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INFORMAÇÕES

TÉCNICAS E CATALOGRÁFICAS:
Anais do XIX Colóquio de Pós-graduação e Pesquisa em Letras Neolatinas

Comissão Organizadora: Comissão Científica:


Coordenadores Ana Maria Lisboa de Mello
Cláudia Heloisa Impellizieri Luna Ferreira da Andrea Giuseppe Lombardi
Silva Angela Maria da Silva Corrêa
Miguel Ángel Zamorano Heras Annita Gullo
Antonio Francisco de Andrade Júnior
Representantes discentes: Antonio Ferreira da Silva Júnior
Priscila da Silva Marinho (Doutorado) Ary Pimentel
Walquíria Rodrigues (Mestrado) Celina Maria Moreira de Mello
Cláudia Heloisa Impellizieri Luna Ferreira da Silva
Ana Carolina Monteiro Freitas Henriques Edson Rosa da Silva
Camila Pinhal do Nascimento Elena Cristina Palmero González
Catarina Lobo Gonçalves Fabiano Dalla Bona
Davidson Martins Viana Alves Flora de Paoli Faria
Eric da Silva Santiago João Antônio de Moraes
Gisele dos Santos Nascimento Leonardo LennertzMarcotulio
Glaucia Moreira Secco Leticia Rebollo Couto
Jeannie Bressan Annibolete de Paiva Luiz Carlos Balga Rodrigues
Júlia Ferreira Lobão Diniz Marcelo Jacques de Moraes
Larissa Soares Maria Mercedes RiveiroQuintansSebold
Leonardo Vianna da Silva Miguel Angel Zamorano Heras
Marcus Vinícius da Silva Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina
Mariana de Oliveira Costa Pierre François Georges Guisan
Priscila Rocha Rodrigo Silva Ielpo
Rosa Maria da Silva Faria Silvia InésCárcamo de Arcuri
Rubens Vinícius Marinho Pedrosa Sonia Cristina Reis
Tatiana de Alencar Teixeira Campos Victor Manuel Ramos Lemus
Wesley Alves de Araújo William Soares
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Reitor
Profa. Dra. Denise Pires de Carvalho
Vice-reitora
Prof. Dr. Carlos Frederico Leão Rocha

Faculdade de Letras
Diretora
Dra. Sonia Cristina Reis
Diretora Adjunta de Ensino de Graduação:
Dr. Humberto Soares da Silva

Pós-Graduação e Pesquisa
Diretora Adjunta de Pós-Graduação e Pesquisa

Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold


Vice-Diretor de Pós-Graduação e Pesquisa
Dr. Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina

Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas


Coordenadora
Dra. Cláudia Heloisa Impellizieri Luna Ferreira da Silva
Substituto Eventual
Dr. Miguel Ángel Zamorano Heras

Departamento de Letras NeoLatinas


Chefe do Departamento
Dra. Angela Maria da Silva Corrêa
Substituta Eventual
Dra. Annita Gullo
FICHA CATALOGRÁFICA

LUNA, Cláudia; ZAMORANO, Miguel. et al. (Orgs.).

Anais do XIX Colóquio de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras


Neolatinas / Colóquio do Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro / Rio de Janeiro, 2019.
000 F. ISBN: 978-85-93470-02-8

1. Estudos linguísticos. 2. Estudos literários. 1.Universidade Federal do


Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas.
Sumário

Apresentação
Apresentação dos Anais do XIX Colóquio de Pós-graduação e
12 Pesquisa em Letras Neolatinas
Cláudia Luna e Miguel Zamorano

Estudos Literários
A luta por um espaço de enunciação nos testemunhos mediados de três
15 mulheres indígenas andinas
Antonia Claudene de Lima Santos

