabado uma relação, é necessário
fazer um balanço, centralizando a lembrança no próprio
comportamento anterior e observando o atual. Essa auto-
observação pode ajudar a "reencontrar a si mesmo", isto é,
aquele determinado modo de ser que possuíamos antes do
casamento e que este último de algum modo modificou.
Essa busca pessoal revelará o fato de que, no início de cada
relação, a pessoa sente-se no paraíso, entusiasmada e segura,
enquanto no final retorna à terra, desiludida e triste.
Esclarecendo para si mesmo as mudanças sofridas e as
razões que as determinaram será mais fácil fazer um ba-
lanço sério: poderão ser aceitas aquelas mudanças que re-
presentam um amadurecimento, enquanto, por outro lado,
a pessoa tentará reencontrar os aspectos da própria perso-
nalidade que amava e que foram "perdidos". Do mesmo
modo, será possível compreender quais são as partes de si
que a limitam e atrapalham na interação com as outras
pessoas, ou seja, quais são os mecanismos inconscientes que
entram em cena, estragando seus relacionamentos.
Existem muitas pessoas, porém, que se recusam a
aprender com os erros do passado e que continuam a repe-
tir as mesmas situações de uma relação a outra. De resto,
é muito difícil mudar a direção das próprias preferências e
inclinações. Mas uma verdadeira e positiva mudança na qua-
lidade das relações com os outros não depende tanto dos
diversos tipos de pessoas com que se tenta estabelecê-
las quanto da consciência das próprias necessidades e das
próprias fraquezas.

A vivência da infância
A tendência a repetir as situações e a percorrer os
mesmos traçados freqüentemente tem suas raízes na infân-
cia e nos conflitos internos inconscientes e não resolvidos
que desde então dirigem nossa vida. Por exemplo, a procura
de uma relação na qual se exijam desesperadamente aten-
ções e cuidados sem fim. Examinando a fundo, verificaremos
que exigimos do companheiro aquilo que nunca recebemos
de nossos pais. Essa exigência, freqüentemente repetida,
procura corrigir de algum modo a dramática experiência
passada. Essas tentativas, porém, são vãs e estão destinadas

101
ao fracasso. Isso porque as exigências não são satisfeitas (o
companheiro não é o pai/mãe); às vezes elas são satisfeitas,
mas isso inevitavelmente transforma uma relação normal en-
tre adultos em algo diferente e insatisfatório.
Somos todos, mais ou menos, de maneira neurótica
ou não, ligados ao passado. Somente uma maior consciência
de nossas dinâmicas internas poderá facilitar a vida pre-
sente, até com a escolha, em caso extremo, voluntária e
responsável, da repetição.
Como reagíamos na infância às situações de conflito?
Com a tendência a dar-nos por vencidos, retirando-nos, ou
partindo para o ataque? E quais eram os resultados do
nosso comportamento? Em geral, seguimos o comportamen-
to aprendido na infância e determinado na interação com
nossos pais. Ele se formou através de uma alternância contí-
nua de reações emotivas e necessidades afetivas expressas
nas formas instintivamente reconhecidas como mais vanta-
josas. Assim, quando um determinado comportamento pro-
vocava a resposta desejada, era repetido e absorvido pela
bagagem comportamental que permaneceria até a idade adul-
ta. Eis por que, quando adultos, temos a tendência de repe-
tir os primeiros passos e proceder do mesmo modo, sem
muitas variações. O fato é que, sem perceber, identificamos
nas mais diferentes situações aquele mesmo conteúdo psico-
lógico (rejeição, aceitação, amor, abandono) que tantas vezes
experimentamos na infância.
A criança que recebeu uma educação repressiva terá
dificuldades, quando crescer, em viver uma dimensão pró-
pria de liberdade; aquela que foi rodeada de amor e afeto
se sentirá em geral confiante e amada; e aquela que, ao
contrário, sentiu profundamente o abandono e a rejeição
dos pais terá também quando adulta a tendência de viver
cada situação com suspeita e desconfiança, cada separação
como abandono.

Antes de um novo relacionamento definitivo

É muito útil aprender a conhecer a origem e as causas


determinantes do próprio caráter e do próprio comporta-
mento, e desta forma compreender por que muitas vezes
reagimos de um modo e não de outro. Essa análise é o
melhor método para se chegar a comportamentos mais profí-
cuos e positivos. Somente após ter passado um longo perlo-

102
do confrontando-se e experimentando-se é que se estará real-
mente pronto para amar de novo, partilhando a vida com
um companheiro. Para sentir-se bem com os outros, é indis-
pensável sentir-se bem consigo mesmo: contente consigo,
aceitando-se e, principalmente, sabendo aceitar-se. Quando,
por fim, atingirmos (ou consolidarmos) essa fase do nosso
desenvolvimento, nos sentiremos realmente abertos e dispo-
níveis, prontos para o novo.
Essas são as razões pelas quais a melhor maneira de
encontrar um bom companheiro nunca é procurá-lo, mas
abrir-se, deixar-se conhecer e estar disponível para todos
os aspectos da vida. Se houver uma verdadeira disponibi-
lidade, o novo companheiro aparecerá por si só. Muitas
vezes, por este ou aquele motivo, grande parte da perso-
nalidade de um indivíduo permanece comprimida, sem um
canal que lhe permita exprimir-se; trata-se quase sempre
daqueles aspectos mais fundamentais para reencontrar um
bom equilíbrio.
Preencher esses vazios e dar-se novas oportunidades
de ligações deveria ser a primeira iniciativa de quem está
em crise. Abrindo-se mais para as coisas, as situações e as
pessoas, não faltarão ocasiões para apaixonar-se novamente,
para dividir mais uma vez a vida com alguém.
Esperar sentado não adianta nada. Freqüentar sempre
e somente os mesmos amigos e conhecidos não pode dar
em nada. Somente a cada nova ação se seguirá uma nova
resposta. Mas que ação deve ser essa? O primeiro passo
é o mais importante e o que parece mais arriscado: abrir-se
para novas situações é o mais difícil. O resto virá natural-
mente, uma vez que cada nova pessoa conhecida decerto
nos apresentará outras e cada nova situação fará nascer
outras. Mas, cuidado! Aquelas pessoas cujo único objetivo
na vida é conquistar uma mulher maravilhosa ou ser levada
por um príncipe encantado estão fadadas a apenas sonhar
e a realizar-se tão-somente no mundo fantástico dos roman-
ces. Em vez de sonhar com uma mulher maravilhosa, apren-
da a ser um homem sedutor; em vez de esperar pelo cavalo
branco do príncipe, aprenda a andar a cavalo sozinha! O
hábito de sonhar e o apoiar-se nele impedem qualquer ação
autônoma. Cada desculpa encontrada para não se dar ao
trabalho de enfrentar o novo só serve para adiar e manter
o status quo. Hoje em dia não é mais concebível viver bem
e, ao mesmo tempo, continuar sofrendo por causa de nossa
inércia ou timidez.

103
Existe uma contínua e variada oferta de possibilidades
para melhorar o próprio aspecto exterior, a própria cultura,
a saúde, a maneira de relacionar-se, de mexer-se, etc. Adqui-
rir uma boa capacidade de responder com verdadeira e ín-
tima satisfação ao ambiente significa começar a ser respon-
sável; é a response ability (capacidade de responder). Essa
responsabilidade permitirá à pessoa ter até um ou mais rela-
cionamentos nos quais poderá conservar sua autonomia.
"Amo aprender para aprender a amar" deveria ser o
espírito com que se enfrenta o problema de uma qualidade
diferente da vida.

Conclusões
Quando nos movermos em direção ao ambiente exter-
no, surgirá a vontade de explorar também o nosso mundo
interior, e começaremos a sentir prazer em ficar sozinhos
em uma solidão criativa. Mas o que ela significa? Sentir
prazer consigo mesmo, fazendo coisas que enriquecem inti-
mamente, tais como ler, escrever, ouvir boa música, pintar,
refletir ou mesmo apenas contemplar passivamente um pa-
norama, tudo isso sem medo daqueles sentimentos de me-
lancolia que nos invadem nos momentos de solidão. Esse
tipo de bem-estar é a base mais sólida para um relaciona-
mento adulto bem-sucedido, ou seja, destituído daquelas de-
pendências doentias que sufocam e se tornam, com o tempo,
insuportáveis. O tempo dedicado exclusivamente a si mesmo
é indispensável, tanto para a vida de "solteiro" como para
a de casado. Ele é necessário para o amadurecimento das
experiências e das emoções que a vida traz diariamente.
Além disso, é necessário para que o ritmo interior não seja
ditado exclusivamente pelas necessidades externas.
Realizar-se não significa ter uma carreira brilhante ou
um casamento vantajoso. O verdadeiro sentido de realizar-se
é ter, antes de mais nada, um bom relacionamento consigo
mesmo e com o ambiente circunstante. Isso só é possível
se abandonarmos mitos hoje já ultrapassados e envelhecidos,
tais como "a vida só tem sentido numa romântica relação a
dois", "a mulher só pode realizar-se no amor", "somente
a família dá a verdadeira estabilidade para a vida de um
homem", etc. Essas não são mais regras de vida obrigatórias
como até há algumas décadas atrás, e sim concepções que f a-

104
zem parte de uma ideologia imprópria aos tempos em que
vivemos.
Em vez de procurar um companheiro para sentir a
própria existência, procure a você mesmo. Em última aná-
lise, nosso Eu é sempre o ser mais interessante que pode-
mos conhecer. Se ainda não o conhecemos, o melhor mo-
mento para fazê-lo é quando questionamos nossos antigos
ditames de vida.
Na verdade, "a relação ideal" com que muitas vezes
sonhamos não existe. "A relação ideal" que criamos a partir
de certos romancezinhos e das novelas prescinde de qual-
quer fundamento em seres humanos de verdade. Ela pode
existir na fantasia precisamente graças à eliminação de cada
peculiaridade do caráter, de cada contradição que se encon-
tra na realidade objetiva. Existem, por outro lado, muitas
relações que funcionam bem. Em geral, têm em comum al-
guns fatores que são determinantes para o seu sucesso. Ve-
jamos alguns:

1. Uma certa continuidade de presença.


2. A possibilidade sempre aberta de conversar. "Conversar",
porém, não significa apenas trocar informações, mas princi-
palmente expressar pensamentos e emoções.
3. Saber ouvir a voz do outro, saber ler a expressão de seu
rosto, os gestos, os subentendidos.
4. Um bom contato afetivo que se expresse em uma proxi-
midade efetiva: carinho, atenções concretas, carícias, olha-
res, etc.
5. Saber entrar em empatia, tendo a capacidade de colocar-
se também no lugar do outro para entendê-lo melhor.
6. Ter vivos interesses em comum que permitam enrique-
cer-se fazendo algumas coisas juntos.
7. Uma boa comunicação erótica e sexual.
8. O compromisso de viver e crescer juntos.
9. O respeito à individualidade e à autonomia do outro.
10. A reciprocidade, enfim, de todos esses fatores.

105
A escolha de um estilo de vida

O multiplicar-se dos estilos de vida


Está se tornando cada vez mais difundida a consciência
de que de algum modo somos todos programados cultural-
mente, ou seja, absorvidos por modalidades de vida social
preestabelecidas segundo esquemas bastante uniformes. Até
há pouco tempo atrás, somente poucas e restritas categorias
de pessoas tomavam a liberdade de transgredir as regras de
vida em comum. Tratava-se sobretudo de artistas, de pessoas
excêntricas das classes ricas, da classe eclesiástica e daqueles
que, enfim, marginalizados ou desiludidos, adotavam a filo-
sofia do "quanto pior, melhor". Atualmente a difusão da
cultura e da informação para largas camadas sociais permite
a todos um amplo confronto entre várias formas e estilos
de vida.
Assim, a criatividade e a fantasia aplicadas ao viver fi-
caram muito maiores. Não é mais inconcebível levar uma
existência fora do âmbito familiar, quando antes qualquer
tipo de vida que não se desenvolvesse no âmbito matrimo-
nial (ou das ordens religiosas) não passava de mero paliativo.
Quem não se casava era simplesmente incapaz de encontrar
um companheiro. A mulher solteira era considerada uma
"solteirona patética", e o homem solteiro, um "incorrigível
devasso": sobre ambos, embora com pesos diferentes, pen-
dia o severo juízo da sociedade. Hoje a tendência é criticar
sempre menos o desvio da norma geral; conseqüentemente,
quem não é casado se vê cada vez menos obrigado a justi-
ficar sua "diversidade".
A auto-realização conquistou diversos campos de ação,
entre os quais hoje figuram também para a mulher a carreira
profissional e uma vida afetiva e sentimental liberta do
vínculo matrimonial. Tudo isso já não escandaliza mais
ninguém.
De fato, nestes últimos anos, a maneira de proceder na
vida particular mudou radicalmente. Há aqueles que optaram
por viver em comunidade e aqueles que se casaram, os que
convivem sem se casar e os que preferem ficar sozinhos.
Trata-se, em todo caso, de opções de vida amadurecidas indi-
vidualmente e oriundas de necessidades que, uma vez reco-
nhecidas, foram levadas em consideração e satisfeitas.

106
Neste capítulo, propus-me enfrentar o problema das
diferentes possibilidades que se apresentam a uma pessoa
depois que ela se separou. Saber viver com criatividade é
o fundamento sobre o qual deveria assentar cada passo dado
na nova direção. Viver com criatividade: fazer com que o
presente não seja a repetição obrigatória do passado. Isso
depende em grande parte dos relacionamentos com os ou-
tros, nos quais, em geral, a pessoa que acabou de se separar
vê uma ameaça à própria liberdade. Ao contrário, para viver
no presente com plenitude é necessário poder reconhecer
com confiança a interdependência que se estabelece entre as
pessoas e aceitar sem receios tanto a dependência funcional
(coabitação, relações de trabalho, relações familiares, etc.)
quanto a dependência emotiva (o desejo e a troca de amor,
afeto e atenções). Depois de ter alcançado um bom grau
de autonomia e maturidade emotivas, pode-se viver sem
ansiedade também esses tipos de relações, sem correr o risco
de ser por elas dominado.

A opção de viver sozinho


Mas nem sempre tudo isso é possível logo após a se-
paração. O separado sente muitas vezes uma grande von-
tade de ficar só e de reconquistar plenamente as liberdades
perdidas durante o casamento (liberdade psíquica e emotiva,
liberdade de movimento, etc.).
O período seguinte à separação pode ser muito fecundo
e rico se empregado para conhecer-se melhor e para entrar
em contato com pessoas e realidades novas. Se no momento
falta o impulso para um envolvimento total e profundo
com outra pessoa, certamente não é o caso de preocupar-se.
Aquelas pessoas que optam por viver sozinhas durante um
período indeterminado de tempo às vezes se sentem acusa-
das de superficiais, egoístas, anti-sociais e incapazes de ter
boas relações com os outros. Não devem preocupar-se. Essas
críticas nascem do já batido lugar-comum segundo o qual
uma pessoa só pode se considerar completa se tem um com-
panheiro fixo.
Depois da experiência de um casamento acabado, o
indivíduo tem, em cada caso, todo o direito de ficar de pé
atrás diante de uma nova convivência. Além disso, ele adqui-
riu uma maior maturidade que permite reconhecer melhor
suas verdadeiras necessidades. Não será nada estranho,

107
por exemplo, se ele sentir vontade de aventurar-se em rela-
cionamentos amorosos fugazes, se lhe acontecer ter mais de
uma relação ao mesmo tempo, se tiver a curiosidade de ex-
plorar as pessoas e o ambiente em que vive com um tipo
de atenção minuciosa que lhe era estranha quando casado.
Depois de uma separação, as pressões sociais e culturais
que atuam na vida particular da pessoa têm um poder muito
reduzido se comparado ao de antes. O separado é uma pes-
soa "crescida" que sabe o que representa ceder às pressões
alheias. Desse modo, uma boa separação pode vir a ser
aquele momento de crise que torna o indivíduo consciente
da liberdade individual, isto é, do fato de que cada um é
completamente responsável por si mesmo. Essa consciência,
caso seja adquirida profundamente, constitui uma grande
força que sustém a pessoa separada nas opções que esperam
por ela.
Quem prefere viver sozinho por algum tempo não deve
pensar que se trata de uma opção que, uma vez realizada,
marca irreparavelmente todo o curso da vida. Os estados de
espírito e as situações podem mudar ou não, depende muito
de cada um. Em todo caso, qualquer que seja a novidade
que o futuro reserva, deve-se tentar viver bem no presente.
Do mesmo modo, a decisão de viver sozinho não deve ser
considerada um ajuste temporário sem importância.
Quem está sozinho deve tentar criar um ambiente novo
para si, com uma casa confortável, amigos, além de con-
servar acesos os próprios interesses. Tratar-se bem como
quem se ama muito é sempre importante, especialmente
quando se vive sozinho. Construir para si um lar caloroso
e acolhedor e transformar-se no hóspede preferido é uma
forma de iniciar uma boa convivência consigo mesmo. A
possibilidade de tratar-se de uma situação passageira não
deveria incidir de modo tão determinante sobre esse estilo
de vida. Estar sozinho nunca é um bom motivo para não
cuidar de si. Na verdade, a pessoa livre de qualquer vínculo
poderá ter momentos de criativa intimidade bastante ple-
nos, ainda que breves. Terá, além disso, maior disponibili-
dade para os outros e, portanto, muitas oportunidades para
novas amizades. Tudo isso constituirá um rico patrimônio
pessoal, capaz de melhorar uma futura relação duradoura.
Esse estilo de vida é particularmente adequado para
aqueles que desejam realizar-se, sobretudo no trabalho, onde
encontram grandes satisfações e uma fonte de interesse con-

108
tínuo. Uma atividade interessante e criativa é, de fato, um
dos ingredientes principais para o sucesso de uma vida de
solteiro.

Outras opções
Algumas pessoas, sobretudo aquelas que ficaram com a
guarda dos filhos, depois da separação optam por voltar a
viver com os pais. Muitas vezes, trata-se de uma escolha
ditada por necessidades (questões econômicas não resolvidas,
a guarda das crianças durante as horas de trabalho, etc.);
outras vezes, pela necessidade de encontrar calor e apoio em
um momento particularmente difícil. Mas, ainda que uma de-
cisão desse tipo possa ser uma boa solução provisória para
problemas de ordem prática e afetiva, pode igualmente levar
ao risco de uma interrupção da vida privada. A liberdade
de movimento é inevitavelmente limitada. Os costumes, as
necessidades e as amizades adquiridas autonomamente pela
pessoa adulta não podem encontrar, na casa dos pais, seu
espaço vital natural. Portanto, é aconselhável criar um novo
ambiente próprio assim que possível.
Outras pessoas, principalmente jovens, optam por um
estilo de vida comunitário (coabitação de duas ou mais
pessoas não ligadas por vínculos sentimentais). As razões
para uma opção desse tipo podem ser as mais variadas: te-
mor da solidão, falta de moradia, aluguel muito elevado,
etc. O êxito ou não de uma convivência assim também de-
pende de fatores contingentes, entre os quais o caráter das
pessoas e o grau de respeito e tolerância recíprocos que elas
conseguirem atingir. Uma vida comunitária pode vir a ser
rica e cheia de estímulos interessantes, assim como pode
acabar em um terrível desastre. De fato, no início é sempre
um passo no escuro e uma aposta. Apesar disso, atualmente
se assiste à difusão desse novo fenômeno, sobretudo nas
grandes cidades, onde é cada vez mais difícil encontrar
boas acomodações.
Essa solução também acaba sendo, no final das contas,
uma opção provisória. De fato, a maior parte das pessoas
separadas, depois de um parêntese de vida mais ou menos
"experimental", tende a organizar a vida por conta pró-
pria, evitando a convivência de uma relação a dois, ou, ao
contrário, a casar de novo.
Antes de envolver-se em uma nova ligação duradoura,

109
é aconselhável fazer um profundo e sincero exame de si
mesmo e do companheiro. A tentação de ver apenas o lado
romântico e positivo da relação, deixando de lado os aspec-
tos mais prosaicos, é sempre muito forte. Para que as bases
de um futuro casamento sejam sólidas, é necessário que as
emoções sejam confirmadas por uma análise racional, que a
paixão seja sustentada pela razão. Desse modo, antes de tor-
nar a viver com alguém, será importante verificar algumas
coisas independentemente da própria solidão e do fato de
estar perdidamente apaixonado. Para saber se estamos pron-
tos para um novo casamento (ou convivência), é bom tentar-
mos conhecer-nos o máximo possível. Muitas vezes nos
convencemos de ter mudado muito, quando deveríamos reco-
nhecer que as mudanças são lentas e difíceis de efetuar. Para
fazer alguém feliz é indispensável ser autônomo e estar em
harmonia consigo mesmo. Quantas vezes desviamos o olhar
do nosso mundo interior para evitar umas verdades que nos
teriam machucado demais! Pois bem, é preciso olhar para
elas e saber aceitá-las, senão qualquer relação amorosa, mes-
mo profunda, corre o risco de acabar, de se estragar.
Antes de tomar qualquer decisão de envolver-se em
uma vida a dois, seria bom fazer uma auto-análise, ou seja:

1. Conhecer-se e aceitar-se reciprocamente, tanto no plano


emotivo quanto no racional e prático.
2. Dar-se a conhecer também nos próprios limites e nos
aspectos que julgamos menos aceitáveis.
3. Evitar pensar na possibilidade de mudar em seguida de
parceiro.
4. Experimentar a convivência a dois antes de casar nova-
mente.
5. Avaliar com seriedade a totalidade da situação econômica
do casal.

