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PROCESSO GRUPAL E PRÁXIS

CIENTÍFICA EDUCATIVA

A HISTÓRIA DO GEIPEEthc
2
Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho
Rodrigo Lima Nunes
Ariana Aparecida Nascimento dos Santos
Tatiane da Silva Pires Felix
(Organizadores)

PROCESSO GRUPAL E PRÁXIS


CIENTÍFICA EDUCATIVA

A HISTÓRIA DO GEIPEEthc

3
Copyright © das autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser


reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os
direitos das autoras e autores.

Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho; Rodrigo Lima Nunes; Ariana


Aparecida Nascimento dos Santos; Tatiane da Silva Pires Felix (Orgs.)

Processo grupal e práxis científica educativa: a história do


GEIPEEthc. São Carlos: Pedro & João Editores, 2018. 294p.

ISBN 978-85-7993-578-7

1. História do GEIPEEthc. 2. Processo grupal na Universidade. 3.


Práxis científica educativa. 4. Autoras/autores. I. Título.
CDD – 370

Capa: Andersen Bianchi


Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil);
Nair F. Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura
(UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil);
Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 - São Carlos – SP
2018

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O processo grupal é um desafio na sociedade atual, no entanto,
quando se efetiva através de uma práxis científica educativa, torna-se
caminho para a transformação humana e social.

(Tuim, Rod, Tati e Kika)

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SUMÁRIO

PREFÁCIO - PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E A 11


PRÁXIS SOCIAL E EDUCATIVA
Sueli Terezinha Ferrero Martin

APRESENTAÇÃO - PROCESSO GRUPAL E CONSTRUÇÃO 23


COLETIVA DO CONHECIMENTO: A HISTÓRIA DO
GEIPEEthc
Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho

CAPÍTULO 1
BRINCADEIRA DE PAPÉIS SOCIAIS E 49
DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA INFANTIL:
IMPLICAÇÕES DA ALIENAÇÃO SOCIAL CAPITALISTA
NA CONSTIUIÇÃO DO PSIQUISMO DA CRIANÇA
Rodrigo Lima Nunes

CAPÍTULO 2 73
A DIALÉTICA TIMIDEZ-INTIMIDAÇÃO NA ESCOLA:
UMA DISCUSSÃO HISTÓRICO-CULTURAL DESTE
PROCESSO
Tatiane da Silva Pires Felix

CAPÍTULO 3 93
COMPREENSÃO DO MOVIMENTO HUMANO A PARTIR
DO CONCEITO DE ATO MOTOR VOLUNTÁRIO: UMA
DISCUSSÃO HISTÓRICO-CULTURAL
Rafael Cesar Ferrari

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CAPÍTULO 4 115
A ATIVIDADE DA DANÇA COMO MEDIADORA NO
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA MEMÓRIA
VOLUNTÁRIA E INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM
SÍNDROME DE DOWN
Ariana Aparecida Nascimento dos Santos

CAPÍTULO 5 137
RESENHA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
INTITULADA “TERAPIA OCUPACIONAL EDUCACIONAL:
REVENDO O DESENVOLVIMENTO INFANTIL POR MEIO
DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL”
Ariana Aparecida Nascimento dos Santos

CAPÍTULO 6 143
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E A ATIVIDADE:
REFLEXÕES ACERCA DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO NA IDADE PRÉ-ESCOLAR
Janaína Pereira Duarte Bezerra

CAPÍTULO 7 165
RESENHA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
INTITULADA "DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
INFANTIL À LUZ DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL:
CONTRIBUIÇÕES DE PRÁTICAS LITERÁRIAS NA
PRIMEIRA INFÂNCIA"
Rodrigo Lima Nunes
Ariana Aparecida Nascimento dos Santos
Tatiane da Silva Pires Felix
179
CAPÍTULO 8
OLHAR CRÍTICO SOBRE A AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
EM PSICOLOGIA ATRAVÉS DA LENTE HISTÓRICO-
CULTURAL
Luis Henrique Zago

8
CAPÍTULO 9 207
IMPLICAÇÕES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PARA O
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
CONCEITUAL
Vinicius dos Santos Oliveira

CAPÍTULO 10 227
PROCESSO DE PESQUISA-INTERVENÇÃO HISTÓRICO-
CULTURAL: POSSIBILIDADES DE AÇÃO, REFLEXÃO E
HUMANIZAÇÃO NA ESCOLA
Fabiane Salomão Souza

CAPÍTULO 11 245
OS MOVIMENTOS DO BEBÊ, SOB A LUZ DA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL, COMO SINAIS ORIENTADORES
PARA O TRABALHO DOCENTE NA CRECHE
José Ricardo Silva

CAPÍTULO 12 261
O ENSINO DAS ARTES E O DESENVOLVIMENTO DAS
EMOÇÕES E SENTIMENTOS DAS CRIANÇAS NO MEIO
ESCOLAR: REFLEXÕES ACERCA DE UM PROCESSO
INTERVENTIVO FORMATIVO
Tatiane da Silva Pires Felix

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PREFÁCIO

PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E A
PRÁXIS SOCIAL E EDUCATIVA

Sueli Terezinha Ferrero Martin1

O homem não nasce dotado das aquisições históricas da


humanidade. Resultando estas do desenvolvimento das
gerações humanas, não são incorporadas nem nele, nem
nas suas disposições naturais, mas no mundo que o rodeia,
nas grandes obras da cultura humana. Só apropriando-se
delas no decurso da sua vida ele adquire propriedades e
faculdades verdadeiramente humanas (LEONTIEV, 1978,
p.282-283).

Ao iniciar essa abordagem sobre a investigação científica no


âmbito da práxis social e educativa, a partir do acúmulo de dez
anos do Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação
Escolar e Teoria Histórico-Cultural (GEIPEEthc) expresso nesta
coletânea, nos damos conta do tempo e as lembranças retornam
há aproximadamente vinte anos quando compartilhamos com
Tuim projetos tão importantes e interessantes como o Núcleo da
Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e o início
do Núcleo de Estudos e Pesquisas “Psicologia Social, Saúde e
Educação: contribuições do marxismo” (NEPPEM) há 19 anos na

1 Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP, docente do Departamento de


Neurologia, Psicologia e Psiquiatria e do Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva, Faculdade de Medicina, Unesp-Botucatu. Coordenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisa “Psicologia Histórico-Cultural e Saúde Coletiva”.
E-mail: suelitfmartin@gmail.com

11
Unesp de Bauru. E o GEIPEEthc já completa dez anos... Une em
torno de si um grupo de pessoas, trabalhadores e pesquisadores
em educação que coloca como foco de suas atividades o
desenvolvimento humano na perspectiva da Teoria Histórico-
Cultural, tendo como base teórico-metodológica o materialismo
histórico e dialético, sempre vinculando o conhecimento
produzido a uma nova prática que potencialize o processo de
humanização.
Ao fazer esse caminho nos colocamos diante de questões
fundamentais e que, embora debatidas e sistematizadas há muito
tempo, exigem a retomada de alguns pressupostos. As questões
que aí se encontram remetem-nos a uma tensão histórica contínua
na produção do conhecimento, que é a relação sujeito/objeto.
Objetividade, dialética, sistematização, neutralidade, etc., são
conceitos desenvolvidos historicamente, de acordo com a
necessidade humana de conhecer determinadas realidades sociais
ou naturais.
Diversas são as formas de apropriação da realidade e de
produção de conhecimentos, como a arte, a religião e a ciência. A
ciência norteia a produção de seu conhecimento através de uma
forma sistematicamente organizada do pensamento objetivo,
resultado de um processo social, visto que ela ocorre, por um
lado, baseada em conhecimentos já acumulados socialmente e, de
outro, sustentada pela produção material de milhões de homens e
mulheres que, num processo extremamente discrepante,
possibilitam a produção científica. Segundo Kopnin (1978), “a
investigação científica enquanto ato de conhecimento se realiza à
base da interação prática do sujeito com o objeto. Ela constitui
uma forma teórica de apreensão do objeto pelo sujeito, nela se
manifesta especialmente a natureza social do sujeito” (p.226,
Grifos do autor)
Real ou realidade, desde os primórdios da ciência moderna,
abriu-se para compreensões variadas. A realidade, contudo, aqui
é entendida como processo histórico e social constituindo-se de

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relações dos homens entre si e dos homens com a natureza; nesse
movimento, constituem-se os seres e suas significações.
A definição geral do que entendemos por real/realidade nos
possibilita determinar quais os instrumentos para obtenção de
informações e interpretação dessa realidade. Como entendemos o
mundo, os fenômenos sociais, as instituições, os homens, o papel
da ciência, etc.; é a partir da concepção teórica a respeito dessas
questões que melhor podemos definir as maneiras e os
instrumentos para obtenção e interpretação de aspectos da
realidade a que nos propomos.
Em linhas gerais, método científico é a maneira de se ver e
entender o mundo; ou seja, a maneira como desenvolver a
capacidade de obter e interpretar informações e de estabelecer leis
ou relações interpretativas de caráter mais universal, embora
saibamos que são diversas as teorias que subsidiam a maneira de
ver e entender o mundo, entre elas o Materialismo Histórico e
Dialético, foco das nossas reflexões neste texto por ser a nossa
base filosófica e científica e também por ser a base explicitada na
produção apresentada nesta coletânea do GEIPEEthc.
Deste modo, partir da concepção materialista histórica e
dialética significa considerar a historicidade como categoria
fundamental e entendê-la como a busca das determinações
fundamentais de acontecimentos históricos importantes, que
impactaram na expressão dos mesmos em determinado momento
histórico, tendo como base o modo de produção e de troca
naquele contexto (ENGELS, 1880/1974). É um processo em
constante movimento e transformação, ou seja, expressa
contradições e diferenciações importantes no seu interior, já que a
apropriação de uma teoria, historicamente constituída, não ocorre
de um modo homogêneo e tranquilo, tendo relação direta com as
condições concretas e o acúmulo histórico-cultural em que está
inserida.
No Prefácio de “Para a crítica da economia política”, Marx
afirma que o fio condutor de seus estudos resumia-se da seguinte
maneira: "na produção social da própria vida, os homens

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contraem relações determinadas, necessárias e independentes de
sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma
etapa determinada de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais” (MARX, 1859/1978a, p.129). É, segundo o
autor, da totalidade destas relações de produção que se forma a
estrutura econômica da sociedade, que é “a base real sobre a qual
se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à
correspondem formas sociais determinadas de consciência" (p.
129-130).
A "unidade do diverso", para Marx, é como se apresenta o
concreto para o pensamento, ou seja, como "resultado”, como
"processo de síntese”, embora seja tão somente o ponto de partida
para a intuição e a representação. Nesse sentido, ele nos diz: "O
concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações,
isto é, unidade do diverso” (MARX, 1859/1978a, p.116). Assim, o
concreto para Marx aparece no pensamento como o processo de
síntese, como resultado, e não como ponto de partida, “ainda que
seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida
também da intuição e da representação. [...] as determinações
abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do
pensamento" (p.116-117).
Anteriormente, em suas Teses contra Feuerbach, Marx define
alguns pontos de fundo de seu pensamento em contraposição às
teorias de até então. Com relação ao materialismo de sua época,
afirmava que sua falha fundamental era "captar o objeto, a
efetividade, a sensibilidade apenas sob a forma de objeto ou de
intuição, e não como atividade humana sensível, práxis; só de um
ponto de vista subjetivo” (MARX, 1845/1978b, p.51). Portanto, o
problema do pensamento sobre uma verdade objetiva não caberia
à teoria, e, sim, à prática, pois é "na práxis que o homem deve
demonstrar a verdade, o saber, a efetividade e o poder, a
citoriedade de seu pensamento" (p.51). Em consequência dessas
premissas, Marx sintetiza: "Os filósofos se limitaram a interpretar o
mundo diferentemente, cabe transformá-lo” (MARX, 1845/1978b,
p.53) [Grifos do autor].

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O materialismo histórico busca a superação do materialismo
tradicional e do idealismo. Seus pensadores colocam que o
materialismo tradicional "só capta o objeto (Gegenstand), a
realidade, o sensível, sob a forma de objeto (Objekt) ou de
contemplação (Anschaung), não como atividade humana sensorial,
como prática; não de um modo subjetivo" (VASQUEZ, 1977,
P.150-151). Dessa forma, o papel do sujeito é passivo e inativo. No
entanto, para o materialismo histórico o objeto é compreendido
enquanto atividade humana, como prática, ou seja,
subjetivamente. "O objeto do conhecimento é produto da
atividade humana, e como tal - não como mero objeto de
contemplação - é conhecido pelo homem." (VASQUEZ, 1977,
p.152).
Mas esse conhecimento não pode se reduzir à representação
mais imediata do objeto, pois como afirma Marx “toda ciência
seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a
aparência e a essência das coisas” (1894/1981, p.939),
apresentando uma crítica à análise fenomenológica ou descritiva
que toma o fenômeno tal como aparece externamente. Vygotski
(1931/1995) apoia tal visão quando afirma que se

[...] todos os objetos fossem fenotípica e genotipicamente


equivalentes (isto é, se os verdadeiros princípios de sua construção
e operação fossem expressos por suas manifestações externas),
então, a experiência do dia a dia seria plenamente suficiente para
substituir a análise científica. Tudo o que vimos teria sido sujeito do
conhecimento científico (p.103-104).

Ou seja, a produção do conhecimento na perspectiva do


materialismo histórico, pressupõe ir além da aparência do
fenômeno, buscando revelar as relações dinâmico-causais reais
subjacentes e captar as mediações que o determinam e o
constituem, contribuindo para que o concreto abstrato
transforme-se em concreto pensado, “uma rica totalidade de
determinações e relações diversas” (MARX, 1978a, p.116). Neste

15
sentido, caracteriza-se fundamentalmente enquanto análise do
processo e não do objeto, sendo, portanto, uma análise explicativa
e não descritiva.
Com relação ao idealismo, o materialismo histórico coloca
que ele desenvolveu o lado ativo, a atividade subjetiva no
processo do conhecimento. O sujeito para o idealismo, não capta
determinados objetos, em si, mas produtos de sua atividade.
Apesar de ter o mérito de haver assinalado o papel ativo do
sujeito na relação sujeito-objeto, o idealismo não inclui a atividade
prática, sensível, real como parte integrante do processo de
conhecimento.
Fica evidente, então, que para o materialismo histórico e
dialético e, portanto, para a Psicologia Histórico-Cultural, a
produção científica só tem sentido se superar o caráter
contemplativo da realidade e contribuir para a sua transformação;
ou pelo menos, no contexto atual mais restrito da vida cotidiana
sob o capitalismo, minimizar os efeitos deletérios que essa
organização social causa aos indivíduos e coletivos.
A realidade é concebida como "um todo indivisível de entidades
e significados, e é implicitamente compreendida em unidade de
juízo de constatação e de valor" (KOSIK, 1976, p.24). O autor
defende que este todo é acessível ao homem, mas inicialmente é
um todo caótico e obscuro. "O caminho entre a 'caótica
representação do todo' e a 'rica totalidade da multiplicidade das
determinações e das relações' coincide com a compreensão da
realidade” (p.29-30). Porém, como o todo não é imediatamente
cognoscível para o homem não é possível "compreender
imediatamente a estrutura da coisa ou a coisa em si mediante a
contemplação ou a mera reflexão, mas sim mediante uma
determinada atividade. [...]. Estas atividades são os vários modos
da apropriação do mundo pelos homens" (p.22-23). O
conhecimento representa, portanto, um dos modos de apropriação
do mundo pelo homem e, segundo Kosik, "cada modo de
apropriação da realidade, é uma atividade baseada na práxis
objetiva da humanidade e, portanto, ligada a todos os outros

16
vários modos, em medida maior ou menor" (p.23-24) [Grifos do
autor].
Tendo como base os pressupostos anteriormente
apresentados, a Psicologia Histórico-Cultural, produção soviética
que dá sustentação para todos os capítulos desta coletânea,
favorece a análise histórica e crítica da sociedade e do
desenvolvimento humano e supera muitas dicotomias
epistemológicas como a relação cognição/afeto, subjetividade/
objetividade, consciência/inconsciência, saúde/doença, universal/
singular, biológico/social.
No entanto, a realidade, em particular a prática educativa,
ainda apresenta algumas questões apontadas por Vigotski em
1931, ou seja, as dificuldades que a psicologia daquela época tinha
para compreender o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores como determinação do processo histórico,
“confundindo o natural e o cultural, o natural e o histórico, o
biológico e o social no desenvolvimento psíquico da criança ...”
(1931/1995, p. 12). Como constatamos nos relatos das pesquisas
apresentadas, todas elas tendo como ponto de partida a atividade
no espaço escolar, desde experiências com a educação infantil,
como também com os primeiros anos da educação fundamental,
há ainda uma forte tendência à naturalização e biologização da
conduta das crianças.
Assim, é importante retomarmos os três conceitos
fundamentais para o estudo dos processos psíquicos, tal como nos
apresenta Vigotski: conceito de função psíquica superior; conceito de
desenvolvimento cultural da conduta; domínio dos próprios processos do
comportamento. Ele esclarece que o conceito de funções psíquicas
superiores, aquelas cujas características principais são a
consciência refletida e o controle deliberado, só aparecem num
estágio relativamente tardio do desenvolvimento e abarca dois
grupos de fenômenos que, apesar de parecerem completamente
heterogêneos, estão indissoluvelmente unidos. São eles: processos
de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e do
pensamento (a linguagem, a escrita, o cálculo, o desenho);

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processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores
especiais (atenção voluntária, memória lógica, formação de
conceitos etc.) (VYGOTSKI, 1931/1995).
Embora as funções psíquicas superiores na sua forma mais
elaborada só apareçam em estágio tardio, não podemos perder de
vista o caráter processual e cumulativo do desenvolvimento
humano. Assim, a preocupação com a criança desde seu
nascimento e a práxis educativa devem contribuir para que esse
processo seja exitoso e provoque o máximo de desenvolvimento
possível. Nunca é demais lembrar que o desenvolvimento
humano ocorre na relação com a própria vida do indivíduo:
relação com a atividade, tanto aparente quanto interna. O lugar
ocupado pelo indivíduo nas relações sociais, suas condições reais
de vida, é a primeira coisa que deve ser notada quando buscamos
compreender as determinações do desenvolvimento do
psiquismo. (VYGOTSKI, 1931/1995).
Neste sentido, investigar a atividade de jogo, a dança,
brincadeiras, o movimento através do ato motor voluntário, as
relações estabelecidas pelas crianças entre elas e entre elas e seus
professores, a avaliação do desenvolvimento, o processo
diagnóstico dos problemas escolares, o desenvolvimento da
consciência, o pensamento conceitual, tal como fazem os autores
desta coletânea, é fundamental. Mas o grupo não apresenta uma
série de pesquisas isoladas. Elas estão articuladas entre si e
remetem sempre a uma nova prática junto aos alunos, professores
e gestores, que apresenta um caráter formativo importante para
contribuir com o desenvolvimento das crianças.
Ao fazer esse caminho, o GEIPEEthc é coerente com a Teoria
Histórico-Cultural quanto ao fato de que o processo de
desenvolvimento das funções psíquicas especificamente humanas
depende de leis sociais objetivas e ocorrem por meio da
apropriação da produção social acumulada historicamente. Não
está submetido às leis biológicas, mas às leis sócio-históricas: as
desigualdades entre os homens não provêm das suas diferenças
biológicas naturais. Elas são produtos da desigualdade econômica

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(LEONTIEV, 1967/1978). Para o autor, a análise dessas condições
objetivas é o ponto de partida para a compreensão do seu
psiquismo e dos motivos subjacentes às atividades que realiza. O
papel do professor na criação de condições que propiciem o
surgimento de atividades humanizadoras e de fortalecer
atividades já existentes, assim como para estimular as mudanças
de uma atividade para outra, é fundamental. Para que o educador
cumpra esse papel, ele precisa conhecer quais as atividades
fundamentais para o grupo com que trabalha e qual o sentido que
determinados conteúdos têm para o sujeito.

Portanto, para o desenvolvimento do indivíduo, é fundamental que


a educação escolar e, em última instância, o educador cumpra o
papel de mediar a apropriação do saberes sistematizados, os quais
surgem como respostas às necessidades concretas enfrentadas pelos
indivíduos em sua prática social no processo histórico. E, se por um
lado, tal mediação forma o indivíduo enquanto força de trabalho
necessária para a manutenção do sistema capitalista, por outro é
também por meio da aquisição desses saberes que se originam os
elementos para que os indivíduos atuem no meio social numa
perspectiva de resistência ao que está posto. (SILVA; SILVA;
MARTINS, 2004, p.37)

Em síntese, ao adentrar na atividade de pesquisa é essencial


ter clareza de que a práxis é uma relação prático-humana com a
realidade e nos coloca questionamentos iniciais que devem
provocar nossa reflexão começando por nos perguntar sobre o
significado de pesquisar a realidade social e os motivos que nos
levam a fazer tal empreitada. Ao mesmo tempo não podemos
esquecer que o cotidiano expressa a alienação e, portanto, para
superar a representação imediata que nos é apresentada em um
primeiro momento, é fundamental compreender a relação
dialética aparência-essência dos fenômenos e que, para além da
constatação é necessário produzir conhecimentos que questionem
e contribuam para transformar a sociedade. Desdobram-se daí
algumas questões éticas: a contribuição para a realização das

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possibilidades imanentes ao gênero humano; compromisso social
e político do pesquisador e de sua produção; as especificidades e
as relações entre singularidade, particularidade e generecidade do
fenômeno pesquisado.

Eu sustento que a única finalidade da ciência está em


aliviar a miséria da existência humana. (Bertolt Brecht)

REFERÊNCIAS

BRECHT, B. Poemas – 1913/1956. Seleção e tradução Paulo César


de Souza. 6ª ed., São Paulo: Ed. 34, 2001.
ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Lisboa:
Estampa, 1974.
KOPNIN, P.V. A dialética como lógica e teoria de conhecimento. Trad.
Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
(Perspectivas do Homem, 123)
KOSIK, K. Dialética do concreto. 2a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1976.
LEONTIEV, A.N. (1967) O homem e a cultura. In:____. O
desenvolvimento do psiquismo. Trad. Manuel D. Duarte. Lisboa:
Horizonte Universitário, 1978, p.261-284.
MARX, K. (1859). Para a crítica da economia política. In:
GIANNOTTI, J. A.(Org.). MARX. Tradução José Arthur Giannotti
e Edgar Malagodi. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978a. p.101-
132. (Os Pensadores)
MARX, K. (1845). Teses contra Feuerbach. In: GIANNOTTI, J.A.
(Org.). MARX. Tradução José Arthur Giannotti e Edgar Malagodi.
2ª ed., São Paulo: Abril Cultural, 1978b. p.49-53. (Os Pensadores)
MARX, K. (1894) O processo global da produção capitalista.
In:____. O capital. (Crítica da economia política). Trad. Reginaldo
Sant’Anna. 3.ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. Livro
Terceiro, Vol. VI. P.703-1079. (Perspectivas do Homem, 38-E)

20
SILVA, C.R.; SILVA, L.F; MARTINS, S.T.F. Marxismo, ciência e
educação: a práxis transformadora como mediação da produção
do conhecimento. In: MARTINS, S.T.F. et al. Marxismo, ciência e
educação: a práxis transformadora como mediação da produção do
conhecimento. Bauru: NEPPEM, 2004, p.21-39.
VASQUEZ, A.S. Filosofia da práxis. Trad. Luiz Fernando Cardoso.
2ª. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
VYGOTSKI, L.S. (1931) Historia del desarrollo de las funciones
psíquicas superiores. In: ____. Problemas del desarrollo de la psique.
Tradução Lydia Kuper. Madrid: Visor Dist., 1995. p.181-285.
(Obras escogidas, III)

21
22
APRESENTAÇÃO

PROCESSO GRUPAL E CONSTRUÇÃO COLETIVA DO


CONHECIMENTO: A HISTÓRIA DO GEIPEEthc1

Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho

A dialética materialista histórica encontra-se nas relações


sociais e na vida de todo o ser humano, como também na
natureza, isso é inegável! A compreensão desse fenômeno,
portanto, é a chave para entendermos o movimento de
transformação natural, humana e social e para lutarmos por
melhores condições de vida em sociedade, principalmente pelas
condições de educação na escola e construção do conhecimento na
universidade, pois encontram-se ai as possibilidades de
humanização dos seres humanos. Foi por meio dessa
forma/conteúdo de compreender a vida humana em movimento
que o GEIPEEthc se constituiu!
A história da construção coletiva do GEIPEEthc coincide com
a história de formação acadêmica de seus fundadores, os quais,
movidos por necessidades de estudos científicos, reflexão e ação
pedagógica crítica na escola, resolveram se juntar e compartilhar
conhecimentos e experiências educativas, assim como, buscar
possibilidades teórico-metodológicas críticas para atuarem como
pesquisadores em educação escolar.
Esse movimento histórico do GEIPEEthc tem início no ano de
2008 na UNESP-Presidente Prudente e no interior do Curso de
Educação Física, curso ao qual credenciei-me como docente em
outubro de 2007, após aprovação em concurso público para

1 Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria


Histórico-Cultural.

23
ministrar as disciplinas de “atividades aquáticas e atividades
rítmicas”, “metodologia de pesquisa em educação” e
“psicomotricidade”.
Ao deparar-me com o edital do concurso, pensei,
prioritariamente, nas disciplinas psicomotricidade e metodologia
de pesquisa, pois vinha estudando psicologia histórico-cultural
desde o final da minha graduação em psicologia no ano de 1996
na UNESP-Bauru e também por ter acumulado conhecimentos
sobre pesquisa social, dada minha incursão na psicologia social e
escolar e pela participação no Núcleo de Estudos e Pesquisas
“Psicologia Social, Saúde e Educação: contribuições do marxismo”
(NEPPEM). Credenciei-me também para as atividades aquáticas e
rítmicas, pois contava com a experiência de ex-atleta e técnico de
polo-aquático e com uma breve, embora significativa, passagem
pela dança e teatro nos anos 1980, quando da minha graduação
em Educação Física, também realizada na UNESP-Bauru.
Enfim, assumi o desafio e fui aprovado para ocupar o cargo
de Professor Assistente Doutor no curso de Educação Física. Ao
chegar em Presidente Prudente, fui convidado pelo Prof. Dr. José
Milton Lima, que na época era Chefe do Departamento de
Educação Física, para participar do seu grupo de pesquisa
intitulado “Saberes e Fazeres em Educação”, do qual também
fazia parte a sua esposa, Profa. Dra. Márcia Regina Canhoto de
Lima, recém contratada como docente do mesmo curso.
Iniciei minhas atividades no grupo “Saberes e Fazeres” em
janeiro de 2008, tendo uma atuação bastante discreta, pois tratava-
se de um grupo que me acolhia e tinha suas características e
escolhas teóricas e metodológicas. Fui aos poucos me apropriando
dos “saberes e fazeres” do grupo e, paulatinamente,
implementando as reflexões histórico-críticas que havia
acumulado ao longo de minha trajetória de estudos. No entanto,
em meados deste mesmo ano, deparo-me com uma divergência
teórico-metodológica no interior do grupo, a qual, de certa forma,
levou à minha posterior saída do “saberes e fazeres”.

24
Eu vinha estudando de forma sistemática o método
materialista histórico dialético desde o final de minha graduação
em Psicologia na UNESP-Bauru (1995-96), método que tornou-se
basilar para meus pensamentos, estudos, pesquisas e ações em
educação escolar e na escola pública. Portanto, estava disposto a
implementar essa forma de pensar e fazer pesquisa no curso de
Educação Física da UNESP-Presidente Prudente e construir minha
carreira acadêmica. Tinha plena convicção sobre essa decisão!
Com a premente saída do “saberes e fazeres”, a organização
de um novo grupo de pesquisa tornava-se vital para o meu
desenvolvimento profissional no interior da UNESP. Tinha
clareza que o trabalho coletivo era o melhor caminho para
avançar nos estudos, pesquisas e produção de conhecimento e
para a construção de novas possibilidades de ensino e trabalhos
de extensão à comunidade. Para isso, trazia da psicologia social as
discussões sobre o processo grupal, conceito revolucionário para
pensarmos a nossa atuação em grupo.
O grande desejo, portanto, era desempenhar a função de
docente-pesquisador e contribuir, pela via da educação escolar,
para com o processo de transformação humana e social. Para a
efetivação desse movimento, não poderia manter-me sozinho;
precisava construir um processo grupal e enfrentar os novos
desafios colocados à minha vida, em decorrência da minha
inserção em uma universidade pública.
Assumia o princípio colocado por Lane (1984) e Martín-Baró
(1989) de reconhecimento do grupo como uma experiência
histórica, que se constrói num tempo e espaço determinado e
como fruto de relações decorrentes da vida e contradições sociais.
Esse movimento dialético, reconhecido como processo grupal,
traz para a experiência presente dos indivíduos, aspectos gerais
da sociedade de classes que são expressos em contradições que
emergem no próprio grupo, possibilitando, assim, vivências
críticas e marcadas pela experiência histórica e social.
Para Martins (2003, p.209-210):

25
O processo grupal estimula a reflexão individual e coletiva, no
sentido de possibilitar que seus membros se conscientizem de sua
identidade psicossocial. É o espaço para a problematização do
cotidiano, para o desencadeamento de novas relações e vínculos
afetivos, para a expressão de opiniões e sentimentos. A partir do
grupo torna-se possível identificar as diferenças e as semelhanças
nas experiências individuais. Portanto, formação e informação,
possibilitam o confronto de valores, de experiências, de sentimentos
e de informações (senso comum versus conhecimento científico)
que gera reflexão e a valorização dos indivíduos, e os impulsionam
para a ação.

É importante salientar que a possibilidade de existência do


GEIPEEthc, começa durante a minha permanência no “saberes e
fazeres”, quando em meados do ano de 2008, um pequeno grupo
de alunos do curso de Educação Física, membros daquele grupo,
interessa-se em estudar o tema “Desenvolvimento humano e
teoria histórico-cultural”, fato bastante motivador e que
desencadeou reflexões e ações importantes na época.
Chegávamos no segundo semestre de 2008 e com esse
pequeno grupo de estudantes, composto por Rodrigo Lima
Nunes, Tatiane da Silva Pires Felix, Marcio Luiz Braghim e Thiago
Henrique de Carvalho, iniciamos nossos estudos sobre a teoria
histórico-cultural no interior da UNESP-Presidente Prudente.
Posteriormente, outro estudante do curso, Anderson Pelegrini,
inserir-se-á no grupo, compondo com aqueles que serão, ao meu
lado, os fundadores do GEIPEEthc.
Marco importante nesse movimento de nascimento do
GEIPEEthc foi a discussão e decisão que tomamos, numa reunião
em minha sala no Departamento de Educação Física, sobre a
participação na “Semana da Pedagogia”, que seria realizada em
outubro de 2008. Encontravam-se nessa discussão Rodrigo,
Tatiane, Márcio e Thiago e decidimos pela nossa participação. É
Rodrigo quem toma a iniciativa de produzir o trabalho intitulado
“Os jogos de papéis na teoria histórico-cultural”, o qual foi
apresentado como 'comunicação oral' no citado evento. Tivemos,

26
assim, a primeira publicação e apresentação de um membro do
grupo em evento acadêmico.
Em seguida ao evento da “Semana da Pedagogia”, marcamos
nova reunião, essa para o dia 15 de outubro de 2008, novamente
em minha sala no Departamento de Educação Física, para o
primeiro momento de estudos sistemáticos do grupo. O texto,
objeto de discussão foi “Formação do indivíduo, consciência e
alienação” de Newton Duarte (2004). Sem que soubéssemos,
estávamos realizando a primeira reunião formal de estudos do
futuro GEIPEEthc.
Considerando esses marcos e encontros ao longo de 2008,
penso que 15/10/2008 pode ser considerada a data de inauguração
do GEIPEEthc e, embora ainda não tivéssemos esse nome, já nos
posicionávamos como estudiosos da teoria histórico-cultural, para
pensarmos sua inserção na educação escolar e, sobretudo, no
interior da escola pública, pressuposto constituinte do processo
grupal que se iniciava.
Outro importante fato é que, durante um desses encontros,
decidimos que os trabalhos do grupo se caracterizariam por
intervenções concretas no interior da escola pública, pois os
estudos do materialismo histórico dialético (MHD) nos colocavam
o compromisso ético-político e teórico-metodológico com a
construção de uma práxis educativa crítica e, portanto, voltada ao
processo de transformação humana e social por meio da educação
escolar. Essa torna-se, sem dúvida, a marca indelével do
GEIPEEthc desde as suas origens!
Como disse, estávamos iluminados pelos pressupostos do
MHD e engajados num movimento dialético grupal, ainda
bastante incipiente, no entanto, convictos da necessidade de
transformação da educação escolar e da escola pública, desde a
sua estrutura e dinâmica, para ser pensada e organizada numa
perspectiva de comunidade, como apregoado por Viotto Filho
(2009).
Nesse movimento de organização do GEIPEEthc e
preocupados com a efetivação de trabalhos de pesquisa e

27
intervenção, propusemos o primeiro projeto de Iniciação
Científica do grupo, o qual foi aprovado ainda no ano de 2008,
pelo PIBIC-CNPq. Esse trabalho foi encabeçado por Márcio Luiz
Braghim e intitulado “Compreendendo as concepções de
educação e desenvolvimento humano presentes na fala de
professores de educação infantil”, realizado junto aos professores
da Escola Municipal de Educação Infantil Ettore Maringoni,
localizada no Distrito de Montalvão em Presidente Prudente/SP.
Estávamos motivados com os estudos da teoria histórico-
cultural e decidimos propor uma disciplina optativa, para o
primeiro semestre de 2009, voltada aos estudantes dos cursos de
Educação Física e Pedagogia da UNESP-Presidente Prudente. A
disciplina, intitulada “Teoria histórico-cultural, educação e
formação do indivíduo”, aconteceu no prédio da Pedagogia, às
sextas-feiras à tarde, com ótima frequência de ambos os cursos.
Certamente, essa disciplina foi decisiva para a concretização do
GEIPEEthc, vez que aglutinamos outros adeptos à discussão que
estávamos propondo e nos tornávamos mais conhecidos no
campus.
No ano de 2009 outros projetos de iniciação científica, como
também de extensão à comunidade, foram construídos, os quais
foram encaminhados ao PIBIC-CNPq, a PROEX (Pró-reitoria de
extensão) e ao Programa Núcleo de Ensino da PROGRAD (Pró-
reitoria de graduação) da UNESP, afim de conseguirmos bolsas de
estudos aos estudantes de graduação e, desta forma, avançarmos
em nossos trabalhos de intervenção e pesquisa no interior da
escola pública.
Tivemos o primeiro projeto de extensão aprovado em 2009
pelo Programa Núcleo de Ensino-PROGRAD da UNESP e
intitulado “A atividade coletiva, lúdica e consciente nas aulas de
educação física como mediadora na transformação da
subjetividade humana: possibilidades práticas de superação da
exclusão e da violência presentes na escola”, título tão grande
quanto os nossos sonhos de realizar um trabalho comprometido
com a escola pública! Fomos contemplados com 02 bolsas de

28
estudo e o desenvolvemos na E.E. Catarina Martins Artero em
Presidente Prudente/SP e contamos com o apoio incondicional da
Diretora Ana Lúcia Pires de Santi, da Vice-diretora Cilmara
Aparecida Mari Dutra e da Coordenadora pedagógica Cícera
Barbosa da Silva; educadoras inesquecíveis e que ajudaram a
construir a história do nosso grupo.
Nesse processo de construção e efetivação do GEIPEEthc,
ampliamos nossa atuação na escola pública e tivemos, ainda em
2009, mais um projeto de Iniciação Científica PIBIC-CNPq,
aprovado com bolsa de estudos para Tatiane da Silva Pires Felix e
intitulado "Superando a timidez na escola: a educação física
infantil como atividade imprescindível na sociabilidade da
criança". Esta pesquisa também foi desenvolvida no interior da
Escola Estadual Catarina Martins Artero em Pres. Prudente/SP.
Uma curiosidade é que a sigla GEIPEEthc é incorporada ao
grupo somente no final de 2009, após quase um ano de trabalho
coletivo na escola. Lembro-me que vários nomes foram propostos,
conforme constatei na minha agenda daquele ano, desde CEPEd
(Centro de Estudos e Pesquisas em Educação), CEPEF (Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação Física) e GEIPED (Grupo de
Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação). Por fim, após
longa discussão, escolhemos GEIPEE (Grupo de Estudos,
Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar) e posteriormente
incluímos o thc na sigla, para salientar a Teoria Histórico-Cultural
como base teórica e metodológica do grupo.
A escolha do termo Teoria histórico-cultural (thc) em lugar
de Psicologia histórico-cultural (phc) para o GEIPEE, deu-se
porque os nossos trabalhos de pesquisa se concentravam na área
da educação física escolar e priorizavam ações voltadas ao
processo de aprendizagem e desenvolvimento motor, psicomotor
e psicológico dos seres humanos reconhecidos na sua totalidade,
não focando, exclusivamente, nas funções psicológicas. Esse fato
tornou-se notório para acoplarmos o thc ao GEIPEE no lugar de
phc, considerando que Teoria histórico-cultural possibilita uma
amplitude maior de compreensão e análise dos fenômenos

29
humanos sejam eles quais forem e, simultaneamente, da complexa
totalidade que é o ser humano.
Para nós o termo Teoria histórico-cultural apresenta-se mais
abrangente à medida que tomamos os pressupostos Vigotskianos
e seus seguidores, para compreendermos o processo de
desenvolvimento humano desde os aspectos biológicos, passando
pelos motores involuntários e voluntários, psicomotores naturais
e aprendidos, até chegarmos nas funções psicológicas desde as
elementares até as superiores, reconhecendo o ser humano na sua
totalidade e como um sistema dialético complexo em movimento
natural-histórico-social.
O objetivo e compromisso do GEIPEEthc volta-se, então, à
compreensão dos indivíduos nos seus diferentes aspectos e
períodos de desenvolvimento, com foco, sobretudo, para as
crianças e jovens na educação escolar, analisando as implicações
da aprendizagem no processo de desenvolvimento e humanização
desses sujeitos, enfatizando a escola, o ensino e o papel dos
educadores nesse processo.
As ações do GEIPEEthc se ampliam quando do convite da
Profa. Ms. Edelvira C. Mastroianni (Mila) para participarmos do
LAR (Laboratório de Atividades Recreativas), pois preparava a
sua aposentadoria. Assumimos o LAR em 14 de outubro de 2009 e
convidamos a Profa. Dra. Rosiane Ponce do Departamento de
Educação para trabalhar conosco. Também passam a compor o
grupo, os estudantes Ariana Aparecida Nascimento dos Santos,
Rafael Cesar Ferrari e Maiara Pereira Assumpção, os quais eram
da Educação Física e orientandos da Profa. Mila. Posteriormente o
LAR será denominado 'Laboratório de Atividades Recreativas e
Ludo-pedagógicas', por defendermos a atividade lúdica como
forma de educação voltada à humanização dos indivíduos e
devidamente planejada e orientada pelo professor.
Adentramos em 2010 e várias conquistas acontecem no
GEIPEEthc, desde a minha chegada na Pós-graduação em
Educação e a proposição da disciplina "Teoria histórico-cultural,
educação escolar e formação humana". Assumo a orientação de

30
Anderson Pelegrini, que na época era orientando da Profa. Dra.
Maria de Fátima Salum e desenvolvia o projeto intitulado
“Análise de uma experiência de trabalho de formação de crianças:
a pobreza e a exclusão social em foco”, cuja defesa acontece no
ano de 2012.
Os primeiros projetos de pesquisa, gestados no interior do
GEIPEEthc e que chegam a pós-graduação, foram construídos
pelos estudantes Rafael Cesar Ferrari, Rodrigo Lima Nunes e
Tatiane da Silva Pires Felix. Todos aprovados no processo seletivo
do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) no ano de
2011, para desenvolver suas dissertações de mestrado sob minha
orientação. É importante ressaltar que Rafael e Rodrigo tiveram
seus projetos financiados pela FAPESP e Tatiane pela CAPES, ou
seja, o GEIPEEthc marcava presença de forma significativa no
PPGE da UNESP-Presidente Prudente.
Outro fato notório em 2011 é a aprovação pela FAPESP, do
projeto de Iniciação Científica de Ariana Aparecida Nascimento
dos Santos com a proposição da pesquisa "A dança como forma
de linguagem corpo (oral): buscando construir a função
psicológica superior memória em crianças com síndrome de
down". Essa pesquisa é desenvolvida no interior do LAR e tem
grande repercussão, sendo que, posteriormente, amplia-se para a
dissertação de mestrado na pós-graduação, cujo projeto também
foi financiado pela FAPESP.
Nesse intenso processo de estudos, pesquisas e produções
científicas, cunhamos coletivamente o conceito de pesquisa-
intervenção, com o objetivo de definir a natureza do trabalho
realizado no GEIPEEthc. Nossa intenção era demarcar as
atividades de pesquisa do grupo como práxis científica e voltada
ao processo de transformação humana pela via da educação
escolar e acesso à uma escola pública de qualidade, com vistas à
transformação social.
Podemos dizer que o conceito inicial presente nas pesquisas
do GEIPEEthc aproximava-se da pesquisa-ação (THIOLLENT,
2000). Com o passar do tempo e acumulo de conhecimentos

31
acerca de metodologias sociais de pesquisa (MINAYO, 2000) e do
materialismo histórico dialético (MARX, 2011), chegamos a
conclusão que incorporamos, por superação, os pressupostos
metodológicos da pesquisa-ação e cunhamos o conceito de
pesquisa-intervenção.
A pesquisa-intervenção desenvolvida pelo GEIPEEthc
configura-se por ações coletivas “in loco”, nos diferentes espaços
de atuação, desde o LAR até a escola pública. O trabalho coletivo
dirige-se para o enfrentamento dos problemas encontrados no
processo de aprendizagem e desenvolvimento humano e,
simultaneamente, voltado para a construção de conhecimentos
científicos com objetividade social, porque decorrentes da
realidade objetiva das instituições e sujeitos com quem
trabalhamos e compartilhamos nossos conhecimentos e
experiências.
Para nós o conceito de intervenção relaciona-se à uma forma
diferenciada, consciente e crítica de ação coletiva de
pesquisadores, orientada pelo método materialista histórico
dialético, com o objetivo de transformar a realidade concreta dos
sujeitos participantes do processo de pesquisa. Diante dessa
possibilidade, acreditamos que na escola, ao lado dos
pesquisadores encontram-se os gestores, professores, estudantes,
pais e familiares, os quais, conscientes do seu papel e organizados
coletivamente, poderão contribuir para a efetiva transformação
dessa instituição e das relações sociais e educativas nela presentes.
Com o tempo, sobretudo considerando os estudos de
Davidov (1988), avançamos nas reflexões teórico-metodológicas e
chegamos ao conceito de pesquisa-intervenção-formativa.
Proposta que coloca aos pesquisadores o compromisso ético-
político com a construção de conhecimentos aliados à
transformação da realidade pesquisada e dos sujeitos dela
participantes, os quais, ao construírem suas consciências numa
direção crítica por meio desse processo interventivo-formativo e
de conhecimento da realidade, poderão assegurar as
transformações realizadas no processo de pesquisa e avançar na

32
sua auto-organização com vistas à garantia do movimento de
transformação humana e social.
A pesquisa-intervenção-formativa não limita-se à
proposições pontuais de transformação da realidade, como na
pesquisa-ação, mas avança e configura-se como um processo
grupal de pesquisa, construído coletivamente e a longo prazo, que
deve considerar a escola e as relações sociais no seu movimento
contraditório e composto por múltiplas determinações, com a
finalidade de transformar essa instituição desde a sua estrutura e
dinâmica, como apregoa o materialismo histórico dialético.
A finalidade de um trabalho dessa natureza, portanto, é
investigar e compreender a realidade escolar por dentro da
própria escola, a fim de transformar as relações sociais e o
trabalho educativo nela realizado, com vistas à transformação
humana e social. Para a consecução desse objetivo, além da
investigação e ataque aos problemas cotidianos que afligem tal
instituição, há que se transformar a consciência dos alunos
participantes da pesquisa, enfatizando a ação prática coletiva
aliada à apropriação teórica de objetivações genéricas críticas. Há
que se conciliar investigação da realidade, estudo e trabalho
prático-teórico coletivo, contando com a participação dos
pesquisadores e sujeitos participantes. Desta forma, ampliam-se
as possibilidades de construção da consciência crítica e ação
transformadora envolvendo todos os sujeitos participantes do
processo de pesquisa.
Os avanços na metodologia de pesquisa implementada pelos
membros do GEIPEEthc têm sido sistematizados nos diferentes
trabalhos acadêmicos do grupo, enfatizando, sobretudo, a relação
dialética entre ação consciente, coletiva e crítica de pesquisadores,
processo de transformação da consciência dos sujeitos da pesquisa
e de conhecimentos com objetividade social, com objetivo de
transformação da escola atual na direção da construção de uma
escola-comunidade (VIOTTO FILHO, 2009). Essa é a tarefa
histórica a ser realizada e, obviamente, não se limita à construção
de uma dissertação ou tese, mas coloca os sujeitos participantes,

33
desde os próprios pesquisadores como também gestores,
professores, estudantes e seus pais/ responsáveis, em movimento
de transformação de suas consciências numa direção crítica e
humanizada.
Para Martins (2013), o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores é determinado pelas apropriações culturais
que o indivíduo realiza sob certas condições históricas e sociais e
inclui-se nessa possibilidade, as condições objetivas e educativas
presentes na educação escolar e, como temos defendido, também
na práxis cientifica educativa, como temos procurado realizar no
GEIPEEthc. O processo de construção da consciência humana,
portanto, implica a apropriação de conhecimentos, os quais,
quando de natureza crítica, contribuem para a formação de
sujeitos críticos, sendo que na pesquisa-intervenção-formativa
esse é um importante objetivo a ser conquistado.
É desta forma que a pesquisa-intervenção-formativa assume
o compromisso de enfrentamento coletivo dos problemas
concretos da escola e, ao mesmo tempo, efetivação de condições
para a construção de consciências críticas dos sujeitos
participantes do processo de pesquisa. Como sabemos, são os
próprios sujeitos sociais que, apropriados de conhecimentos
humano-genéricos e organizados coletivamente, poderão efetivar
as transformações necessárias na escola e, considerando a
abrangência de sua organização coletiva, avançar na direção da
transformação da sociedade.
Uma característica importante da pesquisa-intervenção-
formativa relaciona-se ao enfrentamento direto, pelos
pesquisadores e sujeitos da pesquisa, dos problemas presentes no
interior da escola, nos moldes da pesquisa-ação (THIOLLENT,
2000). No entanto, por permanecer cotidianamente na instituição e
por longo período de tempo (as vezes por vários anos), o grupo
de pesquisadores encaminha, além da solução de problemas
cotidianos, ações de conscientização e produção de conhecimentos
científicos, envolvendo gestores, professores, estudantes, pais e
familiares, com objetivo de valorizar aqueles que participam e

34
constroem a escola e mobilizá-los para as transformações
necessárias.
Outro conceito importante cunhado no interior do grupo é o
de atividade ludo-pedagógica, o qual define as ações realizadas
pelos membros do GEIPEEthc nas suas intervenções voltadas às
crianças e jovens no interior da Escola e do LAR, cuja finalidade é
colocar os sujeitos em atividades lúdicas e educativas,
intencionalmente planejadas e orientadas pelo professor, para a
construção de consciências críticas e humanizadas ou seja, não
alienadas.
A construção do conceito de atividade ludo-pedagógica tem
origem na necessidade de superação do conceito de recreação e
desenvolvimento espontâneo da criança, muito presente na
educação física, como também na pedagogia e psicologia. A
recreação enfatiza a ocupação do tempo e o gasto de energia das
crianças na realização de atividades lúdicas livres, espontâneas e
voltadas, exclusivamente, para o entretenimento desses sujeitos.
Para nós do GEIPEEthc, a atividade ludo-pedagógica avança
à recreação pois, durante uma atividade lúdica, podem ser criadas
condições intencionais de ensino, voltadas à aprendizagem e
desenvolvimento crítico dos sujeitos por meio de jogos e
brincadeiras. Portanto, atividades lúdicas planejadas
intencionalmente, realizadas coletivamente e sob a orientação do
professor, proporcionam situações educativas diferenciadas, que
não se limitam à mera ocupação do tempo e gasto de energia das
crianças e jovens na escola. Tornam-se, assim, possibilidades
concretas de relações sociais e apropriações culturais essenciais ao
processo de construção da consciência e humanização dos seres
humanos.
Consequentemente, atividade ludo-pedagógica configura-se
por ações de ensino de natureza lúdica e coletiva, orientadas
intencionalmente pelo professor, com objetivo de proporcionar a
apropriação de objetos culturais (materiais e simbólicos), vivência
de relações sociais significativas e expressões prático-teóricas que

35
engendrem processos de aprendizagem e desenvolvimento numa
direção crítica e humanizadora.
Fato importante na realização de atividades ludo-
pedagógicas, é que elas permitem a transferência de significado
de um objeto a outro, conforme nos orienta Elkonin (1998). A
atividade do brincar, portanto, engendra situações fictícias, que
levam os seres humanos, principalmente as crianças e jovens, à
"viagens" a partir do real, situação que potencializa a sua
imaginação e fantasia. Assim, a realidade é revista, reconfigurada
e representada no jogo e na brincadeira, conforme nos esclarece
Vigotsky (2009), atividade que é vital para o processo de
aprendizagem e desenvolvimento humano.
Nesse sentido, podemos afirmar que determinada situação
fictícia, engendrada num jogo ou brincadeira, permite que as
crianças e jovens adotem diferentes papéis sociais, imaginando,
fantasiando e revendo o trabalho presente no mundo adulto, isso
de forma divertida e lúdica. Desta forma, podemos compreender
que na atividade de jogar e/ou brincar, os indivíduos estabelecem
uma relação diferenciada com o mundo à sua volta, porque
fictícia, imaginativa e criativa e, nesse sentido, vital e
exclusivamente humana.
Portanto, na direção oposta ao trabalho formal, colocamos
a atividade lúdica, principalmente o jogo e a brincadeira que, ao
relacionarem-se com divertimento, entretenimento, liberdade e
criatividade, reconfiguram o trabalho de forma pueril, fato que
mantém a atividade do brincar como essencialmente
humanizadora e na contramão da alienação presente na sociedade
(NUNES & VIOTTO FILHO, 2016).
Defendemos que a atividade ludo-pedagógica estabelece
relação significativa com a atividade vital humana (MARX, 2005),
podendo contribuir para a crítica ao trabalho formal e alienado e,
desta forma, para a construção de consciências críticas,
principalmente das crianças na escola, embora também possa
apresentar-se aos adolescentes e na vida adulta como forma
auxiliar de educação.

