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Revista Internacional de Ciências Cardiovasculares.

2019; 32 (6): 576-582

576

ARTIGO ORIGINAL

Associação entre o consumo de chocolate e a gravidade do primeiro infarto


HeloyseMartins Duarte, ¹ Milena Christy Rocha de Oliveira, ¹ Ramona Jung, ¹ Roberto Léo da Silva, ² Tammuz Fatah,
² Daniel Medeiros Moreira¹, ²
Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Unidade Pedra Branca, 1 Palhoça, SC - Brasil
Instituto de Cardiologia de Santa Catarina (ICSC) 2 - São José, SC - Brasil

Resumo

Fundo: As doenças cardiovasculares, como o infarto agudo do miocárdio, são as principais causas de morte no mundo. Os
flavonóides presentes no chocolate podem ter benefícios para pessoas que apresentam fatores de risco para o desenvolvimento
de doenças cardiovasculares e ter efeito coadjuvante em terapias conhecidas.

Objetivo: Analisar a associação entre consumo de chocolate, gravidade das lesões coronarianas, fatores de risco e
gravidade do primeiro infarto em pacientes atendidos no Instituto de Cardiologia de Santa Catarina e outros hospitais do
Estado de Santa Catarina.

Métodos: A subanálise da coorte Catarina Heart Study avaliou 350 pacientes com primeiro infarto do miocárdio. Avaliamos
variáveis laboratoriais clínicas, ecocardiográficas e hemodinâmicas. Utilizou-se o teste do qui quadrado para avaliar as variáveis
qualitativas, o teste t student no caso das variáveis paramétricas e o teste UMann Whitney nas variáveis não paramétricas.
Consideramos significativo p <0,05.

Resultados: Menor prevalência de hipertensão (43,2% vs. 62,3% p = 0,003), diabetes mellitus (13,5% vs. 25,7%, p =
0,027) e tabagismo (24,3% vs. 37,7%, p = 0,032) entre os que consomem chocolate . Maior uso de álcool (40,5% vs.
26,4%, p = 0,018) e drogas (9,5% vs. 3,3%, p = 0,023) entre os que consumiam chocolate. Entre os pacientes que
consumiram chocolate, houve correlação negativa entre a quantidade consumida e a Sintaxe (r = -0,296, p =
0,019).
Conclusão: Houve associação entre o consumo de chocolate e menor prevalência de hipertensão, diabetes e
tabagismo. Não houve associação entre a quantidade de chocolate consumida e a função ventricular pós-infarto e
a contagem de quadros TIMI. Maior prevalência de uso de álcool e drogas entre os que consomem chocolate.
Correlação negativa entre a sintaxe e a quantidade de chocolate consumido. (Int J Cardiovasc Sci. 2019; 32 (6):
576-582)
Palavras-chave: Doenças cardiovasculares / mortalidade; Infarto do Miocárdio / fisiopatologia; Flavonóides;
Polifenóis; Cacau.

Introdução Estudos indicam que os flavonóides presentes no cacau ou


produtos derivados do cacau têm potencial para beneficiar
As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de pessoas com fatores de risco para o desenvolvimento de DCV por
morte em todo o mundo. 1 Isso inclui o infarto agudo do meio de diversos mecanismos, como a ação antiinflamatória. 5-8 Isso
miocárdio (IAM) que, de 2008 a 2017, foi responsável por é de grande importância, pois o IAM também se caracteriza como
813.982 internações hospitalares no Brasil. 2 uma doença inflamatória. 9

Há evidências da ligação entre a redução dos riscos de eventos No entanto, aspirina e estatinas são os únicos medicamentos que
cardiovasculares e o consumo de chocolate em maiores combatem a inflamação e são usados no IAM. 9 A inclusão de uma
quantidades, uma vez que o chocolate contém flavonóides. 3,4 quantidade relativamente alta de alto teor de flavonóides

Endereço para correspondência: HeloyseMartins Duarte

Rua das Cerejeiras, 235, Pedra Branca. Código Postal: 88137-250. Palhoça, SC - Brasil.
E-mail: heloysem@hotmail.com

DOI: 10.5935 / 2359-4802.20190039 Artigo recebido em 16 de fevereiro de 2019; revisado em 18 de março de 2019; aceito em 03 de abril de 2019.
Int J Cardiovasc Sci. 2019; 32 (6): 576-582 Duarte et al.