The presences: uma análise da reescrita de mitos femininos em Borderlands/


20 La frontera: The new mestiza, de Gloria Anzaldúa
Camila Montinho da Silva

O jogo da perseguição: análise da figura do perseguidor como jogador na


28 contística de Julio Cortázar
Clarice Goulart Pedrosa

A trajetória de George Sand


36 Daiane Basílio de Oliveira

Os bairros da cidade e suas representações na literatura recente Argentina


44 Dalva Desirée Climent

O feminino no drama dannunziano: fantasia ou delírio


55 Daniela Benvenuti

Um retrospecto da teoria da narrativa no Cone Sul


63 Diego Cardoso Perez

A composição imagética do coro na reescrita de Antígona por Jean Anouilh


71 Elizabeth Serra dos Santos

Pochini e Tamburini: a face dupla do personagem Buffo


77 Eric da Silva Santiago
Revolta e melancolia em María, de Jorge Isaacs
84 Evelyn Santos de França

Casa, memória, território: para uma poética da deformação em Tendo al mio


90 fine de Carlo Emilio Gadda
Fabrizio Rusconi

O teatro de Gabrielle D’Annunzio: tradição e ruptura


95 Fernanda Gerbis Fellipe Lacerda

A contemporaneidade da escrita dantesca à luz de sua linguagem poética


104 inovadora
Gaetano D’Itria

Memória e exílio em produções literárias de Reinaldo Arenas


113 Gisele dos Santos Nascimento

Marcas discursivas da Omertà nos romances-ensaio de Leonardo Sciascia


120 Gisele Palmieri

Cuando a nosotras no nos quieren tanto, nos reunimos e tomamos a


127 palavra: a violência de gênero em um romance de Marcela Serrano
Glaucia Moreira Secco

O testemunho através dos personagens de ficção nos contos de Primo Levi


137 Isabelle Pinto Martins

O discurso do Duce entre a manipulação e a persuasão


143 Jonathan Pina

D’Annunzio e a estética do feio


152 Júlia Ferreira Lobão Diniz

“Come si può essere siciliani?”: discursos literários a serviço da construção


160 identitária siciliana em I Vecchi e I Giovani e Il Gattopardo
Leonardo Vianna

Mare Nostrum e a dialética entre mímesis e alteridade em Dante e Al


170 Maari: o interstício de linguagens simbólicas entre Oriente e Ocidente
Marcela Cristina Lemos Cordeiro

“Eu sei o que aconteceu e você não estava lá”: Disputas em torno da
175 representação dos sujeitos subalternizados e territórios periféricos
Mariana de Oliveira Costa
As margens do espaço, os espaços à margem: identidade e smarginatura na
183 tetralogia de Ferrante
Milena Vargas dos Santos Ferreira

A tradução como fio condutor da poética de Emilio Villa


191 Nayana Montechiari Crescencio

Riso amargo e crítica velada: o teatro de Maquiavel


199 Priscila Nogueira da Rocha

A construção de discursos de representação do mito de evita: estudo de


discursos que a literatura produziu sobre o Mito de Evita e sua relação
206 com o campo intelectual e cultural argentino
Rosa Maria da Silva Faria

Fronteiras artísticas, culturais e genéricas: o poema em prosa nas obras de


213 Camille Lemonnier e Joris-Karl Huysmans
Rubens Vinícius Marinho Pedrosa

O Ciúme por uma perspectiva comparatista entre As mil e uma noites e o


220 Decameron: uma análise de dois contos
Sarita Costa Erthal

Reescrita literária: as representações do mito mexicano Malinche sob a


227 ótica dos estudos pós-coloniais
Walquíria Rodrigues Pereira

“L’essere italiano, almeno sentire come un italiano”: a construção de


234 italianidade no jornal L’iride Italiana a partir da promoção da língua.
Wellington de Jesus Neves Rodrigues

Condições de mobilidade da obra dos irmãos Goncourt no espaço


242 literário internacional
Zadig Mariano Figueira Gama

Estudos Linguísticos
Documentos históricos em acervos brasileiros: as cartas de chamadas
251 espanholas
Aline Santos da Silva
A TRADUÇÃO COMO FIO CONDUTOR DA POÉTICA DE EMILIO
VILLA1

Nayana Montechiari Crescencio

PPGLEN UFRJ

Die Übersetzung ist die Überführung der einen Sprache in die andere durch
ein Kontinuum von Verwandlungen. Kontinua der Verwandlung, nicht
abstrakte Gleichheits – und Ähnlichkeitsbezirke durchmißt die Übersetzung
(BENJAMIN)2
Se le parole avessero un senso solo, quello del dizionario, se una seconda
lingua non venisse a sconvolgere e a liberare “le certezze del linguaggio”, non
ci sarebbe infatti la letteratura.
(Barthes)3

