Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TÉCNICAS E CATALOGRÁFICAS:
Anais do XIX Colóquio de Pós-graduação e Pesquisa em Letras Neolatinas
Faculdade de Letras
Diretora
Dra. Sonia Cristina Reis
Diretora Adjunta de Ensino de Graduação:
Dr. Humberto Soares da Silva
Pós-Graduação e Pesquisa
Diretora Adjunta de Pós-Graduação e Pesquisa
Apresentação
Apresentação dos Anais do XIX Colóquio de Pós-graduação e
12 Pesquisa em Letras Neolatinas
Cláudia Luna e Miguel Zamorano
Estudos Literários
A luta por um espaço de enunciação nos testemunhos mediados de três
15 mulheres indígenas andinas
Antonia Claudene de Lima Santos
“Eu sei o que aconteceu e você não estava lá”: Disputas em torno da
175 representação dos sujeitos subalternizados e territórios periféricos
Mariana de Oliveira Costa
As margens do espaço, os espaços à margem: identidade e smarginatura na
183 tetralogia de Ferrante
Milena Vargas dos Santos Ferreira
Estudos Linguísticos
Documentos históricos em acervos brasileiros: as cartas de chamadas
251 espanholas
Aline Santos da Silva
A TRADUÇÃO COMO FIO CONDUTOR DA POÉTICA DE EMILIO
VILLA1
PPGLEN UFRJ
Die Übersetzung ist die Überführung der einen Sprache in die andere durch
ein Kontinuum von Verwandlungen. Kontinua der Verwandlung, nicht
abstrakte Gleichheits – und Ähnlichkeitsbezirke durchmißt die Übersetzung
(BENJAMIN)2
Se le parole avessero un senso solo, quello del dizionario, se una seconda
lingua non venisse a sconvolgere e a liberare “le certezze del linguaggio”, non
ci sarebbe infatti la letteratura.
(Barthes)3
Para uma breve apresentação do artista multiforme Emilio Villa, iniciaremos nossa
comunicação em Affori, periferia de Milão, em 1914 – ano que a Primeira Grande Guerra se
instaura. Neste mesmo ano nasce Emilio Villa, em uma Itália conturbada, dividida política
e linguisticamente, onde anos depois, durante o regime fascista, “o italiano se configura[ria]
como língua imposta pela autoridade institucional (...) [que] conduz[iria] uma campanha
anti-dialetal” (TAGLIAFERRI, 2004). Ele “não resistirá à tentação de encaixar palavras ou
expressões dialetais correntes” (TAGLIAFERRI, 2004) em seus textos, assim como palavras
inventadas.
Emilio Villa era um reflexo desta nação, um tecido costurado com diversos fios, de
diversas cores. Os fios linguísticos dos idiomas que estudava, escrevia e traduzia, nas cores das
múltiplas culturas que visitava e revisitava a cada produção poética, crítica ou tradução. Não se
sentia pertencente à Itália como nação, mas era parte do tecido linguístico e brincava com esta
diversidade. Seus poemas são carregados de história, uma imensa riqueza linguística italiana e
de muitos outros idiomas que Villa dominava em seu idioleto. Villa foi um poeta preocupado
com a língua e com a linguagem. Sua obra crítica e poética apresenta diversos textos ligados
aos temas filológicos e linguísticos, apresentando o cuidado com a escolha das palavras e a
preocupação de seus estudos da tradução.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Villa se viu obrigado a servir as forças armadas,
porém foi desertor. Aprisionado em um campo de prisioneiros, na Holanda, sobreviveu de suas
leituras de Dante e Goethe (TAGLIAFERRI, 2004. p. 40), retorna à Itália onde consegue fugir
e tornar-se clandestino dentro de sua própria terra natal. Assim nascia “Il Clandestino”, título
concedido por Aldo Tagliaferri (2004), seu amigo, aluno e biógrafo.
Nestes dois anos, Emilio Villa escreveu poemas em terras brasileiras e em uma língua
que chamaria de “brasileiro”, um português carregado com uma gramática própria villiana,
assim como afirmava Herberto Helder (1997), anos mais tarde em seu livro Ouolof – poemas
traduzidos para o português, onde publica um destes poemas como se o tivesse traduzido, em
um ato libertino. Ainda no Brasil, Villa (1952) publica um artigo sobre a “língua brasileira”
intitulado: Os puristas são enfadonhos e inúteis, para a Revista Habitat e produz ainda um livro
sobre a flora brasileira, com fragmentos de poemas e ilustrado pelo artista plástico Roberto
Sambonet.
Ao retornar à Itália, depois desta “parentesi brasiliana”, dedica-se aos estudos do Livro
de Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, numa tentativa de produzir uma tradução completa e
imparcial bíblica, diretamente traduzida do hebraico, uma versão “mitopoietica4 e letteraria”
(TAGLIAFERRI, 2004. p. 94).
E desta fase enigmática de sua vida, contemplamos o enigma Villa: sua produção
artística não era somente voltada para a crítica de arte, à qual foi amplamente reconhecido,
Villa foi poeta, filólogo, exegeta e linguista de línguas semíticas, grande incentivador das artes
plásticas, amigo de Duchamp, Alberto Burri e Lucio Fontana, traduziu a Odisseia, a Bíblia do
hebraico, traduziu tabuletas mesopotâmicas, criou poemas em francês, inglês, latim, grego e em
“brasileiro”, além dos dialetos e línguas inventadas.
separado apenas por estrofes, porém sem marcas de divisão dos fólios).