Artigo original Consumo de chocolate e infarto 577

o cacau na dieta diária pode reduzir os desfechos A mensuração do consumo de chocolate foi feita
cardiovasculares, torná-los menos graves e melhorar o perguntando aos pacientes se eles comiam chocolate ou não
prognóstico dos pacientes após um episódio de IAM. e o número de mordidas de chocolate ingeridas por semana.

O chocolate, cuja composição é rica em flavonóides, pode Foram utilizados 43 gramas como padrão para cada mordida

ter efeito adjuvante às terapias da doença isquêmica, ingerida, sendo o consumo total por semana dividido pelos

principalmente pela ação antiinflamatória. 5-7 No entanto, dias para avaliar o consumo médio em gramas por dia.

embora haja indicações de que o chocolate possa diminuir a Para avaliação da gravidade e complexidade do IAM, foram
ocorrência de eventos de IAM, não há evidências de que utilizadas três variáveis: Sintaxe, Trombólise no Infarto do
possa estar associado a menor complexidade das lesões Miocárdio (TIMI) frame count e Fração de Ejeção do
coronárias em pacientes com IAM ou de que o IAM possa ser Ventricular Esquerdo (FEVE). A primeira variável é um escore
menos grave. Este estudo analisa a associação entre o que considera a localização, a quantidade e a respectiva
consumo de chocolate e a complexidade das lesões repercussão das lesões no funcionamento das artérias
coronárias, bem como os fatores de risco para desfechos coronárias, e quanto maior o índice Syntax, maior a
cardiovasculares e a gravidade do primeiro infarto. complexidade das lesões coronárias. 11 A contagem de quadros
TIMI avalia o número de quadros do filme desde o início da
injeção de contraste até o intervalo da extremidade da artéria
Métodos
coronária. É uma estimativa da perfusão arterial realizada
Este estudo é uma subanálise do Catarina Heart Study 10 - um estudo de após o manejo terapêutico. 12 Essa variável foi aplicada apenas
coorte prospectivo iniciado em julho de 2016 com o objetivo de avaliar 1.426 para pacientes com IAM com supradesnivelamento do

pacientes até o ano de 2020 e propor um acompanhamento de trinta dias e segmento ST. A FEVE foi estimada por ecocardiografia

um ano. Os pacientes selecionados tiveram o diagnóstico de primeiro IAM e transtorácica em até 72 horas após o IAM.

foram atendidos no Instituto de Cardiologia de Santa Catarina e em outros Hipertensão, diabetes mellitus e dislipidemia foram autorreferidos no

hospitais do Estado de Santa Catarina. Uma vez obtido o consentimento dos momento do estudo. O consumo de chocolate foi considerado positivo para

pacientes, estes responderam a um questionário que incluía diferentes aqueles que o consumiam regularmente, pelo menos uma vez por semana.

variáveis clínicas, laboratoriais, eletrocardiográficas, ecocardiográficas e Foram considerados pacientes com história familiar positiva aqueles que

angiográficas no período de julho de 2016 a julho de 2018. possuíam parentes de primeiro grau com doença arterial coronariana,

mulheres ≤ 65 anos e homens ≤ 55 anos. Quanto ao uso de drogas e álcool,

o consumo dessas substâncias foi considerado positivo. Quanto ao

tabagismo relevante, consumo de algum tipo de tabaco no momento da


Os critérios de inclusão foram idade mínima de 18 anos, presença de dor
entrevista.
precordial sugestiva de IAM associada a eletrocardiograma com novo

supradesnivelamento do segmento ST no ponto J em duas derivações

contíguas com limites ≥ 0,1 mv em todas as deriva ções, além das derivações

V2-V3 nas quais aplicam-se os seguintes limites: ≥ 0,2 mv em homens ≥ 40 Análise estatística
anos de idade; ≥ 0,25 mv em homens <40 anos de idade, ou ≥ 0,15 mV em
A amostra do estudo atual foi calculada como 158 pacientes
mulheres ou a presen ça de dor precordial sugestiva de IAM associada à
com um poder de 90% e alfa = 0,05 para uma correlação de
elevação da troponina I ou CK-MB acima de 99 º percentil do limite superior
0,35 entre o consumo de chocolate por dia em gramas. Os
de referência. O critério de exclusão foi a presença de IAM prévio.
dados foram organizados em uma tabela e analisados pelo
software SPSS 13.0. As variáveis qualitativas foram expressas
por meio de números absolutos e percentuais e avaliadas
O endpoint primário deste estudo avaliou a associação pelo teste do qui-quadrado. As variáveis quantitativas com
entre o consumo de chocolate com gravidade, distribuição normal foram apresentadas como média ± desvio
complexidade e complicações AMI. Os desfechos padrão e foram avaliadas pelo teste t de Student para
secundários avaliaram a associação entre o consumo de amostras independentes, enquanto as variáveis
chocolate e a prevalência de fatores de risco quantitativas com distribuição não normal foram
cardiovascular clássicos e a correlação entre o consumo apresentados como mediana e intervalo interquartil e foram avaliados

