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Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Romance Espanhol
“THE PAINTED VEIL”

Sheila arriscaria o sucesso profissional por um amor de verão?

Luís aproximou-se e beijou-a rápido, impedindo Sheila de continuar a


discussão...
O que possuía aquele homem que a deixava tão descontrolada? Seriam
seus olhos verdes e magnéticos que a enfeitiçavam? Seria seu corpo esguio
e insinuante que a perturbava? Como se afastar-se de Luís? Afinal, lutara
tanto contra os próprios sentimentos para dedicar-se só à pintura, e agora
ele surgia em sua vida, transformando-a completamente...
Sheila conseguiria resistir à paixão que Luís lhe despertava?

“THE PAINTED VEIL”

1 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

© 1986 Elizabeth Hunter


Originalmente publicado pela Silhouette Books,
Divisão da Harlequin Enterprises Limited

Romance Espanhol
© 1987 para a língua portuguesa
EDITORA NOVA CULTURAL
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de
reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a


Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B. V.

Tradução: Brigitte Baum


EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3º andar
CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil
Caixa Postal 2372
Esta obra foi composta na Fesan Editora Ltda.
e impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

Foto da capa: Apla

Digitalização: Marta Oliveira


Revisão: Alice Maria

CAPÍTULO I

Ao avistar o Mediterrâneo pela primeira vez, Sheila Hardy prendeu a


respiração, deslumbrada. Quase não acreditava que ali tão perto, do outro
lado do estreito de Gibraltar, estava a África. Podia admirar a silhueta
imponente dos montes Atlas, recortada contra o horizonte, parecendo
uma continuação do relevo acidentado da Espanha.
O motorista do táxi, percebendo que ela não conhecia a Andaluzia, pôs-se
de bom grado a apontar-lhe os pontos de interesse, enquanto subiam pela
estrada sinuosa a caminho de Tarifa. Mas era difícil acompanhá-lo. Não
tanto pela dificuldade de compreender-lhe o inglês precário, mas
principalmente pelo nervosismo e ansiedade que sentia em chegar logo a
seu destino.
Sheila ainda não se convencera inteiramente de que não estava sonhando.
Pela segunda vez em menos de dez minutos, ela abriu sua maleta e

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verificou se as tintas e os pincéis continuavam como os havia acomodado.


Ao certificar-se de que o material estava em ordem, recostou-se no banco
aliviada e tornou a fixar os olhos na paisagem.
Aquele convite para dar aulas de pintura no curso de verão que Luís
Kirkpatrick mantinha em sua casa no sul da Espanha fora a melhor coisa
que já acontecera em sua vida. Não tanto pelo fato de ter seu talento
definitivamente reconhecido no mundo das artes, mas principalmente
porque aquilo significava que o artista que mais respeitava tinha visto e
gostado de seu trabalho. . . E pensar que tudo acontecera por um golpe de
sorte!
Sheila estava terminando o curso na Escola de Belas Artes, em Londres,
quando conseguiu sua primeira exposição. Ofereceram-lhe espaço numa
coletiva, na mesma galeria onde Kirkpatrick exibia suas pinturas. Ela
tivera a satisfação de ler uma crítica favorável no Times e outra ainda
melhor no Guardian, a respeito de seus quadros. Mas o verdadeiro
coroamento de seu sucesso fora aquele envelope que lhe chegara da
Espanha. . .

Uma placa à beira da estrada anunciou a proximidade de Tarifa,


despertando Sheila do devaneio. Curiosa, debruçou-se na janela do carro,
observando as altas muralhas de pedra que cercavam a cidade. A entrada
explicou-lhe o motorista, era através de um antigo arco em forma de
ferradura, a Puerta de Jerez.
Precisavam atravessar a cidadezinha para chegar à mansão de
Kirkpatrick, que se localizava nas montanhas do outro lado de Tarifa.
Enquanto se extasiava com a profusão de cores que pareciam explodir
nos canteiros à beira do caminho, Sheila pensou mais uma vez no artista
que iria conhecer dali a pouco. Agora compreendia por que Luís
Kirkpatrick escolhera morar naquela região. Para um pintor, não poderia
existir lugar melhor do que aquele, com uma intensa luminosidade no
verão.
Lembrou-se de que Kirkpatrick era espanhol. Embora a maioria das
exposições dele fosse realizada em Londres, consideravam-no um pintor
latino e na Espanha tratavam-no como um herói nacional. Suas enormes
telas, cujas cores vibrantes eram dispostas de maneira inovadora, estavam
nos maiores museus e galerias do país.
O táxi atravessou rapidamente Tarifa e tomou o rumo norte.
Pouco a pouco o cenário foi se modificando: um tapete de flores silvestres
recobria as encostas. Em breve, quando o verão chegasse ao auge, toda a
região adquiriria um tom marrom.
Finalmente o motorista reduziu a velocidade e anunciou:
— Esta é a propriedade dos Kirkpatrick, señorita.
Era uma casa esplêndida, toda pintada de branco, inclusive o muro que a
circundava. De um lado estavam os estábulos e, do outro, várias
dependências menores. Um homem em trajes de montaria aproximou-se

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impaciente quando viu o táxi parar na estrada principal.


— Sheila Hardy? — perguntou.
Sheila assentiu com um gesto de cabeça, surpresa demais para poder
falar. Era aquele Luís Kirkpatrick? Aparentava ser muito jovem para o
artista que ela tanto admirara nos últimos anos. Talvez fosse filho dele. . .
Sheila não conseguia deixar de fitá-lo, mas não podia continuar
encarando-o abertamente.
Desviou o olhar e perguntou:
— E você?
— Sou Luís Kirkpatrick. Não esperava uma mulher tão encantadora
como você, Sheila.
Ela desceu do carro, endireitou o corpo e adquiriu uma expressão séria.
— Prefiro que me chamem de srta. Hardy. — Disse em tom frio.
Kirkpatrick a desapontara com aquele galanteio.
— Se é assim que deseja. . . Mas é uma pena, Sheila é um nome muito
bonito.
— É bastante comum em nossa família. Por tradição, temos alguém com
esse nome a cada geração.
— Acho que este verão será bem mais agradável com a sua presença,
srta. Hardy. Espero que também se divirta.
— Vim para dar aulas!
Kirkpatrick começou a rir:
— Era exatamente o que eu esperava de você. . . Já deu aulas antes?
— Um curso de seis meses numa escola de iniciação artística.
Sheila ficou aliviada por poder mostrar que já tivera alguma experiência.
Não que iniciar crianças num primeiro contato com as técnicas da pintura
fosse ajudá-la muito no curso de verão; era bem diferente lecionar para
uma classe de adultos.
— Vou lhe mostrar o quarto. É esta sua bagagem?
Luís Kirkpatrick pagou o táxi e caminhou apressado em direção à casa,
carregando a pesada mala com facilidade. Enquanto o seguia, Sheila notou
que afinal ele não era tão alto como parecera. Mas isso não impedia que
continuasse a exercer uma forte atração sobre ela. Os cabelos escuros e a
pele bronzeada contrastavam com os belos olhos verdes. Demonstrava
enorme vitalidade, irradiando bom humor e energia.
— O que achou da paisagem? — perguntou Luís, enquanto caminhavam
por um longo corredor, distanciando-se dos aposentos principais da casa.
— Ainda não consegui parar para pensar. A vida parece bem mais
intensa e excitante aqui no sul, e o cenário se transforma a cada passo.
Não será fácil transmitir tudo isso numa tela.
— Vai tentar?
Sim, Sheila já estava determinada a isso. Não era uma artista
preocupada apenas em reproduzir a realidade enquanto pintava. Seu
propósito sempre foi utilizar a realidade exterior como pretexto para seus
trabalhos, que na verdade discutiam as várias relações possíveis das
cores no espaço bidimensional da teia. Mas sem dúvida aquela paisagem

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luxuriante do sul da Espanha traria novas possibilidades cromáticas para


sua pintura.
Finalmente entraram num quarto amplo, decorado com móveis antigos.
Algumas peças artesanais de colorido forte haviam sido acrescentadas
para realçar a mobília escura. Havia uma grande porta de vidro dando
para o pátio, que envolvia toda a casa. Uma outra porta levava ao banheiro
ultramoderno.
— Espero que Mercedes não tenha se esquecido de nada. Ela tentou
deixar tudo em ordem, mas costuma ficar muito nervosa quando
recebemos visitas. Se precisar de alguma coisa, é só pedir.
— Ela é sua esposa?
— Mercedes é minha governanta há muitos anos.
— Ah, sei. . . Você não é casado?
— Não. É difícil encontrar uma mulher que se interesse realmente pelo
que faço. Minha última namorada brigou comigo quando lhe pedi que
posasse para um quadro. . .
— É sempre assim... — murmurou Sheila pensativa.
Kirkpatrick olhou-a com seriedade:
— O que quer dizer com isso?
— No nosso campo, é quase impossível realizar um bom trabalho sem
se afastar das pessoas. Todo artista é um solitário.
— Não acredito que uma garota bonita como você viva isolada ...
Sheila fitou-o por um longo tempo, irritada com o tom irônico que
percebera na voz dele. Por que os homens sempre se viam obrigados a
tratar as mulheres daquele jeito, com uma expressão de superioridade, ou
então como se elas esperassem ser seduzidas? Era um comportamento que
nunca apreciara. Sabia que era tão capaz ou até melhor que a maioria dos
rapazes que conhecera, mas eles nunca a levavam a sério. Mesmo durante
o curso na Escola de Belas Artes, tinham sido raras as exceções. . .
— Não se pode contar muito com os homens — disse finalmente. —
Descobri que o melhor seria encontrar meu próprio caminho.
— Foi isso o que a vida lhe ensinou?
— Faço meu trabalho e deixo que os outros façam o deles. É mais fácil
assim.
— Espero que você encontre algum tempo para ensinar nossos hóspedes
— comentou ele, irônico.
— Mas é claro, não teria vindo se não estivesse preparada para dar
aulas. Mas é só o que farei. Não quero ser assistente de nenhum pintor.
— Para mim está bem. — Kirkpatrick sorriu e saiu do quarto deixando
Sheila a refletir sobre aquela conversa.
Há muito ela se convencera de que só obteria sucesso se dedicasse todas
as energias ao trabalho, por mais difícil que fosse. Não podia hesitar em
abandonar os amigos e os compromissos familiares, não podia ceder às
emoções. . . Em primeiro lugar estava a arte e sua vocação para a pintura.
Sheila deu de ombros. Se não tivesse avisado, com certeza Luís tentaria
usufruir da visita dela sem o menor constrangimento. Era preciso manter

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uma disciplina rígida para lutar contra tudo o que a impedisse de realizar
suas metas. E pressentia que aquele homem poderia perturbá-la. . . Ele
era muito, muito atraente...
Não demorou muito para desfazer a mala, pois trouxera poucas coisas de
uso pessoal. Há anos gastava todo o seu dinheiro em material de pintura.
As tintas eram caras e tinha de usá-las com economia, mas desde que
começara a vender algumas telas, a situação melhorara. E o novo emprego
poderia significar sua afirmação definitiva como artista. Era muita sorte
estar num lugar tão bonito e inspirador como a Espanha. Queria utilizar
todo o tempo disponível para pintar. . .
Ainda tinha muito a aprender com Luís Kirkpatrick, pensou ela, e
arrependeu-se por ter sido tão áspera com ele.
O quarto ao lado fora transformado num amplo ateliê onde Sheila
arrumou todo o material de pintura. Observando o ambiente, presumiu
que fora Kirkpatrick. que o preparara, pois era ideal para trabalhar: bem
iluminado, com paredes brancas.
Depois de deixar todas as suas coisas em ordem, Sheila decidiu sair para
explorar o lugar onde passaria todo o verão. Desceu para o jardim, depois
entrou no pomar. Não conseguia entender como um artista famoso como
Luís Kirkpatrick podia dividir aquele paraíso com um bando de turistas,
mesmo que só por alguns meses. Pelo tamanho da propriedade ele deveria
ser rico. Que motivo poderia levá-lo a montar os cursos de férias?
— Ei, você! Por acaso é a nova assistente de Luís nesta temporada?
Sheila ficou séria. O rapaz que se aproximava devia ser parente de
Kirkpatrick. Os traços do rosto lembravam os de Luís, mas nem por isso
ele mostrava a mesma determinação.
— Estou aqui para lecionar. Quanto ao resto...
— Luís me disse que você pretende pintar também, mas não vai
conseguir. Não sobrará um segundo quando os turistas chegarem,
querendo conhecer tudo sobre a Espanha e sua arte. Só quero preveni-la!
— E por que Luís os recebe?
O rapaz começou a rir ao perceber que Sheila continuava séria.
— Ele tem o desejo veemente de fazer com que as pessoas sintam como o
mundo é belo. Luís é louco! E não vai desistir nunca.
— É mesmo?
— Ele também disse que você é uma ótima pintora. É verdade?
— Bem, não sei. . . É difícil fazer uma avaliação justa do próprio trabalho.
— Gostaria de saber mais a seu respeito.
— Você se interessa por pintura?
— Meu interesse é puramente financeiro. Sou Tiago, o irmão mais novo
de Luís. Eu cuido dos negócios dele.
Sheila olhava-o agora com mais respeito. Somente alguém como ela, que
tinha de resolver tudo sozinha, sabia das dificuldades de montar uma
exposição ou correr atrás dos pagamentos de quadros vendidos.
— Sou Sheila Hardy — apresentou-se estendendo a mão.
— Ah, já a conheço de nome. Vi seus quadros na galeria onde montei

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uma exposição de Luís. Você não pinta como as outras mulheres.


— Como assim?
— Seu estilo é ousado e parece não haver nenhum limite quanto à
criação. Além do mais,você usa telas enormes. Como consegue transportá-
las em Londres?
— Faço esboços e tiro fotografias nas ruas, mas só pinto no ateliê.
Depois, não é difícil contratar alguém para ajudar na montagem de uma
exposição.
— Ah, sei. Quer conhecer a sala de aula?
— É claro! Quando chegam os primeiros hóspedes?
— Só depois da Páscoa. Luís insiste em passar a Semana Santa em
Sevilha todos os anos.
— Então por que me pediu para chegar tão cedo?
— Luís acha que ninguém pode conhecer realmente esta parte da
Espanha sem ter visto ou tomado parte dos cortejos e manifestações
religiosas. Espero que você não tenha nada contra.
— Não — disse Sheila pensativa. Ela já ouvira maravilhas sobre as festas
de Sevilha. Seria ótimo conhecer as antigas tradições da região. Poderia
até pintar um quadro sobre o tema.
— Luís leva essas comemorações muito a sério — advertiu Tiago. — E
espera o mesmo de você.
— Não o desapontarei — afirmou Sheila determinada, enquanto se
aproximavam da construção que abrigava a escola.
O prédio fora restaurado de modo a valorizar a arquitetura típica da
região. A sala era espaçosa e bem planejada. Sheila ficou impressionada.
— Seu irmão tem bom gosto. Isto deve ter dado um bocado de trabalho.
— As pessoas esperam encontrar um lugar agradável para passar as
férias.
— É verdade, mas ainda não entendo por que seu irmão precisava dividir
este lugar maravilhoso com um grupo de turistas. A pintura não é
suficiente?
Tiago riu:
— Por que se importa com isso? O que a traz aqui?
— O dinheiro — admitiu Sheila. — Gostaria muito de poder viver da
minha arte. Mas não é fácil, só recentemente consegui vender algumas
telas.
Tiago olhou-a atentamente, e em seguida balançou a cabeça.
— Vocês artistas são todos iguais. Nada lhes interessa senão o próprio
trabalho. Há várias maneiras de fazer o talento render, sabia?
— Como?
— Na área de publicidade, por exemplo.
Sheila franziu a testa:
— Eu não abro mão da minha liberdade!
— Ora, você sabe que há coisas muito interessantes sendo feitas nessa
área. E também muito criativas. Ê um campo novo para se dedicar.
— Talvez não seja preciso — disse Luís, que estivera escutando na porta.

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Sheila virou-se na direção da voz e seus belos olhos acinzentados o


encararam com firmeza, reprovando a interferência repentina.
— E qual é a sua opinião? — Ao contrário do que desejava, tinha falado
num tom baixo, como se estivesse insegura.
— Aprendi desde cedo que não poderia sobreviver sem teto e comida.
Meus irmãos também pensam assim — respondeu Luís.
— irmãos?
— Você conheceu Tiago. Pablo virá amanhã. E!e ainda está no colégio, em
Londres.
Sheila ficou surpresa. Por que Luís morava na Espanha se o irmão menor
estava na Inglaterra? Sabia que a mãe dele tinha morrido muito cedo. Vira
um retrato dela sobre a mesa de Luís, mostrando uma mulher muito
bonita, trazendo um pente nos cabelos escuros, e um lindo xale todo
bordado enfeitava-lhe os ombros. Mas o que teria acontecido com o pai?
— Pablo segue uma antiga tradição da família do nosso pai —
acrescentou Tiago, como se tivesse adivinhado o pensamento de Sheila.
— Nós todos freqüentamos o mesmo colégio, e o odiamos.
Os ingleses têm muitas qualidades, mas são severos demais — continuou
Luís.
— Então por que Pablo tem de ficar lá? — indagou Sheila, mas em
seguida se arrependeu. Ele poderia interpretar a pergunta como uma
intromissão em sua vida particular.
— Nós somos muito mais ingleses do que espanhóis, — Luís riu e
pequenas rugas apareceram ao redor dos olhos claros, alterando-lhe as
feições. Sheila desejou capturar para sempre aquela expressão, mas achou
que não o conhecia o suficiente para pegar no lápis e desenhá-lo sem
permissão.
— Pablo adora jogar futebol — continuou Luís.
— Você também?
Ele negou com um gesto de cabeça:
— Eu detestava qualquer jogo no colégio. Sempre tinha medo de me
machucar...
— Eu também — Sheila o interrompeu em voz baixa.
Entreolharam-se por alguns instantes e foi como se Tiago não existisse.
Sheila tentou se recompor, desviando a atenção. Notara as facilidades que
estavam à espera dos hóspedes, e achou que seria um bom assunto para
aquele momento.
— Parece que os turistas virão para cá apenas para comer, beber e
passear. Será que terão tempo de fazer alguma outra coisa?
— Só aqueles que estiverem realmente interessados. A maioria prefere ter
algum tipo de atividade em vez de ficar horas sob o sol, em alguma praia
distante. Nós desejamos satisfazer os dois lados.
Sheila esperava ser capaz de conviver com todas aquelas pessoas que só
queriam gozar as férias, sendo que as lições sobre arte na certa ficariam
em segundo plano. Perderia facilmente a paciência se alguém resolvesse ir
tomar um café na hora em que estivesse falando sobre um assunto

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importante.
— Você vai se acostumar — disse Tiago. — Se Luís conseguiu, qualquer
um consegue.
— Depende do quanto você precisa realmente do dinheiro — acrescentou
o irmão. — Eu necessitava dele com urgência quando abri a escola de
verão.
Os irmãos trocaram um breve olhar e Sheila notou que havia um
entendimento entre eles que a excluía. Deveria ter achado normal, mas de
alguma maneira sentia-se incomodada. Esse sentimento não era novo para
ela. Conhecera-o bem enquanto vivera com a família. Eles apreciavam
muito seu talento, mas no fundo não era exatamente o que tinham
sonhado para a filha. Quantas vezes escutara a mãe dizer em tom de
desculpa: "Devemos dar uma chance a Sheila. Faríamos o mesmo se
tivesse escolhido outra profissão. Algumas pessoas acham que ela é
brilhante!".
Algumas pessoas sim, mas seus pais olhavam para as telas e o único
sentimento que expressavam era desconforto. Onde alguém poderia
pendurar um quadro tão grande?, perguntara sua mãe um dia.
Ela só adquiria quadros que combinassem com a decoração da casa e
simplesmente não entenderia se alguém agisse de modo diferente.
— Este lugar é ideal para pintar — disse Sheila, afastando as
recordações. — Nunca vi tantas cores, tanta luz. . . Quero conhecer o
máximo que puder enquanto estiver aqui.
— A começar pela Semana Santa? — provocou Tiago.
— E por que não? Tudo me interessa.
— Você ficará fascinada com a festa. Estaremos exaustos depois, mas
vale a pena — interferiu Luís.
Os dois irmãos sorriram e saíram dizendo que tinham coisas a resolver.
Sozinha, Sheila voltou ao quarto. Queria pôr em ordem suas impressões
sobre aquele estranho país que visitava pela primeira vez.
A Espanha era uma das nações mais antigas da Europa, e o modo de
vida dos habitantes não era nada parecido com o de outros lugares onde
já estivera. Sentira-se atraída pela região desde que chegara a Málaga; a
viagem ao longo da costa fora cheia de surpresas. As casas de campo
tinham um ar acolhedor, as flores cresciam por toda parte, caindo em
grandes cachos dos telhados ou colocadas estrategicamente em vasos de
cerâmica de tamanhos variados e espalhados pelos pátios.
Sheila ficara maravilhada com os velhos sobrero que ladeavam as
estradas. Eram árvores típicas da região mediterrânea, com suas pequenas
flores em pêndulos, e cuja casca grossa era retirada para a fabricação da
cortiça.
Por outro lado, parte da região litorânea tinha sido totalmente devastada.
Sheila não gostava das urbanizações modernas, onde matas inteiras eram
colocadas abaixo sem qualquer critério, deixando sempre a impressão de
serem projetos inacabados e fora de lugar. Qualquer vila, por mais antiga
ou pobre que fosse, tinha muito mais charme. Nada se comparava àquele

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acabamento rústico das fachadas e às esquadrias de ferro trabalhadas,


presentes em quase todas as casas. Os espanhóis evidentemente tinham
verdadeira paixão por paredes brancas e calçadas bem lavadas.
Por volta das oito da noite, Sheila sentiu fome. Fechou a porta do quarto
com cuidado e saiu à procura da governanta. Mas não havia sinal de
Mercedes. Desanimada, só lhe restava juntar-se aos irmãos que
conversavam animadamente na grande sala de estar. Ao contrário de sua
maneira habitual, não se sentia nada à vontade, mas abriu a porta
decidida. Tiago estava sentado à escrivaninha, ocupado com alguns
papéis. Por isso, somente Luís a viu entrar, levantando-se imediatamente
para saudá-la.
— A que horas é o jantar? — perguntou ela.
— Às nove. Está com muita fome?
Sheila ficou mais envergonhada do que nunca. Seu comportamento era
ridículo.
Já sabia que os espanhóis jantavam bem mais tarde, especialmente no
sul, em Andaluzia.
— Tive a impressão de ter sentido um cheiro delicioso vindo da cozinha
— desculpou-se. — Devo ter me enganado.
— Talvez não — disse Luís, servindo-lhe um copo de xerez gelado. —
Mas é raro conseguir uma boa refeição quente na Espanha. É uma das
desvantagens de se morar aqui.
— Eu me acostumarei.
Luís começou a rir:
— Então você também abre mão de algumas coisas às vezes?
— Raramente. Não chegue a conclusões erradas a meu respeito, sr.
Kirkpatrick. Eu só entro em acordo quando estou faminta.
— Exatamente como todos nós — assegurou ele.
Só Tiago riu. Sheila bebericou seu xerez e não disse mais nada. Sentia-se
estranha, como se estivesse perdida. E não gostava nada daquela sensação
de insegurança.

CAPÍTULO II

No dia seguinte, Sheila só deixou o quarto ao final da manhã.


Andou pela casa e não encontrou ninguém. Pensou que talvez Luís e Tiago
tivessem ido buscar o irmão mais novo no aeroporto. Sentou-se na sala e
começou a olhar o jornal. Tentava ainda decifrar o que estava escrito sob
uma foto que mostrava uma dançarina de flamenco, dança típica do sul da
Espanha, quando a porta da frente se abriu e um rapaz a cumprimentou:
— Olá! — E dirigiu-se a ela dando-lhe um abraço como se já a
conhecesse há muitos anos.
Por um momento, Sheila ficou perturbada com o comportamento efusivo
do jovem.
Os dois se entreolharam por alguns instantes e de repente começaram a

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rir. Se os outros irmãos aparentavam ser verdadeiros espanhóis dos pés à


cabeça, Pablo parecia mais inglês do que
ela mesma. Os cabelos eram claros, macios e algumas sardas apareciam
nas bochechas e na ponta do nariz.
Pablo começou a olhar ao redor um tanto ansioso:
— Onde estão meus irmãos? Por que não estão aqui?
— Não sei, acho que devem estar chegando — Sheila respondeu. Mas
não havia ninguém. A casa estava vazia e silenciosa. — Pode ser que
tenham ido andar a cavalo.
— É bem possível. Eu odeio cavalos!
— Verdade? Eu também. Pelo menos nunca cheguei perto de um. Por que
não gosta deles?
— Não sou igual a meus irmãos, suponho. — Ele deu um ligeiro sorriso.
— Acho a Espanha quente demais no verão e detesto as touradas. Além do
mais, gosto das refeições servidas nas horas certas todos os dias.
— Mas é tão bonito aqui... — protestou Sheila.
— Você também é artista?
— Sim.
— Só faltava essa — resmungou ele franzindo as sobrancelhas.
— Agora não entendo mais nada! — respondeu Sheila chocada, — O que
você tem contra os artistas?
— Ora, ponha-se no meu lugar. Tente ser o irmão do mais novo gênio da
Espanha. Ninguém fala mais em El Greco, Murilo ou Velázquez, o assunto
agora é Luís Kirkpatrick!
— Ele é mais inglês do que espanhol — argumentou Sheila.
— E El Greco era de Creta! Isso não faz diferença, minha cara. . .
Sheila franziu a testa.
— Mas é tão difícil assim?
— Bem pior!
— Pobre rapaz. — Ela tentou conter o riso: — Por que ainda vem aqui?
Pablo deixou-se cair numa poltrona. Estava naquela fase em que os
adolescentes estavam sempre exaustos. Com certeza, era mais alto que os
irmãos, e, a julgar pelas roupas, crescera bastante nos últimos meses.
— Temo que você tenha chegado cedo demais para o almoço. . .
— Eu já esperava por isso. Será que você poderia ir à cozinha e pedir a
Mercedes que prepare um sanduíche?
— Eu não falo espanhol. . .
— Isso não é problema — assegurou ele. — Ela entenderá.
Sheila não estava nada convencida. Um tanto irritada pela maneira de
Pablo impor seus desejos, mas ao mesmo tempo divertida pela situação
desesperada do rapaz, seguiu pelo corredor chamando por Mercedes. Ela
gostara muito da governanta, mesmo não entendendo o que falava.
Naquela manhã, ela lhe levara uma xícara de chocolate, pães frescos e
geléia no quarto.
Ficara surpresa ao encontrar Sheila de pé e totalmente vestida.
Deixara a bandeja na mesinha ao lado da cama, enquanto a observava

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com curiosidade.
— Perdóneme, que tengo prisa — Mercedes havia se desculpado,
preparando-se para sair.
Ela realmente parecera estar muito atarefada mas, tão logo viu os
desenhos que Sheila fizera na tarde anterior, pareceu perder toda a
pressa. Lançou um olhar crítico sobre cada um deles e de repente seu
rosto se iluminou com um sorriso.
— Ah! Señor Luís!
Sheila tomou o desenho das mãos dela e começou a examiná-lo
minuciosamente.
— Como você sabe que não é o señor Tiago?
Mercedes sacudiu a cabeça e uma torrente de palavras saiu de seus
lábios. Não era preciso muita imaginação para entender que em sua
opinião aquele só podia ser Luís, já que Tiago era jovem demais para que
uma mulher como ela, ou mesmo Sheila, se interessasse por ele.
Agora, lembrando-se da cena, Sheila começou a rir de tal disparate.
Nenhum dos dois irmãos tinha nenhum interesse especial para ela, e
nunca teriam! Estava lá para trabalhar.
A cozinha estava deserta, mas o chão ainda úmido indicava que Mercedes
devia ter saído poucos minutos antes. Sheila parou, aborrecida. Era claro
que ela teria um papel a cumprir naquela casa, mas esse não incluía
cuidar do irmão mais novo dos Kirkpatrick. Ele já estava com idade
suficiente para preparar seus sanduíches sozinho. E era isso que ela iria
esclarecer na primeira oportunidade.
Assim mesmo começou a preparar o lanche, notando que o pão já estava
no fim. Talvez Mercedes tivesse ido comprar pães frescos, pensou. Lera em
algum lugar que os padeiros da Andaluzia estavam sempre trabalhando,
assim como faziam seus ancestrais. Ela realmente não podia se queixar,
pois raramente provara pãezinhos tão deliciosos. Quando retornou à sala,
Pablo estava envolvido numa violenta discussão em espanhol com o irmão
mais velho, que já havia chegado.
Finalmente, ele irrompeu em inglês:
— Eu não vou com vocês para Sevilha! Tia Inez pode ser muito amável
com você, mas não pára de me provocar. Ela quer que eu me case com a
prima Concepción!
Luís caiu na gargalhada:
— Não seja bobo, Pablo! Você não passa de uma criança.
Pablo estava desesperado e recorreu a Sheila logo que a viu entrar.
— Sheila, minha querida, você também não quer ir a Sevilha, não é
verdade? Diga a Luís que prefere ficar aqui comigo. Pense no tempo que
terá para pintar!
— Srta. Hardy. Eu. . .
— Ela pode falar por si mesma. Tenho certeza de que a Semana Santa
em Sevilha a deixará entediada e arrependida o resto do ano! Sheila, você
não pode. . .
— Não era ela que ia falar? — interrompeu Luís, calmamente.

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Os dois a olharam com expectativa.