36
É nesse intenso movimento de construção teórico-filosófica e
metodológica que o GEIPEEthc demarca sua atuação na educação
escolar e na escola pública, como também no interior do LAR,
nosso laboratório didático e ludo-pedagógico. Desde os primeiros
trabalhos de pesquisa assumimos o caráter de grupo voltado à
construção de conhecimentos críticos e, respaldados no
materialismo histórico dialético, dispomo-nos a contribuir para a
transformação humana e social na escola e da própria escola.
Como forma de tributo àqueles que fizeram avançar a
reflexão crítica no interior do GEIPEEthc, preciso salientar quatro
trabalhos fundamentais para nossas reflexões e ações de pesquisa.
As dissertações de mestrado de Rodrigo Lima Nunes “Atividade do
jogo e desenvolvimento infantil: implicações sociais para a construção da
consciência da criança na escola” (bolsa FAPESP), de Tatiane da Silva
Pires Felix intitulada “Timidez na escola: um estudo histórico-
cultural" (bolsa CAPES) e de Rafael Cesar Ferrari “Desenvolvimento
psicomotor de crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem
escolar: um estudo a partir da teoria histórico-cultural” (bolsa
FAPESP), defendidas no ano de 2013. Também a dissertação de
Ariana Aparecida Nascimento dos Santos “A atividade da dança
como possibilidade de inclusão social e desenvolvimento da função
psicológica superior memória em crianças com síndrome de down”,
defendida em 2014 e financiada pela FAPESP.
Rendo homenagens à esses quatro trabalhos e seus autores os
quais, pela sua relevância científica e social, demarcam
significativamente a proposta do GEIPEEthc de realizar pesquisa
como práxis científica e educativa voltada à transformação
humana e social na escola. A esses quatro pesquisadores e
companheiros de trabalho, a minha eterna gratidão! Foram eles
que construíram, ao meu lado, as bases para os trabalhos que
mantém o nosso grupo em atuação há 10 anos e, certamente, o
manterá ainda por muito tempo.
É importante lembrar que atualmente fazem parte do
GEIPEEthc os seguintes graduandos: Jeferson Ferreira de Lima,
Lais Lopes de Sousa, Marta Matos Silva, Michael Douglas da

37
Silva, Taylor Delacqua Perrud, Thamyres Rangel Mendes Barros e
Yanca Rodrigues Libron, estudantes oriundos do curso de
Educação Física e ainda Maria Clara Favarão Crespi do curso de
matemática. São orientandos de mestrado: Lucas Rinaldini
(Professor), Jéssica Priscila Simões (Psicóloga) e Raquel Depólito
Gomes de Oliveira (Pedagoga). Orientandos de doutorado são
Ariana Aparecida Nascimento dos Santos (Professora de Ed.
Física) e Rodrigo Lima Nunes (Professor de Ed. Física). Também
compõem o grupo as professoras Fabiana Lohani de Sousa Vieira,
Larissa Zangarini Antonio, Suelen Antico Nogueira e a Profa. Dra.
Tatiane da Silva Pires Felix (Doutora em Educação).
Para a efetivação dos nossos trabalhos ao longo desses 10
anos, contamos com a colaboração de importantes pesquisadores
brasileiros que estiveram conosco, discutindo nossas ações e
pesquisas e, sobretudo, contribuindo para os debates alinhados ao
método materialista histórico dialético (MARX, 2011), à teoria
histórico-cultural (VIGOTSKI, 2001) e pedagogia histórico-crítica
(SAVIANI, 2000). São eles, por ordem de participação no GEIPEE,
a Profa. Dra. Elenita Tanamachi (UNESP-Bauru), Profa. Dra. Sueli
Terezinha F. Martins (UNESP-Botucatu), Profa. Dra. Gisele Toassa
(UFGO), Profa. Dra. Silvana C. Tuleski (UEM), Prof. Dr. Angelo A.
Abrantes (UNESP-Bauru), Profa. Dra. Sonia Mari Shima Barroco
(UEM), Prof. Dr. Armando Marino Filho (UFMS), Profa. Dra.
Camélia S. Murgo (UNOESTE), Profa. Dra. Cinthia G. Girotto
(UNESP-Marilia), Prof. Ms. Achilles Delari Junior (Umuarama),
Prof. Dr. Nilson Berenchtein Netto (UFU), Profa. Dra. Lígia
Márcia Martins (UNESP-Bauru), Profa. Dra. Adriana Franco
(UEM), Prof. Dra. Flavia Asbhar (UNESP-Bauru) e Profa. Dra.
Carolina Picchetti Nascimento (UFSC). A esses colegas todo o
nosso agradecimento e consideração!
Também estiveram conosco os colegas do PPGE de
Presidente Prudente, dentre eles, em ordem de participação nas
bancas, a Profa. Dra. Renata Maria Coimbra, o Prof. Dr. Paulo
Cesar A. Raboni, Profa. Dra. Gilza Z. Garms, Prof. Dra. Rosiane de
Fatima Ponce, Prof. Dr. Alberto A. Gomes, Profa. Dra. Célia

38
Guimarães, Profa. Dra. Renata J. Souza, Prof. Dr. Divino José da
Silva, Profa. Dra. Vanda M. M. Lima e Profa. Dra. Claudia Maria
de Lima. Aos colegas do PPGE nosso agradecimento e
consideração!
Nesse processo de construção e interlocução, contamos
também com a participação de pesquisadores estrangeiros, dentre
eles Prof. Dr. Seth Chaiklin (University of Bath/Inglaterra), Prof.
Dr. Robyn Jones, Prof. Dr. Gethin Thomas e Prof. Dr. Charlie
Corsby (Cardiff Metropolitan University/Gales), Prof. Dr.
Malcolm Reed (University of Bristol/ Inglaterra), Prof. Dr. Harry
Daniels (University of Oxford/Inglaterra) e Prof. Dr. Rod Parker-
Rees (University of Plymouth/Inglaterra). Aos colegas
estrangeiros nosso agradecimento por nos receberem em seus
países e proporcionarem condições de estudo e pesquisa
histórico-cultural e, sobretudo, ao possibilitarem o domínio da
língua inglesa e a nossa inserção em publicações internacionais.
O processo de internacionalização do GEIPEEthc inicia-se no
ano de 2011, quando realizo meu pós-doutoramento na University
of Bath-Inglaterra, sob a supervisão do Prof. Dr. Seth Chaiklin.
Desde então, a nossa presença no Reino Unido tem sido marcada
por muito trabalho, sendo que realizei visitas e apresentei o
trabalho do GEIPEEthc em eventos na Cardiff Metropolitan
University (ano de 2011 e 2016) e tive, ao lado do Prof. Dr.Robyn
Jones e da Geipeeana Tatiane da Silva Pires Felix, a primeira
publicação internacional intitulada "Yrjo Engestron: Coaching,
learning and activity theory" pela Routledge editora, no ano de
2016.
Na condição de pesquisador, estive em visita na University of
Oxford/Inglaterra em 2016, oportunidade em que apresentei,
durante o "ISCAR Symposium" naquela universidade, o primeiro
trabalho internacional do GEIPEEthc intitulado "Ludo-pedagogical
activities and human development: the way of humanization of children
in school". Na oportunidade entrei em contato com as pesquisas
do Prof. Dr. Malcolm Reed na University of Bristol/Inglaterra e
apresentei, na Cardiff Metropolitan University/Gales, a palestra

39
intitulada "Vigotsky and culture: way of human development" ao lado
do Prof. Dr. Robyn Jones.
No ano de 2017, o doutorando do GEIPEEthc Rodrigo Lima
Nunes teve oportunidade de representar o grupo em um estágio
de Doutorado Sanduiche na Cardiff Metropolitan University em
Cardiff/Gales, lá permanecendo por 04 meses sob a supervisão do
Prof. Dr. Robyn Jones. Na oportunidade, apresentou na
"International Coaching Conference" o trabalho "Sporting activity,
role playing games and consciousness: the aim of physical education at
school" de autoria coletiva do grupo.
Ao longo desses 10 anos de existência, construímos 18
trabalhos de iniciação científica PIBIC-CNPq, 12 dissertações de
mestrado e 01 tese de doutorado, além de inúmeros artigos em
congressos e periódicos da educação, psicologia e educação física.
Das dissertações construídas, duas delas foram publicados em
forma de livro, "A atividade do jogo e suas implicações para o
desenvolvimento da consciência da criança na escola" de Rodrigo Lima
Nunes, pela editora CRV em 2016, e ainda "Dança e
desenvolvimento de crianças com síndrome de down: uma experiência de
inclusão", de Ariana Aparecida Nascimento dos Santos, pela
editora Cultura Acadêmica em 2018.
Como representante do GEIPEEthc, tive a oportunidade de
publicar 05 livros em parceria com colegas pesquisadores:
"Educação contemporânea: caminhos, obstáculos e travessias"
publicado em 2011 em parceria com Arilda Ribeiro, Monica
Furkotter e Yoshie Ussami Ferrari Leite, pela Cultura Acadêmica;
"Educação e formação humana: interlocuções dialéticas", publicado em
2015 com Silvia Adriana Rodrigues pela Editora CRV; "A atividade
do jogo e suas implicações para o desenvolvimento da consciência da
criança na escola", com Rodrigo Lima Nunes em 2016; "Educação e
psicologia: pelas lentes do cinema" no ano de 2018, com Renata Maria
Coimbra e Silvia Adriana Rodrigues, e ainda o livro "Dança e
desenvolvimento de crianças com síndrome de down: uma experiência de
inclusão" no ano de 2018, ao lado de Ariana Aparecida
Nascimento dos Santos pela Cultura Acadêmica.

40
Ao publicarmos esse livro comemorativo dos 10 anos de
existência do GEIPEEthc, tenho a honra de apresentar o resultado
do profícuo trabalho coletivo que temos realizado. O livro contará
com artigos e resenhas decorrentes das dissertações e teses
desenvolvidas pelos membros do grupo e um artigo de Ricardo
José da Silva, cuja tese de doutorado contou com minha co-
orientação e grande participação dos membros do grupo na
discussão e estruturação metodológica do trabalho.
Por ordem cronológica dos trabalhos gestados no interior do
GEIPEEthc sob minha orientação, apresento, no capítulo um o
artigo "Brincadeira de papéis sociais e desenvolvimento da consciência
infantil: implicações da alienação social capitalista na constituição do
psiquismo da criança" de autoria de Rodrigo Lima Nunes que
apresenta reflexão acerca do processo de construção da
consciência infantil na educação escolar por meio da brincadeira
de papéis sociais, considerando as relações alienadas e alienantes,
presentes na sociedade capitalista. A dissertação que deu origem
ao artigo foi defendida em 2013 e é intitulada "Atividade do jogo e
desenvolvimento infantil: implicações sociais para a construção da
consciência da criança na escola".
No capítulo dois temos o artigo "A dialética timidez-intimidação
na escola: uma discussão histórico-cultural deste processo" de Tatiane
da Silva Pires Felix que discute a formação da personalidade das
crianças consideradas tímidas na escola, com a finalidade de
compreender o processo de timidez-intimidação como algo
engendrado nas relações sociais com colegas de sala, funcionários,
direção e professores, sendo necessário ressaltar que tais
processos de intimidação, não tem sua origem nos sujeitos em si,
mas sim, concretizam-se como reprodução de diversas relações
sociais opressivas, intimidadoras e alienadas presentes na
sociedade capitalista contemporânea. A dissertação que deu
origem ao artigo é intitulada "Timidez na escola: um estudo histórico-
cultural" e foi defendida no ano de 2013.
Temos no capítulo três o artigo de Rafael Cesar Ferrari
intitulado “Compreensão do movimento humano a partir do conceito de

41
ato motor voluntário: uma discussão histórico-cultural” que disserta
sobre o movimento corporal humano a partir das teses difundidas
pela Teoria Histórico-Cultural e, para isso, propõe o conceito de
ato motor voluntário como síntese para analisar e intervir na
esfera do movimento humano, considerando-o de maneira
histórica e dialética. Tal artigo originou-se da dissertação de
mestrado intitulada “Desenvolvimento psicomotor de crianças que
apresentam dificuldades de aprendizagem escolar: Um estudo a partir da
Teoria Histórico-Cultural” defendida em 2013.
Ariana Aparecida Nascimento dos Santos apresenta no
capítulo quatro o artigo "A atividade da dança como mediadora no
processo de desenvolvimento da memória voluntária e inclusão de
crianças com síndrome de down" e busca desmistificar as
determinações que tomam por natural o desenvolvimento dos
sujeitos com deficiência, considerando que as possíveis limitações
biológicas não podem ser um impeditivo para a sua
aprendizagem escolar e, por isso, há que se possibilitar condições
de aprendizagem diferenciadas para os sujeitos com Síndrome de
Down. Apresenta a dança como uma dessas possibilidades,
sobretudo, no que tange o desenvolvimento da memória
voluntária desses sujeitos. A dissertação de mestrado que dera
origem a tal artigo intitula-se “A atividade da dança como
possibilidade de inclusão social e desenvolvimento da função psicológica
superior memória em crianças com Síndrome de Down” e fora
defendida em 2014.
No capítulo cinco apresentamos a resenha crítica da pesquisa
“Terapia ocupacional educacional: revendo o desenvolvimento infantil
por meio da teoria histórico-cultural” realizada por Mara Alice
Ribeiro e defendida em 2015. A resenha é de autoria de Ariana
Aparecida Nascimento dos Santos, na qual apresenta a discussão
sobre as concepções de criança, infância, instituição educacional
infantil e os tipos de atendimento destinados à essa população,
demonstrando que, na atualidade, essas categorias passam por
importantes transformações, tendo em vista a necessidade de se
compreender a verdadeira função social da educação infantil e

42
especificamente da creche na nossa sociedade. Nesse caminho, a
discussão da autora enfatiza a necessidade de se pensar a
estimulação da aprendizagem para bebês e crianças pequenas, no
interior dos berçários e creches infantis, considerando a concepção
de desenvolvimento humano apregoada pela Teoria histórico-
cultural.
O capítulo seis apresenta o artigo de Janaína Pereira Duarte
Bezerra intitulado “Teoria histórico-cultural e a atividade: reflexões
acerca do desenvolvimento humano na idade pré-escolar”, engendrado
a partir da dissertação de mestrado intitulada “Atividade
Psicomotora ludo-pedagógica e o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores: Trabalhando a imaginação da criança na escola
de educação infantil” defendida no ano de 2015. No artigo a autora
defende que a aprendizagem das crianças, principalmente na
Educação Infantil, deve ser caracterizada por um trabalho
pedagógico, por meio dos jogos de papéis sociais, que priorize a
organização de formas de aprendizagem para possibilitar a
ativação de um grupo de processos psicológicos e
desenvolvimento humano.
Rodrigo Lima Nunes, Ariana Aparecida Nascimento do
Santos e Tatiane da Silva Pires Felix apresentam, no capítulo sete,
a resenha da dissertação de mestrado intitulada "Desenvolvimento
da linguagem infantil à luz da teoria histórico-cultural: contribuições de
práticas literárias na primeira infância" de autoria de Thais Borella e
defendida no ano de 2016. A discussão naquela dissertação
relaciona-se ao processo de aprendizagem e desenvolvimento da
linguagem de crianças através da utilização do livro literário neste
processo, reconhecendo-o como objeto cultural imprescindível
para o desenvolvimento e humanização das crianças na escola de
educação infantil em que o professor assume papel fundamental
como orientador da aprendizagem das crianças.
No capítulo oito há a discussão do artigo intitulado “Olhar
crítico sobre a avaliação diagnóstica em psicologia através da lente
histórico-cultural” de Luis Henrique Zago, que disserta sobre a
complexidade da construção de diagnósticos referentes a

43
problemas escolares, buscando entender como os profissionais da
psicologia constroem um diagnóstico sobre os problemas
escolares relacionados à atenção e propõe uma avaliação que
esteja em conformidade com os postulados da teoria histórico-
cultural. O artigo ora apresentado tem origem na dissertação
intitulada "O diagnóstico psicológico à luz da teoria histórico cultural:
implicações para a educação escolar”, defendida em 2016.
Vinicius dos Santos Oliveira apresenta no capítulo nove o
artigo “Implicações da educação escolar para o processo de
desenvolvimento do pensamento conceitual”, originado da dissertação
de mestrado intitulada “Contribuições da educação escolar para o
processo de desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes de
ensino fundamental” e defendida em 2017. O autor analisa a
importância dos conhecimentos científicos e respectivos conceitos
para o processo de desenvolvimento do pensamento conceitual
das crianças e investiga as aulas de língua portuguesa no ensino
fundamental. Defende o trabalho do professor como
imprescindível na construção do pensamento conceitual no
interior da escola.
Fabiane Salomão de Souza, no capítulo dez, através do artigo
intitulado “Processo de pesquisa-intervenção histórico-cultural:
Possibilidades de ação, reflexão e humanização na escola”, apresenta as
possibilidades de atuação do psicólogo e de uma equipe
interdisciplinar na educação numa direção crítica e
transformadora. A autora discorre sobre um processo de
pesquisa-intervenção-formativo realizado na escola, com intuito
de possibilitar a construção de espaços de ação, reflexão e
humanização junto a gestores, professores e estudantes. O artigo
origina-se da dissertação de mestrado intitulada “Processo de
intervenção histórico-cultural na escola: dialogando com gestores,
professores e estudantes”, defendida no ano de 2017.
José Ricardo Silva, com o artigo intitulado “Os movimentos do
bebê, sob a luz da teoria histórico-cultural, são sinais orientadores para o
trabalho docente na creche ”, originado da tese de doutorado
defendida em 2017 e intitulada “O movimento do bebê na creche:

44
indício orientador do trabalho docente”, defende, tendo em vista a
necessidade de avançar a problemática que recai sobre a creche
atualmente e, portanto, contribuir com o desenvolvimento dos
bebês, a tese de que os movimentos realizados pelos bebês podem
ser utilizados como orientadores da prática do professor. Desta
feita, os professores, orientados pelos movimentos realizados,
podem incidir sobre as neoformações dos bebês, em sua zona de
desenvolvimento potencial e, então, contribuir no processo de
humanização destes, fazendo a correspondência entre os
movimentos externalizados e a situação social de
desenvolvimento no primeiro ano de vida. A tese ora apresentada
em artigo não teve origem no GEIPEEthc, embora tenha sido
amplamente discutida pelos membros do grupo durante a sua
realização.
Por fim, no capítulo doze da presente obra, Tatiane da Silva
Pires Felix, através do artigo intitulado “O ensino das artes e o
desenvolvimento das emoções e sentimentos das crianças no meio escolar:
reflexões acerca de um processo interventivo formativo”, apresenta a
discussão de sua tese de doutorado, defendida em 2018. A autora
busca, de forma dialética, compreender e analisar a relação do
ensino das artes e o desenvolvimento das emoções e sentimentos
das crianças na escola. Nessa direção, defende a importância da
organização do ensino das artes, entendendo a atividade artística
a partir de conteúdos representativos do gênero humano, que
carregam aspectos históricos, políticos, éticos, estéticos e afetivos.
Defende tais objetivações artísticas como imprescindíveis para o
desenvolvimento das emoções e sentimentos caminhando numa
direção humanizadora.
Enfim, são esses os trabalhos dos membros do GEIPEEthc
que compõem este livro e, para finalizar, é importante destacar
que os 10 anos de trabalho aqui retratados, apresentam nossas
ações e produções e denotam o quanto nos tornamos uma
unidade de contrários, um processo grupal que se tornou vital
para nós Geipeeanos e para os sujeitos de nossas pesquisas no

45
interior da escola pública, do LAR e na UNESP-Presidente
Prudente.
Podemos dizer, portanto, que esse processo intensamente
vivido no GEIPEEthc nos fez sujeitos da história, da nossa história
e da história de todos que conosco estiveram ao longo desse
tempo. Desde os fundadores, os membros atuais e também
aqueles que já pertenceram ao grupo no passado, os
pesquisadores de universidades do Brasil e exterior, os
professores, gestores e estudantes da escola, as crianças do LAR,
pais e familiares, construíram conosco a história do GEIPEEthc. A
todos nossos agradecimentos e gratidão!
Termino essa apresentação e o resgate histórico do
GEIPEEthc arriscando algumas palavras que, talvez, poderiam
constituir-se num poema Geipeeano, em homenagem a todos que
construíram e compartilharam essa história.

OS SUJEITOS DA HISTÓRIA
Somos os sujeitos da história!
Da nossa, do outro, dos outros,
Sujeitos da história...
Trabalho, ação coletiva, processo grupal...
Objetivações e conhecimentos,
Sujeitos da história.
Contradições...
Luta e unidade de contrários...
Movimento e construção coletiva.
Do conhecimento...
De cada um de nós...
Do outro, dos outros...
Da escola, Da educação, Da sociedade!
Sim, sujeitos da história...
Do GEIPEEthc, da nossa história!

Boa leitura a todos!


Presidente Prudente, Outubro de 2018.

46
REFERÊNCIAS

DUARTE, N. A individualidade para-si. Campinas / São Paulo: A.


Associados, 1993.
DUARTE, N. Formação do indivíduo, consciência e alienação.
Campinas: Cedes, v. 24, Nr.62, 2004.
DAVYDOV, V. V. La ensenanza escolar y el desarrollo psíquico.
Moscou: Progresso, 1988.
ELKONIN, D. B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
LANE, S. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
MARTÍN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder. San Salvador: UCLA,
1989.
MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação
escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da
pedagogia histórico-crítica. Campinas: A. Associados, 2013.
MARTINS, S. T. F Processo grupal e a questão do poder em Martín-
Baró. Psicologia & Sociedade; 15 (1), 2003.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo,
2005.
MARX, K. Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011.
MINAYO, M. C. S. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade.
Petrópolis: Vozes, 2000.
NUNES, R. L.; VIOTTO FILHO, I. A. T. A atividade do jogo e suas
implicações para o desenvolvimento da consciência da criança na escola.
Curitiba: CRV, 2016.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.
Campinas: Autores Associados, 2000.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez,
2000.
VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
VIGOTSKY, L.S. La imaginación y el arte em la infancia. Madrid:
Akal, 2009.

47
VIOTTO FILHO, I. A. T. Escola-comunidade: a escola numa
perspectiva crítica. In: IV EBEM Encontro Brasileiro de Educação
e Marxismo, 2009, UNESP-São José do Rio Preto.

48
CAPÍTULO 1

BRINCADEIRA DE PAPÉIS SOCIAIS E


DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA INFANTIL:
IMPLICAÇÕES DA ALIENAÇÃO SOCIAL CAPITALISTA NA
CONSTIUIÇÃO DO PSIQUISMO DA CRIANÇA

Rodrigo Lima Nunes

INTRODUÇÃO

O presente texto representa uma síntese de intenso e


significativo processo histórico de estudos e intervenções práticas
realizadas por nós ao longo de dois anos de trabalho, efetivado no
bojo das relações presentes na realidade escolar, cujos resultados
foram sistematizados em forma de dissertação de mestrado
intitulada “Atividade do jogo e desenvolvimento infantil:
implicações sociais para a construção da consciência da criança na
escola”, financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo) e defendida, no mês de
abril/2013, junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP-Presidente
Prudente.
Assim sendo, desde a primeira pesquisa elaborada ainda
durante a nossa graduação em educação física, que visava estudar
a brincadeira de papéis sociais e as possíveis representações
alienadas presentes nessa atividade, a qual fora realizada durante
os anos de 2009 e 2010, temos engendrado, a partir dos trabalhos
efetivados pelo GEIPEEthc (Grupo de Estudos, Intervenção e
Pesquisa em Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural), no
chão de escolas públicas da cidade de Presidente Prudente/SP,
condições para discutirmos a importância das atividades ludo-

49
pedagógicas1, sobretudo o da brincadeira de papéis sociais, no
processo de desenvolvimento e humanização das crianças.
A partir de tais atividades interventivas, assim como em
outros momentos diversos que são desenvolvidos e foram
vivenciados por nós no cotidiano escolar, pudemos identificar a
reprodução de diversas formas de violência, exclusão,
preconceitos, discriminação, valoração de estereótipos estéticos
padronizados, estigmas, dentre outras formas de relações às quais
denominamos “relações alienadas e alienantes”, que possuem sua
origem e desenvolvimento nas determinações sociais, econômicas,
políticas e culturais existentes no metabolismo organizacional,
estrutural e dinâmico intrínseco a sociedade capitalista.
A partir dessa lógica enraizada na sociedade capitalista e em
suas instituições sociais constitutivas, que acabam por reproduzir
situações alienadas e alienantes em seu cotidiano, buscamos,
então, realizar um trabalho de pesquisa intervenção na escola,
abordando e problematizando junto aos estudantes, a partir do
diálogo e brincadeiras, questões relacionadas à violência,
exclusão, preconceitos, estereótipos físicos padronizados,
estigmas, etc., intencionando, desta forma, entender o processo de
constituição de consciências alienadas e, num sentido contrário,
buscar caminhos para a construção de subjetividades que
questionem estas formas de relações, valorizando o respeito,
cooperação, amizade, dentre outros valores ético-universais

1 Atividades ludo-pedagógicas são atividades de natureza educativa, pensadas e


planejadas intencionalmente pelo professor, com a finalidade de proporcionar
condições diferenciadas e inovadoras de aprendizagem e desenvolvimento dos
indivíduos em uma direção humanizadora, de forma a suprir suas
necessidades sociais e proporcionar avanço em seu nível potencial, como nos
apresenta a Teoria Histórico-cultural. Tal atividade é estruturada a partir de
conteúdos culturais advindos do gênero humano como os conteúdos
científicos, artísticos e filosóficos, tomando o lúdico como fundamento
importante para colocar a criança como sujeito ativo e que interage com o
mundo dos conhecimentos humanos por essa via de relação, qual seja, a
atividade do brincar.

50
humanizados e, consequentemente, vislumbrar a construção de
uma sociedade melhor e mais justa para todos.
Assim, propusemos como objeto de estudo no mestrado a
investigação acerca do processo de formação da consciência das
crianças na escola por meio da brincadeira, considerando as
relações alienadas e alienantes vivenciadas por elas
cotidianamente. Para tanto, partimos das seguintes questões: “As
relações alienadas estão presentes nas brincadeiras infantis?” Caso
sim, “De que forma se desenvolve a consciência do indivíduo a
partir de tais relações, tendo em vista a importância que a
brincadeira assume na constituição da subjetividade infantil?” e,
além disso, “Existe a possibilidade de um enfrentamento da
alienação que possa estar presente nessa atividade?”.
A proposta de pesquisa que originou o presente texto
apresentou como objetivo principal, então, analisar, a partir dos
comportamentos e falas dos estudantes de uma sala de 2º ano do
Ensino Fundamental I, durante a participação em brincadeiras
desenvolvidas na escola, os processos de alienação e suas
implicações no desenvolvimento da consciência desses
indivíduos.
De antemão é importante esclarecer que vivemos em uma
sociedade permeada por relações de alienação, relações essas
fonte de desenvolvimento individual, isso é inegável e, diante
dessa condição, inferimos que as crianças ao brincar,
considerando a importância dessa atividade para o
desenvolvimento infantil, têm suas consciências engendradas,
desde a mais tenra idade, a partir desses aspectos alienados e
alienantes produzidos e reproduzidos na atual estrutura social.
Na busca de respondermos os questionamentos levantados,
bem como superar o objetivo proposto, nos aportamos nas
discussões teórico-metodológicas da Teoria Histórico-Cultural e
Materialismo Histórico Dialético, assumindo que a gênese das
formas superiores de comportamento consciente está nas relações
sociais que o ser humano estabelece com a realidade, visto que o
desenvolvimento de sua consciência se dá do social para o

51
individual, sob a base das atividades que realizam, ou seja, as
funções psíquicas de caráter superior se efetivam antes no plano
social, como relações interpessoais e interpsicológicas, para assim
tornarem-se individuais, como processos intrapessoais ou
intrapsicológicos (VIGOTSKI, 1995).
Dessa forma, nossa dissertação assumiu a seguinte estrutura:
nos três primeiros capítulos engendramos a discussão teórica,
que, a nosso ver, se apresentam enquanto pilares para respaldar e
atender as exigências do tema proposto; em seguida
apresentamos os objetivos do trabalho, assim como a metodologia
de pesquisa, tendo em vista delinearmos os caminhos percorridos
bem como o fim que direcionou nossa análise. Posteriormente,
apresentamos a análise dos dados da pesquisa, considerando todo
o processo histórico vivenciado diretamente na realidade escolar.
O primeiro capítulo que foi intitulado “Jogo2 e desenvolvimento
da consciência infantil: uma visão histórico-cultural” buscou discutir
todo o processo relacionado com a atividade da brincadeira,
trazendo suas origens, importância para a constituição da
consciência da criança, características, dentre outros aspectos que
tangem o desenvolvimento dos indivíduos.
No segundo capítulo, “Alienação social capitalista, escola e
processo de formação dos indivíduos: apontamentos acerca do
desenvolvimento da consciência”, procuramos discutir a alienação
presente na sociedade capitalista, trazendo seus aspectos macro-
sociais, sua relação com a escola, bem como o seu papel para com
o desenvolvimento de cada indivíduo singular, considerando esse
processo enquanto engendrador e mantenedor do status quo.
O terceiro capítulo, que foi intitulado “A consciência humana
de acordo com a teoria histórico-cultural e as implicações sociais para a

2 Considerando os diferentes termos encontrados na literatura pesquisada, tendo


em vista as diferentes traduções para o português, os termos jogo e brincadeira
nesse trabalho se referem a uma mesma atividade, qual seja a atividade do
brincar infantil, ou seja, ao jogo/brincadeira de papéis sociais, tomada pela
Teoria Histórico-cultural enquanto atividade principal para o desenvolvimento
do psiquismo da criança em idade pré-escolar.

52
sua constituição”, apresentou a origem, estrutura e funcionamento
da consciência, bem como sua relação com a alienação, buscando
explicitar como se dá o processo de constituição da consciência
das crianças através da brincadeira, tendo em vista que tal
atividade se configura enquanto atividade principal para o
desenvolvimento psicológico no período pré-escolar e pode estar
permeado por relações alienadas e alienantes.
No quarto capítulo apresentamos o caminho metodológico
da pesquisa, caracterizando o seu tipo, os procedimentos seguidos
e, também, como se deu o processo de observação e análise dos
dados coletados a partir da realidade escolar.
Por fim, no quinto capítulo, apresentamos os dados coletados
bem como sua respectiva análise, considerando as observações
gerais realizadas no espaço escolar e também os dados específicos
coletados a partir das intervenções aplicadas pelo GEIPEEthc.
Nesse processo de análise buscamos demonstrar o processo
histórico da pesquisa, valorizando sua história de construção, bem
como as múltiplas determinações surgidas e apreciadas a partir
da realidade investigada.
Feita a contextualização histórica e apresentado o conteúdo,
questionamentos, objetivo e estrutura de nossa dissertação, obra
esta que deu origem ao presente texto, a partir de agora
exporemos a síntese das discussões centrais as quais são essenciais
ao processo de análise do objeto estudado. Sabemos das
dificuldades que nos são impostas tendo em vista os limites de
um capítulo, contudo pleiteamos uma apresentação fidedigna dos
principais conceitos, bem como dos principais dados que, a nosso
ver, tem em seu âmago as tramas essenciais das determinações
relacionadas ao processo de desenvolvimento da consciência dos
indivíduos sob a base de relações alienadas e alienantes
concernentes ao metabolismo capitalista, sobretudo quando da
participação das crianças em brincadeiras na escola.
Desta feita, dividiremos o presente texto em duas partes.
Primeira, uma exposição dos principais conceitos teóricos
relacionados ao campo conceitual da brincadeira de papéis

53
sociais, alienação social capitalista e o desenvolvimento da
consciência, conceitos esses que deram base para a intervenção
prática; e, segunda, uma exposição dos caminhos metodológicos
realizados, bem como a apresentação e análise dos dados das
observações gerais realizadas na escola e dos dados da
intervenção prática. Afirmamos que assumimos tal estrutura
tendo em vista uma necessidade didática de exposição das
discussões e não sob uma perspectiva dicotomizada acerca da
relação entre teoria e prática.

BRINCADEIRA, ALIENAÇÃO SOCIAL CAPITALISTA E


DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA INFANTIL:
SÍNTESE TEÓRICA DA PESQUISA

A brincadeira de papéis sociais e o processo de


desenvolvimento infantil sob a ótica da teoria histórico-cultural

Para compreender a atividade do brincar infantil e suas


implicações na formação da consciência, há que se enfatizar que
tal atividade é fundamental ao processo de desenvolvimento
psíquico da criança, sobretudo porque ela se torna, no período
pré-escolar, responsável pelas mudanças mais significativas no
processo de formação das funções psicológicas superiores.
Nesse caminho, buscando abarcar o objetivo desse trabalho,
realizaremos primeiramente uma discussão acerca da brincadeira
enquanto atividade principal para o desenvolvimento infantil,
considerando os principais aspectos envolvidos durante a sua
realização pela criança, seu conceito de acordo com a Teoria
Histórico-cultural, bem como sua relação com o processo de
desenvolvimento dos indivíduos.
Leontiev (2006a) afirma que é a partir da brincadeira,
considerada a atividade principal da criança em idade pré-escolar,
que ela encontrará as condições para apropriação das relações
sociais e objetos culturais existentes ao seu redor, em direção a sua
humanização. Isso implica considerar que tal atividade na

54
educação de crianças, torna-se elemento fundamental, tendo em
vista tratar-se de uma atividade essencial ao seu desenvolvimento
multilateral.
Segundo Leontiev (2006b) e Elkonin (1998), cada fase do
desenvolvimento humano se caracteriza por uma determinada
atividade, a qual é responsável por nortear o processo de formação
dos indivíduos. Assim sendo, Leontiev (2006b, p.64-65) explicita
que a atividade ou atividade principal “é a atividade cujo
desenvolvimento governa as mudanças mais importantes nos
processos psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade da
criança, em certo estágio de seu desenvolvimento”.
Quando afirmamos que a brincadeira é atividade principal no
processo de constituição da subjetividade infantil, não estamos
afirmando que ela é atividade predominante, pois, como afirma
Vigotski (2008, p.24), "(...) do ponto de vista do desenvolvimento,
a brincadeira não é uma forma predominante de atividade, mas,
em certo sentido, é a linha principal do desenvolvimento na idade
pré-escolar".
Assim sendo, ao se considerar o desenvolvimento infantil se
dirigindo numa direção plena e multilateral, a formação psíquica
da criança se dá, principalmente, na ação dentro da atividade do
brincar, pois, como afirma Mello (2000, p.4), “[...] na base do agir
humano (isto é, do trabalho) encontra-se a consciência como uma
das condições essenciais para que o homem possa constituir-se
como um elemento do gênero humano”.
Deste modo,

Para a criança neste nível de desenvolvimento físico, não há ainda


atividade teórica abstrata, e a consciência das coisas, por
conseguinte, emerge nela, primeiramente, sob forma de ação. Uma
criança que domina o mundo que a cerca é a criança que se esforça
para agir neste mundo (LEONTIEV, 2006a, p. 120).

Desta forma, respaldados em Leontiev (2006a, p.120),


podemos compreender que a brincadeira não se constitui

55
enquanto uma atividade inata e natural que aparece num certo
estágio de desenvolvimento dos seres humanos, pois, para o autor
“[...] a brincadeira da criança não é instintiva, mas precisamente
humana, objetiva, que, por constituir a base da percepção que a
criança tem do mundo dos objetos humanos, determina o
conteúdo de suas brincadeiras”, isto é, a brincadeira é uma
atividade que é produzida no processo de desenvolvimento dos
indivíduos, diante do papel que estes assumem diante das
relações sociais existentes, ou seja, com o desenvolvimento
histórico da humanidade a partir do processo de complexificação
do trabalho e das formas de relações sociais, a criança foi obrigada
a ser afastada da possibilidade de participação direta em tal
mundo, necessidade essa que passou a ser suprida a partir da
brincadeira de papéis sociais.
Então, de acordo com Elkonin (1998, p.19), a brincadeira é
“[...] uma atividade em que se reconstroem, sem fins utilitários
diretos, as relações sociais”, o que a caracteriza como uma
atividade social, a qual, ao ser realizada pelas crianças, possibilita
um modo diferenciado de se vivenciar situações próprias do
cotidiano apreendido em sociedade. Desta feita, na brincadeira de
papéis sociais a criança pode ser um médico e salvar vidas, pode
ser um motorista e dirigir um carro, pode ser um piloto e guiar
um avião, dentre outras possibilidades as quais ela toma contato
cotidianamente.
Isso implica afirmar que a brincadeira é empreendida pelas
crianças a partir da vivência que esta tem em seu dia-a-dia,
reconstruindo as relações sociais apreendidas em sua vida
cotidiana tanto com outras crianças e com os adultos a sua volta,
principalmente seus familiares, vizinhos, amigos da escola,
professores, quanto com a Televisão, Internet, dentre outras
formas de relações sociais que toma contato em sociedade. É nessa
atividade de jogar que todos esses processos culturais, materiais e
simbólicos, relacionais, repleto de manifestações e expressões
humanas, são interiorizados, num movimento que garante as
possibilidades para a construção da consciência da criança.

56
Considerando, portanto, que é na brincadeira que a criança
reproduz as ações vivenciadas em sua realidade, no sentido de
“viver” experiências do mundo adulto nas suas atividades, para
se sentir parte deste mundo e, desta forma, acaba por ampliar
suas ações, apropriar novos significados e sentidos, desenvolver
sua criatividade e imaginação, conquistando uma relativa
autonomia, faz-se necessário, portanto, identificarmos quais são
as circunstâncias sociais nas quais estão determinados os papéis
sociais, as relações sociais, as atividades laborais, dentre outros
aspectos relacionados à vida de cada ser humano, para
entendermos, de fato, como está ocorrendo o processo de
constituição da consciência das crianças a partir da brincadeira.
Assim sendo, traremos no próximo item a discussão acerca
das principais características da sociedade capitalista, sociedade
essa responsável em efetivar e reproduzir, de forma ideológica e
prática, a alienação das relações sociais a partir do trabalho.
Portanto, quando vivemos no interior de uma sociedade
hierarquizada e dividida em classes sociais, fragmentada pela
divisão social do trabalho e diretamente vinculada a relações
econômicas, estaremos diante de processos alienados e alienantes
que influenciam organicamente o processo de constituição dos
seres humanos, como afirmam Marx e Engels (2007). Diante dessa
condição própria da sociedade capitalista, afirmamos que também
na brincadeira de papéis sociais podem estar presentes aspectos
de caráter alienado e alienante, fato que será discutido a seguir.

Alienação social capitalista e suas implicações ao


desenvolvimento da consciência

[...] O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz


privação para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o
trabalhador. Produz beleza, mas deformação para o trabalhador.
Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma parte dos
trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte

57
máquinas. Produz espírito, mas produz imbecilidade, cretinismo
para o trabalhador (MARX, 2004, p.82).

Numa sociedade dividida em classes sociais, fragmentada


pela divisão social do trabalho e relegada, em grande parte, a
relações econômicas, as relações sociais, em sua maioria, são
mediadas por processos alienados e alienantes, como afirmam
Marx e Engels (2007). Diante dessa condição intrínseca à
sociedade capitalista, a escola, instituição social estruturada no
bojo de tais especificidades, acaba por assumir um caráter
alienado e alienante desde seus aspectos administrativos, isto é,
hierarquia e relações de dominação estabelecidas entre seus
papéis representativos que levam à dominação para fins
particulares e econômicos, bem como nos próprios processos
educativos engendrados em seu interior.
A partir de tal observação, fica evidente o quanto as relações
sociais alienadas presentes tanto em âmbito mais geral, quanto
dentro do espaço escolar, constituem importantes e necessários
elementos de análise para entendermos o processo de formação
da consciência infantil que se efetiva na reconstrução de tais
relações sociais dentro da atividade da brincadeira. De acordo
com Marx (1962 apud MELLO, 2000, p.39),

[...] é a alienação que promove a ruptura e o distanciamento entre a


possibilidade da atividade humana cada vez mais múltipla e
universal e a objetivação efetiva do homem singular que se dá de
forma cada vez mais unilateral, possível pela apropriação cada vez
mais rica da realidade que permite a objetivação também cada vez
mais rica e universal do ser humano. Sob a alienação própria da
divisão social do trabalho, a atividade humanizadora do gênero
humano tem se efetivado à custa da maioria dos homens, o que
significa que essa grande maioria contribui para o desenvolvimento
do gênero humano, mas a apropriação desta genericidade (isto é,
das possibilidades tipicamente humanas) pela maioria tem sido
cada vez mais ínfima.

58
Assim, na sociedade capitalista, ao mesmo tempo em que são
produzidas as máximas possibilidades de desenvolvimento do
gênero humano em todos os âmbitos, considerando os alcances
tecnológicos e produções culturais materiais e simbólicas criadas,
são impostas barreiras para que esses benefícios e possibilidades
sejam apropriados e objetivados pela grande maioria das pessoas,
estando, apenas, ao alcance de uma pequena parcela da
população, isto é, aos membros das classes dominantes e
detentores do capital. Desta forma, a alienação, de acordo com
Markus (1974, p.61), é,

[...] essa discrepância na qual a evolução histórica da humanidade


discrepa da evolução dos indivíduos, e o efeito auto-configurador
do indivíduo, fator de auto desenvolvimento da atividade humana
só aparece no plano social global e não como configurador do
indivíduo, e elemento de desenvolvimento da personalidade na
atividade do próprio indivíduo.

Todo esse processo alienado e alienante presente na


sociedade capitalista, considerando as palavras de Marx (2004,
p.80), faz com que os indivíduos se tornem “mais pobres quanto
mais riqueza produzem, quanto mais a sua produção aumenta em
poder e extensão”, sendo que ao vender sua força de trabalho, “O
trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais
mercadorias cria”. Portanto, salienta o autor, ao mesmo tempo em
que se valoriza e se aprimora o “mundo das coisas”, a partir da
produção realizada pelos seres humanos, desvalorizam-se os
próprios indivíduos responsáveis por essa produção, isto é, os
trabalhadores são impedidos de se apropriarem dos próprios
produtos que produzem.
Como consequência desse processo de alienação, no plano
psicológico, por meio das condições alienadas presentes na
atividade laboral, a formação da consciência se dá de uma forma
fragmentada. Como afirma Rossler (2004, p.110), o processo de
alienação da consciência se efetiva,

59
[...] quando a estrutura da vida cotidiana se hipertrofia, tornando-se
a única forma de vida do indivíduo; quando sua vida se resume
num conjunto de atividades voltadas essencialmente para a sua
reprodução, para a reprodução de sua particularidade,
apresentando, assim, modos rígidos de pensar, sentir e agir, isto é,
determinando um modo de funcionamento psíquico (intelectual e
afetivo) cristalizado, que não pode ser rompido mesmo nas
situações que o exigem; nesses casos, estamos diante de um
fenômeno de alienação. Trata-se, portanto, de uma estrutura social
alienada, de um cotidiano alienado e, conseqüentemente, de um
psiquismo cotidiano alienado.

Fica claro, portanto, o quanto a sociedade capitalista


reproduz a alienação nas suas relações sociais e institucionais e o
quanto tais relações influem diretamente no desenvolvimento do
psiquismo dos indivíduos. Nesse caminho, identificamos,
sobretudo a partir das observações gerais realizadas no interior da
realidade escolar, que muitas práticas pedagógicas, relações entre
alunos-alunos, professores-alunos, coordenação/diretoria-aluno e
coordenação/direção-professores, estão reproduzindo relações
alienadas e alienantes que resultam em situações de preconceito,
exclusão, individualismo, egoísmo, valoração de estereótipos
padronizados, violência física e simbólica, dentre outros aspectos
que exprimem tal condição capitalista.
Mas como isso acontece? Uma das transformações mais
importantes da consciência, desenvolvida a partir das relações
alienadas e alienantes presentes na sociedade capitalista, diz
respeito à mudança da relação entre os sentidos e as significações
(LEONTIEV, 2004), fator que compromete sobremaneira o
processo de desenvolvimento psicológico, dada à fragmentação a
qual essa importante relação acaba sendo relegada.
Tal processo, segundo Leontiev (2004), se deve as formas de
desenvolvimento e relações mantidas na atividade laboral, com as
propriedades (nesse caso, propriedades privadas) e as relações de
troca. Sendo assim, as relações sociais de produção engendradas
pelo desenvolvimento da propriedade privada e da divisão social

60
do trabalho acabam por fragmentar o trabalho humano e a relação
do trabalhador com o processo e com o produto do seu trabalho,
determinando as propriedades que movimentam a consciência
dos indivíduos (LEONTIEV, 2004).
Ocorre assim uma discordância entre o resultado da
atividade humana e o motivo que ela apresenta, isto é, o trabalho
que deveria ser a atividade fundamental para o desenvolvimento
dos indivíduos, acaba por se tornar uma atividade alienada,
conferindo “traços psicológicos particulares à consciência”
(LEONTIEV, 2004, p.130).

Na produção capitalista, o operário assalariado procura, ele


também, subjetivamente, a satisfação das suas necessidades de
alimento, vestuário, a sua atividade de trabalho transforma-se, para
ele em qualquer coisa de diferente daquilo que ela é. Doravante, o
seu sentido para o operário não coincide com a sua significação
objetiva. (LEONTIEV, 2004, p.130)

Portanto, a presença fundamental dessas relações na


consciência dos indivíduos, apresenta-se, no que tange os aspectos
psicológicos, pela “desintegração da sua estrutura geral que
caracteriza o aparecimento de uma relação de alienação entre os
sentidos e as significações”, sendo assim, o mundo se apresenta
aos homens de forma fragmentada, difusa, configurando assim a
constituição de uma consciência alienada (LEONTIEV, 2004,
p.133)
Como afirma Vigotski (2008, p.31) “eu vejo o mundo não
apenas de cores e formas, mas vejo-o como um mundo que possui
significado e sentido. Vejo não algo redondo, negro, como dois
ponteiros, mas vejo o relógio” e, esclarece, o problema reside no
fato da desintegração que possa se configurar nessa relação, pois
se a fragmentação se apresenta na leitura de um fenômeno ou um
objeto, a compreensão de sua totalidade ficará comprometida,
fragmentada.

61
Considerando, então, a realidade apresentada e o fato de que
na brincadeira de papéis sociais as crianças reconstroem as
relações sociais, as atividades sociais, vivenciadas em sua
cotidianidade, nesse processo - tendo em vista que os temas,
conteúdos e regras presentes em tal atividade se configuram a
partir da realidade social – suas consciências podem estar se
desenvolvendo, dada a fragmentação posta nas relações alienadas
e alienantes capitalista, também a partir de uma ruptura entre
sentido e significações. Portanto,

o caráter concreto das relações entre as pessoas representadas no


jogo é muito diferente. Essas relações podem ser de cooperação, de
ajuda mútua, de divisão de trabalho e de solicitude e atenção de uns
com os outros; mas também podem ser relações de autoritarismo,
até de despotismo, hostilidade, rudeza etc. tudo depende das
condições sociais concretas em que vive a criança (ELKONIN, 1998,
p.35).

Diante das questões levantadas acima e acreditando na


importância da busca pelo enfrentamento das condições alienadas
e alienantes presentes na sociedade atual, enfatizando o quanto a
escola pode contribuir nesse processo, colocamos, principalmente
aos educadores comprometidos com uma proposta
transformadora, bem como a todos os envolvidos com a educação
escolar atual, a necessidade de proporcionar as condições
objetivas para que os estudantes tenham a possibilidade de se
apropriar dos objetos da cultura material e imaterial de forma não
fragmentada, para assim, desenvolverem as várias
habilidades/capacidades impregnadas nesses objetos e ampliarem
cada vez mais o seu desenvolvimento, para tanto, faz-se
necessário compreender os processos de constituição alienada da
consciência das crianças quando em atividades escolares.

62
SÍNTESE METODOLÓGICA E DA ANÁLISE DOS DADOS

Intencionamos, a partir de agora, apresentar uma síntese


da pesquisa no que concerne o caminho metodológico e os
principais resultados levantados com a análise dos dados das
observações e do processo interventivo. De modo geral, para
iniciar o levantamento dos dados foram realizadas observações no
interior da escola durante o segundo semestre de 2011, com o
objetivo de se conhecer a dinâmica e a realidade da instituição.
Sendo assim foram registrados em diário de campo os
comportamentos, falas e interações entre indivíduos estabelecidos
durante as aulas regulares e nos intervalos de aulas, verificando,
sobretudo, as relações entre professor-estudante, estudante-
estudante, estudante-pesquisador e estudante-funcionários/
dirigentes, visando obter uma apreciação inicial da realidade
pesquisada. É importante ressaltar que essa apreciação inicial da
totalidade social, a partir do materialismo histórico e dialético, é
essencial para uma análise fidedigna da realidade que o
pesquisador se propõe a investigar.
Após esse processo inicial de observações gerais, foram
realizadas observações específicas das intervenções desenvolvidas
pelos membros do GEIPEEthc, junto aos estudantes de uma sala
de segundo ano da escola, os quais foram sujeitos participantes da
pesquisa. Tais observações ocorreram durante o 1º semestre/2012,
perfazendo um total de 16 intervenções acompanhadas.
Os dados coletados, tanto de observações gerais, quanto das
observações específicas, foram sistematizados, categorizados e
analisados com a finalidade de compreender as relações sociais
engendradas no interior da escola, assim como o processo de
desenvolvimento das brincadeiras realizadas pelos membros do
GEIPEEthc junto aos estudantes da sala citada, procurando
identificar características alienadas e alienantes apresentadas
pelos participantes da pesquisa ao longo do processo e as
possíveis implicações para o desenvolvimento de suas
consciências. Para tanto, tomamos a Teoria Histórico-cultural e a

63
teoria marxiana da alienação como referenciais teórico-
metodológicos como base para efetivação de tal pretensão.
Salientamos que o processo de pesquisa acerca da construção
da consciência humana pressupõe a investigação e compreensão
das atividades propostas aos sujeitos pelo professor/pesquisador,
assim como as respostas (comportamentos, falas e interações com
outros indivíduos) dos mesmos a essas atividades, isto é, os
significados e sentidos reproduzidos a partir da realização por
esses sujeitos das atividades propostas ao longo do processo
educativo. Este fato se justifica, pois acreditamos que o processo
de formação humana é engendrado a partir da relação que os
seres humanos estabelecem com o mundo a sua volta, nas
atividades que realiza, construindo e utilizando os objetos
culturais tanto materiais, quanto simbólicos, suprindo suas
necessidades e desenvolvendo a comunicação, sendo o signo o
instrumento mediador que possibilita, em cada indivíduo
singular, o desenvolvimento da linguagem e a construção dos
significados e sentidos responsáveis pelo processo de
desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VIGOTSKI,
2001).
Diante disso, pareceu-nos evidente o quanto a maioria das
situações observadas junto aos participantes da pesquisa,
reproduziam falas, comportamentos, representações e expressões
de caráter autoritário, excludentes, opressoras, individualistas,
preconceituosas, caracterizando relações sociais nocivas em um
plano de desenvolvimento qualitativo no interior da escola
(DUARTE, 1996).
A constatação desse processo pode ser ilustrada pelas
situações descritas a seguir, as quais foram registradas em
caderno de campo, quando da realização de observações gerais:
- A relação que a professora mantém com a sala, durante as aulas,
parece ser de manutenção da disciplina dos alunos através de gritos e de
intimidação através do medo, sendo que a mesma também se utiliza de

64
ameaças3. - ao terminar a palestra, (atividade que estava sendo
aplicada para todos os alunos da escola a respeito da importância
de se praticar artes marciais) uma das inspetoras pegou um chinelo na
mão e ficou ameaçando os alunos para que subissem para suas salas. -
Fala de uma professora: “Não é para ensinar para os colegas, não é para
copiar dos colegas”. - Alunos tentam fazer a atividade em grupo e a
professora da sala os adverte: “A atividade é individual, vocês não sabem
o que é atividade individual?”. - Durante uma atividade realizada em
quadra o aluno P disse para uma companheira de sala ao ser pega, que ela
era “gorda”. A aluna pareceu chateada. - Um aluno afirma ao
pesquisador que outros alunos ficam o chamando de “macaco” e
manifesta-se como se sentindo objeto de humilhação. - Afirmação de um
aluno durante uma atividade em quadra: “meninas não podem jogar
futebol, é um jogo só para homens”. - Quando as meninas entravam no
futebol os meninos ficavam muito bravos. - Dois alunos ao se chocarem,
por estarem correndo na quadra e, determinado aluno diz para o outro:
“sai daqui seu neguinho” e, após dizer isso, ainda tenta agredir com
tapas o colega;
Podemos compreender que tais situações identificadas no
cotidiano escolar apresentam características de efetivação e/ou
manutenção de relações sociais de alienação, fato que denota uma
ruptura no processo de construção da consciência dos indivíduos,
ruptura esta expressa na fragmentação entre o sentido e o
significado de suas ações na escola, uma vez que sentido e
significado devem estabelecer relação qualitativa para de fato
contribuírem para o desenvolvimento de uma consciência menos
alienada.
Segundo Duarte (1996, p.61), para se compreender o processo
de formação do ser humano na sociedade capitalista, faz-se
necessário analisar o processo de humanização no seio de relações
sociais alienadas, ou seja, no bojo de “um processo onde as
relações sociais cerceiam ou impedem que a vida dos indivíduos

3 A descrição dos relatos registrados em caderno de campo será deixada em


itálico.