Para uma breve apresentação do artista multiforme Emilio Villa, iniciaremos nossa
comunicação em Affori, periferia de Milão, em 1914 – ano que a Primeira Grande Guerra se
instaura. Neste mesmo ano nasce Emilio Villa, em uma Itália conturbada, dividida política
e linguisticamente, onde anos depois, durante o regime fascista, “o italiano se configura[ria]
como língua imposta pela autoridade institucional (...) [que] conduz[iria] uma campanha
anti-dialetal” (TAGLIAFERRI, 2004). Ele “não resistirá à tentação de encaixar palavras ou
expressões dialetais correntes” (TAGLIAFERRI, 2004) em seus textos, assim como palavras
inventadas.

1 O texto integra a dissertação em andamento no Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da


Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2 “A tradução é a passagem de uma língua para outra por uma série contínua de metamorfoses. Séries
contínuas de metamorfoses, e não regiões abstratas de igualdade e de similitude, é isso que a tradução
percorre.”
(Tradução Susana Kampff Lages, 1998 - grifo nosso)
3 “se as palavras tivessem somente um sentido, o do dicionário, se uma segunda língua não viesse
perturbar e liberar as ‘certezas da linguagem’, não haveria literatura” (Tradução de Geraldo Gerson de
Souza).

ANAIS DO XIX COLÓQUIO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM LETRAS NEOLATINAS 191


ESTUDOS LITERÁRIOS

Emilio Villa era um reflexo desta nação, um tecido costurado com diversos fios, de
diversas cores. Os fios linguísticos dos idiomas que estudava, escrevia e traduzia, nas cores das
múltiplas culturas que visitava e revisitava a cada produção poética, crítica ou tradução. Não se
sentia pertencente à Itália como nação, mas era parte do tecido linguístico e brincava com esta
diversidade. Seus poemas são carregados de história, uma imensa riqueza linguística italiana e
de muitos outros idiomas que Villa dominava em seu idioleto. Villa foi um poeta preocupado
com a língua e com a linguagem. Sua obra crítica e poética apresenta diversos textos ligados
aos temas filológicos e linguísticos, apresentando o cuidado com a escolha das palavras e a
preocupação de seus estudos da tradução.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Villa se viu obrigado a servir as forças armadas,
porém foi desertor. Aprisionado em um campo de prisioneiros, na Holanda, sobreviveu de suas
leituras de Dante e Goethe (TAGLIAFERRI, 2004. p. 40), retorna à Itália onde consegue fugir
e tornar-se clandestino dentro de sua própria terra natal. Assim nascia “Il Clandestino”, título
concedido por Aldo Tagliaferri (2004), seu amigo, aluno e biógrafo.

Em 1951, viaja ao Brasil e apresenta uma exposição de arte no MASP, a convite


de Pietro Maria Bardi, por reconhecimento de seu grande talento como crítico de arte. Por
dois anos Villa colabora com as exposições no MASP e nas revistas Habitat e O Nível. Sua
participação na exposição do Museu de Arte de São Paulo, como curador da exposição didática
“Pré-história e Povos Primitivos” lhe rendeu grandes frutos. Entre 1950 e 1951, Villa estreitou
laços com Ruggero Jacobbi, cenógrafo italiano que estava no Brasil neste mesmo período, com
os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, pertencentes ao efervescente Grupo
Noigandres. Assim como atestado nesta tese sobre o MASP, de 2015:

Os membros do Studio d’Arte Palma [Roma] continuariam auxiliando o MASP


na preparação de futuras exposições didáticas, com destaque à figura do poeta
Emilio Villa, fundamental na preparação da segunda exposição didática “Pré-
história e Povos Primitivos”, projetada em 1947 e montada posteriormente,
em 1950. Entre 1950 e 1951, Villa viveu no Brasil, onde colaborou com Bardi
nas atividades do MASP e nas revistas Habitat e O Nível. Além disso, estreitou
amizade com o cenógrafo italiano Ruggero Jacobbi, que estava no Brasil e
envolveu-se com os iniciadores do concretismo brasileiro, os irmãos Augusto
e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. (BARBOSA, 2015)