— Eu gostaria de ir. É uma parte da Espanha que não posso deixar de
conhecer.
— Você deve estar doente — murmurou Pablo, aflito.
Sheila quase mudou de idéia quando percebeu a ironia no olhar de
Luís. Ela faria qualquer coisa para acabar com aquele ar de superioridade.
— Desta vez arranjarei uma desculpa para sua ausência, Pablo. — disse
Luís. — Mas no próximo ano tia Inez estará esperando por você. Vai tentar
convencer Tiago a ficar para fazer-lhe companhia?
Pablo deu de ombros:
— Tiago nunca deixa de acompanhá-lo. Eu sou o único que está sempre
querendo o contrário de vocês dois.
Luís assentiu:
— Você é o único que puxou nosso pai. Como vai ele?
— Quer me levar para a fazenda quando me formar. Eu disse que
pensaria a respeito.
— E continuará assinando Pablo Kirkpatrick?
O rapaz enrubesceu:
— Ele me chama de Paul, você sabe! Honestamente, eu prefiro assim. A
maior parte das pessoas escolhe a nacionalidade
do pai. Por que não posso fazer o mesmo? Mamãe teria entendido.
Sheila tossiu tentando chamar a atenção para sua presença, pois aquela
conversa começava a deixá-la constrangida. Voltou a tossir e estendeu a
bandeja que trouxera da cozinha para Pablo.
— Foi só o que consegui encontrar — desculpou-se.
— A que horas é o almoço? — perguntou Pablo, sem ter agradecido pelo
lanche.
Sheila já alcançara o corredor e não esperou pela resposta de Luís.
Sentia-se feliz por se ver livre dos Kirkpatrick, pois não tinha intenção de
se envolver em discussões familiares. Estava naquela casa a menos de
vinte e quatro horas e sabia mais sobre toda a família do que realmente
desejava, pensou. Não estava acostumada com aquele tipo de intimidade
entre pessoas que mal conhecia. Tudo que precisava era que a deixassem
em paz e tempo disponível para pintar.
Talvez a idéia de ir para Sevilha não fosse assim tão boa, refletiu mais
tarde. Conseguiu escapar para o quarto após o jantar e começou a folhear
algumas revistas em inglês que falavam sobre as festividades de Sevilha.
Ficou impressionada com os artigos sobre as procissões. Estas saíam das
igrejas menores em direção à Catedral, passando por todos os bairros
durante uma semana.
Era um evento que teria de testemunhar pessoalmente, pois só assim
poderia representá-lo numa tela. Decidiu que seria seu primeiro trabalho
na Espanha.
Sheila não se detinha em detalhes quando pintava uma paisagem ou um
objeto: tentava capturar toda a atmosfera local e, no resultado final,
conseguia sempre um efeito mais intenso que o evento em si. Era uma

13 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

pintura bastante influenciada pelos antigos artistas impressionistas e


sabia que tinha capacidade para ser uma das melhores. Tudo dependia
de sua concentração e determinação em não se deixar envolver por
outras coisas.
Quando Mercedes entrou no quarto trazendo o café da manhã, Sheila
ainda dormia. Abriu os olhos devagar e a governanta saudou-a com um
amplo sorriso. Ela retribuiu e sentou-se na cama. Fazia tempo que não
se sentia tão relaxada e bem disposta.
Minutos depois, ao encontrar Luís na sala, ele nem mesmo lhe desejou
um bom dia. Só anunciou rápido que sairiam para Sevilha antes do
almoço.
Sheila teve pouco tempo para arrumar as coisas e não conseguiu
descobrir por qual motivo iriam sozinhos. Não esperava que Pablo os
acompanhasse mas ao mesmo tempo não imaginara que Tiago também
não fosse.
Num impulso, teve vontade de se recusar a viajar sozinha com Luís, mas
observando a expressão inflexível dos olhos dele achou melhor não dizer
nada. As sensações que aquele homem lhe provocava estavam deixando-a
completamente transtornada. Por que será que temia tanto desagradá-lo?
Afinal, Luís era apenas seu patrão e não havia nada de mal em não aceitar
suas decisões, quando se referiam a assuntos que não diziam respeito ao
trabalho. Mas mesmo assim sentia que era difícil não obedecê-lo . . .
Sheila permaneceu em silêncio enquanto seguiam no grande carro preto.
Mesmo quando avistou pela primeira vez as grandes salinas na beira da
estrada, recusou-se a fazer qualquer comentário. Ficou impressionada com
a quantidade de montes formados por pequenos grãos de sal muito
brancos, que dividiam a paisagem com dezenas de gaivotas. Nunca vira
nada igual antes e havia muitas perguntas que desejava fazer, mas não
tinha coragem. Luís continuava tão sério e calado quanto de manhã.
— Tenho de resolver alguns negócios aqui — comunicou ele em seguida,
logo depois de terem contornado Cádiz e atravessado o estuário de um rio
até o Puerto de Santa Maria. — Pode me esperar por uma ou duas horas?
— perguntou.
— É claro.
Não havia a menor dificuldade de se entreter por ali. As cores eram lindas
e o cenário muito mais impressionante do que imaginara. Sheila passou a
maior parte do tempo no porto e desejou que tivessem chegado mais cedo.
Os barcos de pesca já haviam retornado da jornada diária e descarregado
os cestos cheios dos mais variados tipos de frutos domar, enguias,
lagostas e uma grande quantidade de peixes grandes e cinzentos que, os
pescadores lhe disseram rindo, só serviam para os hotéis de turistas.
Quando Luís retornou, encontrou Sheila rindo junto com eles, tão
relaxada e animada que ficou fascinado.
— Não me diga que você prefere peixe cru a tudo que eu posso oferecer
na minha casa? — perguntou ele rindo.
— Oh, não. Mas há muitas coisas na Espanha para se gostar.

14 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Luís olhou-a pensativo e finalmente comentou sério:


— O verão lhe dará tempo para descobrir muito mais.
Sheila não precisou de muito tempo para se convencer da verdade das
palavras de Luís quando chegaram à famosa cidade de Jerez de Ia
Frontera. Simplesmente não conseguia acreditar naquelas lindas praças
com as laranjeiras em flor ou nas ruas estreitas onde elegantes charretes
competiam com os pesados caminhões que atravessavam a cidade.
— Quer almoçar agora? — perguntou Luís.
Tudo dependia de quanto tempo ainda lhe restava em Jerez.
— Gostaria de visitar uma adega e ver como se faz o xerez — sugeriu ela,
pois reparara que nos arredores da cidade havia muitos vinhedos e era
provável que fosse deles que se extraía o mais especial entre todos os
vinhos fortes, conhecido no mundo todo e cultivado há centenas de anos
naquela região.
— Poderemos fazer isso à tarde. Já avisei minha tia para que não nos
esperasse antes das oito da noite.
Sheila não gostou que Luís já tivesse decidido todos os horários sem
consultá-la. Gostava muito de tomar decisões em conjunto e detestava
homens arrogantes e autoritários como ele.
— Bem, vamos almoçar ou ainda é cedo para você? — insistiu ele.
— Cedo? São quase duas da tarde!
— Quer dizer que está faminta?
— Sim.
— Então o que estamos esperando?
Sheila mordeu o lábio e calou-se.
— Você ainda tem muito que aprender antes de se tornar uma grande
artista, srta. Hardy — disse Luís de repente, mudando o rumo da
conversa.
— O quê, por exemplo?
— Você deve dar mais de si mesma, se realmente deseja conquistar algo
na vida.
— É assim que você me vê? — Sheila o fitou intrigada. — Como uma
mulher egoísta que só pensa na sua carreira?
— É assim que você mesma se vê?
Sheila encolheu os ombros:
— Não sei. Mas acho que a vida é bem mais difícil para as mulheres. Pelo
menos é assim que tem sido para mim.
Ele a segurou pelo braço enquanto caminhavam na rua estreita
iluminada pelo sol.
— Eu quero pintar — continuou ela, tentando explicar. — Mais do que
qualquer outra coisa no mundo!
— Mas a vida não é só trabalho.
Sheila mordeu o lábio:
— Eu sei. Mas se me distrair com outras coisas e não me concentrar,
acabarei fazendo uma pintura medíocre, repetindo velhos modelos como os
que aparecem nas galerias de Londres, sob o título de arte moderna.

15 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Luís parou, cruzou os braços e ficou olhando ao longe. Parecia distraído


e Sheila aproveitou para observá-lo: as maças salientes do rosto e a boca
bem delineada davam-lhe um ar de escultura. . .
— Você tem um propósito — disse ele finalmente, interrompendo os
pensamentos de Sheila. —Eu também costumava agir assim. Mas não se
pode permanecer preso a um propósito de maneira rígida, senão a gente
perde toda a espontaneidade. Você não pode se preocupar o tempo inteiro
com o que as pessoas estão achando do seu trabalho. Tem de deixar a
vida fluir e relaxar mais. Aprenda um pouco com a Natureza e os
instintos, minha cara. Seu trabalho só ganhará mais vitalidade. A vida não
é só trabalho, é amor também. . .
Sheila já pensara assim um dia, deixara-se levar pelas emoções, e qual
fora o resultado? Ficara com o coração magoado e com a sensação de ter
sido usada por alguém que sabia exatamente onde queria chegar. Ninguém
iria fazê-la dê tola novamente!
— Quando você se envolve com alguém deve haver uma relação de troca
— retrucou ela. — Eu, infelizmente, quando me apaixonei, nunca recebi
nada. . . Eu trabalhava e Bill, por quem estive apaixonada, ficava com a
fama. Eu não teria dado tanta importância a isso se as pessoas que
elogiavam o trabalho dele não fossem as mesmas que pareciam desprezar
minhas telas.
Luís respondeu com um sorriso zombeteiro nos lábios:
— Você deve ter conhecido esse seu antigo amor na escola. Devem ter
sido colegas de classe. O que mais você poderia esperar dele?
— Que ele jogasse limpo comigo!
— Na certa ele tinha inveja de você.
— Acho que não. Ele nunca entendeu o que eu pintava. Sempre fez
questão de dizer que meu trabalho não era nada feminino.
Luís segurou o queixo dela e virou-lhe o rosto de um lado para o outro.
Sheila nem sabia por que lhe dava tanta liberdade, mas reconhecia que
aquele toque era muito agradável.
— Você será famosa um dia. — Luís estava sério. — Mas não é fácil para
um artista desligar-se das coisas boas da vida e ficar isolado num canto a
sós com seu trabalho. Seria loucura!
— Goya ficou louco.
— E você quer seguir o mesmo caminho?
— Não.
— Então, relaxe um pouco e deixe as coisas acontecerem. Sevilha lhe fará
muito bem!
Sheila esperava que sim. Seria difícil resistir por muito tempo se Luís
continuasse a fitá-la daquele jeito. O sorriso dele parecia uma onda de
calor e felicidade. Era raro deixar que um homem se aproximasse tanto,
mas Luís tinha algo de especial para ela.
— Pensei que estávamos indo almoçar — Sheila quebrou o encanto,
consciente de que precisava arranjar um jeito de se afastar dele. Porém,
retribuiu o sorriso.

16 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Como a expressão de Sheila mudava quando ela se esquecia de si


mesma, pensou Luís. Ela tornava-se extremamente atraente quando sorria
e os belos olhos cinzentos brilhavam. O único desejo dele naquele
momento era segurá-la nos braços e sentir seu corpo.
— Está certo. — Interrompeu o rumo dos próprios pensamentos. — Você
prefere cozinha internacional ou algo típico da Espanha?
— Podemos comer paella por aqui? Ou teríamos de ir a Valentia?
— Tem certeza de que é o que deseja?
Ele não podia deixar de provocá-la um pouco. Sheila sorriu e assentiu
com a cabeça:
— Sempre tive vontade de provar uma verdadeira paella.
— Então vamos lá!
Luís conhecia muito bem a cidade. As pessoas o cumprimentavam por
todo lugar que passavam e Sheila logo perdeu a conta do número de
convites para visitas que receberam. É claro que todos estavam curiosos a
seu respeito e sobre o que ela estava fazendo ali em companhia de Lu ís.
Antes daquele dia, nem pensara nele como um homem e muito menos se
preocupara em saber qual o tipo de mulher que ele preferia. Mas descobriu
surpresa que desejava saber o que Luís fazia nas horas vagas.
Porém, controlou-se, não conseguia entender aquele interesse repentino
pela vida dele.
Luís escolheu um restaurante extremamente simples, no fim de uma
viela. Sheila ficou desapontada mas, depois de experimentar o primeiro
bocado daquele arroz de um amarelo forte, que era a base da paella, ela o
perdoou por tê-la levado a um lugar aparentemente tão pouco acolhedor. A
paella é uma combinação perfeita de arroz, verduras, pedaços de frango e
todo tipo de frutos do mar, acrescidos de um molho que não se compara a
nada que ela já tivesse experimentado em Londres. O vinho também era
bom e, mesmo sem querer admiti-lo, sentia-se bem disposta e tão à
vontade como há muito tempo não lhe acontecia.
— Você sempre vai a Londres? — perguntou ela.
— Raramente. Só quando é necessário. Tiago cuida de toda a parte
comercial para mim. Você acha isso errado? — acrescentou, encarando-a
com firmeza.
— Ele não tem vontade de fazer algo por si mesmo?
— Talvez algum dia. Tiago se sente bem assim. Se você ficar mais tempo
conosco, ele será capaz de querer cuidar da sua parte também. Tiago
desempenha muito bem essa função.
Sheila queria saber por que Luís lhe enviara a carta oferecendo o
emprego. Normalmente não teria coragem para fazer uma pergunta tão
direta, mas já tomara uma boa quantidade de vinho e sentia a desinibição
provocada pela bebida.
— Você viu meu trabalho em Londres? Como decidiu que eu era a pessoa
certa para as aulas de verão?
— Vi apenas uma de suas telas. Mas não em Londres. Tiago conheceu
mais pinturas suas do que eu.

17 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— Mas foi você que fez a escolha, não é mesmo? — insistiu ela.
— Sim. Tiago sabe negociar com arte, mas para ele é um comércio como
qualquer outro. Eu, por outro lado, quero ensinar as pessoas que vêm aqui
ter aula comigo a ver e sentir o mundo por elas mesmas e a apreciarem a
própria sensibilidade. Não me interessa indicar-lhes em qual artista jovem
devem investir para lucrarem no futuro. . . Isso é trabalho para Tiago. . .
Sheila ficou impressionada e percebeu a grande responsabilidade que
teria no curso.
— Espero não desapontá-lo.
Luís a encarou com olhar ardente, deixando-a sem jeito ao ouvi-lo
responder, Sheila sentiu o coração acelerar.
— Estou vendo que não — disse ele com voz meiga. — Pode ter certeza
disso.

CAPÍTULO III

A casa dos parentes de Luís, em Sevilha, era bem maior do que Sheila
supunha. Mas nem teve tempo de ficar nervosa, pois a porta logo se abriu
e uma mulher baixa e de certa idade, que mais tarde se apresentou como
Inez, tia de Luís, saudou-os com um sorriso:
— Luís, meu querido, esperávamos você há horas!
— Tiago não ligou avisando que chegaríamos mais tarde?
— Aquele rapaz! Por que está atrasado? E quem é esta senhorita? —
perguntou ela, virando-se para Sheila.
— Sou Sheila Hardy! — apresentou-se ela, estendendo a mão.
Toda a agitação da mulher desapareceu repentinamente.
— Sheila Hardy? — repetiu em tom solene, e voltou a sorrir. — Minha
querida, entre! Estou feliz por recebê-la em minha casa.
Sheila subiu a escada obediente, maravilhada com os velhos pilares de
mármore que davam um ar imponente ao hall. Quem era aquela mulher?
Ela olhou em direção a Luís esperando alguma explicação, mas só
encontrou um ar zombeteiro nos belos olhos e um brilho que ainda não
conhecia. Ele parecia uma caixa de surpresas, sempre revelando algo
novo. . .
— Tia Inez, acho que Sheila não consegue acreditar que você realmente
tem alguns parentesco conosco, insignificantes Kirkpatrick — comentou
ele divertido.
— E não foi escolha minha! Nunca consegui entender o que minha irmã
via no seu pai, Luís. Imagine se casar com um estrangeiro e viver num
país tão frio e distante. Não me admira que tenha sentido falta do sol, da
alegria e da espontaneidade dos amigos daqui. Você não pode censurá-la
por isso, Luís!
— É claro que não.
Tia Inez inclinou a cabeça para o lado e observou o sobrinho pensativa:
— Não, acho que você não o faria. Como está seu pai?

18 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— Bem, suponho.
Ela fez um pequeno movimento com os ombros. Devia ter sido bonita na
juventude, pensou Sheila. Sempre quisera conhecer uma espanhola
autêntica, daquelas que pareciam ter vitalidade suficiente para dançar a
noite toda dentro de um belo vestido rendado, com uma rosa vermelha
nos cabelos, e ali estava o exemplo perfeito. "Tia" Inez tinha um porte
elegante e era espirituosa. Impressionada com a extraordinária habilidade
da mulher em se vestir com bom gosto e estilo, Sheila não podia deixar de
admirá-la. Era o coroamento de um dia perfeito!
Tentou não pensar no que havia acontecido durante a tarde, enquanto
visitaram a adega. Juntos tomaram tantos copos de vinho que Sheila não
conseguira esconder as emoções profundas que Luís despertava nela. Sua
única esperança era que ele não tivesse notado quão perturbada ficara
nos momentos em que estavam próximos um do outro. E que não era a
bebida, mas sim, ele que a deixava fora de si. . .
Fora tão divertido o passeio depois do almoço! Ouvira todas as
explicações sobre as várias maneiras de se degustar xerez na região, e a
verdade era que nunca mais conseguiria tomar um xerez com a mesma
indiferença de antes. Aquele líquido precioso seria sempre algo muito
especial a partir daquela tarde, mesmo que não passasse de imaginação
achar que o gosto era bem diferente no país de origem e na companhia de
Luís.
Incomodada com os sentimentos que Luís lhe provocava, tentou prestar
atenção a todas as explicações que lhe ofereciam sobre a fabricação do
xerez mas, horas depois, as únicas coisas que conseguia lembrar era que o
Palermino era o xerez mais comum e que o Pedro Jiménez era a marca
mais adocicada.
Por outro lado, foi com desilusão que descobriu que, após a colheita, as
uvas não eram mais esmagadas com botas especiais como antigamente.
Agora usavam máquinas modernas para o processamento do xerez, o que
não era nada romântico. . .
— O vinho leva oito anos para ficar no ponto. E quem quiser ser um bom
conhecedor precisará de muito mais anos para saber apreciá-lo —
observou Luís ao saírem da adega, levando algumas garrafas. —
Entretanto, Jerez não é conhecida somente pelo bom vinho. Geralmente
trago meus cavalos aqui para participar de exposições. Este é o melhor
centro para criação de cavalos de raça há muitas gerações. E são famosos
no mundo todo.
Sheila sabia pouca coisa a respeito de cavalos. E nem estava interessada.
Mudou delicadamente de assunto:
— Quando você consegue tempo para pintar?
— Sempre que algum assunto ou objeto me atrai. Então fico mais
relaxado do que de costume e tudo sai bem. — Ele sorriu e continuou: —
Sou bom pintor, não me entenda mal, e gosto muito de pintar. Mas não
sou daquele tipo de raro talento, que deixa todo o resto de lado para se
dedicar com exclusividade à arte. Gosto de ser conhecido mas não deixo de

19 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

viver minha vida.


Um pouco chocada em saber que Luís não se dedicava integralmente à
pintura, resolveu falar:
— Aprendi muita coisa com você. Sempre visito suas exposições.
— Ê mesmo? Sabe, sinceramente acho que tenho bastante talento. É
por isso que ensino.
— Mas isso faz com que você deixe de lado sua produção — interrompeu
Sheila com veemência. — Talvez você só devesse pintar.
— Não, minha querida. Se todos os bons artistas também ensinassem,
acho que teríamos ainda mais bons artistas no mundo. Todo artista de
talento deveria ensinar.
— Não sei se concordo com você — murmurou Sheila, perplexa.
Luís abriu a porta do carro para ela, e inclinando a cabeça para perto
dela respondeu:
— Não tem importância. . .
Luís aproximou-se e beijou-a rápido, impedindo Sheila de continuar a
discussão. A atitude fora tão inesperada, tão devastadora para o
autocontrole de Sheila, que ela ficou completamente transtornada,
enquanto ele colocava sua saia para dentro do carro antes de fechar a
porta com força, fazendo o carro balançar. Sheila nem se deu conta
quando Luís deu a volta no carro e entrou. Nem quando partiram em
direção a Sevilha, . .
O que estava acontecendo com ela? Em outra ocasião nunca aprovaria as
reações que estava tendo. Luís não podia brincar com seus sentimentos
daquele jeito. . .
Depois de muito esforço Sheila tinha conseguido subjugar seus
sentimentos, sua sensualidade, com o único objetivo de colocar em suas
telas a intensidade da arte que havia dentro de si. . . Mas agora. . . Só de
pensar que poderia estar se apaixonando. . . Aquele beijo fora o detonador
de profundas emoções em ambos. O silêncio perdurou entre eles por todo
o resto da tarde até o pôr-do-sol, quando os últimos raios espalharam sua
luz sobre os campos verdejantes. Sheila assistia ao espetáculo emocionada
e teve vontade de chorar, mas logo ficou irritada consigo mesma por aquele
sentimento que julgou tão infantil. Gostaria de começar alguma discussão
com Luís só para sair daquela situação incômoda.
Sheila teve um sobressalto quando ele rompeu o silêncio:
— Você não se arrependeu de ter vindo, não é?
— Não.
Porque se arrependeria? Tinha visto o suficiente para fazer uma série de
pinturas sobre a Espanha. E sabia que seriam as melhores de toda a sua
vida.
— As cores da Espanha me fascinam — comentou ela.
— Sem dúvida. Espere até conhecer Sevilha.
— Eu adorei Jerez.
— Mesmo? Talvez você tivesse preferido passar a Semana Santa lá. Mas
as festividades são menores do que em Sevilha.

20 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila não queria falar sobre o assunto. Preferia que suas impressões
não tivessem nenhuma interferência de opiniões alheias.
— Fale-me sobre Sevilha — pediu ela sonolenta.
— Caminhar por suas velhas ruelas e a cada esquina encontrar coisas
inesperadas é o que mais me encanta. E isto sem falar da casa de minha
tia.
Agora que estava naquela casa podia entender o que Luís quisera dizer.
Em nenhum outro momento Sheila ficara tão entusiasmada. As pinturas
nas paredes eram originais, e, que pinturas! Eram dignas de um museu!
A única coisa que ainda a incomodava era que Luís voltara a beijá-la
quando ajudou-a a sair do carro e ela poderia tê-lo evitado, mas o pior
é que não o fizera. Seus lábios eram tentadores demais para serem
recusados. Sheila nunca sentira com tanta força o poder devastador do
desejo. Ficara ofegante e sem ação. Ansiando quebrar o encanto, tentou se
convencer de que Luís teria feito o mesmo com qualquer outra mulher que
passasse um dia tão agradável com ele, mas não queria acreditar. No
fundo, desejava que tivesse sido tão especial para ele quanto o fora para
ela.
Tia Inez tocou em seu braço, afastando-a daqueles pensamentos.
— Você pode olhar os quadros mais tarde com calma, minha querida.
Vou levá-la para seu quarto. Não — disse, dirigindo-se a Luís, que parecia
querer acompanhá-la —, não precisa ir com a gente. Vá cumprimentar seu
tio enquanto Sheila desarruma as malas. Nós duas teremos muito a
conversar estes dias.
— A srta. Hardy é uma artista séria, tia. Temo que não tenha muito
tempo para outras coisas.
— Que bobagem! Todos têm direito a se divertir. — E olhando para
Sheila, acrescentou: — Pensei que talvez preferisse ter ficado em casa com
Tiago. . .
— Eu não tive escolha — interpôs Sheila secamente.
— Mais acusações? — perguntou Luís.
— Ninguém teria me escutado mesmo — respondeu ela, suspirando.
— Venha — disse tia Inez subindo as escadas —, vamos conversar. Tenho
certeza de que chegaremos à mesma conclusão sobre os Kirkpatrick. Você
deveria ter escutado minha irmã falando deles.
— Mas ela se casou com um deles...
— E quem não o faria? Eles são homens tão atraentes! Você deveria ver o
seu Luís galopando. Nenhum dos irmãos se compara a ele. . .
Sheila começou a rir:
— Eu tenho horror a cavalos.
— Luís sabe disso?
— Não.
— Então não conte a ele, pois jamais entenderia. Na Andaluzia as
pessoas só utilizam veículos por conveniência. Andar a cavalo ainda é o
maior prazer.
— Não para mim.

21 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— Você não terá medo se Luís estiver junto — tia Inez tentou consolá-la.
E olhando para o magnífico hall e para a escada dupla toda em
mármore, acrescentou.
— Não se impressione com esta casa, minha filha. Faz parte da minha
vida e não da de Luís. Ele só vem aqui uma vez por ano, na Semana Santa.
Nós não temos um filho homem e meu marido é velho demais para
participar das procissões. Luís é muito gentil. Dos três irmãos, ele é o
mais parecido com a mãe. Ela era uma boa mulher, mas não foi feita
para viver na Inglaterra com um marido tão sério. Um sujeito interessante
mas sem coração!
Sheila não sabia bem o que pensar da conversa e mudou de assunto:
— Já esteve na Inglaterra?
— Nunca!
— Mas o seu inglês é perfeito!
Tia Inez ficou embevecida.
— É para isso que aqui nos mandam estudar em conventos desde
criança.
Sheila olhou em volta.
— Você parece ter tido mais sorte que sua irmã — comentou ela, mas
logo se deu conta de que poderia ser mal interpretada e acrescentou: — Eu
não quis dizer. . .
— Você tem toda a razão — interrompeu tia Inez. — Talvez eu também
não tivesse resistido se tivesse conhecido um Kirkpatrick. Como você
consegue resistir Luís?
Sheila riu, esperando não parecer muito arrogante:
— Minha prioridade é a pintura!
Tia Inez continuou a subir a fantástica escadaria e seguiu por um
corredor enorme que mais parecia ser uma galeria. Finalmente parou em
frente a uma das portas e a abriu, revelando um magnífico quarto de
dormir.
— Espero que fique confortável — disse ela meio em dúvida.
— Mas é claro que sim! — exclamou Sheila.
Sheila tentou imaginar as pessoas que já tinham dormido ali antes. Não
se surpreenderia se entre elas estivesse alguma princesa, pois o quarto
parecia o cenário de um conto de fadas.
Tia Inez sentou-se numa poltrona que fora colocada sobre um lindo
tapete colorido em frente à janela. Sua postura era perfeita e Sheila não
pôde deixar de admirá-la novamente.
— Levei algum tempo para me acostumar a morar aqui — confidenciou
ela. — Minha família é antiga mas não chega aos pés da do meu marido.
Eles têm casas deste tipo espalhadas por toda a Espanha. Meu marido é
muito simpático. Você vai conhecê-lo. Ele tem um carinho especial por
Luís e ficou mais curioso do que eu quando soubemos que viria
acompanhado de uma jovem. — E sorrindo envergonhada, acrescentou: —
Nós somos muito conservadores aqui na Espanha.
— Eu vou dar aulas na escola de Luís durante o verão. E não tinha a

22 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

intenção de viajar com ele.


— Mas tudo estava combinado há mais de um mês!
— Mas eu nem sabia que viria para a Espanha até a semana passada!
As duas se entreolharam sem entender, cada uma perdida nos próprios
pensamentos.
— Por onde andaram o dia inteiro? — perguntou tia Inez.
— Em Jerez.
— Ah! E você gostou?
Sheila assentiu. Não queria mais lembrar o que tinha acontecido durante
a tarde. Ninguém teria dado tanta importância àqueles beijos, não
naquelas circunstâncias. Ela é que criava o perigo, dando valor a gestos
tão banais. Fechando os olhos, podia lembrar a maneira como Luís sorrira
e o calor dos lábios dele deixando-a excitada.
Estremeceu. Não era uma criança para sonhar com coisas que nunca
poderia possuir. E nem queria! Era disso que precisava se convencer. Na
única vez em que se interessara por um homem tinha sofrido muito, e
aquilo devia servir-lhe de lição. Mordeu o lábio. Por sorte, a anfitriã não
notou-lhe a expressão.
— Eu adorei o xerez — disse Sheila, finalmente.
— Sim! Você vai descobrir muita coisa em Sevilha também. Se você
preferir, não precisa sair com Luís. Eu mesma posso lhe mostrar tudo.
Meu marido ficará feliz em ter uma pessoa nova para conversar e se
distrair. Pobre homem, durante todo o inverno ele só viu a mim e aos
criados. — E ficando séria, continuou: — Fiquei decepcionada com Tiago.
Pablo nunca vem e já estamos acostumados. Ele é como o pai e detesta
este clima de festa. Mas Tiago é diferente. Seu tio teria ficado satisfeito em
revê-lo. — Tia Inez se levantou suspirando: — É melhor deixar isso de
lado, você e Luís estão aqui. Jantaremos por volta das dez horas, assim
você terá tempo suficiente para descansar um pouco.
Sheila ficou sozinha. Abriu as janelas e pôde sentir o perfume e o calor
da noite. A paisagem era encantadora. A Catedral e La Giralda, a mais
famosa torre espanhola, estavam totalmente iluminadas, contrastando
com o céu escuro. O rio Guadalquivir refletia as luzes das pontes e dos
passeios que o margeavam. Se não estivesse se sentindo tão estranha no
novo ambiente, teria saído às ruas e se juntado aos casais e famílias que
passeavam alegremente.
Aquela era a hora do paseo, o último dia, quando os espanhóis gostavam
de respirar o ar fresco da noite, e apreciar as pessoas que passavam.
Todos vestiam suas melhores roupas, pois era hora de conhecer novas
pessoas e se divertir.
Sheila não se deu conta de quanto tempo ficara na janela, quando
escutou uma leve batida na porta. Esta se abriu antes que tivesse tempo
de responder e Luís entrou, aproximando-se.
— Já são dez horas? — perguntou.
— Ainda não. Só queria lhe avisar que não precisa se trocar para o
jantar. Desde que meu tio adoeceu, as refeições só têm sido mais formais

23 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

aos domingos e feriados.