65
realize as possibilidades de vida humana”. O enfrentamento desse
processo de alienação na vida dos indivíduos, segundo o autor,
depende, portanto, da transformação em uma direção mais
humanizadora das relações sociais presentes no mundo
capitalista. A partir disso, defendemos que o processo de
educação escolar, mediado pelo professor4, sujeito crítico e
consciente de seu papel na transformação da consciência dos
alunos, pode e deve contribuir com aquilo que lhe é específico, ou
seja, na socialização dos conhecimentos sistematizados, buscando
o enfrentamento da fragmentação do psiquismo imposta pelas
relações alienadas e alienantes.
Acerca do processo de análise das intervenções realizadas
pelos membros do GEIPEEthc, no diário de campo foram
registradas as brincadeiras realizadas junto aos alunos, bem como
seus comportamentos, falas e interações com outros indivíduos
durante tais atividades, a partir das ações carregadas dos
significados e sentidos referentes aos papéis sociais reconstruídos
pelos participantes durante a atividade. Acreditamos que a partir
daí podemos compreender o processo de constituição da
consciência desses sujeitos, pois, como afirma Elkonin (1998, p.29),

[...] pode-se afirmar que são justamente o papel a as ações dele


decorrentes o que constitui a unidade fundamental e indivisível da
evolução da forma de jogo. Nele estão representadas em união
indissolúvel a motivação afetiva e o aspecto técnico-operacional da

4 Não temos a intenção de culpabilizar o professor, os funcionários, ou qualquer


outro sujeito integrante da realidade escolar por reproduzir situações que
alimentam a ideologia e as relações alienadas próprias da sociedade capitalista,
tanto no interior da sala de aula quanto em outros espaços, como identificamos
durante as observações na nossa pesquisa. Sabemos o quanto a educação
brasileira, sobretudo a pública, responde a interesses econômicos e de
manutenção do controle capitalista, seja pela reprodução de tal ideologia e
efetivação da alienação, negando o acesso dos indivíduos as produções
culturais materiais e imateriais mais desenvolvidas, seja pela precarização
imposta aos espaços educacionais públicos e a desvalorização do trabalho dos
atores diretamente ligados ao processo educativo.

66
atividade. [...] Quanto mais abreviadas e sintetizadas são as ações
lúdicas, tanto maior é a profundidade com que se refletem no jogo o
sentido, a missão e o sistema de relações entabuladas na atividade
reconstruída dos adultos; quanto mais completas e desenvolvidas
são as ações lúdicas, tanto maior é a clareza com que se manifesta o
conteúdo objetivo e concreto da atividade reconstruída.

Apresentaremos, tendo em vista os limites desse capítulo, os


dados coletados a partir de apenas uma das intervenções
realizadas, na qual, acreditamos, estiveram mais evidentes
situações de alienação durante a brincadeira. Desta feita, os
membros do GEIPEEthc aplicaram uma atividade denominada “o
mestre mandou”5, na qual a única regra explícita era o comando
dado pelo “mestre” (um membro do GEIPEEthc), que definiria
qual papel social os alunos deveriam reproduzir. Assim sendo, a
cada nova orientação, observávamos quais eram as representações
dos estudantes acerca de diferentes papéis sociais como o dos
professores, pais, policiais, motoristas, bombeiros, artistas de
televisão, dentre outros, os quais as crianças tinham contato no
seu dia-a-dia.
Interessante expor o quanto foi notória nessa intervenção a
manifestação de relações de dominação, violência, relação de
posse, preconceito, individualismo e etc. situações essas que se
efetivam, cotidianamente, na sociedade capitalista.
- Pedimos para os estudantes imitarem jogadores de futebol, alguns
alunos começaram a se chutar. - Quando pedimos para imitarem o
presidente da república, uma aluna começou a marchar.- Ao pedirmos
para imitarem mendigos, os alunos começaram a se arrastar no chão, com
o olhar triste, pedindo um trocado. - Quando imitaram policiais fizeram
com as mãos como se estivessem segurando armas e ficavam fazendo o
barulho como se estivessem atirando, um aluno segurou no pescoço do
outro e começou a dizer "pede pra sair, pede pra sair". - Ao imitarem o

5 Atividade: O mestre mandou... /representações sociais – Os interventores


diziam “o mestre mandou...” e davam um comando referente a algum papel
social, ou ação, que as crianças deveriam imitar.

67
professor, vários alunos ficavam apontando para o rosto uns dos outros
dizendo “fica quieto”, “presta atenção”, “cala a boca”, todos com
movimentos efusivos em direção ao rosto do outro, uma menina começou
a apontar para a outra gritando “fica quieta, você vai pra diretoria”, um
menino começou a fazer movimentos como se estivesse gritando com
alguém. - Quando pedimos para imitarem alunos, começaram a correr e
gritar alegremente, alguns alunos começaram a correr e passavam
empurrando seus companheiros, dois alunos simularam uma briga,
dentre outras manifestações. - Pedimos para que imitassem pais e mães,
alguns alunos começaram a fazer movimento como se estivessem dando
tapas uns nos outros, outros começaram a realizar movimento como se
estivessem batendo e brigando, como se estivessem nervosos. - Pedimos
também para que eles imitassem pessoas ricas e começaram a pular de
alegria, como se estivessem comemorando algo; vários alunos gritavam
“dinheiro, dinheiro, heeeee”; um aluno começou a fazer movimentos
como se estivesse pegando o dinheiro no chão e jogando para o alto
comemorando dizendo “sou rico, sou rico”, todos, de maneira geral,
demonstraram muita alegria, uma aluna passou gritando “que alegria, to
com dinheiro”. - Quando pedimos para que imitassem a si mesmos, eles
começaram a correr, gritar e se bater, um aluno disse, apontando para
outro, “ele fica me batendo, ta imitando ele mesmo de verdade”. -
Quando pedimos para imitarem os sem-terra, um aluno disse “sem terra
é uma pessoa morta”, outro aluno passou gritando “vou roubar, vou
roubar”, eles começaram a se arrastar no chão como se estivessem
definhando, ou fracos. - Pedimos para que imitassem fazendeiros, uma
menina começou a correr alegremente dizendo, “estou rica, estou rica”,
outros imitaram um sujeito a cavalo, outros ainda imitaram situações de
trabalho com animais, imitavam bois e cavalos.
Consideramos que tais observações apresentaram dados
relevantes quanto ao processo de reprodução das relações sociais
próprias da alienação capitalista e que fazem parte da vida dos
alunos, sendo que os mesmos as vivenciam em seu dia-dia e
também nas relações sociais escolares. Sabemos que esse
fenômeno é bastante compreensível, uma vez que como sujeitos
sociais, os alunos se apropriam e se objetivam a partir das

68
condições que encontram no seu contexto social, no entanto
enfatizamos que tais situações não devem ser simplesmente
aceitas conformadamente, uma vez que estamos discutindo a
construção de consciências humanas na escola e,
lamentavelmente, identificamos o quanto os alunos vivem um
cotidiano escolar repleto de alienação, fato que precisa ser objeto
de preocupação para todos os educadores que compreendem a
importância da escola na construção da consciência dos alunos.
Enfim, constatamos que a relação escola-estudante se
encontra permeada por elementos ideológicos e pelo fenômeno da
alienação, fato que a torna instrumento de reprodução da
ideologia do capital. No entanto, dada as contradições presentes
em tal realidade, acreditamos que seja possível um trabalho
educativo que cumpra sua função social e se constitua como
prática transformadora, a partir da socialização dos objetos
culturais os mais desenvolvidos, no campo da filosofia, ética,
ciência, artes, política, cultura corporal, dentre outros objetos
humano-genéricos essenciais, levando o desenvolvimento dos
seres humanos na direção da sua liberdade e emancipação, tendo
em vista a emancipação da própria sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de considerações finais, a busca por uma análise


crítica do processo de desenvolvimento da consciência infantil,
numa sociedade pautada por relações de alienação, justifica-se
pelo compromisso social em direção à construção de
possibilidades diferenciadas de educação escolar, enfatizando o
trabalho do professor como fundamental nesse processo e voltado
para a concretização de ações educativas numa direção
humanizadora e emancipatória. Para tanto, há que serem
desvelados os processos alienados e alienantes que fragmentam o
processo de constituição do psiquismo infantil, seja a partir das
brincadeiras, seja em qualquer outro processo educativo.

69
Ficou evidente o quanto o fenômeno da alienação acaba por
prejudicar o processo de desenvolvimento da consciência dos
indivíduos numa direção mais humano-genérica, fenômeno esse
que contribui para a manutenção do status quo, tendo em vista que
na sociedade capitalista, desde a infância, tais processos sociais
alienados e alienantes permeiam a formação do psiquismo dos
indivíduos e a escola, infelizmente, insere-se nesse processo.
Sendo assim, quando da observação da realização de
brincadeiras na escola, atividade esta fundamental ao processo de
constituição do psiquismo da criança, foram observadas situações
que expressavam relações alienadas e alienantes a partir de
comportamentos, falas e interações entre os indivíduos carregados
de competição, violência física e simbólica, individualismo,
preconceitos, discriminação, valoração de padrões corporais
estereotipadas, dentre outras relações e aspectos considerados por
nós enquanto consequência da constituição de consciências
fragmentadas, expressas pela ruptura entre sentido e significado
dos conteúdos das atividades.
No entanto, é importante salientar que no interior da
realidade escolar existem inúmeras contradições que nos
permitem vislumbrar possibilidades de transformação e
enfrentamento da alienação, sobretudo quando se tornam
possíveis mediações prático-teóricas educativas numa perspectiva
humanizadora e engendradas a partir de atividades e
discussões/ações críticas e conscientes, pela via da possibilidade
de acesso e apropriação dos conhecimentos os mais
desenvolvidos.
Entendemos que nossa pesquisa contribuiu, não somente
quanto à análise acerca das relações sociais alienadas nas
brincadeiras infantis, mas, também, no sentido de alertar e
orientar os profissionais responsáveis pela educação a respeito
dessas condições de alienação, para que esse fenômeno próprio à
sociedade capitalista seja objeto de preocupação e investigação
com vistas ao seu enfrentamento, situação que poderia auxiliar,
mesmo que de forma inicial, para com o processo histórico de

70
superação de uma sociedade tão desigual que caminha a passos
largos em direção à barbárie total.

REFERÊNCIAS

DUARTE, N. A individualidade para-si: Contribuição a uma teoria


histórico-social da formação do indivíduo. Campinas: Autores
Associados, 1996.
ELKONIN, D. B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo:
Centauro, 2004.
LEONTIEV, A. N. Os Princípios Psicológicos da Brincadeira Pré-
escolar. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N.
Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006a.
LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à Teoria do
Desenvolvimento da Psique Infantil. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA,
A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006b.
MARKUS, G. Teoria do Conhecimento no jovem Marx. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1974.
MARX, K. Manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo:
Boitempo, 2004.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo:
Paz e Terra, 2007.
MELLO, S. A. Contribuições de Vigotski para a educação infantil.
In: MENDONÇA, S. G.; MULLER, S. Vigotski e a escola atual:
fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara: JM,
2006.
MELLO, S. A. Linguagem, consciência e alienação: O óbvio como
obstáculo ao desenvolvimento da consciência crítica. Marília:
Unesp-Marília-Publicações, 2000.
ROSSLER, J. H. O desenvolvimento do psiquismo na vida cotidiana:
aproximações entre a psicologia de Alexis N. Leontiev e a teoria

71
da vida cotidiana de Agnes Heller. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24,
n. 62, p. 100-116, abril 2004. Disponível em
http://www.cedes.unicamp.br
VIGOTSKI, L. S. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento
psíquico da criança. Tradução: Zóia Prestes. Revista Virtual de
Gestão de Iniciativas Sociais, Publicada em Junho de 2008.
VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São
Paulo, ed. Martins Fontes. 2001.
VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas. Tomo III. Madri: Visor/MEC.
1995.

72
CAPÍTULO 2

A DIALÉTICA TIMIDEZ-INTIMIDAÇÃO NA ESCOLA:


UMA DISCUSSÃO HISTÓRICO-CULTURAL DESTE
PROCESSO

Tatiane da Silva Pires Felix

INTRODUÇÃO

Este capítulo se concretiza como síntese das indagações,


discussões e principais resultados de nossa dissertação de
Mestrado finalizada no ano de 2013, em que nos propusemos a
analisar a timidez como um processo histórico-cultural que se
desenvolve a partir de aspectos sociais, assim como das vivências
dos estudantes com características tímidas na escola. Para tanto,
buscamos analisar a participação de crianças consideradas tímidas
num projeto ludo-pedagógico realizado pelo GEIPEEthc no
interior da escola.
Esclarecemos que nossa preocupação com a formação da
personalidade das crianças consideradas tímidas na escola nos
acompanha desde a realização de nossa pesquisa de iniciação
científica, realizada no ano de 2010. Por meio das descobertas e
indagações advindas daquela pesquisa de iniciação científica,
construímos nossa pesquisa de mestrado, com a finalidade de
compreender o processo da timidez na escola, a partir da
perspectiva Histórico-Cultural. Desta forma, abordaremos neste
artigo, as principais discussões e considerações decorrentes da
nossa pesquisa de mestrado.
Para tanto, iniciamos este trabalho com as concepções de
sujeito tímido, que de acordo com o senso comum, pode ser
considerado como alguém “fraco”, que sofre por ter medo de se
arriscar, que têm dificuldades com a fala, ou que não é capaz de se

73
expressar; que tenta esconder suas fraquezas, mas não consegue e
acaba por evidenciá-las, um sujeito que se inibe diante do mundo.
Diante desta perspectiva, diversos autores de literaturas de
autoajuda têm buscado abordar o fenômeno da timidez como algo
passível de se controlar, desde que o sujeito fortaleça a si mesmo.
Além disso, podemos notar que, recentemente, até mesmo clínicas
têm sido abertas com o propósito de tratar, ou curar, a timidez.
No entanto, ainda que possamos perceber uma ascendente
preocupação com os sujeitos tímidos, verificamos, por outro lado,
uma verdadeira escassez de pesquisas científicas e contribuições
filosóficas acerca deste assunto.
Portanto, nos pautamos nos pressupostos da teoria histórico-
cultural do desenvolvimento humano no intuito de investigar e
compreender o processo da timidez. Para tanto, partiremos da
compreensão histórica e dialética de que é necessária a leitura e
síntese das principais obras e produções científicas já
sistematizadas sobre a temática, no intuito de aprofundar e
avançar no entendimento do que já foi produzido histórica e
culturalmente.

SOBRE AS DEFINIÇÕES E SIGNIFICADOS DE TIMIDEZ

Por considerar essencial este resgate histórico acerca do que


foi pensado e produzido sobre o objeto de estudo de nossa
pesquisa, um de nossos objetivos foi realizar um levantamento
bibliográfico sobre o conceito de timidez. Imbuídos desta tarefa,
fizemos uma busca em livros e artigos publicados em português
nas bases da biblioteca local (FCT-UNESP), Scielo e Google
acadêmico, através das palavras-chave “timidez” e “tímido”.
Deparamos-nos com um pequeno número de artigos e, sobretudo,
de livros, que tratassem da timidez para além da ótica da
autoajuda. Portanto, sentimos a necessidade de buscar referências
em outras línguas, como inglesa e espanhola, utilizando as
mesmas palavras-chave e, somente assim, conseguimos um aporte
científico maior.

74
Muitos dos livros que trazem a discussão sobre a timidez se
caracterizam como literatura de autoajuda (EISEN, 2008; CIDES,
2006; SAINT-LAURENT, 2006; AVOSO, 2004; CARDUCCI, 2012),
sendo que a principal preocupação é esclarecer o que é timidez,
como superá-la ou vencê-la, além de geralmente, voltarem-se à
conquista do sucesso profissional do sujeito tímido. Existem
também livros que prometem orientar os pais de crianças tímidas,
no sentido de encontrar mecanismos para elevar a autoestima de
seus filhos, visando à superação da timidez.
Estas literaturas de autoajuda se utilizam de linguagem
aparentemente científica, porém, na maioria das vezes são meras
especulações psicologizantes acerca do comportamento humano,
tornando-se pseudocientíficas e com muitos elementos do senso
comum. Tais livros, que muitas vezes se tornam “Best-sellers”,
não contribuem de fato para com a conscientização e
humanização das pessoas, mas as fazem acreditar que precisam
moldar suas personalidades a partir de alguns padrões de
comportamentos necessários para serem bem sucedidos na
sociedade contemporânea.
No âmbito científico, destacamos a definição de Casares e
Caballo (2000), que afirmam a timidez como um comportamento
social retraído e passivo, associado à inatividade, apatia,
indecisão, insegurança, submissão, indiferença, pensamentos
negativos, ansiedade, medo, baixa autoestima, julgamento
negativo de si mesmo, dentre outras formas de comportamentos.
A partir dessas afirmações ambíguas e genéricas, os autores
defendem que seja necessário um treinamento da conduta social,
por meio de programas cognitivo-comportamentais, para que tais
características tímidas da personalidade possam ser modificadas.
Considerando o estudo da temática a partir da genética, Axia
(2003) defende que a timidez é um temor em falar diante de
outras pessoas, um medo difícil de ser controlado pelo sujeito,
que o leva a sensações como tremer, falar baixo, enrubescer, suar,
dentre outras manifestações orgânicas, que geram conflitos
pessoais, uma vez que luta consigo mesmo para não demonstrar

75
tais sensações. A autora caracteriza a timidez como uma
sequência de emoções relacionadas a um extremo medo, advindas
de determinadas situações sociais, principalmente aquelas
desconhecidas. Outras duas características que desencadeiam a
timidez seriam: se concentrar no medo sentido em situações
sociais de exposição e nas reações fisiológicas decorrentes e, ao
mesmo tempo, sentir-se envergonhado por amedrontar-se diante
de tais situações.
Segundo a autora, tal medo está enraizado na consciência do
sujeito e, decorrente disso, explicita-se sua dificuldade em
controlar tais sensações. Afirma ainda que a timidez não é uma
patologia a ser curada ou uma deficiência a ser superada, mas
uma característica genética do ser humano tímido. O grande
problema seria o fato de que a timidez parece ser um grande
incômodo aos tímidos, já que os sujeitos temem a sua própria
timidez (AXIA, 2003).
Motta Filho (1969, p.37) afirma que a timidez pode ser
definida como “a consciência da incapacidade, o medo do
fracasso diante dos outros, o receio do juízo alheio, a preocupação
de que vai errar ou de que, acertando, não [será] compreendido”,
fatores estes que comprometem significativamente a ação social
do sujeito tímido. Além disso, segundo o autor, o tímido entra em
constante conflito diante de sua vontade de ser bem sucedido,
escutado e notado pelos demais, sem tornar-se objeto de crítica e
humilhação. Ainda afirma o autor que nem todos os seres
humanos são tímidos, porém já vivenciaram momentos de
timidez. (MOTTA FILHO, 1969)
Para Lacroix (1970) os tímidos demonstram certa insegurança
sobre si mesmos, fato decorrente do medo ou preocupação de
sofrer moralmente. Para o autor, o tímido, na maioria dos casos,
teme não conseguir atingir as expectativas de sua família e
amigos, ou ser subestimado pelos mesmos, assim, muitas vezes,
prefere não se arriscar.
Das pesquisas mais contemporâneas, encontramos a de
Zimbardo (2008), que define a timidez como um desconforto ou

76
inibição que pode prejudicar o desenvolvimento de sua vida
social e profissional. O autor a conceitua como um exagero no
comportamento de autofoco, que pode variar entre um pequeno
desconforto em se relacionar socialmente, até algo mais grave
como uma fobia social. Para o autor, a timidez pode ser
considerada como crônica, ou seja, que se constitui como parte da
personalidade, ou ainda disposicional, na qual os sujeitos apenas
vivenciam algumas situações de timidez, mas não a incorporam
em seu autoconceito (ZIMBARDO, 2008).
Das pesquisas que se preocupam com a timidez em um
contexto escolar, encontramos o trabalho de Lund (2008) que
ressalta a timidez como introversão, comportamento retraído e
inibido, depressão e ansiedade social. Afirma ainda que autores a
descrevem como uma experiência subjetiva, como uma síndrome
psicológica, podendo ser uma ansiedade, comportamento social
inibido, componente genético da personalidade, uma disposição
temperamental ou um comportamento situacional. Lund (2008)
afirma ainda que todas as dez garotas que participaram de sua
pesquisa, relataram sentir-se invisíveis perante os demais na
escola e que tal situação causava um sentimento de sofrimento
por acreditarem que as pessoas atribuíam más concepções sobre
características de suas personalidades. A autora revela que sete
das participantes da pesquisa, acreditavam que o professor seria o
responsável pelo agravamento desta situação na escola, os quais
não agiam quando necessário em situações de bullying ou por
causar situações de humilhação. Além disso, muitas das
entrevistadas afirmaram acreditar que ninguém se importava com
os seus sentimentos na escola.
Outro estudo focado na timidez na escola é o de Vieira (2010),
que afirma ser a timidez uma emoção relacionada ao medo de
sofrer socialmente, ou seja, é uma condição humana constituída
no decorrer da vida, tendo início nas relações familiares e
agravando-se na escola. Vieira (2010) relata que os alunos tímidos
eram considerados bons pelos professores, no entanto, eram
objeto de chacota dos demais estudantes, por serem considerados

77
estranhos e demasiadamente estudiosos. Para a autora, estas
atitudes de bullying contra os tímidos, seriam mais dolorosas pelo
fato dos mesmos não terem coragem de denunciar a humilhação
ou vergonha vivenciada e sofrida.
No âmbito da filosofia, nos remetemos à ética de Espinosa
(1983, p. 204) que contribui sobremaneira para o entendimento do
fenômeno da timidez, assim como dos afetos que a constitui, por
afirmar que:

chamamos a uns intrépidos, a outros tímidos, e a outros, enfim,


com outro nome. Por exemplo, chamo intrépido àquele que despreza
o mal de que habitualmente tenho medo; e se, além disso, considero
que o seu desejo de fazer mal àquele que odeia e de fazer bem
àquele que ama não é entravado pelo medo de um mal que
habitualmente me reprime, chamar-lhe-ei audacioso; enfim, parecer-
me-á tímido aquele que receia o mal que eu tenho o hábito de
desprezar; e se, além disso, considero que o seu desejo é entravado
pelo medo de um mal que me não reprimiria, direi que ele é
pusilânime, e assim julgará cada um.

Ou seja, para Espinosa (1983) a timidez encontra-se em uma


relação valorativa onde, denominamos tímidos aqueles que tem
medo de passar por más situações, como situações intimidadoras
e opressoras, diferentemente de quem também se depara com o
“mal”, porém é intrépido e não o teme. Podemos entender
também que, segundo o autor, os adjetivos empregados no trecho
acima (“intrépido”, “audacioso”, “tímido” e “pusilânime”) são
construídos e atribuídos aos sujeitos de acordo com um padrão de
comportamento humano, ou seja, atribui-se um julgamento a
algo/alguém que foge a determinada regra social.
Considerando a discussão até então realizada, notamos que
as definições de timidez se mostram diversificadas e abrangentes
e que, na maioria das vezes, são decorrentes de estudos da
psicologia comportamental, da psicologia clínica e da psiquiatria,
faltando, portanto, uma compreensão histórico-cultural do tema.

78
Nesse contexto, afirmamos a importância dos estudos de
Vieira (2010) que define a timidez como uma emoção construída
socialmente, assim como a definição de Zimbardo (2008) que
compreende a timidez como uma característica da personalidade
e também os estudos de Espinosa (1983) que afirma o sujeito
tímido como alguém que teme passar por más situações.
A leitura e apropriação destes estudos foram incorporadas
em nossa pesquisa, no sentido de nos apoiar na compreensão da
timidez ao longo da história e avançarmos numa definição a
partir da perspectiva histórico-cultural, ou seja, na defesa de que a
timidez é constituída por um processo multideterminado:
biológico, social, histórico e cultural. Nessa direção, procuramos
compreender os comportamentos dos sujeitos tímidos da nossa
pesquisa, reconhecendo-os como históricos e sociais.
Como foi possível notar, o medo e a vergonha são emoções
que se encontram presentes em todas as conceituações de timidez
acima apresentadas, por este motivo, passaremos a discutir o
papel das emoções e dos sentimentos na formação da
personalidade humana, no sentido de avançar na compreensão do
processo de construção da personalidade de crianças que
apresentam comportamentos tímidos.

CONCEPÇÃO VIGOTSKIANA SOBRE EMOÇÕES E


SENTIMENTOS COMO FUNÇÕES DA PERSONALIDADE

Nos basearemos nos estudos Vigotskianos das emoções e


sentimentos como função psicológica constituinte da
personalidade humana. Para tanto, é importante ressaltar que a
discussão da personalidade se encontra ao longo da toda a obra
de Vigotski (1896-1934), sendo que, geralmente a temática
costuma permear o estudo das funções psicológicas superiores.
Para que possamos adentrar no campo da personalidade
humana, é importante salientar que para Martins (2004), a
personalidade costuma ser definida tradicionalmente, como um
sistema fechado sobre a própria pessoa, algo que dirige suas

79
estruturas psicológicas e organiza a vida dos sujeitos. Avançando
a estes pressupostos tradicionais, a autora afirma que a existência
deste sistema, desta singularidade, só é possível através do
processo histórico-social “posto que o sujeito é um ser social
singular única e exclusivamente na medida em que é um ser social
genérico”. (MARTINS, 2004, p. 84).
O dado social da construção da personalidade humana é
abordado por Vigotski (2000, p. 336) em seu texto “A história das
funções psicológicas superiores”, onde afirma que a
personalidade deve ser compreendida como social, uma vez que é
imprescindível o papel do outro na formação da criança e reitera
que “a personalidade é o social em nós”. Assim, podemos
compreender que a personalidade da criança se forma a partir das
relações com o mundo, com os demais. Ainda nesta direção,
Vigotski (2006, p. 228-229) nos explica, a luz das contribuições de
Marx que:

[...] a natureza psíquica do homem é um conjunto de relações sociais


transferidas ao interior, e convertidas em funções da personalidade,
partes dinâmicas de sua estrutura. A transferência ao interior das
relações sociais externas existentes entra as pessoas é a base da
formação da personalidade.

Ampliando a sua compreensão, Vigotski (2006, p. 228-229)


afirma que:

[...] a princípio, o homem observa a outro homem como se fosse um


espelho. Somente no caso de que o indivíduo Pedro considere o
indivíduo Pablo como um ser semelhante a si mesmo, começará
Pedro a tratar-se a si mesmo como um ser humano. Ao mesmo
tempo Pablo, como tal, com toda a corporeidade de Pablo, se
converte para ele na expressão do gênero humano.

O autor, portanto, supera as concepções que visam entender


a personalidade meramente a partir de um estudo descritivo,
comportamental, ou que leve em consideração apenas aspectos

80
fisiológicos e genéticos para explicar a personalidade. Por outro
lado, Vigotski (2006) reafirma que o aspecto social é fundamental
na formação de nossa personalidade e, neste sentido, devemos
encarar a personalidade como algo constituído social e
culturalmente, abarcando em sua explicação tanto o que há de
natural/biológico quanto o que há de cultural nos humanos.
(VIGOTSKI, 2000)
Vigotski (2006) fez críticas aos estudiosos da psicologia
tradicional que tratavam a personalidade enquanto algo a ser
pesquisado de forma descritiva e pontual, em contrapartida, o
autor se mostra disposto a estudar a estrutura da personalidade
sem perder de vista a totalidade e as relações que a envolvem,
assim, concebe o desenvolvimento da personalidade levando em
conta tanto sua estrutura, como sua dinâmica. Para uma
compreensão da ontogênese da personalidade, torna-se
imprescindível considerar o desenvolvimento, estrutura e
dinâmica das funções psicológicas superiores, uma vez que a
personalidade se caracteriza como síntese de tais funções.
Podemos notar que Vigotski (2004, p. 214) indica que existe
uma relação intrínseca entre personalidade e as funções psíquicas
humanas, assim como os sentimentos e emoções, sobretudo ao
afirmar que “toda emoção é uma função da personalidade”. Ou
seja, o autor nos esclarece que as emoções fazem parte das funções
psíquicas que, como as demais funções são desenvolvidas através
da relação do sujeito com o mundo, contribuem para o processo
psíquico interfuncional constituinte da personalidade humana.
Martins (2011) e Toassa (2004) afirmam que Vigotski baseou-
se nas concepções de Espinosa para efetivar uma teoria que
considera os afetos como parte de uma unidade cognitivo-afetiva,
ou seja, para defender que os afetos não devem ser estudados em
dicotomia do psiquismo. Desta forma, Vigotski (2004)
compreende as emoções e os sentimentos como elementos da
consciência e da personalidade humana e essenciais para
pensarmos o ser humano como totalidade psíquica.

81
Sendo assim, Vigotski ao discutir os afetos e emoções, buscou
superar as concepções dualistas, no intuito de defender a unidade
afetivo-cognitiva e psicofísica dessas qualidades psíquicas,
criticando de forma incisiva as ideias dos pensadores pragmáticos
de sua época e pautando-se nos pressupostos de Marx e Espinosa
para compreender o homem em totalidade.
Fica evidente a preocupação do autor em dar relevância à
realidade concreta e às condições sociais para a compreensão do
psiquismo, assim como das emoções humanas. No intuito de
exemplificar o leque de relações sociais constituintes dessas
qualidades psíquicas, Vigotski (2004) utiliza da ilustração da obra
“A Divina comédia” de Dante Alighiere (1265-1321) ao afirmar
que:

É inadimissível que a mera percepção de uma silhueta feminina


provoque automáticamente um sem fim de reações orgánicas das
quais poderia nascer um amor como o de Dante por Beatriz, se não
se pressupor o conjunto de ideias teológicas, políticas, estéticas e
científicas que conformavam a consciencia do genial Alighieri.
VIGOTSKI (2004, p. 213, 214).

Ou seja, as emoções são consideradas por Vigotski (2004)


como síntese de diferentes situações sociais e ideias políticas,
científicas, estéticas, dentre outras vivênciais que constituem a
totalidade da personalidade humana.
Podemos afirmar, portanto, que as emoções e sentimentos
humanos são construídos socialmente e que seu desenvolvimento
contribui sobremaneira para o sistema psíquico e personalidade
dos sujeitos, inclusive dos sujeitos considerados tímidos, como
observamos durante a análise das intervenções realizadas na
escola. Portanto, analisaremos abaixo os dados coletados em
nossa pesquisa de mestrado sobre as situações escolares em que
os sujeitos apresentavam comportamentos tímidos-intimidados.
RELATOS DA PESQUISA REALIZADA JUNTO A
ESTUDANTES NA ESCOLA

82
Neste momento discutiremos as relações sociais identificadas
entre os estudantes durante o processo de observação da
realidade de uma escola de tempo integral de Presidente
Prudente/SP. Tais observações aconteceram em duas etapas, a
primeira de cunho geral com objetivo de identificar as relações
sociais do meio escolar e a segunda etapa voltada para as
observações do processo de intervenção ludo-pedagógico
realizado pelos membros do Grupo de estudos, Intervenção e
Pesquisa em Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural
(GEIPEEthc) junto a uma sala de 2o ano do Ensino Fundamental
(ciclo I). Na primeira etapa observamos a escola por nove dias
letivos durante todo o período de aulas e a segunda etapa contou
com vinte observações das intervenções que ocorriam
semanalmente e tinham, aproximadamente, sessenta minutos de
duração.
É importante afirmar que a própria pesquisadora assumiu a
tarefa de registrar em diário de campo os comportamentos, falas,
expressões e outras manifestações dos sujeitos no interior da
escola, assim como durante as atividades de intervenção do
GEIPEEthc, sendo que tais dados serão objeto de análise e
discussão específica deste capítulo.
Analisaremos, portanto, as situações e relações sociais
construídas e reproduzidas nos encontros de intervenção
realizados junto aos estudantes, com ênfase nas relações
estabelecidas entre os sujeitos que apresentavam características
tímidas junto ao restante da sala de aula. É importante salientar
que este 2º ano apresentava cerca de 30 a 35 estudantes em média,
com idade entre 06 e 07 anos.
Ressaltamos a necessidade dos estudos de Vigotski (2006)
que ofereceram as condições para as análises teóricas acerca do
desenvolvimento das crianças de 06 e 07 anos, sujeitos da
pesquisa, pois, segundo o autor, as crianças podem passar, por
volta dos sete anos, por uma crise importante que impulsionará o
desenvolvimento de suas personalidades. Segundo o autor a

83
criança nessa fase passa a desenvolver e generalizar as vivências
que lhe ajudarão a ter uma orientação consciente de suas emoções,
afetos e características da personalidade. É durante a crise dos sete
anos que a criança descobre suas vivências e passa a compreender
o significado e sentido das mesmas.
Segundo Vigotski (2006), é na crise dos sete anos que a
criança passa a diferenciar o seu interior e seu exterior e, ademais,
neste período, como já mencionamos, a criança começa a atribuir
novos sentidos às suas vivências e generalizar seus afetos, sendo
que, simultaneamente, o processo de apropriação de conceitos e o
desenvolvimento do pensamento, resultam em novos
enfrentamentos para a criança em idade escolar. Neste contexto
de desenvolvimento, a criança, por tomar consciência de seus
atributos psíquicos, passa a valorar tanto a si mesma quanto as
demais crianças da escola.
Na idade pré-escolar, a criança carece de auto-estima, por
ainda não ter estruturada sua capacidade de generalizar suas
vivências e sentimentos. Já na idade escolar, a criança consegue se
autovalorar, ou seja, fazer juízo de si própria a partir do que vê e
compreende sobre o outro à sua volta. Tal fato pode nos ajudar a
entender o quanto as crianças, inclusive as que apresentam
características tímidas, se desenvolvem e se constituem no âmago
de todas estas vivências valorativas e, muitas vezes, conflituosas,
sendo que, torna-se necessário compreender o desenvolvimento
dos afetos, sentimentos e emoções no bojo dessas relações
escolares, como procuramos realizar em nossa pesquisa.
Para tanto, a princípio, nos propusemos a identificar no
ambiente escolar, a qualidade das relações sociais por lá
estabelecidas, considerando os diferentes espaços da escola, desde
a sala de aula, a quadra, o pátio, corredores de circulação para as
salas de aula, dentre outros espaços de permanência dos alunos,
assim como dos professores e gestores no interior da escola.
Realizamos estas observações sistemáticas gerais de vivências das
crianças no ambiente escolar, primeiramente com o intuito de
“identificar” quais seriam os sujeitos tímidos, processo este que

84
ocorreu durante todo o processo de intervenção, e que durou
cerca de seis meses nos diversos meios escolares.
A identificação das crianças tímidas foi realizada
considerando algumas formas de comportamentos dos sujeitos,
tais como, demonstrarem que desejavam se expressar e participar
de situações sociais, mas que, ao mesmo tempo sentiam
dificuldades em estabelecer estas relações tanto em sala de aula,
quanto em outros espaços escolares. Além disso, utilizamos como
método de identificar os estudantes tímidos por perceber quais
eram os sujeitos pouco notados pelos professores em sala de aula.
Posterior a esta identificação prévia, num segundo momento,
nos aproximamos dos sujeitos que costumavam se comportar de
maneira tímida e, através de conversa informal com estes e com
seus professores, buscamos aprofundar a investigação sobre suas
vidas e anseios, com objetivo de melhor compreendê-los. Os
estudantes que participaram de nossa pesquisa e foram centrais
em nossa análise, identificamos com os nomes fictícios de Helena,
Capitú, Iaiá, Virgília e Sofia1.
Desta forma, iniciamos o processo de observação especifica
das atividades de intervenção realizadas pelo GEIPEEthc com a
sala de 2º ano, sendo que nestes momentos foram realizadas
produção de desenhos, cartazes e, principalmente, brincadeiras de
caráter cooperativo e ludo-pedagógicas, com a finalidade de
observar os comportamentos dos sujeitos tímidos em diferentes
situações sociais na escola. Nestas atividades, foi possível
observar diferentes comportamentos corporais, expressão de
sentimentos, verbalização de pensamentos e outras manifestações
da personalidade dos sujeitos. Observamos também as
manifestações escritas (recados) e desenhos realizados pelos
sujeitos durante as intervenções, com vistas à melhor
compreensão do processo de timidez/intimidação presente na
escola.

1 Os nomes dos sujeitos participantes da pesquisa fazem menção a personagens


de obras de Machado de Assis.

85
Ressaltamos que os diálogos realizados durante as
intervenções, com os sujeitos participantes do processo, e as
expressões de seus comportamentos, foram imprescindíveis para
a análise do desenvolvimento de aspectos de suas personalidades.
Registramos momentos em que o olhar se dirigia para as crianças
consideradas tímidas, de forma a observá-las em ação,
expressando-se oral e corporalmente no seu grupo.
Ao longo da observação, presenciamos algumas situações de
intimidação aos estudantes, decorrente tanto de relações entre os
mesmos, assim como entre professor-estudante e também na
relação com os demais funcionários da escola. Uma destas
situações foi a de que uma estudante que se mostrava muito
quieta e derrubou todo o seu prato de comida. Uma das
funcionárias da escola fez com que a estudante recolhesse toda a
comida derrubada, ordenando que assim o fizesse por meio de
gritos. Observamos que os demais estudantes encontravam-se
atentos ao desfecho da situação, na qual a estudante, após servir-
se novamente, permaneceu chorando enquanto se alimentava,
fato que reconhecemos como situação de constrangimento e
intimidação no refeitório da escola.
Em outra situação que consideramos intimidadora em que os
estudantes encontravam-se bastante inquietos, foram chamados à
atenção, por meio da seguinte expressão: “Vou ter que chamar
pelo nome para ficarem com vergonha?”, fato que nos leva a
considerar que as emoções de vergonha e medo podem ser
utilizadas como instrumento de controle do comportamento dos
estudantes no meio escolar.
Ao observar que em muitos casos, os estudantes vivenciavam
situações de intimidação, presentes nas relações entre os próprios
estudantes, assim como junto aos funcionários, direção e professores
da escola, propusemos construir nas intervenções do GEIPEEthc,
relações e atividades, por meio de jogos e brincadeiras de caráter ludo-
pedagógicos, cooperativos e não excludentes, em contraposição às
situações observadas na escola e que auxiliaram no desenvolvimento
dos sujeitos com características tímidas de nossa pesquisa.

86
Neste sentido, temos o exemplo de Capitú, que a princípio
chorava e se escondia diante de nossa presença (pois nos
relacionava a imagem de professores de Educação Física), no
entanto, ao longo do processo de intervenção, cujos jogos tinham
por objetivo a não competição e exclusão dos estudantes e, foi
notório o quanto Capitú passou a se relacionar conosco e com os
demais colegas de sala de maneira significativa.
Helena também foi um dos sujeitos de nossa pesquisa que, a
princípio, se manifestava de forma bastante retraída no grupo, sendo
que mal conseguíamos ouvi-la; Porém, ao longo do processo de
intervenção, passou a brincar de forma intensa com os demais, fato
que denotava certa liberdade de expressão e manifestação de
sentimentos de afeto no grupo, sendo que numa das intervenções,
Helena desenha no chão da quadra um coração e escreve “Amo
vocês”. Da mesma forma, Capitú, que anteriormente mostrava-se
intimidada com nossa presença, manifesta seu afeto a pesquisadora
através de um bilhete em que dizia “te amo”.
Exemplificamos acima o caso específico de Capitú e Helena,
no entanto, em vários outros encontros tivemos manifestações da
mesma natureza realizadas pelos outros sujeitos da pesquisa, fato
que nos faz pensar no papel da afetividade na escola, ou seja, o
quanto as emoções, sentimentos e afetos se fazem presentes e
contribuem para formação do estudante no meio social escolar.
Percebemos também que em momentos de intimidação e
timidez, duas emoções humanas são fortemente mobilizadas: o
medo e a vergonha. O sujeito que vive momentos de timidez seria
aquele que tem medo de ser humilhado, ou de passar vergonha.
Reportamo-nos à Espinosa (1983, p. 214) para compreender que
“o medo(Metus) é uma tristeza instável nascida da ideia de uma
coisa futura ou passada, do resultado da qual duvidamos numa
certa medida.” Ou seja, temos medo do que não conhecemos, do
inesperado, e tememos que estes acontecimentos “desconhecidos”
possam nos fazer algum mal.

87
Espinosa (1983, p. 262) afirma ainda que o medo é utilizado
por algumas pessoas como instrumento de intimidação, por
declarar que:

Os supersticiosos, que sabem mais censurar os vícios que ensinar as


virtudes e que não procuram conduzir os homens pela Razão, mas
contê-los pelo medo, de tal maneira que evitem mais o mal que
amem as virtudes, não pretendem outra coisa que tornar os outros
tão infelizes como eles; e, por conseguinte, não é de admirar que
eles sejam, a maior parte das vezes, insuportáveis e odiosos aos
homens.

Compreendemos, portanto que, os que se utilizam do medo


enquanto um instrumento de contenção, lançam mão de tal
“recurso” por fazer com que os sujeitos busquem mais a rejeição
do que é mal, do que as virtudes, sendo que a definição do que é
mal e do que é bom, muitas vezes é apresentado por estes
próprios contentores. Desta forma, os sujeitos passam a temer o
que pode lhes fazer mal e, assim, não agir ou agir de forma
contida, ou seja, se tornam intimidados.
Sobre o afeto da vergonha, Espinosa (2012, p.114) declara que
“A vergonha é uma certa tristeza que nasce em alguém quando vê
que sua conduta é menosprezada por outros, sem que considerem
alguma desvantagem ou prejuízo”. Espinosa (1983, p.218) nos
esclarece ainda que a vergonha “é o medo ou o temor do pudor que
refreia o homem e o impede de cometer qualquer coisa torpe”. Ou
seja, a vergonha também pode ser considerada um afeto triste, onde,
os sujeitos sentem medo de agir de maneira vexatória.
Notamos nas definições de Espinosa que a vergonha e o
medo estão relacionados entre si, e que ambos os afetos existem
como mecanismo de regular as atitudes dos seres humanos.
Enquanto o medo vem de uma emoção diante de um mal
inesperado, a vergonha é o medo do pudor dos demais. Portanto,
podemos pensar que tanto o medo, quanto a vergonha, tem se
constituído em nossa sociedade como instrumentos de controle e

88
poder, uma vez que, através destas emoções torna-se possível
fazer com que os sujeitos sejam submissos ao outro ou a alguém.
Considerando as reflexões acima e os dados coletados nas
observações realizadas na escola, percebemos o quanto as
emoções e sentimentos estão vividamente presentes no meio
escolar. No entanto, notamos que as vivências ali presentes,
muitas vezes, pautam-se em emoções, sentimentos e afetos de
medo e vergonha, como forma de manutenção da ordem pela via
do controle/intimidação dos comportamentos dos estudantes.
Voltando aos dados de observação, principalmente dos
comportamentos de Helena e Capitú, podemos afirmar que ambas
lançavam mão de atitudes consideradas tímidas em situações que,
de certa forma, as intimidavam, e, portanto demonstravam medo
de se expor e “passar vergonha”. Desta forma, assim como
defendemos em nossa pesquisa, afirmamos que os sujeitos
considerados tímidos, NÃO SÃO tímidos, mas lançam mão de
comportamentos tímidos como forma de proteção a um processo
de intimidação-timidez.
Ressaltamos que após todo o processo de intervenção, de
constatação da realidade escolar e através da síntese de todo
conhecimento sobre a temática que nos apropriamos, chegamos à
construção de um novo conceito de timidez: “Timidez pode ser
definida como um sistema afetivo que relaciona entre si as
emoções do medo e vergonha de forma dialética, constituindo-se a
partir da relação intimidação-timidez”. Ou seja, as situações de
timidez vividas na escola estão relacionadas, segundo nossa
pesquisa, ao medo que o sujeito apresenta de viver situações que
o façam sentir vergonha da sua maneira de ser... humano.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao concluir nossas reflexões, foi notório perceber que alguns


estudantes demonstraram lançar mão de comportamentos
retraídos em situações intimidadoras, ou seja, encontravam-se em
um processo de intimidação-timidez como definimos acima. Este

89
processo se caracterizava pelo medo de se expor, medo de falar,
medo de ser humilhado, assim como por comportamentos
retraídos diante de situações de exposição ao grupo, dentre outras
características que denotavam a timidez.
Identificamos também que as emoções e sentimentos de
medo e vergonha, na maioria das vezes, estavam intimamente
relacionados com processos de intimidação impetrados tanto
pelos colegas de sala, quanto pelos funcionários, direção e
professores da escola, sendo necessário ressaltar que tais
processos de intimidação, não tem sua origem nos sujeitos em si
(intimidador e intimidado), mas sim, concretizam-se como
reprodução de diversas relações sociais opressivas, intimidadoras
e alienadas presentes na sociedade capitalista contemporânea.
Assim, encaramos os comportamentos considerados tímidos,
bem como a personalidade dos sujeitos que apresentam tais
características, como resultado de uma síntese histórico-cultural,
que na escola, tem se identificado através das vivências oriundas
das relações sociais pautadas no processo de intimidação-timidez.
Consideramos que a personalidade dos estudantes pode estar
se constituindo de forma intimidada, visto que as relações sociais
na escola encontram-se cada vez mais direcionadas à repressão,
submissão, opressão, ao calar das vozes e ao controle dos
comportamentos dos estudantes.
Ressaltamos que, em contrapartida, ao possibilitarmos outras
formas de relações humanas que não intimidadoras, percebemos
que aquelas crianças consideradas tímidas, com as quais
conseguimos estabelecer um diálogo compreensivo,
demonstraram o desejo de ampliar suas relações sociais e
manifestaram certas formas de liberdade, pois sentiram-se a
vontade e confiantes para se expressar conosco e demais membros
do GEIPEEthc.
Enfim, pensamos que um caminho importante de resgate das
relações sociais humanizadoras é a valorização dos aspectos
afetivo-emocionais na escola, além, é claro, da necessária
apropriação dos conhecimentos humano-genéricos acumulados

90
pela humanidade tais como conteúdos científicos, artísticos e
filosóficos de caráter emancipatório e humanizador, fatores que
não podem ser vistos de forma dicotomizada.
Portanto, defendemos que a escola, para cumprir sua tarefa
no processo de humanização precisa avançar às relações
cotidianas e alienadas e construir novas e diferenciadas
possibilidades educativas. Desta forma, poderemos pensar em
uma nova escola para uma nova sociedade. Não defendemos que
seja necessário simplesmente reformar a realidade escolar, mas
sim transformá-la na sua estrutura e dinâmica. Isso implica
afirmar que não queremos transformar os sujeitos considerados
tímidos, mas sim a sociedade, a qual é reproduzida no interior da
escola e impetra relações opressoras e intimidadoras que tem
construído personalidades tímidas/intimidadas.

REFERÊNCIAS

AVOSO, C. Timidez não é doença: e tem cura ! Belo Horizonte:


Gutenberg, 2004.
AXIA, G. Timidez: um dote precioso do patrimônio genético
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92
CAPÍTULO 3

COMPREENSÃO DO MOVIMENTO HUMANO A PARTIR


DO CONCEITO DE ATO MOTOR VOLUNTÁRIO: UMA
DISCUSSÃO HISTÓRICO-CULTURAL

Rafael Cesar Ferrari

INTRODUÇÃO

Este texto versa compreender o movimento corporal humano


a partir das teses difundidas pela Teoria Histórico-Cultural, para
isso propõe o conceito de ato motor voluntário, como síntese para
analisar e intervir na esfera do movimento humano,
considerando-o de maneira histórica e dialética. Está discussão
que ora apresento é fruto da pesquisa de Mestrado em Educação
intitulada “Desenvolvimento psicomotor de crianças que
apresentam dificuldades de aprendizagem escolar: Um estudo a
partir da Teoria Histórico-Cultural” defendida em 2013 no
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UNESP).
A necessidade de realizar tal pesquisa, advém no período da
realização do curso de Educação Física da Faculdade de Ciências e
Tecnologia (FCT/UNESP), campus de Presidente Prudente/SP que
possibilitou a condição de me inserir no Laboratório de
Atividades Ludo-Recreativas (LAR), na qual o Grupo de Estudos,
Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria Histórico-
Cultural (GEIPEEthc) assume a intervenção de crianças de 04 a 11
anos com dificuldades escolares, assim como crianças com
necessidades educacionais especiais portadoras de deficiência
mentais leves, síndrome de Down e autistas.
Diante desta possibilidade, tomei contato com os estudos
teóricos e práticos da psicomotricidade e da avaliação
psicomotora. Deste modo, a intervenção junto aos sujeitos que

93
frequentam o LAR seguia o seguinte protocolo, avaliação motora
inicial para constatar as possíveis defasagens no desenvolvimento,
a elaboração de um programa de intervenção psicomotora de
caráter ludo-pedagógico que focasse os problemas encontrados
mediante a avaliação e, a posteriori, uma nova aplicação da
avaliação motora, com a finalidade de detectar as possíveis
melhoras no desenvolvimento psicomotor.
Concomitante a esse processo, ocorriam estudos voltados a
apreensão das teses desenvolvidas pela Teoria Histórico-Cultural,
principalmente as elaboradas por Vigotski, Leontiev e Luria. Esta
situação gestou a necessidade de realizar a pesquisa de mestrado,
pelo fato de possuir por um lado as preposições e a prática
interventiva que realizávamos no LAR e o confronto, por outro
lado, das teses da Teoria Histórico-Cultural que íamos nos
apropriando no GEIPEEthc.
O embate entre a concepção teórica e prática da
psicomotricidade e os fundamentos da Teoria histórico-cultural
foram também evidenciados a partir de um levantamento de teses
e dissertações das universidades públicas do estado de São Paulo
sobre a temática em questão (FERRARI, 2013).
Num total foram analisados 27 trabalhos de pesquisa, sendo
23 dissertações de mestrado e 4 pesquisas de doutorado.
Resumidamente, foi possível constatar que os trabalhos estão, na
sua maioria, identificando as patologias psicomotoras, realizando
análises de natureza maturacionista e biologizante dos sujeitos,
utilizando de parâmetros quantitativos e estatísticos para
investigar o desenvolvimento humano, dentre outras
características próprias da ciência positivista para se chegar a
compreensão do processo de desenvolvimento humano
(FERRARI, 2013).

Foi constatado através do levantamento bibliográfico que a


psicomotricidade é uma área difusa, sem sustentação teórica,
metodológica e epistemológica e por isso questionamos o seu
estatuto de ciência. Constatamos que, na maioria das vezes, suas

94
compreensões acerca do desenvolvimento humano estão pautadas
nos fundamentos do positivismo, reconhecendo o indivíduo de
forma naturalizante e operando fundamentalmente através da
compreensão dicotômica entre corpo-mente, baseando-se em
explicações exclusivamente biológicas e maturacionistas para
explicar os aspectos psicomotores humanos. Ou seja, podemos
afirmar, ao reconhecermos a complexidade do fenômeno humano
abordado pela psicomotricidade, que sua explicação a partir das
ciências positivas e naturais tais como a biologia, exclusivamente,
não é suficiente para se compreender tamanha complexidade
(FERRARI, 2013 p.158).