Nestes dois anos, Emilio Villa escreveu poemas em terras brasileiras e em uma língua
que chamaria de “brasileiro”, um português carregado com uma gramática própria villiana,
assim como afirmava Herberto Helder (1997), anos mais tarde em seu livro Ouolof – poemas
traduzidos para o português, onde publica um destes poemas como se o tivesse traduzido, em
um ato libertino. Ainda no Brasil, Villa (1952) publica um artigo sobre a “língua brasileira”
intitulado: Os puristas são enfadonhos e inúteis, para a Revista Habitat e produz ainda um livro

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ESTUDOS LITERÁRIOS

sobre a flora brasileira, com fragmentos de poemas e ilustrado pelo artista plástico Roberto
Sambonet.

Ao retornar à Itália, depois desta “parentesi brasiliana”, dedica-se aos estudos do Livro
de Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, numa tentativa de produzir uma tradução completa e
imparcial bíblica, diretamente traduzida do hebraico, uma versão “mitopoietica4 e letteraria”
(TAGLIAFERRI, 2004. p. 94).

E desta fase enigmática de sua vida, contemplamos o enigma Villa: sua produção
artística não era somente voltada para a crítica de arte, à qual foi amplamente reconhecido,
Villa foi poeta, filólogo, exegeta e linguista de línguas semíticas, grande incentivador das artes
plásticas, amigo de Duchamp, Alberto Burri e Lucio Fontana, traduziu a Odisseia, a Bíblia do
hebraico, traduziu tabuletas mesopotâmicas, criou poemas em francês, inglês, latim, grego e em
“brasileiro”, além dos dialetos e línguas inventadas.

Aproximadamente em 1980, escreve o poema manuscrito Poesia è, objeto de estudo


desta pesquisa de mestrado, este é apenas um dos diversos poemas escritos por Emilio Villa,
porém é um poema com características especiais. A escolha deste poema deu-se por alguns
fatores: primeiro porque este poema envolvia um mistério: em nota prefaciando a publicação
deste poema, Cecilia Bello Minciacchi afirma que foram desfeitos alguns erros de digitação e
que este poema foi escrito em fólios soltos, não datados, tampouco numerados, o que sugere
uma sequência arbitrária, livre, aleatória, características tipicamente villianas. Fez-se necessário
descobrir a divisão dos fólios, ou pensar uma possível divisão através do corpus e do conteúdo
semântico do poema, já que o poema foi publicado sem marcar da divisão destes fólios e sem
uma revisão crítica apontando onde estariam os erros de digitação que foram indicados na nota
introdutória. Segundo porque era um poema em metapoesia, um poema que fala sobre a arte
da poesia e de fazer poesia; e por último porque seria possível falar da vida e da obra como
um todo, de Emilio Villa através deste único poema, incluindo sua passagem pelo Brasil, sua
relação com as artes plásticas, com a crítica de arte, com o fator identitário na Itália, dos seus
labirintos e poemas visuais.

Durante nossa pesquisa, encontramos o poema Poesia è publicado em três formas:


manuscrito (em nove folhas soltas e não numeradas), digitado segundo o manuscrito original
(seguindo a forma e divisão do original) e digitado arbitrariamente (impresso de forma contínua,

4 ETIMOLOGIA: do grego mythopoïēis


mitopoiètico agg. [der. di mitopoiesi] (pl. m. -ci). – Relativo alla creazione dei miti: facoltà m.,
l’attività spirituale creatrice dei miti, che già Platone considerava più particolarmente propria dei poeti,
distinguendola dall’attività più specificamente teoretica, generatrice di verità e di conoscenza, propria
dei filosofi: il periodo m. della letteratura greca. Disponível em: http://www.treccani.it/vocabolario/
mitopoietico/ Acessado em: 22 de maio de 2019.

ANAIS DO XIX COLÓQUIO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM LETRAS NEOLATINAS 193


ESTUDOS LITERÁRIOS

separado apenas por estrofes, porém sem marcas de divisão dos fólios).

Através da descoberta desta publicação do manuscrito digitalizado, o suporte ou a


apresentação hipertextual do poema poderá ser pensado segundo o conceito de hipertexto como
apresentação de informações escritas organizadas de tal forma que o leitor tenha a liberdade de
escolha, de seleção de caminhos de leitura, de sequências associativas, sem um encadeamento
linear. Além disso, poderemos considerar a (im)possibilidade da tradução de um poema
labiríntico e a própria leitura labiríntica como potencializadora da obra.