Sheila sentia-se muito cansada.
— Qual o nome completo de sua tia? — perguntou ela. — Ê difícil para
mim chamá-la de tia Inez, como você.
Ele ficou surpreso:
— Pensei que você soubesse. Ela é a condessa Fernández de Genil. O
marido dela é um dos maiores proprietários de terras da região. Ele cria
touros para La corrida, mas não é fã desse esporte. Tem investimentos no
ramo do vinho e também cria cavalos. Foi ele quem me ensinou tudo a
respeito. Ê um grande homem.
Sheila notou o entusiasmo na voz de Luís. O mesmo não acontecia
quando falava do pai.
— Você gosta dele, não é? — perguntou.
— Sim, e você também vai gostar.
Enquanto desciam a escada, Luís continuou:
— Meu tio tem uma enfermeira agora. Ele teve um derrame há alguns
anos que o deixou paralisado do lado esquerdo. Não é fácil para ele
conviver com outras pessoas. Tia Inez lhe contou que você era muy
simpática, que ele não precisava se preocupar.
Fazia tempo que Sheila não ouvia alguém achando-a simpática. Ao
contrário, sua família sempre lhe fizera saber o quão egoísta ela era.
Talvez tudo fosse diferente na Espanha, pensou.
— Não precisa ficar tão espantada. Você até que é muito agradável
quando esquece um pouco suas obrigações.
— Não é bem assim! — argumentou ofendida.
— E como é, então?
Sheila hesitou. Era algo que homem nenhum entenderia realmente.
— Os homens não apreciam mulheres mais capazes do que eles. Gostam
de estar sempre por cima — explicou.
— Isso é algo que deixamos de lado quando amadurecemos, embora
alguns homens nunca consigam chegar a entender de fato que não é
preciso haver competição entre os sexos.
Sheila sempre pensara que Bill era adulto enquanto estivera apaixonada
por ele. Na verdade, ele mesmo não tinha dúvidas disso. Não importava o
quanto Sheila ia bem na escola de artes; ele se negava a aceitar que seu
trabalho fosse tão sério quanto o dele.
Bill quase a convencera de que nunca chegaria a ser uma grande artista.
No máximo, seria assistente de algum outro pintor. Ele só tinha desprezo
por suas telas.
Luís até podia ter aquela opinião, mas como Sheila poderia ter a mesma
opinião?
Nunca se esqueceria de que, quando ainda eram estudantes, Bill vendia
suas telas para o mesmo tipo de pessoas que ficavam francamente
abaladas com as dimensões e as cores das pinturas de Sheila. Todos,
professores e colegas, insistiam em que ela deveria mudar seu estilo se
quisesse vender.

24 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila ficava revoltada, dizendo que preferia nunca vender nada a ser
obrigada a mudar seu jeito de pintar. Mas ao mesmo tempo era óbvio
que, se não conseguisse vender seus trabalhos, não iria ter como
sobreviver. . .
Passou meses e meses sem vender, até que um dia conseguiu!
Alguém visitara a escola, vira uma de suas obras e a comprara. Sheila
nunca soube o nome do comprador, mas depois daquele acontecimento
sua vida mudou. Foi escolhida para expor numa das galerias mais
conceituadas de Londres, e vendeu muito mais do que seus companheiros.
Porém, todo o seu orgulho desmoronou quando Bill ficou sabendo de seu
sucesso. . .
Esperava que ele ficasse contente, que começasse a ver seu trabalho
com outros olhos. Quase não acreditou quando ele a acusou de ter se
vendido por um momento de glória.
— A quem você se entregou para conseguir as vendas, a exposição e as
críticas favoráveis? — gritara ele. — De outra maneira nunca teria
conseguido! Ninguém aqui é ingênuo. Você dormiu com o dono da
galeria, também?
— Eu nunca dormi com ninguém! — respondera ela, furiosa.
— Guardando-se para um momento especial? — Continuara ele. — Você
nunca vai conseguir alguém melhor do que eu! Sheila se afastara dele
de cabeça erguida. Ficara magoada, pois provavelmente teria feito amor
com Bill se ele tivesse desejado. Mas o pior fora a conversa que tivera com
o pai, depois.
— Espero que saiba o que está fazendo — advertia ele. — É tudo muito
fácil quando se é jovem e bonita. Mas o que será de você depois?
— Papai, eu não. preciso da minha beleza para pintar — respondera ela
com paciência.
O pai soltara uma gargalhada.
— Eu pensei que você ficaria satisfeito! — murmurara Sheila, quase
chorando.
— Satisfeito? Ora, não se iluda, Bill já me contou tudo. . .
— E você acreditou nas fantasias daquele doente?
— O dono da galeria só podia estar apaixonado por você.
A mãe de Sheila acompanhava a conversa em silêncio.
— E você também acreditou? — Sheila apelou para ela.
— E o que importa a minha opinião? — respondera ela, aborrecida.
Naquele instante Sheila compreendera que não havia mais nada a fazer
ali. Teria de cuidar da própria vida, e os outros que pensassem o que
quisessem.
Luís tocou-lhe o braço, trazendo-a de volta à realidade. Um senhor idoso
descia a escada. Tinha um sorriso tão sincero que Sheila começou a sorrir
também, esquecida de todas as lembranças desagradáveis.
Ele colocou o braço em volta dos ombros de Luís, piscando para Sheila.
— Minha esposa me contou que Luís trouxe alguém muito especial —
disse satisfeito, — Muito especial! Minha querida, deixe Luís de lado esta

25 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

noite. Você pode sentar perto de mim durante o jantar e contar tudo sobre
você.
— Eu gostaria muito! Mas só se o senhor retribuir depois, falando dos
seus cavalos e vinhos — respondeu Sheila.
— Hum, alguém andou se adiantando. O único vinho que fabricamos por
aqui é o xerez, minha jovem. E tenho certeza de que Luís já lhe mostrou
tudo. O que ele talvez não tenha lhe contado é sobre minhas plantações de
laranjas. Nós plantamos hectares de laranjas para exportá-las para os
ingleses. Lá, eles as transformam em geléia. Nós não temos muito proveito
para elas aqui. Por isso as plantamos nas ruas, pois ninguém teria
interesse em apanhá-las. O que você acha disso?
— Eu acho que espanhóis e ingleses parecem saber muito bem como
conduzir seus negócios,
— Uma boa combinação, não é mesmo?
— Sem dúvida.
O conde lançou um rápido olhar para o sobrinho:
— Espero que esteja prestando atenção, rapaz. Quem é esta jovem
simpática?
— Sheila Hardy, tio.
— Ah, agora entendo tudo. Minha esposa e eu ficamos lisonjeados com
sua visita, minha querida. Vamos jantar agora?

CAPÍTULO IV

A Procesión de Ias Palmas era o grande acontecimento do dia seguinte.


Conduzida pelo arcebispo da Catedral, a procissão partia da igreja de San
Salvador, onde a imagem ficava guardada o ano todo, saindo apenas na
Semana Santa. A estátua era conhecida como Lu Borriquita e representava
Cristo sobre um jumento. Crianças em compridas vestes brancas, com um
cinto de ramos trançados na cintura, acompanhavam o cortejo. Usavam
também capuzes altos e pontiagudos, adornados com a cruz de Santiago.
De volta à mansão dos tios, Luís perguntou:
— Você gostou?
Sheila olhou para ele com uma expressão confusa:
— Isto dura a semana inteira?
— Sim, este foi apenas o começo. Espere até ver as grandes procissões
no final da semana.
— Estarei exausta até lá.
Ele riu e decidiu provocá-la.
— Seu fôlego é um pouco curto para uma artista, não acha?
— Para falar a verdade, acho que não estava preparada para me
emocionar tanto com uma simples procissão. . .
— É que você não está acostumada. Seu coração ficou fechado por muito
tempo. . .

26 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Não era da conta dele, pensou Sheila, e ia abrir a boca para dizer-lhe
isso, mas mudou de opinião ao ver o semblante agressivo de Luís. Ele seria
bem capaz de querer provar que estava certo de uma maneira que não a
agradaria nem um pouco. Ainda se lembrava da última vez em que ele se
aproximara decidido. Emoções daquele tipo, a menos que fossem
disciplinadas e reduzidas a algo possível de controlar, não combinavam
com a atividade artística. Sheila sabia muito bem disso e tentou mudar de
assunto:
— Como você se veste para a procissão? Como um penitente também?
— Sim. A família de meu tio sempre participou do cortejo e ele ficaria
magoado se nenhum de nós continuasse a tradição. É claro que ninguém
enxerga quem está por trás dos capuzes mas, para meu tio, alguém
precisa representar a família.
Sheila tentou imaginá-lo vestindo um daqueles capuzes enormes e teve
certeza de que o reconheceria mesmo se estivesse completamente coberto.
Ela encolheu os ombros, tentando mudar o rumo dos pensamentos.
— E Tiago? Ele não poderia substituí-lo às vezes?
— Você preferia ter vindo com ele?
Sheila estremeceu. Não, jamais teria preferido a companhia de Tiago.
Afastou-se um pouco, mais determinada do que antes a levar a conversa
para outro lado e fazer de conta que ele não havia dito nada de
significativo. Mas ainda precisava responder.
— Eu preferia nem ter vindo!
— Oh, não! Isso não adiantaria. Você será uma pintora bem melhor,
Sheila Hardy, quando admitir que é um ser humano como todos nós e
não uma mulher fria e distante.
Sheila escondeu a dor que aquelas palavras lhe provocaram da melhor
maneira que pôde.
— Vou sair — anunciou. — Vou dar uma volta, enquanto a multidão se
dispersa. Não me admiraria se Shakespeare tivesse inventado a frase "O
mundo é um palco" aqui na Espanha. É a imagem exata que tenho dos
espanhóis.
— Ê mesmo? — Luís estava completamente à vontade, parecendo não
notar o tom de censura nas palavras de Sheila. — Vou lhe contar tudo
sobre os espanhóis. Sheila. Há uma expressão de uso comum que
esclarece o comportamento desse povo: sin verquenza. Pergunte a qualquer
um sobre isso!
— O que significa? — perguntou, sem conseguir resistir. Havia tantas
coisas em Luís Kirkpatrick às quais não podia resistir. . .
— Bem, eu acho que significa não ter vergonha, mas é muito mais. . . É
como se fosse, uma desonra alguém não ter orgulho nem vaidade da
própria aparência e das boas maneiras. Faz parte do jogo ter graça e
elegância, não importando qual é o papel de cada um na cena. O espanhol
é sempre o caballero, mesmo não tendo um centavo no bolso. O orgulho é
o seu patrimônio, concedido igualmente a cada pessoa que nasce aqui.
Sheila sabia que as palavras de Luís tinham duplo sentido, mas não

27 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

podia imaginar qual era o significado oculto daquelas frases.


Na verdade, o que importava mesmo é que sentia-se orgulhosa de seu
trabalho e de si mesma. Isso é que era importante! A única ameaça a sua
segurança, até aquele momento, era aquele homem... Tinha certeza
absoluta de que poderia muito bem continuar vivendo sem ele e sem
aquelas indiretas incômodas!
— Vou sair! — repetiu.
— Vou com você.
— Não! Não precisa. Quero ir sozinha!
— Tia Inez. . .
— Não!
Subiu a escada correndo sem se virar para trás, entrou no quarto para
pegar um xale antes de sair para o ar fresco da noite. Quando desceu,
Luís ainda estava lá. Sheila hesitou por um momento, pois sabia que tudo
dependia dela. Queria provar a ele que também tinha seu orgulho.
Teria passado reto em direção à porta se tia Inez não entrasse na sala
justo naquele instante.
— Minha querida, não está pensando em 3air sozinha no meio da
multidão, não é? Eu não recomendaria. Posso ir com você?
Foi fácil perceber que era a última coisa que tia Inez desejava fazer
naquela hora.
— Mas a senhora não vai contar a seu marido tudo que aconteceu hoje?
— Sheila tentou lembrá-la.
Tia Inez sorriu, amável, e tocou-lhe o braço.
— Tenho todo o tempo do mundo para acompanhá-la, se é isso que
realmente quer. Entendo sua vontade de conhecer o máximo possível
enquanto estiver aqui.
Sheila sabia que o convite de tia Inez era apenas uma atitude educada,
típica dos espanhóis, sempre preocupados em agradar seus hóspedes.
Com pesar, resignou-se a ficar em casa. Afinal, não seria difícil evitar Luís
numa casa tão grande. Se tivesse sorte poderia sair mais tarde, quando
ninguém estivesse prestando atenção nela, e visitar a Catedral como
planejara. Abriu a boca para falar que pensara melhor e que não ia mais
sair, quando ouviu a voz de Luís:
— Não se preocupe, tia. Eu vou com ela. Há muito estranhos na cidade.
Não é recomendável uma moça andar sozinha pelas ruas.
— Mudei de idéia -— respondeu Sheila, rápida e seca. — Prefiro ficar.
Luís e Inez trocaram olhares admirados.
— Esses artistas são tão temperamentais... — ironizou Luís.
— Não julgue os outros por você, Luís — retrucou Sheila indignada, sem
conseguir controlar-se. Imediatamente ficou chocada com sua reação
tempestuosa. Em ocasiões normais conseguia manter a calma.
— Você precisa ver nossa coleção de pinturas algum dia, querida. —
Tia Inez tentou disfarçar. — Luís disse que você possui um grande dom
artístico. Quando teremos oportunidade de conhecer uma de suas
pinturas?

28 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila lançou um olhar inquisidor para Luís. Ele se aproximou e colocou


o braço sobre seus ombros, guiando-a para a porta principal.
— Uma grande artista, talvez. Mas e como ser humano? — comentou ele
e, sem deixar Sheila argumentar, continuou: — Não se preocupe. Você tem
chances de melhorar. Nós temos o verão inteiro pela frente para livrá-la
de todo esse gelo que se formou ao redor dos seus melhores instintos.
Espero que dê certo. E você, o que acha?
Sheila ficou muda. Como podia provocá-la daquele jeito? O que Luís
sabia dela como mulher? Nada! Mas ela lhe mostraria!
Sheila deixou-se conduzir escada abaixo e pelas ruas abarrotadas, porém
manteve-se num silêncio obstinado, Não podia acreditar no que estava
acontecendo. Será que tinha perdido sua vontade própria? Não tinha
acabado de dizer que não queria mais passear? Então o que estava
fazendo ali com Luís, obedecendo-o como um animalzinho de estimação?
— Você não acha que está sendo um pouco óbvio demais,
Luís? — Sheila resolveu romper o silêncio constrangedor que pairava
sobre eles. — O que o faz pensar que alguém tenha que viver todas as
emoções antes de se tornar um grande artista?
— Mas eu não penso isso.
— Mas então, sobre o que está pensando? — Puxou-o pelo braço na
intenção de fazê-lo parar e explicar.
Luís a fitou e pousou a mão sobre a dela, acariciando-a com suavidade. A
reação inesperada, a sensação daquele toque e o suspense deixaram
Sheila completamente perturbada. Pensou em fugir, mas sabia que não
conseguiria. O olhar de Luís parecia magnético.
— Sobre nós dois — respondeu ele.
Sheila engoliu em seco. Tentou imaginar o que Luís diria na seqüência e
tentou encerrar o assunto:
— Não há nada entre você e eu!
— Tem certeza?
— Ora, não seja presunçoso!
Os dedos de Luís enlaçaram os seus. Sheila sentiu o vigor com que a
mantinha perto dele, e a sensação não a desagradou.
Forçou a memória para recordar a maneira como Bill andava a seu lado,
mas não conseguiu se concentrar. Bill a beijara uma ou duas vezes,
afastando-se quando ela tentava escapar. Tinha certeza de que não seria
fácil evitar Luís se ele tentasse abraçá-la. Sentiu o coração acelerar, e
decidiu que tinha de controlar as emoções e não deixar aquele homem
brincar com seus sentimentos.
— Foi Tiago quem lhe falou das minhas telas? — perguntou ela
finalmente, numa tentativa desesperada de mudar o rumo da conversa.
— Não.
— Então como soube? — Sheila ficara realmente curiosa.
— Você nunca consegue falar de outra coisa além de pintura?
— Sobre o quê, por exemplo?
— Ora, aqui estamos nós dois, numa das mais belas cidades do mundo.

29 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

O que quer conhecer primeiro?


— A Catedral. — Estava aliviada por ter reagido com decisão e desviado o
rumo da conversa.
Sheila já passara pela Catedral várias vezes, mas teve de admitir que
não era uma boa escolha visitá-la com Luís. A presença marcante daquele
homem sensual a seu lado deixava-a mais descontrolada, incapaz de
concentrar-se em qualquer momento, por mais belo que fosse.
Talvez tivesse sido melhor propor um passeio pelas margens do rio e
observar os reflexos da cidade em suas águas turbulentas do que visitar a
Catedral. Ou talvez o ideal tivesse sido propor irem para um barzinho
tomar alguma coisa, para observarem as pessoas passando. Por que
sugeriu irem para a Catedral? Melhor seria deixar que Luís resolvesse
tudo, deixar que ele a levasse para onde quisesse, e se entregar de vez ao
sentimento de felicidade que, como num sonho, gradualmente a dominava.
No caminho até a Catedral ele contou sobre o antigo costume da região
de entrelaçar as palmas entregues durante a missa nas grades dos balcões
superiores das casas para que trouxessem paz aos lares.
— Você também pode vê-las trançadas em forma de cruz, enfeitando as
rédeas dos burricos e do gado. Não é só superstição.
O povo sabe o quanto depende da Natureza.
Não haviam nenhuma palma na Catedral naquele dia e não haveria até
a celebração da Páscoa.
— As palmas vêm da cidade de Elche, no sul — informou Luís.
— Você já pintou os campos na época da colheita?
— Ainda não. Talvez possamos fazê-lo juntos qualquer dia destes.
Sheila não poderia imaginar quando. Era tarde demais para aquele ano
e ela não pretendia voltar à Espanha tão cedo!
A visita à Catedral não a deixou mais calma. Havia tanta gente apinhada
lá dentro que Sheila agradeceu quando Luís segurou seu braço. A forte
devoção dos fiéis, que ficara evidente durante a procissão, continuava
presente. Ela, que passara anos escondendo as próprias emoções dos
outros e dela mesma, com uma obstinação que só se igualava a sua ânsia
de pintar, não se sentia nada à vontade em participar tão perto daquelas
demonstrações emotivas que a deixavam totalmente indefesa.
Estava pensativa e com raiva de si mesma por não conseguir dominar
o torvelinho de emoções que começava a tomá-la.
Decidida a reconstruir suas defesas para que ninguém mais a ferisse,
retirou a mão do braço de Luís e abriu caminho até as pesadas portas,
sem se voltar uma única vez para ver se ele a acompanhava, enquanto
corria obstinada pelas ruas abarrotadas. Era hora do paseo, e todos os
casais de Sevilha pareciam ter saído às ruas em suas melhores roupas.
Sheila sentia-se uma estranha entre eles e teve a impressão de que todos a
olhavam.
Sem entender os comentários que os homens parados nas esquinas faziam
quando passava, achou estranho que insultassem turistas com tanta
facilidade.

30 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Luís a alcançou, e roçando-lhe o braço convidou:


— Que tal tomarmos um café?
Sheila virou-se encarando-o, tão zangada como se fosse ele o
responsável pelos comentários:
— O que significa muy guapa!
A risada de Luís foi a gota d'água. Sheila teve de se segurar para não dar
uma bofetada naquele rosto perfeito e bronzeado que se achava à sua
frente. Mas por que queria culpá-lo daquilo?, pensou estranhando a
própria conduta.
— Quer dizer muito bonita. "Que garota bonita!" É isso que eles estavam
dizendo? — continuou ele, sorrindo.
O espanto dela foi tamanho que esqueceu a raiva:
— Eu não sou bonita!
Luís pegou a mão dela e acariciou-a de leve.
— Não, você não é bonita. Você é muito mais. . . Às vezes seu rosto
adquire uma luminosidade totalmente encantadora. Isto vem do coração,
querida.
Era uma descoberta fascinante. Sheila só se enxergava séria, com a
expressão calma, quando se via em frente ao espelho.
Resolveu não dizer nada. Gostaria que Luís continuasse a falar, mas
achou que não era uma boa idéia. Na certa acabaria insinuando que
queria que tivessem um caso, e Sheila, nem queria pensar sobre aquilo.
Tinha de considerar os fatos. Aquele homem a atraía. Mas não iria
abandonar todos os seus planos de vida por causa daquilo. Seria uma
traição, ainda que a ajudasse a se tornar uma artista melhor. Bill deveria
ter servido de lição, deixando-a curada de tais fantasias para sempre!
Acabaram indo para um bar.
Luís pediu dois cafés e uma dose de brandy, que dividiu em partes
iguais, misturando-as no café.
— Para esquentar — murmurou ele, colocando a xícara na frente dela.
Sheila não sentia o mínimo de frio. Comparada com Londres, aquela
poderia ser considerada uma noite de verão. Havia um leve rubor em suas
faces e seus olhos cintilavam. Dizia a si mesma que era pela excitação ao
redor, mas sabia que também tinha um pouco a ver com Luís. Apesar das
dúvidas que a assaltavam, estava se divertindo.
Sentado ao lado dela, Luís observava calmamente a multidão nas ruas e
flertava com as belas espanholas que passavam. Será que faria as mesmas
observações dos outros homens se ela não estivesse ali? Ao pensar nisso,
reparou também que, a partir do momento em que ele a alcançara,
ninguém mais mexeu com ela Isto a confortava, porém não queria
atrapalhá-lo.
— Não pretendo impedi-lo de continuar o passeio por minha causa. Pode
ir sozinho, assim poderá sentir-se mais à vontade com as garotas.
Ele a encarou com olhar surpreso e cheio de mistério.
— Nunca a deixaria sozinha. Isso é contra o velho costume espanhol.
— Mas você não é espanhol. É inglês!

31 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— Mas sou um cavalheiro. — Sorriu irônico. — Agora quanto ao fato de


mexer com as garotas, que mal há em dizer a uma moça que ela é tão
encantadora quanto o célebre Manolete?
— Quem é Manolete?
— Manuel Rodriguez y Sánchez, o maior dos matadores explicou
entusiasmado, enquanto Sheila o fitava ainda sem entender. — Quando
ele morreu, em 1947, toda a Espanha lamentou. Qualquer toureiro, vivo
ou morto, é sempre comparada ao grande Manolete!
— E você acha que uma mulher gosta de ser comparada a um toureiro?
Luís riu da expressão indignada que ela fez.
— Gostando ou não de touradas qualquer mulher tem que concordar que
os movimentos do toureiro são dos mais graciosos jamais vistos. Você, por
exemplo,, já se viu andando?
Sheila sorriu ao perceber o elogio.
— Eu preferia ser comparada a algum dos grandes pintores espanhóis do
passado: El Greco, Velazquez ou Goya. Pelo que sei, são os mais famosos!
— Você terá de se adaptar aos valores da nossa época revelar a própria
capacidade de artista moderna, Sheila Hardy.
— Sim — murmurou ela, sabendo que Luís tinha razão.
Mas seria uma grande felicidade poder ter um trabalho exposto no Museu
do Prado ou na Galeria Nacional, em Londres!
Luís se levantou abruptamente. Era óbvio que o que Sheila acabara de
falar o deixara contrariado, mas a garota não conseguia imaginar qual o
motivo. Ele chamou o garçom, pagou a conta e colocou o xale sobre os
ombros dela.
— Vamos caminhar mais um pouco ou você prefere ir para casa? —
perguntou seco.
Sheila colocou a mão sobre o braço dele na intenção de se desculpar. Não
era problema de Luís o fato de ela estar tão confusa. Sentia-se perdida,
aflita e mais inconstante do que quando Bill entrara em sua vida.
— Podemos continuar o passeio se não o incomodar.
Luís pressionou a mão dela contra o próprio braço e um leve tremor dos
lábios a advertiu que algo muito mais importante que um agradável
passeio iria acontecer naquela noite. O coração de Sheila começou a bater
forte. O contato suave daqueles dedos deixavam uma sensação estranha
no corpo, como se não mais lhe pertencesse.
— Sempre quis andar ao longo de um rio numa noite de verão. — Sheila
estranhou a própria voz. Parecia mais profunda e sensual.
Luís não lhe soltou o braço durante todo o percurso até o rio.
Em outra ocasião, Sheila teria rejeitado esse tipo de proteção. Mas
naquele momento e com aquele homem, sentiu-se bem e descobriu que
gostava de ficar perto dele.
— Os rios sempre têm uma história — disse Sheila de repente, com um
nó na garganta. — Conte-me a deste rio.
— Por onde devo começar? A história deste rio se confunde com a
história da Espanha. Deveria começar falando sobre os romanos? Sobre os

32 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

visigodos? Ou com os reis católicos que expulsaram os mouros? Suponho


que La Católica, Isabella, rainha da Espanha, é a mais conhecida. Não só
libertou o sul com o marido, mas foi ela quem mandou Colombo para a
América. Só depois de seis anos é que se convenceu a financiar a tal
viagem, mas com isso ocupou definitivamente um lugar de honra nos
anais da história do Novo Mundo, junto com seu protegido. Era uma
grande rainha e uma grande mulher.
— Tudo era fácil para ela, que tinha o mundo a seu dispor.
— Eu apoio de um marido leal — retrucou Luís. — Mesmo assim, a
tragédia fez parte da vida deles. Muitos dos filhos morreram cedo, e a mais
velha, a mais querida das filhas, era chamada de Juana, Ia Loca. Era tão
talentosa quanto a mãe, mas sua vida foi arruinada pela loucura. Se
vivesse nos dias de hoje, o destino daquela jovem teria sido bem diferente.
Sheila ficou admirada com a vitalidade da famosa rainha da Espanha.
Como poderia governar o país e ter uma gravidez atrás da outra?
— Eu não tenho tempo para constituir uma família — comentou quase
para si mesma. — É uma decisão que tomei há muito tempo. Tudo é
muito mais fácil para os homens, as mulheres têm de lutar sozinhas.
— Sem dúvida, para a mulher é mais difícil, mas não impossível! A vida é
para se viver e não só para pintar!
— Viver às vezes dói. . .
Luís colocou as mãos sobre os ombros dela, virando-a de frente para ele.
— Quem a magoou tanto, Sheila?
— Aprendi desde cedo a cuidar de mim!
Sheila nunca contaria para Luís a verdade sobre sua vida.
Abaixou os olhos e se afastou um pouco.
— Tudo que você aprendeu foi fugir da vida e dos próprios sentimentos!
Alguém a feriu profundamente e você ainda não conseguiu se recuperar.
— Não é verdade!
— Você parece ter medo da própria sombra!
— Não! Pare!
— Então prove! — desafiou Luís, triunfante. — Nunca será uma grande
artista antes de aprender a ser mulher!
Seus olhos se encontraram. Todos os velhos argumentos passaram
rápidos pela mente de Sheila. Os homens não conseguiam deixar de ser
egoístas e vaidosos, mas ainda assim conseguiam ser bons artistas. Por
que sempre foi tão difícil uma mulher fazer o mesmo?
Sheila mordeu o lábio pensativa. Luís a envolveu num abraço, cheio de
ternura, sem se importar com a reação dela, que tentava reprimir o
próprio desejo.
Ele não fez mais nenhum movimento, apenas esperou até Sheila sentir-
se segura e se abandonar. Aos poucos, a tensão entre eles se desfez. O
contato do corpo de Luís contra o dela a acalmava. Nada mais importava,
o mundo inteiro naquele momento se resumia a Luís Kirkpatrick e às
sensações que ele lhe despertava.
— Luís...

33 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Ele sorriu, os olhos tinham um brilho intenso. Lentamente aproximou o


rosto do dela, e os lábios de ambos se encontraram Sheila, que jamais
mergulhara numa tempestade tão forte de emoções, passou-lhe os braços
ao redor do pescoço e sentiu um enorme desejo de se entregar totalmente
a ele. Ficou perdida no ardor daquele abraço, enquanto Luís explorava as
curvas de seu corpo, acariciando-lhe os quadris e puxando-a cada vez
mais para perto de si.
— É melhor levá-la para casa — disse finalmente, relutante.
— Mas. . .
Luís passou com suavidade os dedos nos lábios dela, acompanhando-
lhes a forma:
— Quero fazer amor com você, Sheila. Mas aqui é impossível. Vou levá-la
de volta para minha tia.
— Mas eu queria passear pelo rio. . .
— Eu também gostaria. Mas é para o seu bem que voltaremos agora.
Ele a beijou rapidamente e pegou sua mão, afastando-se da margem do
rio.
— Não se preocupe! — continuou ele. — Amanhã é outro dia! Temos todo
o verão pela frente.
Todo o verão! Mas o que dera nela em querer flertar com um homem que
era também seu patrão?
— Sim. Vamos voltar. Foi um dia muito estranho, hoje. Tudo voltará ao
normal amanhã e será melhor.
Ao pronunciar essas palavras, Sheila ficou triste, fora tudo um sonho,
pensou.
De repente, sentiu-se vazia. Por que tudo tinha de terminar assim?