Diante dessa realidade científica da área, permeada, quase


que exclusivamente por visões positivistas e naturalizantes sobre
o movimento humano, fato que constatamos ao realizarmos esse
trabalho de pesquisa, enfatizamos a necessidade de construção de
uma compreensão materialista histórico-dialética da questão.
Diferentemente da visão positivista, o que Leontiev (1978)
denomina de psicomotricidade é a formação de novas aptidões,
fundamentalmente sociais, ou seja, decorrentes da atividade social
e da apropriação dos objetos culturais. Desta forma, considera que
o corpo se molda ou adquire novas possibilidades de movimento
pela apropriação e uso de instrumentos, o que é radicalmente
divergente da visão positivista.
Podemos compreender que a psicomotricidade, ancorada nos
pressupostos positivistas, entende as dificuldades psicomotoras
como um “problema” centrado no indivíduo e decorrente de sua
maturação biológica. Sendo assim, a contribuição deste trabalho é
avançar a essa visão positivista e enfatizar os aspectos objetivos e
materiais que engendram o processo de aprendizagem e
desenvolvimento do ato motor voluntário dos seres humanos, de
forma a superar a visão positivista presente na concepção de
psicomotricidade e implementar uma compreensão histórico-
cultural sobre essa área de atuação e pesquisa.
Na consecução dessa tarefa, propomo-nos realizar uma
discussão teórico-filosófica e metodológica a partir do método

95
materialista histórico dialético (proposto por Marx e Engels) e da
Teoria Histórico-Cultural (Vigotski e sua escola), com vistas à
compreensão do sujeito humano em movimento consciente e se
constituindo via multideterminações, relações e apropriações
culturais estabelecidas na sociedade.
O presente capítulo evidencia a necessidade de avançar nos
estudos da Teoria Histórico-Cultural e utilizá-la para a
compreensão do ato motor voluntário tendo em vista assumi-lo
numa perspectiva dialética, materialista e histórica para a
construção de intervenções voltadas ao desenvolvimento de
crianças inseridas no contexto escolar.
A possibilidade de assumir o estudo do ato motor voluntário
surgiu do problema já apontado por Luria em 1981 e que permeia
a compreensão de movimento/ação voluntária até os dias atuais
no campo da Educação, Educação Física e Psicologia. A
compreensão do movimento humano explicado ora pela
abordagem idealista, ora pela mecanicista.
Em síntese, nas palavras do próprio Luria (1981 p. 241)

(...) nem o conceito idealista, nem o conceito mecanicista do


movimento voluntário, conseguiram, de fato, qualquer avanço
significativo em relação às ideias dualistas de Descartes, para quem
os movimentos dos animais eram de natureza reflexa ou
mecanicista, ao passo que os dos homens eram determinados por
algum princípio mental ou pelo livre-arbítrio, que liberavam os
mesmos mecanismos reflexos.

Para superar tais pressupostos presentes até os dias atuais


sobre a compreensão do ato motor voluntário, Vigotski (apud
LURIA, 1981) afirmou que a gênese do desenvolvimento da
ação/movimento voluntário reside, não dentro do organismo, nem
na influência direta da experiência, mas na história social do
homem, ou seja, a partir da atividade de trabalho em sociedade a
qual demarca a origem da história humana. Nesse contexto, a
relação entre a criança e adultos foi a base do movimento

96
voluntário e da ação propositada na ontogênese. Essa preposição
Vigotskiana será a hipótese central deste artigo.
Nesse contexto, a definição de movimento/ação voluntária
segundo Rubinstein (1967 p. 604 grifo nosso) e que difere dos
outros tipos de movimento como o reflexo/inato, por exemplo, é a
seguinte:

O movimento enquanto denominado movimento voluntário não


leva a cabo, finalmente, um órgão isolado, mas todo o indivíduo, e
seu resultado não é apenas uma alteração funcional do estado de
um órgão, mas o resultado objetivo, uma alteração da situação vital
produzida pelo movimento, à solução de determinada tarefa, a qual
produz indispensavelmente uma determinada postura pessoal. Por
isto o movimento, com ajuda da qual o indivíduo executa por regra
geral uma obra, está vinculado com uma reflexão sobre a tarefa que
deve resolver por meio do movimento e com uma postura pessoal
com respeito à mesma. Se estes se alteram, variam também a esfera
motriz.

Na definição apresentada acima fica evidente a relação


dialética que o movimento voluntário apresenta com a
complexidade do psiquismo humano, principalmente por que
apresenta reflexão frente à tarefa que lhe é proposta. Sendo assim,
o objetivo principal desta pesquisa é contribuir, a partir da Teoria
Histórico-Cultural, para com os estudos acerca do
desenvolvimento do ato motor voluntário, visando à análise de tal
desenvolvimento pela via do trabalho educativo – prática
pedagógica – mediado pelo professor.
Considerando a perspectiva Histórico-Cultural no processo
de desenvolvimento do ato motor voluntário, poderíamos afirmar
que o mesmo se constitui nas relações sociais, a partir das
oportunidades de apropriação dos objetos culturais, materiais e
simbólicos, que os sujeitos encontram em suas vidas, e em
decorrência do contexto social no qual os sujeitos estão inseridos.
Isso implica afirmar que o desenvolvimento psicomotor, deve ser
considerado a partir das condições objetivas, sociais e históricas,

97
bem como a partir das oportunidades de apropriação dos objetos
culturais presentes na sociedade e disponíveis para os seres
humanos.
Nesse sentido, apresentaremos no próximo tópico um estudo
de caso, na tentativa de introduzirmos uma análise a partir de
uma intervenção ludo-pedagógica que leve a aprendizagem do
ato motor voluntário, fundamentado nos pressupostos da Teoria
Histórico-Cultural.

O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO ATO MOTOR


VOLUNTÁRIO: ANÁLISE DE UM ESTUDO DE CASO

A apresentação dos dados do processo de intervenção junto


ao sujeito Alípio (nome fictício) será feita em forma de narrativa,
em que enfatizaremos determinados episódios, com intuito de
analisar o processo de interiorização do ato motor voluntário,
através da relação entre os aspectos verbo-motores do
pesquisador (educador) e seu impacto na regulação do
comportamento verbo-motor da criança, pontuando os aspectos
da relação interpsicológica para o intrapsicológica.
Os episódios propostos para a análise serão apresentados
abaixo e ilustrados a partir de situações concretas vividas pelo
sujeito Alípio ao longo do processo de intervenção.
O sujeito Alípio tem 08 (oito) anos, freqüenta o 3 o ano do
Ensino fundamental de uma escola pública municipal de tempo
integral da cidade de Presidente Prudente/SP. Segundo seus
professores e gestores, Alípio apresenta queixa de dificuldades de
aprendizagem, falta de atenção e concentração, dificuldades na
linguagem oral e escrita, assim como falta de empenho na
organização dos seus materiais escolares.
É importante ressaltar que para a análise, apresentaremos
atividade ludo-pedagógica “escravo de jó” que visava o
desenvolvimento da motricidade fina e organização espacial.
Abaixo apresentaremos os episódios selecionados.

98
Para a análise dos dados recorremos ao método instrumental
utilizado por Vigotski para a compreensão da realidade estudada.
O método instrumental compreende como o outro mais
desenvolvido é importante para a aprendizagem e
desenvolvimento do menos desenvolvido, mediado por
instrumentos e signos, situação que vai ao encontro da
preocupação de estudo dessa pesquisa, qual seja, compreender o
ato motor voluntário na perspectiva Histórico-Cultural.
Nesse sentido, Vigotski (1991, p. 68) ressalta a funcionalidade
e empregabilidade do método funcional:

Por sua própria essência, o método instrumental é um método


histórico-genético que contribui para a pesquisa do comportamento
do ponto de vista histórico. O comportamento só pode ser
entendido como a história do comportamento (P.P. Blonsky). As
principais áreas de observação, onde você pode implementar com
sucesso o método instrumental são: a) o escopo de uma psicologia
sócio-histórica e étnica estudar o desenvolvimento histórico do
comportamento e seus diversos graus e formas, b) o escopo da
investigação funções mentais superiores, ou seja, as formas
superiores de memória (ver mnemônico de pesquisa) a atenção, o
pensamento verbal ou matemática, etc, c) a psicologia infantil e
pedagogia. O método instrumental não tem nada em comum
(exceto o nome) com a teoria da lógica instrumental de J. Dewey e
outros pragmáticos.

O método instrumental desenvolvido por Vigotski ajuda a


evidenciar a relação dos fatores envolvidos no processo, pois, não
podemos ficar presos apenas a estudar como a criança se
desenvolve, mas compreender todo o processo desde as relações
sociais, a linguagem, os objetos e a estrutura da atividade social
realizada pela criança, apresentaremos abaixo a análise da
atividade ludo-pedagógica “Escravo de Jó”, escolhida para
exemplificarmos o processo Histórico-Cultural de
desenvolvimento do ato motor voluntário junto ao sujeito Alípio.

99
Início da atividade:

Pesquisador: Você conhece aquela “musiquinha” que se chama “escravo de


Jô”
Alípio: Ahh já sei
Pesquisador: Então canta para ver se você sabe.
Alípio: Não lembro muito
Pesquisador: Então vou cantar uma vez para você se lembrar tá. É assim
oh: “escravo de jó, jogavam caxangá tira, põe, deixa ficar, guerreiros com
guerreiros fazem zigue zigue za”.
(Alípio apoia-se sobre a mesa e observa o pesquisador cantar).

Nesse momento o pesquisador está cantando (instrução


verbal) para Alípio, que observa em silêncio a música.

Pesquisador: Lembrou?
Alípio: Balança a cabeça sinalizando que se lembra
Pesquisador: Então vamos cantar juntos agora
Pesquisador e Alípio: “escravo de jó, jogavam caxangá tira, põe, deixa ficar,
(guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue za – 2vezes)”.
(Alípio ao cantar a música junto com o pesquisador só pronuncia o final
das palavras esperando que o pesquisador cante primeiro).

Nota-se que a atividade apresentada a Alípio não era de seu


conhecimento, identificamos que Alípio não conhecia a atividade,
quando pedimos para que ele cantasse a música e ele não
conseguiu, mesmo dizendo que sabia cantar.

Pesquisador: Está bom, vem aqui agora.


(Formamos um círculo com outra pesquisadora que auxilia a pesquisa)
Pesquisador: Vamos fazer assim, separado primeiro. Assim, vamos rodando
assim (pesquisador demonstra com passos laterais e canta a música)
Alípio: Tenta imitar
Nesse momento, o pesquisador apresenta os movimentos da
música para a criança, Alípio tenta realizar os movimentos
imitando o pesquisador. E o pesquisador continua explicando
cada parte de passos da música.

100
Ao tentar reproduzir os passos Alípio não consegue fazer,
esse fato nos permite constatar que a criança não conhece de fato a
música “escravos de Jó” e seus respectivos passos. No entanto,
nessa explicação inicial Alípio demonstra interesse, pois esteve
disposto a observar as explicações do pesquisador, com o intuito
de aprender a letra da música e a coreografia, fato esse que foi
também demonstrado quando Alípio tentou imitar o pesquisador,
realizando os passos.

Durante a atividade

Ao começar o desenvolvimento da atividade, vamos


percebendo que a música e os movimentos desconhecidos pela
criança a partir da atividade mediada e social vai sendo
apropriada pela criança e começa a ser conduzida
voluntariamente por ela. No primeiro momento, considerando
que Alípio não conhecia a música “escravos de Jó”, pensamos na
possibilidade de cantarmos de uma forma mais lenta para que
pudesse compreender a letra da música e seus respectivos passos.
Nesse primeiro momento de apresentação da atividade e de
relação pesquisador-criança no que se refere à aprendizagem e
desenvolvimento do ato motor voluntário Vigotski (apud LURIA,
2001) descreve que o primeiro aspecto do ato motor voluntário é
caracterizado pela origem da função reguladora da linguagem,
que seria a capacidade da criança de se subordinar a linguagem
do adulto. Esta linguagem, que frequentemente é acompanhada
de gestos indicadores, é a primeira etapa que traz consideráveis
modificações para a organização da atividade psíquica da criança.
Nisto consiste a primeira etapa na formação de um novo tipo de
ações da criança, organizada sobre uma base social.
Podemos ilustrar essa citação na primeira tentativa de
execução da música e de seus passos, Alípio não canta a música
focando sua atenção nos passos em que o pesquisador executa.
Entretanto, como a música “escravos de Jó” é ritmada, o fato de

101
olhar para o pesquisador para depois executar os movimentos faz
com que Alípio perca o ritmo da música.

Pesquisador: Difícil?
Alípio: Não (balançando a cabeça)
(Pesquisador retoma com o Carlos a música posicionando-o de frente
para ele sem dar as mãos)
Pesquisador: Canta a música.
(Alípio ao realizar os passos da música olha para o pesquisador e ainda
espera o pesquisador realizar os passos primeiro para depois fazê-lo,
consegue acompanhar melhor os passos e o ritmo da música mesmo
esperando para realizar.
No momento da música em que diz “guerreiros com guerreiros...” ele
consegue dar os passos, entretanto só não realiza para o lado certo, fazendo
dois para direita e um para esquerda).

A partir da identificação do desenvolvimento real de Alípio


em relação a essa atividade, o pesquisador cria a possibilidade de
realizarmos um círculo, sentados, e ao invés de realizarmos os
movimentos da música com os passos laterais, pegamos um
objeto (bola de tênis) para representar os passos da música. Nesse
sentido, ao falar do desenvolvimento dos atos motores
voluntários, Smirnov (1969) corrobora um papel importante às
exigências sistemáticas dos adultos e as orientações que se fazem
as crianças. Como podemos observar no diálogo abaixo:

Pesquisador: Só que agora vamos fazer com bolinhas (bola de tênis).


(Pesquisador pega três bolinhas de tênis, solicita que realizamos um
circulo sentados no chão e distribui as bolinhas).
Pesquisador: Explica verbalmente que terá que passar a bolinha para a
pesquisadora e pegar a bolinha que o pesquisador irá passar para ele. Em
seguida demonstra corporalmente a parte da música que fala “tira, põe,
deixa ficar” realizando os momentos com a bolinha.
(Enquanto o pesquisador demonstra cantado e realizando os movimentos,
Alípio reproduz os movimentos imitando-os).
Pesquisador: E na hora do “zigue zigue zágue” demonstra o que deverá
fazer com sua bolinha).

102
Alípio: Imita os movimentos demonstrados pelo pesquisador.
(Pesquisador fala as partes da música correspondente a “zigue zigue
zágue” para Alípio realizar sozinho).
Pesquisador: Zigue
Alípio: Faz um movimento para a esquerda com a bolinha, mas o correto
seria para a direita.
Pesquisador: Não
Alípio: Realiza o movimento para o outro lado (esquerdo
Pesquisador: Zague
Alípio: Realiza o movimento para a direita
Pesquisador: Zágue
Alípio: Realiza o movimento para a esquerda
Pesquisador: Isso. No zágue você tem que entregar a bolinha para a
pesquisadora. Entendeu?
Alípio: Sorri e indica com a cabeça que sim.

Identificamos, nesse diálogo, a explicação tanto verbal como


ação corporal do pesquisador, no sentido de explicar como
teremos que conduzir a bola de acordo com a cantoria da música.
Nesse momento, o comportamento de Alípio é imitar os
comandos conforme o pesquisador vai apresentando. Até que
num dando momento, o pesquisador só pronuncia uma parte da
música para que Alípio realize seus respectivos movimentos e o
pesquisador vai orientando os movimentos corretos com
instruções apenas verbais nessa parte da música, como
demonstrado no diálogo acima.
Ao notar a utilização da imitação por Alípio para aprender os
movimentos e a letra da música, Vigotski (2000) afirma que o
mecanismo psicológico geral da formação e desenvolvimento das
funções psíquicas superiores, e aqui entendemos o ato motor
voluntário como tal, é a imitação, graças a qual ocorre a
assimilação de diversas funções entre as pessoas. Sendo assim, a
imitação como possibilidade real de relação entre as pessoas
garante a faceta da determinação social e a estrutura das funções
psíquicas superiores.

103
Na primeira tentativa com uso das bolinhas, nota-se que a
criança continua utilizando o recurso da imitação dos
movimentos corporais do pesquisador para a realização do seu
movimento. Entretanto, na atividade “Escravos de Jó” essa
imitação dificulta no desenvolvimento da atividade, justamente
porque os movimentos têm que ser executados ao mesmo tempo
por requerer ritmo.
Nesse sentido, o pesquisador orienta Alípio verbalmente a
respeito dessa questão, de realizar os movimentos todos ao
mesmo tempo.
Percebe-se nesse momento o primeiro avanço da criança em
relação à atividade “escravos de Jó”, visto que Alípio fez a
primeira parte da música com mais atenção e conseguiu pegar a
bolinha que lhe era passada e passar a bolinha que estava com ele,
dentro do ritmo. Na segunda parte da música em que repetimos
duas vezes a estrofe “guerreiros com guerreiros fazem zigue,
zigue, zá”, Alípio se perdeu com os movimentos e não conseguiu
terminar a música.
Nesse contexto, isso demonstra a subordinação da criança aos
aspectos verbo-motores do pesquisador para compreender a
música “escravos de Jó” e seus respectivos movimentos, sendo
assim, nota-se que a segunda parte da música tem movimentos
mais complexos e que exigem uma maior atenção por parte do
sujeito para regular seu comportamento. A partir dessa
constatação o pesquisador solicita a Alípio que repita somente
essa segunda parte da música, como podemos observar no relato
abaixo:

Pesquisador: Vamos de novo. Na parte do “guerreiro, com guerreiro”


(Alípio está olhando para baixo, visualizando só a sua bolinha e logo ocorre
que todas as bolinhas ficam todas com ele)
Pesquisador: Porque você não está passando?
Alípio: Ahhh!! Minha mão.
Pesquisador: Novamente explica a música cantando e demonstrando os
movimentos para Alípio. Vamos tentar de novo? 1, 2, 3 e já.

104
(Ao cantarmos a música novamente ele consegue acompanhar a primeira
parte da música até o tira, põe deixa ficar, num ritmo melhor sem precisar
esperar os pesquisadores realizarem o movimento primeiro, na parte do
zigue zigue zague o pesquisador foi cantando devagar e corrigindo
verbalmente seus movimentos e ele foi realizando na segunda desse mesmo
trecho já teve uma melhora seu desempenho).

No diálogo que apresentamos acima, notamos como a


orientação verbal do pesquisador, regula e adéqua a atenção de
Alípio que consequentemente melhora seu desenvolvimento na
atividade desenvolvida. No início, quando tentamos fazer
novamente a parte final da música, a criança não está concentrada
e não consegue realizar os movimentos. Posteriormente,
conversamos e o pesquisador questiona sobre seu comportamento
e a execução da atividade feita por Alípio, que toma outra
dimensão e, diante disso, qualitativamente seus movimentos
ganham outros aspectos, diferente de quando começou a
atividade da música “escravos de Jó”.
O processo de desenvolvimento do ato motor voluntário, o
qual é necessário para o desenvolvimento de funções psicológicas
superiores como a memória e a atenção voluntária, configuram-se
no começo como operações externas, relacionadas ao emprego do
signo externo (VIGOTSKI, 2006). Fica claro este ponto quando o
pesquisador utiliza da linguagem, orientando verbalmente o
sujeito, e também com a utilização do instrumento material
(bolinha) para que Alípio compreenda o motivo da atividade e
regule sua atenção e memória, funções exigidas pela atividade
para que o sujeito aprenda os movimentos da música.
A estratégia de cantar devagar anuncia uma nova forma de
desempenho do seu ato motor voluntário na atividade, até mesmo
chegando a pronunciar algumas palavras durante a realização dos
movimentos e da cantoria da música. Já podemos até pensar na
hipótese do processo de interiorização dos movimentos, uma vez
que começa a utilizar algumas palavras para executar seus
movimentos, Alípio começa a utilizar o recurso da linguagem

105
egocêntrica para regular sua atenção e movimentos durante o
desenvolvimento da atividade.
Para que o meio social se converta no comportamento
individual, intuito da nossa intervenção, o signo, a princípio, é
sempre um meio de influência através dos outros sujeitos e depois
um meio de influência sobre si mesmo (VIGOTSKI, 2006). É
importante entender esse processo para uma compreensão
adequada do desenvolvimento do ato motor voluntário. Ao
demonstrarmos a nossa intervenção, houve o cuidado de se ater a
cada detalhe para que identificássemos na realidade como um
comportamento é aprendido, através da relação pesquisador-
criança, ou seja, comportamento de natureza social, o qual vai
configurando-se como individualidade do sujeito. Entretanto, não
acontece numa relação direta, mas sim a partir de uma relação
mediada e que leva tempo para se efetivar.
Analisando até o momento, verifica-se que a relação entre
pesquisador-criança encontra-se em nível interpsicológico, sendo
que sua evolução em relação a seus movimentos na atividade é
verificada quando já começa a realizar todos os movimentos da
música e, posteriormente, começa a utilizar-se da linguagem
egocêntrica para regular seus movimentos. Nesse sentido, o
impacto verbo-motor do pesquisador ao propor cantar de forma
mais lenta em que a criança conseguiu estabelecer relações entre o
que estava ouvindo e fazendo e já tentando cantar algumas
palavras, são ações que podem nos mostrar o salto qualitativo no
desenvolvimento dos aspectos do ato motor voluntário
trabalhado com Alípio.
Quando Alípio começa a utilizar da linguagem egocêntrica
para controlar seu ato motor voluntário, Luria (2001, 1980)
apoiado nos estudos de Vigotski, caracteriza essa condição como a
segunda etapa de constituição do ato voluntário. Há evidências
suficientes para compreender que a linguagem egocêntrica, não
dirigida a um interlocutor e que surge diante de dificuldades, no
início, possui um caráter desdobrado, descrevendo situações e
planejando a saída para elas. Mas, com o desenvolvimento da

106
criança, essa linguagem vai gradativamente se reduzindo,
transformando em sussurro e, posteriormente, em linguagem
interior. Diante disso, Vigotski (1993, p. 38) destaca que:

Como temos mostrado em um de nossos trabalhos anteriores, esta


transição [da linguagem egocêntrica para a linguagem interior] é
uma lei geral do desenvolvimento das funções psíquicas, que
surgem inicialmente como formas de atividade colaborativa e só
então transfere a criança para a área de formas psíquicas de
atividade.

Esse avanço que possibilitamos através da atividade social ao


desenvolvimento do ato motor voluntário de Alípio ressalta que a
palavra não é somente um instrumento do reflexo da realidade,
mas um meio de regulação da conduta humana. A função que
está na base do comportamento voluntário é a capacidade de se
subordinar a instrução verbal do adulto, sendo que o ato
voluntário ativo se forma por meio dessa subordinação primitiva
(LURIA, 2001, 1980).
Diante das situações vividas e apresentadas até aqui, é
possível identificar o processo de interiorização dos movimentos
da música “Escravos de Jó” no desenvolvimento do ato motor
voluntário de Alípio. E vamos notando como essa aprendizagem
vai se dando de uma situação interpsíquica para uma elaboração
intrapsíquica do sujeito, no sentido de retratar o papel dos
mediadores na aquisição de novos comportamentos do sujeito
Alípio.
Continuando com a atividade, o pesquisador dirigiu-se
verbalmente para Alípio pronunciando que iríamos cantar um
pouco mais rápido se comparado com a vez anterior.

Pesquisador: Mas está certinho. Agora vamos cantar um pouquinho mais


rápido. 1, 2, 3 e já.
(Quando começamos a cantar a música um pouco mais rápido que a
primeira vez que a anterior, Alípio não cantou a música mas conseguiu
realizar os movimentos corretamente no ritmo da música e na hora do

107
zigue zigue za ele conseguiu realizar os movimentos na primeira vez que
cantamos entregando a bolinha na hora do “zágue” para seu parceiro,
Alípio notou que conseguiu realizar os movimentos e olhou para o
pesquisador e deu um sorriso e então se perdeu na continuidade na música,
então paramos e cantamos mais devagar para ele se localizar pegou o ritmo
da música e terminou a música realizando os movimentos corretamente.
Pesquisador: Muito bem, melhorou e bate palmas. Viu no começo é difícil
mesmo daqui a pouco está fazendo sem perceber. Vamos lá de novo?

No diálogo apresentado acima, observa-se que pela primeira


vez Alípio conseguiu realizar os movimentos da música inteira
sem cometer erros. Isso fica ilustrado na relação com o
pesquisador quando terminamos de cantar a segunda parte da
música “guerreiros com guerreiros...” parta essa, que Alípio
apresentava dificuldades para realizar por ser complexa e, Alípio,
ao notar seu sucesso na execução dos movimentos olha para o
pesquisador e sorri como quem diz “eu consegui” e esse gesto o
fez perder o ritmo e a continuação da música. Entretanto, ao
percebemos que Alípio se perdeu, diminuímos a velocidade ao
cantar a música para que se recuperasse e terminasse de realizar a
atividade.
E por fim, cantamos a música novamente, utilizando apenas
de sons e outra vez, cantamos numa velocidade bem rápida. Ao
observar o exemplo abaixo Alípio executou muito bem seus
movimentos e o ritmo da música.
Ao analisar o desenvolvimento dessa atividade, podemos
notar três momentos de desenvolvimento do ato motor voluntário
de Alípio. O primeiro acontece quando a criança está tentando
conhecer os movimentos apresentado pelo pesquisador,
utilizando o processo de imitação e concomitantemente a
subordinação à linguagem do adulto. O segundo momento
acontece quando Alípio está recorrendo em alguns momentos à
linguagem egocêntrica para regular seu movimento e através da
atenção, concentração e memória já consegue desenvolver os
movimentos mais simples da música. E um último momento,

108
quando Alípio começa a superar os obstáculos da atividade, já
conseguindo realizar todos os movimentos exigidos na música,
conseguindo até pronunciar partes da música associada ao seu
movimento, apresentando, também, uma participação mais ativa
com perguntas e questionamentos ao ser desafiado.
De acordo com Vigotski (apud Luria, 2001), por meio da
linguagem interior, surge o que se denomina de “ação voluntária
complexa como sistema de auto-regulação”. Assim, o ato
voluntário (e o intelectual) é entendido como um processo de
origem social, mediado em sua estrutura, no qual o papel do meio
é cumprido pela linguagem interior do homem.
Enfim, ao demonstrar nessa atividade o avanço do aspecto
psicomotor e rítmico de Alípio, através da atividade Ludo-
Pedagógica “escravo de Jó”, em sua análise centra sua atenção em
destacar a mediação de ferramentas e signos nas funções
psíquicos superiores, sua origem social e o desenvolvimento
mediante a interiorização. Entre o estímulo que vai sendo dirigida
a conduta a reação do sujeito aparece um novo membro
intermediário e toda a operação se constitui num ato mediado.
Graças a essa mediação chega a dominar os processos do próprio
comportamento, ou seja, o domínio dos processos que eram antes
de índole natural (VIGOTSKI, 2000).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo tem como característica central denotar outra


possibilidade de compreensão do ser humano numa direção
histórico-cultural, que garanta acesso à complexidade dos
fenômenos estudados pela psicomotricidade, com vistas a
apreender a totalidade do seu funcionamento e para isso,
propomos avançar à tradicional psicomotricidade e chegarmos no
ato motor voluntário, na direção da compreensão do ser humano
em movimento coletivo consciente, reconhecido como unidade
dialética e, portanto, superando a dicotomia mente-corpo presente
na concepção positivista de ciência e psicomotricidade.

109
Ao considerar o ato motor voluntário como uma função
psíquica superior, concordamos com Vigotski (2000, p.150) que:

Podemos dizer, ainda, que todas as funções superiores não são


produto da biologia, nem da história da filogênese pura, mas o
verdadeiro mecanismo subjacente das funções mentais superiores é
uma cópia do social. Todas as funções mentais superiores são
relações internalizadas de ordem social, são à base da estrutura
social da personalidade. Sua composição, estrutura genética e modo
de ação, em uma palavra, toda a natureza é social, mesmo
convertendo em processos psíquicos permanece sendo social. O
homem, mesmo sozinho, consigo mesmo, mantém as funções de
comunicação.

Nesse sentido, ao considerar o ato motor voluntário, como


uma das funções psíquicas superiores, temos que superar a
análise meramente individual proposta pela psicomotricidade
tradicional, para que possamos entender a construção do ato
motor voluntário como unidade dialética e síntese de relações
sociais e apropriações culturais.
Na consecução dessa tarefa analisamos os avanços do ato
motor voluntário desenvolvidos pelo sujeito de pesquisa "Alípio",
conforme demonstramos ao longo do processo de intervenção e,
para isso, recorremos aos procedimentos presentes no método
instrumental utilizado por Vigotski (1991) por considerarmos que
o mesmo possibilita a compreensão do sujeito na relação entre o
ato de conduta (do sujeito) e os fenômenos externos de natureza
social.
Essa compreensão presente na teoria histórico-cultural e
possibilitada pelo método instrumental, torna-se crucial para
estudarmos o ato motor voluntário e entendermos os movimentos
engendrados pela consciência humana. Frente a essa ideia, fica
evidente que a relação sujeito e realidade externa não se dá de
forma direta e linear, como pressupõem os métodos positivistas,
ao contrário, o desenvolvimento do ato motor voluntário
constitui-se num movimento das relações sociais e, portanto,

110
submetido as condições objetivas de vida e as apropriações dos
objetos da cultura humana, tanto os objetos materiais quanto os
simbólicos em que a linguagem de significados assume papel
preponderante.
Para Tuleski (apud Luria 1979b, p.56), a importância do
método de Vigotski consistia em que, para aproximar-se do
estudo científico do ato consciente, isto é, voluntário, “o homem,
que introduz mudanças no mundo externo e se submete a estas
mudanças, por ele mesmo denomina sua conduta e resulta capaz
de dirigi-la voluntariamente”. A fonte da ação livre ou ativa não
está colocada no limite orgânico ou no interior do espírito, mas
nas formas objetivas da vida social, isto é, as fontes da consciência
e do ato motor voluntário do homem têm que ser buscadas na
história social da humanidade, nas formas concretas de trabalho,
intercâmbio e relações sociais de produção.
Ao estudarmos os aspectos do desenvolvimento psicomotor
enfatizando o ato motor voluntário, a partir da Teoria Histórico-
Cultural, entendemos a percepção, a memória, a representação e o
pensamento, dentre outras funções psíquicas, como também as
vivências emocionais e a ação voluntária, avançando à mera
condição de funções naturais do tecido nervoso e simples
propriedades da vida psíquica, para funções complexas e
conscientes. Fez-se evidente em nossa pesquisa que tais funções
possuem gênese sócio-histórica e adquirem particularidades
funcionais novas e específicas para o homem, como afirma
Tuleski (2011).
À guisa de conclusão, a contribuição acadêmica e social dessa
pesquisa, que teve o objetivo de compreender o ato motor
voluntário a partir da Teoria Histórico-Cultural principalmente no
campo da Educação Física assim como da Educação e Psicologia, é
de concretizar outra possibilidade de compreensão para os
fenômenos motores que são de características eminentemente
humana. Nesse sentido, este estudo teve por finalidade enfatizar
que o movimento humano como fomentado por essas áreas pode
ser estudado, questionado e pesquisado para além da

111
compreensão atomicista e fragmentada que temos
hegemonicamente nas ciências.
Apontar as limitações das explicações hegemônicas e
demonstrar através da atividade científica mesmo que de forma
inicial as possibilidades de superação dessa condição, com o
intuito de contribuir para a melhoria das práticas pedagógicas na
escola afim de, alcançarmos uma instituição que preze o
desenvolvimento humano nas suas máximas possibilidades.

REFERÊNCIAS

FERRARI, R. C. Desenvolvimento psicomotor de crianças que


apresentam dificuldades de aprendizagem escolar: um estudo a
partir da teoria histórico-cultural. 214f. Dissertação (Mestrado
em Educação). Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente-SP, 2013.
LEONTIEV, A.N. O Desenvolvimento do psiquismo. Lisboa:
Horizonte, 1978 a.
LURIA, A. R. Curso de psicologia geral. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979.
LURIA, A. R. Fundamentos da Neuropsicologia. Rio de janeiro:
Livros técnicos e científicos. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1981.
LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In:
VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988. p. 143-
190.
RUBINSTEIN, J. L. Principios de Psicologia General. México:
Editorial Grijalbo, 1967.
TULESKI, S. C. A Relação entre Texto e Contexto na Obra de Luria:
apontamentos para uma leitura marxista. Maringá: Eduem, 2011.
VIGOTSKI, L. S. Formação social da mente. São Paulo: Ed. Martins
Fontes, 1960.

112
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Aprendizagem e desenvolvimento
intelectual na idade escolar. In: VYGOTSKY, Lev Semenovitch;
LURIA, A.R. & LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. 5ª ed. São Paulo: Ed. Ícone, 1984, p.103-117.
VIGOTSKI, L.S. Obras Escolhidas – tomo III. Madri:Visor, 1995.
VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São
Paulo, ed. Martins Fontes. 2001.
VIGOTSKI L.S. A transformação socialista do homem. Psychology
and marxism internet archive. http://www.marxist.org/archive/
vygotsky/1933/play.htm. 1984.
VYGOTSKY, L. S.. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual
na idade escolar. In.: VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A.R. &
LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 5ª
ed. São Paulo: Ed. Ícone, 2006.

113
114
CAPÍTULO 4

A ATIVIDADE DA DANÇA COMO MEDIADORA NO


PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA MEMÓRIA
VOLUNTÁRIA E INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM
SÍNDROME DE DOWN

Ariana Aparecida Nascimento dos Santos

INTRODUÇÃO

Neste capítulo apresentaremos o processo de estudos e


pesquisa que possibilitou a construção da quinta dissertação
(Financiada pela FAPESP) defendida pelo GEIPEEthc (Grupo de
Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria
Histórico-Cultural). O referido trabalho, intitulado “A atividade
da dança como possibilidade de inclusão social e
desenvolvimento da função psicológica superior memória em
crianças com Síndrome de Down”, tem origem nas reflexões
iniciadas em 2011 quando do desenvolvimento de Pesquisa de
Iniciação Científica (Financiada pela FAPESP) relacionada a
atividade da dança para o desenvolvimento de funções
psicológicas superiores em crianças com e sem deficiência.
Diante dessas reflexões, demos o primeiro passo em direção
às tentativas de desmistificar as determinações que tomam por
natural o desenvolvimento dos sujeitos com deficiência,
considerando que as possíveis limitações biológicas não podem
ser um impeditivo para a sua aprendizagem escolar e, por isso, há
que se possibilitar condições de aprendizagem diferenciadas para
os sujeitos com Síndrome de Down.
Isso porque constatamos que a maioria das construções
teóricas atuais que discutem o processo de desenvolvimento de
sujeitos com Síndrome de Down, apresentam bases em
pressupostos positivistas, os quais acabam por possibilitar visões

115
limitadas acerca das pessoas deficientes na sociedade, assim como
das formas de inclusão e intervenção educativa junto a esses
sujeitos (SANTOS, 2014).
Considerando tal situação, defendemos uma discussão ampla
sobre os processos de Inclusão educacional e social do sujeito
deficiente, dada a necessidade de construção de formas objetivas e
cientificamente elaboradas de educação voltadas ao
desenvolvimento das pessoas com deficiência, para que as
mesmas sejam respeitadas como sujeitos sociais,
independentemente de sua condição física, intelectual ou social.
Sendo assim, para a efetivação da dissertação, nos
dispusemos a estudar a relação entre a atividade educativa da
dança e o processo de desenvolvimento psicológico,
especificamente o desenvolvimento da memória de crianças com
Síndrome de Down, pois entendemos que o trabalho educativo
pode constituir-se em um dos momentos privilegiados para
impulsionar o desenvolvimento humano, pois age como uma
força motriz, de forma a incitar avanços qualitativos aos sujeitos
que vivenciam tal relação.
Ao atentarmos para o estudo dessa relação, nos deparamos
com alguns questionamentos para pensarmos criticamente o
problema que norteou a pesquisa e, são eles: o ensino da dança,
com seus conceitos e conteúdos específicos, ao ser contemplado
no trabalho educativo do professor e considerando as mediações
sócio-históricas de caráter instrumental, pode impactar o processo
de desenvolvimento do psiquismo de crianças? Caso haja esse
impacto, ele pode ser diferenciado para crianças com e sem
Síndrome de Down, no que se refere ao desenvolvimento da
função psicológica superior memória?
Nesse contexto, tivemos como hipótese fundamental do
trabalho que a atividade da dança pode criar condições
diferenciadas para a construção e o desenvolvimento de funções
psicológicas superiores e especificamente da memória de crianças
com Síndrome de Down, uma vez que entendemos que tais
funções são construídas a partir das atividades sociais, históricas e

116
culturais vividas e apropriadas pelos seres humanos ao longo de
sua vida, conforme afirma Leontiev (1978).
Entendemos, portanto, que se a atividade da dançar ocorrer
de forma orientada numa direção educativa humanizadora e se
for devidamente trabalhada de forma lúdica, valorizando a ação
do professor para a consolidação desse processo, poderá
possibilitar considerável desenvolvimento psicológico para as
crianças, sobretudo para a criança deficiente.
O processo histórico de estudos e discussões sobre a temática
nos possibilitou traçar o objetivo principal da dissertação
defendida, qual seja o de analisar o papel da atividade da dança,
considerando-a como uma linguagem (simbólica) corporal, como
possibilidades de desenvolvimento da função psicológica superior
memória em crianças com Síndrome de Down e,
simultaneamente, como possibilidade de inclusão escolar dos
sujeitos com deficiência.
Além disso, procuramos ampliar os estudos acerca do
processo de desenvolvimento da memória voluntária em crianças
com Síndrome de Down considerando a atividade da dança como
linguagem corpo (oral); investigar as possibilidades de construção
de diferentes estratégias de caráter inclusivo, para o professor de
Educação Física, a partir das atividades ludo-pedagógicas de
dança para crianças com deficiência intelectual e discutir a
importância dos processos de inclusão social e escolar das
crianças com Síndrome de Down.
Dessa forma, na tentativa de responder nossos
questionamentos e também alcançar nossos objetivos, a
dissertação foi composta por três capítulos teóricos (II, III e IV),
evidenciando os conceitos principais da Teoria Histórico-Cultural,
os quais foram necessários para orientar o processo de Pesquisa e,
o olhar dos pesquisadores do GEIPEEthc.
Contou, também, com dois capítulos (V e VI) para expor o
movimento metodológico da Pesquisa e posteriormente a análise
dos dados, feita com base em toda discussão teórico-metodológica
apresentada. Por fim, tecemos algumas considerações, como

117
forma de sintetize do trabalho, para pensar sobre as contribuições
que o mesmo pode efetivar no campo Educacional atual.
O primeiro capítulo teórico foi intitulado “Teoria Histórico-
Cultural e Educação: Implicações no Processo de
Desenvolvimento Humano” e teve o objetivo de apresentar os
conceitos gerais da teoria que nos apoiamos, no sentido de
entendermos alguns conceitos essenciais, tais como o conceito
geral de desenvolvimento nas compreensões para os autores
dessa teoria; a concepção sobre a relação entre ensino/
aprendizagem e “desenvolvimento” na THC; algumas
considerações sobre o desenvolvimento da linguagem e o papel
da motivação para a compreensão da produção de significados e
da organização da atividade humana.
No segundo capítulo teórico, cujo titulo é: “Funções
Psicológicas Superiores e a Especificidade do Desenvolvimento
Da Memória” expusemos as compreensões acerca do
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, e as
particularidades do desenvolvimento da memória voluntária,
enfatizando que esse desenvolvimento ocorre a partir das relações
sociais.
O terceiro capítulo teórico tem o título: “Discutindo
Deficiência, Inclusão e Síndrome De Down: Possibilidades
Educativas da Atividade da Dança Diante Desses Fenômenos na
Escola” e versou sobre os conceitos de Deficiência a partir da
teoria histórico-cultural, as discussões contemporâneas sobre
inclusão, levantamento dos estudos atuais sobre a Síndrome de
Down e, por fim sobre as interpretações científicas e histórico-
culturais acerca dos fenômenos discutidos.
O capítulo V, intitulado “Nossas Ações: O Caminho
Metodológico” referiu-se a discussão sobre método filosófico e
epistemológico que embasou nossa Pesquisa, bem como a
metodologia de trabalho utilizada, os aspectos éticos concernentes
a realização da Pesquisa, e uma breve discussão acerca da análise
dos dados. Logo adiante, no capítulo VI, denominado “Os Dados
e as Análises: Compreendendo o Processo de Desenvolvimento da

118
Memória Voluntária e As Possibilidades de Inclusão dos Sujeitos
com Síndrome de Down” apresentamos a análise e discussão dos
dados coletados.
Por fim, o conteúdo do capitulo VII mostrou as considerações
finais acerca de todo o processo de Pesquisa, bem como as
possibilidades de contribuições do estudo realizado para o campo
educacional atual, focando o trabalho educativo do professor
nesse processo.
Nesse momento, em que devemos fazer uma síntese da
pesquisa realizada, evidenciaremos os pressupostos da teoria
histórico-cultural, os quais foram necessários para orientar nosso
trabalho, apresentaremos nossa metodologia de pesquisa e
intervenção junto aos sujeitos com Síndrome de Down e, por fim
enfatizaremos a importância da realização de nossa pesquisa e,
também, das pesquisas realizadas no interior do GEIPEEthc, visto
que temos a intenção de contribuir com o desenvolvimento
multilateral dos sujeitos na escola, sejam eles com ou sem
deficiência.

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA: ALGUMAS


SÍNTESES

Aporte teórico: Funções psicológicas superiores e a importância


do desenvolvimento da memória voluntária.

Como anunciado no decorrer deste livro, todos os trabalhos


realizados no GEIPEEthc são apoiados nas discussões teórico-
metodológicas da Teoria Histórico-Cultural, que tem sua gênese a
partir das bases epistemológicas e teórica no método materialista
histórico e dialético, de Karl Marx (1818-188) e Friedrich Engels
(1820-1895). Assim, a referida teoria tem por objetivo um novo
modo de estudar e compreender os processos psicológicos
humanos, após fazer uma revisão critica e histórica acerca da
situação da Psicologia como ciência (LURIA, 1987).

119
Por esse motivo o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores tornou-se uma das preocupações centrais de Vygotski
(2006), que constatou a existência de dois tipos de funções
psicológicas nos seres humanos; as funções elementares e também
a existência de funções psicológicas superiores; e esclareceu que
as funções psicológicas elementares são garantidas pelo aparato
biológico do indivíduo, e as funções psicológicas superiores são
construídas nas relações sociais e pela apropriação da linguagem,
e outros objetos culturais simbólicos construídos pela
humanidade.
Dessa maneira, podemos entender que os significados das
relações sociais, e dos signos presentes na humanidade, se
interiorizam e transformam-se em conteúdos do pensamento,
memória, atenção e outras funções psicológicas, que dentre outras
atribuições, irão controlar a conduta da criança, mediada pela
linguagem (LURIA, 1987).
Tais afirmações nos permitem justificar a importância de nos
preocuparmos em investigar e contribuir para o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores dos sujeitos com Síndrome de
Down, uma vez que, estas funções que a priori são externas, ao se
relacionarem entre elas, desenvolvem-se enquanto síntese e
constituem a personalidade dos sujeitos, conforme afirma Santos
(2014).
E, ao longo de nossa dissertação, dentre todas as funções
destacamos a importância do desenvolvimento da função
psicológica “memória”, é responsável pelo registro mental e
recordação histórica dos fatos vividos pelos seres humanos, tendo
em vista que cada sujeito estabelece relações sociais de sentido e
significados, registra em seu cérebro a síntese de tais relações
objetivas, conserva e reproduz a história social, fazendo, portanto,
com que essa função psicológica torne-se essencial para a
efetivação das relações sociais de todos os seres humanos
(SANTOS, 2014).
Rubinstein (1967) enfatiza que sem a memória, não existiriam
recordações e acúmulos de estudos para formar os seres humanos.

120
Juntamente com as outras funções psicológicas tais como
percepção, atenção, pensamento, dentre outras, é que podemos
recordar e sintetizar registros histórico-sociais importantes à
formação de nossa personalidade. Sem o desenvolvimento
psíquico, e nesse caso especifico, sem o desenvolvimento da
memória, não haveria história da humanidade, mas cada dia se
apresentaria ao homem como um grande desafio, com tudo a se
desvendar.
É importante enfatizar que no decorrer do processo de
pesquisa atentamos para o desenvolvimento da memória
voluntária, entretanto, esclarecemos que o desenvolvimento
psíquico humano estrutura-se como um sistema interfuncional
que não se desenvolve de forma direta e linear, conforme afirma
Martins (2011).
Ademais, nos embasamos nos estudos de Vigotski (2006)
acerca das formas superiores de memória que, segundo o autor, se
constituem, em sua complexidade, nas atividades psíquicas
sociais, e ligam-se aos processos de pensamento e ambos
relacionam-se a apropriação dos signos da cultura humana.
Segundo Luria (1999) a memória pode ser entendida como o
registro, a conservação e a reprodução dos vestígios da
experiência anterior, sendo que tais registros possibilitam ao
homem acumular informações necessárias para atuar no presente,
considerando o que relacionou das experiências do passado.
Compreendemos, portanto, que a construção da memória
voluntária pode ser estruturada por meio de vivências e
apropriações de objetos culturais materiais e simbólicos e
enfatizamos a dança, a música, o teatro, dentre outras formas
culturais, como elementos importantes ao processo de
desenvolvimento humano (VYGOTSKY, 1995).
Nesse sentido, reconhecemos que os estudos acerca do
desenvolvimento da memória voluntária, com base no uso dos
signos, permitem enfatizar a importância da mediação realizada
pelo professor no processo de desenvolvimento das crianças com

121
síndrome de Down, como tentamos demonstrar em nossa
pesquisa.
Tais constatações nos levaram a justificar a importância do
desenvolvimento da memória junto aos sujeitos com Síndrome de
Down, pois pensamos que reconhecer a capacidade dos sujeitos
com Síndrome de Down é condição primordial para se pensar
possibilidades de ensino e aprendizagem coerentes com as suas
características de desenvolvimento, sendo que a atividade
educativa do professor torna-se fundamental na consolidação
desse processo (SANTOS, 2014).
Portanto, seguimos evidenciando, enquanto síntese de nosso
trabalho, as possibilidades educativas da atividade da dança, com
a intenção de superar as concepções naturalizantes acerca das
pessoas com deficiência.

Aporte teórico: Compreensões histórico-culturais acerca do


desenvolvimento da criança com Síndrome de Down e as
contribuições educativas da dança.

Nesse momento, destacaremos de forma breve, alguns


princípios da teoria histórico-cultural contidos nos estudos sobre
deficiência, para defendermos a importância de um olhar critico
acerca do processo de aprendizagem e desenvolvimento da
criança com Síndrome de Down.
Para tanto, enfatizamos a principal tese defendida por
Vygotski (2007), a qual afirma que "a criança cujo
desenvolvimento está complicado pelo defeito não é
simplesmente uma criança menos desenvolvida que seus
contemporâneos normais, senão desenvolvida de outro modo”
(VYGOTSKI, 2007, P.12).
A partir dessa perspectiva é que direcionamos nossos olhares
aos sujeitos com deficiência, pois conforme afirmam Vygotski e
Luria (1996, p.228) “o retardo é um defeito não só dos próprios
processos [psíquicos] naturais, mas também de seu uso cultural
[e] para combater isso, exigem-se as mesmas medidas culturais

122
auxiliares”. Sendo assim, devemos compreender que os sujeitos
com deficiência intelectual, sensorial e outras, devem aprender,
através de processos educativos formais, a fazer uso cultural de
suas características naturais, sendo que a escola torna-se esse
espaço responsável pela estruturação de medidas culturais
auxiliares ao deficiente (SANTOS, 2014).
Nesse sentido, os sujeitos deficientes precisam “internalizar
os conteúdos que [na sociedade] são veiculados, apropriar-se
deles e empregá-los por imitação e, depois, com intencionalidade
e entendimento”; assim esses conteúdos servirão para novas
elaborações e objetivações, permitindo novas formas de
expressão, conforme afirma Barroco (2007, p. 155).
Tais situações nos permitem avaliar que os sujeitos com
deficiência, embora apresentem dificuldades para utilizar
instrumentos auxiliares, são capazes de aprender a desenvolver
culturalmente suas funções psicológicas, sobretudo quando
participam de atividades educativas coletivas e planejadas
intencionalmente pelo professor, cujo objetivo seja, através do
ensino, desenvolver suas funções psicológicas superiores para que
se tornem membros participativos do gênero.
Para isso, a efetivação de processos de inclusão, em suas
dimensões políticas, sociais e estruturais, na escola atual torna-se
imprescindível, vez que as visões que tomam por natural o
desenvolvimento das pessoas com deficiência, e a ordem
econômica atual, acabam por tornar excludente o processo
educativo e as relações sociais no interior da escola (SANTOS,
2014).
Com o objetivo de atingir uma educação que supere os
processos de exclusão do sujeito deficiente e, especificamente as
crianças com Síndrome de Down, defendemos a construção de
estratégias culturais e metodológicas, a partir dos pressupostos
teóricos histórico-culturais, para que os mesmos possam aprender
e desenvolver suas funções psicológicas no plano cultural,
garantir seu desenvolvimento multilateral e a construção de sua
personalidade e singularidade.

123
Assim, justificamos a importância do nosso trabalho e a
escolha da atividade da dança, compreendida como uma
importante ferramenta (instrumento) que pode contribuir para
com o desenvolvimento psíquico de crianças com Síndrome de
Down, pois a mesma deve ser entendida como uma linguagem
repleta de significados sociais, os quais podem ser transmitidos
corporalmente e tornar-se uma forma especial de comunicação
das crianças deficientes, o que levará ao avanço dos processos de
educação excludentes, no interior da escola (SANTOS, 2014).
Ao compreendermos as dificuldades apresentadas pelos
sujeitos com Síndrome de Down na utilização de objetos
auxiliares no processo de memorização, passamos a organizar
processos de ensino através da atividade da dança numa
perspectiva ludo-pedagógica, por meio da utilização de objetos
materiais voltados ao desenvolvimento da memória das crianças.
Continuaremos, portanto, apresentando essas situações de
organização intencional da atividade da dança e suas implicações
para a aprendizagem e o desenvolvimento de crianças com
Síndrome de Down, para que possamos cumprir com a nossa
função ao elaborar este capitulo, qual seja a de contar o caminho
percorrido para realização de nossa quinta dissertação que
intencionou contribuir com as discussões acerca da educação e
inclusão de crianças com deficiência na proposição de novas
metodologias de organização do ensino.

Aspectos metodológicos: o caminho percorrido e as formas de


análise dos dados.