O indivíduo poderá sentir-se confiante num bom equi-


líbrio pessoal e num entendimento com o companheiro quan-
do puder constatar que: não tem dentro de si partes muito
frustradas; o compromisso que deve manter se reduz ao es-
forço de conciliar a parte racional e a emocional do pró-
prio ser.

110
5. Os filhos
de pais separados

"Seus filhos não são seus filhos.


Eles não vêm de vocês, mas através de vocês.
Vocês podem amá-los, mas não obrigá-los a pensar da
mesma maneira que vocês, pois eles têm os seus próprios
pensamentos.
Vocês podem cuidar de seus corpos, mas não de suas
almas, pois elas moram em casas futuras que nem em
sonhos vocês podem visitar.
Vocês tentarão imitá-los, mas não poderão torná-los se-
melhantes a vocês, pois a vida segue adiante, e não se
demora no passado."
Khalil Gibran
Este longo capítulo, um pouco deslocado do resto do
trabalho, foi intencionalmente deixado para o fim. Elaborado
para poder ser consultado independentemente dos outros
capítulos, antes ou depois deles, é certamente o mais impor-
tante para um pai ou uma mãe que se separa. Entre todos
os problemas que se encontram no dificílimo percurso da
separação, a questão dos filhos é certamente a mais grave
e delicada e a que contém o maior número de incógnitas
angustiantes. Em nenhum outro momento tão doloroso e
difícil o pai e a mãe sentem de maneira tão aguda e insis-
tente a responsabilidade da vida e do futuro de seus filhos,
junto ao temor de errar, de causar um mal irreparável, de
interromper seu desenvolvimento sadio.
É impossível descrever e comentar aqui cada situação
específica que pode apresentar-se e sugerir para cada uma
soluções e comportamentos adequados: os casos são tão
numerosos quanto as pessoas neles implicadas, ou seja, mui-
to específicos. Todavia, existem algumas grandes linhas fun-
damentais que atravessam todas as famílias que enfrentam
a separação, alguns erros comuns e freqüentes que podem
ser evitados, alguns pontos básicos que devem ser levados
em conta. É nesse sentido que tentei aprofundar e articular
ao máximo o capítulo dedicado ao problema dos filhos.
Nos pontos em que não consegui dar respostas satisfa-
tórias para perguntas por demais específicas, posso apenas
sugerir colocar-se na ótica de ajudar os filhos o máximo
possível, utilizando, antes de mais nada, o bom senso e o
próprio jeito natural de ser.

113
As preocupações dos pais

Premissa
A separação, com as discussões, as tensões e os traumas
que comporta, é com certeza o fato menos desejável para
um casal que tem filhos. Isso porque, ainda que se consiga
vivê-la de maneira civilizada, preocupando-se com a prote-
ção dos filhos, eles sempre são profundamente atingidos por
esse evento que muda toda a sua existência. Freqüentemen-
te, porém, separar-se é a única solução sensata para toda a
família.
Mais de sessenta por cento dos separados são casais com
filhos. É inevitável que eles vivam a separação com muito
mais dificuldades do que aqueles que não têm filhos. Basta
considerar o fato de que terão sempre compromissos e preo-
cupações comuns que os obrigarão a manter contato, ou que,
depois da sua opção, outras pessoas serão envolvidas na mu-
dança e que as interações familiares se tornarão mais com-
plexas. As dificuldades se acentuam quando o casal, ou ape-
nas um dos dois, vive a própria existência exclusivamente
em função dos filhos. Essa maneira de conceber a relação
pais-filhos ainda está muito arraigada na cultura italiana (ou
brasileira) e diz respeito principalmente às donas-de-casa,
que renunciam desde o começo a qualquer outro interesse
externo à família.
Qualquer que tenha sido o estilo de vida do casal, o
motivo de maior inquietação no momento da separação sem-
pre é: "O que será de nossos filhos?"
Em todo caso, nem a decisão preliminar nem a sepa-
ração efetiva se realizam em um dia: antes da consulta ao
advogado sempre passa muito tempo. Durante esse longo
período há uma forma de avaliar bem toda a situação pre-
sente e cada passo futuro. Muitas vezes, se o casal prestar
um pouco de atenção, poderá perceber que os filhos sentem
negativamente os efeitos do clima que se instaurou em casa.
Essa realidade também deve ser pesada e levada em consi-
deração: será que não se pode oferecer-lhes algo melhor?
Repito: a decisão de separar-se é muito árdua, sobretudo
quando compromete o futuro dos próprios filhos. Mas é
bom lembrar que obrigá-los a viver em uma atmosfera hostil

114
ao seu crescimento também é uma opção da qual somos e
seremos responsáveis frente a eles em todos os momentos.
Qualquer pessoa que tenha amadurecido essa decisão
sempre o faz depois de ter refletido muito e depois de ter
considerado e experimentado muitas outras soluções alter-
nativas. Em geral, é essa a consideração que tem um forte
valor resolutivo: a vida tornou-se penosa além da conta
para toda a família, a começar pelos cônjuges e passando
para os filhos. Se a convivência se transforma em fonte de
sofrimento e de mil e uma dificuldades em lugar de prazer,
por que prolongar essa situação? E como agüentar ver os
filhos sofrendo pelo fato de os pais não se amarem mais,
de serem hostis um ao outro e não se compreenderem?
São raros os casais que decidem separar-se sem traumas,
apesar de alguns deles darem essa impressão pela aparente
desenvoltura com que anunciam sua separação. Embora cada
vez mais raros, infelizmente ainda existem casais que não
se separam amigavelmente, e, em geral, o fazem de maneira
dramática. Nesses casos, os filhos freqüentemente se tornam
objeto de negociação e chantagem, o que deveria ser absolu-
tamente evitado, pois é o pior mal que se lhes pode fazer.

Permanecer juntos para o bem dos filhos


Quando um casal começa a amadurecer a decisão de
separar-se, vê-se em estado de conflito contínuo e de sofri-
mento interior, o que o leva a procurar solidariedade, com-
preensão e conselhos de amigos e casais igualmente em crise.
Estes, porém, quando não levam em consideração a possibi-
lidade de separar-se apesar de seu mal-estar, tendem a jus-
tificar-se com respostas muito típicas:

"Se eu não me separo é por causa dos filhos."


"Gostaria de esperar pelo menos até as crianças crescerem."
"Se não fosse pelos filhos eu já teria me separado há muito
tempo."
"Se ficamos juntos é só para o bem dos filhos."
"Sem filhos tudo teria sido mais simples."
"Apesar de as coisas não irem bem, não quero causar esse
mal aos meus filhos."

Essas declarações evidentemente não constituem uma


ajuda. Elas confundem os pais que estão em vias de sepa-

115
rar-se e fazem com que se sintam profundamente culpados:
"Serei um mau pai/mãe? Será que mais uma vez tudo está
dando errado em minha vida? Deveria sacrificá-la por amor
dos meus filhos?"
As pessoas que se fazem essas perguntas (e são tantas!)
não conseguem perceber o verdadeiro significado desses pos-
tulados, enunciados como se fossem a expressão de mensa-
gens heróicas. Além da aparência que querem dar, elas dizem
literalmente: "Os filhos são a causa da nossa infelicidade".
Que conseqüências traz tal comportamento, esse "sacrificar-
se pelo bem dos filhos"?
Aquelas pessoas que, tendo de enfrentar os problemas
da própria vida, aproveitam-se da existência dos filhos, são
sempre suspeitas de, no mínimo, procurar um escudo para
se proteger. Elas não compreendem nem intuem quais e
quão graves implicações negativas produzem em seus filhos
com esse tipo de comportamento verbal. Frases como "sem
filhos tudo teria sido mais fácil" são apreendidas pela criança
como "minha existência é um impedimento à felicidade de-
les" e, portanto, "seria melhor que eu não existisse". Sabe-se
que os filhos absorvem dos pais todo tipo de mensagem,
consciente ou inconsciente, que lhes é transmitida, e que a
assimilam sem qualquer defesa: uma criança só terá sereni-
dade e autoconfiança se lhe for confirmado e garantido,
com palavras e gestos, que é amada e desejada; quando, por
outro lado, mesmo sem ouvir isso explicitamente, ela se sen-
tir um problema, faltar-lhe-ão serenidade e segurança.
Os filhos, quando não convenientemente tranqüilizados,
julgam-se sempre responsáveis pelo que acontece com seus
pais. Em geral, as pessoas não têm a consciência necessária
do mal que podem causar expressões como as citadas acima,
infelizmente muito freqüentes nas famílias que permanecem
unidas apesar de tudo. Insinua-se na frágil consciência in-
fantil a culpa de existir (aquele sentimento difundido de
não ter o direito de ocupar um lugar na vida) e a convicção
de ter de reparar infinitamente essa culpa (sensação de ser
sempre e, em qualquer caso, devedor). Em geral, essas crian-
ças tornam-se pessoas submissas e dependentes de todos
porque foram, antes, dependentes dos pais.
O que está implícito na declaração do casal que afirma
manter a própria ligação unicamente pelo bem dos filhos?
Quando ele realmente deseja o bem dos filhos, sem sentir
conflitos:

116
1. Não os carrega de responsabilidades tão pesadas.
2. É levado a um respeito natural pela sua existência e
individualidade.

Quando isso não ocorre, significa que os pais estão por


demais dilacerados por problemas não resolvidos que não
sabem ou não querem enfrentar; em um sistema fechado
como o familiar, é inevitável que o peso dos conflitos recaia
sobre os ombros dos mais fracos e indefesos. Os casais "uni-
dos a qualquer preço" mantêm desse modo sua relação por
motivos que não ousam declarar, muitas vezes nem a si
mesmos.
Vejamos alguns desses motivos:

— O medo do desconhecido.
— A vontade de manter um status social irrepreensível.
— A recusa de suportar as dificuldades econômicas que uma
separação pode trazer.
— O medo do futuro e da velhice.
— O medo de se ver obrigado a aumentar as próprias res-
ponsabilidades.
— A insana necessidade de manter uma relação "nociva"
que, no entanto, responde a exigências do tipo patológico
(sadomasoquismo, dependência infantil, exercício do poder
sobre uma pessoa, etc.).

O "bem dos filhos", em um contexto desse tipo, trans-


forma-se na melhor desculpa para esconder dos outros (ou
de si mesmo) a verdade e para manter um status quo que
não se deseja realmente mudar.
É claro que, quando o casamento acabou e os cônjuges
não têm mais condições de resolver de nenhuma forma os
seus contrastes, eles prejudicam os filhos se permanecem
unidos exclusivamente pelo chamado "bem deles". Sem som-
bra de dúvida, os filhos vivem e crescem melhor com apenas
um dos pais em um ambiente tranqüilo do que com ambos
os pais em conflito contínuo (aberto ou oculto, não faz
nenhuma diferença).

Os vários condicionamentos culturais


A lógica do sacrifício dos pais em benefício dos filhos
nasce de uma arraigada e difundida hereditariedade cul-

117
tural. No passado, ela tinha por objetivo realizar a união da
família em linha vertical (pais-filhos), premiando o sacrifí-
cio dos pais através do reconhecimento futuro e obrigatório
por parte dos filhos. Além disso, tinha uma função social
precisa quando a família, base e sustentáculo do sistema so-
cial, tinha de defender-se dos fatores desagregantes (internos
ou externos) para garantir a sobrevivência dos seus compo-
nentes individuais. A deferência absoluta e a devoção devidas
aos pais e a rígida hierarquia que ordenava as relações de
parentesco eram outros elementos que agiam nesse sentido.
Alguns comportamentos formais que naquela época testemu-
nhavam concretamente esses sentimentos de lealdade à famí-
lia hoje parecem mera aparência destituída de real signifi-
cado.
Tendo mudado o sistema social e o papel da família,
desagregaram-se ao mesmo tempo os fundamentos desses
valores culturais, patrimônio de outros tempos. Sobraram
aqui e ali alguns resquícios que se inserem, porém, em um
terreno que hoje lhes é estranho: a mentalidade dos conser-
vadores tradicionais e, falando em termos gerais, de todos
aqueles que, para não ter de prestar contas à realidade
contemporânea, se agarram aos valores mortos do passado.
É assim que todos os conflitos das novas gerações são atri-
buídos à decadência dos costumes e ao desaparecimento das
"tradicionais virtudes" familiares e sociais. A separação do
casal, com todos os novos estilos de vida que dela derivam,
é considerada o germe de todo desequilíbrio que se mani-
festa nos componentes da família separada.
Infelizmente, essa ideologia da luta contínua e deses-
perada contra qualquer manifestação de renovação teve,
há até bem pouco tempo, ampla repercussão em vários e
vastos setores da cultura oficial, trazendo não poucos danos.
A psicologia tradicional postulou algumas verdades com
afirmações simplistas e generalizantes, destituídas de funda-
mentos comprovados: os distúrbios das crianças eram sem-
pre explicados com relação aos comportamentos dos pais
que se desviaram da norma, e particularmente das mães com
comportamentos "discutíveis".
Essa maneira reducionista de explicar os distúrbios in-
fantis era duplamente errada: aplacava a ansiedade derivada
do que não se compreendia e reforçava e justificava uma
mentalidade retrógrada.
Sempre houve entre os adeptos do inatismo e os do
ambientalismo um acirrado debate acerca da origem dos

118
distúrbios psíquicos das crianças, dos adolescentes e dos de-
linqüentes jovens: aqueles atribuíam as causas de certos
sintomas patológicos a problemas hereditários; estes, a mé-
todos educativos errados e à ausência de uma assistência
social correta. De maneiras distintas, ambos os grupos acusa-
vam os separados e seus filhos. Os inatistas sustentavam que
os pais que se separam são "anormais" ou, pelo menos, "têm
alguma coisa de errado, que não se enquadra". Conseqüên-
cia: filhos com problemas de caráter.
Os ambientalistas afirmavam que, exceções à parte, os
filhos dos separados teriam sido sempre e em qualquer cir-
cunstância mais difíceis e problemáticos do que outros. Um
decisivo salto qualitativo nesse âmbito de problemas foi
feito quando se admitiu que outras causas podiam influir;
somente então os pais foram em parte absolvidos.
Em seguida, com a teoria dos sistemas familiares, foi
salientada a forte tendência para instaurar-se uma comunica-
ção de tipo patológico entre os vários componentes de um
sistema familiar e deste com o ambiente externo: para ex-
plicar os distúrbios de uma criança, o enfoque foi deslocado
para todo o sistema de relações e de comunicação em que ela
está inserida. Finalmente, depois de anos de indagações e de
pesquisas, nos Estados Unidos foram absolvidos tanto os pais
quanto os filhos da separação e do divórcio.

Um esclarecimento importante
Hoje é unanimemente reconhecido que o estado de
perturbação em que muitas vezes se encontram os filhos dos
separados não é determinado pela separação em si, mas por
toda a situação de conflito e tensão que a causou. Os em-
bates prolongados entre os pais são internalizados pelas
crianças: elas se tornam o próprio conflito dos pais. Faltam-
lhes, assim, aqueles sólidos e positivos pontos de referência
essenciais para o crescimento, tais como a certeza de ser
amadas, de ser boas e de poder mover-se livremente, a cons-
ciência clara do que acontece ao seu redor, etc.
A atmosfera emotiva vigente dentro de casa é, portan-
to, determinante para o equilíbrio e a estabilidade emocional
dos filhos, independentemente do fato de os pais serem ou
não separados. Para se ter uma idéia da importância do
ambiente familiar para uma criança, basta pensar que du-
rante um longo período, particularmente determinante e de-

119
licado para o desenvolvimento futuro, o interior da casa
representa toda a sua realidade. Tudo o que acontece ali é
percebido pela criança de maneira absoluta.
Ultimamente, várias separações foram motivadas pela
constatação de que as contínuas tensões conjugais estavam
começando a influir sobre os filhos, causando-lhes distúrbios
comportamentais. O impacto gerado pela separação dos pais,
se esta for bem conduzida, pode até mesmo ser salutar e
muito menos grave do que as conseqüências produzidas por
uma família continuamente perturbada.
É certamente natural pensar que para os filhos seja
muito melhor viver em um bom ambiente familiar com
ambos os pais do que com apenas um deles. Uma família
unida e serena é obviamente a coisa mais desejável. Por
outro lado, é falso acreditar que seja sempre preferível a
qualquer outra situação ter ambos os pais sob o mesmo teto,
independentemente do tipo e da qualidade de sua relação. A
mesma espécie de considerações vale para as famílias sepa-
radas: se depois e apesar da separação for mantido o estado
conflitante entre os cônjuges, os filhos serão tão prejudica-
dos quanto antes. Nesse caso a separação, que deveria ser
uma solução positiva e a base para um programa de vida
mais tranqüilo, torna-se um ato ineficaz, inútil.
A separação de um casal com filhos é muito diferente
daquela de um casal sem filhos; enquanto este pode até
decidir nunca mais se ver, aquele será sempre um casal de
pais, pai e mãe de filhos com os quais manterão responsabi-
lidades bem definidas. Quando estes se separam por causa
do fim da relação matrimonial, deveriam sempre se propor
manter intacta nos filhos sua imagem de pais, e nisso ajudar-
se reciprocamente. Infelizmente o contrário ocorre com mui-
ta freqüência. Durante a separação, aparecem brigas terrí-
veis exatamente por causa dos filhos, sobre o acordo que
deverá regular a guarda, as visitas, etc. Com a mesma fre-
qüência, a criança vê um dos pais demolir a imagem do
outro; às vezes ambos tomam essa atitude destrutiva sem
perceber que desse modo só destroem a criança. Por exem-
plo, às vezes a mãe, a quem é mais freqüentemente confiado
o filho, procura afastá-lo do pai de todas as maneiras e ao
mesmo tempo colocá-lo contra ele. A criança, que sempre
precisa de ambos os pais para poder crescer de maneira com-
pleta e tranqüila, se vê assim destituída de uma figura essen-
cial para a sua sobrevivência psíquica e prejudicada para
sempre em uma parte de si.