CAPÍTULO V

Na manhã seguinte Sheila tomou a decisão de não ficar mais a sós com
Luís. Seria perigoso demais. O melhor seria recusar todos os convites, em
especial aqueles para conhecer a cidade na companhia dele. Era só
lembrar o que acontecera na noite anterior!.
Pelo jeito, Inez também estava preocupada com Sheila e seu sobrinho.
Naquela manhã, assim que os encontrou, foi logo falando:
— Luís, acho que você não deveria chegar tão tarde com Sheila. Existem
outras maneiras de se cortejar uma garota, não precisa ter tanta pressa!
No meu tempo era tudo bem diferente. . . E não se esqueça de que ela é
minha hóspede!
— Não tocarei num fio sequer do seu cabelo — assegurou Luís. — A não
ser que ela queira. . .
Sheila ficou embaraçada:
— Para que toda essa discussão?
Tia Inez sorriu, mas o olhar estava distante, perdido no passado:
— As moças do meu tempo eram muito bem guardadas. Nunca saíamos

34 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

sozinhas com um rapaz, não importava qual a relação que tínhamos com
ele. Conversávamos no portão ou na janela. Em algumas famílias, o
namoro chegava a durar anos. . .
Um tanto desconcertado, Luís arrumou uma desculpa e foi para seu
quarto.
Aproveitando que estava a sós com Sheila, Inez voltou-se para a
garota:
— Minha querida — começou ela —, não é da minha conta, mas não
deixe Luís forçá-la a fazer algo que não deseja, está bem?
— É assim tão fácil perceber? — respondeu Sheila, chocada.
— Que você se sente atraída por ele? Sim. E por que evitá-lo? Você não
deixou nenhum outro rapaz esperando em Londres ou. . .
— Não. Claro que não — interrompeu Sheila, ansiosa. — Mas vim aqui
para pintar e não para me envolver com um homem.
Tia Inez não levou a afirmação muito a sério:
— Luís sempre viverá na Espanha. Acho que é uma coisa que você
precisa saber. Ele não vai querer uma ligação tão problemática quanto a
dos pais dele. E você, seria capaz de se satisfazer com um simples caso
de verão?
Era difícil saber. Luís tinha o poder de fazê-la sentir-se tão estranha que
já não possuía muita certeza do que realmente queria.
— Minha pintura vem em primeiro lugar! — insistiu, como se quisesse
convencer a si mesma. — Não sonho com um casamento ou outra coisa
qualquer além do meu trabalho.
— Isso você diz agora, minha querida. Quer que eu fale com Luís?
— Não é preciso, acho que posso dizer pessoalmente.
Na tarde seguinte, Sheila estava na ampla varanda em companhia de
dona Inez, que lhe explicava o significado de cada grupo religioso que
passava sob a sacada. Luís saíra logo após o almoço para participar de
um deles.
As procissões desfilavam pela cidade incessantemente. Estátuas da
virgem podiam ser vistas por todos os lugares com tantos nomes diferentes
que era impossível relembrar. O que mais interessava a Sheila era a beleza
das estátuas de santos carregadas pelos fiéis. A técnica utilizada era a
mesma dos tempos antigos e fora transmitida através dos séculos, desde
a Babilônia até o Egito, passando pela Grécia e Roma até os artesãos
espanhóis. Ela observara que as imagens raramente eram substituídas e,
quanto mais velhas fossem, maior veneração o povo lhes prestava.
A mais antiga, segundo Luís lhe contara, era a do Cristo de Burgos,
esculpido por Juan Baptista Vasquez em 1573. Entretanto, quando Sheila
a viu passar, podia jurar que era uma obra atual, por causa de sua
estruturação inovadora.
— Não está sendo um dia muito bom para Luís hoje — confidenciou tia
Inez a Sheila. — Ele finge ser fiel à Igreja para agradar meu marido, mas
não é um penitente verdadeiro. O caráter dele é outro, ele nunca seria um
penitente na vida real.

35 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Gregory, o pai dele, também era assim.


— Eu não o conheço — lembrou Sheila.
Tia Inez sorriu, irônica:
— Ele não queria morar na Espanha com minha irmã Lola, mesmo
gostando daqui quando vinha nos visitar. Achava que o sol lhe faria mal,
mas na verdade tinha medo de gozar a vida como nós, espanhóis. Era um
homem sério, e pensava que os negócios iriam todos por água abaixo sem
a presença dele.
Sheila não conseguia imaginar o que afina! o pai de Luís tinha em
comum com a irmã de dona Inez para casar-se com ela. Parecia ser uma
relação impossível!
— Sua irmã foi morar na Inglaterra, então?
— Só no começo. Depois de alguns meses, como a gripe que pegara não
terminava e seus ataques de bronquite se tornavam freqüentes, Lola
voltou. Nunca foi uma mulher de muita saúde. . . — A expressão séria e o
olhar triste de dona Inez deixavam claro o quanto gostara da irmã. Logo
recuperou o sorriso e continuou: — Passava lá a maior parte do verão, e
Gregory vinha para cá todas as vezes que os negócios o permitiam.
Estavam perdidamente apaixonados. . . Ele ficou inconsolável quando
Lola morreu, pobre homem.
— Como aconteceu? — Sheila estava interessada. Fitava dona Inez
tentando entender a rápida mudança de reações daquela mulher que
ficara triste e em seguida sorrira. Talvez fosse o tamanho orgulho
espanhol, pensou Sheila. Aquele povo tão expansivo na alegria parecia não
conviver bem com sentimentos de dor e perda.
— Lola se sentia muito só sem Gregory e resolveu partir para a
Inglaterra. Queria passar o Natal na companhia dele. . . Logo ficou doente,
e morreu de pneumonia poucos dias depois. Não puderam fazer nada para
salvá-la. Lola era alérgica a todos os medicamentos da época. Foi muito
triste. . . Luís ainda sente falta dela. . .
— Elevar!
O guia da procissão, todo vestido de preto, bateu com força na placa de
metal trazida pelo primeiro grupo, representando Jesus de Nazaré
abraçado na cruz.
Seu grito fez com que as duas mulheres parassem um pouco de
conversar.
— Adelante! Marcha! — gritou novamente, fazendo com que todos os
homens marchassem no mesmo passo, mesmo sob o peso da imensa
estátua. Eles caminhavam com grande esforço, a base da imagem era
apoiada no ombro e os braços apenas auxiliavam no equilíbrio. Todos
vestiam preto e os capuzes pontiagudos faziam-nos parecer mais altos.
Cada um dos fiéis segurava uma vela vermelha, cuja chama vacilava na
leve brisa do entardecer.
O segundo grupo era organizado da mesma maneira, com a única
diferença de que representavam a Virgem de Conceição e São José. Todos
os componentes dessa irmandade levavam velas brancas e eram guiados

36 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

por um dos irmãos que portava uma espada, para lembrar os espectadores
de que aquele grupo se dedicava a defender a doutrina da Imaculada
Conceição, mesmo se isso custasse a vida, assim como os ancestrais deles
o fizeram por vários séculos.
Tia Inez encheu-se de orgulho:
— Aquela é a nossa confraria. É a segunda mais antiga da cidade!
Sheila ouviu a explicação, porém estava mais interessada em saber como
Luís conseguia agüentar aquele peso. Como conseguia se obrigar a
levantar a carga de novo, a cada pausa? Por que não colocavam as
imagens sobre rodas?
Estava prestes a interrogar a anfitriã, quando esta colocou um pequeno
frasco em suas mãos.
— Farão uma pausa agora — murmurou tia Inez. — Desça, querida. E dê
isto a Luís. Ele deve estar precisando.
Sheila ficou aturdida:
— Como vou achá-lo?
— Ele está carregando o andor. Está no grupo de El Silencio. Rápido,
menina, antes que eles prossigam.
Sheila deixou a varanda da casa e correu para a rua. A multidão a
empurrava, todos queriam aproveitar ò máximo daquela ocasião, o dia
mais importante no calendário da cidade. Ela sentia-se perdida no meio
dos fiéis, não tinha domínio sobre os próprios passos e estava aflita à
procura de Luís.
De repente, a agitação diminuiu, a irmandade que passava naquele
momento não era recebida com os mesmos gritos de exaltação. O único
ruído que se ouvia era uma estranha combinação de sons de delicados
instrumentos do século XVI e soava como um lamento.
Ao menos saberia de qual grupo se aproximar, pensou ela.
Os outros inspiravam uma série de comentários, mas somente aquele
Cristo humilde pregado à cruz era recebido em silêncio.
Só podia ser El Silencio, como tia Inez dissera.
O guia fez um sinal e o grupo parou para descansar. Sheila abriu
caminho naquela direção, mas era quase impossível saber qual daqueles
homens seria Luís: todos usavam enormes capuzes!
— Luís! — chamou em voz alta.
Os homens fatigados abriram caminho para que pudesse passar. Ela
quase nem teve tempo de olhá-los, pois Luís passando o andor para um
companheiro, puxou-a até as últimas fileiras segurando-a contra o peito
nu.
— O que você está fazendo aqui?
— Sua tia lhe mandou isto — falou ela em voz baixa, estendendo-lhe o
frasco.
Os homens riam e faziam muito barulho, até que Luís lhe disse algo
que os aquietou, pelo menos por alguns instantes.
— Volte para minha tia, Sheila! Isto não é lugar para você!
Sheila olhou ao redor:

37 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— E nem para você!


— Preferia que meu tio estivesse aqui?
— Mas ele nem pode! Ê peso demais!
— Isto não o impediria de tentar!
Sheila encarou-o assustada:
— Não entendo vocês. . .
Luís suspirou impaciente. O suor escorria por seu pescoço.
Sheila não conseguia desviar o olhar, era o homem mais bonito que jamais
vira.
— Você não entenderá nunca com essa teimosia — disse ele fatigado. —
Pare de pensar tanto e escute o seu coração, querida. Agora você tem de ir.
Partiremos a qualquer momento!
Mas alcançava a calçada quando ouviu o guia pronunciar imperativo:
— Elevar!
Sheila estremeceu ao ver a carga sendo erguida mais uma vez.
— Adelante! Marcha!
— Estou exausta! — desabafou ela ao voltar para a varanda e tomar
lugar ao lado de tia Inez. — Imagino o cansaço dessas mulheres que
passaram a semana inteira fazendo os preparativos.
— Elas trabalham meses seguidos na confecção dos adereços e das
roupas — explicou Inez, sem tirar os olhos da procissão.
— Na verdade, todos nós fazemos alguma coisa, mas sempre com prazer.
— Acho que tudo ficará mais fácil para vocês quando partirmos.
— Não é verdade, querida. Adorei a sua visita e Adolfo gostou muito de
você, isto é fundamental. Ele sentirá falta das conversas.
Sheila ainda não se acostumara de chamar o tio de Luís de Adolfo.
Apesar de estar com uma perna paralisada, possuía muita dignidade. Nem
mesmo a doença o impedia de fazer as honras da casa com tanto charme.
Ela só podia admirá-lo.
— Fiquei muito feliz também de ter vindo!
— Você acha que Tiago e Pablo serão capazes de defendê-la de Luís,
quando voltarem? — perguntou Inez, sorrindo insinuantemente.
— Acho que sim! De qualquer forma, os hóspedes estarão lá e nos
manterão ocupados todo o tempo.
— Hum... Se as coisas não derem certo, você será sempre bem-vinda aqui
em Sevilha.
Sheila sorriu perturbada:
— Luís tem muitas qualidades. Não haverá perigo, señora!
— Sim. Luís sabe se cuidar. Mas, e você? Sei que as moças de hoje são
muito mais desembaraçadas do que na minha época e que têm sempre
uma resposta na ponta da língua. Mas a pintura, Sheila, não poderá evitar
fazê-la sentir-se sozinha na sua cama, e nem fará seu sangue parar de
ferver numa noite de lua cheia. As noites de lua são indescritíveis aqui na
Espanha. Você nem imagina!
Sheila ficou emocionada. Nunca alguém se preocupara daquele jeito com
ela como aquela charmosa espanhola.

38 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— Eu sempre cuidei de mim sozinha! - Ela pim ou i m ninai


de cumplicidade. — Não precisa se inquietar.
Tia Inez sorriu novamente:
— Eu não o faria, se tivesse certeza de que sabe o que está falando. Ou
você nunca desejou pertencer a um homem muito mais do que pintar?
Sheila desviou os olhos para a procissão. Gostaria de poder negar, mas
seria mentira. Luís poderia separá-la de suas telas na hora em que
desejasse. Mas ainda não tinha acontecido!
— Não — respondeu ela. — Eu sempre quis pintar, mais do que qualquer
outra coisa no mundo.
Tia Inez olhou-a com bondade:
— Isso ainda vai mudar. Se você consegue ter tais sentimentos para a
arte, também os terá para um homem.
Sheila preferia não ter escutado. Voltou toda a sua atenção para a
multidão na rua, louca de vontade de poder se juntar a eles, mas ao
mesmo tempo temia perder-se, se o fizesse.
— Pode ir, mas se cuide. — Tia Inez adivinhou-lhe os pensamentos. —
Luís não voltará tão cedo.
Irritada por demonstrar os sentimentos com tanta facilidade, Sheila
pensou em reprimir o desejo de sair no meio da multidão.
Mas se estivesse entre eles talvez entendesse melhor o jeito de ser daquele
povo. Além disso, queria tentar compreender melhor Luís. Também sua
anfitriã deixava-a surpresa em alguns momentos. Na verdade, Sheila
sentia-se perdida.
Logo depois, ela despediu-se e saiu. O clima parecia estar mais quente lá
fora e até pensou em voltar para pegar um chapéu.
Mas esqueceu o pequeno desconforto quando se viu envolvida pela forte
manifestação de fé a seu redor.
Todos esperavam em silêncio, os olhos fixos no lugar onde a procissão
apareceria. De vez em quando, uma mulher agitava um leque e se abanava
por alguns segundos. Depois, com gestos graciosos, voltava a fechá-lo.
Quase não havia movimento. Estavam ansiosos, num silêncio absoluto
que dava a impressão de se poder ouvir o bater de todos aqueles corações.
Sheila notou uma mulher que passava as contas do rosário pelos dedos e
que lhe fazia sinal com a cabeça para que chegasse mais para a frente.
Como ela não se mexeu, a mulher chegou perto e murmurou:
— Adelante!
Sheila seguiu a ordem. Apesar de não ser uma turista tradicional, parecia
que as pessoas da cidade viam nela uma estrangeira, mas diferente dos
outros, pois não era nada comum terem esse tipo de atitude tão gentil
quando se tratava de manifestações religiosas.
Talvez a mulher pensasse que ela quisesse participar da procissão, ou
então tivesse adivinhado seu propósito de pintar as impressões que a
maravilhosa procissão despertavam.
A mulher trocou algumas palavras com as pessoas ao redor e elas
abriram espaço para Sheila, que ficou na primeira fila.

39 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Ainda pensava no significado daquele belo gesto quando um homem quase


esbarrou nela ao tentar abrir caminho para se colocar na frente.
Sheila ficou irritada ao ver que ele havia empurrado uma criança para o
lado e franziu as sobrancelhas impaciente, enquanto a mãe indignada se
queixava, sem entender uma palavra do que ele dizia.
— Tenho todo o direito de estar aqui! — uma voz familiar respondeu em
inglês. — Como a senhora quer que eu faça um bom trabalho ficando lá
atrás? Preciso ver o que irei pintar!
Sheila fechou os olhos e desejou estar em qualquer outro lugar naquele
momento. Mas não tinha como escapar, o homem se colocara a sua frente.
— Bill?
O rapaz a encarou e a expressão carrancuda do rosto dele se desfez ao
reconhecê-la:
— Mas não é possível! Sheila Hardy! Aposto como está aqui pelo mesmo
motivo que eu.
— Desde que isto não signifique brigar com os espanhóis.
— Minha querida Sheila!
— Meu querido Bill! — repetiu irônica.
Ele não estava acostumado com aquele tipo de atitude por parte dela,
e fitou-a com mais cuidado antes de continuar:
— Suponho que você veio para pintar? — disse ele.
— Também. Estou aqui para dar, aulas. Tenho um emprego de verão.
— Sim, isso é bem do seu feitio. Foi uma sorte consegui-lo. Estou feliz
por você ter se conscientizado de aquela sua exposição em Londres não
significava tanto assim.
Sheila teve uma sensação de mal-estar, a mesma que sempre sentia
quando estava perto de Bill.
— Eu acho que significou muito mais do que você pensa!
— Sheila, você não é tão boa assim. Acredite, é muito raro o talento nas
mulheres. Aquilo foi pura sorte, você não faria tanto sucesso uma segunda
vez!
— Muito obrigada!
Ele deu um sorriso que não mostrava mais nenhum calor ou afeição.
— As mulheres não foram destinadas a ser geniais. Não têm a
concentração nem a dedicação necessárias. . .
Antigamente, teria discutido com ele, pensou Sheila, e satisfeita
constatou que já não lhe importava o que Bill pensasse ou deixasse de
pensar.
— Vamos prestar atenção na procissão, está bem? — murmurou ela,
tentando mudar de assunto.
— É para isto que estamos aqui! — respondeu ele, rindo. — Troque de
lugar comigo. Não posso ver direito.
O hábito quase fez Sheila obedecer e isto a deixou furiosa. Ela se virou
brusca.
— E por que deveria?
— Porque quero pintar esta cena!

40 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— Só você?
Bill suspirou, como se estivesse tratando com os caprichos de uma
criança:
— Faça como quiser. Mas como aconteceu de você estar aqui com essa
boa aparência e descansada, enquanto eu, exausto e sujo da viagem, não
tenho sequer um lugar para dormir esta noite?
— Talvez porque eu organize minha vida melhor do que você —
respondeu Sheila, sem conseguir deixar de provocá-lo. — Como chegou
aqui?
— Consegui uma carona. E você?
— Vim com o meu patrão. Estamos hospedados na casa dos tios dele.
— Ótimo. Será que você consegue me levar, para jantar lá? Não como
nada desde ontem.
Sheila não sabia o que fazer. Não queria que ele a acompanhasse. Na
verdade, achava que não teria coragem de apresentá-lo como amigo em
nenhum lugar. Preferia ter evitado aquele encontro, mas era tarde demais.
— Pode me acompanhar. Se a dona da casa o convidar para jantar, você
fica.
— É justo.
O resto da tarde estava arruinado, ela desejara fazer parte daquela
multidão e deixar fluir as emoções com a mesma intensidade das outras
pessoas, entre a profusão de ruídos e as milhares de flores coloridas.
Porém, sentia-se tensa com aquele homem que nada mais representava
em sua vida, a não ser o incômodo de tê-lo ao lado numa ocasião como
aquela.
Queria ver as flores vermelhas quando o Judas passasse e participar da
euforia geral, mas a emoção coletiva não encontrava mais resposta nela.
Sentia-se inibida à passagem de cada um dos grupos. Não adiantava
insistir, perdera a oportunidade de vivenciar a essência dos sentimentos
espanhóis.
A procissão terminou e a multidão começou a se dispersar.
Sheila ainda tinha esperança de que Bill desistisse de ir com ela, mas
estava sem sorte. Ele colocou o braço ao redor da cintura dela de uma
maneira que parecia vulgar e familiar demais para os espanhóis, sempre
tão respeitosos.
Com um movimento rápido, afastou-se dele.
Mas Bill não desistiu e Sheila cedeu até que alcançaram a porta da casa,
quando então empurrou-o para o lado.
— Não acredito! — exclamou ele, enquanto Sheila lhe fazia um sinal para
entrar.
— Não se impressione. Tenho que trabalhar tanto quanto você.
— Mas é diferente para uma mulher.
Ele era tão inoportuno que Sheila começava a ficar de mau humor. Saiu
á procura de tia Inez, esperando que ela concordasse em conhecer Bill.
— Mas é claro, minha querida — respondeu ela amavelmente. — Onde
está seu amigo?

41 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila levou-o para o elegante salon onde a condessa o esperava. Quando


fez as apresentações, ficou envergonhada por trazer uma pessoa tão
desagradável àquela casa e ainda tendo de admitir que o conhecia bem.
Bill nunca podia ser comparado a Luís ou à família. Sheila riu de si
mesma. Será que ela estava se tornando esnobe?
Na hora do jantar, Adolfo foi ajudado por um criado e sentou-se numa
das cadeiras de espaldar alto, das quais tanto se orgulhava:
— Xerez, pequena'!
Sheila notou que ninguém bebia nada.
— Você não vai querer? — perguntou ela a tia Inez.
— Hoje não. É costume não beber na sexta-feira santa.
— Então também não quero.
— Você sempre tem de agradar os outros — disse Bill em voz baixa, e
olhou-a com ar de reprovação.
Sua aversão por Bill voltou. Encarou-o por longo tempo. Pela primeira vez
notou-lhe a aparência desleixada e, sem refletir, perguntou:
— Você tem conseguido vender suas telas nos últimos tempos?
— Muito poucas. E você?
Sheila fez um sinal afirmativo com a cabeça. Não podia deixar de
reconhecer a inveja nos olhos dele e não queria alimentar mais ainda
aquele sentimento.
Bill sempre tivera um temperamento difícil e ela não pretendia causar
uma cena na frente dos anfitriões.
Sheila suspirou e passou os olhos ao redor da ampla sala.
Quando entrara ali pela primeira vez, não conseguira imaginar como a
família podia se sentir confortável numa sala tão grande, com o chão frio
todo de mármore. Agora aceitava aquele costume tal como eles, sempre
descobrindo algum móvel antigo ou um objeto de valor que ainda não
notara. Sheila nem se importara com o fato de Bill ficar constrangido pela
mobília formal e pelos pilares tão altos e imponentes, que separavam
cada ambiente.
"Bem", pensou, "não lhe fará mal nenhum sentir o peso da influência de
outras pessoas, para variar, e principalmente por elas não darem nenhum
valor a tal poder". Sheila começara a amar as pessoas daquela casa pela
perspectiva que elas lhe deram da Espanha e de seu povo.
Naquele momento, Luís entrou vacilante. A camisa estava amarrada na
cintura e os vergões nos ombros eram assustadores.
O peito estava todo suado e as linhas do rosto mais profundas, devido ao
esforço e cansaço. Foi na direção de Sheila, como se não houvesse mais
ninguém na sala. O coração da garota quase parou quando ele a encarou
com firmeza.
— E você ainda quer me convencer de que tudo isso não lhe faz mal
algum? — provocou delicada, tentando controlar o desejo de acariciar-lhe
o peito nu e transmitir-lhe um pouco de conforto.
— Para mim ou para minha alma?
— E não é a mesma coisa?

42 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Ele se contraiu:
— Nunca tive certeza sobre isso. — E virou-se para dona Inez. — A que
horas vamos comer? Preciso tomar um banho antes e achar alguma
camisa folgada. Acho que o titio pode me emprestar uma. — Ele sorriu. —
Nunca me sinto tão inglês como neste dia do ano. E você, Sheila?
Ela retribuiu o sorriso:
— Estou seguindo o conselho que me deu. Vou parar de pensar tanto e
deixar as coisas acontecerem, sem interferir. Acho que conseguirei pintar
um quadro fantástico sobre tudo que vi hoje!
— Bom para você!
Luís tocou de leve na mão dela, que ficou trêmula de excitação e
aterrorizada por se sentir descontrolada com um simples toque. Deixou-se
ficar sentada, quieta, mas na verdade estava louca para correr atrás dele
quando o viu afastar-se em direção ao quarto.
— Acho que já entendi tudo — escarneceu Bill. — Eu devia ter
desconfiado que não era sua arte que a trouxe para tão longe!

CAPÍTULO VI

Bill não fez nenhum esforço para ser agradável com os anfitriões. Quando
estes se desculparam pelo jantar que fora simples por ser um dia de
abstinência, ele queixou-se em voz alta dizendo que não era católico e não
via sentido algum em deixar de comer carne.
A maioria dos empregados da casa tinha tido folga para assistir às
procissões, mas mesmo assim o serviço da mesa fora impecável. Porém,
Bill ainda aborreceu Adolfo, dizendo-lhe que deveria contratar tantas
pessoas quantas fossem necessárias para que sua vida corresse suave e
com a pompa que um palacete como aquele merecia.
Sheila ficou sem voz ao ouvir tais comentários, mas os outros não
deixaram transparecer que haviam ouvido algo impróprio.
O pior de tudo, entretanto, foi que ele não parou de falar sobre a pintura
de Sheila, depreciando sua obra com desdém,até que Luís não se conteve:
— De que exposições já participou, Bill?
— Geralmente dou apenas aulas.
— Talvez tenha tomado a decisão certa. . .
Bill se virou para ele de mau humor:
— E o que sabe a respeito disso? É preciso trabalhar muito para fazer
uma boa pintura moderna. É esta minha queixa sobre a exposição de
Sheila. Ela só o conseguiu devido à sua beleza e personalidade, e não por
sua habilidade como artista.
— Não concordo — interrompeu Luís. — Eu vendo muito bem minhas
telas, mas estou consciente de que Sheila é uma artista muito melhor do
que eu. Tudo o que lhe falta é um pouco mais de confiança. Ela ficou
muito tempo fazendo o papel de mera assistente de outros pintores ao
invés de se dedicar ao próprio trabalho, e agora está tendo dificuldades de

43 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

se afirmar, Não posso imaginar quem colocou tudo isso na cabeça dela.
Por acaso você sabe?
Bill sorriu com ar de superioridade:
— É isso que venho tentando explicar. Ela não teria freqüentado a escola
de artes se o pai dela não tivesse condições de pagar a mensalidade. Sheila
nunca conseguiria uma bolsa de estudos. As mulheres geralmente são
talentosas, mas o sucesso é reservado aos homens. Diga-me o nome de
alguma artista ou compositora que tenha ficado famosa. Não existe!
— Além de algumas escritoras famosas como Virgínia Woolf, poderia citar
ótimas artistas plásticas, como Artemisia Gentileschi, Angélica Hanffman,
Berthe Morisot, e mais recentemente Kathe Kollwitz, Barbara Hepworth,
Louise Nevebon. . . Talvez elas não tenham tido tanto sucesso quanto seus
colegas homens, mas sem dúvida foram excelentes artistas. Talvez alguns
fatores sociais, como o preconceito contra o trabalho da mulher, tão
presente em nossa sociedade, as impediram. . .
— Mas os homens também passam por dificuldades semelhantes e
muitos conseguem ultrapassá-las.
— Tem certeza? — retrucou Luís. — Até antes deste século é muito difícil
você encontrar algum artista de origem social humilde que tenha se
sobressaído nas artes. Não seria também uma forma de preconceito?
Foi Adolfo quem pôs um fim à discussão. Ele olhou carinhosamente para
a esposa e disse:
— Eu sempre achei que o homem e a mulher poderiam se complementar,
sem precisar estar sempre competindo. São duas metades de um ser
único. É claro que muitas das grandes obras do passado surgiram da
habilidade masculina. Mas posso imaginar as jovens da Pérsia e da
Turquia desenhando e tecendo seus tapetes, e ninguém duvidaria de que
eram obras de arte de fato. O que sei é que quando o valor das mulheres é
aceito da mesma maneira que o dos homens, aí sim surge algo realmente
grande. Sempre achei que este era o motivo do grande florescimento da
Grécia clássica, a Civilização Helênica, orientada pelos homens invadindo e
conquistando Greta e Micenas, sob orientação feminina. Quantas
maravilhas surgiram daquela união!
Tia Inez não escondia o riso irônico e Sheila invejou-a. Sua família teria
concordado com Bill, sempre fora assim.
Suspirou, imaginando como teria sido diferente se houvesse recebido
algum apoio de seus pais. Levantou o rosto e surpreendeu o olhar de Luís
sobre si. Ele a observava com olhos brilhantes e penetrantes. Embaraçada,
Sheila pigarreou e disse sincera:
— Tudo que sei é que desejo pintar, não importa quais sejam as
condições.
Bill se inclinou sobre a mesa para alcançar-lhe a mão e começou a
acariciar os dedos dela!
— Será um bom hobby para sua vida!
Sheila ficou pasma, pensando no que afinal achara de interessante nele
um dia. Mas isso não importava mais. Ela conhecera algo melhor e não

44 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

precisava que ninguém lhe dissesse como devia agir. Bill era um
empecilho no tipo de vida que escolhera para si.
Em seguida, Luís virou-se para ela, mas o olhar estava frio e distante:
— Se Sheila permitir que seu talento se transforme num mero
passatempo, seria realmente vergonhoso. Ela só precisa de tempo para
encontrar a própria identidade entre pessoas que a entendem. Pelo visto,
parece que nunca teve compreensão por parte de ninguém.
Era a pura verdade, pensou Sheila, já de volta à casa de campo de Luís
olhando para a tela vazia à sua frente no meio da varanda de seu ateliê.
Mas sabia que não mudara muita coisa, desde aquele dia. Não tinha
certeza do que queria alcançar. Talvez o melhor fosse possuir uma
felicidade tão simples e pura como ã de tia Inez.
Porém algo dentro dela pedia mais. Voltou a fitar a tela em branco sem
alcançar a concentração necessária. Uma leve dor no coração a deixava
inquieta.
— Pensei que estava se preparando para a chegada dos hóspedes,
amanhã.
Ela sorriu para Tiago, pensando em como os três irmãos eram gentis,
enquanto ele estava na varanda do ateliê.
— Estou pronta para qualquer coisa!
— E por que fica olhando para a tela vazia? — Sentou-se ao lado dela. —
Você nem disse que sentiu minha falta em Sevilha. É verdade, não é? O
que achou de lá?
— Bem, Luís quase se matou naquela procissão. . .
— Ele é um masoquista! Não tenha pena.
— Luís substituiu o sr. Adolfo. Se não fizesse isso, seu tio . .
— Tio Adolfo se aproveita da bondade alheia. O que você achou deles?
Sheila acomodou-se melhor na banqueta.
— Nunca encontrei alguém como seus tios. Espero que tenham gostado
de mim também.
E depois de uma pausa, continuou:
— Apesar de ter certeza de que eles não gostaram nada de um amigo meu
que encontrei na cidade. — Estava pensativa e desconfiava que Luís já
contara tudo sobre Bill aos irmãos.
— Era homem? Neste caso, não teriam gostado dele mesmo. Você merece
alguém muito especial.
Sheila mudou de assunto:
— Seu tio está muito doente, não é? Mas sua tia ainda é bastante ágil.
Ela deve ter a mesma idade dele.
Tiago sorriu divertido:
— Eles são mais velhos do que você possa imaginar. Você deveria ter
ouvido as histórias que minha mãe contava sobre a Guerra Civil
espanhola. Qualquer um que tenha sobrevivido àquela violência tem de
ser muito forte!
— Eu os admiro. E admiraria qualquer um que saísse ileso de uma
situação como a que a Espanha enfrentou nos anos negros. Li muito sobre

45 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

aquele período. Foi uma época terrível!