de chocolate e as variáveis associadas à complexidade usando o teste U de Mann-Whitney. A normalidade foi avaliada pelo teste de

das lesões coronárias e à gravidade do infarto em Kolmogorov-Smirnov. Entre os pacientes que consumiram chocolate, a

pacientes que comeram chocolate. quantidade em gramas


Duarte et al. Int J Cardiovasc Sci. 2019; 32 (6): 576-582

578 Consumo de chocolate e infarto Artigo original

por dia foi correlacionada com as variáveis de gravidade do IAM por


Tabela 1 - Características demográficas, clínicas e de
meio da correlação de Spearman. Neste estudo, p <0,05 foi
estilo de vida da população em estudo
considerado estatisticamente significativo.

O Catarina Heart Study foi submetido ao Comitê de Variáveis

Ética em Pesquisa do Instituto de Cardiologia de Santa


Sexo masculino - N (%) 224 (64,0)
Catarina nos termos da Resolução 466/12, sob o protocolo
55450816.0.1001.0113. Os pacientes foram informados Hipertensão - N (%) 204 (58,3)

sobre o sigilo das informações coletadas no questionário e Diabetes mellitus - N (%) 81 (23,1)
assinaram o termo de consentimento antes da aplicação
Dislipidemia - N (%) História 120 (34,4)
do questionário.
familiar - N (%) Tabagismo - 153 (43,7)

Resultados N (%) 122 (34,9)

Álcool - N (%) 103 (29,4)


De julho de 2016 a julho de 2018, foram avaliados 350 pacientes
Consumo de chocolate - N (%) 74 (21,1)
com idade de 59,0 ± 11,0 anos. A maioria dos pacientes era do sexo
masculino (64,0%) e hipertenso (58,3%). Em relação ao chocolate, Infarto com elevação do segmento ST - N (%) Idade 39 (50,6)

21,1% dos pacientes consumiam regularmente, enquanto o * 59,0 ± 11,0


Syntax apresentou valor mediano de 12,0 (6,0 - 19,0). A
Índice de massa corporal* 27,6 ± 5,0
prevalência de diabetes mellitus na população entrevistada foi
Cintura* 95,5 ± 13,8
de 23,1% e o diagnóstico de infarto com supradesnivelamento
do segmento ST foi realizado em 169 pacientes (48,0%). O Peso - mediana (AIQ) 74,0 (65,0 - 83,0)

consumo médio de chocolate entre aqueles que comeram foi Chocolate † - mediana (AIQ) 21,5 (6,1 - 56,8)
de 21,5 gramas por dia. As demais variáveis são
Sintaxe - mediana (AIQ) 12,0 (6,0 - 19,0)
apresentadas na Tabela 1.
Quadro TIMI - mediana (AIQ) 22,0 (14,0 - 34,0)
O estudo mostrou associação entre o consumo de
chocolate e a ausência de hipertensão arterial sistêmica: * = Média ± desvio padrão, † = gramas de chocolate por dia,
apenas entre quem consome chocolate.
43,2% dos pacientes que consumiam chocolate eram
hipertensos, enquanto 62,3% dos que não consumiam a
comida apresentavam hipertensão (p = 0,003). Da mesma
forma, há associação significativa entre ausência de
diabetes mellitus e consumo de chocolate: 13,5% dos Tabela 2 - Associação entre consumo de chocolate e
fatores de risco
pacientes que consomem chocolate têm a doença,
enquanto 25,7% dos que não consomem chocolate têm Consumo de chocolate
diabetes, com p = 0,027. Houve maior prevalência de
fumantes entre os pacientes que não consumiam Variáveis sim Não valor p

chocolate (37,7%) em relação aos que consumiam


n (%) n (%)
chocolate (24,3%), com p = 0,032.
Além disso, houve maior consumo de bebidas Hipertensão 32 (43,2) 172 (62,3) 0,003

alcoólicas entre os que consomem chocolate (40,5%) em Diabetes mellitus 10 (13,5) 71 (25,7) 0,027
relação aos que não consomem chocolate (26,4%), com p
Dislipidemia 23 (31,1) 97 (35,3) 0,500
= 0,018. O grupo que usava drogas foi maior entre os que
História de família 39 (52,7) 114 (41,3) 0,079
consumiam chocolate (9,5%), em comparação com os que
não consumiam chocolate (3,3%), com p = 0,023. Fumar 18 (24,3) 104 (37,7) 0,032