120
A vida familiar, portanto, continua depois da separa-
ção, na medida em que continuam existindo relações recí-
procas entre os seus membros. É por isso que não basta
viver cada um por conta própria a fim de garantir para os
filhos a serenidade de que precisam.
A separação é o desmantelamento de uma situação de-
teriorada; resta agora realizar o ato afirmativo de criar uma
situação satisfatória. Quaisquer que sejam os rumos toma-
dos pelos membros da família, os filhos absorverão sempre
as relações afetivas dos pais: se estes são tranqüilos, ou se só
conseguem encontrar uma fórmula de relacionamento acei-
tável, apesar de limitado, oferecerão aos filhos uma atmos-
fera favorável para o seu desenvolvimento; se, ao contrário,
permanecem naquele estado de conflito contínuo, os filhos
terão maiores dificuldades em encontrar o próprio equilíbrio
emotivo. É sabido que os filhos são o ponto mais frágil do
sistema familiar, que sobre eles recaem sempre todas as ten-
sões, que registram tudo e se responsabilizam por tudo.
Todavia, se receberem por parte de ambos os pais um fluxo
contínuo de amor e de interesse, de forma segura e ininter-
rupta, podem ter condições de superar bem qualquer tipo de
crise familiar.

Os sentimentos de culpa
Apesar da nova lógica subjacente a tudo o que viemos
dizendo, apesar dos diversos encorajamentos que recebem,
muitas vezes os pais separados não conseguem deixar de
sentir profundos sentimentos de culpa. Mesmo conhecendo
os benefícios que os filhos poderão receber da separação,
acham que sempre lhes faltará alguma coisa, que de qualquer
jeito sofrerão por culpa deles.
O sentimento de culpa não é, nesses casos, completa-
mente infundado, mas é por si só negativo e paralisante,
pois produz, no objeto de culpa, confusão, transtorno e até
ressentimento. De fato, não é agradável saber ou sentir que
alguém se acha culpado em relação a nós, porque, sem en-
tendê-la com clareza, tomamos consciência de uma injustiça
que nos foi feita, talvez sem nem termos percebido. Mas o
sentimento de culpa com relação aos filhos (latente nos pais
desde o seu nascimento) pode transformar-se em um impul-
so positivo, ou melhor, necessário, caso se consiga transfor-

121
má-lo em um senso de responsabilidade maior com rela-
ção a eles.
Traduzir o sentimento de culpa em responsabilidade é
possível somente com a capacidade de destituí-lo daquela
angústia que lhe é peculiar, e que logo se transmite do su-
jeito para o objeto. Os filhos de pais angustiados sempre são
cheios de angústias também. Mas sentir-se devedor dos pró-
prios filhos, especialmente nos momentos de separação, é
natural e positivo: isso os protege de decisões apressadas e
da negligência por que se é tentado em momentos de grande
confusão e crise. Ao invés de arriscar-se a não dar a devida
importância às eventuais conseqüências da separação sobre
a vida psicoafetiva dos filhos, certamente é melhor exceder-
se no sentido oposto: dedicar-se a eles de maneira mais assí-
dua, prestando especial atenção às suas novas reações. O
momento da separação é tão delicado e difícil para os pais
quanto para os filhos. Mas as crianças não possuem todos
aqueles instrumentos necessários para compreender e enfren-
tar com autoridade o que acontece: é principalmente nesse
sentido que necessitam de um apoio especial em termos de
afeto, explicações e compreensão.
Uma sensação que aflora freqüentemente nos pais em
vias de se separar ou já separados, e que às vezes se define
como forte sentimento de culpa, é a auto-repreensão por ter
privado os filhos da necessária presença do outro. A única
forma concreta de providenciar para que esse fato não tenha
graves conseqüências consiste, mais uma vez, no esforço de
eliminar (ou pelo menos de diminuir) o antagonismo, os ran-
cores e os conflitos com o ex-cônjuge.
É bom lembrar que se os cônjuges são, um para o
outro, apenas "ex", para os filhos cada um deles será sem-
pre o único pai, a única mãe. Não foram eles que escolheram
os próprios pais, não podem substituí-los somente pelo fato
de não se amarem mais.
Também não se deve esquecer que, independentemente
das virtudes e dos vícios de cada um, é necessário que os
filhos possam manter intacta uma imagem válida, crível e
confiável do próprio pai e da própria mãe. Fazer com que
isso se realize é dever indispensável dos pais.
Pode-se resumir o que foi dito até agora em alguns
pontos fundamentais:

— Uma separação bem-sucedida, "feliz", é sempre preferí-


vel a um casamento infeliz: quando um casamento não foi

122
uma união acertada, pode-se pelo menos tentar separar-se
bem e, portanto, com sucesso.
— As modalidades segundo as quais se realiza e se mantém
uma separação não são de modo algum indiferentes ("não se
pode fazer mais nada mesmo . . . "); pelo contrário, são muito
relevantes para o futuro de todos os membros da família,
especialmente para os filhos.
— Dentre as possíveis experiências difíceis no que diz res-
peito ao equilíbrio psicoafetivo, a separação dos pais não é
a pior. Revela-se sempre muito mais desequilibrada uma fa-
mília formalmente intacta mas emotivamente dilacerada, se-
parada.
— A separação deve ser considerada como aquele tipo de
operação cirúrgica que é a única cura possível, desde que
efetuada com competência, precisão e delicadeza.
— Quanto maior for o senso de responsabilidade para com
os filhos, menores serão os sentimentos de culpa com rela-
ção a eles.

Como e quando informar os filhos

Preliminares

"Como explicar aos nossos filhos a nossa separação?


Como poupar-lhes sofrimentos inúteis?"
São esses os problemas que normalmente se apresentam
a um casal que está pensando em se separar. Enfrentá-los
não é fácil, pois trata-se de questões extremamente delica-
das e não existe uma fórmula que possa ser válida para
todos. Depende muito da idade dos filhos, do seu caráter,
do fato de serem filhos únicos ou não, do seu relacionamen-
to com os pais, etc.
Todavia, existem alguns fundamentos gerais que podem
regular o comportamento dos pais e ajudar, pelo menos
nesses momentos difíceis, a criar um clima emotivo o mais
relaxado e sereno possível. O importante, de fato, é conse-
guir obter uma comunicação autêntica entre pais e filhos,
criando aquelas condições que permitem a ambos compreen-
der-se reciprocamente.
Muitas vezes os pais, principalmente quando os filhos

123
já estão um pouco crescidos, tendem a envolvê-los nas dis-
cussões preliminares à decisão de separar-se, como se, per-
mitindo-lhes de algum modo a participação, eles sofressem
menos a situação. Isso gera, por exemplo, perguntas do
tipo: "O que você acharia se papai e mamãe vivessem cada
um por conta própria, talvez só por um tempo?" Desse
modo, porém, eles são carregados, embora de maneira vela-
da, de uma grave responsabilidade que absolutamente não
lhes compete; ao mesmo tempo, sentem-se chamados a re-
compor uma situação de cisão que lhes escapa na sua essên-
cia. Tudo isso deve ser evitado. É bom informar os filhos
da decisão tomada somente quando ela for clara e definitiva.
Só então será possível explicar todas as razões de uma sepa-
ração de maneira compreensível e aceitável. Também é im-
portante escolher o momento certo e conseguir criar a atmos-
fera adequada para uma boa comunicação.
Muitas vezes, os filhos, sentindo no ar algo de insólito,
mostram-se estranhos, irrequietos ou perturbados antes mes-
mo que qualquer decisão tenha sido tomada. Se os pais bri-
gam, ou não se falam e estão tensos, em geral os filhos ten-
tam entender fazendo perguntas e procurando tranqüilizar-se
com relação ao que está acontecendo. Nesses casos, a fim
de evitar qualquer dramatização, será oportuno responder
em um tom desse tipo: "Papai e mamãe estão com proble-
mas, não estão de acordo com relação a algumas coisas e
procuram uma solução."

"Eles são muito pequenos para entender!"


Quando se evita ter com os filhos uma conversa clara
sobre a própria separação, adiando o momento de falar-lhes
abertamente, freqüentemente se cria neles uma forma de
desorientação e ansiedade inúteis. Que eles sejam muito pe-
quenos para entender é uma dúvida que obviamente se
apresenta quando ainda são crianças. Nesses casos, é bom
lembrar que pode ser ainda mais difícil para eles viver uma
situação que, sentida com a mesma força, não conseguem
explicar sozinhos. Normalmente esses silêncios prolongados
são devidos a um profundo embaraço, às vezes a sentimentos
de culpa: como justificar-se aos olhos daqueles que vêem em
nós e na nossa união um ponto de referência fundamental
e vital? O temor de ferir as próprias crianças, apesar de
justificado e natural, pode todavia ser um álibi perigoso

124
quando se torna uma maneira de não enfrentar os problemas
juntos.
O valor que mais precisa ser resguardado e defendido
nesses momentos é a confiança instintiva dos filhos em rela-
ção aos pais, vale dizer, a certeza de receber sempre clareza,
verdade e respeito. A confiança do filho no pai e na mãe é,
de fato, um elemento basilar para um desenvolvimento sadio
da personalidade, uma espécie de condição sem a qual ele
se torna problemático e difícil.
A verdade: no que diz respeito ao conhecimento da
verdade, as crianças são muito menos frágeis do que os adul-
tos, enquanto, por outro lado, sua natureza delicada ("im-
pressionável", influenciável) é profundamente abalada pelas
situações conflitantes e incompreensíveis. Elas precisam so-
bretudo de um relacionamento com os pais no qual possam
sentir a solidez de seu vínculo com eles. Se essa solidez for
transmitida, qualquer coisa que for comunicada, mesmo de-
sagradável, não fará mais que reconfirmar os pais em seu
papel de figuras sólidas, em que se pode acreditar e que
podem ser tomadas como pontos de referência. Isso é o
essencial. Repito que o sofrimento imediato causado pelo
conhecimento da decisão dos pais de separar-se é menos
traumático do que a ansiedade que emerge de uma atmos-
fera de segredos e mau humor. Enfim, assim que seja possí-
vel, é aconselhável dar imediatamente explicações verdadei-
ras e autênticas aos próprios filhos, as quais serão elaboradas
de acordo com sua idade e sua capacidade de compreender.

A idade certa para saber


Não existe "a idade certa" para falar com os próprios
filhos de questões graves e dolorosas. Existem, porém, di-
versos modos de enfrentar os problemas e muitos planos em
relação à verdade. A verdade se aprofunda, se articula e se
completa à medida que os filhos crescem. O importante é
usar nos próprios discursos não só uma linguagem simples,
mas também categorias de pensamento que possam ser com-
preendidas por eles. Por exemplo, deve-se evitar dizer a uma
criança de três-quatro anos que "papai e mamãe não se amam
mais", mas sim que "papai e mamãe acham que podem viver
melhor cada qual por conta própria": a idéia de um senti-
mento que tem princípio, desenvolvimento e fim ainda não
faz parte da bagagem conceitual de uma criança tão pequena.

125
Além disso, será oportuno que, no momento de falar
de sua separação, os pais estejam de acordo e unidos, res-
pondendo com clareza a cada pergunta que os filhos quise-
rem fazer. O essencial é que estes sintam que estão recebendo
uma explicação honesta, apoiada nos fatos, sem que sejam
escondidas ou exaltadas certas emoções dos pais e reprimi-
das as deles.
Informar os filhos não basta, mesmo que os pais con-
sigam fazê-lo de maneira apropriada e não traumática. É
muito importante observar suas reações, convidando-os a
dizer tudo o que pensam e a exprimir a emoção de seus
estados de espírito. Isso porque muitas vezes é inevitável ter
de assistir a explosões de raiva e hostilidade, às quais é bom
dar o espaço certo para que possam encontrar expressão e
compreensão. Outras vezes, os pais se encontrarão frente a
uma parede de aparente indiferença: seu dever será desco-
brir o que essa atitude quer esconder e fazer com que isso
não permaneça inconscientemente sepultado.

O direito de saber
Alguns pais, somente depois de repetidas solicitações e
perguntas, decidem dar explicações que, no entanto, resul-
tam evasivas e pouco claras. Alguns comportam-se assim
pela intenção de manter a própria vida particular sob um
véu de discrição; outros, por não terem desembaraço sufi-
ciente para enfrentar esses problemas. Mas, embora seja
compreensível a vontade de não afligir os filhos com os
próprios problemas e natural o embaraço sentido frente a
eles, dessa maneira comete-se involuntariamente um grave
erro. Uma atitude evasiva que obriga a vi ier em um estado
de nebulosa incerteza provoca nas crianças tamanhas condi-
ções de insegurança que podem mesmo levá-las a distúrbios
de vários tipos.
Todos os membros de uma família, sem excluir nin-
guém, são envolvidos pessoalmente por uma decisão de se-
paração. Essa decisão, de uma forma ou de outra, mudará
a vida de todos eles, de modo que cada um tem o direito
de saber por que isso está acontecendo, como e quando
acontecerá.
Pensar simplesmente que os filhos "entenderão sozi-
nhos" significa obrigá-los a um esforço de atenção (por
exemplo, espiar os gestos e as palavras dos pais) e de com-

126
preensão que normalmente é superior às suas forças, ou me-
lhor, que distorce suas forças. Além disso, apreender essa
realidade das próprias conclusões infantis, a partir de gestos
e palavras secretamente observados, "roubados" e persegui-
dos na própria fantasia, gera neles a sensação de serem estra-
nhos ("eu sou incômodo?"), de não pertencerem completa-
mente à família. Ouvir de outras pessoas o que lhes diz
respeito tão diretamente e lhes está tão próximo pode pro-
vocar neles a sensação de terem sido traídos, o que pode
até induzi-los a uma falta de respeito e de confiança nos
próprios pais, que não tiveram a coragem e o desejo de
dividir com eles essa realidade comum. Disso resultam inse-
gurança, desnorteamento e perda de pontos de referência
válidos.

O que deve ser dito


Existem situações que parecem mais difíceis de expli-
car, pois causam maior embaraço e sentimento de culpa. Se,
por exemplo, a separação é devida a uma nova paixão de
um dos cônjuges ou se é determinada por problemas rela-
tivos à esfera sexual, as explicações podem ser formuladas
mais ou menos assim: "Embora a mamãe ainda goste do
papai, agora também ama outra pessoa e prefere ficar mais
tempo com ela" ou "Embora o papai ainda goste da mamãe,
agora não gosta mais de dormir abraçado com ela. Mamãe
sente muito, e papai também. Tentamos resolver esse pro-
blema, mas não conseguimos. Por isso nós dois decidimos
viver sozinhos".
Quando se trata do surgimento de problemas relativos
à esfera da homossexualidade, pode-se igualmente falar com
sinceridade, embora se deva ter a precaução de manter in-
tacta a imagem sexual de ambos os pais. Pode-se, então,
dizer: "Nesse momento papai prefere ficar em companhia
de homens como ele a ficar só com a mamãe. Por isso deci-
dimos que ficaremos todos mais felizes vivendo cada um
por conta própria", ou: "Algumas mulheres gostam de ficar
com os homens, outras preferem a companhia de outras
mulheres e outras ainda gostam da companhia dos dois.
Nesse momento a mamãe prefere passar mais tempo com
as amigas do que com o papai. Por isso decidimos não viver
mais na mesma casa".
No caso de um dos cônjuges ser o único a desejar a

127
separação, deverá, apesar do medo de parecer mau, encon-
trar a força de assumir a responsabilidade perante os filhos.
É desejável, porém, que também nesse caso os cônjuges
estejam unidos para falar da sua separação, sem que ao
"culpado" seja delegada toda a responsabilidade moral e
prática na solução dos problemas com os filhos. Também é
importante dar aos filhos, junto com outras informações,
uma visão abrangente e concreta de quais e quantas serão
as mudanças e de quando terão lugar (por exemplo, quem e
quando irá morar em outro lugar).
Enfim, gostaria de lembrar que não só é necessário in-
formar os filhos do que vem acontecendo, como também é
indispensável fazê-lo em uma atmosfera serena e aberta a
todas as possíveis reações.

O que é melhor evitar


Existem fatos que, por vários motivos, os pais não
querem informar aos filhos. Muitas vezes trata-se de situa-
ções que não podem ser compreendidas por uma criança e
que os pais se propõem a explicar mais tarde; às vezes, de
fatos reservados extremamente delicados, referentes a tercei-
ros; em alguns casos, enfim, trata-se de problemas que eles
mesmos ainda estão amadurecendo e dos quais sabem não
poder falar com serenidade suficiente. Em cada uma dessas
circunstâncias poder-se-á dizer claramente: "Existem algu-
mas coisas que papai e mamãe não podem (ou não querem)
discutir com vocês. Vocês também, quando crescerem, não
vão querer falar de certas coisas, e é justo que seja assim.
Mas desejamos que vocês se sintam livres para fazer todas
as perguntas que quiserem; quando não pudermos respon-
der, diremos claramente, sem fazer vocês pensarem em coisas
erradas".
Não há dúvida de que é bom evitar desculpas do tipo
daquela em que se diz que o pai (ou a mãe) saiu em viagem
de negócios quando isso não for verdade: mentindo uma vez,
o casal se verá obrigado depois a recorrer a outras desculpas,
não mais necessárias, para manter de pé a primeira afirma-
tiva falsa. E, em todo caso, será inevitável que o filho des-
cubra a verdade mais cedo ou mais tarde. A situação se
tornaria então bastante complexa para os pais e dolorosa
para a criança: não há explicação no mundo que possa jus-
tificar uma mentira por parte dos pais e que possa fazer a

128
criança esquecer a sensação de traição experimentada sem
que, ao mesmo tempo, seja ferida sua confiança na lealdade
e justiça dos próprios pais.
Assim, no caso de um dos cônjuges ter tido graves
problemas com a justiça (por exemplo, tenha sido preso),
ou ter sido internado por doença mental ou, ainda, por de-
pendência de tóxicos, pode-se explicar que existem coisas
de que nem sempre se pode falar, sem excluir, porém, a
possibilidade de poder fazê-lo futuramente. Não contar aos
filhos tudo o que acontece ao redor e dentro da família pode
e deve ser uma forma de respeito a eles, e não de subtração
arbitrária de informações. As crianças entendem bem, se
lhes for convenientemente explicada, a existência de situa-
ções que elas não têm condições de entender. Em vez de
mentir, é melhor declarar que momentaneamente é um bem
para elas ficar de fora de certos problemas. Se, ao contrário,
se julga que seja o momento certo para mencionar ou até
explicar a fundo a verdade, são necessários muita delicadeza
e muito tato, qualquer que seja a idade dos filhos.

As tranqüilizações mais importantes

Antes, durante e depois da separação, os filhos vêem


desaparecer muitos de seus pontos de referência. Quer se
trate de crianças pequenas, quer de rapazes e moças já cres-
cidos, uma vez que algumas de suas certezas caem por terra,
eles são automaticamente levados a questionar outras. Co-
meçam, assim, a duvidar de alguns elementos essenciais de
sua vida, necessários para o seu desenvolvimento: o amor
dos pais, a certeza de uma continuidade das coisas da vida,
a sensação de unidade interior, etc. Nesse período, portanto,
eles têm uma necessidade especial de clareza: os pais deve-
rão empregar muita paciência e todo o seu amor no ato de
explicar claramente as causas da separação (nos limites, quan-
do considerados corretos, que já indiquei acima), mas so-
bretudo deverão tranqüilizá-los amplamente sobre outras
questões.
Antes de mais nada, será muito importante explicar e
fazê-los sentir (tranqüilizar) que, embora não se amem mais
como antigamente, continuarão sempre a amar do mesmo
modo os próprios filhos, que são o resultado do amor
que tinham quando se encontraram: resultado muito bem
recebido, amado e precioso para ambos. Quanto menores,

129
tanto mais as crianças precisam dessa tranqüilização, pois
tendem a vivenciar a separação dos pais como a punição
por uma falta que cometeram: "Não fui um bom menino, por
isso papai e mamãe estão zangados comigo; não me amam
mais, por isso se separam". Para que os filhos não assumam
a responsabilidade de tudo e o seu equilíbrio não seja abala-
do por sentimentos de culpa e angústias (dos quais não
poderiam mais livrar-se definitivamente), os pais deverão
repetidamente e de diversas maneiras tranqüilizá-los quanto
ao fato de que a própria escolha não depende deles e que,
portanto, eles não são de jeito nenhum a causa da separação.
No que diz respeito à segurança da condição material
(se são crescidos o suficiente para preocupar-se com isso), é
bom tranqüilizá-los: ambos os pais continuarão sempre a
cuidar para que nunca lhes falte nada.
Mas a melhor maneira de tranqüilizar os próprios filhos,
a única que torna possíveis todas as outras, é conseguir ter,
depois de separados, um relacionamento não mais conflitan-
te e hostil de parte a parte. Já vimos como as hostilidades
e os conflitos entre os cônjuges perturbam os filhos mais
do que a própria separação. Se os filhos puderem constatar
que ela resolveu o estado de inimizade ou de ansiedade que
havia antes, se puderem viver em uma atmosfera relaxada
e serena, não só se sentirão melhor como também compreen-
derão mais facilmente o motivo da escolha feita pelos pais.
As crianças verão neles pessoas confiáveis que buscam coisas
sensatas e que sabem torná-las reais. A nova atmosfera ins-
taurada será reconhecida como o produto do esforço feito
por ambos os pais. A confiança neles crescerá. Dessa con-
fiança e da imagem de si que os pais conseguem transmitir
aos filhos depende seu futuro comportamento de pessoas
adultas e o olhar (confiante, desconfiado, positivo ou não,
etc.) que serão capazes de lançar sobre as pessoas e o mundo.