— Sim, mas a força e o gênio do povo conseguiram superar os longos
anos de ditadura. Meus tios, por exemplo, parecem ter fechado a porta do
passado e começado uma vida nova!
— Ter dinheiro e bens não é tudo na vida. Eles não tiveram filhos?
— Você é igual a Luís. Ele se sente responsável como se fosse filho deles.
Corre para Sevilha toda Semana Santa para participar das festividades só
porque meu tio gosta de ver a família representada na procissão. Eu não
me incomodaria se agisse assim por vontade própria, mas Luís o faz para
agradar o tio e não quebrar a tradição. Depois leva semanas para se
recuperar!
— Para Luís deve ter alguma importância, senão ficaria aqui —
acrescentou Sheila. — Você o faria?
— Disto estou livre! — negou rindo. — Sou o irmão do meio, mas nunca
faria essa loucura. Pablo é totalmente inglês e ninguém esperaria que ele o
fizesse. Pablo e eu não precisamos nos preocupar. Luís tem o senso do
dever para com a família, uma característica bem espanhola.
— Você não se importa, então?
— Enquanto algo estiver dando lucro, não me preocupo se é certo ou
errado. Você entende?
Sheila entendia muito bem a personalidade de Tiago, ele era um
comerciante nato.
— Está tudo pronto para a invasão de amanhã? — Sheila queria desviar
o assunto. Estava ansiosa para ter algo mais a fazer do que olhar para a
tela vazia, já que Bill arruinara sua intenção de pintar Sevilha.
— Acho que providenciamos o necessário.
— Quando chegarão?
— A tempo de almoçar. Luís será o anfitrião, enquanto nós ficaremos ao
redor fazendo de conta que não há nada mais importante em nossas vidas
do que estimular alguns amadores a pôr em prática um possível talento
escondido. É uma vida dura, não acha?
— As pessoas têm de começar um dia!
— Luís também pensa assim. Ele lhe explicou o que teremos de fazer?
Sheila balançou a cabeça em sinal negativo. Luís quase não falara com
ela desde a visita de Bill à casa dos tios dele.
"Espero que tenha melhor gosto para escolher namorados do que
amigos!", comentara ele, irônico.
Luís se desculpara logo depois, mas isso não fizera Sheila sentir-se nem
um pouco melhor. Ficara envergonhada de Bill e dela mesma. Como
resultado, os dois quase não se encontravam, apesar de ocuparem a
mesma casa.
A situação piorara quando, no dia seguinte, Luís a deixara sozinha,
saindo para cavalgar com sua amiga Manoela, uma mulher jovem e
atraente. Tia Inez lhe contara que ela estudava medicina.
Sheila vira quando Manoela passara uma pomada nas feridas das costas
de Luís. Os longos dedos trabalhavam com delicadeza e, pela primeira vez,

46 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila soube o que era ciúme. Quando a moça se fora, sentira-se insegura
e completamente desamparada. . .
Tiago apontou para a tela, tirando-a das amargas recordações:
— Perdeu a inspiração?
— Acho que sim. Não via a hora de começar a pintar enquanto observava
as procissões. Agora, quando nada me impede, perdi o ânimo.
Tiago olhou-a de soslaio:
— Luís tem algo a ver com isso?
— E por que deveria?
— Não sei. Você se altera toda vez que o nome dele é mencionado. Além
disso, não trocaram nenhuma palavra ontem à noite. Nem sequer se
olharam. Não era assim antes de vocês partirem para Sevilha. Até Pablo
notou.
— Não precisamos gostar um do outro. Sou uma mera professora
contratada.
— Foi isso o que ele disse?
— Não. São os meus amigos que ele desaprova. Talvez ele também não
me aprove! — acrescentou com provocação.
Tiago pareceu aliviado:
— Se é só este o problema, conseguiremos sobreviver por todo o verão.
Para ele era fácil, pensou Sheila, enquanto observava Tiago se afastar.
De longe, parecia-se muito com Luís, mas não era a mesma coisa quando
estava perto dela. Sheila tentara ser agradável na noite anterior, mas tudo
que sentia era tristeza, e não conseguira disfarçá-la por muito tempo.
Tiago tentara se aproximar com olhares lânguidos, porém logo desistira
quando notara que aquilo não levaria a nada. Ele flertaria com qualquer
mulher que lhe atravessasse o caminho. Não era justo. Luís só precisava
lançar-lhe um rápido olhar para que um leve tremor percorresse todo o
seu corpo. Como agüentaria passar o verão inteiro ao lado dele?
Ficou com tanta raiva daquela situação que resolveu tomar uma atitude.
A tela não poderia ficar branca para sempre. Colocou algumas tintas sobre
a paleta e começou a pintar com determinação.
Criou uma obra que só poderia ter sido feita por alguém de muito talento!
Soube então que Bill Diamond saíra de fato de sua vida, não precisava
mais provar nada. A própria obra demonstraria do que era capaz!
Nem notou quando o sol começou a se pôr. Só ao não conseguir
diferenciar o marrom do vermelho é que parou, afastando-se um pouco
para poder apreciar melhor o trabalho.
— Oh!
Sheila reconheceu a voz de Luís, virando-se furiosa para ele.
Seus olhos flamejavam de raiva.
— O que você quer? Faz tempo que está aqui?
— Esperava você acabar.
— Já não há luz suficiente, terei de deixar para amanhã. Detesto ver
uma tela inacabada. Sempre acho que não conseguirei terminá-la depois.
Você está me atrapalhando — acrescentou, ocupada em guardar suas

47 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

coisas.
— É mesmo? Nem cheguei perto de você!
Nem ela desejava uma aproximação. Mas mordeu o lábio e tentou não
pensar em quão agradável seria sentir as mãos dele acariciando-a. Por que
fora até lá? Não tinha nenhuma responsabilidade e nenhum motivo para
querer ajudá-la a sair daquela situação que ele mesmo provocara.
— Minhas telas são muito pesadas. Tenho medo de sujar a tinta molhada
se tentar removê-la. — Olhou-o ainda se perguntando qual o motivo de
aquele homem exercer tanta atração sobre ela.
— É uma indireta para que eu a ajude a carregá-la para dentro? — Luís
sorriu com um ar maroto.
Será que era isso? Sheila ficou paralisada, fora de si, olhando para a
tela.
— Não, não foi. Sempre fiz tudo sozinha. Não quero incomodá-lo.
— E acha que é tão forte quanto eu? Realmente acredita que não há
diferença entre nós?
— Não, é apenas porque as pessoas nunca se oferecem para me ajudar.
— Sheila estava séria ao constatar aquele fato real.
— Estudantes nunca são muito cavalheiros. — concordou Luís,
enquanto erguia a tela.
— Está se referindo a Bill?
Luís a encarou. Uma leve tensão surgira no rosto dele.
— Se você acha. . .
— Não! Você está sendo injusto com Bill. Ele é tão bom que o convidaram
para lecionar antes mesmo de terminar o curso!
— Isso não prova que seja um bom pintor!
Sheila fez um sinal em direção ao ateliê. Luís segurou o quadro com força
e entrou no ateliê com passos largos. Sheila desviou o olhar, pois a
energia daquele homem a deixava fascinada.
Temia perder a cabeça.
— Obrigada — disse sem fitá-lo, enquanto encostava a tela na parede.
Luís deu um passo para trás analisando a pintura.
— Bill não tem muito a ver com isto, não é verdade? — perguntou
triunfante.
— Bill não faz parte do cenário espanhol!
— Tem razão.
Luís não se mexeu, mas os pensamentos voaram:
— Suponho que ele fazia parte do seu mundo em Londres.
— Ele concordava com a opinião geral de que o melhor para mim era ser
uma boa assistente para o resto da vida.
— E estavam certos?
— Não!
Ninguém podia convencê-la. Na verdade, sabia que tinha mais do que
talento. Suas obras prometiam muito. Não importava a opinião alheia.
Tentara se conformar com o exemplo de Van Gogh, que nunca vendera
nenhuma tela enquanto vivera. Ser melhor que Van Gogh nisso não era

48 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

nenhum mérito, mas fora encorajador ter vendido quase tudo em sua
primeira exposição.
— Então por que não esquece todos eles e começa a ter uma vida
independente? Bill era assim tão maravilhoso que você não consegue
trabalhar sem pensar nele?
Sheila ficou chocada e deixou-se cair na cadeira mais próxima.
— Sempre achei que conseguia controlar a minha vida sozinha. O que o
faz pensar o contrário?
Luís continuou a olhar a tela. Sheila começou a se lembrar de como se
sentira quando ele a tomara nos braços e a beijara.
Parecera-lhe estar vivendo uma nova dimensão que nunca sonhara antes.
Sua imaginação começou a funcionar. . . Viu-se deitada na cama com
Luís, seu corpo colado ao dele, o contato desencadeando uma reação
intensa de desejo e procura. Como seria sentir as mãos dele sobre sua pele
nua? Suspirou profundo e tentou afastar aquela fantasia. Será que Luís
queria fazer amor com ela?
— Eu não sei — disse ele finalmente. — Quando olho suas telas, posso
sentir a violência de uma paixão e uma sede de viver intensa, só pelas
cores que você utiliza. Não acredito que tenha adquirido muita experiência
de vida até agora. Se não a conhecesse um pouco, suporia que você é tão
tímida quanto uma adolescente. Mas isso não importa.
— Pois para mim, sim!
— Sim? — Ele pareceu interessado. — Por que você perde seu tempo a
agradar gente como Bill?
Sheila ficou tão perdida que lhe contou a verdade:
— Bill é o tipo de pessoa que meu pai gosta e aprova.
— Mas você tinha de aceitar a opinião dele?
— As discussões na minha família me deixaram esgotada a ponto de não
conseguir mais trabalhar. — Falou rápido e, num suspiro desanimado,
terminou: — Era mais fácil concordar. . .
Luís se aproximou e ficou ao seu lado. Não queria levantar os olhos para
vê-lo e sentia-se intimidada pela situação. Envergonhada, fitou as
próprias mãos. Só quando percebeu que o nervosismo era mais do que
visível, desistiu de mostrar-se calma e deixou a raiva explodir:
— Vá embora!
Luís se inclinou e segurou-lhe as mãos. Sheila tentou tirá-las, mas ao
deparar com o olhar meigo dele e sentir seu contato quente e delicado,
deixou-se ficar e sentiu o corpo relaxar um pouco da enorme tensão.
— Bill foi seu namorado? — insistiu ele. — Quem você vai colocar no
lugar dele? Alguém que a leve até a lua, se for preciso, ou alguém que
tenha idéias medíocres a respeito de sua arte?
Um fraco sorriso apareceu no rosto de Sheila e, já mais calma,
perguntou irônica:
— Você está se candidatando?
— Talvez — respondeu, sentando-se ao lado dela.
— Por quê? — O tom de brincadeira sumira da voz. — Para me ajudar a

49 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

ser uma pintora melhor?


— Não. — Lançou-lhe um olhar divertido. — Você me atrai como mulher,
Sheila Hardy. Como pintora não precisa de nenhum tipo de ajuda.
Embaraçada, engoliu em seco. Depois tomou coragem para fazer a
pergunta que a incomodava desde a primeira vez em que ele insinuara
aquilo:
— Por que acha que eu preciso de ajuda? Não está sendo um pouco
presunçoso?
Luiz fez um gesto negativo com a cabeça. Sabia muito mais a respeito de
Sheila do que ela supunha.
Ela era incapaz de admitir a própria inexperiência e, quando acontecia
de interessar-se por alguém, não conseguia tomar nenhuma iniciativa.
Sempre vivera sozinha, sem se aproximar de ninguém para trocar
confidencias, nem mesmo da família. Naquele momento, sentiu-se uma
perfeita idiota:
— O que há de errado comigo?
— Nada. Você só está um pouco assustada. Mas isso vai passar quando
aprender a amar de verdade.
— Então acha que eu nunca amei Bill?
— E amou?
Ela parou para pensar, nunca se fizera essa pergunta.
— Não. . .
— Então pare de se torturar, pequena. Ele terá de prosseguir sozinho.
Talvez a pintura de Bill não seja tão ruim. Mas ele não é o tipo de homem
que serve para você.
— Ele é muito melhor professor do que eu! — ainda tentou defendê-lo.
— É porque aprendeu o necessário para lecionar.
— Seus tios não gostaram dele, não é?
— Só porque a criticou, querida. Ninguém teria se importado com ele se
não fosse por isso. Nós todos achamos que você merece coisa melhor.
Sheila ficou séria:
— Não sou melhor do que Bill. Além do mais ele me ensinou muita coisa!
Luís ficou sério, soltou as mãos dela e avisou:
— Não diga isso à tia Inez.
— Eu só estava falando da pintura — argumentou com dignidade.
Sheila achou a situação divertida, e um leve desejo brotou em seu corpo.
Ao ver que Luís se levantou em atitude agressiva, tentou segurá-lo pelo
braço, mas só conseguiu segurar a camisa.
Luís virou-se para ela, o rosto tenso.
— O que ele lhe ensinou além da pintura?
— Não muito — disse, insegura, e sentiu-se estranha ao perceber que ele
estava com ciúmes de Bill.
— Fico feliz por ouvir isto!
Sheila ainda segurava a camisa dele e soltou-a devagar, tentando
desamassá-la.
— Por que se importa comigo?

50 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Luís deu de ombros e sorriu.


— Pela mesma razão de você estar segurando minha camisa.
Se quer que eu a tire é só pedir, querida.
— Não seja presunçoso!
— Covarde!
— Não, não é verdade! — Reagiu rápida e mudou de assunto. — Fico
agradecida de você ter carregado a tela para mim. Mais alguma coisa?
— Eu poderia pensar em algo. . .
— Não, por favor!
— E ainda quer me dizer que não é covarde?
Sheila alisou a saia para ocupar as mãos.
— Não. Só consigo fazer uma coisa de cada vez. Agora estou ocupada
com meu trabalho, e logo terei as aulas com os hóspedes. Não tenho tempo
para mais nada!
— Você conseguiria achar se quisesse!
— Talvez, mas eu não quero!
Seria muito fácil para ele fazê-la mudar de idéia. Um simples beijo a
convenceria. Porém, era melhor não pensar nisso. Sheila sentia o sangue
ferver nas veias. O desejo a consumia. Não! Ela estava ali para trabalhar.
Além disso, a idéia de experimentar uma paixão a deixava assustada.
— Entendo — continuou ele. — Você não consegue esquecer Bill, não é?
— Oh! Deixe-me em paz!
Sem dar ouvidos a que ela pediu, ele se aproximou com calma.
— Algo a aborrece. Sou eu?
— É claro que não!
Luís colocou a mão sobre os ombros dela. Em seguida, pegou-lhe o
queixo e virou seu rosto de frente para ele. Sheila sabia que ainda tinha
chance de escapar mas nem tentou. O que acontecesse a partir daquele
instante, seria inevitável.
— Como pode preferir Bill? — Ele parecia um tanto perturbado.
— Por acaso você está com ciúmes? — Sheila tentou usar um tom
irônico, mas a voz saíra baixa e doce.
Ele a encarou com seriedade; deu-lhe um suave beijo na boca e,
afastando-se, disse:
— Pode deixar que darei um jeito nisso.
Sheila não respondeu. Ficou estarrecida quando ele saiu, batendo a
porta com força. Sentiu-se só e miserável. Sabia há muito tempo que era
um fracasso como mulher.

CAPÍTULO VII

Pela excitação de Mercedes, Sheila compreendeu que o grupo de turistas


que deveria ensinar havia chegado.
Tentou pela última vez remover uma mancha de tinta que caíra em sua
saia, sem muito entusiasmo. Detestava ser interrompida quando estava

51 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

trabalhando, ainda mais que tinha feito grande esforço para poder se
concentrar. Teria de abandonar todo aquele mundo de cores e voltar à
realidade. Por isto, estava muito séria quando saiu e "tomou seu lugar na
varanda ao lado de Tiago.
Não estava nem um pouco animada em conhecer aquelas pessoas, pois
sabia que a maioria delas tinha uma visão de arte que não combinava com
a dela.
O microônibus que levara o grupo do aeroporto até a casa tinha uma
faixa presa na parte lateral, trazendo o nome de Luís em letras grandes e
coloridas. Todos vestiam roupas demais para aquele clima e traziam
sacolas cheias de compras. Sheila começou a olhar cada um deles com
atenção, na esperança de encontrar pelo menos um ou dois com quem
pudesse fazer amizade.
Um homem, visivelmente entediado, estava de pé um pouco afastado
do grupo e mantinha o olhar distante. Ao contrário dos outros, que
falavam sem parar, ele não comprara nada na free shop do aeroporto. A
única coisa que trazia nas mãos era um estojo de pintura inteiramente
novo. Sheila teve vontade de rir. Aquele turista parecia tão perdido ali
quanto ela mesma!
As rápidas apresentações dos professores não foram ouvidas pela maioria
dos recém-chegados, e ficaram visivelmente aliviados ao receberem as
chaves dos quartos com Pablo. Atravessaram o pátio em direção à
escola todos juntos, tagarelando sem parar, menos aquele homem. Por
um momento, Sheila pensou que ele desistira, pois o viu caminhando
na direção do micro-ônibus. Mas logo ele voltou, trazendo uma jaqueta
elegante e de corte impecável.
— Quer que lhe mostre o caminho? — perguntou Sheila quando ele se
aproximou.
O homem olhou para ela e sem prestar muita atenção disse:
— Ainda não consegui entender o que estou fazendo aqui. De todas as
idéias que já tive, esta é a mais absurda! O que há de tão interessante
para se fazer num curso de iniciação à pintura em pleno verão?
— Talvez descubra um talento escondido dentro de si. — Ela sorriu. —
Estou aqui para lhe ensinar algo sobre pintura.
— Por Deus!
Sheila o fitou séria. Com certeza ele a tinha tomado por uma governanta
ou até mesmo como secretária. Mas teria mantido a elegância se não
visse do outro lado da varanda o riso irônico de Luís.
— Acredito saber mais de pintura do que o senhor. — Começava a ficar
irritada e a custo permanecia fria. — Alguma vez já prestou realmente
atenção numa pintura, sr. . .
— John Smith.
— Bem, ainda não me respondeu.
— Sinto muito desapontá-la, senhorita. Eu possuo vários quadros. É
mais fácil colecionar do que pintar, assim como acredito que deva ser mais
fácil dar aulas do que colocar-se na frente de uma tela em branco e criar

52 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

uma obra de arte.


Sheila recebeu o menosprezo como um elogio. Afinal, o que importava
para ela era a pintura, e não um grupo de alunos desinteressados.
— Sou Sheila Hardy, — Sorriu e estendeu a mão. — Eu não tinha
intenção de ofendê-lo.
— Acredito em você. Por favor, não se ofenda, mas por que é tão ferina?
— acrescentou com cuidado.
O ar zombeteiro nos olhos dele fez Sheila sorrir e contar a verdade:
— Porque não sou a governanta nem a secretária daqui. Aposto como
pensa que a primeira tarefa de uma mulher em qualquer lugar é
preparar o chá!
— Não no meu escritório!
— Tem certeza?
— Pode acreditar, srta. Hardy. Não contrato alguém para minha empresa
só para ficar fazendo chá. Mas eu a compreendo, eu era bem jovem
quando alcancei a posição que tenho agora, e fui obrigado a lutar muito
para conseguir que respeitassem minha pouca idade. Agora estão
quebrando a cabeça para resolver os problemas sem mim.
Os olhos dele brilharam, mas não havia nenhum sinal de felicidade
naquele rosto quando continuou:
— Minha esposa tomará conta de tudo se aparecer algum problema
sério. E ouça este conselho: nunca deixe ninguém perceber suas
fraquezas!
— Vocês trabalham juntos?
Ele esboçou um leve sorriso:
— Ela é o meu braço direito na empresa.
A confusão da chegada tinha se dispersado. Podia-se ouvir o murmúrio
das pessoas conversando nos dormitórios enquanto se trocavam. Logo
mais, ouviriam um discurso de boas-vindas preparado por Luís e também
um relato sobre as atividades que seriam desenvolvidas na temporada.
— Nunca imaginei que você fosse escolher John Smith como aluno
preferido — comentou Luís, enquanto esperavam pelos hóspedes na sala
preparada para a palestra.
Sheila ficou chocada com aquela observação:
— O que sabe sobre ele?
— É um grande empresário e está se recuperando de um ataque
cardíaco. A esposa não pôde vir com ele.
Será que essa última observação fora para avisá-la que John Smith era
casado?
Sheila ficou perturbada. Não estava acostumada a ser considerada uma
mulher fatal, capaz de seduzir um homem nos primeiros minutos de
conversa, muito menos um aluno.
— Eles trabalham juntos na indústria — comentou Sheila, pretensiosa.
— Agora que ele está fora, é a esposa quem cuida dos negócios.
— Então ele pode ficar descansado.
— Acho que não, ele me pareceu um pouco inseguro aqui. Está

53 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

acostumado a sair-se bem em tudo e teme não consegui-lo na pintura.


Além disso, está sozinho.
— Tenho certeza de que você dará um jeito nisso!
Sheila nem se dignou a responder. Tinha vontade apenas de voltar para
o quarto e continuar a pintar. Luís poderia fazer o discurso sozinho. Se
ele não estivesse pagando por seus serviços, teria escapado e só voltaria
depois de se sentir melhor. Caminharia até Tarifa e se sentaria em algum
café, junto da calçada. A cidade não era muito longe e um pouco de
exercício lhe faria bem.
Os hóspedes começaram a chegar, um ar solene nas faces por se
encontrarem novamente à frente de um professor. Dois ou três logo
acenderam cigarros com provocação, ignorando os avisos para não fumar.
Sheila esperava que Luís tomasse alguma providência, mas este não disse
uma palavra. A experiência lhe mostrara que qualquer atitude deveria vir
do próprio grupo. E não demorou muito para que fumantes e não-
fumantes se dividissem em dois subgrupos. Os fumantes sentaram-se
perto das janelas e tudo se resolveu.
O discurso de Luís foi uma grande revelação para Sheila. Na verdade,
antes não se preocupara muito em saber o que ele tinha em mente com a
escola. Era um emprego seguro e ficara satisfeita por consegui-lo, mesmo
que, aceitando aquela função, tivesse de interromper a única coisa que
desejava realmente fazer, isto é, pintar. Luís começou:
— É bem provável que alguns entre vocês sejam bons pintores; outros
nunca tentaram e, entre estes, muitos nem o desejam. Mas não é só para
pintar que estão aqui. Mas para abrir os olhos e aprender a sentir o
mundo que os rodeia. Peçam a uma criança para desenhar uma laranja.
Ela fará um círculo numa folha de papel e a pintará de laranja. Mas se
vocês observarem com cuidado uma laranja, notarão que não se
restringe a essa cor. As sombras são de cores bem diferentes, às vezes
verdes, outras marrons. Existem ainda várias tonalidades de laranja. E
é só observando que se poderá descobrir. Por isso, a primeira coisa que
farão aqui é aprender a enxergar.
Luís passou o olhar pela sala e, ao encontrar o de Sheila, sorriu antes
de continuar:
— Mas vocês não precisam estar aqui só para isso. Há várias escolas na
Inglaterra, e muito boas. A outra razão de terem vindo é para conhecerem
algo da tradicional pintura espanhola. Há uma luz diferente aqui, assim
como a maneira de ver as coisas também é muito particular. Artistas
nascidos e criados na Espanha refletem essas diferenças de visão do
mundo. Quando voltarem para casa e tiverem entendido o que alguns
deles, não todos, queriam transmitir, poderão ter certeza de que gastaram
seu tempo e dinheiro de maneira certa.
A platéia mantinha-se atenta e visivelmente satisfeita. Luís retomou
fôlego e prosseguiu:
— A arte espanhola é imediata, intuitiva, emocional. É cheia de vida, cor
e movimento. Numa das primeiras aulas, irei comparar uma pintura típica

54 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

espanhola com uma holandesa sobre o mesmo tema. Poderíamos muito


bem comparar Goya a um pintor contemporâneo inglês, Reynolds por
exemplo, mas prefiro abordar a escola flamenga no momento, pois
nenhuma outra é considerada tão meticulosa nos detalhes. Eles devem ter
levado anos para conseguir aquelas texturas. A pintura na Espanha, no
entanto, é feita com rapidez. Possui uma luminosidade e intensidade
sem tamanho. Não é muito precisa, porém parece viva. Há poucas
pinturas que reflitam maior paixão pela vida.
Luís riu subitamente, e toda a expressão do rosto se transformou ao
advertir:
— Muito cuidado, senhoras e senhores. Estas duas semanas aqui
mudarão suas vidas. Todos os seus planos prefixados irão por água abaixo
pelo entusiasmo de viver com intensidade, sem se importar com as
conseqüências. Isto é a Espanha!
Luís conseguira prender a atenção dos ouvintes. Sheila ficou atônita. Não
achava que seria possível encontrar um objetivo comum entre pessoas
tão diferentes, e ainda por cima em tão poucas palavras. Teve vontade de
assistir às aulas dele também, pois descobrira uma nova visão do mundo
e queria saber mais.
Luís conseguira captar todo o caráter espanhol naquele discurso,
revelando muito mais sobre si mesmo do que em todo o tempo que
passaram juntos. Quanto daquilo tudo que ele falava não era direcionado
só para Sheila?
Ela escutou seu nome e deu um passo à frente. Chegara a hora dela se
apresentar. John Smith tentou disfarçar um sorriso, e a maioria das
mulheres parecia desapontada ao descobrir que Luís não era o único a
dar aulas.
— A srta. Hardy foi escolhida pela experiência e bom gosto no uso das
cores e texturas. O trabalho dela, se tiverem sorte de conhecer, pode
parecer difícil de compreender no começo, mas acreditem, a impressão
que ele causa ficará com vocês para sempre, mesmo que já tenham
esquecido as obras de pintores bem mais conhecidos.
Sheila ficou assombrada. O que Luís sabia sobre seu trabalho?
Olhou para Tiago em busca de auxílio, mas este sacudiu a cabeça,
negando qualquer cumplicidade.
Mesmo assim, ela aproximou-se determinada a esclarecer a questão e
perguntou em voz baixa:
— Mas não foi você que viu minha exposição em Londres?
— Luís às vezes também viaja. Além disso, não sou babá dele.
— Mas ele nunca vai à Inglaterra!
— Claro que vai! Nosso pai vive lá. Luís gosta muito dele.
— É mesmo...
Um casal sentado perto deles fez sinal para que se calassem.
Só havia uma pessoa que eles queriam ouvir. E era Luís!
— Perdão — sussurrou Sheila.
Luís virou-se em sua direção. Os olhos estavam mais verdes do que

55 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

nunca e tinham um brilho intenso.


— Se tem algo a dizer, srta. Hardy, talvez possa falar a todos nós.
Sheila tentou lembrar-se de tudo que já lera sobre a pintura espanhola,
mas não havia nada a acrescentar. A mente parecia uma tela em branco...
— E então, srta. Hardy? — insistiu Luís.
Sheila corou, sentiu uma vontade imensa de sair correndo dali. Mas,
em seguida, ergueu o queixo. Mostraria a Luís que era muito mais corajosa
do que ele imaginava. Não permitiria que a fizesse passar por uma
situação ridícula em público. Não ela!
Sheila tossiu e endireitou o corpo antes de iniciar sua exposição.
— Vamos deixar de lado o período após o Tratado de Utrecht? Com
uma dinastia francesa governando a Espanha, a arte foi tão arruinada
quanto a política. Havia muito pouco do temperamento espanhol nas
pinturas durante todo 0 período. Ela lançou-lhe um olhar provocante,
esperando que Luís contra-argumentasse.
— Vou ignorar esse período — concordou ele. — A arte oficial não
passava de uma imitação da francesa.
— Exatamente. — Os olhos de Sheila tinham um brilho triunfante.
— O melhor é conhecer essa fase da pintura diretamente na França. No
entanto, se você quiser falar sobre ela, não vou interferir. Mas quinze
dias não são suficientes para discutir toda a arte espanhola.
O ar de vitória desapareceu do rosto de Sheila, que desejou sumir.
Porém, não podia deixar o assunto pela metade.
— Eu não aprecio muito Vanloo, Houasse e Ranc, mas eles pintaram
bastante, e são grandes representantes da época.
— É verdade.
Sheila pensou em como poderia acabar com aquela discussão que ela
mesma começara:
— Bem, pelo menos os mencionamos. Poderemos fazer um salto na
história até o século XX. Picasso, Gris e Miro são muito mais
emocionantes.
Luís começou a rir:
— Mais alguém?
Ela mordeu o lábio pensativa até que uma idéia lhe ocorreu.
Sorriu docemente para Luís e anunciou em tom solene:
— Sim, existe mais um: Luís Kirkpatrick! Mas não tenho certeza se
você se considera um artista espanhol ou inglês. . .
Os alunos permaneceram quietos, ninguém duvidou da sinceridade
daquela afirmação. Olhavam fixamente para Luís à espera da resposta.
— Eu venho dos dois países. Além do mais, não sou tão original quanto
os outros. — Ele não parecia embaraçado com a questão. — Acho que não
vamos desperdiçar nosso tempo com Luís Kirkpatrick!
Sheila começou a imaginar se aquelas pessoas começariam a cercá-lo
o dia inteiro, implorando para que ele lhes vendesse algum quadro. Seria
um souvenir esplêndido. Se isso acontecesse, Luís odiaria cada minuto,
pensou satisfeita.