Como já anunciamos, todos os nossos trabalhos de Pesquisa e


Intervenção são pautados pela teoria histórico-cultural, o que nos
permite analisar os fenômenos estudados, para além do que nos é
aparente, visto que o método materialista histórico e dialético nos
possibilita traçar esse caminho.
Nesse capítulo não entraremos na discussão desse método,
mas é preciso enfatizar que o temos como base de todo o trabalho

124
realizado com as crianças com Síndrome de Down, fato que nos
permitiu pensar em metodologias de ensino e possibilidades de
transformação da realidade desses sujeitos. Portanto, seguiremos
narrando nosso processo de intervenção, por meio das atividades
ludo-pedagógicas, conforme o trabalho do jeito já anunciado no
decorrer deste livro.
Assim, no que se refere às estratégias metodológicas
utilizadas no processo de intervenção, é importante ressaltar que
realizamos 20 (vinte) encontros semanais de intervenção, com
duração de 60 minutos e junto a crianças com e sem Síndrome de
Down (faixa etária entre 9 e 11 anos), os quais foram organizados
a partir de atividades ludo-pedagógicas através da dança, música,
atividades rítmicas e coreografias, sempre dirigidos pela
professora-pesquisadora, a qual fomentou discussões contínuas
com os sujeitos da pesquisa, estimulando a sua oralidade e
memória.
As atividades de intervenção foram planejadas considerando
os pressupostos da metodologia de Rudolf Laban (1978), que se
caracteriza por uma prática baseada na realidade do sujeito, sem a
necessidade de padronização de movimentos e enfocando o
potencial de criação dos mesmos. Nesse sentido, realizamos uma
adaptação à esse método e construímos atividades lúdicas e
educativas através da dança e envolvendo a participação ativas
das crianças com Síndrome de Down nesse processo pedagógico
(SANTOS, 2014).
No início do processo de intervenção, optamos por realizar
dois encontros, os quais não foram filmados, para que
pudéssemos conhecer os sujeitos participantes da pesquisa e
posteriormente, planejar as atividades, a partir dos pressupostos
da teoria histórico-cultural.
Nesses dois primeiros encontros extras, foram realizadas
quatro atividades as quais foram, posteriormente, incluídas no
planejamento dos 20 encontros regulares de intervenção (descritos
na metodologia do Projeto de Pesquisa), pois os sujeitos
demonstraram gostar das atividades realizadas, sendo elas: Tchu-

125
Tchu-Au, Dança do Corpo, Casa do Zé, Atividades livres
(escolhas de músicas e danças sem mediações).
A partir disso, e da apropriação dos conteúdos da teoria
histórico-cultural, conseguimos estruturar o planejamento dos
encontros de intervenção, os quais apresentaremos abaixo,
seguido de suas justificativas. Dividimos cada encontro de
intervenção em cinco blocos de ações, conforme especificado
abaixo:
Bloco 1: Roda de conversa Inicial: discussão das atividades
do encontro e de encontros anteriores.
Bloco 2: “Aquecimento”
Bloco 3: “Ritmo”
Bloco 4: “Atividades criativas”:
Bloco 5: Roda de conversa final: rediscutir, relembrar,
recordar as atividades de intervenção.
Para o início dos encontros de intervenção os sujeitos foram
orientados a confeccionar desenhos que representassem a
atividade a ser realizada em cada bloco de ação. Ou seja, cada
sujeito representou através de desenho a atividade pertencente a
cada bloco de ação, desenhos esses expostos em painel para sua
consulta, os quais foram utilizados como recursos auxiliares de
memória dos sujeitos.
Ao início de cada encontro, no bloco “roda de conversa
inicial” a pesquisadora questionava sobre as atividades realizadas
na intervenção anterior e apresentava aos sujeitos os desenhos,
por eles realizados, dos diferentes blocos de ação. Em seguida o
painel auxiliar de memória era novamente montado pelos
sujeitos, isso ao longo do encontro, pois os sujeitos, coletivamente,
relembravam a ordem dos blocos de ação e realizavam a atividade
proposta naquele bloco, até finalizarem todas as atividades de
cada bloco de ação para o encontro.
A decisão, de utilizarmos instrumentos psicológicos
auxiliares da memória, foi tomada no decorrer dos estudos
bibliográficos necessários para a realização do planejamento do
processo de intervenção. Isso porque, Vygostski e Luria (1996)

126
afirmaram que a memória elementar das crianças com deficiência
intelectual mostra-se surpreendentemente aguçada, uma vez que
eles são capazes de lembrar, mecanicamente, de longos trechos de
um texto, entretanto não são capazes de compreendê-lo.
Os autores ainda afirmam que quando é necessário um
esforço intelectual para que possam utilizar instrumentos sociais
auxiliares como meios para sua memorização, a função
psicológica memória mostra-se excessivamente pobre, quase
inexistente.
Sendo assim, concluímos que os sujeitos, participantes de
nossa pesquisa, precisariam aprender a utilizar instrumentos
sociais auxiliares, para que pudessem desenvolver sua memória
voluntária. Considerando essa compreensão, estruturamos nossas
atividades de intervenção, e utilizamos os desenhos, as músicas,
os brinquedos, fotos, vídeos e os diálogos coletivos, para nos
auxiliarem no processo de desenvolvimento da memória dos
sujeitos Down, uma vez que os ensinamos a utilizar os objetos
culturais, para memorizar as coreografias, as letras das músicas,
dentre outras situações vividas ao longo dos encontros de
intervenção.
Enfatizamos que os instrumentos auxiliares de memória
(desenhos, brinquedos, fotos, etc) foram utilizados ao longo de
todo o processo de intervenção, no entanto, paulatinamente, tais
instrumentos foram deixando de ser utilizados pelos sujeitos,
sendo que os processos de memorização eram efetivados nos
diálogos entre os mesmos, fato que nos possibilita afirmar
processos de abstração voluntários, de forma a possibilitar a
autonomia de cada sujeito em utilizar seus próprios recursos
(construídos no grupo) de memória voluntária, tornando-se
capazes, ao final do processo, de recordar e abstrair os conteúdos
dos blocos de ações, sem a utilização dos instrumentos.
Considerando que tivemos o objetivo de observar o processo
de desenvolvimento da memória dos sujeitos com Síndrome de
Down, durante o processo de pesquisa, justificamos aqui a
importância de mantermos as mesmas atividades durante os 20

127
encontros de intervenção, de forma a garantir que os sujeitos
tivessem um tempo considerável para apropriarem-se das
atividades e seus conteúdos. Entretanto, no decorrer dos
encontros de intervenção, incluímos novas atividades, sem
eliminar as atividades propostas inicialmente.
Escolhemos um tema, para permear a estrutura de todas as
atividades realizadas ao longo do processo de intervenção. O
tema escolhido foi “A casa de brinquedos” um musical especial,
exibido nos anos 1980 e construído a partir do disco “homônimo”
de Toquinho. Assim, utilizamos diferentes objetos sociais para a
realização das atividades, condizendo com o objetivo principal de
nosso trabalho.
Foi possível utilizarmos os diferentes objetos concernentes ao
tema “A casa de brinquedos” para elaborar coreografias e criar
condições histórico-culturais e sociais para o processo de
memorização dos sujeitos.
É importante salientar que o musical “A casa de brinquedos”
apresenta um conteúdo bastante qualitativo e diferenciado, com
musicas de Toquinho, Chico Buarque, entre outros compositores
da Musica Popular Brasileira e foi recentemente reelaborado pelo
próprio Toquinho, em forma de desenho animado para crianças,
sendo que, durante as intervenções, utilizamos a versão animada
do musical.
Esclarecemos que todo o planejamento foi feito pela
pesquisadora e contou com a participação de alguns membros,
assim como do orientador e coordenador do GEIPEEthc.
Esclarecemos também que para cada encontro de intervenção foi
possível elaborar um planejamento especifico, considerando as
atividades realizadas em encontros anteriores e decorrente dos
conteúdos emergentes das práticas sociais presentes no processo.
Segue a descrição das atividades realizadas em cada bloco de
ação:
Bloco 1: “Roda de conversa inicial”: Assistir as filmagens das
atividades realizadas na intervenção anterior, para relembrar e
discutir como são feitas as atividades e quais atividades seriam

128
realizadas no encontro. Esclarecemos que assistimos as filmagens
apenas de alguns encontros, tendo em vista que essa atividade
toma um tempo considerável dos encontros, contudo quando do
início de todos os encontros de intervenção conversávamos a
respeito do que havíamos feito nos encontros anteriores e sobre o
que iríamos fazer naquele encontro em específico.
Bloco 2: “Aquecimento” é tido como uma forma de motivar
os sujeitos para realização das atividades de determinado
encontro. Nesse bloco realizávamos brincadeiras musicais,
coreografias a partir de músicas que abordam sobre o
conhecimento do corpo. Escolhemos duas atividades para esse
bloco: Tchu-tchu-au e a Casa do Zé. Abaixo faremos a descrição
dessas atividades:

TCHU-TCHU-AU
Musica cantada: Tchu-tchu-au, Tchu-tchu-au é uma dança
bem legal (2x)! Parou! Dedinho pro alto/ cabeça pro lado/
bumbum pra trás/ joelho pra dentro/pé de pingüim/língua pra
fora, repetindo o refrão quantas vezes fossem necessário a partir
das variações propostas pela pesquisadora, com duração de 05 a
10 minutos no máximo.

CASA DO ZÉ
A música indica os passos coreográficos a serem realizados,
assim como incentiva a memorização dos mesmos, por repetir a
seqüência dos passos a serem realizados.
No desenvolvimento da atividade, alguns passos (simples)
foram criados pela pesquisadora, como o gesto/mímica de uma
casa, o balançar dos braços para cima para dançar a parte
instrumental da música. Pela simplicidade dos passos e por
considerá-los de fácil execução, não havia necessidade de ensinar
os passos da coreografia; a música tocava, e os sujeitos
reproduziam os movimentos que a pesquisadora realizava. Nos
primeiros encontros a pesquisadora realizava as atividades com
os sujeitos em roda, para que todos pudessem se observar. No

129
decorrer do processo, os sujeitos eram solicitados pela
pesquisadora a realizar os movimentos sema sua ajuda, dispostos
em fileira.
Bloco 3: “Ritmo” foram realizados jogos infantis de percussão
corporal, para que os sujeitos pudessem aprender sobre os tempos
musicais e formas de relacionar os passos de dança com o tempo
musical. Essa é uma atividade de percussão corporal, no inicio os
sujeitos assistiram um vídeo do grupo “Barbatuques”, autores da
música, para que pudéssemos realizar a coreografia. Explicamos
que podemos fazer música com o corpo, e então teríamos que ser
criativos ao realizar a atividade, após ver o vídeo. A atividade
acontece da seguinte maneira:
Canta-se a frase em ritmo de hip-hop: “Que som, você, agora
vai fazer? Faça um som do corpo pra que eu possa aprender!!!
Que som, você, agora vai fazer? Faça um som do corpo prá que eu
possa aprender!!! e cada sujeito, ao cantar no ritmo, deveria
realizar um movimento com o corpo, para emitir um som
(palmas, bater os pés, bater nas bochechas), sendo que todos
imitavam o movimento realizado pelo colega. O nome do sujeito
escolhido, pela pesquisadora, para realizar os movimentos da
música, era incluído na frase musical. Por exemplo: “Que som, a
OLGA agora vai fazer? Faça um som do corpo pra que eu possa
aprender” e o sujeito OLGA criava o movimento que os demais
sujeitos repetiriam, sendo que todos cantavam a música em
conjunto.
Essa atividade também caracterizava-se com um importante
momento de criatividade por parte dos sujeitos, pois os mesmos
realizavam diferentes movimentos para emitir sons com o seu
corpo, fato que implicava demonstrar recursos criativos para
realizar a atividade.
Bloco 4: “Atividades criativas”. Nesse bloco, trabalhamos o
tema central escolhido para as intervenções: “Casa de
Brinquedos”. Os sujeitos elaboraram as coreografias do grupo,
utilizando de objetos materiais culturais (os brinquedos) para
representar alguns dos brinquedos presentes nos conteúdos do

130
musical. Mas, antes de iniciarmos a elaboração de coreografias
referentes ao musical, fizemos um “jogo de criação de
coreografias” que serviu de exemplo/estrutura para a criação das
coreografias do grupo na representação do musical “casa de
brinquedos”.
O jogo de criação aconteceu da seguinte maneira: cada sujeito
deveria ensinar um passo de dança aos demais membros do
grupo, sendo que todos deveriam reproduzir o citado passo. Após
todos os membros do grupo terem ensinado diferentes passos de
dança, organizamos os passos em uma sequência coreográfica e
encaixamos ao tempo de determinada música instrumental e
chamamos essa atividade de “coreografia criativa”.
No momento de montagem das coreografias do musical
“casa de brinquedos”, utilizamos do “jogo de criação”, para
elaborarmos os passos e as sequências coreográficas do musical,
sendo que os sujeitos escolheram, dentre as diferentes músicas
presentes no musical, a música da bola e do urso para serem
coreografadas (todos os detalhes dessa atividade serão
especificados no item de análise dos dados desta pesquisa).
Bloco 5: Roda de Conversa Final. Essa atividade foi
necessária para que os sujeitos pudessem recordar as atividades
realizadas durante o encontro de intervenção, assim como sugerir
elementos para realização do próximo encontro.
Para finalizar, queremos enfatizar que todo o processo de
intervenção, desde a sua concepção, metodologias de ensino e
avaliação, foi pensado a partir dos pressupostos da teoria
histórico-cultural, com objetivo de colocar os sujeitos da pesquisa
em atividades motivadas socialmente, superando concepções
mecanicistas de desenvolvimento da criança deficiente, tão
presente nos trabalhos científicos voltados a esses sujeitos.
A avaliação qualitativa do processo de desenvolvimento dos
sujeitos da pesquisa foi realizada a partir de uma “Mostra de
dança”, contando com a participação de todos os sujeitos da
pesquisa. Desde a concepção, planejamento e estruturação do
evento os sujeitos foram avaliados, com a finalidade de observar

131
cada um deles em atividade social, identificando possíveis
resultados para sua aprendizagem e desenvolvimento,
principalmente o que se refere à sua memória voluntária, nossa
preocupação central na pesquisa.
Nesse capítulo, não temos o objetivo de apresentar os dados e
as análises realizadas na dissertação, visto que esses conteúdos
foram disseminados em artigos científicos. Aqui, nossa intenção é
contar como realizamos nosso trabalho, para que os professores
possam ampliar suas formas de planejamento e, também de
compreensão sobre os sujeitos com deficiência na escola.
Entretanto, cabe aqui enfatizar que por estarmos pautados na
teoria histórico-cultural, ao longo de todo o processo de pesquisa,
procuramos avançar à mera descrição dos fatos e analisar pela via
de reflexões teóricas sucessivas, aquilo que se nos apresentou
como dado real, ainda que inicialmente caótico diante das
observações imediatas.
Utilizamos as transcrições das filmagens, presentes nos
diários de campo, assim como as observações da pesquisadora
realizadas ao longo do trabalho, para descrever todo o processo
de intervenção e, simultaneamente, apresentarmos os dados e
respectiva compreensão teórica acerca dos fenômenos sociais e
humanos identificados e analisados durante a pesquisa.
Dentre os 20 encontros de intervenção realizados no LAR,
elencamos aqueles cujos episódios apresentam dados qualitativos
diferenciados, referentes aos conteúdos que pretendemos analisar,
ou seja, escolhemos determinadas situações dentre os vários
encontros de intervenção, as quais evidenciaram dados relevantes
para análise e investigação concernentes ao desenvolvimento da
memória dos sujeitos com Síndrome de Down.
Consideramos também determinadas situações presentes nas
relações sociais estabelecidas entre os sujeitos com e sem
Síndrome de Down e que nos permitiram justificar a defesa e a
necessidade de uma educação efetivamente humanizadora no
interior da escola regular de ensino. Isso porque os mesmos
precisam vivenciar um trabalho educativo direto e intencional que

132
produza em cada um deles em particular, a humanidade
construída histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens
(SAVIANI, 2000).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da quinta dissertação defendida pelo


GEIPEEthc, que ora apresentamos, nos possibilitou avançar as
compreensões naturalizantes acerca das pessoas com deficiência e,
também concluir, embasados na teoria histórico-cultural, que os
sujeitos com deficiência podem aprender e se desenvolver, desde
que lutemos para que a formação biológica comprometida seja
compensada por possibilidades de apropriação de estratégias
culturais, as quais contribuirão com o desenvolvimento das
funções psicológicas desses sujeitos, isso porque, conforme afirma
Barroco (2011, p.173) “embora a condição da deficiência não se
extinga, na maioria dos casos, ela pode ser alterada, pois não é
estática”.
Portanto, salientamos a importância de compreendermos os
sujeitos com Síndrome de Down para além de suas condições
orgânicas e dos déficits decorrentes dessas condições. E, assim
defender que a chave para a superação das dificuldades desses
sujeitos está atrelada a uma vivencia social plena e efetiva, onde
os mesmos possam ser ouvidos a partir do defeito e não pelo
defeito (SANTOS, 2014).
No caso de nossa dissertação, defendemos que a atividade da
dança pode ser uma importante atividade mediadora nesse
processo, e portanto, podemos reafirmar nossa hipótese, ao
considerarmos que a atividade da dança pode criar condições
diferenciadas para a construção e o desenvolvimento de funções
psicológicas superiores e especificamente da memória de crianças
com Síndrome de Down, vez que tais funções são construídas a
partir das atividades sociais, históricas e culturais, devidamente
orientadas por um trabalho educativo intencional do professor
(SANTOS, 2014).

133
Portanto, em nossa pesquisa, defendemos que se a atividade
da dança ao ocorrer de forma orientada numa direção educativa
humanizadora e for devidamente trabalhada numa perspectiva
ludo-pedagógica, ou seja, de forma lúdica, intencional e
teleológica, que enfatiza a ação do professor na efetivação desse
processo, pode possibilitar aprendizagens que engendram o
desenvolvimento psicológico das crianças, sobretudo para a
criança com deficiência.
Esse fato nos leva a defender os processos de inclusão,
permeados por atividades educativas, tais quais descrevemos ao
longo de nossa pesquisa, e desse capítulo, e também, desejar uma
escola verdadeiramente humanizadora para todas as crianças,
onde cada sujeito possa encontrar condições para receber uma
educação de qualidade e que possibilite a apropriação dos objetos
culturais essenciais construídos pelo gênero humano, para que
possa desenvolver-se e humanizar-se (SANTOS, 2014).
Justificamos, portanto, a importância de nossa pesquisa, pois
a mesma evidencia a construção de metodologias de ensino
diferenciadas, a partir da utilização de objetos culturais (materiais
e simbólicos), na intenção de contribuir, a partir da atividade da
dança, com as possibilidades de transformação da educação
escolar, sobretudo para os sujeitos com deficiência intelectual e,
dessa forma possibilitarmos avanços na educação escolar numa
direção inclusiva.

REFERÊNCIAS

BARROCO, S. M. S. A Educação Especial do novo homem soviético e a


Psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a
Psicologia e a Educação atuais. 2004. 414 p. Tese (Doutorado) -
Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da
Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2007. – Cap. 3 e 4.
(Enviada em pdf )

134
BARROCO, S.M.S; A Teoria Histórico Cultural e o Atendimento
Educacional Especializado à Pessoa com Deficiência Intelectual in:
GUZZO, R.S.L; ARAUJO, C.M.M Psicologia Escolar: identificando e
superando barreiras. Campinas, SP. Ed. Alinea, 2011.
LEONTIEV, A. N. Desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros
Horizonte, 1978.
LURIA, A R. Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de
Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação
escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da
pedagogia histórico-crítica. 2011. Tese (Livre Docência).
Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da
Universidade Estadual Paulista, campus de Bauru, Bauru, 2011
RUBINSTEIN, J. L. Principios de Psicologia General. México:
Editorial Grijalbo, 1967.
SANTOS, A. A. N. A atividade da dança como possibilidade de inclusão
social e desenvolvimento da função psicológica superior memória em
crianças com síndrome de down. 167 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade
Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2014.
SAVIANI, D. Educação: Do senso comum à consciência filosófica.
Campinas. Autores Associados. 13ª Ed. 2000.
VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do
comportamento: símios, homem primitivo e criança. Artes Médicas,
Porto Alegre. 1996.
VIGOTSKY, L.S. Obras escogidas. Tomo III. Madrid: Visor, 1995.
VYGOTSKI, L. S. El Desarrolo de Los Procesos Psicológicos Superiores.
Barcelona, Crítica, 2006.
VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas: tomo V. Fundamentos de
Defectologia. Madrid: Portugal: Visor, 2007.

135
136
CAPÍTULO 5

RESENHA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO


INTITULADA “TERAPIA OCUPACIONAL EDUCACIONAL:
REVENDO O DESENVOLVIMENTO INFANTIL POR MEIO
DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL”

Ariana Aparecida Nascimento dos Santos

As concepções de criança, infância, instituição educacional e


os tipos de atendimento destinado a essa população passam, na
atualidade, por importantes discussões e transformações. Dentre
delas há que se destacar a utilização de avaliações padronizadas,
tanto na educação infantil, como em outros níveis de escolaridade
e relacionadas ao processo de desenvolvimento humano de forma
geral e da criança em específico.
No sentido de agregar argumentos que contribuam para a
discussão e sistematização sobre a avaliação e desenvolvimento
de crianças, a mestranda Mara Alice Ribeiro constrói, no interior
do GEIPEEthc (Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em
Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural), a dissertação
“Terapia ocupacional educacional: revendo o desenvolvimento
infantil por meio da teoria histórico-cultural”. A pesquisa foi
desenvolvida junto à linha Infância e Educação do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UNESP-Presidente Prudente sob
a orientação do Professor Doutor Irineu A. Tuim Viotto Filho.
Teve como objetivo principal caracterizar o desenvolvimento
de bebês e crianças pequenas que frequentaram, durante ao ano
de 2012, alguns berçários público-municipais da cidade de
Araçatuba. Utilizaram, para coleta de dados, um instrumento
elaborado pela pesquisadora, o qual foi denominado de "Tabela
para Observação do Desenvolvimento Infantil (TODI)", que as
com intenção de identificar o desenvolvimento infantil de crianças

137
na faixa etária de quatro meses a dois anos e cinco meses,
matriculadas nos berçários.
Para alcançar o objetivo geral posto, a pesquisadora procurou
descrever e analisar os dados coletados pela TODI
correlacionando-os com o processo de desenvolvimento dos
sujeitos avaliados; rever criticamente algumas concepções de
criança, de infância, de teorias sobre o desenvolvimento infantil e
sua avaliação. Ainda julgou importante caracterizar a necessidade
de superação da TODI enquanto instrumento de avaliação do
desenvolvimento infantil e defender um processo histórico-
cultural.
Nesse cenário, para defender uma atuação efetiva dos
Terapeutas Ocupacionais (TOs) no contexto Educacional a autora
evidencia a necessidade de apropriação de uma teoria histórica
que oriente o pensar e agir dos TOs que atendem bebês e crianças
pequenas que frequentam creches, pois esse espaço pode, em
virtude da condição histórica desse sujeitos, imprimir outros
valores em suas intervenções, visto que as relações e mediações
ocorridas durante a vivências das crianças nesses espaços pode
interferir de forma significativa no processo de aprendizagem e
desenvolvimento destes sujeitos.
Para garantir tais defesas a dissertação foi estruturada em
cinco capítulos teórico-metodológicos. No Capítulo I apresentou a
introdução do estudo e os motivos que levaram a construção da
pesquisa. O Capitulo II foi composto por uma discussão acerca da
Terapia Ocupacional Educacional, os caminhos percorridos ao
longo da sua história e a sua relação com a educação. No terceiro
capítulo discute a concepção de desenvolvimento humano
segundo a Teoria histórico-cultural e estabelece diálogo crítico
com a teoria maturacionista. No quarto capítulo apresenta o
problema e o cenário da pesquisa, objetivos e método, assim como
a análise dos dados, por meio das características “região”,
“gênero”, “desenvolvimento infantil” e suas variáveis “atraso no
desenvolvimento” e “comportamento não apresentado” para
caracterizar o desenvolvimento das crianças, público-alvo da

138
pesquisa. Por fim, nas considerações finais apresenta sínteses
importantes realizadas ao longo da pesquisa.
A autora discute os caminhos percorridos pela Terapia
Ocupacional, através do trabalho dos profissionais TOs, assim
como, as relações estabelecidas entre a Terapia Ocupacional e o
contexto Educacional. Por meio de revisão bibliográfica teceu um
breve histórico sobre a Terapia Ocupacional, sua atuação e
aproximação com a área educacional, compreendendo este
processo a partir de um enfoque histórico-cultural, para
estabelecer correlações entre as práticas dessa forma de terapia
seus reflexos nas condições da vida escolar das crianças,
principalmente das que se encontram frequentando creches e
berçários públicos.
Discorre sobre as concepções de desenvolvimento humano e,
sobretudo o desenvolvimento infantil a partir dos pressupostos
teóricos histórico-culturais, os quais defendem que o
desenvolvimento infantil é determinado, sobretudo, pelas relações
sociais que o sujeito estabelece em seu meio social, e enfatiza que
não se pode determinar os processos de desenvolvimento de
forma imediata, sem considerar todas as condições de vida nas
quais o sujeito é possibilitado. Por esse motivo, evidenciam a
crítica a testes padronizados que enquadram as crianças em
formas generalizadas de avaliação e desconsideram suas
possibilidades de apropriações durante suas vivencias em meio
social.
Os pressupostos teóricos e metodológicos que
fundamentaram a pesquisa encontram-se na Teoria histórico-
cultural e do materialismo histórico e dialético, que permitem
analisar a realidade em totalidade e da forma mais fidedigna
possível, diante das possibilidades de realização da pesquisa.
O instrumento de avaliação e submetido a crítica foi a "Tabela
para Observação do Desenvolvimento Infantil (TODI)", que as
Terapeutas Ocupacionais da Secretaria de Educação de
determinada cidade do interior do Estado de São Paulo,
utilizaram no ano de 2012, para identificar o desenvolvimento

139
infantil de crianças na faixa etária de quatro meses a dois anos e
cinco meses.
A autora mostra que o público-alvo da avaliação realizada
constituiu-se de 218 crianças matriculadas em 12 berçários da
cidade. Para atingir o objetivo de realizar avaliação crítica do
instrumento, os dados das TODIs foram descritos e analisados;
através de procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental,
foram correlacionados por meio de análises quantitativas e
qualitativas ao processo de desenvolvimento dos indivíduos.
Nesse movimento de crítica a TODI a autora oferece importante
discussão sobre a construção de instrumentos histórico-culturais
para avaliação dos bebês na creche.
Os resultados da pesquisa mostraram que as crianças
avaliadas pela TODI, mesmo que apresentando o
desenvolvimento adequado à idade, não eram compreendidas na
sua totalidade, dada a característica fragmentada do instrumento.
Verificou-se que a característica “desenvolvimento”, por meio de
sua variável “atraso no desenvolvimento”, sofreu interferências
relacionadas ao “gênero” e “região”, demonstrando no último
caso que provavelmente, as condições objetivas de vida e
educação interferem no processo de desenvolvimento humano.
A autora afirma, ao analisar os dados que a variável
“comportamento não apresentado” expressou-se
significativamente em relação ao sorrir, engatinhar, linguagem e
controle dos esfíncteres, que são comportamentos sociais,
históricos e culturais, portanto, sugere-se que no interior dos
berçários, atividades relacionadas ao desenvolvimento destes
comportamentos sejam planejadas e, desenvolvidas por meio da
estimulação de motivos sociais de aprendizagem, para se
promover um melhor desenvolvimento e humanização das
crianças.
Nesse contexto, durante a análise dos dados há uma proposta
de discussão do tema “avaliação do desenvolvimento infantil”
naquele sistema de ensino em específico, apoiando a proposta nos
dados qualitativos apresentados no estudo, com vistas a avançar

140
no processo de avaliação das crianças que frequentam berçários e
se defender instrumentos histórico-culturais de avaliação.
Nas considerações finais do trabalho a autora faz uma síntese
crítica do processo de pesquisa e evidencia que foi possível
constatar certa escassez de pesquisas no âmbito da Estimulação
Precoce, realizadas por TOs, na área educacional, bem como
constatou as lacunas presentes na compreensão da Estimulação
Precoce para além das características biológicas, isso porque esta
visão permeia a maioria das intervenções pedagógicas atuais.
Com a efetivação da pesquisa, buscou avanços na direção da
superação dessa concepção naturalizante de avaliação e, para isso
há que se propor discussão crítica no sentido de pensar a
estimulação de motivos sociais de aprendizagem para bebês e
crianças pequenas no interior dos berçários e creches infantis,
considerações possíveis devido a concepção apregoada pela
Teoria histórico-cultural de desenvolvimento humano.
A partir da identificação de aspectos do desenvolvimento de
bebês e crianças pequenas e, conhecendo e valorizando o que elas
são capazes de realizar, a autora afirma a importância de oferecer
as condições materiais e relacionais concretas que possibilitem aos
sujeitos avançar no seu processo de aprendizagem e
desenvolvimento, onde os mesmos devem ser reconhecidos por
suas potencialidades e não restringidos as suas limitações.
Após essa apresentação da pesquisa objetivada por RIBEIRO
(2015), no interior do GEIPEEthc, podemos afirmar que as
discussões podem ser o primeiro passo para se desencadear uma
mudança estrutural no modelo de atendimento e avaliação de
bebês e crianças pequenas em creches, enfatizando nesse processo,
principalmente, as ações do TO, e considerando, obviamente, os
outros educadores, para que, gradualmente, torne-se possível a
efetivação de uma política pública de atenção às crianças em
geral, e para as crianças de alto risco em específico; e que possa
ser o resultado de um esforço pessoal e coletivo, em consonância
com os ideais de outros profissionais da Educação e da Terapia
Ocupacional.

141
Acredito, ainda, que os resultados desta pesquisa podem
contribuir para a efetivação de estratégias para o atendimento de
crianças e subsidiar novos trabalhos, numa direção crítica e
histórico-cultural, que busquem estabelecer parâmetros para a
compreensão do processo de desenvolvimento infantil numa
perspectiva coerente e que considere a realidade objetiva nas
creches, considerando a importância do terapeuta ocupacional.
Pois, dessa forma poderá contemplar as diferentes crianças em
suas especificidades, o processo do desenvolvimento e não apenas
seu produto, superando assim visões naturalizantes e processos
padronizados de avaliação do desenvolvimento humano das
crianças em creches e berçários.

REFERÊNCIAS

RIBEIRO, M. A. Terapia ocupacional educacional: revendo o


desenvolvimento infantil por meio da teoria histórico-cultural.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Tecnologia Presidente Prudente: [s.n],
2015. 170 f.

142
CAPÍTULO 6

TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E A ATIVIDADE:


REFLEXÕES ACERCA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
NA IDADE PRÉ-ESCOLAR

Janaína Pereira Duarte Bezerra

INTRODUÇÃO

Esse texto é um convite à reflexão dos pressupostos teóricos


da Teoria Histórico-Cultural e sua relação com a teoria da
atividade proposta por Alexis Nikolaevich Leontiev (1903 – 1979),
em especial nos escritos encontrados no texto “Atividade,
Consciência e Personalidade” (LEONTIEV,1983), tendo em vista
discutir o processo de desenvolvimento psíquico da criança e
considerando a especificidade da atividade ludo-pedagógica
como condição imprescindível para o processo de
desenvolvimento humano nesta etapa de vida do indivíduo.
Desse modo, cabe ressaltarmos que esta compreensão será
apresentada a partir dos pressupostos do Materialismo Histórico
Dialético, método desenvolvido por Karl Marx (1818-1884) e
Frederich Engels (1820-1895), o qual ampara as pesquisas de
estudiosos clássicos do século XX, como Lev Semonovitch
Vigotski (1896-1934), Alexis Nikolaevich Leontiev (1903-1979) e
Alexander Romanovich Luria (1902-1977), autores que respaldam
as discussões da Teoria Histórico-Cultural e da atividade, em que
a atividade vital humana é assumida como categoria central que
engendra as condições para a aprendizagem e desenvolvimento
dos indivíduos em favor da sua humanização.
A fim de compreendermos aspectos importantes da Teoria
Histórico–cultural faz–se necessário evidenciar que a mesma teve
sua origem nos estudos desenvolvidos pelo grupo denominado

143
“Troika”, composto por Vigotski, Luria e Leontiev, sendo que a
constituição deste grupo aconteceu após o II Congresso
Psiconeurológico, realizado em Leningrado, na Rússia. Nesse
congresso, Vigotski apresentou um trabalho cujo tema se pautava
na “relação entre os reflexos condicionados e o comportamento
consciente do homem, em um momento em que o termo
“consciência” era criticado como subjetivista na psicologia
soviética” (TULESKI, 2011, p.47).
Mediante a exposição de Vigotski no referido congresso,
Luria o convidou para integrar a equipe do Instituto de Psicologia
de Moscou, onde se constitui a Troika. Este grupo de estudos tinha
como objetivo construir uma nova psicologia, tendo como
propósito, “[...] criar um novo modo, mais abrangente de estudar
os processos psicológicos humanos” (ASBHAR, 2011, p.22).
Cabe destacar que a constituição desta nova psicologia que a
Troika se dispôs realizar, nasce num contexto de questionamentos
acerca da psicologia realizada na época, a qual era composta por
elementos e dados dispersos e fragmentados sobre as
características psicológicas humanas. Com o intuito de avançar a
estas concepções, Vigotski busca no materialismo histórico e
dialético os elementos para propor um novo método que fosse
capaz de assegurar uma cientificidade crítica e dialética na
abordagem do psiquismo humano, sem o reducionismo das
abordagens positivistas ou naturalistas dominantes na época.
A teoria Vigotskiana teve, portanto, a finalidade de propor
uma ciência respaldada em fatores históricos e também um
enfoque metodológico (materialista histórico e dialético) que
efetivamente consolidasse a nova proposta, a Psicologia Geral
(TULESKI, 2011). Assim, amparado nos estudos marxistas,
Vigotski (1989) propõe que o desenvolvimento psíquico humano
constitui-se como processo não desvinculado do mundo real,
social e histórico do qual o sujeito está inserido.

Influenciado por Marx, Vigotski concluiu que as origens das formas


superiores do comportamento consciente estavam nas relações

144
sociais do indivíduo com o meio externo. Mas o homem não é só
um produto de seu ambiente; também é um agente ativo na criação
desse meio ambiente. O vão existente entre as explicações científicas
naturais dos processos elementares e as descrições mentalistas dos
processos complexos não poderia ser transposto até que
descobríssemos como os processos naturais, como a maturação
física e os mecanismos sensoriais se interligam com os processos
culturalmente determinados para produzir as funções psicológicas
adultas. Precisávamos, por assim dizer, tomar certa distância do
organismo, para descobrir as fontes das formas especificamente
humanas de atividade psicológica (LURIA, 1992 apud TULESKI,
2011, p. 47-48).

Vigotski (1999, apud NASCIMENTO, 2014, p. 30)


desenvolveu uma ampla e densa teoria acerca da formação social
do psiquismo humano, apresentando diversos conceitos para se
compreender o seu desenvolvimento numa perspectiva dialética e
histórico-cultural. Tal compreensão só pôde ser possível, pois a
referida teoria assumiu que o psiquismo humano é pautado nos
conceitos de historicidade, ou seja, suas características são
advindas do contexto social que se constitui a partir de
contradições provenientes do movimento histórico.
Ao assumir o psiquismo humano concebido a partir do
materialismo histórico-dialético, Vygotski (1997, p. 389) afirma
que “[...] a dialética abarca a natureza, o pensamento, a história: é
a ciência geral e universal até o máximo [...]”. Asbahr (2001, p.15)
lembra que ao optar pelo materialismo histórico-dialético,
Vigotski “[...] não fez uma colagem das citações de Marx na
psicologia, mas usou o método marxiano de maneira inovadora
de forma a conduzir elementos da teoria que ajudasse no
conhecimento do psiquismo humano”.
Por meio desta premissa, o intuito de Vigotski, no que diz
respeito à edificação da nova psicologia, que incorpora os
fundamentos para a explicação de fatos reais, se pautava na real
compreensão acerca do movimento histórico e contraditório. O
entorno social em que Vigotski estava envolvido caracterizava-se

145
como uma sociedade onde a desigualdade social e política
encontravam-se bastante acentuadas, o que levou a população a
organizar-se na busca de melhores condições de trabalho e de
vida, por meio de manifestações que deram origem à revolução 1
que culminou na efetivação do comunismo na Rússia e na
constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS).
A constituição de uma nova psicologia foi imprescindível,
principalmente porque para Vigotski o homem é um ser
biológico, da natureza, no entanto, não é resultado de um
desenvolvimento natural, como postulava a perspectiva
materialista naturalista/mecanicista de base positivista e não
dialética. Nesse sentido, o que implicaria na formação do homem
enquanto ser humanizado seria as apropriações culturais
efetivadas e decorrentes das condições objetivas de vida dos
indivíduos, as quais, numa sociedade socialista, ofereceriam de
forma igualitária as possibilidades de acesso e apropriação da
cultura a todos os indivíduos. Nesse contexto histórico e social
seria construída uma nova psicologia para a construção de um
novo homem, ou seja, o homem voltado à constituição de uma
sociedade igualitária.
Desse modo, compreendemos que os indivíduos se
constituem a partir das reais condições de apropriação da cultura
criada pela humanidade, das relações sociais que estabelecem
entre si e, sobretudo, das condições de educação que vivenciam ao
longo de sua vida, condições essas que se constituem a partir de
sínteses histórico-culturais decorrentes de processos dinâmicos de
aprendizagem e desenvolvimento efetivados desde o seu
nascimento até sua morte. “Não é a consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX; ENGELS,
1993, p. 36-37).

1 Revolução que aconteceu de fevereiro a outubro do ano de 1917 e que resultou


na instalação do regime comunista na Rússia.

146
Compreendendo o processo de desenvolvimento humano a
partir das condições históricas e culturais possibilitadas aos
indivíduos, é importante destacar em concordância com Chaves
(2010; 2014), que as experiências das crianças em todos os tempos
e espaços escolares são pedagógicas, pois as ações realizadas nas
instituições educativas, por mais secundárias que pareçam ser,
expressam valores e conteúdos determinados.
Como a autora, consideramos que a rotina das escolas revela
uma concepção de homem, educação e sociedade a partir do que
professores, funcionários, familiares, comunidade e demais
envolvidos com a educação das crianças apresentam como valor
internalizado. Isso significa que as ações que se efetivam em
diferentes tempos e espaços das instituições escolares – desde o
momento em que as crianças chegam até seu retorno para casa –
são relevantes para intervenções pedagógicas, tanto quanto
aqueles em que o professor está com as crianças nas salas de aula
(CHAVES, 2010).

CONSIDERAÇÕES SOBRE ATIVIDADE: COMPREENDENDO


ESPECIFICIDADES

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a


abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção
dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua
cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de
trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na
imaginação do trabalhador e, portanto, idealmente (MARX, 1985a,
p.149-150).

A elaboração da Teoria Histórico-cultural lança as bases


teóricas da nova psicologia, amparada em temáticas como origem
e processo de desenvolvimento do pensamento, da linguagem,
dos sentimentos, da consciência e da personalidade, considerando
a atividade social na busca do atendimento das necessidades
humanas, criando motivos sociais e motivações na direção da

147
efetivação do processo de desenvolvimento do ser humano na sua
totalidade.
Segundo Asbahr (2005), a característica assumida pela
atividade, a saber, a categoria central no seio do materialismo
histórico-dialético, tem origem ainda nos escritos de Marx, onde
ele aponta a atividade enquanto prática sensorial que possibilita o
desenvolvimento histórico-social da humanidade e, também, o
desenvolvimento individual2. O conceito de atividade colocado
por Marx (2006) garante o caráter materialista da teoria, uma vez
que postula que é por meio da atividade prática e sensível que o
homem estabelece contato com o mundo circundante e que, nesse
mundo, apropria-se dos objetos naturais e culturais.
Leontiev (1983) destaca que esta proposta foi a significativa
transformação delineada pela teoria de Marx para a teoria do
conhecimento e para a teoria histórico-cultural, onde a prática
humana é colocada como a base para a construção do
conhecimento. Considerando a compreensão de atividade
humana, possibilitada na prática social concreta, não estamos nos
referindo a qualquer atividade, mas sim à atividade
humanizadora, aquela realizada de forma intencional pelo
indivíduo e que implica o avanço do seu desenvolvimento
psíquico em direção a sua humanização.
Para elucidarmos esse pressuposto, vale diferenciar a
atividade humana e a atividade natural (esta é colocada enquanto
uma ação pela ação com fim em si mesmo, fazer algo) e, para isso,
tomaremos a epígrafe desse subtítulo que busca demonstrar que a
atividade natural realizada pelas abelhas que constroem suas
colmeias distingue-se significativamente da atividade humana,
que se caracteriza pelo fato de engendrar um planejamento, uma
ação teleológica, sempre intencionalizada.

2 Desenvolvimento individual refere-se às apropriações que o sujeito singular faz


da cultura construída pela humanidade por meio do contato com outro, e das
relações que estabelecem entre si. Para Duarte (1993, p. 162) o sujeito “forma
sua individualidade através de sua atividade no interior de determinadas
relações sociais”.

148
Construir uma casa a partir da atividade humana carrega em
si uma intencionalidade, a de ter abrigo, por exemplo, porém, a
construção desta casa e o planejamento realizado para esta ação
não acontece por conta do acaso, não se efetiva de forma
espontânea. Para esta construção, para a realização desta
atividade, o homem precisou ter a necessidade e também motivos
que o impulsionassem na efetivação desta ação. Referente a isto,
consideramos importante destacar que,

A primeira condição de toda a atividade é uma necessidade.


Todavia, em si, a necessidade não pode determinar a orientação
concreta de uma atividade, pois é apenas no objeto da atividade que
ela encontra a sua determinação: deve, por assim dizer, encontrar-se
nele. Uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no
objeto (se “objetiva” nele), o dito objeto torna-se motivo da
atividade, aquilo que o estimula LEONTIEV ( 2001, p. 68).

Neste contexto, podemos afirmar que a atividade humana,


diferente da atividade animal, origina-se, realiza-se e modifica-se
a partir das necessidades culturais e motivações presentes nas
relações e a partir das relações sociais, que por sua vez
proporcionam apropriações e objetivações da cultura construída
por outros homens em outros momentos, outras necessidades e
que, portanto, geram a intencionalidade das ações realizadas ao
longo do processo de construção da humanidade pelos homens.
Tais apropriações são realizadas a partir das relações que os
homens estabelecem entre si, como já mencionamos
anteriormente. Portanto, esta ação intencional, permeada por
todos estes fatores específicos, designa a essencialidade humana,
sua práxis. Dessa forma, podemos afirmar que a atividade
realizada pela abelha, a atividade natural, não impõe a
necessidade de apropriação de como construir uma colmeia a
partir das relações e, mediante esta condição, não há mera
possibilidade de tratarmos a atividade natural e a atividade
humana como sinônimas. A atividade natural é pautada no

149
comportamento típico de cada espécie, não avança para além da
experiência individualizada e se expressa por um tipo de
inteligência orientada à adaptação ao meio (MARTINS, 2013, p.
25).
Dessa forma, concordamos com Leontiev (1983, p. 15)
quando coloca que a atividade natural “[...] não consiste em
identificar a prática com o conhecimento, senão que o
conhecimento não existe fora do processo vital, que por sua
natureza própria é um processo natural e prático”. Então, ao
reconhecer a atividade a partir dos pressupostos de Marx, que a
considera como uma ação consciente, transformadora, criativa,
perfeitamente capaz de produzir ações que assegurem sua
sobrevivência, reconhecemos, assim, que o homem é constituído a
partir de condições econômicas e políticas.

O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E A ATIVIDADE GUIA


NA IDADE PRÉ-ESCOLAR: REFLEXÕES NECESSÁRIAS À
EDUCAÇÃO ESCOLAR NA INFÂNCIA

O desenvolvimento psíquico da criança em idade pré-escolar


pode ser compreendido, destacando o brincar, que é a atividade
guia da criança nesta etapa da vida.

A passagem à consciência humana, baseada na passagem a formas


humanas de vida e na atividade do trabalho que é social por
natureza, não está ligada apenas à transformação de estrutura
fundamental da atividade e ao aparecimento de uma nova forma de
reflexo da realidade; o psiquismo humano não se libera apenas dos
traços comuns aos diversos estágios do psiquismo animal [...]; o
essencial quando da passagem à humanidade, está na modificação
das leis que presidem o desenvolvimento do psiquismo.
(LEONTIEV 1978a, p.68, apud MARTINS,2013, p. 27-28).

A consciência humana tem sua gênese obviamente


relacionada às características biológicas e maturacionais dos
indivíduos, no entanto o seu processo de desenvolvimento

150
delineia-se por meio das condições históricas, econômicas e
políticas, permeado pela atividade coletiva que cria as
possibilidades para a construção de uma complexa e dinâmica
estrutura cerebral cada vez mais elaborada e capaz de possibilitar
aos seres humanos o desenvolvimento de linguagem,
pensamento, consciência e personalidade, dentre outras funções
psicológicas essenciais para o desenvolvimento do psiquismo
humano numa direção superior.
Inerente à atividade social e desenvolvendo-se a partir dela, o
psiquismo humano caracteriza-se, assim, pela práxis realizada no
interior das relações sociais, que é permeada por mudanças
históricas que aconteceram e acontecem no interior da sociedade.
Tais mudanças produzem transformações qualitativas na
consciência e no comportamento humano, o qual vem se
transformando devido à complexificação do sistema nervoso, que
por sua vez contou com a influência do trabalho e da linguagem3,
considerando, conforme afirma Martins (2013, p. 67), que se
encontra na significação do signo o dado essencial para a
compreensão do psiquismo como um sistema complexo e
interfuncional, onde se identifica “[...] na palavra, o signo dos
signos isto é unidade de análise nuclear para a compreensão do
comportamento complexo”. A autora ainda afirma que,

[...] os signos e os significados mobilizados nas ações realizadas


pelo indivíduo, em sua existência concreta, engendram
rearticulações interfuncionais (...) o uso de signos provoca
modificações que ultrapassam o âmbito da função especifica na
qual ocorre, rearticulando completamente o psiquismo. O uso de
signos determina rupturas no modo de operar já instalado de uma
função especifica e, ao fazê-lo, modifica suas articulações com

3 No que se refere à linguagem Petrovski (1980, p. 81) postula que esta


possibilitou, a cada homem, compartilhar a experiência construída e
acumulada no seio de sua sociedade, podendo assim adquirir conhecimentos
acerca de situações, acontecimentos, entre outras construções com as quais
nunca antes teve contato.

151
outras funções, inaugurando novas formas de manifestação
psíquica (MARTINS, 2013, p. 67).

O trabalho e seu reconhecimento como atividade vital


possibilitaram ao homem a apropriação da natureza e a produção
dos meios de satisfação de suas necessidades. Engels (1975, citado
por Leontiev, 1978) afirma que o trabalho criou o homem
humanizado e salienta tal afirmação, destacando a relação
dialética entre o desenvolvimento sócio-histórico da humanidade
e o desenvolvimento do psiquismo humano (p. 69). O trabalho é a
primeira e fundamental condição para que o homem possa existir
e humanizar-se, desenvolver linguagem, consciência e
personalidade. Nesse processo, destacamos a linguagem como
fenômeno cultural humano que tem na construção do signo o
dado essencial para o desenvolvimento do pensamento e da
consciência humana.
A linguagem proporcionou condições de nos apropriarmos
de muitas construções humanas, sem que nunca as tivéssemos
visto antes; porém, quando mencionamos a linguagem, não
estamos nos referindo a qualquer linguagem, mas àquela repleta
de elementos históricos e sociais e que se caracteriza por um
sistema de signos repleto de sentidos e significados sociais e que
viabilizam a comunicação entre os homens, servindo para
expressar ideias, pensamentos, representações e
reflexões/abstrações.
Ao nos remetemos à consciência, temos a intenção de pensá-
la em um contexto social e histórico em movimento em que a
linguagem na sua relação com o pensamento, engendram a partir
da comunicação via palavras e signos com significados e sentidos
pessoais, as condições para a representação subjetiva da realidade
objetiva, situação possível somente ao psiquismo humano em que
a consciência adquire uma forma de existência representada pela
imagem psíquica, pela ideia que se constrói da realidade
conforme MARTINS (2013).

152
A autora ainda complementa, referenciando-se a Leontiev,
que o desenvolvimento do psiquismo em sua idealidade, como
ideia, não dispensa a materialidade da imagem nem tampouco
contrapõe matéria e ideia. Isso nos remete pensar que o psiquismo
em sua idealidade não acontece ao acaso, sendo, portanto, a ideia
constituída no mundo material possibilitado pela atividade, onde
o psiquismo se manifesta a partir do que o sujeito em sua
realidade e singularidade concreta se apropriou, e por conta disso
compreende-se que a ideia é edificada em um contexto objetivo,
como afirma Martins (2013).
Leontiev, ao discutir o papel da cultura no desenvolvimento
das capacidades humanas, entende que uma atividade distingue-
se de outra pelo seu objeto e pela relação que o sujeito estabelece
com o objeto, tendo como objetivo atender às suas necessidades
ao dirigir sua ação em direção ao objeto. Vale destacar que o
psiquismo humano para o referido autor manifesta-se de maneira
dupla e concomitante, sendo a primeira revelada na atividade
como “forma primária e objetiva de sua existência” e, a segunda,
“manifesta-se na construção da ideia, da imagem, enfim, como
consciência” (LEONTIEV, 1978a, p.183).
Esta visão de Leontiev (1978) acerca do psiquismo humano
nos confere a tarefa de refletir sobre o conceito de internalização e
de antemão mencionamos que não se trata de um processo
mecânico que acontece de “fora” para “dentro” e de modo linear e
dicotomizado (externo e interno), mas como um processo dialético
que desde seu início, embora se mostre externo ao psiquismo
humano, por se estruturar num contexto objetivo, também é
composto por componentes internos deste psiquismo.
Martins (2013, p. 30) afirma que Vigotski concebeu a
dinâmica da internalização com as características que citamos
anteriormente, ou seja, como uma unidade entre atividade
individual (externa e interna) e atividade social, coletiva, que se
modifica de processos interpsíquicos em processos intrapsíquicos.
Tais processos foram estudados por Vigotski, sobretudo quando
constata a existência da “lei genética geral do desenvolvimento

153
psíquico” (1995, p.150), que expressa que toda função psíquica
entra em cena a partir de dois planos diferentes: primeiro, como
função interpsíquica e, segundo, como função intrapsíquica.
Segundo Marino Filho (2011) a proposição de Vigotski (2000,
p. 150) sobre as transformações das relações interpsicológicas em
intrapsicológicas nos fornece um exemplo claro acerca da
possibilidade do homem agir motivado e essa motivação mostra-
se social. O autor afirma que a estrutura elementar de uma ação
voluntária de determinado indivíduo, nasce nas relações
interpsicológicas, sendo que a ação do sujeito é parte desse
processo relacional e, de certa forma, meio para o autocontrole
individual.
Com esta reflexão podemos entender que o sujeito da ação
recebeu, em alguma medida, a consciência acerca da orientação de
uma determinada ação e que, essa condição possibilita a este
sujeito, em alguma medida, ser a sua própria ação, o que se pode
propor como internalização em diferentes níveis de apropriação.
O autor demonstra que em um primeiro momento, o sujeito
executa ações que são orientadas externamente, por outro
indivíduo, pois ainda não tem conhecimentos sobre a ação, não
consegue prever resultados, engendrar valoração afetivo-
emocional, significado social e sentido pessoal para efetivar sua
própria ação (MARINO FILHO, 2011).
Dessa forma, podemos afirmar, que, primeiro, o
desenvolvimento humano inicia-se na relação com o outro e que
os conteúdos sociais que são compartilhados tornam-se elementos
internos do psiquismo do sujeito. Vale ressaltar que esta dinâmica
não acontece de forma hierárquica, sequencial, mas de maneira
inter-relacional e em um contexto mútuo e dialético, como
poderíamos dizer, em movimento histórico e social.
Vigotski ainda afirma que há a necessidade de identificar o
meio, a condição pelo qual os fenômenos sociais interpsíquicos
convertem-se em processos intrapsíquicos, sendo que a resposta
encontra-se na internalização de signos e seus significados,
elementos fundamentais de origem cultural e histórica essenciais

154
para a construção das funções psicológicas superiores (BEZERRA
E VIOTTO FILHO, 2014).
Os signos, na condição de elementos culturais simbólicos
construídos pela humanidade e mediadores das relações sociais
entre os homens, convertem-se em instrumentos psíquicos que
viabilizam o processo de desenvolvimento humano em direção à
construção do pensamento, consciência, sentimentos e da
personalidade dos indivíduos, ou seja, são elementos que
possibilitam a constituição do complexo psiquismo humano.
Ao compreendemos que o psiquismo humano se desenvolve
histórica e socialmente, permeado por signos construídos pela
humanidade os quais se apresentam repletos de sentidos e
significados sociais, entendemos que as condições materiais e
objetivas das quais depende o psiquismo para se desenvolver, uma
vez que signos são construídos a partir da relação material que os
homens estabelecem com a natureza e com os outros homens.
Leontiev (2001) ressalta que a atividade de modo geral não se
edifica mecanicamente e a partir de tipos separados de atividades,
mas, sim, de específicos tipos de atividades que, em cada período
do desenvolvimento do sujeito, assumem características
principais, sendo mais importantes em determinados momentos
da vida do indivíduo e secundárias em outras fases da vida.
O autor ainda coloca que por conta das especificidades destes
elementos, deve-se “[...] falar da dependência do desenvolvimento
psíquico em relação à atividade principal e não à atividade em geral”
(p.7), discorrendo sobre a posição assumida pela criança no interior
das relações sociais e evidenciando que cada período de seu
desenvolvimento implica a compreensão dos elementos históricos e
culturais que precisam ser por ela apropriados, para avançar no seu
processo de desenvolvimento psíquico. Para o autor:

O que determina diretamente o desenvolvimento da psique de uma


criança é sua própria vida e o desenvolvimento dos processos reais
desta vida – em outras palavras: o desenvolvimento da atividade da
criança, quer a atividade aparente, quer a atividade interna. Mas

155
seu desenvolvimento, por sua vez, depende de suas condições reais
de vida (LEONTIEV, 2001, p.63).