As reações dos filhos

Cada criança reage de uma maneira à separação dos


pais. A diferença de reações depende de fatores tais como
o temperamento e a idade da criança, mas principalmente o

130
caráter e o comportamento global dos pais. É determinante
o modo como agiram durante o período anterior à separa-
ção, como a dirigiram e como conseguiram anunciá-la (com
serenidade ou de maneira dramática, discutindo ou unidos e
de pleno acordo, etc.). Quanto mais os pais estiverem tran-
qüilos e seguros da própria escolha, tanto menos os filhos
ficarão preocupados com a mudança que os espera.
Algumas crianças conseguem surpreender os adultos
com o alívio que demonstram ante a notícia da separação;
outras procuram até mesmo certificar-se de que papai (ou
mamãe) realmente não viverá mais com elas. Isso ocorre
quando tiveram de suportar tensões muito fortes, de modo
que a separação lhes permite entrever seu fim.
Quando, ao contrário, os pais viveram e discutiram seu
desacordo, conseguindo manter os filhos totalmente fora do
clima conflitante, estes costumam ficar, quando da notícia
da separação, espantados, surpresos e desorientados, embora
mais tranqüilos do que outros: começam a fazer as pergun-
tas mais inesperadas e querem saber todos os porquês. Em
todo caso, a maior parte das crianças reage à separação com
mais ou menos ansiedade, pois entende que a velha "ordem"
será desfeita e que será criada uma nova, desconhecida
para ela.
No que diz respeito às crianças que ainda não atingiram
os dois anos de idade, se ficarem com a mãe não serão
muito perturbadas pela ausência do pai, que até essa idade
é uma figura pouco representativa na vida psíquica da
criança.

Na idade pré-escolar entre os dois e os cinco anos


As crianças dessa idade, embora não possam ter plena
consciência do que acontece, ficam no entanto profundamen-
te impressionadas com os acontecimentos familiares. Suas
reações são na maioria das vezes inconscientes. Às vezes
manifestam alguns distúrbios sob a forma de choros repen-
tinos e novos medos, ou então recomeçam a molhar a cama
e tornam-se estranhamente mudas e silenciosas. Freqüente-
mente mudam de atitude com relação aos próprios objetos
e brinquedos: ou se desinteressam por completo ou se tor-
nam excessivamente ciumentas. As maiorzinhas correm para
o telefone cada vez que ele toca na esperança de falar com o
pai (ou a mãe), que saiu de casa.

131
Todas essas novas manifestações em geral encontram
aquele que ficou com os filhos despreparado e embaraçado.
Ele se torna particularmente sensível e vulnerável ao senti-
mento de culpa de tê-los deixado sem o outro, de modo
que muitas vezes as suas reações também são irrefletidas e
descontroladas. Isso porque, se é verdade que o comporta-
mento dos pais influi profundamente sobre o dos filhos, tam-
bém é verdade o contrário, ou seja, que as reações dos filhos
influem no estado de espírito e no comportamento dos pais.
Eles devem estar prontos a ajudar os próprios filhos até, se
necessário, com a ajuda e os conselhos de especialistas.
A idade entre os dois e os cinco anos é realmente um
período muito delicado que representa um momento essen-
cial do desenvolvimento global de uma pessoa. Nesse espaço
de tempo a criança descobre o sexo oposto no pai ou na
mãe, desenvolvendo e amadurecendo com relação a ele/a
sentimentos de ambivalência. Se ele/a faltar, a criança será
destituída da possibilidade de exprimir esses sentimentos e
de ser tranqüilizada acerca da sua natureza inofensiva. A
criança dessa idade ainda não sabe bem que os sentimentos,
as idéias e as fantasias não equivalem à ação, pois continua
confundindo o plano da realidade com o da imaginação. Por
essa razão às vezes se carrega de pesados sentimentos de
culpa: ela se convence de que o pai (ou a mãe) saiu de casa
porque ela desejou seu desaparecimento (ou porque foi de-
sobediente, ou porque se sente má). A ilusão infantil da
onipotência do pensamento faz com que se acredite capaz
de separar os pais; do mesmo modo, concretizada a separa-
ção, fica convencida de ter o poder de reconciliá-los. A crian-
ça, assim, tem a tendência de assumir a responsabilidade de
tudo o que acontece ao seu redor. As crianças pequenas,
de fato, manifestam com insistência o desejo de que os pais
voltem a viver juntos, exprimindo-o como se se tratasse de
uma necessidade absoluta, de um "ter que ser" da situação.
Nesses casos, é importante tranqüilizá-las com afeto e cari-
nho, garantindo-lhes que não são de modo algum responsá-
veis nem culpadas pela separação dos pais.

Na idade escolar dos seis aos doze anos


Uma continuidade de presença física por parte de am-
bos os pais faz-se menos necessária, desde que aquele ausen-
te não abdique de suas responsabilidades de "fornecedor"

132
de autoridade e de afeto e que se faça sentir efetivamente
como pai ou como mãe.
Se a criança não se sentir abandonada ou esquecida,
ainda terá condições de assumir sem feridas e sem traumas
o pai (ou a mãe) ausente como um sólido ponto de referên-
cia. Isso também vale para aquele do mesmo sexo, de quem
a essa idade a criança precisa tanto, já que procura um guia
e um modelo para imitar.
É a idade em que os filhos podem entender melhor as
razões que determinaram a separação e receber mais facil-
mente as explicações tranqüilizadoras que recebem dos pais.
Apesar disso, muitas vezes não deixam de expressar dor e
grandes medos e de lançar mão de mecanismos de defesa
que visam a abrandá-los. Desse modo, acabam manifestan-
do-se regressões infantis de comportamento, acompanhadas
de inquietude e irritabilidade. A regressão a comportamentos
típicos de um estágio anterior do desenvolvimento repre-
senta sobretudo um pedido de maior atenção e de presença
mais contínua.
No caso de as crianças terem pesadelos ou manifesta-
ções psicossomáticas de mal-estar (cãibras, náusea, etc.), ou
ainda de culparem insistentemente a mãe (se foi ela que
ficou) da falta do pai (se foi ele que saiu de casa), será me-
lhor consultar um especialista.

Os adolescentes dos doze aos dezoito anos


Os adolescentes compreendem muito bem quando e por
que a separação se torna necessária. Isso, porém, não signi-
fica que não sofram com ela e que não desejem viver uma
situação familiar serena e tranqüila.
Nessa etapa da vida, a chamada idade difícil, junto ao
desenvolvimento físico se vai formando a identidade pessoal
definitiva e a consciência da mesma. Ter um modelo para
admirar e para tomar como referência na escolha do próprio
comportamento e das próprias ações torna-se essencial. Se
ele faltar de todo ou se for vivido de maneira muito confli-
tante, podem surgir fortes crises de identidade e ao mesmo
tempo pode ter início um processo de enorme e prejudicial
dispêndio de energias psíquicas. Muitas vezes aquele que fun-
ciona como modelo (o pai ou a mãe) é substituído por uma
figura masculina ou feminina (de acordo com o sexo do ado-
lescente) capaz de exercer uma certa influência sobre ele.

133
Pode ser um amigo da família, um parente, um professor
da escola, desde que demonstre uma certa disponibilidade
e que esteja de algum modo consciente do papel que esperam
dele (e que automaticamente assume): isso porque seus ges-
tos serão imitados, sua autoridade será respeitada com devo-
ção e suas opiniões serão levadas em consideração.
As vezes os adolescentes assumem um comportamento
polêmico frente a um dos pais, tomando as partes do outro;
às vezes, ao contrário, garantem a um e outro separadamente
ser ele a quem eles mais amam. Isso ocorre, em geral, quan-
do lhes é pedida por um ou por ambos os pais uma espécie
de cumplicidade, de maior aprovação ou de preferência de
um em detrimento do outro. Trata-se de um comportamento
muito difundido ("quem você prefere, papai ou mamãe?"),
e ainda mais destrutivo para o equilíbrio do jovem; de fato,
ele vai acrescentar-se ao número já notável de conflitos inte-
riores que o adolescente deve enfrentar. Ao invés de servir-
lhe de apoio, desse modo os pais lhe colocam problemas
posteriores inúteis e angustiantes.
Freqüentemente os adolescentes filhos de separados
mentem para os colegas sobre os próprios acontecimentos
familiares. Eles não sabem como aceitar o fato de que os
pais são separados. Se mentem é porque, evidentemente, não
tiveram ajuda suficiente por parte dos adultos. É raro que
os pais discutam a separação aberta e serenamente com os
filhos maiores. Em geral limitam-se a anunciá-la e a dar pou-
cas e secas explicações. Isso porque, se com as crianças me-
nores temem não poder ser compreendidos, com os filhos
maiores cresce o embaraço devido ao temor de um juízo se-
vero dos mesmos. Os pais de filhos adolescentes muitas
vezes já os consideram adultos e capazes de entender tudo,
sem levar em conta, por comodismo, que principalmente
nesse período da sua vida os filhos precisam de exemplos
de clareza, de modelos de relacionamento interpessoal cris-
talino e fundado na confiança. Nesses casos os jovens chegam
a elaborar racionalmente e sozinhos a situação que os rodeia,
muitas vezes extraindo dela conclusões gerais de tipo cínico,
tais como:

"Mais cedo ou mais tarde, como com todo mundo, tinha que
acontecer também com eles".
"O amor é uma grande mentira, não se deve confiar em
ninguém."

134
Alguns, deixados sozinhos frente a dolorosos conflitos
que não sabem enfrentar, se esquivam e negam os dados da
realidade de diversas maneiras:

"Trata-se apenas de um episódio momentâneo que passará".


"Não é problema meu."

Se existe uma tendência generalizada a dar poucas expli-


cações aos adolescentes, pressupondo que sejam capazes de
se virar sozinhos, há outra tendência, também muito difun-
dida, especialmente por parte de quem ficou com os filhos,
de fazer do próprio filho o confidente preferido.
Esse comportamento é encontrado principalmente nas
mães, as quais, vendo-se de repente sem o companheiro,
desabafam com os filhos. Elas se explicam dizendo que desse
modo os tratam mais como amigos do que como filhos. In-
felizmente não percebem que essa é uma forma de respon-
sabilizá-los além da medida e de privá-los de um relaciona-
mento sereno mãe-filho, fundamental na vida de todos nós.
Todo adolescente, mesmo maduro e aparentemente autô-
nomo, necessita muito dos pais, ou melhor, de afeto in-
condicional, da segurança de um apoio nas situações difíceis
(solidariedade), de um guia, de modelos para admirar, de
autoridades para respeitar.
Muitas vezes, alguns pais progressistas dizem: "Eu sou
o melhor amigo dos meus filhos". Mas, quando os pais que-
rem substituir os amigos, isso significa que inconscientemen-
te desejam aliviar-se dessas responsabilidades. Assim, se os
adolescentes têm reações violentas, em geral é porque foram
privados de alguma coisa que lhes é muito necessária e da
qual sentem ter sido defraudados; começam a sentir, não
sem razão, que os adultos os enganam.
Vou resumir alguns pontos fundamentais: as reações
das crianças e dos adolescentes das mais diferentes idades
são muitas vezes caracterizadas por uma certa raiva manifesta
ou latente e por uma rejeição da separação. Esses sentimen-
tos são determinados por vários fatores, mais freqüente-
mente:

— Pelas privações e pela maior carga de conflitos a que são


submetidos se a separação não for bem conduzida.
— Pela falta do pai (se foi ele quem saiu de casa), caso ele
não mantenha uma presença ativa na vida dos filhos.
— Pela permanência de uma atitude conflitante recíproca

135
dos pais, conflito esse que, se não for resolvido, inevitavel-
mente se acentuará depois da separação.

Se, ao contrário, os pais, exatamente através da separa-


ção, conseguirem resolver juntos seus problemas e suas ten-
sões, poder-se-á notar também nos filhos uma dissolução dos
distúrbios, um abrandamento do caráter e, em geral, uma
completa e espontânea aceitação desse momento especial na
história de sua família.

As reações dos pais


Os pais também têm reações diferentes perante os pró-
prios filhos, as quais dependem da maneira como conduzi-
ram a separação e da situação (afetiva, econômica, etc.) em
que se encontram depois, da sua idade e da dos filhos, do
temperamento, etc.
Alguns começam a preocupar-se além da conta, tornan-
do-se ansiosos e superprotetores. Isso porque aquele a quem
são confiados os filhos, se fica sozinho, vê-se sem uma ajuda
de confiança no controle de seu crescimento. Sem o apoio
de um olhar externo válido encontram-se muitas dificulda-
des para ver os próprios filhos sem distorções, para "julgá-
los" na perspectiva correta; muitas mães, por exemplo,
chegam a angustiar-se com o receio de que, na falta da figu-
ra paterna, possam surgir no filho tendências homossexuais.
Alguns pais, ao contrário, começam a amadurecer res-
sentimentos, identificando nos filhos aquelas figuras que lhes
dão tanto trabalho, que lhes limitam o tempo livre e o pró-
prio espaço pessoal. Ouvem-se freqüentemente pais separa-
dos que se lamentam:

"Não tenho mais como ocupar-me da minha carreira; meus


filhos tomam todo o meu tempo".
"Não posso mais sair com os amigos, não tenho com quem
deixar as crianças."
"Meus filhos me controlam demais, querem saber tudo o
que eu faço, como se eu não tivesse mais o direito de ter
minha vida particular."

Mas, se é verdade que esses fatos constituem uma


condição real e difícil, também é verdade que depende muito
dos pais e do relacionamento que conseguem estabelecer

136
com os filhos fazer com que estes não representem um
"peso".
Os pais que ficam sem os filhos sentem cada vez mais
sua falta. Hoje também para o homem, como sempre o foi
para a mulher, um dos verdadeiros pólos de interesse da
vida é constituído pelos filhos, sua educação e seu cresci-
mento. Quem fica menos tempo com os filhos em geral
sente a sua falta (que às vezes se manifesta em fortes esta-
dos depressivos) também porque não pode influenciar de
maneira contínua em sua educação. Mas esse impedimento
pode ser em grande parte contornado: existem muitos tipos
de acordos que podem ser feitos com o ex-companheiro a
fim de que, para o bem dos filhos, possa ser garantida uma
presença significativa de ambos os pais em sua vida. É neces-
sário evitar a tentação de, por causa do sofrimento da sau-
dade, descartar de uma vez tudo o que com eles e por eles
pode ser feito. Isso porque, se no momento pode represen-
tar uma espécie de alívio não pensar nunca nos próprios
filhos ("não quero nem pensar, me dói muito!"), a longo
prazo uma atitude semelhante se revelará um erro grave,
quase irreparável para si, para os filhos e para o ex-compa-
nheiro.

Esquema para referência geral


Para os pais que se separam existem, portanto, algumas
questões fundamentais que eles não podem deixar de lado.
Repito brevemente os pontos mais importantes:

A. Os distúrbios acusados pelos filhos de pais separa-


dos na maioria dos casos dependem dos seguintes fatores:

1. Um ou ambos os pais não estão bem, pois vivem de modo


mal resolvido a própria separação. Se quem está com a guar-
da dos filhos se encontra em um estado de contínua depres-
são, é bastante improvável que os filhos possam sentir-se
bem. Se depois da separação continuarem as brigas e os
rancores, os filhos certamente se ressentirão enormemente.
Portanto, quanto menores forem as causas que geram mal-
estar e mau humor, tanto mais energias sobrarão para criar
em casa uma atmosfera estável e tranqüilizadora, necessária
para um crescimento saudável. Além disso, para que as crian-
ças possam encontrar um bom apoio, é necessário que os

137
pais sejam serenos, seguros e competentes. Para isso, acon-
selha-se que dediquem mais tempo para cuidar de si mesmos,
sem ter a impressão de estar tirando alguma coisa aos filhos
dessa maneira.

2. Falta à criança a clareza necessária para viver serenamen-


te na nova situação: os pais não a informaram, ou a infor-
maram mal (de maneira distorcida) sobre sua separação.
Nesses casos a ignorância das coisas gera angústia. Deve-se
sempre informar os filhos de maneira transparente e hones-
ta, sem porém exceder-se nas informações não assimiláveis.
Assim, em todas as ocasiões desagradáveis que se apresenta-
rem, será útil estabelecer um modelo de abordagem dos
problemas sincero mas equilibrado, de modo que as crianças
aprendam a enfrentar a realidade sem a necessidade de men-
tir para si ou para os outros. Por exemplo, afirmações do
tipo "seu pai o ama muito" são inúteis quando tudo indica
o contrário; a criança nota certas incongruências, que só
podem confundi-la. Também é fator de ansiedade, porém,
aquela atitude de um dos pais de repreender o outro violen-
tamente pelo seu comportamento com relação aos filhos. Por
exemplo: "Ele/a não liga nem um pouco pra você. Nem
manda dinheiro. Nunca vem vê-lo".
A verdade tem sempre muitas aparências e apenas algu-
mas evidências. Por isso nem sempre se deve sublinhar o
que já está claro por si só.

3. O desaparecimento repentino e não motivado de um dos


pais. O desinteresse e o desaparecimento súbito e prolonga-
do de um dos pais pode provocar verdadeiros traumas na
criança, que depois da separação tende a radicalizar os pró-
prios sentimentos de culpa: sentindo-se culpada, sentir-se-á
também punida com o abandono. Para desenvolver-se de
maneira completa e equilibrada, toda criança precisa da
presença (presença afetiva e modelo de comportamento)
de ambos os pais. Quando faltar a presença concreta e con-
tínua de um dos dois, será oportuno fazer com que tal ausên-
cia não seja excessivamente recriminada (nem elogiar nem
desprezar demais o ex-cônjuge).

B. Muitos fatores positivos podem ajudar a criança a


superar com serenidade o período da separação e a aceitar
a nova realidade que ela inaugura.

138
1. Ajudar os filhos a criar uma imagem real do que são os
pais, tanto em seus aspectos positivos quanto em. suas fra-
quezas. No caso de um dos pais ter lados fortemente negati-
vos, tais como um egoísmo acentuado, um desinteresse abso-
luto pelos filhos, a impressão de ser um falido na vida, etc.,
só se deve chamar a atenção da criança para isso de forma
gradual e delicada. O mesmo vale para o caso de um dos
pais ser doente mental ou ter tido problemas com a jus-
tiça, ou ainda quando se chegou à separação pela escolha
homossexual de um dos dois.

2. É recomendável reservar todo dia um momento só para


a criança, mesmo se forem apenas dez minutos, desde que
transcorridos a sós e sem interrupções. Esse momento regu-
lar de empatia dará à criança uma sensação de segurança a
partir da qual ela retirará a força necessária para superar os
vários distúrbios emocionais cotidianos. De acordo com a
idade do filho, esse momento deverá ser usado para brincar
juntos ou para falar e discutir seus problemas. Em todo
caso, é bom mostrar uma disponibilidade constante e solícita.