56 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Logo depois, o anfitrião convidou a todos para tomar um drinque. Tiago


aproximou-se de Sheila com um sorriso irônico.
— Luís não consegue parar de provocá-la, não é? Ele sempre tem essa
atitude. — Fitou o grupo já distante. — Você sabe quem é esse John
Smith?
— Por que pergunta? Faz alguma diferença?
— Dinheiro sempre ajuda! Se ele realmente tem muito dinheiro, ainda
poderá ser útil.
Ela lançou-lhe um olhar reprovador.
— Você às vezes é muito radical! — continuou Tiago.
— Isto é problema meu!
— Não fique furiosa. — Com um movimento de cabeça, indicou alguém
que se aproximava. — Lá vem John Smith a seu encontro. Você tem sorte,
aproveite para conversar um pouco com ele.
Sheila estava exausta quando conseguiu finalmente escapar para o
quarto. Fora uma longa tarde; todos lhe pediam informações sobre Luís e
sua família. Alguns tinham intenção séria de aprender alguma coisa, mas
a maioria não.
Mais da metade viera porque ouvira falar a respeito de Luís Kirkpatrick, e
queria ter o prazer de poder contar aos amigos que estivera na casa dele.
Os mais jovens só lamentaram o fato de a casa não ser à beira-mar. Mas
como as praias não ficavam muito longe, poderiam sair logo cedo a fim de
aproveitar o sol.
John Smith era um caso particular.
Enquanto ficaram juntos, aproveitara para contar a Sheila tudo sobre a
doença e o quanto a esposa era maravilhosa, achando correta a decisão
dela de não visitá-lo. Ele tinha certeza de que a separação não interferiria
no entendimento perfeito que possuíam. Talvez fosse possível, Sheila
pensou, porém não gostara da descrição da sra. Smith. Podia até ser um
fenômeno para os negócios, mas parecia não ter um pingo de sentimento.
Depois do jantar, Sheila deixou a sala em direção ao quarto.
Pela janela aberta entrava o ar fresco, era uma noite encantadora: A lua
cheia envolvia as montanhas com uma luz misteriosa. Sentiu vontade
de seguir uma das trilhas que levavam para as montanhas e de onde se
podia avistar o mar.
— E por que não? — murmurou.
Animada, colocou sapatos confortáveis e saiu por uma das portas
laterais da casa, afastando-se rápida para que ninguém a visse.
Seguiu por um caminho estreito durante algum tempo até chegar a
um lugar onde as rochas formavam um platô. Resolveu descansar um
pouco para recuperar o fôlego e depois continuar a escalada. Se fosse
durante o dia, poderia ver a costa da África.
Precisava falar disso em suas aulas, pensou, pois a proximidade entre a
África e a Espanha era fundamental. Os árabes que conquistaram e
viveram na Espanha por centenas de anos, deixaram marcas profundas
na cultura espanhola, principalmente na arquitetura e nas artes. Havia

57 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

tantos lugares para conhecer! Talvez não tivesse tempo de visitar Granada
e Córdoba, e até o posto avançado do império inglês, Gibraltar, a deixava
curiosa.
De repente, escutou patas de cavalo se aproximando. Sheila tinha medo.
Eram animais tão grandes! Além disso, jamais poderia esquecer a cena
que um dia presenciara, quando uma criança caíra de um deles mas o pé
ficara preso no estribo e fora arrastada por alguns metros.
Levantou-se prestes a fugir, mas o animal já alcançara o platô.
Apesar do pavor, conseguiu admirar a bela figura que formavam o cavalo
e seu cavaleiro. À luz do luar, pareciam magníficos. O cavalo parou agitado
quando notou a presença dela.
Sheila estremeceu.
— O que está fazendo aqui? — perguntou Luís.
— Só queria respirar um pouco de ar fresco.
— Onde está John Smith?
— Como vou saber?
Luís relaxou os ombros e inclinou-se na sela. Sheila tremia de medo e
deu um passo para trás.
— O que está havendo? — Ele estranhou a reação dela. — O que você
está tentando esconder?
— Nada...
Ele desmontou e colocou as mãos sobre os ombros de Sheila, impedindo-
a de fugir.
— Mas você está tremendo! Não está com medo de mim, não é?
— Do cavalo — sussurrou ela. Podia ouvir as rédeas rangendo quando o
animal se movia. — Está tudo bem?
— Comigo sim; e com você?
— Desde que ele não resolva me derrubar. . .
Sheila sabia que estava sendo ridícula, mas preferia ficar longe do cavalo,
de maneira que pudesse observá-lo.
— Ele não lhe fará mal algum — assegurou Luís, abafando o riso. — Cães
e cavalos são os animais mais amistosos que existem.
— Eu gosto de cães.
Na verdade, ela nunca chegara muito perto de um deles, mas Luís não
precisava saber disso. Era normal que as pessoas gostassem de algum
animal. E era óbvio que ele os adorava. Luís podia se dar bem com todo
mundo, ela pensou.
— Venha, vou levá-la para um passeio a cavalo. Morando em Londres,
não deve ter muitas oportunidades. . .
— A rainha possui centenas de cavalos no centro de Londres —
interrompeu ela.
— Foi esta sua única aproximação com cavalos? Você nunca chegou
perto de um?
— Não, nunca.
Ela não sabia explicar como, mas enfim cedera. Luís ajudou-a a montar,
colocou-se às suas costas e passou o braço na cintura dela, segurando-a

58 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

firme contra o peito.


— Está vendo? Não é tão ruim assim.
Era terrível, não somente por estar na sela de um cavalo, mas por ter
um homem tão perto de si. Sentia os músculos dele vibrarem e não
conseguiu deixar de pensar nos carinhos que haviam trocado
anteriormente.
O braço de Luís sobre seu estômago a deixava quase sem ar.
— Ele está batendo as patas! — gritou assustada.
Sheila sentiu o hálito quente de Luís em sua orelha:
— Assim que passarmos estas pedras, poderemos galopar. Está pronta?
— Não! Luís, estou com medo. Você se importa se pararmos um pouco?
Ele apertou-a com mais força contra o próprio corpo para dar-lhe
segurança, mas Sheila tentou se soltar. Estavam próximos demais e era
uma intimidade que ela queria evitar.
— Se continuar a se mexer, não poderei evitar as conseqüências ... —
sussurrou ele a seu ouvido.
Surpresa pelo que acabara de ouvir e apavorada com a velocidade do
galope, ficou estática e conseguiu esquecer o corpo daquele homem colado
ao seu, mas foi apenas por um momento. Ainda que não se movesse,
sentia Luís abraçando-a e sua imaginação, alimentada por aquele contato,
não parava de trabalhar em fantasias de amor e desejo. Depois de algum
tempo, a beleza e a fascinação do passeio suplantaram todo o medo.
O cavalo corria leve pelas colinas em direção ao mar.
Luís puxou as rédeas e o animal parou. Ficaram em silêncio por algum
tempo, apreciando a vista à frente.
— Posso ensiná-la a cavalgar, querida?
Ela balançou a cabeça, desolada por não ter coragem suficiente para
aceitar a oferta. Seria ótimo sair com ele, andar a cavalo, parar junto ao
mar prateado, ser abraçada. . . Sheila suspirou. Nunca sentira tantas
emoções com nenhum outro homem.
Luís a ergueu da sela e colocou-a de volta ao chão. O cavalo não a
preocupava mais. Porém, não podia dizer o mesmo de Luís.
— Você não se sente tentada? — perguntou ele, ainda montado.
Ela negou novamente enquanto procurava uma boa desculpa, mais para
si mesma do que para ele:
— Se começar a ter aula de equitação, quando vou trabalhar? Ainda nem
sei quanto tempo as aulas vão me tomar! Será que o dia inteiro?
— Às vezes. Os grupos costumam estabelecer seus próprios horários.
Depois, a maioria não leva o curso tão a sério.
— Mas John Smith, sim.
— Talvez tenha razão. Pensei que ele tivesse vindo com você esta noite.
— É por isso que veio até aqui? — Para Sheila, todo o encanto do passeio
desapareceu.
— John Smith sabe tão pouco da vida quanto você. — Luís lançou-lhe
um olhar sedutor. — Ele não serve para você, Sheila.
Não precisava que ninguém lhe dissesse isso, ela pensou. Todos pareciam

59 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

muito preocupados em aconselhá-la como deveria agir.


— Bem, agora que já descobriu que ele não serve para mim, por que não
vai embora? — Estava tão furiosa que não percebera a verdadeira intenção
dele.
— Se tivesse encontrado aquele sujeito aqui com você, eu o mandaria
embora hoje mesmo — disse com voz forte. — O luar foi inventado para
os amantes, ele nunca poderá amá-la de verdade.
— É mesmo? Eu namoro, quem eu quiser!
— Mas não enquanto estiver trabalhando!
— Não estou trabalhando agora!
Sheila teve de sair da trilha quando ele desmontou. Por que ela não
aprendia a calar a boca? Sheila viu o cavalo se afastar depois de Luís tê-
lo mandado embora e ficou com o coração na mão.
— Ele consegue achar o caminho sozinho? — perguntou nervosa.
— Sim, minha querida.
Sheila sentiu um arrepio percorrer-lhe toda a espinha.
— Ainda bem — balbuciou. — Você não é tão imponente sem o cavalo
— acrescentou, querendo perturbá-lo da mesma maneira que ele fizera.
— Não mesmo? Por que não se aproxima mais e descobre?
Sheila lançou-lhe um olhar frio, achando que seria o suficiente para
convencê-lo a deixá-la em paz, mas esqueceu que a noite estava muito
escura e não se enxergava direito. Virou-se de costas, mas achou que
não adiantaria nada deixá-lo ali e voltar para casa. Ele provavelmente a
seguiria.
— Como pode ser tão insensível? — Luís segurou-lhe o braço e passou
na frente dela.
— Me defendo como posso.
— Todos têm direito a relaxar, às vezes.
Uma nuvem passou e cobriu a lua; deixando-os numa escuridão
absoluta. Quando a luz fraca voltou, seu brilho prateado se refletiu nos
cabelos escuros de Luís, as feições dele pareciam ainda mais misteriosas.
Sheila tremia de excitação e não fez nenhum movimento para resistir ao
sentir a boca dele sobre a sua. Um prazer inesperado tomou o lugar de
toda a tensão. Aconchegou-se ao corpo daquele homem e se entregou por
completo ao beijo. Naquele momento teve certeza de que, durante toda a
sua vida, procurara por ele.
Luís acariciava suas costas e Sheila sentiu os lábios dele percorrerem o
pescoço, descendo e insinuando-se pelo decote da blusa. Ela enfiou os
dedos por entre os cabelos dele e fechou os olhos, esquecendo-se de tudo.
Repentinamente, Luís estremeceu e afastou-se impulsivamente.
— É melhor voltamos — disse num tom amargo.
O choque fez Sheila perder o equilíbrio, sendo forçada a segurar-se nele
para não cair.
— Sim. . . — Ela tentava recompor-se. — É melhor.
Sheila controlou as lágrimas. Só queria ficar sozinha, o mais longe
possível de Luís Kirkpatrick!

60 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

CAPÍTULO VIII

John Smith contou para Sheila que a esposa tinha viajado para a
América a negócios. Sheila não conseguia entender por que aquela mulher
cruzava o oceano para resolver assuntos da empresa e não podia ir até a
Espanha para ver como passava o marido. Quanto mais argumentos
ouvia sobre a ausência da sra. Smith, menos vontade tinha de conhecê-la.
Apesar do estojo de pintura novo em folha, John Smith ainda não
esboçara nenhuma das paisagens que Sheila indicara para o grupo.
Passava o tempo todo lendo a seção de finanças no Times londrino, não
se importando com o fato de o jornal ter a data de dois dias atrás. Ele
assistira a todas as aulas de Sheila e de Luís, mas ela suspeitava de que
não ouvia uma palavra do que diziam. Ficava com os olhos fixos neles,
mas, com certeza, os pensamentos estavam em outro lugar.
Para animá-lo um pouco, Sheila convidou-o uma tarde para visitar Tarifa,
a cidade mais próxima. Um súbito interesse surgiu no rosto dele:
— É uma antiga cidade moura. Você está procurando outra paisagem
para pintarmos?
— Não. Só, quero sentar num café e descansar um pouco, vendo o
mundo passar. Nem quero pensar em pintura!
Era ela que estava falando? Sheila se surpreendeu consigo mesma.
Desde quando queria conversar sobre outra coisa que não fosse
pintura?. . . Depois de conhecer Luís, nos últimos dias percebera nela
uma tendência de ficar sentada em algum canto sonhando com ele.
Não, não podia aprovar tal coisa. Sempre desejara ter tantas horas
vagas para pintar como conseguira naquela temporada, mas tudo que
fazia era desperdiçar o precioso tempo. Se isso continuasse, chegaria ao
fim do verão sem ter produzido uma obra sequer.
— É um direito seu — respondeu ele. — Mas acho que você também não
teria nenhum interesse em falar de ações e fundos de investimento ou
algo parecido.
— Realmente, não.
— Já temia por isso. — John suspirou desanimado.
Após alguns segundos de silêncio, o rosto dele se iluminou.
— Que tal falarmos sobre compra e venda de arte moderna? Isto deveria
interessá-la. Nunca se deve comprar uma tela sem considerar o valor de
revenda!
— É assim que você faz? — Sheila sorriu divertida.
— Sempre. Você deveria visitar a sede de nossa empresa; um dia. Alguns
dos melhores exemplos da pintura moderna britânica estão lá, expostos
ao público.
Era um bom assunto, sobre o qual poderiam discutir amigavelmente.
Sheila descobriu que aquele homem tinha surpreendente conhecimento
sobre as tendências da pintura atual. Conhecia os artistas que vendiam e
os que não. Sucesso era ter dinheiro no banco, segundo ele. O pobre
61 Livros Corações – Projeto Revisoras
Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Van Gogh não teria tido nenhuma chance com ele!


John Smith não parecia nada à vontade quando chegaram a Tarifa,
depois de passarem pelo arco em forma de ferradura que levava até o
centro. Sheila fez de conta que não tinha percebido, mas sabia que ele se
sentia um estranho ali. Aquelas ruas estreitas, as casas típicas e muito
antigas não tinham nenhum valor para ele.
Sua única diversão foi calcular quanto o turismo local poderia trazer à
cidade. Sheila não sabia de onde John tirava aqueles valores, pois vira
poucos turistas na região. Só a partir de Sevilha é que o movimento
crescia.
Quase todas as ruas de Tarifa levavam para a Igreja de São Mateus,
construída sobre as ruínas de um velho mosteiro, e eles foram até ela.
São Mateus fora escolhido como padroeiro da cidade, pois foi em seu
dia que Sancho IV finalmente conseguiu tomar Tarifa dos mouros, em
1292. A igreja era famosa por guardar uma tabuleta que pertencera aos
visigodos e que fora descoberta em 647 numa colina a cinco quilômetros
de distância dali, por um padre da paróquia.
— Ela está dependurada na sacristia — explicou Sheila a John Smith.
— Nunca ouvi nada sobre eles.
O interesse dele pelos visigodos era restrito.
— Mas é claro que sim! Você já deve ter ouvido falar dos godos também.
Mas eles não viveram na mesma época, como está retratado nesta, pintura
— explicou Sheila, enquanto olhavam os afrescos da Igreja.
— Conte-me mais sobre eles.
— É tudo que sei — admitiu, frustrada.
Sheila sabia que o interesse dele não era assim tão grande, mas sentiu-
se na obrigação de saber mais. Este era o problema em dar aulas, pensou.
Achava que tinha de conhecer mais que os outros para poder passar as
informações.
— Pensei que íamos tomar um café. — John demonstrava uma vontade
imensa de sair da igreja.
— Você não quer conhecer o castelo?
— Não.
Sheila não desistiu e consultou o guia:
— Foi construído por Abderrahman III e fortificado em 960.
— Por que motivo?
— Para impedir que as vítimas do Egito passassem por aqui e
ocupassem as terras mais ao norte.
— Rotas de comércio! — interrompeu-a John repentinamente, parecendo
menos aborrecido que alguns minutos antes. — As pessoas riem de nós,
homens de negócios, mas ainda estaríamos na pré-história sem o
comércio. É o mesmo que acontece com as rotas aéreas hoje em dia. Todas
seguem os principais centros comerciais do mundo. E este deveria ser um
importante caminho para toda a Europa naquela época.
— Acho que sim.
Sheila nunca encarara o mundo dos negócios com muito entusiasmo e

62 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

resolveu mudar de assunto. Escolheu um café pequeno e acolhedor, com


mesas na calçada.
— Minha esposa e eu fazíamos isso durante nossa viagem de lua-de-mel
a Paris. — contou John. — Mas nenhum de nós conseguia pensar em
algo para dizer.
— Sentindo falta do escritório? — provocou Sheila. Sentou-se na
cadeira que ele puxara e viu-o ocupar o lugar a seu lado.
— Não suporto ficar longe do trabalho. Irei para casa na próxima
semana, quer ela queira quer não!
— Espero que esteja se sentindo melhor.
— Estou aborrecido. Você também não ficaria, se algo a afastasse da
sua pintura?
— Não sei. Eu estava decidida a pintar hoje. — E dando de ombros,
continuou: — Não consigo me concentrar em nada.
Estou muito confusa.
John Smith balançou a cabeça e, sem olhar para ela, comentou:
— Você está apaixonada por Luís Kirkpatrick.
— Não, não estou!
— Mesmo se quiser, não consegue disfarçar. Estive observando-a. Você
deixa a vida nas mãos da sorte. Em negócios, não se pode esperar as
coisas acontecerem. Se realmente deseja Luís, deve deixar isso claro para
ele. Estes dias, ele nos mostrou uma tela sua. Ele a acha maravilhosa.
Mas eu não saberia o que fazer com um quadro daqueles, era pura
emoção. . . Por que não utiliza um pouco dessa paixão para conhecê-lo
melhor?
Sheila ficou estarrecida. Será que os outros também teriam notado? Ou
só ele?
— Que quadro ele mostrou? — conseguiu perguntar finalmente e, ao ver
a expressão de espanto no rosto de John Smith, completou: — Não sabia
que ele possuía uma pintura minha e não faço idéia de onde a conseguiu.
— Você parece gostar de telas grandes, não é? — Ele riu. — Esta era
imensa, com uns dois metros de altura. Eu não achei que você a tivesse
pintado na Espanha. As cores não são as mesmas aqui. Eram tons
verdes e azuis. Fazia pensar numa catarata.
Sheila estremeceu:
— Uma catarata?
— Também poderia ter sido um clarão de luz. Quanto você consegue por
uma tela dessas?
— Eu. . . — Sheila tentou se recuperar da surpresa — consegui dois
milhões.
— Não está mal para uma iniciante!
— Mas não fui eu quem decidiu o preço.
Sheila nem tentou evitar a mão dele quando esta tocou a sua.
John Smith não tinha segundas intenções com esse gesto, e ela
necessitava de consolo.
— Minha esposa fez investigações a seu respeito — continuou ele. —

63 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Contaram para ela que você era brilhante. Às vezes eu gostaria de


entender mais sobre arte. Notei que as pessoas mais sensíveis do grupo
ficaram, emocionadas com a pintura. Minha mulher quer comprar uma
tela sua. Ela diz que valerá seu peso em ouro dentro de alguns anos.
— Por que não compra uma obra de Luís?
— Cheguei à conclusão que você é mais genial. Ele mesmo admitiu.
— Não lembro de ele ter me chamado de gênio...
— Não, mas ele comprou aquela tela sua. Avise-me quando você voltar à
Inglaterra. Minha esposa e eu gostaríamos de recebê-la para jantar.
Poderemos discutir seu trabalho na ocasião.
Sheila ficou impressionada por não ter ficado nada animada.
Que melhor oferta poderia receber? Tentou sorrir.
— Obrigada, John. Eu adoraria.
— E pode se preparar desde já. Penélope fará com que um especialista
esteja presente ao encontro. Ela acredita muito mais num bom
investimento do que eu!
O casamento perfeito, pensou Sheila. Pelo menos aparentemente. Mas
onde ficavam a afeição e o carinho naquela união?
Será que os dois só se conheciam atrás de uma escrivaninha?
— O que você faz quando não está trabalhando, John?
— Eu nunca paro de trabalhar! Se alguma vez tivesse aprendido a
relaxar e descansar de vez em quando, não estaria agora aqui com você e
muito menos na Espanha me recuperando de um enfarte. Mas nós dois
somos pessoas obcecadas, e por isso nos damos tão bem. Por falar nisso,
Luís não conversa mais comigo, depois que percebeu que você e eu nos
tornamos amigos. . .
Luís fizera isso? Sheila sentiu o coração mais leve. Os raios de sol
clareavam toda a rua e as pessoas, repentinamente, pareciam mais
bonitos e interessantes de se ver.
Algumas crianças brincavam na esquina, fazendo de conta que eram
toureiros, enquanto os outros ficavam em volta batendo palmas. Dois
rapazes de calças pretas justas e sapatos com saltos dos dançarinos de
flamenco pararam e gritaram "olé", sabendo que três garotas os
observavam de uma sacada próxima.
Sheila acabou o café, com pressa de chegar logo em casa.
Um velho tentou lhe vender um bilhete para o último sorteio da loteria.
Sheila estendeu algumas pesetas, louca para ir embora.
— Perderemos o ônibus se não nos apressarmos! — disse ela, forçando
John a acompanhá-la.
— Isso tem importância? — perguntou fatigado.
Ela não respondeu, mas caminhou rapidamente, com um sorriso nos
lábios.

Sheila passou a espátula na tinta grossa que pusera na paleta e espalhou


sobre a tela com cuidado. Sim, ela pensou, toda a emoção estava presente
ali, exatamente como ela vivenciara em Sevilha. Por fim, o trabalho

64 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

começara a progredir. Chegou a pensar que nunca acabaria aquela tela.


Se não sofresse mais nenhuma interrupção até conseguir dar as formas
principais à pintura, esta seria uma das mais belas telas que já fizera.
Sheila alcançava a parte superior da tela com dificuldade.
Teria de arranjar um banco ou coisa parecida. Irritada por ter de
interromper o trabalho, jogou a espátula para longe e saiu para pegar o
banquinho que vira na varanda.
— Ei, você! Pode me dar um minuto? — Luís observara a cena à distância
e se aproximou.
— Agora não! — Sheila pegou o banco e entrou.
Luís seguiu-a até o ateliê, parando na frente da tela com a cabeça um
pouco inclinada para apreciar melhor.
— Ainda não acabei — murmurou ela.
— Eu sei.
A tensão crescia entre os dois. Sheila não conseguia mais esperar
para saber o que Luís achava da pintura. Mesmo que rendo persuadir-se
de que a opinião dele não significava nada para ela, sabia que não era
verdade.
— Quem a ajudou a pendurar a tela? — perguntou ele.
— Ninguém. Fiz tudo sozinha.
— Pensei que John a tivesse ajudado.
Sheila lançou-lhe um olhar furioso:
— Eu não preciso de ninguém. Além do mais, John só pensa em voltar
para o trabalho dele na Inglaterra. Já está contando os dias!
— Na certa você fez tudo que pôde para entretê-lo. . .
— O que está querendo insinuar?
— Ele tem dinheiro, Sheila. Muito dinheiro! E você sabe disso. Já falou
sobre comprar uma tela sua?
— Não. John não compra nada sozinho. A esposa e o consultor de arte
têm de ter certeza que qualquer obra adquirida irá se valorizar e ter bom
lucro com a revenda. A única coisa que lhes interessa na vida é ganhar
dinheiro e fazê-lo render o máximo possível.
— É uma pena! — murmurou Luís.
— Por quê? Você conversou com ele?
— Não o acho tão fascinante como você!
— Vá embora! — Sheila estava perplexa com a reação dele. — Tenho de
trabalhar!
Luís continuou parado, os olhos tornavam-se mais escuros, denunciando
mau humor. Algo acontecera que o deixara furioso.
— Alguém alguma vez se aproximou de você?
As mãos de Sheila tremeram, sabia que ele queria deixá-la furiosa e
estava conseguindo. Mas decidiu que não iria explodir, o melhor era
responder de forma a provocá-lo também.
— A lista é longa.
— Bill faz parte da relação?
Sheila subiu na banqueta e disse:

65 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— E por que não? Não esqueça de Tom, Dick e Harry. E John. Até
você, Luís, ou prefere ignorar isso?
Luís estava visivelmente alterado e fazia força para se controlar. Com
cuidado para não tocar na tela molhada, pegou Sheila pela cintura, tirou-
a de cima da banqueta e colocou-a no chão. Ela ficou constrangida e não
agüentou mais:
— Escute aqui, Luís, você só pode fazer alguma reclamação se eu não
estiver desempenhando bem meu trabalho como professora. Já que estou
me saindo bem nas aulas, que tal dar o fora e me deixar sossegada?
— Para pintar ou passear com John Smith?
— O que você tem a ver com o que eu faço?
As mãos dele ainda repousavam em sua cintura, e a apertaram de leve,
num misto de carinho e arrependimento por tê-la provocado tanto.
— Tudo que você faz me importa, Sheila.
— Desde quando?
Luís a soltou tão de repente que ela quase perdeu o equilíbrio. Deixou
as mãos caídas ao longo do corpo, olhou para Sheila desanimado e
comentou:
— Meu Deus! Tanta discussão não nos levará a parte alguma!
Observaram-se em silêncio por alguns instantes. Sheila sentiu o coração
bater acelerado. Não conseguia entender como aquele homem podia atraí-
la a ponto de deixá-la quase sem controle. Porém, estava determinada a
não demonstrar suas emoções e achou melhor continuar o assunto.
— Onde você quer chegar?
Luís ergueu as mãos até roçar os cabelos dela, e brincando com eles
disse:
— Acho que ainda não chegou a hora de lhe falar.
— Tente.
Ele passeou os olhos pela sala. Sheila imaginou que talvez estivesse
tentando achar uma desculpa para voltar atrás, e sentiu-se melhor ao
constatar que Luís parecia tão nervoso quanto ela.
— A propósito — continuou —, que quadro meu você mostrou aos
alunos?
— Como? — Ele ergueu as sobrancelhas, mas em seguida ficou seguro
de si novamente. — Alguém lhe contou, não foi?
— Sim. Você deveria ter adivinhado que eu acabaria sabendo.
— Você havia saído com meu irmão para encontrar paisagens que
pudessem ser pintadas pelo grupo e Tiago prometeu que não a traria de
volta antes do entardecer.
— Ele não tinha o direito de me distrair só para você poder mostrar
meu quadro.
— E por que não? Há muitas vantagens em ser o irmão mais velho.
— É mesmo?
— Sim. Foi um grande favor que ele fez, pois assim as pessoas puderam
observar o quadro sem a sua interferência, que na certa os deixaria
constrangidos e incapazes de apreciá-lo por inteiro. — Desviou os olhos

66 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

dela e fixou-os na tela. — Sabe, esse vai ficar ainda melhor do que o da
catarata.
— Estou começando a me convencer. Geralmente fico muito tensa
quando estou pintando, mas desta vez é diferente. Até consigo tempo
para conversar com você!
Luís parecia satisfeito:
— Você não permitiria que John Smith chegasse assim tão perto de
você, não é?
— Por que continua a falar dele? John é tão desinteressante e solitário
quanto a empresa que dirige. Além disso, é casado.
— Ah, então você se lembra disso às vezes?
— Nem se quisesse, não poderia esquecer, ele fala muito de Penélope.
Deve ser a mulher perfeita para um homem como ele!
Luís olhava a pintura segurando o queixo, e demorava-se bastante
tempo no exame de cada detalhe.
— Ajuda muito ter um interesse comum — comentou ele. — Mas isso
não é tudo num casamento. John Smith pensou que talvez pudesse se
divertir um pouco com você.
— Acredito que ele não tenha nem interesse em se divertir. — Sheila
estava zangada. — Isso interferiria nos negócios. Além do mais, ele diz que
sou tão obcecada quanto ele. E acho que tem razão. Está satisfeito?
Toda a perturbação desaparecera do rosto de Luís. Olhava para ela com
um amplo sorriso.
— Não, não fiquei satisfeito. Estou longe disso. Você passa o tempo todo
dando aulas ou pintando. Ou tomando café com John Smith! Quero ficar
um pouco com você! Não posso ensiná-la a cavalgar porque tem medo de
cavalos. O que mais você gosta de fazer além de pintar?
Sheila lembrou as várias ocasiões em que preferira ficar com ele do que
pintar. A intensidade das recordações deixou-a envergonhada e, antes de
se sentir ainda pior, argumentou:
— Acho que você não tem direito. . .
— Direito?
Sheila olhou para ele, e na mesma hora desejou não tê-lo feito.
Algo naquele olhar enigmático a cativava. Não conseguia pensar direito
perto dele. Durante toda a tarde mantivera-se concentrada na pintura e,
quando Luís aparecera, ficara contente em poder conversar um pouco com
ele. Até gostara da interrupção! Porém, as emoções cresciam e tornavam-
se perigosas. Era um sentimento muito próximo da felicidade!
Mas Sheila tinha medo. Como conseguiria conciliar o trabalho com uma
relação afetiva?
— O que você quer, afinal? — Ela tentou ser fria.
— Quero passar mais tempo na sua companhia. Isso a deixa assim tão
surpresa?
— E. . . eu. . . não. . . estou surpresa.
Luís fitou-a sério, mas um sorriso começava a se formar nos lábios dele
e, em seguida, riu. Era um som forte e jovial, que enchia toda a sala.

67 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— O que há de tão engraçado? — perguntou Sheila desorientada.


— Você. Você é demais, Sheila Hardy!
Ele suspirou, os olhos ainda brilhavam divertidos:
— Você tem meia hora para se trocar! Nós, você e eu, vamos sair para
jantar!
Para ocupar as mãos, Sheila pegou um tubo de tinta e esvaziou-o pela
metade sobre a paleta. Logo que ela acabou, Luís tirou a paleta das mãos
dela e colocou-a sobre uma mesa próxima.
— Você não ouviu o que eu disse?
— Sim, nós vamos jantar fora.
— E isso é só o começo!
— Mas eu preciso aproveitar a luz do dia para pintar — protestou. — É
importante para mim!
— Nós somos importantes! — disse Luís, aproximando-se dela. — Temos
uma longa noite pela frente.
Sheila começou a mexer nas tintas novamente, fugindo daquela situação.
— Não tenho certeza.se quero ir a algum lugar!
Sheila olhou para Luís, mas não quis acreditar no que via.
Havia grande afeto e até amor nos olhos dele. Não, não podia ser verdade,
pensou. Não poderia permitir que isso acontecesse!
— Você não pode se esconder atrás da pintura para sempre, querida. Se
esta pintura tornar-se a melhor de todas, é porque você estava realmente
vivenciando suas emoções em Sevilha. Você era mais do que uma mera
turista curiosa olhando a procissão passar. Não é verdade, Sheila?
— Minha pintura também é real! — protestou ela. — Mas você não
respondeu sobre a tela que os alunos viram, eu fiz várias quedas
d'água.
— Você não pintou muito desde que chegou aqui, não é mesmo?
— É verdade. Qual foi então?
— A única que encontrei que parecia acabada e pronta para ser
mostrada.
Ele se aproximou ainda mais. Sheila podia sentir o perfume da loção que
ele usava, inconfundível. Como Luís se tornara importante em sua vida!,
pensou amargurada.
— Agora vá trocar de roupa — murmurou ele, acariciando-lhe o rosto.
Sheila ainda abriu a boca para protestar, mas não conseguiu pensar em
mais nada para dizer. Tinha consciência de que, se ele quisesse beijá-la
naquele momento, não teria forças para impedi-lo. Assustada, respondeu:
— Deixe-me trabalhar pelo menos quarenta minutos. — A um sinal de
cabeça negativo, pediu: — Meia hora?
— Está bem, mas quando eu voltar aqui quero vê-la pronta. — Antes de
sair, completou: — Prepare-se para viver uma noite inesquecível.
Sozinha no ateliê, Sheila relembrou as palavras dele e um arrepio
percorreu-lhe a espinha. O que seria "viver uma noite inesquecível"?