A compreensão do desenvolvimento psíquico da criança


implica no reconhecimento da atividade social que ela realiza, ou
seja, na análise da atividade construída a partir e por meio das
condições objetivas de vida de cada criança, considerando que o
seu desenvolvimento psíquico deve ser analisado e estudado
como síntese do que ela conseguiu se apropriar/objetivar por meio
da prática social vivida e, sem dúvida, as práticas sociais escolares
são fundamentais para a efetivação desse processo.
Vigotski (2001a) coloca que no estabelecimento da relação
estreita e significativa entre o resultado da aprendizagem e a
atividade prática realizada pela criança em sociedade. Para o
autor, as relações da criança com os objetos e em sociedade é que
criam as condições para aprendizagens que possibilitam
desenvolvimento e engendram a área de desenvolvimento
potencial. Neste contexto de discussão é que discutiremos o
conceito de atividade principal que para Leontiev (1978, p.293) “é,
portanto aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais
mudanças nos processos psíquicos da criança e as
particularidades psicológicas da sua personalidade num dado
estágio de seu desenvolvimento”.
Nesta direção, afirmamos que a atividade guia da criança na
idade pré-escolar, conforme Leontiev (1978), é a atividade do
brincar, que possibilita as condições concretas para que a criança
possa se apropriar do mundo dos objetos culturais construídos
pelos homens, em que ela assume papéis sociais no brincar com o
outro, reproduzindo as ações de indivíduos mais desenvolvidos
culturalmente e mais experientes, na direção de se apropriar das
relações do mundo adulto de acordo com as possibilidades e
especificidades do seu psiquismo.
Desse modo, é importante enfatizar que durante a infância a
atividade do brincar, configurada numa brincadeira, num jogo,
numa atividade coletiva ludo-pedagógica, ou em outras situações

156
lúdicas coletivas, a criança encontra as condições de efetivar o
processo de apropriação-objetivação da sua individualidade e,
nesse sentido, constituir a sua personalidade.
No processo de desenvolvimento de uma atividade social a
criança opera com os objetos culturais variados, os quais são
normalmente utilizados pelos adultos e, dessa forma, toma
consciência de cada objeto e das ações necessárias para operar
com eles e objetivar-se. Considerando o postulado de Leontiev
(1998b, p. 121), o que ocorre no processo de desenvolvimento da
consciência do mundo concreto, por meio do brincar pela criança
é uma forma de tentar “integrar uma relação ativa não apenas
com as coisas diretamente acessíveis a ela, mas também com o
mundo mais amplo, isto é, ela se esforça para agir como um
adulto” e tal possibilidade se configura pela atividade do brincar.
Dessa forma, as possibilidades de realizar ações possíveis
somente realizadas pelos adultos, ações essas que a criança ainda
não é capaz de conduzir sozinha, devido às condições reais de
determinada ação, como por exemplo, a ação de apagar um
incêndio, ser um chefe de cozinha, pilotar um avião ou costurar
uma roupa, efetivam-se no plano da atividade do brincar de
bombeiro, cozinheiro, piloto e costureiro. São situações assim que
criam condições favoráveis para um desenvolvimento psíquico
humanizador, sobretudo porque para a efetivação desse processo,
além dos objetos, a criança se apropria das palavras que
denominam os objetos e suas funções, condições essenciais para a
elaboração do processo de significação por parte da criança.
A condição de atuar numa atividade do brincar com outras
crianças, assumindo diferentes papéis sociais, permite à criança a
realização das mais diferentes ações, situação que, além de
contribuir para a compreensão da contradição entre a necessidade
de ação e a impossibilidade de sua execução nos moldes adultos,
implica formas diferenciadas de elaboração psíquica, permeadas
pela imaginação engendrada na atividade do brincar, para que
possa sentir-se parte integrante das relações e atividades próprias
do mundo adulto.

157
Vigotski (2009) destacou que “[...] essa forma de relação
torna-se possível somente graças à experiência alheia ou
experiência social” (VIGOTSKI, 2009, p. 24), e permite que, por
meio da imaginação, o indivíduo amplie os limites restritos de sua
experiência imediata e tenha acesso a diferentes experiências
historicamente realizadas.
Ainda discutindo a importância do brincar, Vigotski (1989, p.
106 apud ARCE e DUARTE, 2006, p. 56) afirma que:

No início da idade pré-escolar, quando surgem os desejos que não


podem ser imediatamente satisfeitos ou esquecidos [...]. E continua
[...] Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar
envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não
realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos
de brinquedo.

As considerações apontadas a respeito da atividade do


brincar na idade pré-escolar nos mobilizam à necessidade de
refletir que uma brincadeira de criança não pode ser reconhecida
como uma condição de acesso aos objetos culturais que remeta a
criança a um mundo irreal, de objetos irreais e improváveis, como
se costuma pensar. Ao contrário, na atividade do brincar há uma
operação real com imagens e objetos reais, o que determina que
essa atividade, em sua estrutura e dinâmica, permitindo o acesso
a situações imaginárias que, por sua vez, representam, como já
vimos, uma particularidade da atividade consciente.
Assim, podemos afirmar que a atividade do brincar,
configurada por uma brincadeira, não provém de uma situação
imaginária e inconsciente, mas, que a ação do brincar com objetos
e relações provenientes do mundo adulto permitem o avanço e o
desenvolvimento de uma situação imaginária. Podemos afirmar,
portanto, que, desta forma, a imaginação estrutura-se nas
condições concretas vividas pela criança durante uma brincadeira
e, como todas as funções da consciência, segundo afirma Vigotski
(1989), a imaginação desenvolve originalmente na ação.

158
Mediante isto, defendemos a atividade do brincar como
instrumento para o desenvolvimento psíquico da criança em
idade pré-escolar e tomamos como ponto importante no que se
referem a este tipo de atividade as colocações de Marino Filho
(2012, p. 136), que afirma como fundamental a valorização da
inclusão da atividade do brincar como perspectiva ao
desenvolvimento humano, compreendendo-a a partir da teoria
histórico-cultural, sobretudo porque as perspectivas tradicionais
de educação não têm conseguido suprir, de forma adequada, as
necessidades de desenvolvimento da criança na escola, justamente
porque não priorizam essa importante forma de objetivação da
criança em idade pré-escolar.
O professor é o sujeito que precisa criar as condições de
apropriação cultural desde a ciência, as artes, a cultura corporal, a
filosofia e a ética, dentre outras objetivações presentes na escola.
Referente a isso podemos afirmar que:

Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma


dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios homens,
sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o homem
não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo
produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem,
precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a
produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem,
isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide,
então, com a origem do homem mesmo SAVIANI (2007, p. 154).

Considerando que a formação do homem depende de um


processo educativo para acontecer, é importante enfatizar que
sem o trabalho educativo seria impossível a continuidade do
progresso histórico (Leontiev, 1978).
O progresso histórico é a continuidade das produções,
elaborações e construções humanas, uma vez que só se
apropriando dos objetos culturais construídos pela humanidade
no decurso de sua vida e a partir das relações que os homens
estabelecem com outros homens é que cada indivíduo adquire

159
propriedades e faculdades verdadeiramente humanas essenciais
para a manutenção e continuidade da vida em sociedade e,
portanto, do progresso histórico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de apropriação-objetivação dos objetos culturais


criados pela humanidade implica no desenvolvimento do
psiquismo humano. Porém, este processo não ocorre de forma
espontânea, mas estrutura-se numa relação social, situação
essencial para o processo de humanização e desenvolvimento das
funções psicológicas superiores humanas.
Nesse sentido, evidencia-se a identificação entre os
pressupostos da teoria histórico-cultural que enfatiza o processo de
desenvolvimento humano efetivando-se a partir das relações sociais
e apropriação dos objetos culturais e a pedagogia histórico-crítica,
que enfatiza a necessidade da escola proporcionar as condições
adequadas, as metodologias e procedimentos didático-pedagógicos
fundamentais para que os sujeitos possam apropriar-se dos objetos
culturais, sobretudo aqueles oriundos das objetivações genéricas
como a ciência, as artes, a filosofia, dentre outros, pois pela via da
apropriação de tais objetos será possível aos sujeitos avançarem ao
senso comum e desenvolverem uma consciência crítico-filosófica e
humanizarem-se nesse processo educativo.
Ao refletir sobre esta questão no desenvolvimento infantil, mais
precisamente no período de desenvolvimento da criança em idade
pré-escolar, Leontiev (2001, p.64) destaca o quanto a brincadeira
assume importante papel no desenvolvimento psíquico dos sujeitos
e que “[...] a articulação entre a instrução, no sentido mais estreito do
termo, que se desenvolve em primeiro lugar já na infância pré-
escolar, surge inicialmente no brinquedo”, e complementa “a criança
começa a aprender na brincadeira”. A partir dessa compreensão do
processo de desenvolvimento humano poderão ser criadas
condições de aprendizagem que atendam às necessidades dos
sujeitos, criando condições para um processo de desenvolvimento

160
psíquico diferenciado e na direção do desenvolvimento de funções
psicológicas superiores junto às crianças.
Segundo Vigotsky (1991, p.101) o processo de aprendizagem
quando organizado adequadamente, "resulta em
desenvolvimento e põe em movimento vários processos que, de
outra forma, seriam impossíveis de acontecer. O aprendizado é
um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções culturalmente organizadas".
Diante disso, defendemos que a aprendizagem das crianças,
principalmente na Educação Infantil, deve ser caracterizada por
um trabalho pedagógico que priorize a organização de formas de
aprendizagem, sendo que uma correta a organização dessas
formas de aprendizagem possibilite aos sujeitos a ativação de um
grupo de processos psicológicos para o desenvolvimento
(VYGOTSKY, 1998).
Acreditamos que a compreensão da relação entre processo de
aprendizagem e desenvolvimento, poderá proporcionar aos
professores condições para se compreender os alunos,
possibilitando a compreensão do seu processo de
desenvolvimento em favor de intervenções educativas
humanizadoras e emancipadoras.

REFERÊNCIAS

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163
164
CAPÍTULO 7

RESENHA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO


INTITULADA "DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
INFANTIL À LUZ DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL:
CONTRIBUIÇÕES DE PRÁTICAS LITERÁRIAS NA
PRIMEIRA INFÂNCIA"

Rodrigo Lima Nunes


Ariana Aparecida Nascimento dos Santos
Tatiane da Silva Pires Felix

A dissertação de mestrado, objeto desta resenha, foi


elaborada por Thais Borella, junto ao Programa de Pós-graduação
em Educação da UNESP-Presidente Prudente, sob a orientação do
Prof. Dr. Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho e defendida no ano
de 2016. O problema a ser discutido relaciona-se ao processo de
aprendizagem e desenvolvimento da linguagem de crianças,
enfatizando a apropriação do livro literário nesse processo,
reconhecido como objeto cultural imprescindível para o
desenvolvimento e humanização das crianças na escola de
educação infantil.
O trabalho de pesquisa que originou a dissertação decorre de
dados obtidos em pesquisa de Iniciação Científica (IC) intitulada
"A literatura infantil como meio humanizador no trabalho com crianças
de 0 a 3 anos", realizado na UNESP-Marilia, quando a autora
verificou o assistencialismo como elemento marcante na educação
infantil e a secundarização de atividades relacionadas ao acesso e
apropriação de livros literários.
A escolha pelo estudo, ou seja, da relação entre literatura
infantil e desenvolvimento da linguagem na primeira infância,
ocorre porque esse período etário é crucial a formação dos
processos psíquicos superiores humanos, sobretudo a linguagem,

165
a qual evolui a partir de uma comunicação emocional inata (p.15),
para uma linguagem articulada e de significados sociais, sendo
que as apropriações culturais, dentre elas a literatura, tornam-se
fundamentais no seu processo de desenvolvimento, conforme
orienta Vigotsky (2000).
A linguagem humana supera os limites instintivos da
manifestação animal, pois os seres humanos conseguem construir,
ao longo do processo histórico, um sistema de códigos e signos
que propiciaram a intercomunicação e estruturação do
pensamento de natureza conceitual. A linguagem articulada dos
seres humanos surge no seio das situações sociais e se coloca
como elemento essencial do processo de desenvolvimento das
funções psicológicas superiores ao lado do pensamento e da
consciência.
Podemos compreender que a estruturação de códigos e
signos que permitiu a comunicação e o registro da história
humana, possibilitou também a construção das mais belas formas
de comunicação artística, dentre elas a literatura. O livro de
literatura é um objeto criado historicamente e carrega uma das
formas mais elaboradas da cultura humana, a linguagem escrita,
ou seja, a linguagem codificada e grafada que permite registrar os
acontecimentos, assim como registrar histórias que pela sua
fruição, que levam os seres humanos a um estado diferenciado de
vivências subjetivas e compreensão da realidade (p.16).
Entendemos que os livros, no contexto da educação infantil, a
partir de uma prática pedagógica intencionalmente planejada e
organizada, podem contribuir para o processo de
desenvolvimento da linguagem, pois apresentam às crianças
formas mais elaboradas de linguagem, contribuindo para o
enriquecimento vocabular, pronúncia correta de palavras,
linguagem coerente, formação do gosto literário, bem como,
formação de repertório literário desde a mais tenra idade
(USAKOVA, 1985).
Podemos afirmar que mediante a linguagem o homem
supera os limites naturais instintivos do animal, sobretudo porque

166
constrói signos que proporcionam a intercomunicação e a
estruturação do pensamento e da consciência humana, sendo que
a linguagem, simultaneamente, nasce no seio das situações sociais
e históricas e torna-se o objeto central do desenvolvimento
ontogenético humano (LEONTIEV, 2004).
A autora apoia-se nos estudos realizados no interior do
GEIPEEthc (Grupo de Estudo, Intervenção e Pesquisa em
Educação Escolar e Teoria Histórico-cultural) para desenvolver
suas reflexões teórico-metodológicas e responder ao problema
inicialmente levantado. Realiza o processo de intervenção em
doze encontros semanais, no interior do CCI - Centro de
Convivência Infantil da UNESP-Presidente Prudente - junto a
crianças de 02 a 03 anos de idade, propondo atividades ludo-
pedagógicas mediadas por livros de literatura infantil,
selecionados pelo Programa Nacional de Biblioteca na Escola
(PNBE) e distribuídos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE, p.17).
Assim, o trabalho de pesquisa procura demonstrar a
importância das atividades de leitura literária no processo de
desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
especificamente a linguagem, de crianças até aos três anos que
estão na escola de educação infantil e defender a necessidade de
um trabalho pedagógico voltado para os momentos de leitura de
histórias a partir da literatura infantil.
No primeiro capítulo a autora apresenta os pressupostos da
teoria histórico-cultural (THC) e simultaneamente, discute suas
contribuições para a educação escolar. Defende a necessidade
dessa teoria no interior da escola de educação infantil e apresenta
os conceitos de mediação, zona de desenvolvimento iminente e a
discussão sobre a periodização do desenvolvimento infantil
tomando como base a teoria da atividade desenvolvida por
Leontiev (2004).
Resgata autores da teoria histórico-cultural para endossar sua
explicação acerca das origens das formas superiores de
comportamento consciente, ao afirmar que essas qualidades

167
especificamente humanas encontram-se nas relações sociais
estabelecidas pelo indivíduo com o mundo exterior (p.22).
A autora enfatiza a afirmação de Leontiev (2004, p.279) de
que "o homem é um ser de natureza social e tudo o que tem de
humano provém de sua vida em sociedade, no seio da cultura
criada pela humanidade". Lembra ainda que o indivíduo aprende
nas relações sociais a tornar-se homem, pois o que a natureza lhe
oferece não é suficiente para que possa viver e se desenvolver em
sociedade (p.24).
Na mesma direção, Vigotsky (2000) afirma que a natureza
biológica dos seres humanos é fundamental para o processo de
desenvolvimento dos indivíduos, no entanto, isso não basta, pois,
limitado ao plano biológico, os seres humanos permaneceriam na
esfera das funções elementares, as quais precisam avançar, pela
via da apropriação da linguagem de significados e signos sociais,
para tornarem-se funções psicológicas superiores (p.25). Para o
autor, os signos são objetos culturais que se tornam instrumentos
psicológicos essenciais, resultado da comunicação e da linguagem
social, sendo que por serem construídos pelos próprios seres
humanos, transformam-se histórica e socialmente ao longo do
processo de construção da humanidade.
É interessante identificar o quanto a autora se apropriou de
forma significativa da teoria histórico-cultural para colocá-la
como constructo teórico necessário para a compreensão das
implicações da educação escolar no processo de desenvolvimento
das funções psicológicas superiores, notadamente da linguagem,
salientando a importância da apropriação dos objetos da literatura
como essenciais para o processo de aprendizagem e
desenvolvimento da criança na escola de educação infantil.
Lembra Martins (2011) quando afirma que o desenvolvimento da
criança se produz no processo de aprendizagem, sendo esse um
pressuposto fundamental Vigotskiano e, nesse sentido, o bom
ensino na sala de aula, engendra as condições educativas e deve
se antecipar ao processo de desenvolvimento da criança (p.27).

168
Segundo a autora, torna-se evidente o quanto a THC respalda
as ações dos professores no campo da educação escolar, sobretudo
porque a educação ocupa lugar de destaque nas reflexões
Vigotskianas. Compreende também que a escola não é a única
instituição responsável pela criação de condições de
aprendizagem para as crianças, no entanto, salienta o
compromisso de tai instituição com a transmissão dos
conhecimentos humano-genéricos dentre eles a ciência, as artes, a
filosofia, entre outros, como afirma Saviani (2001).
Destaca o quanto as crianças permanecem grande parte de
suas vidas no interior das instituições escolares, as quais, na
maioria dos casos, deveriam configurar-se como espaço
organizado para a apropriação de conhecimentos essenciais para a
sua vida em sociedade e, sobretudo, para o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores tais como a linguagem, os
pensamentos, os sentimentos e a consciência, funções essenciais e
responsáveis pelo processo de humanização dos seres humanos
numa direção crítica, humano-genérica, livre e universal.
No capítulo dois a autora discute o processo de construção e
desenvolvimento das funções psicológicas superiores com ênfase
na linguagem e sua relação com a apropriação da cultura humana.
Salienta a relação entre pensamento e linguagem, significado
social e sentido pessoal das palavras, tomando o signo como
construção cultural essencial ao processo de humanização dos
seres humanos.
Apresenta o processo de desenvolvimento do pensamento,
considerando desde o processo mais elementar, o pensamento
sincrético, até chegar ao pensamento conceitual, enfatizando a
literatura como elemento cultural essencial na construção de um
pensamento de natureza crítica desde a educação infantil em que
as crianças, devidamente orientadas pelo professor, encontrarão
as condições, a base, para avançar e chegar ao pensamento
conceitual crítico num período posterior de seus
desenvolvimentos.

169
Elucida a importância das reflexões sobre a compreensão
materialista histórico e dialética das funções psicológicas
humanas, superando, portanto, as visões naturalizantes acerca do
processo de desenvolvimento do psiquismo humano. Salienta que
o olhar Vigotskiano rompe com a linearidade presente nas
representações da psicologia tradicional e enfatiza aspectos
qualitativos e diferenciados do psiquismo dos seres humanos
(p.43).
Enfatiza ainda que Vigotsky (2000) esclarece a relação entre
os planos biológico e cultural no processo de desenvolvimento da
criança, por entender que os aspectos naturais e biológicos são
fundamentais, no entanto, não suficientes para a efetivação da
totalidade do psiquismo humano, pois é o plano cultural que
engendra as possibilidades de desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, as quais não se desenvolveriam natural e
espontaneamente. Esclarece que o autor destaca dois tipos de
funções psicológicas, as elementares e naturais, tais como
inteligência prática, linguagem emocional, sensação, atenção e
memória involuntárias e as superiores tais como, atenção e
memória voluntárias, linguagem verbal, pensamento,
sentimentos/emoções, as quais têm como base de seu
desenvolvimento a atividade social e a apropriação dos objetos
materiais e simbólicos da cultura humana (p.43).
No que se refere à função psicológica superior linguagem, a
autora esclarece que é por meio da linguagem que o homem
supera os seus limites naturais e instintivos, sobretudo em
decorrência da construção cultural do signo, um código
construído pelos seres humanos e voltado para a mobilização da
comunicação social e o pensamento dos indivíduos. Esclarece que
a linguagem surge no seio das situações e relações sociais e,
portanto, elemento essencial para a construção do conhecimento
da humanidade.
Salienta que, segundo Petrovski (1980), a linguagem verbal
possui diversas funções no contexto da vivência humana e destaca
três papéis principais: 1) a linguagem como meio de existência

170
humana, transmissão e assimilação da experiência histórica e
social; 2) meio de comunicação social; 3) instrumento da atividade
intelectual como a atenção, memória, percepção, representação,
imaginação dentre outras. Salienta ainda que a função de
comunicação somente se efetiva no processo de relação social, que
permite ao indivíduo receber e se apropriar de novos
conhecimentos sobre a realidade e, simultaneamente, transmitir a
experiência histórico social (p.51).
Ainda com relação à linguagem, a autora salienta que o
adulto nomeia os objetos que estão no entorno da criança e, ao
realizar essa ação, possibilita a apropriação do significado das
palavras e sua relação com o objeto material, sendo que nesse
movimento, estrutura-se a consciência e a linguagem humana.
Lembra ainda que a linguagem encerra experiências de gerações
humanas e intervém de forma crucial no processo de
desenvolvimento infantil desde os primeiros meses de vida, sendo
que os adultos, ao nomearem os objetos, demonstrarem relações e
associações, criam as possibilidades sociais concretas de
aprendizagem e desenvolvimento do pensamento conceitual, o
qual envolve a transmissão dos saberes historicamente
acumulados pela humanidade (p.54).
Assim como toda e qualquer função psicológica superior, a
linguagem é uma construção social, ou seja, efetiva-se a partir das
relações externas e torna-se interna, convertendo-se em atos de
pensamento. Podemos afirmar que a linguagem, portanto,
intervém diretamente no ato intelectual, requalificando a
percepção, a memória, a atenção, a imaginação e os próprios
sentimentos da criança, configurando a experiência pessoal no
mundo (p.57)
A criança, segundo a autora, avança no desenvolvimento da
sua linguagem à medida que, paulatinamente, amplia seu
vocabulário e por aprender o valor da palavra, aprende a
controlá-la, tendo em vista a efetivação de situações objetivas,
momento em que a fala se revela como técnica de transmissão dos
seus pensamentos, conforme afirma Martins (2011).

171
A autora discorre sobre o processo de desenvolvimento do
pensamento, deste as primeiras manifestações do pensamento
sincrético, que se firma nos primeiros anos de vida, passando pelo
pensamento por complexos, até chegar ao pensamento por
conceitos ou pensamento conceitual, que se efetiva na
adolescência e início da vida adulta (p.70).
Questão fundamental apresentada pela autora é que a escola,
dada sua natureza de agência socializadora dos conhecimentos
historicamente acumulados, desde a ciência, a filosofia e também
a literatura, torna-se o espaço fundamental de construção da
linguagem e do pensamento humano, sem a qual, esse processo
ficaria limitado às objetivações cotidianas e, portanto, destituído
de reflexão crítica sobre a realidade.
Outra questão fundamental trata-se da importância do
trabalho do professor, trabalho esse que deve ser devidamente
planejado e orientado na direção do desenvolvimento humano
genérico das crianças, sobretudo para o desenvolvimento e
complexificação da linguagem e ato contínuo do pensamento
humano (p.71).
No capítulo três a autora demonstra a sua metodologia de
pesquisa e discute o avanço do campo teórico até chegar às
atividades práticas. Defende a importância do livro literário na
educação infantil, como um instrumento e conteúdo essencial no
desenvolvimento da linguagem e do pensamento da criança.
Apresenta o percurso metodológico e as dificuldades encontradas
nesse processo, dada a dinâmica histórico-social da realidade
escolar e do trabalho do professor na efetivação de intervenções
de natureza educativa e humanizadora.
A autora divide o capítulo em três planos, o teórico, o ideal e
o real. No plano teórico mostra os pressupostos teóricos
fundamentais para a realização do trabalho com literatura na
escola de educação infantil. No plano ideal a autora aponta os
aspectos teóricos que subsidiaram a pesquisa empírica, o método
e procedimentos de trabalho da pesquisa empírica. No plano real
a autora relata como de fato aconteceram as intervenções junto às

172
crianças e as mudanças identificadas nos sujeitos, assim como as
dificuldades e possibilidades decorrentes do processo (p.72).
A autora apresenta a sua proposta relacionada ao
materialismo histórico e dialético como base fundamental para a
construção do plano teórico de intervenção junto às crianças na
escola de educação infantil e salienta que a literatura infantil foi o
elemento fundamental de estabelecimento do diálogo com os
sujeitos da pesquisa para conhecer o seu vocabulário, expressões e
formas de manifestação oral e entender, nesse movimento, a
efetivação da linguagem em suas vidas tanto na sua forma quanto
em seu conteúdo, sendo que para isso a contação de histórias foi o
procedimento adotado. Esse procedimento metodológico tinha
por objetivo instigar as crianças, a partir das histórias contadas, a
tomar contato com os livros e, simultaneamente, observar suas
manifestações e expressões verbais (p.80).
Para o plano ideal a autora organizou estudos do
materialismo histórico dialético e da teoria histórico-cultural,
como também planejou as atividades com os livros de literatura
infantil, prevendo diálogos com os sujeitos da pesquisa a partir da
leitura e contação de histórias. Apesar de duas atividades
distintas, a leitura e contação estabeleciam relação com o processo
de desenvolvimento da linguagem das crianças, pois as atividades
foram planejadas de modo articulado. Ao longo da pesquisa a
leitura foi feita pela autora/pesquisadora, sendo que o livro esteve
em suas mãos, com intenção de demonstrar a postura leitora que
representava a maneira de segurar o livro, o manejo das páginas
dentre outras ações próprias da leitura (p.85).
A contação de histórias, por sua vez, não necessitava,
obrigatoriamente, de livros às mãos, pois normalmente é marcada
pela encenação, pelas modulações vocais do contador da história.
A contação de histórias para as crianças pequenas torna-se
importante, pois a voz de quem conta a história, o clima favorável
à contação da história e a motivação das crianças para conhecer a
história contada, são elementos que precisam se relacionar e

173
essenciais para o sucesso da atividade educativa na escola de
educação infantil.
No plano real, constituído desde as observações da escola,
como também dos encontros de intervenção realizados com as
crianças, são apresentados os caminhos metodológicos reais que
se concretizaram em 04 meses de intervenções, sendo 04
encontros por mês e perfazendo um total de 16 encontros ao longo
do processo de intervenção no interior da escola. Dos cinco
grupos etários da escola, a pesquisadora, em contato com a
Direção da escola, escolheu o grupo intitulado "Reino encantado"
com crianças na faixa etária de 02 a 03 anos de idade, sendo que
não havia um grupo fixo durante os encontros, pois a sua
frequência na escola oscilava bastante, sendo que foram
trabalhadas entre 10 a 12 crianças em média, durante o processo
de intervenção (p.90-91).
Ao longo do processo de intervenção foram trabalhados 07
livros oriundos do catálogo "Literatura na infância: imagens e
palavra" (PAIVA, et al, 2008), distribuídos no acervo de 2008 do
PNBE de Educação infantil. Os livros foram escolhidos por suas
temáticas com a finalidade de incrementar o repertório das
crianças e tratar temáticas tais como o medo, o cotidiano,
brincadeiras e outros temas que poderiam surgir ao longo do
processo de intervenção. Os livros não tinham uma conexão
específica entre si, sendo que as atividades eram planejadas e
replanejadas de acordo com as especificidades dos encontros
realizados, ou seja, o planejamento adequava-se à situação vivida
ao longo dos encontros (p.95).
Além do trabalho realizado com os 07 livros escolhidos, foi
realizada atividade de construção de um livro ao longo dos três
últimos encontros, como forma de resgatar as histórias lidas e
contadas aos sujeitos da pesquisa, com a finalidade de subsidiar a
construção da história da própria turma, o que permitiu a
realização de várias observações e o estabelecimento de correlação
entre o início e o final do processo de intervenção, observando as

174
mudanças qualitativas e quantitativas no que tangia à linguagem
das crianças (p.98-99).
No capítulo quatro a autora realiza a descrição, análise e
discussão dos dados coletados ao longo do processo de
intervenção realizado e enfatiza a importância do acesso e
apropriação de livros da literatura infantil para o
desenvolvimento, principalmente da linguagem e também de
outras funções psicológicas superiores na escola de educação
infantil.
A escola assume papel importante nesse processo, pois
buscamos uma educação que desenvolva a criança no plano da
sua totalidade, desde a aprendizagem inicial voltada a imitação e
reprodução de sons, até a linguagem mais articulada e coerente,
em que a criança consegue estruturar frases a partir das normas
cultas da língua (p.100).
Também o papel do professor torna-se essencial, tendo em
vista que ele é o sujeito do processo educativo das crianças, no
sentido de oferecer-lhes o acesso a conhecimentos não cotidianos
e presente nas ciências, na filosofia, nas artes e especificamente, os
conteúdos e histórias presentes na literatura de forma geral e na
infantil ao tratar da educação em escolas de educação infantil.
A autora salienta que a chegada da criança à escola de
educação infantil é fator decisivo em seu processo de
aprendizagem e desenvolvimento, pois amplia seu entorno social,
antes restrito à família e entra em contato com objetos culturais
diferenciados como a música, a literatura, as artes, através da
apropriação de novas formas de manifestação tais como as que
são proporcionadas pelas brincadeiras e no jogo de papeis sociais,
como apregoa a teoria histórico-cultural (p.101-102).
Questão fundamental apresentada pela autora refere-se à
preservação da singularidade de cada criança participante da
pesquisa, sendo que os encontros reforçaram a questão da
identidade individual, dos nomes e manifestações de cada uma
delas, tendo em vista estabelecer um vinculo afetivo significativo
com os sujeitos e, desta forma, acompanhar o seu processo de

175
aprendizagem e desenvolvimento, sendo que para a efetivação
desse processo, foi necessário se estabelecer uma rotina para a
realização das atividades, a qual foi mantida rigorosamente
(p.102-103).
É importante salientar que os encontros foram ricos em
relações sociais e aprendizagens diversificadas, assim como ricos
em apropriação dos objetos culturais e possibilidades de
manifestação e expressão oral, pois a capacidade de tornar-se
humano, segundo Vigotski (2009), está relacionada às
experiências sociais e históricas vivenciadas, pois quanto mais a
criança vê, ouve e vivencia, mais ela saberá e assimilará a
experiência humana; e quanto maior for a quantidade de
elementos da realidade que ela apreende diante de si, tanto mais
significativa e produtiva será a sua atividade de pensamento,
sentimento e imaginação a partir do real, da vivência social.
Nas considerações finais a autora salienta a importância da
escola de educação infantil em valorizar o processo de
apropriação da literatura como fonte de desenvolvimento da
criança em geral e da sua linguagem em específico, sendo que os
processos de ensino e a relação entre aprendizagem e
desenvolvimento encaminham o processo de construção das
funções psicológicas superiores na escola (p.137).
Enfatiza ainda que a linguagem da criança desenvolve-se no
processo de comunicação com os adultos, sendo que o professor é
sujeito essencial na escola, pois a comunicação social exerce papel
preponderante na construção da linguagem, pensamentos,
sentimentos, imaginação, consciência e personalidade das
crianças, dentre outras qualidades psíquicas eminentemente
humanas.
A autora defende que a educação escolar infantil deve
priorizar atividades que promovam o avanço da linguagem das
crianças, fator que deve ser estimulado por meio das várias
formas de apropriação das diferentes linguagens e produções
culturais já construídas pela humanidade e, dentre elas,
principalmente, a linguagem artística literária, a qual, pelas suas

176
características, possibilita formas diferenciadas de expressão e
manifestação humana na escola.
Além do enriquecimento vocabular observado junto aos
sujeitos da pesquisa, foi possível observar a linguagem como
forma diferenciada de comunicação, processo construído no
contato social que se internaliza e possibilita a construção das
funções psicológicas superiores, sendo que a escola exerce papel
fundamental nesse processo, possibilitando às crianças acesso a
conteúdos não cotidianos e essenciais para o seu processo de
desenvolvimento e humanização.
É importante enfatizar que muitas dificuldades foram
encontradas ao longo do processo de intervenção, pois o
pesquisador não tem o controle absoluto sobre a realidade, pelo
contrário, muitas vezes precisa admitir o quanto seu planejamento
precisa ser refeito, reelaborado, para dar conta da atividade
anteriormente pensada, fato bastante marcante ao longo da
pesquisa realizada, pois muitas vezes as atividades planejadas
foram reformuladas no momento de sua execução, fato que requer
do pesquisador que realiza a pesquisa intervenção preparo e
competência para lidar com os imprevistos próprios da realidade
concreta presente na escola (p.138-139).
No entanto e apesar das dificuldades vividas ao longo da
pesquisa, sobretudo em decorrência do movimento próprio da
realidade, o qual foge ao controle do pesquisador, como salienta
Marx (2011), enfatizamos o quanto pesquisas de natureza
interventiva devem ser realizadas na escola, com objetivo de
tornar esse processo o mais objetivo e fidedigno possível, para que
os resultados dessas pesquisas configurem-se como
conhecimentos com objetividade social e, portanto, oriundos de
reflexão construída ao longo de uma práxis social científica e
educativa.
A autora finaliza as considerações enfatizando a importância
das práticas literárias no processo de desenvolvimento das
crianças desde os primeiros meses de vida e defende a
necessidade de práticas pedagógicas contextualizadas na escola

177
de educação infantil, em que o momento da leitura e a contação
de histórias sejam valorizados como momento essencial do
desenvolvimento do psiquismo das crianças e, portanto,
imprescindível ao processo de humanização desses sujeitos no
interior da escola numa direção genérica e universal.

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Paulo: Martins Fontes, 2009.

178
CAPÍTULO 8

OLHAR CRÍTICO SOBRE A AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA


EM PSICOLOGIA ATRAVÉS DA LENTE HISTÓRICO-
CULTURAL

Luis Henrique Zago

INTRODUÇÃO

Este capítulo tenta sintetizar as indagações e reflexões de


nossa dissertação de Mestrado finalizada no ano de 2016, em que
nos propusemos abordar a complexidade da construção de
diagnósticos referentes a problemas escolares. Fundamentamos-
nos na Teoria Histórico-Cultural. O foco da pesquisa foi entender
como os profissionais da psicologia constroem um diagnóstico
sobre os problemas escolares relacionados à atenção e propor
formas avaliativas que estejam em conformidade com os
postulados da teoria histórico-cultural. Assim, o objetivo foi
iniciar um estudo que aponte caminhos para um trabalho clínico
referente a problemas escolares que tenha embasamento em tal
teoria.
Entendemos que diagnósticos psicológicos são extremamente
complexos, a subjetividade não se presta a avaliações com a
mesma clareza e precisão alcançada pelos objetos estudados pelas
ciências naturais. Um estudo sobre diagnóstico resulta importante
por se constituir em uma reflexão sobre a cientificidade da
psicologia.
Percebemos que estudos sobre diagnósticos de problemas
escolares com fundamento na teoria histórico-cultural ainda são
reduzidos. Apesar disto, é possível constatar que as afirmações da
teoria conseguem alcançar uma compreensão que faz sentido a
prática, nossa pesquisa pode servir de base para a atuação clínica

179
em situações em que se é requisitada uma análise dos problemas
escolares.
Entendemos que uma análise dos problemas escolares é
importante porque, indubitavelmente, a educação é essencial à
formação do ser humano. O processo de ontogênese dos homens e
mulheres não se realiza sem a transmissão e apropriação pelas
pessoas dos conhecimentos produzidos pela humanidade ao
longo da história.
Considerando a importância da educação para a formação do
humano nos homens e mulheres, percebemos as escolas como
espaço privilegiado de humanização. Elas impactam
profundamente na constituição do sistema psicológico humano,
contribuindo para a formação da personalidade, da consciência e
das funções psicológicas superiores.
Como o desenvolvimento educacional e do sistema
psicológico se amalgamam, a psicologia, com seu arcabouço
teórico, tem muito a contribuir para um melhor encaminhamento
dos processos educativos.
Neste sentido a psicologia, enquanto ciência, tem se
esforçado para produzir conhecimentos que possam tornar mais
efetivos os processos educacionais, auxiliando com propostas que
incidem sobre reorganização do sistema educacional, as relações
no interior das escolas e no que se refere ao sofrimento psicológico
dos indivíduos.
Quanto ao que se refere ao sofrimento psicológico dos
indivíduos, a psicologia tem se esforçado para minimizar tais
situações e auxiliar os sujeitos na superação de seus conflitos
referentes às relações escolares e com a aprendizagem.
Para conseguir atuar de modo eficiente é essencial ao
profissional da psicologia que consiga realizar um diagnóstico dos
problemas que enfrenta nas escolas e com os alunos. O
diagnóstico é a base para a atuação do profissional, servindo de
ponto de partida para qualquer intervenção que ele venha a
realizar. Assim, uma reflexão sobre o processo de diagnóstico é de

180
suma importância para os psicólogos, às escolas que eles atendem
e os demais usuários do serviço.
Diagnósticos que simplesmente culpabilizam o indivíduo
podem conduzir a caminhos que longe de solucionar os
problemas, os agravam, maximizando com isso o sofrimento
psicológico.
Uma avaliação psicológica inadequada é fonte de inúmeros
transtornos e pode maximizar o sofrimento dos alunos. Assim,
nossa pesquisa objetivou auxiliar na construção de uma avaliação
diagnóstica que promova um direcionamento ao
desenvolvimento nas relações escolares.
Entendemos que diagnósticos que não considerem o processo
escolar não conseguem alcançar uma compreensão que direcione
o sofrimento para um sentido de vida e desenvolvimento no
interior das escolas. Nosso trabalho busca justamente considerar a
relação entre processos educativos, sofrimento psicológico e
desenvolvimento.
Partimos do pressuposto de que a teoria histórico-cultural
pode avançar nesta direção e assim, propugnamos a necessidade
de um diagnóstico que não se restrinja a questões de ordem
biológica e que trate o ser humano como ente biológico, histórico
cultural e que considere o processo de escolarização.
Considerando que utilizamos o materialismo histórico e
dialético como suporte filosófico para nossa pesquisa, não
podemos afirmar teses sem que estas sejam experimentadas na
realidade concreta e viva das pessoas.
Desta forma, nosso objetivo foi, por meio da teoria histórico-
cultural, realizar uma pesquisa que possibilite a construção de
diagnósticos de alunos com problemas escolares. Entendemos que
estes diagnósticos devem indicar caminhos para o
desenvolvimento humano no interior das escolas. Por
entendermos a pessoa em constante processo de
desenvolvimento, a elaboração de um diagnóstico que rotule e
classifique em rígidos padrões não é considerado. No entanto, o
diagnóstico em nosso entender e considerando os pressupostos da

181
teoria na qual nos embasamos se realiza em processo, ou seja,
durante toda a atividade terapêutica.
Dadas às considerações introdutórias acerca de nossa
pesquisa de mestrado, adentraremos abaixo nas concepções da
teoria histórico-cultural acerca da relação entre educação,
psicologia, diagnósticos e atividade terapêutica.

O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO E O DIAGNÓSTICO

Segundo Vigotski (1997), o método, entendido como caminho


seguido, se vislumbra como um meio de cognição que deve ser
determinado em todos os pontos pelo objetivo a que se direciona.
Por isso, a prática reestrutura toda a metodologia da ciência. Para
o estudo do desenvolvimento Vigotski (1997) propõe o método
genético causal. Por meio deste se buscaria: a) analisar processos
não coisas; b) buscar as causas não só a descrição; e c)
compreender os processos retomando sua gênese.
Desta forma, consideramos que para compreender os seres
humanos, bem como seu desenvolvimento e sistema psíquico,
devemos compreender a gênese de sua consciência e de seu
psiquismo.
Conforme indica Davidov (1988), a gênese do psiquismo se
encontra na realidade concreta em suas determinações históricas e
sociais, que, quando internalizadas por meio dos significados
sociais, constroem e transformam o psiquismo e consciência
humana. Assim podemos afirmar que para elaborar um
diagnóstico devemos levar em conta às condições de vida e,
principalmente, os processos de aprendizagem dos quais estes
sujeitos fizeram (ou não) parte.
Considerando o aspecto histórico e social, Souza (2016)
afirma ser importante estar atento ao dado de que o estudo do
fracasso escolar tem como um dos seus principais argumentos a
afirmação de que os problemas de aprendizagem recaem
principalmente sobre as crianças das classes econômicas menos
favorecidas. Sobre essas crianças são postas explicações que

182
justificam o fracasso por problemas psicológicos, orgânicos ou
econômico-culturais. Estas explicações denotam, quase sempre,
concepções preconceituosas a respeito do pobre e da pobreza no
Brasil.
Mello (2001) afirma que a tendência das classes dominantes é
reconhecer os pobres como diferentes e desiguais. Para a autora,
da desigualdade à inferioridade não há muita distância. A estes
que são vistos como diferentes e desiguais são impingidas
características desabonadoras, traços de caráter indesejáveis e um
potencial de violência que os torna menos humanos. Estas
características são assumidas como uma coisa em si, sendo
descontextualizadas e universalizadas para todo um grupo.
Segundo Souza (2010) desconsidera-se questões institucionais,
políticas, individuais, estruturais e de funcionamento presentes na
vida diária escolar que levam ao fracasso, mantendo os altos
índices de exclusão. Falta uma reflexão atinente ao processo de
escolarização.
Uma análise do processo de escolarização que não o abarque
como um todo complexo formado por múltiplos fatores, mas que
o aborde ou como uma questão individual, ou familiar ou
pedagógica não consegue produzir uma representação do real que
seja suficiente para garantir uma orientação na direção daquilo
que possa promover o desenvolvimento, não se rompe com uma
representação caótica do todo (Marx 2011).
Souza (2010) propõe uma discussão partindo de um novo
eixo de análise: o processo de escolarização, que é formado a
partir do estudo das condições objetivas concretas, que
possibilitam, ou não, que a escola cumpra as suas finalidades
sociais. Ao discutir este eixo da análise, Souza (2010, p. x)
explicita:

A concepção teórica que nos permite analisar o processo de


escolarização ― e não os problemas de aprendizagem ― desloca o
eixo da análise do indivíduo para a escola e o conjunto de relações
institucionais, históricas, psicológicas, pedagógicas e políticas que

183
se fazem presentes e constituem o dia a dia escolar. Ou seja, os
aspectos psicológicos são parte do complexo universo da escola,
encontrando-se imbricados nas múltiplas relações que se
estabelecem no processo pedagógico e institucional presentes na
escola. Consideramos tal concepção como uma ruptura com as
explicações anteriores sobre o fracasso escolar [...].

Com isso passa-se a considerar que a escola é o espaço em


que relações sociais e individuais se integram em um rizoma que
não pode ser compreendido de forma fragmentar e
descontextualizado. Destarte, segundo Souza (2010), a escola
passa a ser percebida como o lócus onde as relações sociais e
individuais se organizam em uma rede de relações complexas,
onde genericidade, particularidade e singularidade se produzem.
Nesta acepção, a queixa escolar apresentada ao psicólogo é apenas
um elemento de uma complexa rede de relações, que deve ser
considerada se há o desejo de se alcançar uma verdadeira
compreensão.
O psiquismo do indivíduo se constitui em um dos aspectos
do processo de escolarização, não devendo ser tomado como o
elemento central ou único, o que provocaria uma análise
empobrecedora do real. Vigotski (2009) afirma que mais
importante que os sentidos pessoais são as condições materiais
para a realização desses, considerar que o fracasso escolar seja
determinado por questões atinentes ao psiquismo individual sem
considerar o processo de escolarização é na verdade distanciar-se
da compreensão. Assim, não é possível uma compreensão da
subjetividade apartada da objetividade.
Saviani (1996) afirma que subjetividade e objetividade
encontram-se intimamente conexionadas em uma unidade
dialética de tal forma que é impossível compreender uma sem
considerar a outra. Entendemos que a subjetividade é composta
pelas relações que o sujeito estabelece, desta forma, é possível
compreender as relações pela análise da subjetividade. Assim,
concepções que afirmam que o aprofundamento resultaria em um

184
afastamento da perspectiva de conjunto seriam encaradas como
equivocadas.
Toda existência humana apresenta um lado subjetivo e outro
objetivo conexionados em uma unidade dialética. Os homens e
mulheres são os agentes construtores de sua existência e, a esta,
imprimem um sentido pessoal, mas o fazem partindo de
circunstâncias dadas, objetivamente determinadas. Temos que
considerar que as individualidades se fazem socialmente e que as
condições para a satisfação das necessidades e para a solução dos
problemas individuais também são elementos dados socialmente.
Ademais, mesmo que as questões referentes à escola devam
ser buscadas no processo de escolarização, o sofrimento
psicológico decorrente das relações escolares é vivido
individualmente. É o sujeito singular que sofre, ainda que a
vivência do sofrimento seja algo dado culturalmente e que as
condições da causa e solução do mesmo estejam presentes no
processo de escolarização. Propugnamos, em conformidade com a
teoria dialética, que o estudo da vivência singular do sofrimento e
de formas para conduzi-lo a uma direção de desenvolvimento
para o sujeito, seja revelador das relações presentes no processo
de escolarização. Consideramos que a singularidade, mediada
pela particularidade, é reveladora da genericidade.
Uma compreensão do sofrimento que não considere o
processo de escolarização, mas foque apenas em elementos de
ordem biológica ou, exclusivos do indivíduo, não indicaria
resultados na direção do desenvolvimento.
Desta forma, compreendermos a importância dos
diagnósticos para a realização do serviço de psicologia junto às
escolas e alunos é fator primordial, no entanto, Collares e Moisés
(2015) enfatizam que grande parte dos diagnósticos realizados
acaba redundando em prejuízo aos usuários do serviço. Segundo
as autoras os prejuízos decorrem de uma tendência nestes
diagnósticos à culpabilizar os indivíduos direcionando o
atendimento para uma postura de medicalização da vida.

185
A culpabilização dos indivíduos e a medicalização da vida
são consequência da lógica que conduz a elaboração dos
diagnósticos. Esta lógica assume como viés correto duas posições:
1) a afirmação de que o desenvolvimento é conduzido por
questões de ordem biológica e 2) a crença de que os problemas se
concentram apenas no indivíduo, que deve se adaptar à ordem
socialmente estabelecida para ser saudável.
Não desconsideramos que o ser humano é dotado de uma
estrutura biológica que pode adoecer, mas propugnamos uma
lógica que considera que nos humanos o biológico está
suprassumido ao social e ao histórico.
Na psicologia encontramos na teoria histórico-cultural a
consideração da suprassunção do biológico ao social. Apesar da
importância desta teoria para a educação não há muitos trabalhos
em língua portuguesa que realizem uma discussão de
diagnósticos de questões escolares com base nela e em seus
autores.
Com base em Facci (et al, 2007) podemos concluir que
questões que envolvam a produção de diagnósticos relacionados a
problemas escolares têm sido pouco estudadas por psicólogos
brasileiros e quando abordadas seguem predominantemente um
viés psicometrista. Com uma avaliação centrada na psicometria
não é possível alcançar a influência das condições históricas e
culturais no desenvolvimento humano, questão defendida pela
teoria histórico-cultural.
Ante a necessidade de desenvolver um diagnóstico dos
problemas escolares em conformidade com o que foi descrito
acima adotamos os procedimentos metodológicos que seguem.

PROCESSOS METODOLÓGICOS:

Sobre o método

Ao trilharmos um caminho na busca de produzir


conhecimentos, podemos assumir como rota o idealismo

186
combinado à lógica dialética ou formal ou então o materialismo
combinado à lógica formal ou dialética. Julgamos que reflexões
sobre este tema são de suma importância para a pesquisa. É
possível chegar sem conhecer o caminho, mas muito mais difícil e
arriscado. Ademais, entendemos não ser possível “servir a dois
senhores” ou caminhamos na direção estabelecida por um método
ou nos distanciamos dele no rumo do outro. Não é possível olhar
para o real de modo idealista e concomitantemente ser
materialista.
Alvaro Vieira Pinto (1979) afirma que a dialética pode ser
entendida em dois sentidos. Como lei da natureza, ou seja, como
forma de organização e funcionamento intrínseco a natureza e
como reflexão dos homens e mulheres sobre o real. Ao debruçar-
se sobre a realidade para estudá-la as pessoas subjetivam a
objetividade por meio da abstração, ao fazer isso elas podem
traduzir a realidade dialética em pensamentos. Nossa pretensão é
esta tradução.
Consideramos que o método escolhido não determina, mas
influencia os procedimentos de pesquisa a serem utilizados no
decorrer do processo de produção do conhecimento. Assim
pensar sobre o método já é trilhar o caminho da pesquisa.
A escolha do método envolve concepções políticas, éticas e a
visão de homem e mulher que se propugna. Ao escolhermos o
método materialista histórico e dialético o fazemos por enxergar
neste convergência com nossos projetos e ideais.
Tanto Marx (1985) quanto Hegel (2007) percebem que a
realidade não se mostra em sua completude imediatamente,
tornando necessárias formas peculiares de conhecimento como a
ciência e a filosofia. O aparente, percebido imediatamente e sem o
devido cuidado, pode dissimular ou mesmo ocultar relações
essenciais1. Comportamentos manifestos pelas crianças serão

1 Para Marx a essência são aqueles elementos que por sua primazia garantem a
existência de outros elementos que sem aqueles não existiriam, ou seja, a
essência das coisas é a matéria, uma vez que em última instância o sustentáculo

187
compreendidos de modo adequado apenas se forem considerados
em uma análise que vá para além do aparente. Um
psicodiagnóstico que pretenda compreender efetivamente o que
ocorre com as pessoas, deve considerar isto e buscar formas de
alcançar o que está para além do aparente. Ao discutir a relação
entre o salário e força de trabalho Marx (1985, p.625) explicita isso:

À forma aparente, 'valor e preço do trabalho' ou 'salário', em


contraste com a relação essencial que ela dissimula, o valor e o
preço da força de trabalho, podemos aplicar o que é válido para
todas as formas aparentes e seu fundo oculto. As primeiras aparecem
direta e espontaneamente como formas correntes de pensamento; o segundo
só é descoberto pela ciência." (os grifos são nossos)

É famosa a contenda de Hegel (2007) com os irracionalistas,


que consideravam a intuição um instrumento privilegiado do
conhecimento humano; para eles, o que era notado intuitivamente
já possuía valor de verdade, não existindo a necessidade de se
“esfalfar através de um longo caminho” como indicado por Hegel
e Marx. A impressão genérica e muitas vezes caótica obtida no
ponto de partida seria suficiente. Da seguinte forma Hegel (2007
p.24) expõe a concepção irracionalista:

Com efeito, se o verdadeiro só existe no que (ou melhor, como o


que) se chama quer intuição, quer saber imediato do absoluto,
religião, ser - não o ser no centro do amor divino, mas o ser mesmo
desse centro -, então o que se exige para a exposição da filosofia é,
antes, o contrário da forma do conceito. O absoluto não deve ser

de toda a vida, inclusive das ideias, é a materialidade. Como afirma Marx (2007
p.93) “A produção de ideias, de representações, da consciência, está, em
princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o
intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. (...) Os
homens são os produtores de suas representações, de suas ideias e assim por
diante, mas os homens reais, ativos, tal como são condicionados por um
determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercambio
que a ele corresponde, até chegar as suas formações mais desenvolvidas”.