O principal objetivo de nossa pesquisa é traduzir e analisar as folhas soltas do poema


Poesia è, refletindo acerca da construção da escrita metapoética e labiríntica, repensando o
poema de Villa, experimentando-o, desconstruindo-o e às suas múltiplas formas labirínticas.

Analisando o corpus do poema podemos afirmar que o que chama atenção inicialmente
é a metalinguagem, a poesia autorreferencial, a preocupação do poeta em descrever o próprio
fazer poesia e o que é ser poesia. Poesia è foi criada em metapoesia, descrevendo a poesia como
objeto de arte e como ação criadora: uma construção labiríntica e enigmática. Um “microcosmo”
que fala de si mesmo, que busca a construção de sua própria identidade enquanto poesia.
Segundo Haroldo de Campos, metapoesia:

Trata-se de um poema que se questiona a si mesmo sobre a essência do poetar,


num sentido muito diferente, porém, das “artes poéticas” versificadas da
preceptística tradicional: o que está em causa não é um receituário de como
fazer poesia, mas uma indagação mais profunda da própria razão do poema,
uma experiência de limites. (CAMPOS, 1977. p. 36)

Haroldo de Campos (1977) descreve a metapoesia como um questionamento “sobre si


mesmo”, o metapoema é um poema sobre a sua própria essência, sobre a alma do poeta enquanto
poeta e sobre a poesia em si. Um questionamento existencial, uma “indagação” intrínseca sobre
o ser e fazer poesia. Uma linguagem própria ao poeta sobre a arte de poetar, construída na
“palavra sob a palavra”.5 Villa sutilmente transportava poetas, poesias e referências dentro do
que considerava ser poesia, através de palavras inventadas ou versos inteiros.

Podemos alcançar o conceito de labirinto para a análise de nosso poema ao percorrer


infinitamente as múltiplas possibilidades de caminhos: percursos da linguagem poética. A (im)
possibilidade de leitura atravessa a multiplicidade de caminhos, cria múltiplas possibilidades de
entradas e saídas e uma impossibilidade de leitura única, fazendo o leitor perder-se no labirinto,
sem perceber sua entrada. Ao perder-se o leitor encontra-se dentro do poema e da linguagem
villiana.

5 Referência ao livro “As palavras sob as palavras”, de Jean Starobinski sobre os anagramas de Saussure
e sua pesquisa sobre os hipogramas, as palavras-tema que permeariam a poesia latina.

ANAIS DO XIX COLÓQUIO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM LETRAS NEOLATINAS 194


ESTUDOS LITERÁRIOS

Pensar Poesia è6 como paisagem labiríntica, é pensar a poesia como um todo, seu suporte
físico, isto é, a poesia manuscrita de folhas soltas e não numeradas. Cria-se assim a liberdade de
leitura e a liberdade de entrada e saída do labirinto. O leitor é o autor de seu próprio texto, tece
sua própria leitura com o fio de Ariadne que foi dado a Teseu para sair do labirinto.

A paisagem labiríntica permite relacionarmo-nos com a obra voluntariamente. Um


abrir-se ao fora, explorar o universo imagético e enigmático do labirinto. Explorando a
subjetividade da construção poética e do próprio sujeito criam-se caminhos para esta relação. A
paisagem labirinto, que descrevemos aqui como o poema integral (o manuscrito, o poema como
obra de arte visual) é a entrada e a saída para o labirinto.