CAPÍTULO IX
68 Livros Corações – Projeto Revisoras
Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Luís escolheu um restaurante perto da estrada, com vista para o mar.


Velhos sobreros intercalados de arbustos floridos ladeavam todo o
caminho de pedras até a casa. Esta parecia ainda mais sólida e branca em
contraste com o mar ao fundo. A maioria dos lugares na Espanha era lindo
de se ver.
Sheila ficou feliz por ter escolhido um vestido leve, com estampa em tons
de vermelho e preto. Ela teria muitas dúvidas em vestir uma roupa tão
provocante na Inglaterra, mas ali, notou com satisfação que era a escolha
certa para a ocasião. Seus cabelos loiros brilhavam e ela se sentia tão
bem no ambiente quanto Luís. Uma sensação de imenso prazer invadiu-
lhe o corpo.
O garçom ficou por longo tempo junto à mesa deles, interferindo
animado na conversa e tentando convencer Luís a escolher os melhores
pratos que ofereciam aquela noite. Todos pareciam conhecer Luís, mas
eles teriam agido da mesma forma se fosse um desconhecido. Comer era
sempre um programa especial na Espanha e, mesmo sozinho, tinha-se a
impressão de que todos ao redor saboreavam juntos os pratos bem
preparados. Talvez fosse o clima descontraído, pensou Sheila.
— Está se divertindo? — quis saber Luís quando o garçom finalmente os
deixou sozinhos.
As chamas das velas sobre a mesa tremulavam com a leve brisa que
entrava pelas janelas. Sheila podia ver o movimento do fogo refletido nos
olhos de Luís, dando-lhe um ar quase divino. Nas últimas semanas, ele
tinha se tornado o modelo do homem ideal para ela. Todos os outros que
conhecera antes eram muito sérios, altos ou baixos demais. Ninguém
tinha um sorriso tão encantador como Luís e nem possuía a vitalidade e
segurança que ele transmitia. Os outros pareciam pálidos e apagados
comparados àquele homem que a fitava intensamente.
— Foi para isso que viemos aqui? — provocou ela.
— É mais fácil controlar meu impulso de querer agarrá-la estando em
público!
O coração de Sheila parecia querer pular para fora do peito!
— Você me assusta. . . às vezes.
— Mesmo? E você não sentia isso quando saía com os outros?
Sheila ergueu o rosto.
— Bill? — Sorriu ao lembrar do ex-namorado. — Havia um café logo na
esquina da escola de artes. Era o único lugar aonde íamos.
— Então você não posava para ele?
Sheila olhou-o firmemente. Se não fosse Luís que estivesse falando
assim, teria pensado que era ciúme. Mas ele não tinha motivo para isso.
Sheila duvidava que ele, alguma vez, tivesse tido problemas com mulheres.
Parecia que a única dificuldade era mantê-las afastadas quando desejava.
— Não, Luís, eu não posava para ele. . .
— Não entendo por que você o tolerava.
— Na verdade, não era só isso. A escola se transformou numa eterna
69 Livros Corações – Projeto Revisoras
Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

luta para mim. Bill era uma das poucas pessoas que me davam atenção.
Quase ninguém ligava para minha pintura. Muitos professores não
entendiam o que eu fazia lá. Eu só queria continuar. Se não tivesse
certeza de que era melhor que a maioria dos meus colegas, eu não teria
sobrevivido.
— Mas a galeria cedeu um espaço para você expor. Isso deve ter-lhe
dado mais confiança.
— Sim, foi uma grande ajuda. Entretanto, Bill nunca foi ver minha
exposição.
— Não é possível!
— Mas foi assim. — Sheila riu. — Bill era o garoto-prodígio da sala. Ele
já dava aulas quando nós ainda nem dominávamos bem as técnicas de
pintura. Ele foi compreensivo comigo. Mas eu queria ter dividido a alegria
da exposição com ele!
— Parece que era um caso sério — murmurou Luís.
— Não era um caso.
Luís se encostou na cadeira com uma expressão enigmática no rosto e
depois falou, mudando totalmente de assunto:
— Bem, acho que conseguirei ensiná-la a montar, apesar de tudo. Os
cavalos estão precisando de exercício.
— Você terá de esperar até eu criar coragem e concordar em cavalgar!
Luís sorriu para ela com tanta intimidade que Sheila prendeu a
respiração e desviou os olhos.
— Sou um homem paciente.
— Que diferença faz se eu sei montar ou não?
— Para mim faz. E muita!
Sheila não sabia o que responder. Não podia se imaginar galopando
pelas colinas, como Luís fazia. Gostava de ficar com os pés no chão. Mas
tinha de concordar que vivera um prazer indescritível na noite em que
Luís a colocara na sela junto dele e saíram noite adentro. Fora um
momento mágico e ela duvidava que aquilo se repetiria. Não seria a mesma
coisa cavalgar sozinha.
O silêncio caiu sobre a sala do restaurante e uma grande expectativa
tomou o lugar dos risos e das conversas. Lá de baixo vinha o barulho das
ondas quebrando nas rochas ao longo da costa. Um pássaro solitário
soltou, um grito agudo que ecoou no ar. Sheila ficou tão excitada quanto
os outros, embora não soubesse o que esperavam. Então Mercedes surgiu
na porta, uma Mercedes vestida de maneira totalmente nova para Sheila.
Trajava um vestido debruado de dançarina flamenca com cauda longa.
Os cabelos foram enfeitados com um pente cravejado de brilhantes e
uma mantilha de renda. Trazia um leque preto na altura do rosto, abrindo-
o e fechando-o com um leve estalo enquanto caminhava entre as mesas.
— Mercedes! — sussurrou Sheila, pasma.
Mercedes virou-se e acenou para ela. Ela estava linda! Sheila quisera
poder guardar na memória as linhas extravagantes do vestido, todos os
gestos perfeitos e retratá-la num quadro. Era o espírito da velha Espanha

70 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

personificado. A saia se movia quando Mercedes caminhava, acentuando


as formas do corpo.
Era uma figura esplêndida!
Pelo caminho que vinha do mar, subiam os homens que faziam parte do
conjunto. Todos vestiam roupa preta com uma faixa vermelha amarrada
na cintura. As feições eram bem marcadas e os olhos brilhavam, mas
nunca sorriam. Eles só tinham olhos para Mercedes, insinuando-se o
tempo todo para ela,
— Que lindo! — suspirou Sheila.
Luís assentiu:
— Eles são legítimos. Qualquer um pode ver a música e a dança flamenca
que é encenada para os turistas em Madrid, por exemplo. Mas é só aqui,
na terra natal, que você pode apreciá-los na sua originalidade. Mercedes é
famosa cantora e bailarina de flamenco.
— Então o que ela faz na sua casa, trabalhando como governanta?
— A família dela não aprovaria a carreira de cantora.
— Mas isto não é mero machismo? Ela poderia ganhar bem mais que o
marido e os irmãos.
Luís sorriu:
— Em alguns aspectos, os mouros nunca deixaram a Espanha. O
andaluz é protetor incansável de suas mulheres. Todos os homens do
conjunto são parentes de Mercedes. Se algum dos fregueses se atrever a
importuná-la, será colocado para fora antes que saiba o que está
acontecendo!
A luz das velas acentuava as sombras no rosto de Luís, deixando-o ainda
mais misterioso.
— Mercedes está feliz assim, Sheila. Ela sabe que é muito boa nisso e
está ciente de sua capacidade. No meio dela, é considerada uma grande
artista, e é só essa a recompensa que deseja.
Sheila podia entender aquele tipo de satisfação, e sentiu-se subitamente
inferiorizada. Eram raras as pessoas que ficavam felizes em conservar
uma arte tradicional. E menos ainda em apresentá-la com tanta
sinceridade e simplicidade. O comércio tinha seu lado bom, mas não era
um fim em si mesmo.
— Eu adoraria pintá-la! — exclamou Sheila em voz alta.
— E por que não? Tenho certeza de que Mercedes ficaria lisonjeada.
— Mas no fim, o quadro não se pareceria muito com ela — disse Sheila
pensativa. — Talvez Mercedes prefira algo mais realista.
— Como um cartão postal?
— Sim, talvez. Algo em que ela possa se reconhecer de imediato.
Luís colocou a mão sobre a dela. Sheila sentiu os dedos firmes,
aconchegantes, e desejou que ele a segurasse para sempre.
— Olhe ao seu redor, Sheila, e diga-me novamente o que Mercedes
gostaria. Os espanhóis têm uma sensibilidade visual. Picasso e outros
pintores modernos não pertencem só à elite, são patrimônio de todo o
povo. Alguns diriam que Pablo Picasso é mais francês que espanhol, mas

71 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

qualquer um de seus conterrâneos o reconheceria como um deles, nascido


e criado em Málaga. Eles olham suas pinturas e vêem o mesmo que ele
viu, o azul do Mediterrâneo, o amarelo forte do sol, os vários tons marrons
e rosados das montanhas ao longo da costa. Cores e formas bonitas, eles
vêem o dia inteiro. E quando o assunto é arte, são as pessoas mais
sensíveis que já conheci.
Devia ser verdade, pensou Sheila. Era só observar a maneira de vestir
dos espanhóis. Dificilmente vira uma mulher desalinhada desde que
pisara naquela terra. Tanto os homens quanto as mulheres tinham um
porte e um estilo de dar inveja.
— Você achou que eu queria depreciá-la? Só pensei. . .
— Mercedes não acha suas pinturas difíceis ou impossíveis de entender
— interrompeu ele. — Deveria falar com ela sobre isso um dia desses.
— Mas ela não fala inglês!
— Não. Mas já é tempo de você aprender um pouco de espanhol. É
muito mais gostoso trocar palavras de amor e até praticá-lo em espanhol!
Sheila engoliu em seco. O contato das mãos dele faziam-na imaginar
como seria fazer amor com ele, como quisera em Sevilha ou na noite em
que cavalgaram juntos. . . O desejo brotando no corpo antecedia-lhe a
imaginação. Sheila tentou pensar em outra coisa, mas nada acabaria
com o ardor que percorria seu braço, enquanto Luís acariciava a palma de
sua mão. Ela tentou retirá-la, mas ele a segurava com força, encarando-a
com os olhos enevoados.
O conjunto começou a afinar os instrumentos, Quando satisfeitos, o
guitarrista deu o primeiro acorde e Mercedes, em sensuais movimentos de
cabeça, cantou com entusiasmo. As notas irromperam no ar, cativando a
sensibilidade dos ouvintes. O som era algo muito distinto da música dos
ciganos, que era a única difundida na Inglaterra.
Quando a canção terminou, eles fizeram uma pausa, deixando algum
tempo para o público se recuperar. Mercedes se aproximou e sentou na
mesa deles, certa de que seria bem-vinda.
— Bravo! — ela perguntou a Sheila.
Sheila bateu palmas e disse:
— Bravo! Bravíssimo.
Mercedes aceitou o elogio como se não fosse mais do que justo. Começou
a falar muito depressa quando terminou. Luís traduziu tudo o que
lembrava.
— Ela quer explicar a você que há dois tipos de flamenco. Esse foi o
primeiro, vem do cante hondo e expressa as profundas emoções do povo. É
difícil de se ouvir hoje em dia. A próxima canção será do tipo mais comum.
— Si! Si! — interrompeu Mercedes. — Castanuelas! Palillos!
Compreende?
Mercedes estalou os dedos, imitando o som das castanholas.
Apontou para Sheila, e entusiasmada continuou:
— Pito! Palmada! — bateu palmas. — Si?
— Si — respondeu Sheila, enquanto os integrantes do conjunto

72 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

acenavam com a cabeça em sua direção. Faziam-na perceber que davam


muita importância ao fato de ela entender bem os costumes locais.
Sheila virou-se para Luís e disse:
— Diga-lhes que a canção me deixou extasiada.
Depois que Luís traduziu, Mercedes falou:
— É claro. Eu a compus olhando para a sua pintura que Luís mostrou
para os alunos. É a primeira vez que a apresentamos. Meu primo teve de
aprender a melodia enquanto vínhamos para cá.
Luís traduziu fielmente aquelas palavras e os olhos faiscaram de
divertimento:
— Agora acredita quando digo que ela entende o que suas telas querem
mostrar?
— Sim. . . — Sheila estava emocionada, prestes a chorar.
Por um momento, Luís pareceu perdido em pensamentos.
Sheila lembrou-se de que perguntara à tarde, enquanto estavam no ateliê,
sobre a pintura vista pelos alunos, mas Luís ainda não respondera.
— Eu também tenho uma curiosidade — falou em voz alta.
Luís olhou-a de relance, mas logo voltou toda a atenção para a
governanta:
— Você vai dançar, Mercedes?
— Más tarde. Quer dançar comigo?
— Se você tiver coragem de dançar com um iniciante como eu. . .
Mercedes sorriu zombeteira:
— Você é meu patrão, eu não poderia recusar, e além disso será um
prazer.
Os irmãos de Mercedes se aproximaram e a levaram para perto do
conjunto. O guitarrista deu alguns acordes, um casal apareceu na porta
e caminhou até o meio do pátio, os saltos batiam com força no chão de
pedra. A voz de Mercedes juntou-se ao violão, rouca e ansiosa, animando
os bailarinos a maiores proezas com os pés. Não demorou muito e toda a
platéia e os músicos ficaram envolvidos no espetáculo, batendo palmas e
estalando os dedos, acompanhando a cadência da música.
Repentinamente, a mulher errou o passo e quase caiu. Irrompeu em
lágrimas e depois retornou à pista, com renovada determinação. Todos se
fixaram nos primeiros movimentos que ela tentava executar, e, quando
conseguiu, aplaudiram entusiasmados. Com um gesto rápido, ela atirou-se
nos braços do homem que a acompanhava. O abraço era observado com
interesse, mas em poucos instantes o guitarrista os interrompeu. Parecia
que ele queria censurá-la, pelo menos foi o que Sheila deduziu pela
maneira arrogante e violenta com que começou a tocar. Mas a mulher
deu de ombros e sorriu para ele.
— O que aconteceu entre eles? — perguntou Sheila.
— O guitarrista é irmão dela. E não quer que ela se exponha assim em
público.
— Mesmo depois de uma dança tão insinuante?
— Àquele homem é marido dela.

73 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— E qual é o problema, então?


— O irmão temia que eles se beijassem e depois ficassem envergonhados.
Eles se deixaram levar pela emoção. Este tipo de dança é difícil de
representar.
Sheila podia sentir que levavam aquela arte a sério. A. única pessoa
menos treinada que eles chamaram para a pista de dança foi Luís. E ele
estava totalmente transformado quando tomou lugar na frente de
Mercedes.
Ela dançava com tal ritmo que era magnífico de se ver. O papel de Luís
era quase ornamental. Mercedes representava o papel da mulher que tudo
fazia para seduzir o homem relutante. Avançava sobre ele e recuava várias
vezes, batendo os saltos no chão, dentro do compasso. Não havia dúvidas
de que ela era perfeita naquela arte tão antiga e popular quanto a própria
Espanha.
Sheila imaginou que era a única a prestar mais atenção em Luís do que
em Mercedes. Ele devia ser parecido com a mãe, pensou. Nenhum dos
poucos traços ingleses podia ser notado enquanto ele dançava o flamenco,
um pé atrás do outro, o calcanhar erguido e as mãos sobre a faixa
vermelha da cintura. Ele parecia tão soberbo e desejável que Sheila quase
não conseguiu ficar sentada quando percebeu os olhares convidativos que
Mercedes lançava sobre ele enquanto dançavam.
A dança continuava. Sheila achou um absurdo a reação impulsiva que
tivera. Por sorte ficara sentada e chegou à conclusão de que estava com
ciúmes. Tentou olhar em outra direção, numa última tentativa de
controlar as emoções. Ela estava fora de si, mas a única pessoa que
poderia acalmá-la era Luís.
Mercedes ergueu a saia num movimento rápido e se inclinou para perto
de Luís. Havia uma excitação no ar, não só pelo ritmo da música, mas
por toda a sensualidade própria daquela dança.
O número acabou com um grande final, e Luís levou Mercedes de volta
até os irmãos dela, fazendo uma reverência sutil. Na verdade, os dois não
haviam tido nenhum contato físico durante toda a»dança. O resto, Sheila
disse a si mesma, estava em sua imaginação. A Espanha era linda e
fascinante, mas era evidente que nem tudo combinava com seu jeito. Ela
estava acostumada com o céu cinzento e os campos verdes da Inglaterra,
e a ter emoções normais com as quais sabia conviver em paz. Mas ali,
estava constantemente ameaçada com imagens dela própria que não
podia aceitar. E mais ainda, não queria se apaixonar por ninguém!
Luís curvou-se sobre a mão dela num gesto gracioso antes de se sentar.
Aquele simples gesto a deixou apavorada.
— Bem, o que você achou? — perguntou ele, sorridente.
— Mercedes estava divina! — Não ousou olhar para ele.
— Sim. É uma mulher muito bonita, cheia de emoções e amor pela vida.
Sheila não queria ouvir nada. Quantas vezes Luís já dissera que ela
tinha medo de viver?
— É hora de irmos para casa — falou ele, em tom sério.

74 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila ficou completamente perdida. Queria ir embora, mas também


temia ficar sozinha com ele, pelo menos até controlar as emoções e
conseguir ver as coisas com clareza. Seu trabalho! Era nisso que precisava
se concentrar naquele momento. Pintar sempre fora a melhor maneira de
evitar problemas. Mas Luís não pertencia ao passado, quando esse truque
dava certo. Ela fechou os olhos por alguns segundos, sem saber o que
fazer.
— Vamos? — perguntou ele. — Você tem que dar aula amanhã cedo!
Desnorteada, Sheila olhou para o relógio. Já eram três horas.
— É quase de manhã! — arfou ela. Onde ficara à noite? As horas nunca
passavam assim tão rápido, pensou ela. A não ser quando estava
pintando!
— Venha, querida. É hora de ir embora.
Estava indo tudo muito bem. Era uma noite agradável, mas o ritmo da
música ainda soava nos ouvidos dela, fazendo com que os desejos
guardados por tanto tempo surgissem à tona.
— Talvez possamos dar uma carona para Mercedes até a casa dela? —
sugeriu esperançosa.
— Ela está com a família, voltarão todos juntos.
A distância até a casa de Luís era grande. Mas de carro chegariam logo.
Mesmo assim, o pensamento de ficar a sós com ele a deixava com os
nervos à flor da pele.
— Você quer ir até a toalete ante.s de partirmos? — perguntou ele.
Sheila assentiu. Achou que isso quebraria o encanto ao qual sucumbira.
Ela podia dar um tempo, lavar o rosto na água fria e deixá-la correr
sobre os pulsos até recuperar o autocontrole.
Luís a esperava no estacionamento. Ele pegou o casaco das mãos dela e
colocou-o sobre seus ombros, O contato dos dedos na nuca a fez
estremecer, percebendo então que só perdera tempo ao tentar se acalmar,
pois estava mais exaltada do que antes! Luís abriu a porta do carro para
ela, que não conseguiu nem agradecer: apenas entrou, apertando o casaco
com força contra o peito. Luís parecia tão seguro e enérgico. . .
Partiram em absoluto silêncio. A rua estava escura e só os velhos
sobreros refletiam à luz do carro.
— Mercedes anda todo este pedaço? — perguntou ela finalmente,
cansada do silêncio.
— Antigamente, sim. Agora o marido espera por ela no fim da rua e a leva
de motocicleta para casa.
— Qual a profissão dele?
— Ele é mecânico. Aprendeu a mexer com isso no exército, agora
conserta quase todos os carros da região. Ele não pode cobrar muito pelo
serviço, já que quase ninguém tem dinheiro por aqui. Mas a situação está
bem melhor do que há alguns anos. A pior pobreza já passou. — E como
se falasse para si mesmo, concluiu: — Vai demorar muito até que a
Andaluzia alcance o mesmo bem-estar do resto da Espanha.
Sheila encostou a cabeça no banco. Seus olhos doíam e a cabeça pesava.

75 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Ela sabia a causa: era frustração e todos aqueles pensamentos que não a
deixavam em paz.
— Mercedes nunca ficou tentada a levantar mais dinheiro para ambos?
Isso daria ao casamento um começo melhor.
— Melhor em quê? Eles são jovens e se amam. Tudo que querem é ura
ao outro.
— Mas devem querer mais que isso!
Luís encarou-a por alguns segundos, antes de voltar os olhos para a
estrada.
— O quê, por exemplo?
Tudo que Sheila sabia é que deveria existir algo mais que eles
almejassem. Ela mesma queria a segurança de seu trabalho, que
significava poder comprar tantas telas e tintas quantas desejasse. Mas
seria isso mesmo? Naquela noite, Sheila quisera que Luís não prestasse
mais atenção à dança de Mercedes e lhe assegurasse que ela era mais
importante. Como tão poucas semanas num país estrangeiro podiam
mudar toda a sua forma de pensar?
Sheila viu com alívio que já estavam chegando. Luís pegara o estreito
caminho que levava até a propriedade, subindo por entre as montanhas
até o vale.
—Venha cavalgar comigo esta noite — sugeriu ele, deixando-a novamente
confusa.
— Oh, não. Não posso! Como você mesmo disse, preciso lecionar amanhã
cedo.
— Eu também. — Piscou para ela.
Sheila ficou tentada a ir. Poderia sentir de novo o corpo másculo de Luís
junto ao seu enquanto corriam a galope pelas colinas. Na certa era
loucura, mas estava tentada a não dar ouvidos aos próprios receios por
ora e deixar que ele a levasse para onde quisesse.
— Por que não trouxe Mercedes, como sugeri? Ela teria ido com você!
Luís encostou o carro no acostamento. Segurou-a pelos ombros,
puxando-a mais para a frente, até onde o clarão da lua iluminava
diretamente o rosto dela.
— Você está com ciúmes, Sheila Hardy. Você realmente está com ciúmes!
— Não é verdade! — gritou. — Por que deveria ter ciúmes de Mercedes?
— Você mesma está dizendo.
Eles se olharam por longo tempo, até que Sheila não agüentou mais e
tentou sair do carro.
— Mas será possível que a música de Mercedes conseguiu fazê-la sentir
tudo que está perdendo na vida? Você está pronta para se livrar de todo
o medo e aprender a amar de verdade? É isso que você quer de mim,
querida?
Sheila sentiu um nó na garganta. Era verdade, cada palavra.
O ritmo flamenco ainda fazia seu sangue ferver, convidando-a a tomar
parte de todo mistério da vida.
— Você quer fazer amor comigo? — perguntou ele.

76 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

CAPÍTULO X

No dia seguinte, Sheila acordou sozinha na própria cama e imaginou que


tudo não passara de um sonho. A loucura acabara, ela voltara ao normal,
e sentiu um grande alívio. Era possível, tentou convencer-se de que a
instabilidade emocional dos últimos dias fosse somente um novo estágio
de sua pintura, uma necessidade para poder evoluir.
Mas em seguida voltou atrás. Não, não era aquilo. Na verdade, estava
perdidamente apaixonada. Como deixara isso acontecer?
"Você quer fazer amor comigo?"
O sangue começou a ferver com a simples lembrança do que sentira em
resposta à pergunta de Luís. Ela passara por toda uma gama de
emoções. Luís não a forçara a uma resposta.
— Pense sobre isso — murmurara ele.
Sheila pulou da cama. Esta era a última coisa que pretendia fazer. Com
jeito, poderia evitar ficar perto dele durante o dia.
Como responder àquela proposta? Como, se não conseguia nem uma
explicação para si mesma?
— Señorita! — alguém chamou do corredor.
Desconfiada de que algo acontecera, ela abriu a porta rapidamente,
surpresa ao ver Mercedes já de volta.
— O que aconteceu?
Uma torrente de palavras saía da boca da governanta. Frustrada, Sheila
segurou a mão dela e saiu à procura de alguém que pudesse traduzir.
— Há algum problema?
Ela virou-se para John Smith com alívio:
— Você fala espanhol?
— Mas é claro. Como eu poderia negociar com a América do Sul se não
soubesse a língua?
Mercedes, tão aliviada quanto Sheila, começou a contar todas as
preocupações. Sheila desconfiou que era alguma calamidade.
Será que algum terremoto destruíra a aldeia dela?
— O que é? — interrompeu ela.
— O sr. Kirkpatrick saiu para galopar esta manhã e o cavalo voltou sem
ele. Parece que o animal tem manchas de sangue no dorso, mas não
acharam nenhum ferimento nele.
Sheila sentiu o coração parar por instantes e, a seguir, uma leve tontura
que se esforçou para controlar.
— Então Luís está ferido?
— Eles acham que sim. Não se aflija, Sheila. Os irmãos dele podem sair
e trazê-lo de volta para casa.
— Não, não! — gritou Mercedes, agitando os braços. Ela aparentava estar
perto da histeria, quando começou a falar mais rápido ainda. Pegou a mão
de Sheila e puxou-a até o quarto de Luís. John seguiu atrás delas.
No momento em que entrou no quarto, a atenção de Sheila foi desviada
77 Livros Corações – Projeto Revisoras
Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

para a enorme pintura que pendia na parede oposta à cama. Era a tela
dela! A primeira que vendera antes de expor na galeria! A grande catarata,
a melhor pintura que fizera antes de ir para a Espanha. Mas o que a
pintura estava fazendo ali?
Fora Luís quem a comprara? Fora aquela que ele mostrara aos alunos? A
cabeça de Sheila parecia um emaranhado de perguntas sem respostas.
Mercedes largou a mão de Sheila e se aproximou da mesa de cabeceira.
Pegou uma folha de papel que havia sido deixada ali, acenando para John
Smith.
Sheila apanhou a folha das mãos dela e passou-a a John.
— O que diz aí?
— Que o pai de Luís adoeceu. Tiago e Pablo viajaram durante a
madrugada para a Inglaterra, e ele foi cavalgar para se acalmar um pouco
antes de começar as aulas.
— Então foi isso?
John assentiu e disse:
— Já é o suficiente, não acha? Se ele se machucou, alguém terá de
partir a cavalo para procurá-lo.
— Você sabe montar? — perguntou Sheila, desesperada.
— Eu? Nunca!
— Então eu mesma vou.
Ele ficou boquiaberto.
— Mas você me disse que tinha medo de cavalos!
— E tenho!
Mercedes percorreu com ela o caminho até os estábulos, dando conselhos
incompreensíveis. A governanta sabia como selar um cavalo e segurou a
cabeça dele enquanto Sheila montava.
Então Mercedes virou o cavalo e sussurrou-lhe algumas palavras doces
nas orelhas. Finalmente soltou as rédeas e, com as mãos na cintura, ficou
olhando Sheila se afastar, guiando o cavalo em direção às montanhas.
Uma pancada súbita nas ancas do animal fizeram-no avançar com
rapidez, e para surpresa de Sheila ele começou a galopar.
Mas não havia o mesmo conforto e a segurança que sentira quando
cavalgara junto a Luís. Agora ela tinha de agir por si mesma, sacolejando
numa sela totalmente desprotegida.
Sheila tentou seguir as trilhas marcadas por pegadas recentes,
esperando que Luís tivesse passado por elas naquela manhã.
Quando alcançou o platô onde ele a encontrara naquela noite à luz do
luar, começou a olhar em volta esperançosa. Havia um rastro de sangue
numa das rochas cinzentas e que desaparecia atrás de uns arbustos. As
flores silvestres já estavam murchas pelo forte sol de verão, não restando
nada a não ser uma grama dourada e alguns tufos de tomilho selvagem,
cujas pequenas flores perfumavam toda a área.
Ela teria de desmontar se quisesse investigar o rastro de perto.
Mordeu o lábio, tentando imaginar como subiria de volta na garupa
depois. Bem, teria de pensar em alguma saída e decidiu.