3. A partir do comportamento e das palavras dos pais é bom


que a criança possa aprender que os sentimentos e as rela-
ções são ambivalentes e que nunca se apresentam em uma
só dimensão. Quando duas pessoas se amam, isso significa,
por exemplo, que elas se gostam na maior parte do tempo,
mas nem sempre. Quando dizemos que amamos alguém,
queremos dizer que as coisas que amamos nessa pessoa são
mais numerosas do que aquelas de que não gostamos. Esse
tipo de educação dos sentimentos ensinará a criança a com-
preender melhor a si mesma e às pessoas que a rodeiam e a
ajudará a não carregar de significados inexistentes as pró-
prias emoções e sensações fugidias.

4. É importante fazer com que depois da separação seja


mantido o ambiente que rodeia a criança (casa, escola, bair-
ro, amigos). Isso pode ajudá-la a receber uma garantia de
continuidade e estabilidade que lhe falta dos pais. Quando
chegar o momento de decidir quem ficará na mesma casa,
é importante levar em conta esse fato: sempre é melhor que
fique quem assumiu a guarda dos filhos, de modo a evitar
que a criança mude de ambiente e a poupar-lhe a dura expe-
riência, como acontece às vezes, de ir de casa em casa à espe-
ra de um estabelecimento definitivo.

139
5. Garantir à criança a possibilidade de amadurecer gradual-
mente. Quem fica com a criança muitas vezes incorre em
dois tipos de erro:
— Caindo na ambigüidade do "somos amigos", tende a fazer
do próprio filho um companheiro-confidente, uma espécie
de substituto do ex-companheiro. Esse comportamento pro-
duz sobre a criança os seguintes efeitos: priva-a da necessária
figura paterna enquanto ponto de referência respeitável;
obriga-a a crescer mais depressa e de maneira anormal; ins-
taura nela o conflito entre a obediência a uma autoridade
(que sempre permanece de algum modo, mesmo que seja
apenas enquanto solicitação própria) e a confidência paritária
inatural que lhe foi imposta.
— Tomado pela ansiedade causada por uma responsabilida-
de muito grande e não mais compartilhada, protege excessi-
vamente o filho e não o deixa correr nenhum tipo de risco.
Dessa maneira o mantém num comportamento infantil de
dependência, impedindo-lhe de pôr-se à prova, e portanto,
de crescer.

6. No caso de a criança manifestar sintomas claros de dis-


túrbios psicoafetivos, deve-se solicitar a ajuda de um es-
pecialista. Só o especialista será capaz de avaliar com precisão
as causas dos distúrbios expressos pela criança e de indicar
a melhor maneira para eliminá-las.

Pais em tempo integral e pais "part-time"

Vivendo por conta própria, cada um dos pais se vê


diante de uma série de problemas muito diferentes, que
variam de acordo com o fato de ter ou não os filhos consigo.
Trata-se para ambos de problemas de ordem tanto prática
quanto afetiva, pois devem organizar uma vida cotidiana
própria no interior da qual os filhos tenham seu espaço
reservado, um lugar confortável e acolhedor, de maneira que
nunca tenham a sensação de ser um peso ou de estar so-
brando.
Em todo casamento sempre se instaura um equilíbrio
das relações familiares ao qual, mesmo quando negativo ou

140
mortificante, o casal se acostuma. Agora, para ambos os pais,
é o caso de criar um novo e mais válido. Eles deverão levar
em conta:

— A necessidade de introduzir na própria vida pessoal


novas presenças (uma babá, um eventual novo companheiro,
amizades, etc.).
— A mudança que sofrem alguns relacionamentos estabele-
cidos no passado (sogros, pais, ex-companheiro, etc.).
— O fato de que o relacionamento com os filhos se trans-
forma de maneira muito marcada em uma relação "cara a
cara" entre filhos e pais em separado: o filho não vive mais
seu dia-a-dia relacionando-se com o casal de pais, mas com
um ou outro separadamente.

Pais em tempo integral

Quem fica com os filhos (geralmente a mãe, se estes


são pequenos), não tendo de renunciar à sua presença habi-
tual, ressente-se menos, do ponto de vista emotivo, da ruptu-
ra causada pela separação. Sua vida cotidiana, porém, torna-
se em geral mais fatigante (exceção feita àquelas pessoas
economicamente bem situadas).
Muitas mães vêem-se pela primeira vez frente à neces-
sidade de trabalhar. Elas são empurradas para o mundo do
trabalho, quer por exigências econômicas, já que a pensão
de alimentos mandada pelo ex-marido não basta para uma
família inteira, quer pela necessidade íntima de sentir-se eco-
nomicamente independente. Nasce portanto a necessidade de
organizar o dia de maneira racional: o trabalho doméstico vai
acrescentar-se àquele externo, enquanto os filhos continuam
precisando dos mesmos cuidados de antes.
Nos primeiros tempos, fazer frente a todas as eventua-
lidades da vida e a todos os compromissos diários requer
uma grande quantidade de energia e de atenção. Todavia,
muitas vezes esse esforço representa uma ocasião de cresci-
mento e de amadurecimento.

141
Pedir ajuda
Quando os filhos são pequenos e o trabalho se desen-
volve fora de casa, torna-se absolutamente necessário encon-
trar ajuda externa. Muitas vezes os próprios pais ou os sogros
se dispõem a cuidar dos netos com todo o prazer. Alguns
são aposentados, e a marginalização social que isso acarreta
faz com que se sintam inúteis como uma moeda fora de uso;
outros não têm problemas desse tipo, sendo ainda pessoas
muito ativas e ocupadas. Em geral, todos os avós adoram
ficar com os próprios netos; o vínculo entre avós e netos
normalmente é muito forte e tem características absoluta-
mente peculiares.
Caso não se tenha prestado muita atenção à figura e à
função dos avós durante o período matrimonial, no momen-
to em que se precisa deles seria bom gastar um pouco do
próprio tempo pensando no assunto. Isso porque, se por um
lado o avô pode representar uma verdadeira ajuda concreta,
por outro ele é algo mais do que uma simples babá. Para
todas as crianças e particularmente para os filhos de pais se-
parados, os avós são um ponto de referência estável e uma
base de apoio, um refúgio distante dos conflitos. Normal-
mente o relacionamento avô-neto configura-se em um tipo
de comunicação destituída de conflitos, é um relacionamen-
to intenso mas sereno: para a pessoa idosa o neto é aquele
a quem transmite toda a sua história e existência, enquanto
o neto encontra no avô as suas raízes e um sentido de conti-
nuidade que o ajuda a sentir-se estável. Além disso, o avô
é um ótimo ouvinte e um "cúmplice" dos problemas e das
fantasias dos netos. A presença do avô (ou da avó) é uma
fonte de riqueza e equilíbrio de grande valor para a criança,
da qual ela nunca deve ser privada, mesmo quando há
dissabores entre pais e avós.
O relacionamento com os sogros ou com os próprios
pais às vezes se complica no momento em que eles começam
a dar uma ajuda verdadeira e concreta: ou querem ouvir
agradecimentos contínuos pelo que fazem, ou tendem a dar
conselhos (não pedidos), procurando interferir na educação
dos netos, ou ainda acusam os filhos de não terem sabido
administrar o próprio casamento, etc. Esses e tantos outros
meios são empregados para fazer com que filhos, genros e
noras "paguem" pela assistência prestada. Quando isso se
verifica e a situação se torna muito pesada, é melhor recor-
rer a uma ajuda externa (babá), deixando aos avós seu papel

142
natural de mera presença afetiva. Se o dinheiro não der,
pode-se pedir ajuda a amigos disponíveis ou, melhor ainda,
organizar turnos para cuidar das crianças com outros pais
que têm os mesmos problemas.

Sugestões
É possível ser um bom pai ou uma boa mãe também
sem companheiro. Mas, quando a responsabilidade dos filhos
recai quase totalmente sobre os próprios ombros, é fatigante
agir com firmeza e com brandura ao mesmo tempo. Surge
a tendência a ser muito condescendente ou muito severo, a
abdicar do próprio papel de educador ou, ao contrário,
a assumi-lo de maneira rígida e inarticulada.
Pais-educadores bons nunca recorrem à violência (física
ou psíquica), mas ajudam os filhos guiando-os com firmeza
e ternura em direção ao crescimento. Não tendo um com-
panheiro, se surpreenderão muitas vezes combatendo com
o nervosismo que sua situação pode produzir. Esse é um
aspecto muito importante da nova vida, sobretudo no que
concerne à capacidade de manter um bom equilíbrio psicoafe-
tivo com os filhos. Para esse propósito sugiro que se sigam
os conselhos da Associação de Pais sem Companheiro ameri-
cana, neste conjunto de atitudes perspicazes que constituem,
por assim dizer, a bagagem da difícil função de pai ou mãe:

1. Reservar um momento diário para dedicar regularmente


a cada filho.

2. Falar e comunicar-se com os filhos quando de bom hu-


mor; retirar-se e adiar qualquer discussão em momentos de
nervosismo.

3. Mudar de vez em quando as respostas que os filhos es-


perariam, evitando assim a previsibilidade das reações e o
enrijecimento dos papéis: vez por outra beijá-los quando me-
receriam uma surra, ou começar a gritar com eles quando
gostaria que se calassem; dessa maneira os pais eliminam
a dramaticidade das dificuldades e conseguem rir delas junto
com os filhos.

4. Favorecer a cooperação e o assumir de responsabilidades


por parte dos filhos. Um comportamento ponderado, gentil

143
mas firme, é o que eles mais apreciam. Às vezes, deixá-los
sem jantar por terem chegado tarde em casa pode ser melhor
do que ignorar ou encorajar um comportamento irrespon-
sável.

5. Respeitar sua autonomia. Quando possível, oferecer-lhes


a oportunidade de optar por fazer um programa, um pas-
seio, etc.

6. Dar-lhes a possibilidade de participar inteiramente do


andamento da casa, e não tratá-los como hóspedes de um
hotel. Isso lhes dará maior sensação de participação.

7. Ouvi-los com freqüência e por inteiro não significa con-


cordar com tudo o que fazem, e sim ajudá-los a tomar de-
cisões e a compensar a frustração de não poder conseguir
sempre o que querem.

8. É necessário saber encorajá-los e oferecer-lhes a própria


atenção, inclusive quando ela não tenha sido especificamente
pedida. Antes de ensinar alguma coisa, é bom certificar-se
de ter conseguido estabelecer um bom contato emotivo.

9. Evitar as ameaças e o falar excessivo. É preferível agir.


O melhor método é o do exemplo pessoal: é absurdo expli-
car que o cigarro faz mal se nós mesmos fumamos. Além
disso, quando repetimos muitas vezes a mesma coisa, apenas
gratificamos a nossa necessidade de ser bons "professores",
sem demonstrar com isso um verdadeiro respeito aos filhos.

10. Evitar fazer por eles o que sabem fazer sozinhos.

11. É melhor não se compadecer deles pela separação do


outro. Se acharmos que estão traumatizados, certamente eles
o ficarão.

12. Em vez de estar sempre pronto a puni-los quando erram,


é muito mais produtivo gratificá-los quando se comportam
positivamente. Não se deve nunca considerar normal ou
esperado um comportamento positivo. As crianças tendem a
abandonar os comportamentos que agradam aos pais se não
se sentem motivadas (com elogios, parabéns, mimo, etc.). Ao
gratificá-las, não se deve temer "corrompê-las", pois isso só

144
ocorre quando elas são incitadas a um comportamento ilegal
ou amoral com a promessa de uma recompensa.

13. Ajudá-los a exprimir todos os sentimentos, positivos e


negativos. Obrigá-los a reprimir os sentimentos negativos
é absolutamente nocivo em todos os sentidos porque:
a. Reprimirão, conseqüentemente, também os positivos.
b. Quando se lhes dá a possibilidade de exprimir com
palavras a raiva e a agressividade, elas se atenuam, sendo
pouco a pouco eliminadas pelo sistema psicológico.
c. Quem não foi autorizado a expressar os próprios sen-
timentos quando criança não conseguirá fazê-lo na idade
adulta. As crianças que não demonstram as emoções susci-
tadas pela separação dos pais passam por um longo período
de convalescença.

14. Não se deve confundir disciplina com punição. Esta últi-


ma torna-se necessária quando não se sabe mais impor a
primeira. Isso ocorre freqüentemente quando a mãe traba-
lha, está sozinha e tenta compensar a própria ausência com
uma indulgência excessiva, criando assim perplexidade e in-
segurança nos filhos, que procurarão manipular a situação
segundo os próprios gostos. A punição, por definição, está
sempre atrasada.
Sobretudo para os pais que têm de enfrentar sozinhos
momentos de nervosismo e de depressão, será útil levar em
conta os pontos que enumeramos acima. Em geral, é bom
lembrar que a base de qualquer bom relacionamento é a cer-
teza e a consciência de poder compreender-se a fundo. Ne-
nhuma pessoa, especialmente quando criança, tem fácil acesso
à sua parte racional se não estiver certa de que seu interlo-
cutor entende bem os sentimentos que experimenta.

Casar novamente
Freqüentemente os pais que assumiram a guarda dos
filhos e que não arranjaram outro companheiro são tentados
a centrar toda a sua vida nos filhos. Isso porque, se por um
lado ficar sozinho com eles reduz muito os níveis de tole-
rância com relação a eles (daí derivando nervosismo, susceti-
bilidade, etc.), por outro lado a opção de concentrar neles
todo o afeto mostra-se no momento cômoda e sem proble-
mas. Esse comportamento, porém, revela-se um grave erro

145
que piora com o passar do tempo. A longo prazo, esses pais
sentirão o peso da situação e tenderão a jogá-lo sobre os
filhos com pedidos contínuos de "reembolso" afetivo, aten-
ção, solicitude, etc. Os filhos se sentirão culpados da solidão
dos pais e seus devedores, tornando-se psicologicamente de-
pendentes. Também por isso é importante que os pais em
tempo integral saibam levar em conta as próprias aspirações
afetivas (que no momento podem criar-lhes problemas) e os
próprios talentos pessoais. Não raro são os próprios filhos
que empurram o pai ou a mãe nesse sentido, sabendo instin-
tivamente que assim se livram do perigo de ser seu único
objeto de amor. Muitos filhos têm sentimentos ambivalentes
no que diz respeito ao desejo de vê-los novamente casados.
Se por um lado vale o que já dissemos, por outro age o
temor de perder seu afeto. Depende muito, porém, da idade
dos filhos. À medida que crescem sentem que um pai (ou
uma mãe) sereno, com uma vida afetiva plena, é a melhor
garantia para uma conquista justa da própria autonomia.
Quando são pequenos, ao contrário, prevalece o medo de
perder seu amor.
Em todo caso, antes de casar de novo é sempre neces-
sário sondar com cautela o terreno e comunicar gradualmen-
te a notícia, já que, para as crianças, surpresas desse gênero
nunca são bem recebidas. O melhor é ajudar os filhos a
expressar suas fantasias e expectativas, suas ansiedades e
temores. Ademais, o pai ou a mãe deverão demonstrar que,
mesmo casando de novo, o afeto a eles dispensado não di-
minuirá. Para isso não bastam as declarações verbais. No
intervalo de tempo que será necessário para que os filhos
possam adaptar-se à nova situação, não faltarão oportunida-
des para comprovar a própria credibilidade. Principalmente
nos primeiros tempos, o novo casal deverá levar em conta
esse problema delicado e importante para a serenidade da
futura vida a dois.
Em geral, nos primeiros tempos é um pouco difícil que
se estabeleça entre os filhos e o futuro companheiro um re-
lacionamento plenamente harmonioso. Os filhos podem ver
nele uma ameaça ao amor que a mãe (ou o pai) tem por eles
e, ademais, quem lhes garante que esse novo personagem
seja realmente digno de confiança e de uma relação de ape-
go? Quem lhes garante que esse também não irá embora
como o primeiro? Mais tarde, se todos os seus temores tive-
rem desapar'ecido, ele poderá tornar-se um bom amigo e um
elemento de equilíbrio na nova família, apesar de nunca

146
poder substituir aquele que os deixou. Por isso é bom que
o novo companheiro nunca faça a tentativa de tomar o seu
lugar: isso poderia provocar o aparecimento de conflitos inú-
teis nas crianças, criando sentimentos de culpa e fantasias de
traição. Enfim, concluindo, é indispensável respeitar o tem-
po necessário para que uma nova família possa formar-se
com felicidade.

Pais "part-time"

Tornar-se ex-marido ou ex-mulher é possível, mas não


é possível tornar-se ex-pai ou ex-mãe. Aquele que concebeu
o filho permanecerá como tal o resto da vida. Daí não po-
dermos nunca considerar o ex-cônjuge como uma pessoa
qualquer se é pai ou mãe de nossos filhos.
Muitas vezes acontece que depois da separação o côn-
juge que saiu de casa remova sua realidade paternal através
dos mais variados mecanismos de negação: às vezes acredi-
tando que a sua presença não seja mais de nenhum modo
necessária, outras vezes convencido de que a tarefa do bom
pai termina com a entrega pontual da pensão de alimentos
para a ex-mulher e com perguntas sobre a saúde dos filhos
de vez em quando. Na maioria dos casos quem perde a
guarda dos filhos é o pai. Sobre ser pai pensou-se e falou-se
muito pouco. O papel de mãe sempre foi mais forte, sempre
foi mais cumprido do que o de pai. Mas não deve ser assim,
pois os filhos precisam da mesma maneira de ambos os pais.
Para eles, não existe o mais e o menos importante dos pais.
O comportamento dos pais part-time é determinante
para o crescimento e o desenvolvimento dos filhos. Mesmo
não vivendo mais com eles, representam igualmente um
modelo e um ponto de referência, cuja falta tem quase sem-
pre graves repercussões em seu equilibrio psicoafetivo. Quan-
to mais ativa for a participação dos pais part-time em sua
vida e em sua educação, mais real será o peso de seu com-
portamento para os filhos. Isso porque aquele que não vive
mais diariamente com eles também deve lembrar que o
exemplo prático de sua vida tem mais valor do que qualquer
teoria que ele queira expor em termos abstratos. Os filhos
homens desejarão imitá-lo em tudo o que faz, enquanto as

147
mulheres encontrarão no relacionamento com o pai part-time
o modelo fundamental de relacionamento com o "masculi-
no". Por exemplo, eu não aconselharia o pai part-time a apa-
recer cada dia com uma pessoa diferente, apesar do desejo
de mudar continuamente de companhia que costuma surgir
imediatamente após a separação. Isso pode gerar uma grande
confusão nos filhos.
Somente quando surgir um relacionamento contínuo e
envolvente será oportuno participar-lhes a nova relação.
Observando suas reações se poderá discutir o assunto e tran-
qüilizá-los de que não serão excluídos do afeto do pai por
essa nova presença; pelo contrário, o novo companheiro será
uma ajuda para ocupar-se melhor deles.
O novo companheiro passará certamente pelo crivo das
crianças, cada característica sua impiedosamente anotada em
sua mente e avaliada de acordo com seus esquemas e suas
exigências. Assim, a comparação com o outro será inevitável;
além disso, no início os filhos demonstrarão muitas vezes
frieza, afastamento e contrariedade perante a nova situação,
devido a um senso de fidelidade à própria mãe (ou pai).

Organizar-se
Não vivendo com os filhos, torna-se difícil ocupar-se
deles ativamente sem programar bem o próprio tempo. Não
mais inseridos no ambiente familiar no qual os membros da
família se encontram diariamente de manhã, à noite e du-
rante as pausas do trabalho, os pais part-time vêem-se obri-
gados a organizar os encontros com os filhos, prevendo-os
com antecedência. Eles passam a fazer parte, assim, da carga
de compromissos que normalmente uma pessoa não separada
assume com o mundo externo (trabalho, amigos, vida social,
etc.). Para não sobrecarregar-se de compromissos que não
poderão ser cumpridos, para manter também um espaço pes-
soal de vida social indispensável para uma pessoa que vive
por conta própria, é necessário elaborar um programa para
si. Sem ele poderia ser lesada esta ou aquela esfera da pró-
pria vida.
Quando o dia é dividido em várias partes separadas
entre si, é preciso estabelecer uma ordem e não deixar as
coisas acontecerem sozinhas. É essa a única maneira de res-
peitar os compromissos e não ser por eles esmagado, de
manter intactos os espaços vitais. Se o tempo não basta para

148
fazer tudo, às vezes somos obrigados a fazer certas opções
segundo uma escala de prioridades: os filhos, o trabalho, a
vida social, etc. A combinação certa das prioridades obvia-
mente muda de pessoa para pessoa e não se pode aconse-
lhá-la. Limito-me aqui a evidenciar esses problemas e a lem-
brar a extrema importância de reservar um espaço dedicado
exclusivamente aos filhos.