Analisando o corpus do poema podemos afirmar que o que chama atenção inicialmente
é a metalinguagem, a poesia autorreferencial, a preocupação do poeta em descrever o próprio
fazer poesia e o que é ser poesia. Poesia è foi criada em metapoesia, descrevendo a poesia como
objeto de arte e como ação criadora: uma construção labiríntica e enigmática. Um “microcosmo”
que fala de si mesmo, que busca a construção de sua própria identidade enquanto poesia.
Segundo Haroldo de Campos, metapoesia:
5 Referência ao livro “As palavras sob as palavras”, de Jean Starobinski sobre os anagramas de Saussure
e sua pesquisa sobre os hipogramas, as palavras-tema que permeariam a poesia latina.
Pensar Poesia è6 como paisagem labiríntica, é pensar a poesia como um todo, seu suporte
físico, isto é, a poesia manuscrita de folhas soltas e não numeradas. Cria-se assim a liberdade de
leitura e a liberdade de entrada e saída do labirinto. O leitor é o autor de seu próprio texto, tece
sua própria leitura com o fio de Ariadne que foi dado a Teseu para sair do labirinto.
Ainda acerca do poema Poesia è, podemos afirmar que, não obstante o suporte que o
sustenta, este é uma “obra aberta” 7. Mesmo em seu suporte fixo, o livro impresso, privado de
uma sistematização de critérios para a separação das estrofes e de uma aproximação realista do
corpus original, o poema não perde sua essência de “obra aberta”. Segundo Eco (1991):
(...) uma obra de arte, forma acabada e fechada em sua perfeição de organismo
perfeitamente calibrado, é também aberta, isto é, passível de mil interpretações
diferentes, sem que isso redunde em alteração de sua irreproduzível
singularidade. Cada fruição é, assim, uma interpretação e uma execução,
pois em cada fruição a obra revive dentro de uma perspectiva original.
(ECO, 1991, p. 40)
Umberto Eco descreve que a obra de arte, mesmo quando “acabada e fechada”, isto
é, enquanto obra concluída, um organismo perfeito, é também uma “obra aberta”. Neste
sentido, não só as obras inacabadas ou incompletas seriam passíveis de interpretações por sua
inconclusão, uma obra de arte pode ser compreendida livremente e inventivamente. Toda obra
de arte é “aberta”, pois permite ao espectador a liberdade de interpretação, sem perder sua
singularidade e originalidade. Cada espectador cria uma perspectiva própria, o que faz a obra
viva e orgânica, dentro do universo de sua interpretação singular.
Poesia è é um poema “fechado” enquanto obra completa, porém é uma “obra aberta”
enquanto poema. A essência do poema é ser livre, a escolha das palavras minuciosamente feita
pelo poeta poderia ser pensada como um sinônimo de hermeticidade, porém o jogo de palavras
e sua polissemia dão ao leitor a liberdade de interpretação. Mesmo quando analisamos o corpus
do poema impresso em livro, de forma contínua, o poema ainda é uma “obra aberta”. Em seu
suporte manuscrito, com suas folhas soltas e múltiplas formas de leitura, o poema ganha ares
labirínticos. Transgride a forma comum de leitura corrente, e manipula o leitor a interagir com
Referências
BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. Trad. De Geraldo Gerson de Souza. S.Paulo: Perspectiva,
1982. p. 124.
BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor [1921]. In: _______. Escritos sobre mito e linguagem.
São Paulo: editora 34, 2011. Tradução: Susana Kampff Lages.
_______. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem. [1916] In: _____.
Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo: editora 34, 2011. p. 49-73. Tradução: Susana
8 Prendiamo dunque la realtà del testo così come si trova a essere, e secondo 1’inquietudine che esso ci
offre: la traduzione domina e corregge vitalmente questa inquietudine, e la cela, per lo più, agli occhi dei
lettore. La domina proprio nel senso che la traduzione opera una scelta; decide. (VILLA, 2005. p. 421).
Kampff Lages.
CAMPOS, Haroldo. Língua pura na teoria da tradução de Walter Benjamin. Revista USP, São
Paulo, v.33, XX – XX, março-maio, p. 162-170, 1997.
CINTI, Gabriella. I labirinti di Emilio Villa e l’ambiguità dei confini. Disponível em: https://
www.academia.edu/35608037/I_Labirinti_di_Emilio_Villa_e_lambiguit%C3%A0_dei_
confini-1.doc (Acessado em 30 de julho de 2018)
FRACASSA, Ugo. Il gesto era un fatto pensoso. Revista Engramma. N. 145, Maio. 2017.
Disponível em: http://www.engramma.it/eOS/index.php?id_articolo=3114 Acessado em: 04 de
setembro de 2018.
MINCIACCHI, Cecilia Bello. Prefazione di Per Emilio Villa. Le Parole e Le Cose. Disponível
em: http://www.leparoleelecose.it/?p=16694
VILLA, Emilio. Os puristas são enfadonhos e inúteis. In: Revista Habitat. Arquitetura e artes
no Brasil, II, 7, abril - junho 1952, pp. 1 - 2
_______. Sulla traduzione dei testi biblici. In: Su Emilio Villa. Revista Il Verri, Milão, n. 7-8,
p. 8-22, nov. 1998.
_______. Dal Genesi. In: Su Emilio Villa. Revista Il Verri, Milão, n. 7-8, p. 23-26, nov. 1998a.
_______. Poesia è. In: Quaderni del Fondo Moravia. Roma, n1, p. 23-41, 2002.
_______. Nota del traduttore. In: Omero. Odissea. Roma: DeriveApprodi, 2005. Traduzione
dal grecco antico di Emilio Villa.