Dislipidemia e história familiar de doenças Álcool 30 (40,5) 73 (26,4) 0,018


cardiovasculares não foram associadas ao consumo de
Drogas 7 (9,5) 9 (3,3) 0,023
chocolate. (Mesa 2).
Int J Cardiovasc Sci. 2019; 32 (6): 576-582 Duarte et al.

Artigo original Consumo de chocolate e infarto 579

ThemeanLVEFamong thosewhoconsumedchocolate gravidade da lesão coronariana em pacientes com chocolate


(48,7 ± 15,3) não apresentou diferença significativa para os em maior quantidade. Além disso, houve menor prevalência
que não consumiam chocolate (51,2 ± 13,0), com p = 0,228. As de hipertensão, diabetes e tabagismo entre os que
demais variáveis são apresentadas na Tabela 3. consumiam chocolate.

Entre os pacientes que consumiram chocolate, houve Semelhanças foram encontradas na literatura quanto ao perfil
correlação negativa entre a quantidade consumida e a Sintaxe da população entrevistada, com maior prevalência do sexo
(r = -0,296, p = 0,019), caracterizando menor complexidade masculino nos pacientes acometidos por IAM. 13-17 Além disso,
das lesões coronarianas nos pacientes com maior consumo verificou-se que a maioria desses pacientes apresentava
de chocolate. (Tabela 4). hipertensão como fator de risco para o evento cardiovascular 13-16. Em
relação ao tabagismo, menos da metade da população
entrevistada possuía esse vício, o que também foi encontrado em
Discussão
outras publicações. 14,15,17

Este estudo analisou a complexidade das lesões coronárias e a


Houve menor prevalência de hipertensão entre os que
gravidade do primeiro infarto com o consumo de chocolate. Os dados
consumiam chocolate. Essa relação também foi
mostraram que, entre os pacientes que consomem chocolate, existe uma
encontrada em vários outros estudos, que mostraram
correlação negativa entre a Sintaxe e a quantidade consumida, redução da pressão arterial com o consumo de
caracterizando-se por menor flavonóides, presentes em alimentos como o chocolate. 4,8,18,19
Essa associação pode ser justificada pelo fato de que os
flavonóides melhorariam a função endotelial, uma vez que
Tabela 3 - Associação entre consumo de chocolate e a disfunção endotelial está associada à hipertrofia e ao
variáveis quantitativas enrijecimento da parede arterial. 18,20,21 Um dos mecanismos
de melhora da função endotelial é o aumento da
Consumo de chocolate biodisponibilidade do óxido nítrico pelo consumo de
Variáveis valor p
flavonóides, que resulta em efeito vasodilatador e
sim Não
aumenta o fluxo sanguíneo nos vasos, com consequente
Era* 58,5 ± 11,6 59,2 ± 10,9 0,639 redução dos níveis pressóricos. 22,23 Outra via importante
dos benefícios dos flavonóides na redução da pressão
IMC * 27,9 ± 4,7 27,6 ± 5,1 0,624
arterial é a inibição da atividade da enzima conversora da
Cintura* 97,4 ± 14,8 95,0 ± 13,5 0,202
angiotensina, pois a formação da angiotensina II resulta
LVEF * 48,7 ± 15,3 51,2 ± 13,0 0,228 em vasoconstrição e aumento da pressão arterial, o que