78 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila agarrou a sela com as duas mãos e inclinou-se para o lado,


tentando passar a perna direita por cima do animal. Ao se virar, deslizou e
caiu de costas contra o chão.
Gemendo de dor, examinou as palmas das mãos. Como não encontrou
nenhum arranhão, supôs que afinal de contas não se saíra tão mal. Ao
menos as pernas e braços estavam bem, e o cavalo continuava de pé a seu
lado.
Sheila levantou, sentindo mais simpatia pelo cavalo do que parecia
possível.
— Sinto muito — disse ela —, mas nunca fiz isso antes.
— É óbvio! — uma voz soou por trás de um arbusto, depois das rochas.
— Luís! — gritou ela, correndo em sua direção. — Oh, Luís, você nos deu
um susto!
— Estou vendo.
Ele permaneceu deitado de costas sobre o tomilho, mas estendeu os
braços e Sheila atirou-se neles sem pensar duas vezes.
— Luís, você está muito machucado?
— Não, nem tanto.
Ele a apertou num abraço aconchegante, deitando a cabeça dela sobre o
peito.
— Deixe-me sonhar com a idéia de que você teve coragem de cavalgar até
aqui para me socorrer, e depois lhe mostrarei!
Ela sentia o bater descompassado do coração, respirou devagar e
profundamente, tentando recuperar o juízo para poder pensar em alguma
maneira de tirar Luís dali.
— Oh, Luís! — exclamou, pressionando os lábios contra o ombro dele. —
Eu estava tão assustada!
— De verdade, querida? Não se preocupe, eu sobreviverei! — Tomou o
rosto de Sheila entre as mãos, fitando-a com ternura. — Eu ainda não
lhe agradeci por ter vindo me procurar. Luís fez leve pressão com os dedos
na nuca dela, forçando a cabeça para a frente, de encontro aos lábios
quentes e macios que o esperavam; explorou o contorno da boca por longo
tempo, fazendo deslizar levemente a ponta da língua. Foi o movimento
mais sensual que Sheila já experimentara. Mesmo contra a vontade, ela
tentou se libertar. Estava assustada demais para ficar ali.
Luís aproximou-se mais uma vez, os lábios tentadores demais para serem
recusados. A boca de Sheila encontrou a dele na metade do caminho e,
quase de imediato, a fez recuar, obrigando Luís a recostar-se. Toda a
resistência dela evaporara-se por completo, seu corpo delicado ficara tão
perto dele que o contato era total. Parecia tão perfeito estar com ele
naquele campo aberto, deitados sobre uma cama de tomilho perfumado.
— É esta a resposta para a pergunta que lhe fiz ontem, querida? —
murmurou ele junto ao pescoço dela.
Sheila enrijeceu. Como pôde esquecer o motivo pelo qual tinha ido até
ali? O pânico tomou conta dela.
— Não, não! Luís, você está ferido!

79 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— E daí? Só por isso não posso ter a resposta?


Sheila o encarou séria, não acreditando que ele ainda podia provocá-la
numa situação como aquela.
Tentou se refazer com dificuldade, e começou:
— Eu acho que devemos deixar algo claro.
— Não posso mais esperar!
— Luís, seja coerente! Você está machucado...
— Estou, minha querida. Você quer ver?
No início, ela achou que ele tivesse quebrado a perna, mas isso não teria
causado tanto sangue. A perna ainda sangrava bastante, e o lenço que
ele tinha amarrado de pouco adiantava.
— Oh, Luís!
— Parece pior do que realmente é. É só uma ferida na carne.
— Só?! Luís, não sei como vou levá-lo para casa!
— Você na certa pensará numa solução.
Ela esperava que sim.
A primeira providência era estancar o sangramento. Ele já perdera muito
sangue até que ela o encontrasse.
— Está tudo bem — sussurrou ele. — Tudo está bem, agora que você
está aqui.
Não, não era verdade, pensou Sheila.
Teriam de andar alguns quilômetros até chegar à casa de Luís e, além
disso, não tinha idéia de como conseguiria colocar Luís na sela. Temia até
que ele não conseguisse ficar de pé.
— Não sei o que iremos fazer — desabafou.
— Daremos um jeito, Sheila. Se não der certo, você ainda pode voltar e
buscar ajuda — acrescentou ele, acariciando os ombros dela. — Você se
preocupa demais. Por que não admite que deseja fazer amor comigo?
— Porque agora não é a hora nem o lugar certo.
— É só por isso?
— Luís, estou pensando numa maneira de tirá-lo daqui.
— Isso tem tempo. Primeiro, diga-me o que eu quero ouvir.
Sheila se agachou ao lado de Luís, tentando não mostrar as emoções
profundas que as carícias dele provocavam.
— Você ainda está sangrando — disse ela rapidamente, num tom formal.
— Está bem — respondeu ele, conformado. — Leve-me para casa.
Sheila não conseguiu mais se controlar. Seus lábios começaram a tremer.
Ele parecia terrivelmente doente!
— Nós conseguiremos, querida — ele tentou acalmá-la, passando os
dedos delicadamente pelo rosto dela —, e eu terei minha resposta mais
cedo ou mais tarde.
Sheila ergueu os olhos e viu que as marcas em seu rosto estavam mais
profundas que o normal. Era evidente que Luís estava bem pior do que
queria admitir. Como ele conseguia pensar em romance naquela hora?
Contudo, ela mesma não conseguia pensar diferente quando estava perto
dele. Aquele homem mexia com seu coração.

80 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— Você acha que pode levantar com minha ajuda? — perguntou Sheila.
Luís sentou-se e levantou a perna que não estava ferida.
Sheila se inclinou um pouco, estendeu as mãos e ele conseguiu se levantar
com alguma facilidade. Ela deveria ter dado um passo para trás, pensou,
mas já era tarde. Luís colocou o braço ao redor da cintura dela, pousando
os lábios nos seus, num beijo rápido mas cheio de promessas.
— Oh, Luís — murmurou Sheila, lágrimas enchendo seus olhos, não
conseguindo mais se controlar.
Luís a abraçou e tentou puxá-la para perto de si, mas não conseguiu.
Uma dor profunda impediu-o de fazer qualquer esforço.
— Isto é só o começo — prometeu ele.
Sheila não podia deixá-lo ali de pé sozinho, nem via um meio de atrair o
cavalo para perto ou puxá-lo pelas rédeas.
Luís adivinhou seus pensamentos e deu um leve assobio, tentando chamar
a atenção do animal.
— Venha, menina — chamou ele —, você precisa vir até aqui.
Entretanto, a égua nem se moveu. Ela estava gostando do passeio às
montanhas, de ficar junto à grama tão verde, e só sairia dali obrigada.
Luís amaldiçoou-a e disse:
— Há uma subida ali na frente que leva até o platô. Ajude-me a chegar
lá. Depois traga a égua até a trilha que segue logo abaixo das rochas.
— Você pode cair — argumentou Sheila, não querendo abandoná-lo nem
por um segundo.
— Eu conseguirei! Não vou ficar aqui esperando sozinho, agora que você
admitiu que sente por mim algo diferente e muito maior que pelas suas
pinturas!
Sheila olhou-o pensativa. Talvez, se o deixasse zangado o bastante, ele
conseguiria vencer aquele obstáculo. Conhecia bem o que a raiva podia
fazer. Afinal fora o que lhe dera impulso para vencer as piores crises de
sua vida. Talvez fosse uma ajuda também naquele caso.
Eles caminharam lentos até o ponto mais alto que Luís indicara. Sheila
respirava com dificuldade quando finalmente chegaram.
— Outra coisa, Luís. O que o meu quadro está fazendo no seu quarto?
Como o conseguiu? Quem o vendeu?
— Eu o comprei há muito tempo. E sempre quis conhecer o autor.
— Aposto que você pensou que era um homem!
— E importa o que pensei? Gostei tanto dele que o mostrei ao dono da
galeria onde eu estava expondo os meus quadros. Ele não ficava andando
pelas escolas de arte procurando jovens talentos como você parece
acreditar!
— Você quer dizer que devo tudo a você? É por isso que pensa que eu
lhe devo um favor em troca?
Isso o deixou furioso de vez! Sheila se afastou, pois tinha certeza de
que ele agüentaria de pé até que ela pudesse, levar a égua para a trilha
abaixo de onde ele se encontrava.
— Isso não tem nada a ver com nosso caso! — gritou ele.

81 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

— É claro que tem. Ê por isso que me convidou a dar aulas na escola?
— Você me pareceu muito satisfeita quando recebeu a proposta!
— Antes de saber que perderia minha independência para você!
A égua estava relutante em abandonar o pasto, mas deixou-se levar sem
muita dificuldade. Sheila conseguiu deixá-la numa posição segura, e só
então voltou a atenção para Luís.
Sheila flagrou uma expressão de malícia naquele rosto bonito e
bronzeado e perdeu o controle, sentindo a face corar.
— Enquanto estiver doente — falou ele, num tom quente e amável —
você vai cuidar de mim, misturar minhas tintas e posar para que eu possa
pintar um retrato seu?
Sheila estendeu as mãos, ajudando-o a subir na garupa junto dela. Não
queria mostrar seus sentimentos para ele naquele momento.
Suspirou:
— É provável.
Sheila segurou as rédeas com firmeza e apressou a égua pela trilha em
direção à propriedade. "É provável", repetiu ela para si mesma, rindo da
situação. Aquilo era o que ela mais gostaria de fazer enquanto ele estivesse
se recuperando.

CAPÍTULO XI

O practicante, uma mistura de médico e enfermeiro e que tinha um papel


importante na Espanha, era um homem baixo e distinto, com um dos
sorrisos mais bonitos que Sheila já vira.
Durante uma semana, ele ia diariamente cuidar de Luís. Sentava-se na
beira da cama ou numa cadeira próxima e perguntava como estava o
paciente. Mercedes lhe levava um café, como de costume, e logo se tinha
a impressão de que ele também fazia parte da família.
Foi ele quem perguntou sobre a saúde do pai de Luís é desejou que ele
se restabelecesse logo. Foi também quem confidenciou a Sheila que todo
o distrito estava agradecido por ela ter socorrido el patrón, o homem que
proporcionava muitos empregos na região e nunca deixava de estar
presente nos casamentos e batismos, já sendo padrinho de quase metade
da vizinhança.
— Um bom homem, señorita — dissera ele um dia. — Merece ser muito
feliz!
Depois da surpresa inicial de que tantas pessoas estavam interessadas
no progresso de seu envolvimento com Luís, Sheila só podia concordar
com ele. Estava acostumada com o anonimato da cidade grande e não
ficava nada à vontade quando estranhos se aproximavam dela querendo
saber como estava e se Luís passava bem. Depois das observações
introdutórias,
entravam direto em assuntos pessoais e particulares com a maior
facilidade. Para eles era tão normal quanto uma discussão sobre o tempo
entre os ingleses.
82 Livros Corações – Projeto Revisoras
Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Depois daquela semana, Sheila já estava acostumada; trocava acenos


e sorrisos com todos. Até se habituou a ouvir as pessoas se referindo a ela
como La inglesa, mais do que pelo próprio nome. Só esperava estar
representando bem seu país. Gostava cada vez mais da Espanha e do
povo, do calor e da sinceridade de seus gestos e maneiras, e também da
tendência para o drama.
O practicante retirou os pontos da perna de Luís na semana seguinte.
— Agora você pode fazer seu trabalho de novo, señor — comentou ele
animado.
Luís respondeu com um sorriso zombeteiro:
— Eu prefiro deixar que Ia inglesa pequena cuide disso. O que você
acha do retrato que estou pintando dela?
— Muito bonito — respondeu ele automaticamente, mas seus olhos
se fixaram no quadro de Sheila na parede. — Talvez ela possa pintá-lo
também?
Luís suspirou:
— Eu acho que já é tempo de eu me contentar em ficar em segundo
lugar.
Sheila arregalou os olhos:
— O que você quer dizer?
— Você sabe muito bem o que eu quis dizer! Muitos conseguem se
tornar grandes artistas, mas poucos têm um dom como o seu!
— Eu acho você um excelente artista! Aprendi muito visitando suas
exposições. Eu teria comprado algumas telas, se tivesse dinheiro.
Sheila ficou preocupada com o rumo da conversa. Luís não lhe dera
nenhuma explicação até aquele momento, por qual motivo ele comprara
aquela tela, e nem lhe contara por que tinha se dado ao trabalho de querer
conhecê-la. Nem sabia se ela era capaz de dar aulas na escola de verão!
Não era comum alunos recém-formados serem capazes de lecionar.
— Muito amável da sua parte me dizer isso! — ele interrompeu-lhe os
pensamentos. — Eu ganho dinheiro com a pintura. Se não fosse por
isso, me contentaria em ser o homem mais importante na sua vida, Sheila.
Já seria mais do que suficiente!
Ela não podia afirmar que isso bastava em sua vida. Sentia que não
havia nenhum tipo de competição quanto à pintura entre Luís e ela.
Aquele homem não era como Bill, ou mesmo seu pai, que consideravam-
na inferior por ser mulher. Luís não se importaria se ela fosse uma
pintora mais talentosa que ele. Luís a aceitava como a pessoa que era.
— Você é ótimo! — Ela sentiu-se tímida.
Luís sorriu, os olhos amáveis:
— Não fique constrangida. Sou melhor com os cavalos que você.
— Embora eu tenha melhorado bastante!
— Eu só acredito vendo! Você estava tremendo no dia em que me trouxe
para casa na garupa. Lembra-se?
Sheila levantou-se, pensando em ajudar Mercedes a preparar um café.
— Eu temia por você — disse ela numa voz que nem parecia ser a sua.

83 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Luís estendeu a mão para alcançá-la, não queria que ela se fosse, mas
Sheila conseguiu se esquivar e fugiu do quarto.
Quando voltou, trazendo uma bandeja com três xícaras de café quente,
tomou coragem e se aproximou da cama de Luís como se nada tivesse
acontecido. Durante toda a semana tinham surgido várias situações
constrangedoras entre eles, e uma série de discussões que não levaram a
nada. Sheila sabia que vivera sob uma máscara durante toda a vida,
escondida atrás das telas, e provavelmente teria continuado assim se Luís
não tivesse conseguido acabar com todas suas defesas. Agora ela ansiava
pela vida real, mesmo que isso a fizesse sofrer. Ela queria Luís.
— Hoje é o último dia. Eu não preciso mais vir aqui — anunciou o
practicante com um largo sorriso.
— Ótimo! — disse Luís. — Vamos tomar o café lá fora.
Havia um ruído alto de pessoas conversando vindo da escola. Sheila
pedira aos alunos para pintar uma natureza-morta por conta própria. Era
um dos exercícios mais reveladores, pensou, relembrando o quanto ficara
chocada quando John Smith escolhera um maço de notas e o Financial
Times para pintar, totalmente incapaz de perceber que era uma tarefa
difícil demais para ele.
Ele partira mais cedo durante a semana, prometendo escrever para
contar como os negócios e a esposa tinham passado em sua ausência.
Sheila imaginou que Luís não apreciaria nada se ela recebesse uma carta
dele.
— Estou exausta! — reclamou ela, deixando-se cair numa cadeira ao
lado dele.
— De quê? Tudo que você teve de fazer foi ficar sentada enquanto eu
pintava.
— E no resto do dia deixar os hóspedes satisfeitos!
— Mas eu dei conta de boa parte das aulas que me cabiam, não é? Você
não teve muitas aulas extras a dar.
Sheila pensou naquela semana atarefada, nos tabuleiros que carregara,
no tempo em que ficara posando e se dedicando ao patrão cada vez mais
exigente, tudo somado com as aulas dela e quase metade das de Luís.
Será que ele não conseguia reconhecer seu esforço?
Sheila lançou-lhe um olhar furioso e notou um ar zombeteiro na
expressão do rosto de Luís, que ele logo dissimulou. Não lhe tinha
ocorrido que pudesse estar querendo deixá-la descontrolada e começou a
enxergar a semana que passara com outros olhos. Ela concordara em
posar para Luís, sentindo-se feliz em ficar perto dele, carregando as
tintas e pincéis de um lado para o outro com a maior boa vontade. Mas
Sheila não estava preparada para aceitar o fato de que ele sabia de tudo.
Olhando para trás, notou que as tentativas de disfarce não serviram de
nada.
— Tenho de voltar para a escola — disse ela, virando-se para Luís. —
Mas nós dois precisamos ter uma conversa séria.
— Antes que um de nós perca a calma — assentiu ele, irônico.

84 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila nem se alterou quando notou que Luís se referia a ela:


— Ria quanto quiser. Mas a última semana foi pesada demais para mim.
— Estou vendo.
— Bem, eu tinha mil coisas para pensar e tive de me adaptar a
muitas idéias novas. Não estou acostumada a ficar servindo as pessoas
como fiz para você! Além do mais, já tem mulheres demais bajulando-o
nesta casa!
— Ah, sim. Mercedes fez todos os meus pratos prediletos, e a metade
dos alunos, a parte feminina, deu-se o trabalho de vir aqui para distrair o
pobre inválido!
— Exatamente! — gritou ela. — Você nem precisa de mim realmente!
Agora vou até a escola ensinar seus alunos românticos!
— Boa sorte! — gritou ele atrás dela.
— Obrigada. Vou precisar!
Os alunos não iam bem. Mudar idéias preconcebidas era uma das tarefas
mais ingratas, percebeu Sheila ao encontrar a maioria dos alunos com a
folha ainda em branco.
Ficou envergonhada dela mesma por destruir as ilusões da maioria,
agora que tinham chegado ao fim do curso. Não havia nada errado em
gostar de uma arte vulgar e simples, mas isto não tiraria aquelas pessoas
do comodismo e nem os ajudaria a abandonar os preconceitos e
suposições sem nenhum fundamento. Por que ela deveria inquietá-los e
abrir-lhes os olhos para outras facetas da vida?
Sheila fez uma última tentativa de explicar seu pensamento antes de
encerrar o curso!
— A boa arte nos faz ver a vida e o mundo em que vivemos de uma
maneira totalmente nova. A má arte é uma cópia e não nos mostra nada
de novo. Uma cópia de um nu de Rubens, não importa quão perfeita, é só
uma cópia da habilidade dele em representar um corpo feminino. Uma
mulher moderna tem diferentes impulsos e tensões; a forma ideal é outra
e a maneira de ver a si mesma é totalmente distinta.
Tudo isso deve estar refletido num retrato moderno. Nós estamos
pintando as mulheres de hoje, e não ninar avós. Temos de acompanhar
as mudanças e perspectivas do nosso próprio tempo. Da próxima vez que
olharem uma pintura, não se perguntem se gostam ou não dela,
perguntem se ela faz vocês pensarem!
— Eu não pensei em nada quando o sr. Kirkpatrick nos mostrou sua
tela da catarata — queixou-se uma mulher. — Uma catarata tem de
parecer uma catarata, não é? A sua não parece.
— Mas dava para perceber o mesmo brilho, se você fechasse um pouco
os olhos — acrescentou outro aluno.
— Foi como eu senti quando vi a catarata — continuou Sheila. — Foi
minha reação emocional à catarata. Ela inspirou o quadro e eu pintei
minha reação, da maneira mais fiel que pude. As emoções de vocês
devem ser diferentes, ou então teriam reconhecido a catarata e
experimentada uma sensação semelhante.

85 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Um olhar de assombro surgiu na face de uma mulher.


— Eu senti isso! — exclamou ela.
Sheila lançou-lhe um olhar agradecido. Mas quando chegou o fim da
aula, ficou tensa e relutante por encerrar suas atividades naquele lugar.
Estar na Espanha era uma boa desculpa para tirar uma siesta depois do
almoço. Sheila achou que deveria se afastar um pouco dali. Pensou até
em selar um cavalo e cavalgar pelas montanhas. Agora sabia que
estava completamente transtornada! Será que não aprendera que mesmo
cavaleiros experientes podiam ter problemas? Por fim, decidiu continuar a
pintar seu quadro, colocando o cavalete num ponto onde poderia ficar
observando a porta do quarto de Luís. Gastou bastante tempo preparando
as tintas sobre a paleta, sem conseguir se concentrar. Irritada, admitiu
que seria melhor aproveitar o tempo fazendo outra coisa. Olhou com
desgosto para as tintas todas misturadas, em completa confusão.
— Pensei que íamos conversar.
Luís estava encostado na soleira da porta aparentando estar plenamente
recuperado e transbordando energia.
— Estou tentando pintar.
— Você está tentando se esconder!
Sheila colocou a paleta sobre a mesa, sentindo que o inevitável
finalmente chegara.
— Certo. Eu estava tentando me esconder, mas só porque não cheguei
a uma conclusão sobre o que lhe dizer.
— E que tal "eu te amo"?
Sheila ficou pensativa, girando o banco para vê-lo melhor.
— Acho que é cedo demais para isso. Você tem tintas para me
emprestar?
—- Sim, em algum lugar — respondeu ele, pegando a paleta e
misturando as tintas, acabando de vez com a confusão que ela fizera. —
Se este é um reflexo do seu estado de espírito — continuou ele,
apontando para a paleta —, não me surpreendo que esteja me evitando.
— Pensei que você entenderia.
Os olhos de Luís percorreram sua face perturbada:
— Você pensa demais. Que tal um pouco de ação?
A testa franzida e as olheiras de Sheila demonstravam sua preocupação:
— O que você está pensando?
— E você?
— Nada sobre o que não estivesse preparada para falar. — Sheila
encolheu os ombros. — Sobre alguns sonhos, e uma certa pintura
pendurada no seu quarto! É sobre isto que quero falar!
— Que falta de imaginação, minha querida!
Mas ela estava louca para saber tudo e, sentindo-se mais segura,
continuou:
— Tenho certeza de que há algo a mais por trás dessa história, mesmo
que você não queira admitir.
— E o que importa?

86 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Ela notou uma leve hesitação na voz dele, mas não resistiu a pressioná-
lo mais:
— Eu quero saber.
Luís ficou em silêncio por tanto tempo que Sheila achou que ele não ia
responder. Mas então ouviu-o dizer:
— Está bem, vou lhe contar tudo. Eu fui a Londres para organizar
minha exposição e. . .
— Pensei que esta era a parte de Tiago? — interrompeu ela.
— Só a parte comercial. Eu gosto de pendurar meus próprios quadros
para ter certeza de que eles se complementam num ambiente.
Sheila assentiu:
— Você tem uma queda pelos detalhes. Eu já tinha observado isso
antes.
— Passei por uma certa escola de artes, onde estudei no passado, e
entrei para relembrar aquela época. A catarata estava na parede de um
dos corredores. Depois de conversar com o diretor por algum tempo, fiz
uma oferta pela tela. Dizer que ele ficou surpreso é pouco. Perguntou se
eu não a achara grande demais, se as cores não eram muito violentas;
disse-lhe que aqueles tons verdes e azuis tinham um efeito calmante
sobre mim, e, que possuía o lugar perfeito para pendurá-lo. Concordamos
sobre o preço e prometi que voltaria mais tarde para pegar o quadro
se o artista estivesse de acordo.
— E como!
— Eu levei a tela para a galeria ali perto, porque não consegui convencer
nenhum motorista de táxi a transportá-la. Sorte sua, pois o proprietário
da galeria ficou tão impressionado quanto eu. Não foi difícil persuadi-lo a
incluir você numa exposição, logo que ele achasse outro artista que tivesse
um estilo parecido com o seu.
— Mas foi tão fácil assim?
— Eu vendi todos os meus quadros naquela galeria — lembrou ele
cinicamente.
— Fico agradecida. — Sheila corou. — Você sabe que estou! Mas gostar
de uma pintura não explica por que você queria que eu lecionasse na
sua escola. Você não estava se arriscando demais?
Luís se aproximou:
— Passei longo tempo observando o quadro. E nunca deixei de sentir
uma estranha excitação. Você tem algo muito especial a dizer e achei que
eu poderia ser a pessoa certa para ajudá-la nesta tarefa.
— Convidando-me a vir à Espanha?
— Isso é só parte do plano. Eu desejava conhecê-la. E achava que você
poderia se tornar uma verdadeira artista.
— Aqui na Espanha?
Ele deu um leve sorriso:
— Esperava que você se apaixonasse pela Espanha, mas não tinha
muita certeza. Nem todos gostam daqui, você sabe.
Sheila mordeu o lábio nervosa. Aprendera a amar aquele país, mas

87 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

também se apaixonara por ele. Só não tinha coragem de contar a Luís.


Talvez esta fosse a maneira de recompensá-lo por tudo que fizera. Mas
não era só isso! Sheila sentia mais do que simples gratidão. Sua vida
mudara completamente depois de conhecê-lo. Mas será que ele também
sentia isso?
— Eu me apaixonei por você também — falou ela suavemente.
— Eu esperava que sim.
— Baseando-se numa pintura?
— E que pintura! Eu sei mais sobre você, querida, do que imagina.
Conheço seus temores e esperanças, sonhos e frustrações. A Espanha
lhe fará bem. Ela vai libertar todos os sentimentos que você deixava
guardados e ajudá-la a expressá-los livremente. Olhe para este quadro de
Sevilha que você está pintando!
— Estava — murmurou ela. — Andei muito ocupada nos últimos dias!
Luís se agachou ao lado dela:
— Mas valeu a pena assim mesmo, não é? Aquele retrato seu é uma
das melhores coisas que já fiz! Somos perfeitos um para o outro!
Num impulso, Sheila acariciou-lhe o rosto. Logo depois, os dois estavam
de pé, e Luís passou os braços ao redor de sua cintura e colou o corpo
ao dela, cheio de emoção.
— Eu não poderia suportar deixá-la partir agora — disse ele.
— E nem precisa.
— Você quer dizer que vai me deixar pintá-la novamente?
Sheila passou os braços em torno do pescoço dele, apertando-o com
força:
— Eu prefiro ser amada do que pintada!
Ele estremeceu.
— Você quer mesmo, Sheila?
Toda a frustração estava visível quando ela falou:
— Eu estou esperando há tanto tempo! Luís, você tem idéia do que eu
passei nesta última semana?
— Só na última semana? Pense no que você me fez passar desde que
comecei a admirá-la através daquele quadro! Eu precisava ter você aqui
comigo!
— Você está exagerando.
— É a verdade! Eu planejei para que tudo ficasse esclarecido em Sevilha!
Tia Inez era a cúmplice ideal nessa aventura. Ela teria preferido uma moça
espanhola para mim, mas ficou satisfeita quando a conheceu. A única
dificuldade, meu amor, foi você!
— Eu? — objetou ela. — Não me lembro de ter colocado muitos
obstáculos no seu caminho!
— Minha querida, emocionalmente, você não deixaria ninguém se
aproximar.
Sheila pensou sobre tudo aquilo e deixou que a felicidade tomasse conta
dela. O passado se fora. E era só com o futuro que ela desejava viver.
— Tinha meus motivos. Você conheceu Bill, mas nem imagina como é

88 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

minha família. Quando você os conhecer, talvez me entenda.


Ele riu:
— Talvez tenha razão. Eles não conseguem nem reconhecer uma grande
artista! Entretanto, não foi como artista que você me conquistou, mas
como mulher. Querida, que horas são? Você não precisa voltar para seus
alunos?
Sheila sorriu, marota.
— Estou com vontade de nem aparecer mais na escola pelo resto do dia.
Com a permissão de meu patrão, é claro.
— Perfeito!
Sheila levantou os olhos e encontrou um ar zombeteiro no rosto dele.
— Bem, como vamos passar nossa tarde? — perguntou ela.
— Nós íamos ter uma conversa, lembra?
— Pensei que você era um homem de ação!
Luís acariciou-lhe as costas:
— Não quero apressá-la, querida.
Sheila nunca o vira tão perturbado. Será que ela deixara-o assim?
— Luís, antes de conhecê-lo, eu vivia num mundo falso, escondida atrás
da máscara que eram minhas pinturas. Encontrar você foi levantar o véu.
Eu não quero mais me esconder.Não tenho mais medo de pessoas como
Bill. Eu quero você!
— Tem certeza, certeza absoluta de que é isso mesmo que quer?
Sheila assentiu, desfazendo-se em paixão quando o encarou:
— Você estava um tanto obcecada — relembrou-lhe ele, gentilmente.
— Bem, agora não estou mais. Se eu nunca mais voltar a pintar, ainda
assim vou querer você. Se eu tivesse de escolher. . .
— Você nunca vai precisar escolher! — interrompeu ele.
— Não, eu acho que não. E esta é uma das razões pela qual eu o amo
ainda mais!
— É mesmo? Continue.
— Eu gostei do que você fez por mim — falou Sheila, enquanto lhe
acariciava a nuca —, e quero que continue a fazê-lo!
Luís nem pensava diferente. Colou o corpo ao dela, buscando-lhe a boca
com sofreguidão. Como tinha saudade daquele beijo cheio de ardor,
pensou Sheila. Como conseguira imaginar que podia viver sem ele?
— Amo você: — sussurrou-lhe Luís no ouvido.
— E vai casar comigo?
— Sim.
Sheila olhava o sorriso de felicidade que surgiu no rosto dele.
Quanto tempo perdera com sua teimosia. . .
— Tem certeza de que eu não vou ficar no seu caminho quando quiser
pintar? — perguntou ele.
A idéia era ridícula. Ele era sua inspiração e sua razão de viver. Sheila
pintaria como nunca o fizera antes! E Luís sabia disso. Amá-lo pelo resto
de sua vida era a única coisa que desejava.
— Desde que o façamos juntos! — respondeu ela finalmente.

89 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Sheila não pôde falar mais nada, pois as palavras jamais seriam capazes
de expressar tudo que sentia.
Então, apenas estendeu os braços, acolhendo-o para sempre a seu lado,
como o homem de sua vida!

Fim

Edição 381
A Misteriosa Madame X

90 Livros Corações – Projeto Revisoras


Bianca 380 – Romance Espanhol – Elizabeth Hunter

Joan Smith

Como era possível um empresário respeitado como ele encontrar-se


naquela situação humilhante, tendo que lutar com uma jovem?, pensou
Brett, esforçando-se para dominar a garota que o empurrava para a
piscina.
Lamentava muito, mas só havia uma Saída...
A última coisa que viu antes de Mila cair na água com estardalhaço foi
um par de olhos verdes falseando de ódio. Respingando da cabeça aos pés,
Brett virou-se sem graça para a platéia que o observava com um misto de
divertimento e curiosidade. A que ponto aquela atrevida o fizera chegar!

Edição 382
Revivendo o Passado
Patrícia Wilson

Com uma emoção estranha brilhando no olhar, Olívia observava o


horizonte, procurando ansiosa pela ilha de Illyaros. Estava voltando para
casa...
Depois de três anos, o ex-marido conseguira o temido reencontro.
A seu lado, debruçado sobre a amurada do barco, Andreas fechava-se
num silêncio ameaçador, que a enchia de apreensão. E se tudo aquilo não
passasse de uma armadilha? E se ele nunca mais lhe permitisse sair da
ilha, impedindo-a de retornar para Nick, aquele doce garotinho de cuja
existência Andreas jamais tivera conhecimento?

91 Livros Corações – Projeto Revisoras

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