Problemas
Para os pais part-time às vezes fica difícil entrar em
contato com os filhos, pois o fato de não se verem por
vários dias pode tornar o encontro fatigante e delicado. Será,
portanto, oportuno que ele redobre a atenção para poder
extrair do comportamento dos filhos aqueles detalhes que
nas crianças são muitas vezes mais reveladores do que as
declarações abertas. É raro que uma criança manifeste clara-
mente o próprio mal-estar quando se encontra em uma situa-
ção conflitante, especialmente se esta depende dos pais. É
papel deles nesses casos colocá-la em condições de explicitar
as perturbações e os conflitos que a agitam. Dispondo de
total atenção, sem interrupções, ou seja, incentivada a ex-
pressar-se, a criança consegue realmente ter um bom relacio-
namento com os pais.
Vários pais part-time me contaram que estão muito sa-
tisfeitos com a maneira pela qual resolveram esse problema:
"Não vendo meu filho todo dia, quando estou com ele pre-
firo sua companhia à de qualquer outra pessoa. Ele está
muito satisfeito"; "Toda vez que nos encontramos tento
dedicar a ele o meu tempo sem distrações, dando-lhe toda
a minha atenção. Isso facilita a retomada de contato e sua
boa manutenção".
Parece-me que esse, depois de períodos de ausência,
seja um ótimo método de aproximação, o melhor para mos-
trar aos filhos que eles são realmente uma parte importante
e especial da nossa vida.
Os pais part-time que se sentem culpados com relação
aos filhos pela opção feita devem lembrar o que muitas
crianças me disseram a respeito dos pais separados: "Depois
que se separaram, papai e mamãe passam mais tempo com
a gente"; "Agora que estão separados fazem mais coisas
com a gente, mesmo se separadamente, do que quando está-
vamos todos juntos"; "Agora que eles não se vêem mais

149
todos os dias a gente está mais feliz porque não brigam mais,
e quando se encontram ficam sorridentes e falam principal-
mente de nós".
Para que a separação tenha sucesso, obtendo resultados
avaliados dessa maneira pelas crianças, será necessário obser-
var os seguintes comportamentos:

1. Gentileza e cordialidade com o ex-cônjuge.

2. Respeito pelos próprios compromissos financeiros (pon-


tualidade e precisão no pagamento dos alimentos, interesse
por certas despesas extras para os filhos, etc.).

3. Envolvimento paternal sério (contínuo no tempo e o mais


regular possível).

Embora não o admitam abertamente, muitos pais que-


rem ser os preferidos dos filhos. Esse sentimento é parti-
cularmente sentido pelos pais part-time, que são obrigados
a uma distancia maior. Ele resulta bastante penoso para os
filhos, nos quais desencadeia combatidos sentimentos de
lealdade com relação a cada um dos pais. Sobretudo quando
um critica o outro para descarregar-se da responsabilidade
da separação do que não funcionava no casamento, os
filhos sentem a dor de uma situação frente à qual eles são
no fundo impotentes; no caso particular, não podem respon-
der a uma necessidade de preferência ou de absolvição de
um em detrimento do outro.
O desejo de ser o preferido, o único centro da vida afe-
tiva do filho, pode ser superado se se conseguir obter um
bom relacionamento com o ex-cônjuge. Em primeiro lugar,
isso significa ocupar-se juntos dos problemas que dizem
respeito aos filhos, discutindo serenamente uma conduta
comum a ser seguida no que concerne à sua educação, às di-
ficuldades que encontram na escola, com os amigos, etc. Se
for essa a maneira de se ocuparem juntos dos filhos, os senti-
mentos de rivalidade entre os pais não terão mais razão
de ser.
Será importante enfrentar também os problemas de
disciplina com o ex-cônjuge e, quando for o caso, junto aos
filhos. Eles sentirão assim o envolvimento e a responsabili-
dade de ambos no que diz respeito a uma certa severidade.
De fato, se os pais não tiverem coerência entre si, se, por
exemplo, um deles negar alguma coisa aos filhos como forma

150
de punição enquanto o outro, sem sabê-lo, os satisfizer, eles
se sentirão desorientados e tentarão jogar com esse fato,
manipulando as situações, aprendendo a mentir, etc.

As visitas
Visitar os filhos traz uma mistura de prazer e de sofri-
mento. A visita é um momento de tensão, na medida em
que se gostaria de dar um significado substancial ao tempo
que se tem à disposição. Procura-se por todos os meios me-
lhorar a qualidade do encontro para remediar a limitada
quantidade de tempo que se pode passar juntos. Quase todos
os pais part-time não se conformam, com toda a razão, aliás,
de não ter mais nenhuma influência sobre os próprios filhos.
Mas a maneira pela qual isso pode ser mudado, já que não
moram mais com eles, deve ser criada. A expressão do pró-
prio afeto, a influência que querem ter sobre o seu cresci-
mento, o diálogo que normalmente se estabelece entre pais
e filhos devem realizar-se de maneira concentrada.
Os filhos também constroem muitas fantasias a respeito
de como passarão o tempo com o pai, por exemplo. Sobre-
tudo logo depois da separação, essas visitas constituem algo
de excepcional que quebra a rotina da vida familiar. Mas
para que esses momentos resultem plenamente serenos e
possam tornar-se uma parte normal da vida dos filhos, é
muito importante e delicado o papel dos pais em tempo in-
tegral. Estes têm o poder de facilitar o encontro (mostran-
do-se interessados, exprimindo aprovação pela presença do
ex-cônjuge, informando-se com benevolência sobre o que
fizeram juntos) ou de boicotá-lo (mostrando-se hostis ao
ex-cônjuge, culpando o filho pelo prazer que sente em ver o
outro, ignorando de propósito o que fez com ele, etc.).
Para não criar nervosismos inúteis no outro e longos
momentos de espera para as crianças, os pais pari-time devem
ser pontuais e, quando impossibilitados, devem ser corretos
e avisar a tempo que se atrasarão.
Uma pessoa passa a ser pai (ou mãe) part-time depois
que o tribunal, na sentença de separação, decide que "o
pagamento deve ser em dinheiro e as visitas para ver os
filhos devem ser temporárias e programadas". É omitido um
fato fundamental: também os filhos, aliás, principalmente
eles, precisam ver o pai. Também eles, além do pai, sentem-
se às vezes ligeiramente perturbados, tendo de fazer repeti-

151
damente o esforço de reencontrar-se. Em geral procura-se
fazer juntos alguma coisa que ultrapasse a pizza e o cinema
de sempre. Não é sempre fácil encontrar algo de diferente,
mas o pai coloca todo o seu empenho para ocupar o tempo
ao máximo e fugir, assim, da realidade da separação. O "pai
dos domingos" gostaria de fazer os próprios filhos viverem
momentos plenos e divertidos. Tende, assim, a condensar
nesses encontros todo tipo de distração: uma vez será o
jardim zoológico, outra o cinema ou o teatro, o parque de
diversões, a praia, etc. Acredita de boa-fé fazer tudo isso
para agradá-los, sem perceber que, mais do que qualquer
outra coisa, ele quer ter a certeza de que os filhos gostam
de ficar com ele. Desse modo, junta amor, cultura e diver-
são, fornecendo tudo isso em uma hora acertada de um dia
preestabelecido. Mas programar a obrigação de divertir-se às
vezes produz o efeito contrário. Se as visitas ficam sempre
muito carregadas, ao invés do prazer começam a surgir a
monotonia e o estresse.
O esforço que pai e filho fazem para comunicar-se é
muitas vezes realmente grande e todavia, às vezes, ambos
ficam com a sensação de que lhes falta intimidade. Depois
da separação, não é sempre e tampouco de uma hora para
outra que a pessoa que sai de casa consegue arranjar uma
moradia definitiva para si. É por isso que, em geral, no co-
meço se passa grande parte do tempo fora de casa. Ocorre
assim que, tendo feito muitas coisas divertidas juntos e che-
gado o momento de entender-se e comunicar-se mais intima-
mente, já é hora de voltar. E assim é que surge, embora de
maneiras diversas, um sentimento de frustração.

O novo lar
Para mudar esse estado de coisas, é importante poder
passar juntos um dia normal, sem "ter de fazer alguma
coisa" a qualquer custo. Uma presença simples mas efetiva
é sempre bastante preciosa nos relacionamentos muito pro-
fundos. O ambiente onde vivem os pais part-time deve ser
acessível aos filhos. Um local adequado para conversar sem
ser incomodado ou para fazer as coisas de todos os dias é o
que mais aproxima as pessoas. Preparar o almoço ou o jan-
tar depois das compras, arrumar um pouco a casa, rece-
ber uns amigos ou ver televisão juntos, desejar boa-noite,
reencontrar, enfim, um ritual doméstico perdido pode servir

152
para recompor aqueles momentos de intimidade tão neces-
sários para a comunicação. Além do mais, certos hábitos dão
uma sensação de segurança e de solidez de que as crianças,
depois da separação dos pais, precisam de maneira especial.
Assim que for possível, será oportuno que tenham um
quarto ou um canto só para elas na outra casa: um lugar
onde possam deixar e reencontrar seus brinquedos e suas
roupas, onde possam às vezes dormir. Assim não se sentirão
mais hóspedes ou "filhos de passagem", mas sim "proprie-
tários" de duas casas e filhos para todos os efeitos também
daquele que saiu de casa.
Quando o novo lar estiver pronto, podem-se convidar
os amigos para uma festa (aniversário, por exemplo) ou mes-
mo simplesmente para um lanche. As crianças ficarão imen-
samente felizes por poder receber os amigos em sua segunda
casa, poder brincar com eles e fazê-los participar dessa nova
realidade.

Pais "part-time" são pais para todos os efeitos


As visitas dos pais part-time não deveriam ser qualifi-
cadas de simples momentos de lazer. Muitas vezes, infeliz-
mente, aquele que não tem a custódia dos filhos abdica de
todas as suas funções de educador e tenta apenas agradar os
filhos. Por não vê-los amiúde, teme perdê-los: tende, assim,
a dar-se sempre por vencido e a fazer sempre o que querem,
deixando-os muito mal-acostumados. Esse comportamento é
profundamente nocivo. É certamente normal que os pais
que vêem os filhos uma ou duas vezes por semana, e em
muitos casos até mais raramente, não possam deixar de ser
um pouco indulgentes. Quando, porém, a indulgência se
torna a característica dominante do relacionamento, os filhos
são os primeiros a ficar prejudicados, pois é como se lhes
faltasse um dos pais. Portanto, antes que chegue o momen-
to de separar-se, por exemplo, é bom acostumá-los a arrumar
o quarto ou o canto dos brinquedos, a fazer os deveres de
casa, talvez até revendo-os juntos e, em geral, a observar
certas regras de comportamento que o pai (por exemplo)
deverá procurar manter.
As razões que justificam uma certa firmeza também por
parte dos pais que não têm a custódia dos filhos são varia-
das e importantes. Em primeiro lugar, é oportuno evitar
uma divisão dos papéis nítida demais, segundo a qual com

153
um dos pais os filhos se divertem e com o outro só têm de
obedecer. Também se elimina assim um motivo de competi-
ção entre os pais e rancores por parte de quem tem a custó-
dia dos filhos. De fato, muitas vezes ouvem-se queixas destes,
não sem razão, pelo fato de os ex-cônjuges assumirem apenas
a parte mais agradável e gratificante do relacionamento com
os filhos. Concordar sobre os presentes que serão dados,
ocupar-se ambos tanto do lazer quanto da educação e da
disciplina é uma conduta que contribui de maneira determi-
nante para o bom equilíbrio daquelas relações familiares
que, com os filhos, subsistem também depois da separação.
Além disso, os pais part-time conseguirão conservar
com bastante integridade sua função de educadores e de
guias se se empenharem em estabelecer também uma certa
rotina de encontros e se não se limitarem a oferecer apenas
divertimentos. Quanto mais completa e plena for a partici-
pação na vida dos filhos, menos ausente será sua figura de
pai ou mãe.
Os pais part-time conservam sempre um papel ativo,
positivo ou negativo, na vida dos filhos. Às vezes se pergun-
tam de que adianta ir vê-los, pois pensam que eles não sen-
tem mais a necessidade de sua presença: já têm um dos pais,
uma casa, uma vida própria organizada e o que basta para
viver bem. Os pais que saíram de casa sentem-se inúteis e
excluídos; esse sentimento força-os a esquivar-se cada vez
mais. Nesse caso o papel dos pais part-time, uma vez que
permanece sempre ativo, atuará negativamente sobre seus
filhos: estes viverão uma ausência, um vazio, um abandono.
Quando, ao contrário, esses pais, apesar de não viverem com
eles, fazem sentir sua presença, quando os filhos podem
confiar neles e contar com eles, seu papel torna-se ativamen-
te positivo e determinante para o desenvolvimento sereno
de seus filhos.

154
6. Considerações finais

"A idéia de um relacionamento que possa ser


facilmente rompido caso fracasse é tão errada
quanto a idéia de que esse relacionamento
nunca possa ser rompido."
E. Fromm, A arte de amar
à medida que me aproximo do fim deste livro, deparo
cada vez com mais freqüência com artigos de jornais e re-
vistas que dizem respeito aos pais sozinhos, separados e
divorciados. É evidente que o problema está se difundindo.
Levantei há uma semana os dados relativos aos desquites na
Itália nos últimos três anos: em 1979 — vinte e oito mil;
em 1980 — trinta mil; em 1981 — trinta e dois mil. Há
um incremento de cerca de sete por cento ao ano de separa-
ções. Os separados representam uma realidade importante
no interior da sociedade italiana, uma minoria em expansão
com a qual será cada vez mais difícil evitar o confronto. O
estado civil, social e cultural de uma grande fatia da socie-
dade vem se modificando. Trata-se de mudanças que, partin-
do da esfera da vida particular, refletem-se como raios em
todos os aspectos da vida social. Caberá aos organismos jurí-
dicos específicos o dever de considerar com maior atenção
essas novas necessidades emergentes.
Enquanto isso, nasceu em Roma a Associação de Se-
parados e Divorciados, para a qual um grande número de
profissionais de vários setores vem trabalhando na análise
e no estudo pormenorizado desse fenômeno. A associação
propõe-se fornecer, a curto prazo, informações e assistência
através de uma rede de consultores especializados na separa-
ção (assistência legal e psicológica para adultos e crianças,
etc.). A mais longo prazo, pretende promover a adoção de
novas leis que espelhem a situação emergente e que cuidem
dos direitos e das necessidades dos separados.
Enfrentar em toda a sua complexidade uma problemáti-
ca tão delicada e carregada de aspectos dramáticos tais como
a separação de um casal é tarefa árdua. A dificuldade maior
reside na aquisição da capacidade de refletir ativamente sobre

157
a própria experiência dilacerante, com o objetivo preciso de
dirigi-la, tanto no plano racional quanto no emotivo, até
transformá-la em um dado positivo. Outra dificuldade: per-
ceber que o desejo de uma união perfeita é estéril e que uma
união desse tipo encontra cada vez menos uma correspondên-
cia plena na realidade atual. A sedutora imagem do homem
herói do trabalho e da mulher mãe e anjo do lar que vivem
em completa harmonia já está totalmente ultrapassada.
A finalidade deste livro é claramente apoiar o direito
emotivo de separar-se. É muito provável que isso pareça uma
heresia para aqueles que vivem uma união feliz e duradoura.
Todavia, o presente livro não quer semear dúvidas onde não
existem, mas sim dirigir-se a todas as pessoas que pensam
em separar-se ou que já estão passando por essa difícil expe-
riência. Foi em todos aqueles que vivem a crise de um vínculo
de casal que eu pensei durante o trabalho, com a esperança
de conseguir oferecer-lhes uma ajuda válida.
Conhecendo as dificuldades mais graves e as exigências
mais imediatas de quem está se separando do seu compa-
nheiro, julguei oportuno confrontar com uma visão sintética
todos os estados emotivos que a separação determina. Essa
opção, ditada pela absoluta falta de literatura sobre o pro-
blema, impôs alguns limites ao meu trabalho. Foi particular-
mente impossível trabalhar no sentido de aprofundar as
muitas questões. Preferi nesse momento oferecer uma visão
de conjunto, que ainda assim já contivesse em si diretrizes
concretas para uma reflexão efetiva. Por todas essas razões
me vi muitas vezes obrigado a reconhecer a impossibilidade
de responder satisfatoriamente a muitas das perguntas que
também se me apresentavam: "Cada caso pessoal contém suas
variantes específicas" é uma frase que, devido às circunstân-
cias, apareceu com freqüência nestas páginas. Por enquanto,
o melhor conselho para uma boa utilização deste livro é que
cada um filtre a leitura através da ótica pessoal e do bom
senso: o leitor pode encontrar nele uma correspondência ou
um confronto de experiências. Isso porque as reflexões e as
informações contidas neste volume resultam sobretudo das
experiências vividas e pensadas daqueles que participaram
dos seminários para separados e pessoas em vias de se se-
parar, que há três anos são realizados em Roma, sobre o
período do afastamento em especial e sobre todos os proble-
mas relativos à separação de maneira geral.
Meu desejo, enfim, é que estas páginas consigam de

158
algum modo sugerir que, por mais difícil que seja separar-se,
fazê-lo bem pode ser uma arte.

36

34

SEPARAÇÕES EDI VORCIOS Iam milham) NAITÁLIA


32

30
28

26

24

22

20

18 Divórcios

16

14

12

10

ANOS

Fonte: Instituto Central de Estatística S.D./S.G. — ROMA

159
Divórcios em alguns países, de 1971 a 1981

PAIS 1971 1972 1973 1974

CANADA 29 672 32 364 36 704 45 019


para cada 1 000 habitantes 1,37 1,48 1,66 2,00

EUA - milhares 773 845 915 977


para cada 1 000 habitantes 3,72 4,06 4,36 4,62

JAPÃO 104 713 109 529 111 877 113 622


para cada 1 000 habitantes 1,00 1,03 1,04 1,04

BÉLGICA 7 024 7 832 8 336 10 133


para cada 1 000 habitantes 0,73 0,81 0,86 1,03

FRANÇA 47 714 48 354 50 919 58 459


para cada 1 000 habitantes 0,93 0,94 0,98 1,11

RDA 30 831 34 766 38 544 41 615


para cada 1 000 habitantes 1,81 2,04 2,27 2,46

RFA 80 444 86 614 90 164 98 584


para cada 1 000 habitantes 1,31 1,40 1,46 1,59

SUÉCIA 13 679 15 189 16 292 27 028


para cada 1 000 habitantes 1,69 1,87 2,00 3,33

REINO UNIDO 73 666 118 253 105 199 112 740


para cada 1 000 habitantes 1,51 2,41 2,14 2,29

URSS 644 848 652 397 679 883 743 398


para cada 1 000 habitantes 2,63 2,64 2,72 2,95

AUSTRÁLIA 12 947 15 584 16 196 17 744


para cada 1 000 habitantes 1,02 1,20 1,21 1,31

Fonte: Anuário demográfico da ONU -Vários anos.