188
conceptualizado, mas somente sentido e intuído; não é o seu
conceito, mas seu sentimento e intuição que devem falar em seu
nome e ter expressão.

Hegel (2007) e Marx (1985) julgam a posição dos


irracionalistas ingênua. Mesmo considerando que o fenômeno e a
essência são uma unidade, é evidente para estes filósofos que
imediatamente os fenômenos não podem revelar o ser das coisas.
No caso de um psicodiagnóstico são necessárias diversas técnicas
e a mediação de todo um conjunto de conceitos teóricos para se
alcançar a compreensão adequada do fenômeno. Goldman (1967
p.7) ao discutir o pensamento dialético vai ao mesmo sentido:

Partindo do princípio fundamental do pensamento dialético – isto é,


do princípio de que o conhecimento dos fatos empíricos permanece
abstrato e superficial enquanto ele não foi concretizado por sua
integração ao único conjunto que permite ultrapassar o fenômeno
parcial e abstrato para chegar a essência concreta, e, para chegar à
sua significação [...]

Para se conhecer efetivamente as coisas não basta se


contentar com a imediaticidade, esta revela muito pouco a
respeito dos objetos. Os fatos empíricos percebidos isoladamente
e imediatamente são o ponto de partida, o começo de toda
pesquisa, porém limitar-se a eles é impedir a possibilidade de
alcançar um conhecimento melhor elaborado e mais preciso o que
permitiria uma ação mais adequada às necessidades. Como
afirma Hegel (2007 p.27): “Quando queremos ver um carvalho na
robustez de seu tronco, na expansão de seus ramos, na massa de
sua folhagem, não nos damos por satisfeitos se em seu lugar nos
mostram uma bolota. Assim a ciência, que é a coroa de um
mundo do espírito, não está completa no seu começo”.
Imediatamente não conseguimos captar o elemento
constitutivo dos objetos e pessoas, que é justamente sua história.
A origem das coisas e das pessoas não está diante de nossos olhos,
precisamos reconstituí-la como detetives a partir das pistas

189
deixadas no presente. Afirmar a história como elemento
constitutivo significa defender que as pessoas e coisas não tem
apenas história, elas são a sua própria história, do contrário a
história não seria o processo que constitui, mas apenas o que
antecede. Isso seria um erro, pois neste caso, teríamos que afirmar
que o que antecede não tem relação de determinação com o que
sucede, o que evidentemente não tem sentido.
Considerar que as pessoas e coisas são a própria história é
admitir que o desenvolvimento se "auto-condiciona" ou "auto-
determina". O desenvolvimento é um processo histórico, e não
pode o processo histórico ser determinado por algo que não seja
seu próprio movimento. Evidentemente temos que considerar que
nessa determinação não são apenas nossas ações individuais que
contam, mas a integração e a união de diferentes elementos em
um todo, em um conjunto de relações que são síntese de muitas
determinações constituídas historicamente e que estão em um
movimento em que se contradizem constantemente.
A síntese não é o acabamento final, ela, que está sempre se
refazendo no decorrer da própria história, é a própria totalidade
concentrada, não de elementos isolados, somados, mas a
totalidade integrada de unidades dinâmicas que não podem
existir umas sem as outras. Destarte um psicodiagnóstico que
desconsidere o contexto em que a pessoa está inserida e que foque
sua análise no sujeito, como se este fosse um ente em si,
independente das relações que estabelece, está fadado a não
alcançar a compreensão.
Geralmente tendemos a julgar a realidade de modo
cartesiano, afirmando que as coisas estão em simples relações de
causa e efeito. Isto nos leva a separá-las e a pensar que se somos
assim, é porque seríamos o efeito final de uma relação de mão
única, em que o já constituído determina o que está no gerúndio,
o que seria uma simplificação limitadora da realidade. Não
estamos negando que as coisas tenham uma causa, o que existe
tem de surgir de algo que é, afinal o nada não pode vir a ser, o
que já era propalado por Parmênides (1996, p.21) em suas duas

190
vias da verdade a mais de dois milênios. O problema está em
considerar que a determinação se dá em uma relação em que um
objeto põe o outro sem ser por ele afetado.
Rubinstein (1960) afirma que relações de causa e efeito não são
suficientes para explicar os fenômenos da vida orgânica, pois neste
campo uma mesma causa gera uma plêiade de efeitos distintos.
Afinal, o efeito de um estímulo depende do estado em que se encontra
interiormente o organismo. Destarte, a teoria histórico-cultural
pressupõe que as causas externas atuam por meio de condições
internas. Segundo Rubinstein (1960) esta formulação superaria a
antítese entre condicionamento externo e desenvolvimento
espontâneo interior possibilitando a explicação dos fenômenos
orgânicos, inclusive os psíquicos. Para o autor esta formulação deveria
constituir-se no núcleo central da teoria psicológica.
É considerando a concatenação entre os fenômenos externos
e internos que Rubinstein (1960, p.305) define a personalidade
como o conjunto global das condições internas necessárias a
regularidade dos processos psíquicos. Nas palavras do autor: “Na
explicação dos fenômenos psíquicos, quaisquer que sejam, a
personalidade se apresenta como um conjunto de condições
internas através das quais passam modificando-se todos os
excitantes externos".
Ademais, temos que entender que o fato de alguns elementos
serem causa de outros não os isola na relação com o que é
instituído. O novo, em necessária relação com o velho, pode
contribuir para manter, alterar ou mesmo elidir os elementos que
o causam. Nesta acepção o novo pode inclusive ser a causa do que
existia anteriormente a ele. Em virtude disto, torna-se
praticamente impossível estabelecer uma compreensão baseada
na causa e efeito linear e com um único sentido.
Por exemplo, é evidente que os professores influenciam seus
alunos, mas considerar que estes não constituem os professores
seria um engano. Neste sentido é a relação recíproca o elemento
ontológico por excelência. Assim, determinar quem é a causa,
quem o efeito depende da abrangência da análise realizada.

191
Devemos considerar, também, que o que produz efeitos agora, foi
ou ainda é causado por alguma coisa.
São comuns trabalhos de psicologia que tratam o indivíduo
como uma “monada”, afirmando que os homens e mulheres nas
suas relações são apenas objetos do pensamento ou da ação. Basta
a observação empírica simples para desbancar esta afirmação.
Quase nunca a ação humana tem por sujeito um indivíduo
isolado. Como afirma Goldman (1967 p.18) “O sujeito da ação é
um grupo, um ‘Nós’, mesmo se a estrutura atual da sociedade,
pelo fenômeno da reificação, tende a encobrir este ‘Nós’ e a
transformá-lo numa soma de várias individualidades distintas e
fechadas umas às outras.”.
As relações de causalidade se constituem em um processo
histórico. O que faz com que a compreensão da realidade
pressuponha uma investigação de como se processam ao longo da
história as mudanças qualitativas. Como já afirmamos a
realidade, como síntese de múltiplas determinações, não se revela
instantaneamente, com mera intuição, sua compreensão exige um
estudo genético-causal2 que deslinde a origem e anteveja as metas3
almejadas no caminhar. Segundo Delari Jr (2014)

A síntese só será produzida mediante processo de desenvolvimento


que se perfaz sempre no tempo, breve ou longo. Por isso a análise é

2 Considerando que uma relação de causa e efeito que pressuponha um ser


colocando outro sem por ele ser afetado é impossível, temos que afirmar que o
elemento ontológico prioritário é a relação. A causa efetiva das coisas passa a
ser a relação estabelecida entre os seres. Como a relação se dá no tempo, por
um processo histórico que a permite modificar-se, a explicação não é só causal,
mas genético-causal, com isso queremos afirmar que as causas são encontradas
na gênese, não na gênese do ser em si, mas na gênese das relações estabelecidas
entre os seres, mesmo que consideremos que é na relação e da relação que surja
o ser. Inclusive até os processos subjetivos mais íntimos continuam mantendo
as características de uma relação, pois agimos conosco como agimos com
outras pessoas, conversamos conosco (solilóquio), nos fazemos pedidos, nos
damos ordens, o que significa que ainda estamos em um processo de relação.
3 Optamos por utilizar a palavra meta em sua acepção grega que possui o sentido

de além de, à busca de e depois de.

192
"genético-causal". Cujos principais requisitos são: (a) tomar o objeto de
análise como "processo" e não "objeto" (no sentido de "coisa"); (b)
buscar sua essência e não deter-se apenas em sua aparência; (c) explicá-
lo por suas causas genéticas e não apenas descrever seus efeitos.

O movimento de constituição genético-causal dos homens e


mulheres é um processo de criação significativa e simbólica, que
leva a elaboração de sentidos sociais que são mediados pela
linguagem e pelas atividades. Destarte, passa a ser preponderante
à análise da linguagem e das atividades do sujeito. Para tanto,
assumimos a palavra como unidade de significado que torna
possível a análise da linguagem e a ação como unidade de análise
da atividade.
A análise destas unidades se dá por meio da reconstituição
do movimento de produção dos fenômenos e pelo estudo de sua
forma de existência. Ademais, buscamos entender como se dá a
sua múltipla inter-relação com outros fenômenos que possibilitam
a sua forma de ser.
Entendemos que para alcançarmos estas unidades devemos
promover o movimento das formas de ser. Assim, no decorrer do
processo de psicodiagnóstico desenvolvemos uma atividade com
o sujeito de nossa pesquisa, nesta observamos o surgimento de
novas formas objetivas de atividade prática e ideacional, que
foram demonstrativas de movimento, isto é, que indicaram que
ocorriam modificações, formação e transformação da forma de
existência do sujeito. Os produtos objetivados materialmente e
representados por meio das ideias e dos significados traduzem os
modos do processo social que levam à transformação cultural das
formas de ser. O alcance destas formas de ser é o que deve ser
buscado em um psicodiagnóstico.
Postulamos que a atividade social e cultural é mediadora da
transformação. Partimos do pressuposto da teoria histórico-
cultural presente nos “manuscritos de 1929” (Vigotski 2000), que
afirma que qualquer função do desenvolvimento cultural surge
em dois planos, primeiro no social e depois no psicológico,

193
inicialmente como categoria interpsicológica e depois como
elemento subjetivo. A passagem de fora para dentro transforma o
processo. Por isso, a investigação se dirige para a compreensão da
maneira como se apresenta o ser em suas relações no processo
educativo com as pessoas e conteúdos escolares.
Assim, nos propomos a usar como caminho para a
investigação o estudo dos processos constitutivos das funções
psicológicas superiores e da formação da personalidade,
elementos que norteiam a atividade vital dos indivíduos. Desta
forma estaremos na direção de produzir um diagnóstico que
esteja para além do aparente, da mera classificação de fenômenos
e que indique a formação das capacidades psicológicas dos
indivíduos, sendo o foco de interesse de um diagnóstico que
tenha por escopo auxiliar a pessoa em suas atividades escolares.
Segundo Davidov (1988), é possível realizar uma atividade
orientada a ensinar as funções psíquicas necessárias à
determinada forma de relações com a realidade, no caso as
relações presentes no processo educativo. Isto se processa por
meio do desenvolvimento de instrumentos e meios
psicopedagógicos elaborados especialmente para esse ensino, ou
seja, realizamos uma atividade intencional e dirigida para o
desenvolvimento de determinadas funções. Ao inserirmos a
pessoa nesta atividade tivemos a oportunidade de alcançar as
determinações genético-causais da neoformação psíquica.
Considerando, tal como afirma Leontiev (1981)4, que os
elementos provocadores5 em uma atividade são as necessidades,
buscamos duas coisas: 1) estruturar atividades que promovam o

4 Leontiev (1978) entende atividade como um conjunto de ações que se direciona


da necessidade para o objeto que satisfaz a necessidade. Para o autor este
movimento depende das condições materiais e meios existentes.
5 Entendemos que a necessidade é elemento provocador, mas de forma alguma
impulsionador da atividade. Para que uma atividade se realize são necessárias
condições materiais, afetivas e cognitivas, apenas a necessidade não é
suficiente para que ocorra o movimento em uma atividade.

194
surgimento de novas necessidades e 2) municiar os sujeitos das
condições suficientes para se colocar em ação na atividade.
Partimos do que o estudante já possui como capacidades
psicológicas, que Vigotski (2000) denomina de Zona de
desenvolvimento real, na direção da formação de um novo nível
de desenvolvimento necessário às tarefas que se deve cumprir nas
novas formas organizadas de atividades. Nesse sentido, buscamos
o desenvolvimento das funções psíquicas que estudamos e, por
isso, a atividade de psicodiagnóstico se configurou como uma
atividade de ensino, o que é coerente com uma atividade que tem
por escopo entender problemas relativos à relação entre o sujeito e
o processo educativo.
Postulamos que a necessidade, o objeto que a satisfaz e as
capacidades para manejar os recursos para caminhar na atividade
podem ser ensinadas e devem ser estruturadas no curso da
própria atividade de ensino. Neste sentido, a atividade de ensino
é à base do psicodiagnóstico. Isto significa que durante o processo
de psicodiagnóstico criamos uma situação de ensino que
demonstrou como o sujeito se desenvolveu em uma atividade,
qual capacidade possui e qual deve adquirir.
Respaldados neste aporte teórico/metodológico trilhamos o
caminho na busca de produzir um diagnóstico com base na teoria
histórico-cultural. Pressupomos que este diagnóstico foi mais
efetivo que os baseados na lógica formal por ser respaldado em
um conjunto teórico que habilita entender o aluno inserido nos
processos educacionais.
A atividade de psicodiagnóstico ora proposta se estruturou,
de forma geral, por cinco condições: 1) criação de atividades para
a resolução de problemas; 2) explicitação da unidade da atividade
naquilo que concerne à sua estrutura básica: necessidade, objetivo
geral, ações e operações com as suas respectivas finalidades
específicas; 3) ensino detalhado do uso dos meios, instrumentos e
conceitos; 4) levantamento da história de vida da pessoa que
enfatize fatos concretos atinentes ao problema estudado; 5)
observação da pessoa no espaço escolar.

195
Método de análise

Os processos de obtenção e organização dos dados foram


realizados com base nos postulados teórico-metodológicos já
enunciados. Cientes de que não conseguiremos abarcar a
totalidade da vida do sujeito, deliberamos centrar nosso olhar em
unidades de análise.
Consideramos que, segundo Vigotski (2000), a unidade é um
produto da análise mediada por conceitos, que possui todas as
propriedades que são inerentes ao todo e, ao mesmo tempo, são
partes vivas e indecomponíveis da totalidade. Muitos estudos em
psicologia e na educação dividem as funções psicológicas e
mesmo a vida da pessoa em elementos estanques. Ao dividir
desta forma perde-se o funcionamento e o movimento do sistema.
Propugnamos que a unidade deve preservar a dinâmica do
processo estudado, distanciando-se de uma concepção
mecanicista que entende que é possível dividir em elementos,
estudar cada um isoladamente e depois ir somando para ter o
todo.
Defendemos que um processo psíquico complexo é mais do
que a soma de elementos simples. Para compreendê-lo
necessitamos estudar a gênese e o desenvolvimento das funções
psicológicas, precisamos estudar o movimento de constituição e
não nos limitarmos a uma conduta já pronta, o que engendraria a
ilusão de que o que se desenvolve são elementos isolados e não a
pessoa na totalidade. Nossa opção por buscar unidades de análise
foi a tradução da tentativa de apreender o todo em uma unidade.
As unidades de análise são produto da nossa atividade de
abstração e refletem o rizoma de relações que dão forma e sentido
ao que é pesquisado, o que faz com que o diagnóstico apresente-
se como um conjunto específico de formas sociais de existência.
Destarte, os objetos de análise são considerados como fatos que
não representam em si mesmos uma verdade absoluta pronta e
acabada a ser alcançada. Este postulado nos distancia de uma
visão positivista que defende a neutralidade do pesquisador em

196
relação aos objetos de pesquisa, e nos aproxima da consideração
de que os fatos traduzem a ação do pesquisador fundamentada
em um sistema conceitual sobre a realidade pesquisada.
Vigotski (2009) considera que no trabalho de pesquisa não
devemos buscar o fato real em si, mas abstrações da realidade que
são realizadas por meio da mediação e organização lógica de um
sistema teórico, que em nosso caso foi a teoria histórico-cultural.
Por meio deste processo de abstração selecionamos as unidades
de análise.
Unidades de análise referente aos sujeitos:
a. Durante a atividade realizada nossas unidades de análise
serão as ações dos sujeitos. Estas serão analisadas em
operações, finalidades, meios e instrumentos constituídos por
significados e sentidos que norteiam a prática.
b. Na análise da comunicação os meios e instrumentos da
linguagem como a palavra, os gestos e sinais de expressão e a
enunciação sintetizam-se no significado como a unidade de
análise. Pode ser decomposto em sentido social e sentido
pessoal de orientação das ações.

A atividade de ensino

Vigotski (1995), ao discutir o processo de análise praticado


pela psicologia, esclarece que nossa relação com o real é mediada
por significados e ferramentas. Em experiências que ele realizou
com crianças, pôde constatar que é possível a pessoa aprender
novos significados e se apropriar do uso de novas ferramentas;
esta apropriação altera qualitativamente a relação afetiva do
sujeito com o real. Postulamos que o ensino pode levar a formação
de novos modos de significações e ao domínio de novas
ferramentas que orientem as ações do sujeito.
Este processo de ontogênese, que ocorre por meio das
relações que o sujeito estabelece ao longo da vida, habilita a
pessoa a atuar sobre o real transformando-o, com significados e

197
ferramentas, na direção do que satisfaz suas necessidades, que
entendemos como motivo da atividade.
Consideramos que o trabalho de diagnóstico deve reproduzir
o processo de ontogênese. Assim, ao longo do mesmo, há que se
vivenciar processo que promova o desenvolvimento das
capacidades de orientação psicológica do sujeito, para a
transformação das condições de atuação social, permitindo, assim,
a possibilidade de superação das situações geradoras de
sofrimento psicológico do mesmo.
Marino Filho (2015) afirma que o processo de ontogênese
ocorre em conformidade com a estrutura das atividades sociais do
sujeito e no processo de significação da personalidade. Segundo o
autor, se empreendermos análises guiadas por estas ideias,
compreenderemos que a história do sujeito está inserida em
atividades sociais que são marcadas pela significação
desenvolvida em sua particularidade e com sentidos pessoais que
estruturam o seu comportamento em relações que podem ser
conflituosas e provocadoras de sofrimento psicológico.
Consideramos que para lidar com os objetos, construídos
pelos humanos por meio do trabalho, as pessoas necessitam
dominar elementos que não são dados hereditariamente. O
domínio destes elementos aumenta o poder humano sobre a
natureza e si próprio. A aprendizagem do uso destes elementos
pressupõe a construção de uma representação mental da
realidade, que é necessária à orientação das ações.
Com base nas afirmações de Vigotski (2006), propomos uma
atividade diagnóstica que reproduza o processo de ontogênese.
Consideramos a que se acompanharmos uma atividade que
promova este processo conseguiremos diagnosticar os caminhos
do desenvolvimento da pessoa e identificar limitações e
potencialidades.
A atividade diagnóstica que realizamos se organiza em três
eixos: 1) elaboração de atividades para a resolução de problemas;
2) estudo das unidades da atividade naquilo que diz respeito à
sua estrutura, ou seja, estudo da necessidade como elemento

198
provocador, objetivo geral como condição norteadora da
atividade, ações e operações com as suas respectivas finalidades;
3) ensino do uso dos meios, instrumentos e conceitos necessários à
execução da atividade.
Assim, desenvolvemos uma atividade que exigiu da criança
desenvolvimento. Conforme a criança se movimentou nesta
atividade, fomos tomando notas que serviram de base para a
construção do diagnóstico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento de finalização do trabalho, buscar-se-á tecer


algumas considerações a respeito da temática perscrutada. Nosso
objetivo foi iniciar um estudo com a finalidade de apontar
caminhos para um trabalho clínico em psicologia referente a
problemas escolares que tenha embasamento na teoria histórico-
cultural. Neste sentido partimos do pressuposto de que os
indivíduos estão em constante processo de desenvolvimento, o
que inviabilizaria a construção de um diagnóstico que rotulasse e
classificasse a pessoa em rígidos padrões. O diagnóstico em nosso
entender se realiza durante o processo de intervenção junto ao
psicólogo, afinal, no decorrer deste, que o indivíduo vai se
reorganizando e resignificando suas atividades, relações sociais e,
consequentemente, poderá reorganizar sua vida diante dos
processos de ensino-aprendizagem na escola.
Na atualidade ocorre uma patologização da vida que esta
calcada em diagnósticos que tentam estabelecer limites às pessoas
e seu desenvolvimento, em nome de um controle (muitas vezes
químico), dos corpos e dos comportamentos, para a conformação
dos indivíduos ao sistema social.
Muitas vezes idiossincrasias dissonantes do significado social
imposto, são taxadas como patológicas, não se permitindo um
desenvolvimento que tente harmonizar o sentido pessoal ou que
considere o questionamento ao estabelecido. Para que uma
criança consiga continuar desenvolvendo suas atividades na

199
escola, torna-se necessário que ela consiga coadunar o sentido
pessoal da sua existência aos significados sociais, se isso não
ocorre temos um conflito que impede o movimento de
aprendizagem e desenvolvimento humano.
Segundo Werner Junior (1997) muitas vezes a avaliação
diagnóstica é limitada pelo uso de paradigmas científicos
advindos das ciências naturais, que não dão conta da
complexidade do comportamento e do sistema psicológico
humano. Compreendendo que o ser humano não deixa, em nada,
de ser biológico, mas que seu biológico é, em tudo, social,
necessitamos de uma forma de compreensão que considere como
integrados em unidade dialética o natural e o histórico cultural.
Os postulados defendidos pela teoria histórico-cultural estão em
consonância com isso, uma vez que consideram que os seres
humanos são filogeneticamente e ontogeneticamente resultado de
suas relações sociais, históricas e culturais.
Considerando que os seres humanos são resultantes de suas
relações, Vigotski (1997) indicará um diagnóstico que não seja
centrado na análise de elementos isolados, mas de processos que
se dão na relação entre elementos. A análise passa a ser a busca de
explicações capazes de desvelar as relações dinâmico-causais de
comportamentos em processo de desenvolvimento. Neste sentido,
a abstração passa a ser de relações essenciais e não apenas de
elementos, sendo que a abstração não tem por objetivo a formação
de um conceito vazio de significado e que esteja isolado da
realidade em que se insere o sujeito. Um conceito que não consiga
apontar algo atinente às singularidades não é capaz de romper
com uma representação caótica do todo.
Entendendo que o desenvolvimento se dá nas relações,
assumimos como ponto de partida teórico, para a análise dos
comportamentos do sujeito de nossa pesquisa, a concepção de
Vigotski (2009) atinente aos processos psíquicos superiores,
segundo a qual as funções do desenvolvimento aparecem
inicialmente na relação da criança com outras pessoas (plano
interpsicológico) e, nesta relação acabam sendo interiorizadas pela

200
criança (plano intrapsicológico). Esta percepção motivou uma
compreensão que não desconsidere a pessoa como parte de um
contexto de relações.
Segundo Werner Junior (1997) a atenção e a ação voluntária,
diversamente do que propalado pelos paradigmas mecanicistas e
organicistas, devem ser consideradas em sua dimensão semiótica
uma vez que os signos desempenham papel constitutivo no
comportamento humano, ou seja, a atenção e as demais funções
psicológicas superiores, no processo de ontogênese humana, estão
atreladas a sentidos e significados socialmente estabelecidos. Isto
inviabilizaria uma análise das ditas funções que considerasse
apenas a dimensão biológica.
Nesta acepção uma análise que se foque apenas no indivíduo
também não seria coerente. Temos que considerar os sentidos
pessoais, mas não esquecer de que tais sentidos vinculam-se a
significados sociais. Ademais, mesmo os sentidos pessoais são
resultantes das relações socialmente estabelecidas. Assim, nossa
avaliação desloca-se de uma análise do indivíduo para um estudo
das interações e processos interpsíquicos construídos socialmente.
Para tanto buscamos empreender uma avaliação da queixa
apresentada pelos pais, a criança e a escola; realizamos uma
análise da história do desenvolvimento da criança; buscamos
avaliar as necessidades da criança e os meios utilizados para
satisfazê-las, assim como as condições nas quais a criança estava
inserida e, por fim, investigamos as causas dos comportamentos
da criança.
Com essa avaliação, tentamos alcançar quais as necessidades
que acicatam as ações do indivíduo com quem trabalhamos (o que
com base em Saviani (1996), entendemos como o problema) e
também, os fins para onde se direcionavam as ações. Neste
sentido buscamos o sentido teleológico das ações, inserindo-as em
uma atividade.
Apesar de considerarmos os objetivos elementos importantes
na atividade, defendemos que a identificação do fim e do
problema, não é causa suficiente para a compreensão das

201
atividades e comportamentos do sujeito. A regulação do
comportamento no processo da atividade não é dada apenas pelo
que se acredita que satisfará a necessidade. Nas palavras de
Vigotski (2009):

Mas a existência do objetivo e da tarefa ainda não garantem que se


desencadeie uma atividade efetivamente voltada para a vida e que
essa existência não tenha a força mágica de determinar e regular o
fluxo e a estrutura dessa atividade. A experiência da criança e do
adulto é povoada por casos em que problemas não resolvidos ou
mal resolvidos em dada fase do desenvolvimento, objetivos não
atingidos ou inatingíveis, surgem diante do homem sem que isso
garanta seu êxito. É evidente que quando explicamos a natureza de
um processo psicológico que redunda na solução do problema,
devemos partir do objetivo, mas não podemos nos limitar a ele.

Neste sentido, além de buscar o problema e a causa


teleológica, tentamos alcançar a compreensão dos meios através
dos quais se realizam as atividades e as operações psicológicas.
Entendemos que os objetivos não são suficientes para a explicação
do processo. Se considerarmos o processo de desenvolvimento,
temos que uma avaliação deve ser principalmente, prognóstica,
indicando os caminhos para os quais se direciona o
desenvolvimento humano e quais as suas possibilidades sociais,
históricas e culturais.
A atividade do indivíduo só é compreendida se
considerarmos os meios que são utilizados nesta, inclusive os
meios para o domínio da própria conduta. Segundo Vigotski
(2009) todas as funções psíquicas superiores têm como traço
comum o fato de serem processos mediados. Em suas palavras
“(...) [as funções psíquicas] incorporam à sua estrutura, como
parte central de todo o processo, o emprego de signos como meio
fundamental de orientação e domínio nos processos psíquicos”
(Vigotski, 2009, p.162).
Os meios, signos entre eles, só são compreendidos se
inseridos em uma atividade que comporte necessidade e

202
finalidade. Uma avaliação a nosso ver, deve ordenar
necessidades, finalidades e os meios utilizados para a obtenção
dos objetivos. Organizada desta forma, a avaliação possui
condições de superar uma visão mecanicista ou biologizante, que
encerra a pessoa em rígidos padrões e que não a compreende em
processo histórico-social de desenvolvimento.
Nosso modo de proceder à avaliação vai de encontro ao
proposto pelo DSM, ou seja, nos confrontamos com tal modelo
diagnóstico. Percebemos que, ao realizarmos uma avaliação como
a proposta pelo DSM, encontraremos nos sujeitos, sinais
compatíveis com o diagnóstico definido para o TDAH ou outra
psicopatologia, no entanto, consideramos que os sinais indicativos
utilizados pelo DSM para classificar a pessoa, não são suficientes
para afirmar a existência de um transtorno ou doença.
A avaliação com base no DSM não realiza abstração de
relações, mas dos elementos das relações, isolando
comportamentos de seus objetivos e entendendo-os como fim em
si mesmos e por isso chega ao diagnóstico de TDAH, mas isto não
é suficiente para compreender o indivíduo na sua totalidade
biológica, histórica e social. Seguindo as diretrizes diagnósticas do
DSM, afere-se sinais por meio de constatação empírica, esses são
simples descrições comportamentais, que são percebidas sem a
consideração do significado que venham possuir para o
indivíduo. Com base em um critério quantitativo destes sinais,
chega-se ao diagnóstico.
Em nossa avaliação, planejada e efetivada numa perspectiva
histórico-cultural, inserimos os comportamentos em um contexto
de relações que consideram as ações do sujeito em função de uma
finalidade. Entendemos que essas ações se ligam aos meios
desenvolvidos pelo indivíduo para alcançar seus objetivos.
Destarte, os comportamentos são consequência dos meios que o
indivíduo possui para, nas relações com os outros, alcançar os
objetivos pretendidos e não decorrentes de patologia ou
transtorno.

203
Observamos que os sinais indicativos de TDAH, conforme
aponta o DSM, são, na verdade, consequências das relações que o
indivíduo estabelece com os outros e não, indicativos de um
transtorno ou doença, menos ainda, de uma dificuldade de ordem
biológica inerente a ele.
Ao questionarmos o diagnóstico pautado pelo DSM,
encetamos discussão atinente à capacidade destas avaliações de
auxiliar a minorar o sofrimento dos indivíduos. Segundo Werner
Junior (2010) este tipo de avaliação acaba levando a prescrição de
medicamentos, que longe de resolver, podem agravar a situação
da criança:

Em seguida, independentemente dos critérios utilizados para o


diagnostico, o psiquiatra, utilizando-se de um outro tipo de
informação empírica – que não tem, necessariamente, relação direta
com a complexidade comportamental envolvida nos sinais de TH
(transtornos de Atenção e Hiperatividade), ou com qualquer
etiologia ou mecanismo fisiopatolótigico comprovado – prescreve
psicofármacos (em geral estimulantes) que temporariamente e
sintomaticamente podem, em um percentual significativo de casos,
simplesmente diminuir a manifestação de determinados
comportamentos, sem acrescentar conhecimentos sobre o sujeito ou
apresentar, estatisticamente, efeitos positivos a médio e a longo
prazo. (Werner Junior 1997 p. 197) 208

Por fim, as discussões ao longo desta pesquisa pretenderam


questionar o modus operandi dos diagnósticos feitos com base na
lógica formal tal como o proposto no DSM, com isso buscamos
refletir criticamente sobre a cientificidade de métodos que se
pautam nesta lógica. Almejamos, também, encaminhar uma
discussão que considere as contribuições da teoria histórico-
cultural como forma de atuação no trabalho clínico e voltado à
compreensão e intervenção junto a crianças e jovens que
vivenciam dificuldades no seu processo de educação escolar.

204
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206
CAPÍTULO 9

IMPLICAÇÕES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PARA O


PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
CONCEITUAL

Vinicius dos Santos Oliveira

INTRODUÇÃO

O propósito deste texto é apresentar os resultados de uma


pesquisa de Mestrado em Educação, que teve como objetivo
analisar a importância dos conhecimentos científicos e respectivos
conceitos para o processo de desenvolvimento do pensamento
conceitual nas aulas de língua portuguesa do ensino fundamental.
A pesquisa foi realizada em uma escola de ensino fundamental do
interior do estado de São Paulo. Teve como base os pressupostos
da teoria histórico-cultural de desenvolvimento humano.
A seguir apresentaremos uma síntese da pesquisa realizada.
Iniciaremos pelos capítulos de fundamentação teórica e
posteriormente apresentaremos os dados apreendidos da
realidade escolar e das intervenções, para ao final apresentar
nossas considerações sobre os resultados.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A teoria histórico-cultural compreende o homem como um


ser de natureza social sem excluir as questões biológicas no
desenvolvimento humano. A atividade de trabalho é central no
desenvolvimento da espécie, pois foi a partir dela e em
coletividade que o homem alcançou o desenvolvimento de
funções mentais especificamente humanas. Portanto, o homem,

207
segundo Leontiev (1978), desenvolve-se a medida em que vive em
coletividade.
O trabalho, segundo os autores da teoria histórico-cultural,
que tem suas raízes no materialismo histórico e dialético de Marx,
garante que o homem se desenvolva produzindo instrumentos e
modificando a natureza, enquanto os demais animais não a
modificam, mas sim se adaptam a ela. Já o homem adapta a
natureza às suas necessidades.
A atividade vital humana, o trabalho, foi ao longo do tempo
se complexificando, a ponto de haver uma divisão na organização
desta atividade. Isto posto, o homem passa a ter uma nova
necessidade que é a de comunicação com seus pares. Sendo assim,
surge no homem a possibilidade de comunicação por meio da
linguagem. Essa, por sua vez, é composta por signos. E é pela
mediação dos signos ou palavras convertidas em conceitos que os
homens constituem sua cultura e sua história social.
Nesse ínterim, as funções psíquicas elementares do
psiquismo, suportadas pela base material, biológica do cérebro,
começam, no homem, a se complexificar, avançar e, assim,
diferencia-lo dos demais animais. Tais funções mentais são
responsáveis, afirma a teoria histórico-cultural, por formar a
representação subjetiva da realidade objetiva. Essas funções são
sensação, percepção, atenção e memória sendo elas responsáveis
por formar tal representação. Pensamento, linguagem e
imaginação como funções responsáveis por organizar e dar
significado a representação ou imagem da realidade. E as funções
de emoção e sentimento ficam responsáveis pela conferência de
um caráter subjetivo à formação da imagem (MARTINS, 2013).
Cada função tem o seu papel, porém não tem finalidade fora
do sistema como um todo. Nos limites de um artigo apenas caberá
citá-las muito brevemente. À sensação cabe a função de captar os
estímulos da realidade interna e externa ao sujeito. Quanto ao
papel da percepção, é o de realizar a identificação de tais
estímulos. Para a atenção cabe o papel de selecionar eventos e

208
estímulos. Já a memória armazena tais estímulos captados
(MARTINS, 2013).
O pensamento, alvo de discussão neste artigo, a linguagem e
a imaginação são responsáveis pelo processo de significação da
imagem do real, captada, identificada, selecionada e armazenada
pelos processos supracitados. A linguagem é o sistema de signos
graças ao qual podem se formar os conceitos, que, por sua vez,
qualificam o pensamento.
O pensamento, segundo Vygotski (2014), estrutura-se em três
etapas de desenvolvimento, cada qual se subdivide em novas
fases. O primeiro estágio do pensamento, rumo ao pensamento
conceitual, é o pensamento sincrético, o segundo é o pensamento
por complexos e, por fim, chega-se ao pensamento em conceitos.
O pensamento sincrético, afirma Vygotski (2014) é
caracterizado por amontoamentos desorganizados de estímulos e
associações. Ele passa pelas etapas de ensaio e erro, pelo momento
de organização do campo espacial e por um subagrupamento
desorganizado de estímulos. Nesse momento o pensamento passa
por um período de “coerência incoerente”, o que significa dizer
que internamento faz sentido à criança, o que para o adulto que
pensa por conceitos, não faz.
Quanto ao pensamento organizado em complexos, Vygotski
define cinco complexos, quais sejam complexo associativo,
complexo coleção, complexo cadeia, complexo difuso e os
pseudoconceitos.
O primeiro tipo de complexo é o associativo. Ele tem como
característica as conexões associativas entre determinados traços
que a criança consegue reconhecer como comum entre os objetos,
como, por exemplo, cor, forma e tamanho, categorias que se
tornam o núcleo do complexo associativo construído pela criança
(ANJOS, 2013; MARTINS, 2012).
O autor assevera que, neste período, a criança encontra
características comuns e concretas entre objetos e os selecionam
como partes de um mesmo grupo, de um mesmo complexo
familiar. Tal afinidade é sempre real e concreta entre todos os

209
objetos do complexo e constitui-se o núcleo dessa forma de pensar
da criança.
O segundo complexo, é concebido como complexo coleção,
sua característica essencial é combinar objetos e impressões
concretas sobre as coisas, em forma de grupos específicos. Difere-
se do complexo associativo, pois os objetos incluídos na coleção
não possuem os mesmos atributos (VYGOTSKI, 2014).
O pensamento por complexo coleção se baseia nas relações
entre um objeto principal e demais objetos complementares, ou
seja, função principal e funções complementares de determinados
objetos, como por exemplo, um copo, um prato e um garfo podem
formar um complexo por coleção, pois tem relações
complementares, situação que foi elaborada pela criança, pois
apreendem a função e utilização com a experiência prática e
visual. (ANJOS, 2013; MARTINS, 2012)
Segundo Vygotski (2014), o complexo coleção acontece
levando em conta a funcionalidade dos objetos. O autor afirma
que a coleção não se dá por semelhança simplesmente, como na
fase anterior do pensamento complexo por associação, mas sim,
por complementariedade dos objetos, como por exemplo, um
conjunto de objetos como faca, garfo e prato, que não têm formas
e nem cores iguais, juntam-se no pensamento da criança como
sendo da mesma coleção, do mesmo grupo funcional.
Essa forma de pensar se compõem sob a base das conexões
visuais e práticas entre os objetos. “[...] Poderíamos dizer que o
complexo-coleção é a generalização de coisas sob a base de sua
coparticipação em uma mesma operação prática, sobre a base de
sua colaboração funcional” (VYGOTSKI, 2014, p. 142). Neste caso,
a criança passa a compreender a relação das coisas pelas suas
funções e não mais apenas por traços semelhantes.
Quanto o complexo em cadeia, terceiro tipo, é caracterizado
por formar-se com base no princípio da união dinâmica e
sequencial das elaborações individuais em forma de cadeia. É a
modalidade mais pura do pensamento em complexos, pois o
vínculo existente está na medida em que é possível estabelecer

210
aproximações baseadas em fatos comuns entre os objetos.
Contudo, o final de cada cadeia pode não haver nada em comum
quando do começo das encadeações. O pensamento por complexo
cadeia adquire um caráter indeterminado, difuso, instituindo-se
por conexões altamente variáveis, porém mais elaboradas e que
prosseguem em direção à abstração acerca dos objetos por meio
do significado das palavras e sua ampliação no pensamento da
criança. (ANJOS, 2013; MARTINS, 2012).
O quarto momento do pensamento em complexos é nomeado
por Vygotski de complexo difuso. Sua característica é a formação
de um tipo de família de coisas. Há neste complexo, a
possibilidade de agrupar novos objetos concretos no grupo
principal. Estes grupos de objetos são formados por conexões
difusas e indefinidas.
O avanço desta etapa é significativo em relação às anteriores
pelo fato de que as generalizações instituídas pelo pensamento
superam a exclusividade das esferas do pensamento visual
prático. Isso põe em evidência o quanto a criança tem se
apropriado dos significados das palavras e das relações entre elas.
Esse momento tem como resultado conexões entendidas pela
criança a partir de relações que se desdobram de outras relações,
ou seja, de um tipo de relações de “segunda ordem”. Assim como
os anteriores, os complexos difusos se formam nos limites das
relações visuais concretas e reais entre objetos singulares, seus
nomes e funções sociais. Porém, a criança consegue associar
aspectos diferenciados do seu conhecimento prático, fato que
resulta no estabelecimento de relações livres e baseadas em
atributos diferenciados (ANJOS, 2013; MARTINS, 2012).
Os complexos chamados de pseudoconceitos marcam a
última etapa do pensamento por complexos, que segundo
Vygotski (2014) marcam o elo da passagem do pensamento por
complexos para o pensamento conceitual propriamente dito. Em
seu aspecto externo, o pseudoconceito é semelhante ao conceito
verdadeiro, porém no que se refere ao seu aspecto interior, é
ainda, na realidade, um pensamento por complexos, pois sua

211
estrutura lógica não se fundamenta em um sistema lógico
abstrato, como deve ser o pensamento conceitual.
Vygotski (2014) aponta que as generalizações feitas pela
criança não ultrapassam a fusão dos objetos reais aos quais tem
acesso, sendo assim, a lógica interna dos pseudoconceitos, ainda
reside nos traços concretos do objeto. Para avançar no
desenvolvimento do seu pensamento e passar a dominar os
conceitos, são necessárias as abstrações.
Os conceitos surgem legitimamente, somente quando as
características dos objetos são sintetizadas novamente e a síntese
abstrata se torna o principal instrumento do pensamento, fato que
implica pleno domínio do significado das palavras que definem
os objetos, suas funções e relações com outros objetos na
sociedade (VYGOTSKI, 2014).
Para Vygotski (2014), há uma coincidência entre o conceito e
o pseudoconceito, que é externa, que possibilita a conversa entre
crianças e adultos. Esta coincidência dificulta a investigação, pois
fica difícil compreender se a criança que dialoga, por dominar as
palavras aprendidas socialmente, com o adulto, está realmente
pensando em conceitos ou não.
Reconhecer a linha que separa um conceito de um
pseudoconceito é extremamente difícil e praticamente inacessível
por meio de análise formal e fenotípica, pois externamente são
equivalentes e semelhantes. Neste caso, os pseudoconceitos são
ponderados como a forma mais extensa do pensamento por
complexos e, poderíamos dizer, a fronteira da passagem para o
pensamento conceitual verdadeiro. Os pseudoconceitos são
chamados de equivalentes funcionais dos verdadeiros conceitos
(VYGOTSKI, 2014).
Vygotski (2014, p.164) ainda afirma que no pensamento dos
adultos permanecem os pseudoconceitos. Visto que a fase dos
pseudoconceitos finaliza o ciclo de pensamento infantil por
complexos, mas não se exclui com o advento da possibilidade do
pensamento conceitual.

212
Por fim, ao abordarmos as diferentes formas de pensamento
estabelecidas pela criança até chegarmos ao pensamento por
conceitos, queremos salientar que sempre existe uma relação
dialética entre um estágio do pensamento e o outro subsequente.
Não podemos, de forma alguma, compreender o
desenvolvimento do pensamento e suas diferentes etapas de
forma estanque e separada, assim como não podemos limitar
nossa compreensão de desenvolvimento há determinadas faixas
etárias, pois, como apregoa a teoria vigotskiana, o ser humano se
desenvolve em processo, desde que criadas as condições sociais,
históricas e culturais para esse desenvolvimento, o qual,
espontaneamente e fora do seio da sociedade humana, não
aconteceria.
Vigotski (2014) assinala que a passagem da fase de complexos
para a fase do pensamento em conceitos, dá-se de forma
imperceptível para a criança e para quem a rodeia, pois os
pseudoconceitos, na prática, combinam com os verdadeiros
conceitos dos adultos e confundem-se com o pensamento
conceitual, como já salientamos.
Segundo Vygotsky (1995, p. 124), “descobrir a complexa
relação entre o ensino e o desenvolvimento dos conceitos
científicos é uma importante tarefa prática” e, consequentemente,
importante tarefa no processo de construção do pensamento por
conceitos na escola. O mesmo autor aponta que a ciência, a arte, a
filosofia e as diversas esferas do conhecimento somente poderão
ser assimiladas de maneira profunda por meio dos conceitos e,
reiteramos, a escola e o professor tem função primordial nesse
processo.
Por meio do conceito científico, o indivíduo consegue refletir
sobre o que não está ao alcance dos conceitos cotidianos e com
isso pode alcançar a essência do objeto ou fenômeno cultural.
Nisto consiste a importância da educação escolar, como temos
defendido, tendo em vista que o professor na escola deve ter um
papel essencial no processo de mediação entre os conceitos

213
espontâneos e os conceitos científicos (VYGOTSKI, 2014; ANJOS,
2013).
Para que ocorra a assimilação dos conteúdos dos conceitos,
há a necessidade de uma transmissão prévia destes conteúdos
mediada por outro indivíduo que já se apropriou de tais
conceitos. Assim sendo, “o domínio dos conceitos científicos pela
criança é produzido pela educação escolar, isso reforça ainda mais
a importância da escola como mediadora entre o cotidiano e o não
cotidiano na formação do individuo” (ANJOS, 2013, p. 88)
A formação do pensamento conceitual envolve um longo e
complexo processo de constituição de abstrações, formadas
através de generalizações decorrentes da análise das
características dos objetos representados pelos conceitos
cotidianos. Tal processo tem longa duração, iniciando-se na
infância e efetivando-se na adolescência, quando o pensamento
pode alcançar as possibilidades para agir por meio dos conceitos
propriamente ditos ou científicos e, salientamos, desde que
criadas às condições de apropriação das palavras, dos
conhecimentos cotidianos e científicos, ou seja, desde que haja
condições objetivas de desenvolvimento do pensamento humano
nas suas diferentes possibilidades como afirmou Vigotski
(MARTINS, 2013).
Podemos concluir que pelo pensamento conceitual a
realidade pode ser refletida com mais profundidade, visto que
com o desenvolvimento dos conceitos científicos há
transformações nas operações lógicas do raciocínio,
especificamente das estruturas de generalização e abstração, fatos
que possibilitam ao ser humano avançar na direção de uma
compreensão mais fidedigna e das múltiplas determinações da
realidade (MARTINS, 2013).
O papel da educação escolar é fundamental quando se fala
em formação de conceitos como base para o processo de
desenvolvimento do pensamento como função psíquica superior.
A escola, segundo Saviani (2011) deve se ater em transmitir direta
e intencionalmente os conceitos dos conhecimentos clássicos e

214
científicos historicamente produzidos e sistematizados pela
humanidade.
Os conceitos científicos equivalem a um tipo superior de
conceitos em relação aos espontâneos apreendidos no dia a dia,
tanto em relação ao nível teórico quanto em relação ao prático.
Formula-se no pensamento por meio de articulações, de tarefas e
problemas que exigem uma atividade teórica do pensamento, por
isso, o ensino escolar, a aprendizagem voltada à formação de
conceitos científicos, assume uma importância sem precedentes
(VYGOTSKI, 2014).
Vigotski (2014) define que o curso do desenvolvimento dos
conceitos ocorre a partir de condições educacionais, ou seja, o
processo educacional, que é responsabilidade da escola, poderá
produzir o desenvolvimento dos conceitos, bem como das demais
funções psicológicas superiores a partir de uma colaboração de
professor para com a criança. Neste caso, o adulto professor,
auxilia a criança na aquisição dos conceitos.
Martins (2013) afirma no mesmo rumo que é papel da
educação escolar permitir ao estudante a apropriação e
assimilação dos conceitos científicos, os quais devem superar os
adquiridos cotidianamente. É função da escola possibilitar acesso
e apropriação do conhecimento sistematizado e vindos da
filosofia, das artes e das diferentes ciências construídas pela
humanidade. Neste caso, vimos que somente pela educação
escolar é possível que o pensamento se desenvolva no nível de
conceitos científicos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este item apresentará o aspecto prático da pesquisa em


questão. Como fundamento metodológico realização deste
estudo, baseamo-nos na Teoria Histórico-Cultural, bem como na
Pedagogia Histórico-Crítica, ambas enraizadas no Método
Materialista Histórico e Dialético. Foram realizadas observações
do contexto escolar juntamente com as atividades realizadas pelo

215
GEIPEEthc (Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em
Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural), que realiza
intervenções com crianças de ensino fundamental.
As intervenções ludo-pedagógicas do grupo ocorrem desde
2008, semanalmente com as crianças. Tais intervenções são
realizadas por alunos de graduação, mestrado e doutorado e são
coordenadas pelo professor doutor orientador desta pesquisa.
Após as primeiras observações, o pesquisador escolheu
observar uma sala de quarto ano mais de perto, para isso esteve
presente durante um semestre nas aulas de Língua Portuguesa. O
objetivo das observações das aulas foi identificar os conceitos
científicos veiculados em aula.
Posteriormente às observações, que foram registradas em
diário de campo, foram planejados dezesseis encontros de
intervenção visando cumprir o objetivo desta pesquisa já
supramencionado. Para as intervenções foram convidados 06
alunos. Todas as intervenções foram filmadas visando maior
compreensão e aprofundamento da análise dos dados.
Vygotski (2013) afirma que para investigar as características e
a estrutura do comportamento da criança é necessário desvendar
seus atos instrumentais e também, levar em consideração a
reestruturação das funções naturais que compõem tais atos.
Portanto, o método instrumental se propõe a investigar o
comportamento, a conduta e seu desenvolvimento por meio da
descoberta dos instrumentos psicológicos que estão implicados
nele e ao mesmo tempo, descobrir o estabelecimento da estrutura
dos atos instrumentais.
O método instrumental possibilita o estudo psicológico da
criança tanto os princípios quanto os procedimentos e para este
fim pode utilizar qualquer metodologia, ou seja, “qualquer
procedimento técnico de investigação: o experimento, a
observação etc.” (Vygotski, 2013, p. 101).
No caso desta pesquisa utilizamos a metodologia da pesquisa
com intervenções e observação participante. As observações
participantes, Segundo Felix (2013) possibilitam ao pesquisador

216
que parte da teoria histórico-cultural, adentrar ao ambiente
pesquisado para conhecê-lo e compreendê-lo a fundo em seu
movimento histórico, social e cultural, tornando-se, portanto,
condição imprescindível para o pesquisador materialista histórico
dialético estar no campo, adentrar a ele para compreender os
sujeitos que vivenciam a realidade nas suas complexas e
multideterminadas relações.
Bezerra (2015), pesquisadora do GEIPEEthc, aponta que
considerando a metodologia de pesquisa-intervenção materialista
histórico dialética efetivada pelo mesmo grupo de pesquisa, tem
sido histórica e coletivamente construída. O esboço deste tipo de
procedimento para a realização de pesquisas busca intervir na
realidade dos sujeitos participantes da pesquisa.
Participaram da pesquisa 06 alunos do quinto ano do ensino
fundamental de uma escola pública. Vale ressaltar que o
pesquisador acompanhou a turma durante o segundo semestre de
2015, ano em que os mesmos estavam no quarto ano. Dos 06
alunos participantes, 03 são do sexo masculino e 03 do sexo
feminino, todos com 10 anos de idade. A escolha dos alunos que
participaram da pesquisa foi realizada com base na presença
durante as observações, bem como por diferentes perfis em sala
de aula.
As intervenções foram realizadas na própria escola. Devido à
organização das atividades da escola, não houve uma sala
específica para que ocorressem os encontros, por isso a maior
parte deles foi realizada no pátio da escola, utilizando mesas do
refeitório.
Para a realização da pesquisa, o projeto passou pelo comitê
de ética em pesquisa da FCT-Unesp e pelo comitê de ética da
Secretaria de Educação do Município. Foram solicitadas as
devidas autorizações da escola e da Secretaria de Educação. Os
responsáveis pelos participantes assinaram ao termo de
consentimento livre e esclarecido e os participantes ao termo de
assentimento livre e esclarecido.