Ainda acerca do poema Poesia è, podemos afirmar que, não obstante o suporte que o
sustenta, este é uma “obra aberta” 7. Mesmo em seu suporte fixo, o livro impresso, privado de
uma sistematização de critérios para a separação das estrofes e de uma aproximação realista do
corpus original, o poema não perde sua essência de “obra aberta”. Segundo Eco (1991):

(...) uma obra de arte, forma acabada e fechada em sua perfeição de organismo
perfeitamente calibrado, é também aberta, isto é, passível de mil interpretações
diferentes, sem que isso redunde em alteração de sua irreproduzível
singularidade. Cada fruição é, assim, uma interpretação e uma execução,
pois em cada fruição a obra revive dentro de uma perspectiva original.
(ECO, 1991, p. 40)

Umberto Eco descreve que a obra de arte, mesmo quando “acabada e fechada”, isto
é, enquanto obra concluída, um organismo perfeito, é também uma “obra aberta”. Neste
sentido, não só as obras inacabadas ou incompletas seriam passíveis de interpretações por sua
inconclusão, uma obra de arte pode ser compreendida livremente e inventivamente. Toda obra
de arte é “aberta”, pois permite ao espectador a liberdade de interpretação, sem perder sua
singularidade e originalidade. Cada espectador cria uma perspectiva própria, o que faz a obra
viva e orgânica, dentro do universo de sua interpretação singular.

Poesia è é um poema “fechado” enquanto obra completa, porém é uma “obra aberta”
enquanto poema. A essência do poema é ser livre, a escolha das palavras minuciosamente feita
pelo poeta poderia ser pensada como um sinônimo de hermeticidade, porém o jogo de palavras
e sua polissemia dão ao leitor a liberdade de interpretação. Mesmo quando analisamos o corpus
do poema impresso em livro, de forma contínua, o poema ainda é uma “obra aberta”. Em seu
suporte manuscrito, com suas folhas soltas e múltiplas formas de leitura, o poema ganha ares
labirínticos. Transgride a forma comum de leitura corrente, e manipula o leitor a interagir com

6 Poema integral em anexo.


7 Obra Aberta: Umberto Eco.

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ESTUDOS LITERÁRIOS

o labirinto da linguagem. O leitor se encontra diante do fio de Ariadne e seguindo em busca da


saída ou da possível solução do enigma do labirinto.

Enquanto tradutor, Emilio Villa traduziu ainda tabuletas mesopotâmicas, o antigo


testamento e a Odisseia, esta diretamente do grego. Traduzia sua língua materna em italiano,
traduzia sua língua de seminarista em italiano. Traduzia-se em francês, inglês, grego, latim e
em “língua brasileira”. Traduzia-se e ao traduzir-se recriava a si mesmo. Superou o enigma e
transbordou o sistema linguístico hermético e conciso e o cânone artístico, transitando em todas
as artes. Transborda a literatura em objetos de arte, em poemas visuais. Traduzia-se em obra
de arte. Esta é uma das pretensões desta comunicação: traduzir o poeta Emilio Villa através de
sua obra.

O poeta-tradutor considerava que a tradução soluciona a inquietação do texto quando


faz uma escolha e decide um caminho:

Consideramos então a realidade do texto assim como ele se encontra, e de


acordo com a inquietação que este nos oferece: a tradução domina e corrige
vitalmente essa inquietação, e a esconde, principalmente, aos olhos do leitor.
A domina no sentido de que a tradução faz uma escolha; decide.8 (VILLA,
2005. p. 421 – tradução nossa).

A tradução de um poema de um artista que se traduz em diversas línguas, que se traduz


enquanto objeto de arte, como o próprio Emilio Villa faz – quando escreve em Italiano, em
“brasileiro”, em francês, inglês, grego, latim e línguas semíticas – é uma tarefa árdua. Faz
com que se repense não só a tarefa do tradutor benjaminiana, como intenção, mas antes ainda,
repensar o original enquanto tradução primeira: a tradução de uma poesia enquanto objeto de
arte e inversamente.

Referências

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1982. p. 124.

BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor [1921]. In: _______. Escritos sobre mito e linguagem.
São Paulo: editora 34, 2011. Tradução: Susana Kampff Lages.

_______. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem. [1916] In: _____.
Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo: editora 34, 2011. p. 49-73. Tradução: Susana

8 Prendiamo dunque la realtà del testo così come si trova a essere, e secondo 1’inquietudine che esso ci
offre: la traduzione domina e corregge vitalmente questa inquietudine, e la cela, per lo più, agli occhi dei
lettore. La domina proprio nel senso che la traduzione opera una scelta; decide. (VILLA, 2005. p. 421).

ANAIS DO XIX COLÓQUIO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM LETRAS NEOLATINAS 196


ESTUDOS LITERÁRIOS

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