160
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981

50 611 54 207 55 370 57 155 59 474 62 019


2,22 2,34 2,38 2,43 2,51 2,59

1 026 1 077 1 091 1 130 1 181 1 182 1 219


4,82 5,02 5,03 5,18 5,36 5,19 5,30

119 135 124 512 129 485 132 146 135 250 141 689 154 000
1,08 1,11 1,14 1,15 1,17 1,21 1,31

10 977 12 665 12 867 13 528 13 499 14 538 15 341


1,12 1,29 1,31 1,37 1,37 1,47 1,55

61 183 63 195 73 709 82 167 85 000


1,16 1,20 1,39 1,54 1,59

41 632 44 803 43 137 43 296 44 735 44 794 48 551


2,47 2,67 2,57 2,58 2,67 2,68 2,90

106 829 108 258 74 658 32 462 79 490 96 222


1,73 1,76 1,22 0,53 1,29 1,56

25 751 21 702 20 381 20 317 20 322 19 887 20 160


3,14 2,64 2,47 2,45 2,45 2,39 2,42

119 688 125 724 128 118 143 663 137 868 148 301
2,43 2,56 2,61 2,92 2,80 3,01

783 378 860 688 898 025 911 176 951 161 929 616 931 000
3,08 3,35 3,47 3,49 3,61 3,50 3,48

24 257 63 230 45 150 40 608 37 854


1,76 1,76 3,21 2,85 2,62

161
Adenda / "sofrimento" ou
"alívio" depois da separação

— Quatro anos de estudos e pesquisas acerca da sepa-


ração de casais;
— a assistência fornecida por nossa equipe na terapia
do afastamento (única terapia específica) para pessoas em
vias de separar-se e já separadas;
— a experiência extraída dos seminários psicológicos
da Asdi (Associação de Separados e Divorciados)

nos permitiram extrair algumas considerações a respeito de

"COMO" É VIVIDO O PERÍODO DO AFASTAMENTO

A separação de casais é geralmente caracterizada por


estresse-trauma-desorientação derivados da mudança especí-
fica e importante que intervém na vida dos protagonistas
dessa difícil experiência.
O rompimento da relação gera em algumas pessoas gran-
des sofrimentos, em outras, sofrimentos menores e em outras
ainda, ao contrário, um certo alívio.
É certamente uma novidade para a nossa cultura, cen-
trada essencialmente no sacrifício e na abnegação, poder evi-
denciar nas conclusões "responsáveis" de relações estressan-
tes também um estado de alívio. E poderia surpreender o
fato de que, ao término de uma união, se esse fim for vivido
como nova oportunidade de crescimento e desenvolvimento
pessoal, se possa até identificar um certo entusiasmo.
162
Constatamos que a maneira como é concluída a relação,
e portanto todas as condições externas que determinam seu
fim, influenciam freqüentemente no período "pós-sepa-
ração".
Por isso nos perguntamos quais são as causas ou as cir-
cunstâncias principais que determinam em algumas pessoas
uma vivência, durante a separação, mais feliz, e em outras
uma vivência menos feliz.
Da elaboração de numerosos dados levantamos algumas
constantes interpessoais que resumimos a seguir:

O período Pós-SEPARAÇÃO é vivido

De maneira PENOSA De maneira VANTAJOSA


(com mais sofrimento) QUANDO: (com mais alívio)

harmoniosa/ UNIÃO conflitante/


doméstica com desacordos
agradável/ VIDA FAMILIAR escassa/
envolvente insatisfatória
proximidade/ PARENTES afastamento/
dependência independência
desaprovam PAIS ajudam
criticam AMIGOS apóiam
preocupação com seu FILHOS não existem ou não são
futuro levados muito em conta
apego forte e COMPANHEIRO apego limitado
exclusivo
comuns ATIVIDADES E INTERESSES diferentes
conservadora EDUCAÇÃO progressista
prega a RELIGIÃO seu papel não
indissolubilidade é determinante
esporádica VIDA SOCIAL intensa
poucas AMIZADES muitas
não EXISTÊNCIA DE OUTRO COMPANHEIRO sim
avançada IDADE jovem
muitos ANOS DE CONVIVÊNCIA poucos
de tolerância/ PERÍODO FINAL DA UNIÃO de forte
resignação impaciência
sofrida (o cônjuge DECISÃO tomada (o cônjuge
é deixado) deixa)
inconsciente/ CONTROLE GLOBAL DO PROCESSO com consciência
evitação/fuga DA SEPARAÇÃO cognitiva

163
falência SEPARAÇÃO fim de uma união
grande PERDA/SAUDADE DA UNIÃO relativa
pouca AUTO-ESTIMA boa
passivo/rígido/ CARÁTER COM RELAÇÃO ativo/móvel/
introvertido AO COMPANHEIRO extrovertido
apertada SITUAÇÃO ECONÔMICA boa

Notamos além disso que a boa qualidade da relação e


as pressões externas para que o casal permaneça unido agem
a favor da durabilidade do vínculo. Contra ela atuam, por
outro lado, os atrativos externos alternativos.
Independentemente da compatibilidade ou incompatibi-
lidade de gênios, pode-se sustentar que o sofrimento ou o
alívio no período pós-separação são determinados também
por aqueles fatores que condicionaram a duração da relação.
Resumindo, depois de uma separação, o alívio é maior
que o sofrimento quando:
• a relação que acabou não satisfazia
• as pressões externas para que a união perdurasse eram
fracas
• o ambiente oferece possibilidade de novas atrações afe-
tivas.

11 atrativos externos
alternativos

qualidade da H )/ estabilidade e
relação +) duração

pressões externas a
favor da união

(Lewis and Spanier's theory, 1979)

164
Apêndice
Apresentação do autor na Livraria Remo Croce
de Roma

(Sexta-feira, 16 de novembro de 1984, 21 horas)

Fico muito feliz por vê-los aqui esta noite e gostaria


de agradecer-lhes por terem todos gentilmente aceitado este
convite.
Um agradecimento especial principalmente para Remo
Croce, que nos recebe em sua renomada livraria.
Tenho o prazer de ter ao meu lado pessoas que prova-
velmente vocês já conhecem: Laura Remiddi, especialista em
direito de família; Giuseppe Salmé, juiz da vara cível; Da-
niele Ferlito, presidente da Asdi.
Foram eles meus primeiros críticos, desse modo enco-
rajando-me a publicar o livro que apresentamos esta noite:
A arte de separar-se.
Eu começaria pela dedicatória.
Fiquei muito tempo, durante toda a gestação do livro,
na dúvida entre dedicar ou não este trabalho ao meu mestre
Erich Fromm. Eu queria até começar o livro citando uma
frase da sua Arte de amar: "A idéia de um relacionamento
que possa ser facilmente rompido caso fracasse é tão errada
quanto a idéia de que esse relacionamento nunca possa ser
rompido".
Num segundo momento, porém, preferi dedicar A arte
de separar-se a meu mestre do cotidiano, ou seja, a meu
filho. Simbolicamente, nossos filhos representam aquele fu-
turo onde o apego não poderá mais ser concebido em sua
antítese, a separação.

167
O conteúdo do livro não é o resultado de um projeto
intelectual: não me considerando intelectual, mas apenas um
assistente psicológico, quis oferecer um serviço social às
setenta mil pessoas que a cada ano vivem diretamente a expe-
riência da separação e a todos aqueles que vivem ao seu
redor.
Estamos reunidos esta noite sob o pretexto do livro,
mas no fundo tenho certeza de que chegou o momento de
tomar uma nova atitude frente a esse fenômeno crescente:
os separados representam hoje a minoria em maior expan-
são. O aumento de sete por cento elevou as dezesseis mil
separações de dez anos atrás para trinta e duas mil atuais.
Nesta cidade, em cada quinze mil casamentos ocorrem seis
mil separações e na Itália toda registram-se dez divórcios
a cada cem casamentos.
Nesta era de mudanças em que tudo muda exceto o
fato de que tudo muda, é necessário rever os conteúdos
semânticos relativos à separação. A palavra "fracasso" hoje
em dia só tem sentido em uma concepção antiquada de
vínculo eterno.
Permitam-me abrir um parêntese a respeito disso para
lembrar um depoimento ao vivo, que vi na televisão na
sexta-feira passada, de uma mulher prestes a separar-se cujo
pai a prevenia: "Antes morta do que separada".
Estamos numa era suficientemente avançada para poder-
mos falar do "fim de uma relação", se quisermos considerar
a realidade numa ótica dinâmica e não mais nostálgica. E
para tanto precisamos aprender a viver educando os senti-
mentos e adicionando sentimento à razão. Se realmente qui-
sermos recuperar a qualquer preço o termo "fracasso", eu
definiria fracassados, no máximo, os casais que prosseguem
em um estado de infelicidade crônica, incapazes de perceber
a diferença entre estar bem e não estar mal.
Durante a elaboração pensei nos dois tipos de consu-
midores para quem não escrevi o livro. De um lado estão
aqueles "das separações fáceis", consumidores de relações
do tipo "use e jogue fora": essas pessoas, tendo perdido
completamente a própria capacidade emotiva, não têm condi-
ções de prender-se a alguém e, portanto, de separar-se. Do
outro lado estão aquelas pessoas que ficam juntas "a qual-
quer preço", aficionadas freqüentadoras, junto aos filhos,
de farmácias mais do que de livrarias: essas pessoas, temendo
enfrentar o trauma da separação, sofrem o trauma da união.
168
Têm medo de sofrer; logo, continuam sempre sofrendo o
medo.
Ambos os tipos deturpariam a essência deste guia.
Quero desmentir a esse respeito certas afirmações im-
próprias que parte da imprensa fez, talvez levada pela difun-
dida necessidade de manuais. Quero dizer que a palavra
"guia" não foi escolhida por acaso para subtítulo. Isso por-
que o livro não é um manual e nem nada do gênero. O
manual pretende ditar normas e regras. Eu, ao contrário,
bem longe desse propósito, quis traçar um mapa que acom-
panhe o leitor na exploração dialética do próprio mundo
interior e do próprio ambiente que o circunda. O que eu
desejo é que os leitores deste livro encontrem estímulos
adequados para uma maior consciência a respeito da temática
da separação.

Entrevista com o autor


1) Por que o senhor escreveu este livro?

Eu também vivi a experiência da separação com todas


as suas dificuldades, inclusive aquelas relativas ao meu papel
de pai. Quando me separei, senti ao meu redor um grande
vazio cultural e social. Apesar da minha busca, não encontrei
nada que pudesse me ajudar adequadamente com informa-
ções, conselhos, documentações. Para preencher essa lacuna,
pensei em fundar uma associação no interior da qual seria
possível estudar, junto a psicólogos e advogados, esse fenô-
meno crescente. Da síntese de pesquisas, assistências, semi-
nários específicos sobre o "Período do afastamento", que
tiveram lugar naquela sede, nasceu o livro.

2) A separação é mais pesada para os homens ou para as


mulheres?

Se esquecermos da questão econômica, que ainda re-


presenta um problema difícil, sobretudo para as mulheres,
devemos dizer que não é a diversidade dos sexos que faz
com que se viva a separação de maneira melhor ou pior.
Ao contrário, isso depende da opção de viver a própria vida
como protagonista ou de colocá-la à mercê de outra vontade
que não a própria.
Todavia, é importante frisar que as mulheres são cultu-

169
ralmente educadas no sentido de ter mais diálogo com seu
mundo interior, enquanto os homens são tradicionalmente
mais preparados para uma administração do mundo exterior.
Por isso o homem se preocupará principalmente com sua
imagem externa, enquanto a mulher aprofundará seu signi-
ficado interior. Hoje, porém, a equiparação cada vez maior
dos dois sexos traz numerosas exceções ao estereótipo acima
citado.

3) A separação é um isolamento ao nível social?

Até há duas gerações atrás, o separado era considerado


indiscutivelmente assunto para escândalo. Na nossa socieda-
de, permeada por uma ideologia religiosa do tipo "casamento
= vínculo eterno", desobedecer às regras de indissolubilida-
de significava ser anormal. O separado vivenciava o fim de
seu casamento como a falência de toda a sua vida. Para a so-
ciedade ele era "culpado", e enquanto tal tinha de preparar-
se para expiar sua culpa de mil e uma formas, entre as quais
carregar o estigma de pessoa pouco séria e o conseqüente
isolamento social.
Hoje essa mentalidade sobrevive quase exclusivamente
no interior. Nos grandes centros urbanos, ao contrário, a
concepção do casamento foi se modificando rapidamente,
perdendo o antigo significado de vínculo eterno. Conseqüen-
temente foi reabilitada também a figura do separado, agora
considerado uma pessoa honesta consigo mesma e particular-
mente corajosa, mais do que qualquer outra coisa.

4) Como uma pessoa pode reconstruir-se depois de uma


experiência negativa?

Em geral, quem sai de uma experiência de separação


está psicologicamente enfraquecido, afundado em sentimen-
tos de culpa, carente de confiança nas próprias possibilidades,
permeado de dúvidas e impulsos autodestrutivos. Para su-
perar esse estado de espírito e a ansiedade que ele provoca,
é necessário desenvolver ao máximo e de maneira equilibra-
da todos os componentes da própria personalidade: físico,
afetivo, de relacionamento com o ambiente e com o trabalho.
Mas somente podçrá realizar plenamente suas potencialidades
aquela pessoa que tiver aprendido a aceitar-se como é e tiver
dado a justa prioridade aos próprios interesses e desejos.

170
5) Como é possível separar-se com harmonia?

Para que a separação não se transforme num trauma é


necessário que sejam seguidas determinadas linhas que não
favoreçam a perpetuação dos conflitos. Isso é ainda mais
importante quando o casal tem filhos, pois estes percebem
perfeitamente o estado de espírito em que se encontram os
pais. Além disso, é importante sublinhar que separar-se do
próprio cônjuge não significa separar-se dos filhos, mas ape-
nas mudar o relacionamento com eles.

6) O que os separados têm em comum? Como vivem sua


experiência quando intervêm os advogados?

Os dois cônjuges em vias de separar-se mantêm necessa-


riamente contato entre si, como, por exemplo, quando enca-
minham juntos o processo legal da separação. A assistência
legal, porém, se por um lado é indispensável, por outro
pode até piorar o relacionamento dos dois, a ponto de de-
sembocar numa oposição exagerada. E os filhos, quando
existem, tornam-se muitas vezes instrumento de ofensa e de
chantagem. Seria útil, portanto, acompanhar a assistência
legal com a psicológica, ou seja, criar uma colaboração sin-
cronizada do tipo psicolegal durante as várias fases da se-
paração.

7) Qual é a condição dos filhos?

A separação é certamente o fato menos desejável para


um casal com filhos, mas muitas vezes separar-se é a única
solução sensata para toda a família, e atualmente mais de
sessenta por cento dos separados são casais com filhos. Toda-
via, é unanimemente reconhecido que o estado de perturba-
ção que muitas vezes se encontra nos filhos de separados
não é determinado pela separação em si, mas por toda a
situação de conflito e de tensão que a causou. Isso evidencia
a importância, para o equilíbrio e a estabilidade emotiva
dos filhos, da atmosfera emotiva que reina na família, seja
ela constituída por ambos os pais ou por apenas um deles.
Supera-se assim a falsa convicção de que é sempre preferível
a qualquer outra situação ter os dois pais sob o mesmo teto,
independentemente do tipo e da qualidade de seu relacio-
namento.

171
8) Como se explicam tantas separações amigáveis e divórcios
litigiosos?

Infelizmente, essa é uma realidade que deriva de nor-


mas antiquadas que ainda hoje disciplinam o divórcio na
Itália. Dentre as causas do divórcio, não estando previsto
o consentimento mútuo, o litígio permite um procedimento
relativamente rápido. Com relação a essa situação, a Asdi,
Associação de Separados e Divorciados, propõe-se a promover
a adoção de novas leis que reflitam mais adequadamente a
situação emergente.

152
Proposta de pesquisa endereçada à área
sociológica da Asdi

A intenção deste breve documento e oferecer ao grupo


de pesquisa da Asdi alguns pontos de interesse para posterior
aprofundamento.
Apresento aqui uma síntese de reflexões surgidas e fo-
calizadas durante os seminários sobre o "Período do afasta-
mento" realizados junto à equipe psicológica da Asdi.
Esta nova proposta deveria enriquecer a precedente e
desenvolver aqueles aspectos fundamentais que servirão para
mudar em nosso país a atitude da sociedade frente ao fenô-
meno separação/divórcio.

Aspectos observáveis na mudança comportamental


da separado/divorciado

A. Nível interpessoal:
1) relacionamento com os filhos;
2) relacionamento com a família de origem;
3) relacionamento com o ex-cônjuge;
4) relacionamento com a família do ex-cônjuge;
5) relacionamento com amigos e conhecidos;
6) relacionamento com um novo amor e a sexualidade.

B. Nível das atividades:


7) econômicas e trabalho;
8) lazer.

173
Essas observações são baseadas numa classe média-alta
e num número limitado de pessoas que ainda assim recebe-
ram assistência psicológica.
Embora a visão seja parcial, sendo resultante da obser-
vação de um grupo restrito de pessoas, é bastante confiável
enquanto fruto de um contato mais profundo daquele que
pode emergir a partir de simples entrevistas.

1) Relacionamento com os filhos:


— Quem tem a guarda dos filhos fica mais estressado fisi-
camente e menos permissivo com eles. Mas o relacionamento
com os filhos é mais claro e fluido, não havendo conflitos
diários entre os pais.
— Quem não fica com os filhos ressente-se de sua ausência
e da falta de um relacionamento contínuo com eles. Todavia,
nos casais recentemente separados, o afastamento de um côn-
juge raramente provocou, com a partida, a perda psicológica
dos filhos; ao contrário, foi mais freqüente a melhoria da
qualidade do tempo transcorrido em sua companhia.

2) Relacionamento com a família de origem:


— A maioria das pessoas recebe maior assistência da pró-
pria família de origem (apoio emotivo, financeiro, moradia,
assistência aos filhos).
— A interação com a família de origem aumentou para as
mulheres separadas, sobretudo por causa da assistência que
os filhos recebem e das novas necessidades econômicas que
emergem.
— Pode-se deduzir, portanto, que a família de origem
ajuda muito na reorganização pessoal durante o período pós-
separação.

3) Relacionamento com o ex-cônjuge:


— Quase todos os (pais) separados declararam que a se-
paração não encerrou definitivamente seu relacionamento
com o ex-cônjuge: apenas o modificou. Muitas vezes, em
situações de emergência, os ex-cônjuges entram em contato
e se aconselham mutuamente.
— As áreas de maior conflito são: o apoio econômico, as
visitas aos filhos, as divergências de opinião sobre a educação
dos filhos. Além disso, podem surgir ciúmes e inveja dos
novos relacionamentos estabelecidos pelo ex-cônjuge.
— O fator tempo foi determinante para favorecer o afasta-
mento emotivo entre ex-cônjuges.
,
174
4) Relacionamento com a família do ex-cônjuge:
— O contato com a família do ex-cônjuge diminuiu, exceto
nos casos em que havia necessidade de receber assistência
para os filhos.

5) Relacionamento com amigos e conhecidos:


— Uma participação social maior, assim como a proximi-
dade dos amigos conseguiram muitas vezes reduzir o estresse
associado à separação.
— As amizades feitas durante o casamento tendem a se
perder com o tempo. Os principais motivos são os interesses
diferentes, as prováveis ameaças de sedução do próprio com-
panheiro e o medo, por parte dos casais em crise, de serem
contagiados pela separação.
— Fazer amizades depois da separação é muitas vezes di-
fícil, a menos que o separado se encontre entre outros sepa-
rados ou solteiros.

6) Relacionamentos com um novo amor e a sexualidade:


— As pessoas acostumadas a viver o amor e a sexualidade
somente no contexto matrimonial ficam em sua maioria insa-
tisfeitas por serem incapazes de exprimir-se nas relações não
estáveis.

7) Atividades econômicas e trabalho:


— Em geral o desinteresse aumenta se existirem preocupa-
ções pessoais, e isso também se reflete negativamente na
qualidade do trabalho (seja ele assalariado ou autônomo).
— Muitas vezes acontece que as mulheres se vêem obriga-
das a trabalhar por causa de novos apertos econômicos.
— Os homens também procuram trabalhar mais, tendo agora
de sustentar a ex-família e a nova moradia.
— Para a mulher separada, às vezes o trabalho pode repre-
sentar a única fonte de contato social.

8) Lazer:
— Pode-se observar nos separados uma forte tendência a
melhorar culturalmente e a aumentar o próprio potencial
humano.
— Os homens separados também afirmam ter reduzido suas
atividades consideradas como hobbies a fim de incrementar
e procurar novas fontes remunerativas.