Peso† 74 (64,0-86,0) 74 (65,0 - 82,0) 0,386


aumenta o risco de desfechos cardiovasculares. 23,24

Sintaxe† 14 (6,8 - 18,6) 11 (6,0 - 19,0) 0,778 Também foi encontrada associação entre o uso de
álcool e drogas com o consumo de chocolate e maior
Quadro TIMI † 28 (12,0 - 48,0) 20 (14,0 - 32,5) 0,360
prevalência de consumo dessas substâncias entre os
* = Média ± desvio padrão, † = Mediana (intervalo interquartil); IMC: índice de
massa corporal; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
pacientes que bebem chocolate semanalmente. Alguns
estudos justificam essa relação pelas características
viciantes do chocolate, que possui compostos que podem
causar dependência, como em outras substâncias, como o
álcool e outras drogas. 25,26 Além disso, o vício do chocolate
Tabela 4 - Correlação entre o consumo de chocolate e
também inclui os estágios típicos do alcoolismo e outros
variáveis associadas à complexidade coronariana e
gravidade do infarto em pacientes que ingeriram chocolate vícios de drogas, como recaída. Nessa fase, o indivíduo
volta a comer chocolate compulsivamente, sem pensar
Variáveis r valor p nos efeitos adversos do consumo exagerado, o que
corrobora ainda mais o efeito aditivo do chocolate, que
LVEF * - 0,070 0,613
pode prevalecer naqueles que têm tendência a
Quadro TIMI 0,131 0,499 comportamentos viciantes. 27 Outro ponto relevante é que
Sintaxe - 0,296 0,019 drogas, como a maconha, são estimulantes do apetite,
podendo aumentar o consumo de alimentos, inclusive
* = Fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
chocolate. 28,29
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580 Consumo de chocolate e infarto Artigo original

Também houve associação entre o consumo de que, os efeitos benéficos do consumo de chocolate estão
chocolate e menor prevalência de tabagismo, mas esse associados a menor mortalidade devido a desfechos
achado parece ser apenas uma coincidência. cardiovasculares, o que sugere menor gravidade de IAM
Uma associação entre o consumo de chocolate e em quem consome chocolate em maiores quantidades. 8,40 No
diabetes mellitus também foi encontrada. Estudos entanto, não foi possível estabelecer a quantidade exata
sugerem uma relação inversa entre a prevalência de de consumo recomendada para reduzir a gravidade do
diabetes mellitus e a ingestão de chocolate. 8,30-33 Pesquisas desfecho cardiovascular. Vale ressaltar que, embora tenha
descobriram que um dos mecanismos dessa relação havido correlação negativa entre a complexidade das
inversa entre chocolate e diabetes mellitus é o aumento lesões coronarianas e a quantidade de chocolate
da sensibilidade à insulina causada pelos flavonóides, que consumido, não houve associação entre a quantidade
ajuda a reduzir a glicose no sangue e pode retardar o consumida e outras variáveis associadas à gravidade,
aparecimento da doença. 34,35 como função ventricular pós-infarto (FEVE) e coronária
Um ponto importante, relatado em um dos estudos fluxo após a angioplastia primária (contagem de quadros
analisados, é que o consumo de flavonóides como efeito TIMI).
protetor do diabetes mellitus deve ser recomendado com Em relação às limitações deste estudo, as comorbidades dos pacientes e os fatores de

cautela. Isso é relevante porque o estudo argumenta que risco para desfechos cardiovasculares foram avaliados em um único momento, o que

grandes quantidades de açúcares e calorias podem ser pode comprometer a relação causa-efeito. Variáveis como etilismo e tabagismo foram

encontradas em vários produtos do cacau, em vez de alto autorreferidas, o que pode subestimar sua prevalência. Além disso, alguns fatores de

teor de flavonóides, o que pode gerar um efeito rebote, risco, como cirurgia de revascularização do miocárdio prévia ou doença renal com

piorando o controle glicêmico de pacientes com diabetes necessidade de diálise, não foram critérios de exclusão e poderiam influenciar os

mellitus tipo 2. 36 Alguns autores acreditam que o efeito resultados: no entanto, a prevalência dessas variáveis foi inferior a 1% (dados não

benéfico dos flavonóides também ocorre em pacientes mostrados). O erro do tipo I pode ter ocorrido em alguns achados, como a associação

que já possuem diabetes mellitus estabelecido, reduzindo entre o consumo de chocolate e menor prevalência de tabagismo. Não foi possível

o risco de desfechos cardiovasculares nesses indivíduos, mensurar a proporção de cacau presente no chocolate consumido. Outra limitação do

como o IAM. 19,20 No entanto, é relevante expressar que os estudo foi a falta de avaliação de renda, pois poderia haver um viés de contaminação,

pacientes que já têm diabetes mellitus são orientados a visto que maiores consumidores de chocolate poderiam ser aqueles com maior renda e

não consumir açúcares e, neste estudo, os pacientes maior acesso aos serviços de saúde, mesmo que a avaliação tenha sido realizada

entrevistados já tinham a doença e, portanto, deveriam exclusivamente em hospitais públicos. Além disso, a maioria dos pacientes entrevistados

comer menos chocolate. era de um único hospital. Esses vieses, entretanto, não invalidam os dados encontrados:

Entre os pacientes que consumiram chocolate, houve os dados da literatura sobre o assunto ainda são escassos e essas evidências justificam

correlação negativa entre a sintaxe e a quantidade de novas pesquisas, como ensaios clínicos desenhados com poder adequado para avaliar a

consumo de chocolate. O consumo médio de chocolate associação entre o consumo de chocolate em pacientes com cardiopatia isquêmica e a

entre os pacientes foi de 21,5 gramas por dia. Há redução de desfechos como mortalidade. embora a avaliação tenha sido realizada

evidências de que uma dose diária de 80 mg pode exclusivamente em hospitais públicos. Além disso, a maioria dos pacientes entrevistados
promover resultados vasculares benéficos. 18 era de um único hospital. Esses vieses, no entanto, não invalidam os dados encontrados:

Também há dados que mostram melhora imediata do os dados da literatura sobre o assunto ainda são escassos e essas evidências justificam

fluxo coronariano após o consumo de 45 gramas de novas pesquisas, como ensaios clínicos desenhados com poder adequado para avaliar a

chocolate com alto teor de cacau. 37 A correlação entre associação entre o consumo de chocolate em pacientes com cardiopatia isquêmica e a

maior consumo de chocolate e menor complexidade das redução de desfechos como mortalidade. embora a avaliação tenha sido realizada

lesões coronárias pode ser justificada pelas propriedades exclusivamente em hospitais públicos. Além disso, a maioria dos pacientes entrevistados

antiinflamatórias dos flavonóides presentes no chocolate. 5-7 era de um único hospital. Esses vieses, no entanto, não invalidam os dados encontrados:

Outro mecanismo importante é a ação antioxidante dos os dados da literatura sobre o assunto ainda são escassos e essas evidências justificam

flavonóides, que auxiliam na redução dos radicais livres e novas pesquisas, como ensaios clínicos desenhados com poder adequado para avaliar a associação entre o

podem resultar em lesões coronárias de menor gravidade. 7,38


Além disso, um ensaio clínico recente mostrou que o Conclusão
chocolate com alto teor de cacau melhora a função
endotelial (avaliada por meio de vasodilatação mediada Houve associação inversa entre consumo de chocolate
por fluxo da artéria braquial) em pacientes com doença e hipertensão, diabetes mellitus e tabagismo. Houve
arterial coronariana estabelecida. 39 Além de também uma associação entre
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Artigo original Consumo de chocolate e infarto 581

consumo de chocolate e maior prevalência de uso de drogas e Potencial Conflito de Interesses


álcool. Não houve associação entre a quantidade de chocolate Nenhum potencial conflito de interesses relevante para este artigo
consumida e a função ventricular pós-infarto (FEVE) e o fluxo foi relatado.
coronariano após a contagem de quadros TIMI. Também
houve correlação negativa entre a sintaxe e a quantidade de Fontes de financiamento
chocolate consumida, sugerindo menor gravidade da lesão
Não havia fontes externas de financiamento para este estudo.
coronariana em pacientes que consumiram chocolate em
maiores quantidades.
Associação de Estudos

Este artigo é parte da tese de trabalho de conclusão de


Contribuições do autor
curso apresentada por Heloyse Martins Duarte, de
Concepção e desenho da pesquisa: Duarte HM, Moreira Universidade do Sul de Santa Catarina ( Unisul).

DM, Silva RL, Fattah T. Obtenção de dados: Duarte HM,


Moreira DM, Silva RL, Fattah T. Análise e interpretação dos Aprovação ética e consentimento para participar

dados: Duarte HM, Moreira DM, Silva RL , Fattah T. Análise Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
estatística: Duarte HM, Moreira DM. Redação do do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina ( ICSC)
manuscrito: Duarte HM, Moreira DM, Oliveira MCR, Jung R. sob o número de protocolo 55450816010010113. Todos os procedimentos
Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo deste estudo estavam de acordo com a Declaração de Helsinque de 1975,

intelectual: Duarte HM, Moreira DM, Oliveira MCR, Jung R. atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os

participantes incluídos no estudo.

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