Espero que esta elucidação sobre o comportamento do


separado seja útil para os membros da Asdi e possa servir

175
de base para posteriores pesquisas sobre a temática da se-
paração.
Um aumento das informações reveladoras das dificulda-
des e necessidades dos separados facilitará uma melhor com-
preensão do problema por parte da sociedade moderna. Além
disso, esses primeiros esclarecimentos permitirão aos interes-
sados conhecer melhor as conseqüências "pós-separação" e,
portanto, orientar-se em direção de soluções mais racionais.

Separação e trauma "econômico"


Falou-se com freqüência do trauma psicológico dos se-
parados e, conseqüentemente, também do de seus filhos.
Esse discurso muitas vezes ocultou e não levou em
conta a realidade cotidiana com a qual se deparam as mães
separadas (principalmente aquelas com menos recursos).
O estresse que a família constituída de apenas um dos
pais enfrenta deriva principalmente da diminuição imediata
de suas possibilidades econômicas.
O estado de pobreza repentina resultante da separação
recente é quase sempre traumático e se reflete em menor
tolerância e maior rigidez na educação dos filhos.
Os pedidos de atenção dos filhos são muitas vezes frus-
trados por aquelas mães trabalhadoras que não podem pagar
uma empregada ou babá. Sem um momento sequer de tran-
qüilidade e correndo continuamente para prover sozinhas as
necessidades dos próprios filhos, facilmente caem doentes,
desenvolvendo muitas vezes doenças psicossomáticas.
Além disso, os fortes apertos econômicos freqüentemen-
te obrigam os filhos dos separados a um crescimento forçado
e prematuro. Eles são obrigados a exercer tarefas domésticas,
o que prejudica seus estudos.
A essa altura, temos o direito de acreditar que o trauma
maior derive do estresse causado por carências econômicas
e não apenas da falta ou perda do próprio companheiro.
Nos casos em que se verificou uma melhora das condi-
ções econômicas, o trauma da separação muitas vezes se dis-
solveu proporcionalmente tanto para as mães quanto para
os filhos.
No futuro, será bom sublinhar a importância, entre os
motivos do trauma da separação, da insegurança econômica
que ela causa, e considerar a ausência de um dos pais apenas
como uma das variáveis possíveis.

176
A necessidade de uma assistência orgânica
psicolegal na separação

A principal e freqüentemente única assistência que os


cônjuges em vias de separação requerem é a legal, na medida
em que é condição sine qua non para a separação.
Mas essa operação, das mais complexas e delicadas na
vida de uma pessoa, não pode ser resolvida completamente
no mero ato legal, já que comporta também um profundo e
considerável envolvimento emotivo, quer no plano pessoal
quer no social.
Isso porque ela compromete e envolve não só os côn-
juges e seus filhos, mas também seus relacionamentos com
amigos, parentes, colegas de trabalho. Um exemplo desse
amplo envolvimento é a impossibilidade, que a variada expe-
riência de quem atua no setor evidenciou, de tutelar a
integridade psíquica e os interesses dos filhos independen-
temente do que está acontecendo entre os pais em vias de
separação.
O itinerário legal deve comportar a avaliação objetiva
e serena de vários elementos de fato e de direito para que
os cônjuges e os filhos encontrem uma colocação correta no
caso previsto pela norma. Se nessa delicada e difícil operação
de síntese irromperem, como tantas vezes ocorre, componen-
tes emotivos de hostilidade ou irracionalidade, o trabalho
do advogado torna-se muito mais complicado e, às vezes,
impossível.
É em tais casos que se projeta a indispensabilidade do
psicólogo: graças à sua intervenção, sentimentos de culpa,
raiva e depressões, que em geral emergem do conflito entre

177
cônjuges, encontrarão finalmente a justa e necessária con-
sideração.
Na esfera legal entram especificamente todos aqueles
problemas motivados por circunstâncias objetivas externas,
tais como a impossibilidade de se ter uma auto-suficiência
econômica, a necessidade de alguém para cuidar dos filhos,
a justa repartição da propriedade. Nos problemas subjetivos,
que prescindem de tais circunstâncias e dos quais, conforme
veremos, o advogado não pode ocupar-se, se concentrará a
assistência psicológica.
Isso porque, mesmo se o advogado estivesse disposto,
por cultura, humanidade, profissionalismo, a tratar também
do componente emotivo, na realidade não poderia fazê-lo
por causa de seu próprio papel institucional.
O primeiro objetivo do advogado empenhado em uma
separação é proteger os interesses jurídicos das partes e dos
filhos, o que, no entanto, nem sempre coincide com o solu-
cionamento dos conflitos emotivos e dos problemas psicoló-
gicos que se apresentam às pessoas envolvidas nessa difícil
experiência. Por exemplo, o afastamento de um dos cônjuges
da família, que em momentos de muita tensão representa a
solução mais idônea para reencontrar um certo equilíbrio
emocional e psicológico, pode, no entanto, do ponto de vista
legal, impedir a possibilidade de obter posteriormente a
custódia dos filhos.
A assistência legal, portanto, se por um lado é absolu-
tamente necessária para que a separação ocorra, por outro
pode não esgotar sozinha os problemas que se apresentam aos
protagonistas do acontecimento.
Uma colaboração coordenada entre advogado e psicó-
logo, no entanto, permitiria uma visão mais global e orgâ-
nica dos problemas vividos pelos cônjuges em vias de se-
parar-se.
Muitas vezes é exatamente a parcialidade de uma ótica
apenas legal que determina relacionamentos tão amargos
entre as partes que, às vezes, deságuam numa dura contra-
posição. E se os cônjuges forem também pais, pode acontecer
que nessa guerra eles não levem em conta o interesse dos
filhos e os transformem, até, em instrumento de ofensa e de
chantagem.
Envolvidos numa verdadeira luta, os filhos pagam não
tanto o trauma da separação, quanto o trauma da perpetuação
das hostilidades.

178
Essa situação de contenda é agravada, além do mais,
pela contradição atualmente prevista até no rito processual
dos divórcios chamados de "amigáveis" ou "consensuais":
ela se insinua como uma nova ocasião de disputa e vai refor-
çar as contradições já existentes naquelas áreas notoriamente
de maior conflito (custódia dos filhos, visitas, divisão dos
bens, sustento financeiro, cessão da casa conjugal, etc.).
Por essa rápida exposição, vemos que o problema da
separação inclui múltiplos fatores: os etiológicos são com-
plexos e vêm distribuídos nos diversos níveis da vida pessoal,
e sua solução não deve nem pode ser confiada somente à
competência legal.
O separado, para alcançar um equilíbrio pessoal, tem
de atravessar várias fases emotivas, psíquicas, sociais, legais
e de relacionamento com o ex-cônjuge. E o acordo na sepa-
ração é uma condição necessária para que o equilíbrio psi-
coafetivo dos ex-cônjuges e dos filhos não seja perturbado
durante a difícil passagem da família com ambos os pais para
a família com apenas um dos pais.
Na impossibilidade de um acordo espontâneo, a assis-
tência interprofissional psicolegal torna-se, como já esclare-
cemos, uma necessidade imprescindível. Somente se auxiliada
pela assistência psicológica poderá a assistência legal garantir
aos cônjuges uma certa tranqüilidade econômica e afetiva,
apesar das divergências que os levaram à separação.
Em poucas palavras, a assistência coordenada psicolegal
propõe-se a:

1) Estender ao máximo o acordo no desacordo a fim de


facilitar a negociação entre as partes.
2) Minimizar os conflitos pós-separação.

A colaboração torna-se produtiva quando ambos os es-


pecialistas, o advogado e o psicólogo, visam juntos a uma
solução favorável para toda a família, apesar de separada.
Se a resultante consensual que nasce de divergências
inconciliáveis mas "sem culpas" é a fórmula melhor para a
separação, a abordagem interdisciplinar é certamente a mais
indicada para facilitar todas as suas fases.

Sincronia da assistência psicolegal conjunta


nas várias fases da separação

I — Fase Pré-Decisiva

179
— Informações legais acerca dos aspectos gerais da sepa-
ração.
— Orientação psicológica visando a uma abordagem prefe-
rencialmente familiar ou de casal.

II — Fase Decisiva
— Assistências psicológicas individuais e/ou de casal (visan-
do a um amadurecimento da separação psicoafetiva).
— Procedimento legal de mediação e elaboração das con-
dições para a separação amigável.
— O casal leva em consideração a alternativa da separação
e avalia todas as conseqüências de tal solução no plano pes-
soal e social. Dependendo dos casos e da idade dos filhos,
estes poderão ou não ser convocados. Em todo caso, a decisão
final cabe aos pais.

III — Fase Reestruturadora


— Procede-se às assistências psicolegais para os separados.
— Juntos, o advogado e o psicólogo acertam e propõem as
soluções melhores e mais oportunas quanto aos acordos le-
gais, financeiros, emotivos, sociais e parentais durante o
período de transição.
— De acordo com as necessidades, haverá eventuais encon-
tros comuns entre as partes, o advogado e o psicólogo, por
estes preparados e acertados.

IV — Fase de Recuperação (pós-separação)


— Ajustamento jurídico (alimentos, visitas, nova moradia,
informações sobre o novo status, etc.).
— Assistências psicológicas individuais (integração do "Eu"
durante o delicado período do afastamento. Desenvolvimento
pessoal em direção da autonomia individual e busca de um
estilo de vida próprio).
— Contatos entre o advogado e o psicólogo a fim de garan-
tir os acordos feitos e evitar o ressurgir de situações potencial-
mente conflituosas.

Em todas essas fases, o advogado e o psicólogo colabo-


ram a fim de obter uma cooperação vantajosa de todas as
partes em causa.
Por mais competentes e preparados que sejam no pró-
prio campo específico, os profissionais envolvidos obterão
resultados sem dúvida melhores trabalhando em sincronia
do que trabalhando separadamente.

180
A validade da assistência psicológica depende em grande
parte da capacidade do psicólogo de entrar em perfeita sin-
tonia com o cliente, apreendendo toda a dimensão da sua
problemática, inclusive a econômico-legal.
O sucesso legal, por outro lado, consiste em não con-
seguir apenas uma "vitória de Pirro", ou seja, sucessos eco-
nômicos evidentes que no entanto comportam conseqüên-
cias, no âmbito humano e pessoal, devastadoras. Muitas
vezes, vencer é perder duas vezes.
Uma abordagem bilateral psicolegal, portanto, poderá
oferecer uma assistência completa que considere, na globa-
lidade de seus fatores, a situação de crise que deriva da
separação.
O mais importante é que ela se dirigirá para todos os
membros da família, e não para apenas um deles contra os
outros. Seu principal objetivo, portanto, será criar um clima
de cooperação e de comunicação nos diversos níveis entre
todos os componentes; dessa maneira, o trauma da separa-
ção não deixará de ser doloroso, mas também não será
destrutivo.
E essa consideração vale especialmente com relação aos
filhos, sobre os quais em geral recaem, a longo prazo, as
conseqüências mais graves da separação dos pais.
É importante que estes entendam quanto os filhos
ainda precisam de um contato real com ambos: "Os pais
nunca deixarão de ser pais!"
Para tal fim parece útil a atuação de um programa edu-
cativo adequado que ajude os ex-cônjuges a manter seu papel
de pais para todos os efeitos, inclusive na situação nova e
diferente que se segue à separação ou ao divórcio.
Concluindo, o sucesso de uma separação não deve mais
residir, por todos os motivos expostos, na vitória parcial de
um cliente, mas na vitória coletiva de cada membro indivi-
dual do grupo familiar e, portanto, de todo o sistema da
separação.

Temas dos Seminários


I — A crise do casal ou da família.
(Perigo, mas também oportunidade de crescimento — In-
tervenções específicas.)
II — Avaliação dos componentes psicoafetivos e materiais
que mantêm o vínculo.

181
(Teoria do apego — Teste esclarecedor.)
III — Decidir a separação: juntos ou sozinhos.
(Estratégias para facilitar uma decisão comum.)
IV — A vantagem da assistência psicolegal conjunta.
(Sincronia dos momentos antes-durante-depois da separação.)
V — Estresse e trauma de separação — Sofrimento ou
alívio.
(A separação na escala dos tipos de estresse.)
VI — A separação é articulada em vários níveis.
(Emotivo/matrimonial — legal/social — econômico/mora-
dia — co-parental/filhos — pais/amigos — desenvolvimen-
to/crescimento individual.)
VII — Cicatrização depois da elaboração do luto de fim
de relação.
(Reencontrar a si mesmo antes de procurar o outro.)
VIII — Relacionamento de ex-cônjuges e conflitos pós-
separação.
(Conseguir afirmar-se sem necessariamente opor-se.)
IX — Efeitos positivos e negativos da separação sobre os
filhos.
(Vantagens e limites da família constituída por apenas um
dos pais.)
X — Ajudar os pais a minimizar os efeitos negativos sobre
os filhos.
(Especificações do homem e da mulher.)
XI — Influência dos valores pessoais dos assistentes.
(Facilitar o afastamento ou a reconciliação.)
XII — Uma abordagem prática da depressão.
(Grupos para separados — Análise — Gestalt e Transa-
. cional.)

182
Primeiro Congresso Internacional de
Terapia da Gestalt '

(Paris, 5-6 de novembro de 1984.)

A Gestalt e o fim de uma relação


(Seminário de Edoardo Giusti)

A vida compõe-se de uma série de apegos e separações


(pais, filhos, cônjuge, amantes, amigos . . . ).
O processo de separação muitas vezes provoca rea-
ções de raiva, sofrimento, saudade, desolação, frustração e
solidão.
A terapia gestáltica — totalmente centrada na expe-
riência existencial fenomenológica do presente — é par-
ticularmente indicada para favorecer ao máximo a elaboração
do luto do fim de uma relação e a reintegração pessoal.
Este seminário mostrará, com base na fenomenologia
clínica, as seqüências necessárias de uma abordagem terapeu-

1 C) termo alemão "Gestalt" indica a totalidade (forma e estrutura) e


influenciou toda a psicologia moderna, gerando uma abordagem tera-
pêutica nova e enérgica onde os distúrbios psicológicos são conside-
rados "quebra da Gestalt" e interrupções na unidade do ser. A psi-
coterapia da Gestalt vê o organismo humano em uma perspectiva
ecológica e unificadora da pessoa. Nessa ótica, a realização plena da
personalidade dá-se através da integração criativa das suas dimensões:
corpórea (movimento, sensorialidade), emotiva (afetividade, sentimen-
tos), intelectiva (racionalidade, imaginação), social (responsabilidade,
escolha), espiritual (envolvimento, afastamento).

183
tica durante a crise depressiva, a fase de transição e, final-
mente, a reintegração pessoal.

A) A crise depressiva
A indecisão e a dúvida caracterizam o período crítico.
O sujeito está paralisado pelo conflito violento entre a ne-
cessidade de apego que persiste e o desejo de separação que
oprime.
A dificuldade da passagem de uma modalidade de vida
a outra diferente provoca a crise depressiva. E essa incapa-
cidade de evoluir provoca o isolamento do sujeito, que per-
manece dobrado sobre si mesmo, numa posição de rejeição
do mundo e de retraimento.
A formação de uma nova Gestalt só e possível depois
que a precedente for completamente desestruturada.
A intervenção terapêutica consiste em fornecer apoio
à pessoa durante essa dolorosa fase de desestruturação:
1) O terapeuta estabelece um primeiro contato com a pes-
soa, compreendendo profundamente seu estado de espírito.
2) Depois disso, autoriza um paradoxo, ou seja, põe à mos-
tra a evidência: o isolamento e o retraimento do sujeito, ao
mesmo tempo fazendo-o perceber como tenta evitar a dor.
3) Finalmente, com sua presença sempre próxima e humana,
favorece a expressão completa dos sentimentos ambíguos
ligados ao fim de uma união, desse modo pondo termo ao
tormento emotivo não resolvido: os sentimentos de culpa,
o abandono, a raiva, o medo, os rancores, os erros, as feridas,
a tristeza, a sensação de perda, o transtorno, a frustração,
a incapacidade, a dor, a solidão . .
Todos os sentimentos ligados ao companheiro ou aos
filhos são explorados, assim como todas as reações que de-
correm da morte da união.
Durante o período da saudade, vive-se uma alternância
de raiva e de tristeza.
A mudança nasce da aceitação da perda de alguma coi-
sa que existia e que não será mais como antes.

184
ELABORAÇÃO DO LUTO NA GESTALT

Superexcitação
Novo contato
+ energia

Contato
Mobilidade —
das energias

Ativação
expressiva

—go Retraimento
Desestruturação
Retraimento da Gestalt precedente
Tristeza em andamento

B) O período de transição
É um momento de repouso emotivo e de convalescença.
O indivíduo está fraco, na medida em que a mudança aba-
lou o seu bem-estar e a sua segurança anteriores.
1) O terapeuta estimula a pessoa — sem porém for-
çá-la — a empreender atividades menos isoladas.
2) O terapeuta mobiliza as energias da pessoa visando
à CONSCIÊNCIA do presente, de modo que o indivíduo possa
começar a assumir a responsabilidade das suas novas opções
e da possibilidade de escolhas que ele tem.
3) O terapeuta reforça o nível cognitivo e conceitual
do sujeito, atribuindo à crise o significado de um momento/
ato de crescimento.
É esse o momento adequado para explorar as razões e as
motivações que levam uma pessoa a unir-se a outra, além de
todo o romantismo.
Toma-se, assim, consciência do fato de que a união não
é uma "panacéia" que automaticamente satisfaz todas as nos-
sas necessidades e resolve todos os nossos problemas.
Desse modo o indivíduo assimila o princípio de reali-
dade, dando-se conta de desejos absurdos e irrealizáveis,

185
como por exemplo o de querer mudar o próprio compa-
nheiro.
O terapeuta aceita as eventuais recaídas da pessoa tan-
to para o desejo de recuperar parte do tormento emotivo
ainda não resolvido, quanto para o sentimento de fracasso,
à medida que se manifestam.
O dilema existencial está praticamente no fim quando
a pessoa não consegue mais chorar. Tem-se quase a impres-
são de que uma nova vida começa ali onde o dilema termina.
A formação da nova Gestalt começa a ter andamento e
preparam-se as bases para um novo começo.

PERÍODO DE TRANSIÇÃO

Gestalt
precedente

nova
desestrlituração Gestalt

,„. 4 nova
formação

C) A reintegração pessoal
Nessa fase final, o nível emotivo e o cognitivo da his-
tória do indivíduo são vividos paralelamente.
O terapeuta reforça tanto a auto-estima do sujeito quan-
to sua nova identidade.
O trabalho terapêutico visa a novas explorações/expe-
riências e à descoberta de si próprio.
No plano cognitivo, a pessoa avalia as possibilidades de
viver bem a condição de pessoa sozinha.
Considera-se a necessidade de estar em boa forma psi-
co-física para adaptar-se às novas realidades.
Também se fala dos deveres e das responsabilidades
dos pais separados e do direito dos filhos de terem acesso a
ambos igualmente.

186
Finalmente, o indivíduo consegue tomar consciência de
que só poderá realizar-se dizendo adeus ao próprio passado.
Nesse momento, o sujeito tem condições de escolher o
rumo da própria existência.
Entende de uma vez por todas que não é possível viver
quando se tem medo de morrer.

187
Referências bibliográficas

A seguinte bibliografia é indicada àqueles que gosta-


riam de ouvir outras opiniões de especialistas ou aprofun-
dar partes específicas do assunto tratado.

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193
O AUTOR E SUA OBRA

O italiano Edoardo Giusti é um dos maiores nomes


da moderna psicologia. Especializado em Gestalt-terapia nos
Estados Unidos, dedica-se, principalmente, ao estudo e trata-
mento das crises provocadas pelo divórcio e pela desagre-
gação das famílias. Em Roma, onde vive, suas atividades são
intensas: mantém um consultório para terapia individual ou
em grupo, organiza seminários para separados e é membro
de várias organizações internacionais, como a International
Gestalt Association, do Canadá.

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