217
Importa ressalvar que durante todo o processo de coleta de
dados o pesquisador foi auxiliado, por alunas(os) da graduação e
do doutorado em educação, todos membros do GEIPEEthc e
orientados pelo orientador desta pesquisa.
Durante o segundo semestre de 2015, o pesquisador realizou
observações em sala de aula. As observações sistemáticas
ocorreram uma vez por semana durante a aula de Língua
Portuguesa, visando identificar os conceitos trabalhados pela
professora com os alunos. Tudo foi registrado em diário de campo
conforme previsto.
Das observações sistemáticas das aulas, pode-se afirmar que
a professora manteve uma única estrutura de aula em todas elas.
Inicialmente, ao entrar na sala com os alunos, ela auxiliava os
mesmos na organização em suas carteiras, escrevia na lousa a
pauta do dia e realizava uma leitura diária. Nas pautas continham
os seguintes itens: oração, leitura diária, língua portuguesa,
recreio, matemática e almoço.
Em geral a sala ficava disposta em fileiras únicas de carteiras
e duas vezes, apenas, durante o semestre observado, a professora
formou grupos para realização de atividades.
Nas aulas de língua portuguesa, foi possível observar que
foram trabalhados alguns conceitos. O pesquisador entrou em
contato com o livro didático utilizado pela docente visando
conhecer os textos utilizados por ela. Foi percebido que foram
trabalhados os seguintes conceitos da literatura durante o ano de
2015: contos de aventura, autobiografia e biografia, notícia e
reportagem, contos folclóricos, cordel, poesia, diário de viagem e
crônica. As atividades giravam em torno de ler o texto segundo o
gênero proposto, reescrevê-los e responder algumas perguntas do
livro didático.
Durante o primeiro semestre de 2016 foram realizadas 16
intervenções com média de uma hora de duração cada, com
intuito de verificar a apropriação dos conceitos por parte dos
alunos. Neste caso, o pesquisador escolheu trabalhar com cinco

218
conceitos, quais sejam, autobiografia, biografia, notícia,
reportagem e conto.
As intervenções foram construídas a partir dos dados
coletados anteriormente em sala de aula e a partir do livro
didático. Sendo assim, foi realizada uma intervenção para
conversa inicial, três intervenções para trabalhar os conceitos de
biografia e autobiografia, quatro para notícia e reportagem e
quatro para conto. E as quatro últimas foram divididas, sendo
uma para um jogo de perguntas e respostas, uma para conversa
sobre os conceitos e definição do nome do livro construído com os
textos deles e as duas últimas para construção do livro.
A estrutura básica das intervenções foi a seguinte: no início
eram feitas questões aos participantes visando levantar o quanto
sabiam sobre cada conceito, então era perguntado a eles o que eles
lembravam ou sabiam sobre aquele gênero textual.
Posteriormente era apresentado um ou mais textos relacionados
ao gênero e por fim era solicitado que os alunos escrevessem um
texto visando verificar a apropriação do conceito.
Durante as intervenções foram, ainda, propostos jogos e
brincadeiras no sentido de verificar o conhecimento dos alunos a
respeito dos gêneros textuais. Os jogos foram em formato de
perguntas e respostas.
Todos os encontros de intervenção foram filmados e
posteriormente transcritos. A filmagem contribuiu muito para
que o pesquisador conseguisse analisar com detalhes cada fala
dos participantes e o contexto de cada uma.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base nas observações das aulas, dados coletados nas


intervenções, conversa com os alunos, leitura de seus textos e
contato com o livro didático, chegamos a algumas aproximações
que nos levam a refletir a importância da educação escolar para o
processo de desenvolvimento do pensamento em conceitos.
Também nos levaram a refletir que existem muitas falhas no

219
processo de transmissão de tais conceitos e ainda uma falta de
estrutura para o trabalho eficaz da professora.
Foi possível compreender que a escola, por meio da atividade
educativa da professora, tem sim um papel fundamental no
processo de formação de conceitos científicos que,
consequentemente, promove o desenvolvimento do pensamento
conceitual. Contudo devemos realizar alguns apontamentos
quanto ao modo de trabalho adotado pela escola.
As observações revelaram, especialmente, que no livro
didático e nas aulas há uma carência de explicação da origem dos
conceitos, bem como a falta de explicação de aspectos essenciais
de cada conceito. Tais conceitos, provavelmente, não serão mais
estudados pelos alunos nas séries seguintes. Quando o livro
didático apresenta o texto referente ao gênero textual, não há uma
explicação sistemática, hora ou outra aparece algumas linhas
tratando do significado dos conceitos, mas de forma muito
superficial, cotidiana e comum.
Nas aulas, a professora se esforça no sentido de ensinar seus
alunos e por isso, devemos reconhecer que talvez a dificuldade no
processo de transmissão de conceitos não esteja totalmente em sua
forma de trabalho, mas sim em uma complexa trama que
impossibilita um trabalho de qualidade. A sala era composta por
mais de trinta alunos, nos dias de calor a sala fica extremamente
quente, pois havia, apenas, três ventiladores, sendo que um estava
com defeito. O livro didático oferecido a ela pela escola, como
visto, não possibilita a aprendizagem conceitual.
Como aponta Vygotski (2014), o caminho para a formação de
conceitos científicos não é o mesmo que para a formação de
conceitos cotidianos. Para os primeiros é necessário que haja
instrução e neste caso o papel do professor é extremamente
importante.
Quando solicitado aos alunos que escrevessem textos
relacionados aos conceitos, como por exemplo, uma biografia, os
mesmos não sabiam quais eram as características essenciais
daquele gênero textual. Atestando o que afirmou Vygotski (2014)

220
que antes da adolescência, as crianças pensam por complexos.
Neste caso os alunos apresentavam, tanto nas respostas verbais
como na escrita do texto, possivelmente um pensamento por
complexos. Quando questionados sobre o que era uma biografia,
associavam com as biografias já lidas por eles em sala de aula,
sabiam expressar-se dizendo algumas características do que era
uma biografia, porém com falhas estruturais e não sabiam colocar
o conceito em prática. Isso atesta a assertiva Vigotskiana de que
quando a criança pensa por complexos, externamente aparenta
conhecer o conceito, mas internamente pensa por complexo.
Os pseudoconceitos são equivalentes funcionais dos
conceitos verdadeiros, por isso, em um diálogo torna-se quase
impossível distinguir um conceito de um pseudoconceito. Por isso
nossas intervenções visaram colocar os alunos na prática,
escrevendo textos referentes a cada gênero trabalhado em sala. E a
prática mostrou que os mesmos alunos que diziam corretamente o
que era uma biografia ou autobiografia, no texto apresentaram
muitas falhas na estrutura do texto.
Vygotski (2014) afirma que a falta de consciência do próprio
pensamento se manifesta em um fato fundamental que demonstra
a característica lógica do pensamento infantil quando a criança é
incapaz de executar arbitrariamente uma operação, enquanto que
espontaneamente demonstra ter capacidade. Ou seja, tentamos
colocar os alunos em prática duas vezes, primeiro falando sobre o
conceito e depois escrevendo um texto a partir do conceito.
Provando isso, uma participante respondeu que a biografia é
“contar a história de uma pessoa”, o que é certo. Mas na hora de
escrever não levou em conta características essências de um tipo
de texto desses como manter uma ordem cronológica na escrita e
começou o texto contando momentos da vida de adulta da pessoa
a quem ela fez a biografia. Em sua autobiografia, iniciou o texto
contando sobre a escola que estuda e não, por exemplo, por sua
data de nascimento, fatos da infância e acontecimentos anteriores
ao período escolar.

221
Os participantes, em relação aos pseudoconceitos,
apresentaram algumas falas. Disseram que “a diferença da
biografia e da autobiografia é que a biografia conta a história da vida
de alguém”; “é quando fala da sua própria vida”; “falar da própria vida”;
“é.. falar da própria vida”; “falar da própria vida”; ”alguém que escreve
a própria vida”; “alguém que escreve da vida do outro”; “a biografia é
contar a história de outra pessoa”; “tipo, é uma biografia, eu falar da vida
dela” (apontando pra uma colega); “a diferença é que uma é do outro
e uma é a sua”. Quando questionados sobre as características: “falar
de outra pessoa”; “contar sua vida”; “tem que perguntar, perguntar o
porquê...”; “quem, porquê, quando”; “lembro da pirâmide lá: das
notícias mais importantes para as menos importantes”; “Tem que
ter um emissor, estava escrito” (no texto lido anteriormente); “fictícia”;
“da imaginação”; “conto é uma história... conto é uma história que não
é verdade.. é tipo conto de fadas, é imaginação”; “é um conto que uma
pessoa inventou, mas que não existe”; “é uma história que não existiu”;
“é uma história que é imaginada por uma pessoa, que tem personagem e
essas coisas”.
Estes pseudoconceitos foram corroborados na atividade
prática de escrita de textos, pois tais falas não se apresentaram na
estrutura de alguns dos textos escritos por eles. Nós não
esperávamos que os participantes estivessem na etapa do
pensamento conceitual propriamente dito, pois como afirma
Vygotski, tal etapa só se torna possível na adolescência, se dadas
as condições necessárias. Esperávamos, sim, que estivessem
passando qualitativamente por este processo de desenvolvimento
do pensamento conceitual. Porém percebemos inúmeras falhas na
transmissão dos conceitos.
No caso de conceitos abstratos, como na presente pesquisa é
necessário recorrer a diversos recursos de ensino como modelos,
desenhos, descrições e principalmente relatos. A condução feita
pelo professor, que envolve linguagem, tem papel fundamental
neste processo. Por isso quando se ensina um novo conceito é
preciso apelar para exemplos variados para contrapor o conceito a
outros conceitos (MENCHISKAYA, 1978). Por exemplo, quando

222
se ensina o conceito de notícia, apresentar também o de
reportagem para contrapor suas semelhanças e diferenças.
Após apresentação de modelos é preciso sempre dar a
definição científica do conceito, pois assimilar um conceito é, ao
mesmo tempo, em aprender o que ele é e significa, mas também o
que ele não é. Deve-se mostrar fenômenos ligados ao conceito,
mas também fenômenos parecidos e que não são ligados a ele
(MENCHISKAYA, 1978).
No caso desta pesquisa, nas aulas, não foram observados
outros recursos. Somente o recurso do texto trazido pelo livro
didático. Não foram tratadas as estruturas dos textos a serem
escritos pelos alunos. Apenas houveram momentos de reescrita
do modelo.
Na prática, Mechiskaya (1978) diz que para utilizar um
conceito é preciso conhecer as relações entre conceitos, pois
assimilar um conceito é, sobretudo, conseguir operar com ele e
manter relação com outros. Para saber que um pássaro é diferente
de um inseto, é preciso conhecer os dois conceitos, assim como os
conceitos trabalhados nesta pesquisa, de notícia e reportagem que
inicialmente foram definidos como iguais.
No caso de nossa pesquisa, foi perguntado aos alunos o que
eles sabiam sobre cada conceito trabalhado, depois dada uma
explicação breve. Porém, é importante ressaltar que o objetivo
desta pesquisa não é ensinar o conceito, mas sim verificar o papel
da escola, na pessoa do professor, neste processo de assimilação,
desenvolvimento, formação e aplicação do conceito na prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse texto tentou trazer primeiras aproximações acerca da


transmissão de conceitos na escola como meio de
desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes. É de
fundamental importância ressaltar que não queremos transferir
culpa para a professora nem mesmo para os alunos. Nosso intuito
foi de levantar dados para uma possível conversa com a escola

223
visando participa-la dos conhecimentos Vigotskianos a respeito
da importância da transmissão adequada dos conceitos na escola.
A escola tem sim trabalhado no sentido de ensinar conceitos,
mas como vimos na pesquisa, não passa de um ensino superficial
e incompleto, ficando assim na esfera cotidiana dos conceitos. As
crianças estudadas, poucas vezes avançam no sentido de
apresentarem em suas falas e textos, pelo menos, a possibilidade
de pensar por meio dos pseudoconceitos.
Como vimos seria necessário que a escola, professora e o
livro didático, além de condições materiais, possibilitassem acesso
variado a cada conceito, ou seja, que tivesse tempo e condições de
apresentar modelos, dialogar, escrever e reescrever sobre cada
tema até que o conceito fosse, de fato, apropriado pela criança.
Este trabalho abre caminhos para novas pesquisas, mais
elaboradas e completas a respeito do processo de
desenvolvimento do pensamento em conceitos, afirmando a
característica central do GEIPEEthc em ser um grupo que vai à
realidade escolar, assumindo os desafios e propondo pesquisas
práticas e interventivas. Sabemos que essa pesquisa foi uma das
primeiras a trabalhar com o tema na prática, mostrando a
complexidade do assunto.

REFERÊNCIAS

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escola: implicações de um programa de intervenção ludo-
pedagógico a partir do gênero musical samba. 2015. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente-SP.

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Bauru-SP.
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Colóquio Internacional Marx e Engels, IFCH-UNICAMP, 2012.
MARTINS, L. M. Contribuições da psicologia histórico-cultural
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SAVIANI, D. Pedagogia Histórico Crítica: primeiras aproximações.
11ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
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WMF Martins Fontes, São Paulo, 2009.
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idade escolar. In:

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Desenvolvimento e Aprendizagem. 11ª ed. Ícone Editora, São Paulo,
2010.
VIOTTO FILHO, I. A. T. Pensando a escola pública como comunidade:
contribuições teórico-críticas da filosofia de Agnes Heller.
Araraquara: Paco Editorial, 2014.
VYGOTSKY, L. Pensamiento y lenguaje: nueva edición a cargo de
Alex Kozulin. Barcelona: Paidós,1995.
VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas. Tomo I, Machado Grupo de
Distribuición, S.L., Madrid, 2013.
VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas. Tomo II, Machado Grupo de
Distribuición, S.L., Madrid, 2014.
VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas. Tomo III, Machado Grupo de
Distribuición, S.L., Madrid, 2013.
VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas. Tomo IV, Machado Grupo de
Distribuición, S.L., Madrid, 2012.

226
CAPÍTULO 10

PROCESSO DE PESQUISA-INTERVENÇÃO HISTÓRICO-


CULTURAL: POSSIBILIDADES DE AÇÃO, REFLEXÃO E
HUMANIZAÇÃO NA ESCOLA

Fabiane Salomão Souza

INTRODUÇÃO

O presente texto descreve o processo de pesquisa-intervenção


desenvolvido em uma escola da Rede Municipal de Educação de
Presidente Prudente/SP. Os sujeitos participantes da pesquisa
foram gestoras, professores do Ensino Fundamental e os
estudantes de uma sala de aula do 3º ano do Ensino fundamental,
ciclo I.
A atividade ocorreu de fevereiro a novembro de 2016. Foram
realizados encontros com as gestoras e com os professores
semanalmente, durante os momentos de Hora de trabalho
pedagógico coletivo (HTPC). Nestes encontros foram realizados
estudos coletivos, discussão de temas e reflexões em grupo. Com
os estudantes também foram realizados encontros semanalmente,
por meio de atividades ludo-pedagógicas, em sala de aula e na
quadra da escola.
O processo de pesquisa teve como objetivo geral apresentar
as possibilidades de atuação do psicólogo e da equipe
interdisciplinar na educação em uma perspectiva crítica,
realizando um processo de intervenção de natureza histórico-
cultural, com intuito de possibilitar a construção de um espaço de
ação, reflexão e humanização no interior da escola pública.
Os objetivos específicos da pesquisa foram: promover
reflexões a respeito dos problemas vividos no cotidiano da escola,
junto aos professores e gestores, especialmente sobre as queixas

227
escolares, no intuito de modificar concepções cristalizadas e
naturalizantes acerca do desenvolvimento humano. Realizar um
processo de intervenção com estudantes no interior da escola, no
intuito de estimular a aprendizagem e desenvolvimento dos
mesmos, rompendo com o modelo de atuação clínico-psicológica.
Apresentar e analisar os dados obtidos com o processo de
intervenção realizado com os estudantes do 3º ano, com as
gestoras e professores do Ensino Fundamental.
Os responsáveis pelo processo de intervenção foram a
pesquisadora, orientador da pesquisa, especialistas do CAA
(Centro de Avaliação e Acompanhamento), membros do
GEIPEEthc (Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em
Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural), professora e
estagiários do curso de Psicologia da Universidade do Oeste
Paulista (UNOESTE), todos da cidade de Presidente Prudente-SP.
O interesse em realizar um processo de pesquisa-intervenção
na escola partiu do trabalho realizado pela pesquisadora como
psicóloga, por acompanhar casos de estudantes encaminhados
para avaliação no CAA e, simultaneamente, em decorrência da
participação no GEIPEEthc, além de estudos e reflexões a partir
dos estudos de Patto (1997), Meira e Antunes (1999), Tanamachi e
Souza (2000), Viotto Filho (2001;2005;2012), Referências Técnicas
do Conselho Federal de Psicologia (2013), dentre outros que
tratam dos princípios teórico críticos norteadores da atuação do
psicólogo no contexto escolar.
É importante esclarecer que o CAA é um serviço da
Secretaria Municipal de Educação de Presidente Prudente-SP,
formado por uma equipe de especialistas das áreas de Psicologia,
Fonoaudiologia, Psicopedagogia, Terapia Ocupacional e Serviço
Social. Anualmente as escolas da Rede Municipal encaminham
estudantes com queixas de dificuldades de aprendizagem para
serem avaliados e acompanhados pelo serviço. Uma preocupação
que fora levantada a partir da vivência no CAA foi o elevado
número de diagnósticos pouco criteriosos e uso indiscriminado de
medicação pelos estudantes. Constatamos que os

228
encaminhamentos não contêm uma reflexão acerca dos problemas
manifestos pelos mesmos, como nos tem exposto Tuleski e Eidt
(2007), Franco (2009), Machado (1997).
Diante desta realidade, verificamos a necessidade de
desenvolver um trabalho junto às escolas, envolvendo as gestoras,
professores e estudantes, com objetivo de promover momentos de
reflexão e discussão acerca das queixas escolares e demais
problemas que se apresentam no cotidiano escolar, pois segundo
Franco (2009) e Souza (2010), a queixa escolar representa a síntese
de múltiplas determinações envolvidas na história escolar da
criança.
Para tanto, construímos nosso trabalho na escola como um
processo de pesquisa-intervenção, devido a realização de
atividades in loco, nas quais os sujeitos da pesquisa e participantes
da escola, tiveram participação ativa ao lado dos pesquisadores,
na efetivação de trabalho dinâmico e coletivo com finalidade
humanizadora.
Seguimos os caminhos teórico-metodológicos da Teoria
histórico-cultural e Pedagogia histórico-crítica, orientados pelo
materialismo histórico e dialético, conforme ressalta Viotto Filho
(2005; 2008; 2012) e defendemos a construção da escola atual na
perspectiva de uma escola-comunidade e sua consolidação a
partir de processos de ação e reflexão construídos coletivamente,
valorizando os sujeitos participantes, principalmente os gestores e
professores, como também os estudantes, no sentido de enfatizar
a importância de se compreender as múltiplas determinações dos
fenômenos escolares (SOUZA, 2017).
Como expomos anteriormente, o objetivo geral do processo
de pesquisa-intervenção foi apresentar as possibilidades de
atuação do psicólogo e de profissionais de uma equipe
interdisciplinar em uma perspectiva crítica no interior da escola e
colocar a Psicologia e a Pedagogia atuando numa direção crítica,
transformadora e humanizadora.

229
A RELAÇÃO ENTRE A PSICOLOGIA E A PEDAGOGIA
NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA E SUA IMPRTÂNCIA NA
ESCOLA ATUAL

Por termos desenvolvido um processo de pesquisa-


intervenção na escola, faz-se relevante posicionar nossa concepção
a respeito da escola pública brasileira, sobretudo porque nos
orientamos a partir dos pressupostos da teoria histórico-cultural e
pedagogia histórico-crítica, que reconhecem a escola pública como
espaço de humanização pela via do acesso aos conhecimentos
historicamente sistematizados e considera as contradições
existentes entre a função social da escola e os interesses da
sociedade capitalista, como afirma Saviani e Duarte (2012) e Silva
Jr. (2016).
Esta visão a respeito das relações entre a escola pública e a
sociedade nos possibilita compreender a escola em movimento,
ou seja, não de forma idealizada ou estática, mas como um
organismo vivo, entendendo os problemas que se fazem presentes
no seu interior, como resultantes dos conflitos e tensões vividos
na sociedade alienada. Esta concepção de determinação entre
escola e sociedade é fundamental para nortear as ações dos
sujeitos que a constituem e dos profissionais que realizam
intervenções in loco, como o psicólogo, o pedagogo e também o
professor.
Para Meira (2012, p. 74-75), a psicologia, ao relacionar-se com
a pedagogia e se respaldar nos fundamentos da teoria histórico-
cultural, poderá fundamentar a atuação do psicólogo na escola a
partir da compreensão da natureza e especificidade da educação,
com objetivo de contribuir para que ela cumpra seu papel social, e
ainda, auxilie os professores a “remover os obstáculos que se
interpõem entre os sujeitos e o conhecimento, favorecendo
processos de humanização e desenvolvimento do pensamento
crítico”.
A autora destaca três contribuições fundamentais da teoria
histórico-cultural para a atuação e reflexão crítica na educação, sendo

230
a primeira, a luta por uma nova sociedade, pois se levarmos em
consideração que o homem se desenvolve socialmente, nas suas
“condições históricas concretas”, verificamos que o desenvolvimento
humano não ocorre com equidade em uma sociedade caracterizada
pelas contradições sociais, como vemos na sociedade capitalista. O
segundo ponto destacado por Meira (2012, p. 73), refere-se a
promoção de uma educação de qualidade para todos, entendendo-a
como socializadora da cultura humana, ela se torna “condição para a
concretização da humanidade em cada homem”. Neste sentido,
Meira (2012, p.73) ressalta,

É preciso garantir que as novas gerações se apropriem dos


conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade,
construindo e ampliando a sua capacidade de pensamento crítico.
Como indica Leontiev (1978), o mundo como produto da atividade
transformadora do homem não é dado imediatamente ao indivíduo,
mas se apresenta a cada um como “um problema a resolver”. Para
dar conta da tarefa de compreensão, são necessárias as ferramentas
teórico-intelectuais. E a educação formal pode fornecê-las.

O terceiro aspecto destacado por Meira (2012, p.74) envolve a


consolidação de uma “Psicologia do homem”, no sentido de
“apreender” os pressupostos da Psicologia histórico-cultural em
resposta a necessidade urgente de um “posicionamento crítico da
Psicologia da Educação”.
Diante destes aspectos, verificamos a importância da
apropriação de tais conhecimentos por parte dos psicólogos,
pedagogos, professores e demais profissionais que atuam na
educação, para que realizem um trabalho consciente e crítico, a
partir de uma visão histórico-social de homem e voltada ao
processo de humanização dos sujeitos participantes.
A concepção histórico-social, presente na teoria histórico-
cultural e na pedagogia histórico-crítica, engendra a compreensão
da especificidade e papel da educação escolar no processo de
formação humana numa direção crítica, no sentido de possibilitar
aos profissionais que atuam na Educação, as condições teóricas e

231
metodológicas para a realização de um trabalho que possibilite
desenvolver o psiquismo dos sujeitos numa direção
qualitativamente superior e enfatizando o pensamento crítico e
consciente, indo ao encontro das afirmações de Martins (2013).
Esta concepção amplia a visão do objeto da Educação para o
psicólogo e para o pedagogo e, sobretudo, para o professor,
favorecendo uma compreensão crítica a respeito da formação
humana, permitindo novas concepções sobre os sujeitos no
processo de ensino e aprendizagem, rompendo com a visão
clínico-psicológica naturalizante, questões estas que assumimos
ao realizarmos o processo de pesquisa-intervenção na referida
instituição.

O MÉTODO MATERIALISTA HISTÓRICO DIALÉTICO NO


PROCESSO DE PESQUISA-INTERVENÇÃO NA ESCOLA

Como salientamos, o termo pesquisa-intervenção define a


natureza do trabalho realizado na escola, no qual a pesquisadora,
ao lado dos membros do GEIPEEthc e membros do CAA,
interveio na realidade dos estudantes, professores e das gestoras,
enfatizando um processo coletivo de trabalho voltado à
transformação humana e social.
Ao tomarmos o materialismo histórico e dialético (MHD)
como caminho para orientar o pensamento dos pesquisadores na
efetivação do processo de pesquisa-intervenção, verificamos que
essa proposição de Marx (2011) nos orienta no campo da dialética
histórica e possibilita-nos a captação do objeto de pesquisa, no
caso os sujeitos participantes da escola (professores, gestoras e
estudantes), no seu movimento histórico e social e, portanto, em
seu movimento contraditório, configurado como síntese de muitas
determinações.
Enfatizamos a importância do MHD para o processo de
pesquisa-intervenção e para o processo de construção de
conhecimentos que realizamos em nosso trabalho na escola, os
quais destinam-se a acrescentar valor significativo para a

232
humanidade, pois o MHD imprime o nosso compromisso com
todos os sujeitos escolares na direção da sua humanização, vez
que trata-se de pressuposto fundamental para implementarmos
constante luta coletiva em direção à superação da alienação
própria da sociedade capitalista e que toma a vida e a consciência
dos indivíduos e que se reproduz, também, no interior desta
instituição.
No decorrer de nossa pesquisa-intervenção, enfatizamos a
necessidade de construção de conhecimentos concretos, ou seja,
com objetividade social, porque construídos dentro da realidade
escolar; conhecimentos comprometidos com a transformação da
escola na sua estrutura e dinâmica, assim como dos sujeitos que
dela participam. Tornou-se vital em nosso trabalho como
pesquisadores em educação, a compreensão do conceito de
dialética no processo de pesquisa-intervenção realizado, no
sentido de considerarmos a realidade escolar em contínuo
movimento contraditório e, portanto, em plena transformação,
independente da nossa vontade enquanto pesquisadores.
Considerando os pressupostos do MHD nos propusemos o
conhecimento dessa realidade nas suas múltiplas determinações,
partindo da realidade empírica e pseudoconcreta para,
paulatinamente, no decorrer do processo de pesquisa-intervenção,
estudos, orientações e discussões, irmos conhecendo e analisando,
rigorosa e cientificamente, a escola e os sujeitos dela participantes
e compreendermos a sua realidade concreta.

O PROCESSO DE PESQUISA - INTERVENÇÃO NA ESCOLA:


APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

O processo de intervenção com as gestoras e professores


buscou a reflexão das determinações das queixas escolares,
desconstruindo as concepções naturalizantes que tem como
consequência a culpabilização e patologização dos estudantes e de
suas famílias, nos respaldando nos estudos de Machado (1997),
Collares e Moyses (2013) e Franco (2009).

233
No decorrer dos encontros com os professores, foram
desenvolvidos temas diversos como estratégias e processo de
ensino e aprendizagem, relação família e escola, fracasso escolar,
interdisciplinaridade, pedagogia histórico-crítica, aprendizagem e
desenvolvimento. As exposições dos temas e discussões foram
conduzidas pela pesquisadora, orientador da pesquisa, membros
do GEIPEEthc e profissionais do CAA, elaboradas e organizadas
previamente em reuniões de planejamento.
Foram utilizados como estratégias durante os encontros com
os professores e gestoras a leitura e estudo de textos da pedagogia
histórico-crítica e psicologia histórico-cultural, a respeito do
trabalho educativo e do desenvolvimento do psiquismo humano,
estudo de caso fictício abordando dificuldades de aprendizagem e
estratégias de ensino, projeção do filme “A maçã”, abordando a
importância da mediação nas relações sociais para o
desenvolvimento humano, dinâmica de grupo com objetivo de
favorecer a interação e cooperação entre os participantes,
exposição de temas de interesse do grupo, atividade escrita em
grupo sobre os temas desenvolvidos e discussão coletiva.
No início do processo de pesquisa-intervenção com as
gestoras e professores foi possível verificar manifestações de
resistência, insegurança e alienação, pois os sujeitos estavam
muito apreensivos. Nos primeiros encontros observamos essas
resistências, por meio de ações, como a de não participar das
discussões, preencher as cadernetas, mexer no celular, conversar
de forma paralela, planejar atividades; era nítido um “clima
carregado”, pois poucos professores participavam das discussões.
Estas impressões foram verificadas pela pesquisadora, orientador
da pesquisa e demais participantes do GEIPEEthc e CAA.
Foi interessante observar que as ações dos professores foram
se modificando ao longo do processo de intervenção, à medida
que foram compreendendo criticamente a proposta de trabalho,
sendo que pouco a pouco foram se envolvendo nas discussões e
colaborando entre si durante os encontros.

234
Constatamos que no início do processo os professores, na sua
maioria, apresentavam concepções preconceituosas e
naturalizantes sobre os estudantes e suas famílias e os
culpabilizavam pelas dificuldades encontradas na escola,
atribuindo explicações biológicas aos problemas por eles
identificados no processo de escolarização.
A diretora da escola, por sua vez, identificou estas
compreensões e as atribuiu ao fato dos professores se sentirem
culpados pelas dificuldades das crianças, culpados pelo fracasso
escolar, pois, nas palavras da diretora, “todo fracasso escolar acaba
sendo o professor o culpado” no sentido do professor culpabilizar-se,
ainda que inconscientemente. A diretora avaliou que o processo
de pesquisa-intervenção possibilitou a quebra destas concepções a
respeito do fracasso escolar, criando novas formas de pensar a
produção destes fenômenos e que a intervenção proporcionou
“quebrar um pouco esse mito de que a dificuldade na aprendizagem é só
por conta do professor”.
Oliveira (1996) afirma que a alienação corresponde a
separação entre a essência humana compreendida em uma
perspectiva histórico-cultural e a existência humana vista de
forma acabada, ou seja, desconsiderando suas determinações.
Neste sentido, podemos avaliar que os professores da escola ao
repetirem os problemas cotidianos, sem refletir acerca das causas
da produção dos mesmos, encontravam-se permeados pela
alienação. A autora aponta que começar a desvendar a realidade,
conhecer suas múltiplas determinações e iniciar uma prática
crítica, constitui um primeiro passo para transformar a realidade.
Considerando a afirmação de Oliveira (1996), podemos
indicar que as reflexões realizadas durante os encontros
proporcionaram o primeiro passo no processo dinâmico e
contínuo de conhecimento da realidade escolar, retirando dos
professores o peso da culpa acerca das causas do fracasso escolar,
assim como a culpabilização dos próprios estudantes e seus
familiares, na busca de uma compreensão mais ampla e
multideterminada para esse fenômeno.

235
A diretora e a orientadora pedagógica avaliaram de forma
positiva o processo de intervenção realizado com os professores,
considerando que tal processo foi ocorrendo em etapas, nas quais
foi necessária uma construção em grupo, iniciando-se com muita
resistência, mas que no decorrer do processo, convenceu os
professores de que o trabalho que estava sendo realizado tinha
como objetivo a melhora do trabalho pedagógico e das relações
sociais na escola. A orientadora afirmou que “dali saíram alguns
frutos, pensamentos, criticas, pessoas discutindo sobre a própria
pratica”.
No que se refere ao processo de intervenção com os
estudantes, não tivemos, em nenhum momento, o foco na
avaliação e diagnóstico, com objetivo de romper com o modelo
clínico na escola e propormos um modelo ludo-pedagógico
crítico, tendo como objetivos possibilitar o desenvolvimento das
potencialidades dos estudantes pela mediação de atividades
lúdicas coletivas e orientadas intencionalmente. Consideramos a
atividade ludo-pedagógica como aquela voltada à criação de
condições diferenciadas de aprendizagem, com vistas a avançar
no plano do desenvolvimento potencial dos estudantes. As
atividades ludo-pedagógicas são construídas por meio de
conteúdos derivados dos diversos objetos culturais, desde as
artes, a literatura e a cultura corporal, conforme apontam os
trabalhos de Nunes (2013), Felix (2013), Santos (2014), Bezerra
(2015) e Souza (2017).
As atividades realizadas com os estudantes foram planejadas
e orientadas pelos membros do GEIPEEthc, estagiários do curso
de psicologia da UNOESTE e pesquisadora. As atividades ludo-
pedagógicas tiveram o objetivo de criar um espaço diferenciado
de aprendizagem e desenvolvimento humano. Foram realizadas
atividades de desenho, massa de modelar, recorte e colagem,
dinâmicas de grupo, circuito em quadra, leitura e escrita, projeção
de filme, criação de personagem, elaboração e apresentação de um
teatro, com objetivo de possibilitar o processo de aprendizagem e
desenvolvimento dos estudantes (SOUZA, 2017).

236
No início do processo de pesquisa-intervenção os estudantes
apresentavam muitas dificuldades e, segundo os relatos das
gestoras, tinham problemas no processo de aquisição da leitura e
escrita, indisciplina, problemas na linguagem oral e encontravam-
se muito desmotivados. Diante destes problemas destacados pelas
gestoras e observados durante os encontros de intervenção, foram
organizados temas a serem trabalhados como “sentimentos e
emoções”, “relações sociais”, “identidade” e “aprendizagem e
desenvolvimento”, com o objetivo de colocar os estudantes
vivenciando uma relação diferenciada e evidenciada a partir de
intervenções de natureza histórico-cultural, primando pela liberdade
de manifestação e expressão e, simultaneamente, pela avaliação
crítica das situações vividas ao longo do processo.
Em relação ao processo desenvolvido com os estudantes, a
diretora e orientadora pedagógica apontaram a elevação da
autoestima dos estudantes e a conquista da alfabetização, como
resultados do processo de intervenção. Avaliaram que os estudantes
se apresentaram mais satisfeitos, motivados e sentindo-se inseridos
no processo de ensino e aprendizagem. A orientadora afirmou que “a
gente achava que não iriam aprender, que não seriam alfabetizadas”; nesta
fala verificamos o quanto a escola havia atribuído aos estudantes um
estereótipo, um estigma, por serem os estudantes da sala de aula os
próprios culpados pelos problemas de aprendizagem. Em relação a
autoestima Franco e Davis (2014, p. 57) afirmam,

[...] crianças e jovens que vivenciam situações de não aprendizagem


no contexto escolar precisam de condições de vida que permitem o
pleno desenvolvimento humano, para que significados e sentidos
não sejam tomados de forma fragmentada. Falar em autoestima sem
considerar as múltiplas relações em que o indivíduo se constitui não
possibilita uma análise mais aprofundada da realidade, tampouco
do psiquismo.

Assim, os autores afirmam que a autoestima não pode ser


transformada sem a vivência nas relações sociais. As autoras
complementam que,

237
[...] a escola é um locus fundamental de humanização. Nesse
sentido, precisamos lutar por uma escola que ensine bem a todos!
Sabemos agora, melhor do que nunca, que a autoestima não pode
ser produzida, fabricada ou mudada, como apregoam certas
pedagogias idealistas. Ela depende das condições de vida dos
sujeitos e , nesse sentido, de uma escola de qualidade.

A professora da sala de aula pesquisada avaliou de forma


positiva o processo de intervenção desenvolvido com os
estudantes. Ela não identificou nenhum ponto negativo no
processo e destacou que a sala “melhorou bastante, tanto a interação
entre eles, quanto a leitura e escrita, aprendizagem, com isso já valeu
tudo”. A respeito das melhoras apresentadas pelos estudantes,
destacamos como a Psicologia histórico-cultural entende o
processo de desenvolvimento do psiquismo humano.

Para a Psicologia Histórico-Cultural, as funções psicológicas


superiores existem concretamente na forma de atividade
interpsíquica nas relações sociais antes de assumirem a forma de
atividade intrapsíquica. Mediante o processo de internalização
ocorre a transformação do conteúdo das relações sociais em funções
psicológicas superiores, especificamente humanas (TULESKI;
EIDIT, 2007, p. 532).

Respaldados nos dados apresentados e nos pressupostos da


teoria histórico-cultural, podemos afirmar, ainda que na forma de
primeiras aproximações, que a criação de um espaço diferenciado
de aprendizagem e desenvolvimento na escola, permeado por
vivências afetivas, conteúdos críticos e ações coletivas, engendram
condições efetivas de transformação das relações sociais
educativas, sendo que, esse movimento histórico-social, de
internalização das vivências, seus conteúdos e práticas, qualifica o
psiquismo humano e imprime uma direção humanizadora ao
processo educativo.

238
ANALISANDO O PROCESSO DE PESQUISA-
INTERVENÇÃO NA ESCOLA

Neste texto não apresentaremos todo o processo de análise


realizado em nossa dissertação (SOUZA, 2017), entretanto,
demonstraremos a forma como organizamos os dados na
tentativa de apreender o movimento histórico social de
aprendizagem, desenvolvimento e humanização dos sujeitos
participantes do processo.
Para a análise do movimento dos sujeitos, organizamos eixos
de análise, que correspondem aos momentos do processo de
pesquisa-intervenção na escola. Assim, organizamos o processo
de análise em “quatro momentos”, sendo, o primeiro momento ou
o “ponto de partida” a observação da “aparência caótica” presente
na escola e no grupo de professores, ilustrada pelas queixas
escolares, pelos problemas cotidianos e pelo trabalho educativo
dos professores em sala de aula e sua participação superficial e
alienada nas HTPCs. Em relação aos estudantes, verificamos os
problemas de aprendizagem, a indisciplina, agressividade, falta
de pertencimento ao grupo, isolamento, entre outros problemas.
O segundo momento, marcado pelo “início dos encontros de
intervenção”, o terceiro momento, como o “o transcorrer do
processo de intervenção”, até chegar ao quarto momento, que se
constituiu no “ponto de chegada” e conclusão dos encontros de
intervenção. Para analisar estes momentos, foram utilizadas as
entrevistas, avaliação escrita dos professores e relatório das
observações desenvolvido pela pesquisadora.
Ressaltamos que o ponto de chegada demarcou o fim dos
encontros de intervenção, mas não encerrou o movimento de
transformação dos sujeitos, pois entendemos os seres humanos em
contínuo processo de desenvolvimento e consideramos que, mesmo
com o término dos encontros de intervenção, o processo de formação
dos sujeitos efetivou-se de forma humanizadora e, provavelmente,
formou novos nexos para os sujeitos participantes, engendrando novas
vivências e novos conhecimentos, pois o processo de intervenção

239
realizado procurou, pelas vivências coletivas, engendrar novas e
diferenciadas formas de pensar e compreender a realidade escolar.
Para cada eixo de análise, identificamos no seu interior,
determinados núcleos de análise, que foram utilizados para
compreender o movimento dialético dos sujeitos em cada
momento específico e ao longo do processo de intervenção. Desta
forma, “concepções”, “prática social”, “trabalho educativo (em se
tratando dos professores)/atividade de estudo (em se tratando dos
estudantes)”, “trabalho coletivo”, “resistência/alienação” e
“consciência/humanização”, foram os núcleos que utilizamos para
analisar os dados obtidos em cada eixo de análise junto aos
sujeitos participantes do processo.
Consideramos estes núcleos de análise como elementos que
sintetizam as ações dos sujeitos pesquisados, pois as concepções
que os professores e gestores possuem acerca dos estudantes, de
suas famílias e dos fenômenos que se apresentam, influenciam
diretamente na forma como organizam e compreendem o trabalho
educativo, assim como desenvolvem sua prática social e podem,
possibilitar ou não, a efetivação de um trabalho coletivo.
Neste sentido, do início dos encontros até o ponto de
chegada, identificamos mudanças nas concepções dos professores
e das gestoras, que resultaram na modificação da forma como se
relacionavam com os estudantes. Tais mudanças fizeram os
professores refletirem acerca do trabalho pedagógico
desenvolvido com os estudantes. Os professores inicialmente
apresentaram dificuldade para refletir e discutir temas em grupo,
sendo que no decorrer dos encontros foram, paulatinamente,
interagindo e passaram a compartilhar experiências, efetivando
um trabalho coletivo educativo e humanizador. As atividades
ludo-pedagógicas desenvolvidas com os estudantes
possibilitaram situações diferenciadas de aprendizagem que
contribuíram qualitativamente para o desenvolvimento do grupo
e também na direção da sua humanização.
A resistência/alienação foram fenômenos muito presentes
durante o processo de intervenção, especialmente no início do

240
processo e as compreendemos como um movimento contrário ao
desenvolvimento da consciência/humanização e por isso as
analisamos em relação e considerando as relações sociais
estabelecidas. Estes processos configurados nos núcleos de
análise, segundo o materialismo histórico e dialético, indicam o
movimento histórico em que se encontram os sujeitos da escola,
no sentido de reconhecermos o "ser" de cada sujeito singular, no
entanto, procuramos dirigir nosso olhar ao "dever ser" possível na
vida desses sujeitos, num contínuo movimento de transformação
determinado pela história social e humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos os resultados produzidos no transcorrer do


processo de pesquisa-intervenção na escola, verificamos que os
sujeitos da pesquisa, gestoras, professores e estudantes,
apresentaram mudanças, desde o início do processo, até chegar ao
encerramento dos encontros.
Entendemos que os resultados foram produzidos e não
obtidos, por compreendermos que são frutos de um processo
dinâmico e resultantes de ações desenvolvidas por sujeitos ativos
e participantes. Incluímos nestes sujeitos participantes não apenas
os sujeitos da pesquisa, mas a pesquisadora, orientador e
membros do GEIPEEthc, CAA e UNOESTE, que junto aos sujeitos
da escola, trabalharam coletivamente.
As mudanças apresentadas pelos sujeitos ocorreram no plano
das concepções, relações sociais, prática social, trabalho educativo,
trabalho coletivo, atividade de estudo, resistência, alienação,
consciência, humanização e demais aspectos. Destacamos que tais
mudanças não ocorreram de forma homogênea no grupo, pois os
sujeitos se envolveram e se apropriaram a partir de suas próprias
condições objetivas e subjetivas. Observamos o movimento de
cristalização/transformação desses sujeitos, no transcorrer do
processo e, diante dos resultados obtidos, verificamos a
possibilidade real, a partir de um trabalho de intervenção crítica e

241
humanizadora, que a transformação dos sujeitos e da escola é
viável, sobretudo se estruturar-se a partir de uma perspectiva de
escola-comunidade, como afirma Viotto Filho (2005; 2008; 2012).
Enfim, podemos afirmar a importância da construção de um
trabalho educativo coletivo, sobretudo quando agrega os sujeitos
escolares, principalmente os professores, gestoras e estudantes,
pois sabemos que é somente na relação social e pela apropriação
dos objetos culturais mais desenvolvidos, construídos pela
humanidade, que se torna possível o planejamento e realização de
um trabalho efetivamente humanizador na escola.

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244
CAPÍTULO 11

OS MOVIMENTOS DO BEBÊ, SOB A LUZ DA TEORIA


HISTÓRICO-CULTURAL, COMO SINAIS ORIENTADORES
PARA O TRABALHO DOCENTE NA CRECHE

José Ricardo Silva

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa foi motivada a partir de constatações


teóricas que indicavam que no trabalho com bebês em creche, de
modo geral, ainda há concepções assistencialistas que
caracterizam a rotina, como afazeres domésticos, focado na
proteção, alimentação e higiene, caracterizando o trabalho
docente como não diretivo, espontâneo, embasado no cotidiano e
na espera pelo desenvolvimento do bebê que há de vir e que, por
isto, não há trabalho pedagógico a ser realizado com ele
(MARTINS, 2009; RAMOS, 2011; OLIVEIRA, 2014).
Contrariando estas concepções, a teoria histórico-cultural nos
auxilia a afirmar que o bebê, candidato à humanização, necessita
de relações humanas de qualidade que garantam seu
desenvolvimento. Para esta perspectiva teórica o
desenvolvimento humano não ocorre com a simples e direta
relação entre homem e realidade, mas na relação ativa do sujeito
com a cultura mediada socialmente por outro indivíduo, no uso
de instrumentos e palavra, ou seja, há a necessidade do outro que
contribua para a significação. Portanto, todo o conhecimento e
cultura humana é elaborado, transmitido e transformado
socialmente, possibilitando que as novas gerações se humanizem
pelo mesmo processo. Nesta direção, Mukhina (1996, p. 41) indica
que “[...] as propriedades naturais da criança não criam

245
qualidades psíquicas, mas, sim, as condições necessárias para sua
formação. Essas qualidades surgem graças à herança social”.
Desde o nascimento, o bebê está em relação social, em
desenvolvimento. Existe, entretanto, alguém com o bebê que
promove o desenvolvimento, adultos ou até mesmo outra criança
mais experiente e os professores nas creches. Neste quadro, todas
as relações sociais podem ser importantes para ele. Todavia,
tomando como base Saviani (2011), entendemos que deve existir
diferença entre relações cotidianas e espontâneas e as relações
estabelecidas em âmbito institucional-educacional, com caráter de
conhecimento organizado e sistematizado da cultura erudita, a
aquisição de instrumentos, saberes e da própria linguagem.
Para desenvolver este trabalho, o professor pode deixar-se
guiar por indícios emitidos pelos bebês como representativos de
sua situação social de desenvolvimento. Na rotina da creche, os
bebês demonstram quando algo ou alguém lhes chama a atenção.
Quando isto ocorre, eles centram o olhar, procuram tocar,
balbuciam, sorriem, por exemplo, quando se deparam com um
objeto ou brinquedo novo, frente a aparelhos eletrônicos que
emitem som e/ou imagens (televisão, tablete e celulares). Desta
forma, os bebês sinalizam aquilo que afeta seus órgãos do sentido
(visão, audição, tato, paladar e olfato).
Assim, com o intuito de avançar a problemática que recai
sobre a creche e, portanto, contribuir com o desenvolvimento dos
bebês, em nosso trabalho defendemos a tese de que os
movimentos realizados pelos bebês, podem ser utilizados como
orientadores da prática do professor. Nossa hipótese foi que os
professores, orientados pelos movimentos realizados, podem
incidir sobre as neoformações dos bebês, em sua zona de
desenvolvimento potencial e, então, contribuir no processo de
humanização destes. Assim, o objetivo geral da tese foi apontar a
correspondência entre os movimentos externalizados e a situação
social de desenvolvimento dos bebês no primeiro ano de vida.
Na busca de demonstrarmos essa tese, realizamos a pesquisa
em uma creche com um agrupamento com quatro bebês (07 a 10

246
meses de idade). Utilizamos câmera fotográfica e filmadora para
captar os movimentos dos bebês enquanto se relacionavam com o
entorno composto por diferentes materiais e pessoas. O
materialismo histórico e dialético, enquanto método de pesquisa,
auxiliou-nos na compreensão do movimento realizado pelo bebê
em suas múltiplas determinações. Na busca da compreensão
destas múltiplas determinações, lançamos mão de preceitos da
anatomia, da psicologia Vigotskiana e da pedagogia histórico-
crítica. Dos dados emergiram categorias de análise que apontaram
as necessidades internas dos bebês enquanto se moviam (os
objetos e os adultos presentes). A partir desse indicativo,
realizamos algumas proposições com os bebês com o intuito de
perseguir a tese e contribuir com o trabalho do professor de
creche.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A teoria histórico-cultural refuta concepções inatistas que


advogam sobre traços ou características biologizantes no processo
de humanização do ser humano. Portanto, pensar sobre o
desenvolvimento humano, carece preocupar-nos acerca das
condições reais de vida e de educação, nas quais os indivíduos
estão inseridos. Para que haja desenvolvimento, é preciso o
estabelecimento de relações humanas que conduzam este
processo. Neste sentido, ao objetivarmos a humanização dos
bebês, precisamos nos atentar para as leis psicológicas que
fundamentam o desenvolvimento e a aprendizagem neste período
do desenvolvimento. Estas orientações teóricas foram
fundamentais para compreendermos o surgimento e a formação
do psiquismo humano no bebê.
Por volta da década de 1930, Blonsky e Vigotski deram início
à compreensão da periodização do desenvolvimento. Marcada
por crises, rupturas e saltos qualitativos, tal periodicidade é
derivada das relações estabelecidas com a realidade, já que,

247
histórica e dialeticamente, são estas relações que operam o
desenvolvimento humano.
Cada estágio do desenvolvimento psíquico é caracterizado
por um tipo de atividade principal. Cabe dizer que a atividade
principal não é aquela que a criança realiza com maior frequência,
mas a atividade “[...] cujo desenvolvimento governa as mudanças
mais importantes nos processos psíquicos e nos traços
psicológicos da personalidade da criança, em um certo estágio de
seu desenvolvimento. ” (LEONTIEV, 1989, p.65). Logo, em
determinado período do desenvolvimento humano, uma
determinada atividade será responsável por lançá-lo a patamares
mais elevados e devemos, por isso, falar da dependência do
desenvolvimento psíquico em relação à atividade principal e não
à atividade em geral, como lembra o autor.
De acordo com Mukhina (1996), ao longo dos sete primeiros
anos de vida, o ser humano assimila sucessivamente vários tipos
de atividades. As três primeiras atividades principais são:
comunicação, ação com objetos e jogo. Elkonin (2009), a partir do
mesmo entendimento, conceituou as três primeiras atividades
principais da criança como: contato emocional direto do bebê,
manipulatória objetal e brincadeira de papéis sociais.
Na periodização do desenvolvimento, a própria criança
começa a perceber que a relação de rotina não corresponde mais
às suas potencialidades, o que faz com que ela perca o interesse
pela atividade que realizava, por isso busca potencializá-la. Do
mesmo modo que as vivências possibilitam tal desenvolvimento,
as qualidades das relações estabelecidas pelo indivíduo mudam.
A criança, no caso, perde o interesse naquilo que ocupava maior
parte de seu tempo. Surge o novo, novas formações na estrutura
da personalidade e da atividade, configurando-se em mudanças
psíquicas e sociais que se produzem a partir das estruturas já
fixadas.
Precisamos, então, como profissionais que atuam com bebês,
captar a relação que estabelecem com o meio como produto das
mudanças em seu nível de desenvolvimento físico e social, ou

248
seja, como expressão global de suas particularidades para, então,
contribuirmos à conquista do próximo período de
desenvolvimento. Isto não quer dizer que devemos forçar a
mudança na situação social de desenvolvimento do bebê, pois as
mudanças são, inicialmente, psíquicas e não se relacionam à idade
cronológica e, tampouco, atentarmos apenas às etapas já
alcançadas. Para promovermos o desenvolvimento, faz-se
necessário conhecimento sobre o curso do desenvolvimento
infantil, as peculiaridades de cada idade, seus estágios e fases.
Vigotski (2006) destaca que, por meio de suas vivências e
experimentações, o ser humano consegue estabelecer e manter um
nível de desenvolvimento psíquico. Isto significa que o
conhecimento que domina e conhece mentalmente, corresponde
ao seu nível de desenvolvimento real. Mas há também momentos
de resoluções de problemas ou desafios que a criança só poderá
superar com o auxílio de outra pessoa mais preparada (um adulto
responsável, um professor ou até mesmo outra criança mais
experiente), denominado como nível de desenvolvimento
potencial. A dinâmica entre estes dois pontos é denominado, por
Vigotski (2006), como zona de desenvolvimento proximal.
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente de
problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto
ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI,
2006).
Preocupados com o desenvolvimento humano, precisamos
olhar para o que está por vir, em vias de se estruturar os processos
que ainda não se consolidaram. Neste momento, existem
possibilidades de apresentação de resultados pela criança com o
auxílio de outro mais experiente. Investigar o nível real, aquilo
que a criança pode fazer, é investigar o dia anterior de seu
desenvolvimento, ao passo que investigar os processos que ainda
não se consolidaram, significa investigar o amanhã (VIGOTSKI,
2006, p. 269).

249
Estes indicativos orientaram-nos na direção de se perceber a
importância da ação do professor de creche para o
desenvolvimento do bebê. Se partimos do pressuposto de que este
precisa humanizar-se, e que este processo não está dado
biologicamente, recai, pois, sobre o professor a função de fazer
incidir sobre a zona de desenvolvimento potencial do bebê
vivências de qualidade. Para isso, deverá considerar a dinâmica
da periodização do desenvolvimento. Essas mudanças de
períodos no desenvolvimento também indicam a atividade
correspondente de maior importância para o estágio no qual o
indivíduo se encontra. Em outras palavras, algumas atividades
possuem um papel secundário no desenvolvimento, enquanto
que outras, um papel central.
Deste modo, no decorrer do desenvolvimento dos seres
humanos, haverá novas contradições, novos interesses e necessidades,
entre a situação social de desenvolvimento e sua relação com o meio.
Isto porque é a diversidade em qualidade de suas experiências de vida
que determinarão seu desenvolvimento psíquico.
Com este indicativo sobre o desenvolvimento do psiquismo
humano, é que procuramos identificar nos movimentos dos bebês
sua atividade, pois, segundo Leontiev (1989), somente com o olhar
sobre o conteúdo da atividade do indivíduo, reflexo psíquico de
sua consciência, torna-se possível captarmos adequadamente a
educação enquanto elemento determinante no processo de
humanização.

OS MOVIMENTOS DOS BEBÊS NA CRECHE

Neste período de desenvolvimento, a função social do objeto


não aparece na relação prática do bebê. Seus movimentos ainda
são caóticos, uma simples manipulação, correspondendo à
condição em que se encontra (MUKHINA, 1996). Por isso, repete
os mesmos tipos de movimentos da mesma forma generalizada,
procurando satisfazer sua necessidade por novas impressões. O
que move os bebês são os adultos e os objetos. Ao serem afetados

250
pelas pessoas e pelos objetos, eles se movimentam de determinada
forma que, quando observados, demonstram sua situação social
de desenvolvimento. Na atividade, portanto, pode-se observar a
zona de desenvolvimento real do bebê. Em nossas observações,
constatamos o quanto os bebês se interessaram, deslocaram-se,
observaram, tocaram e manusearam os objetos. A necessidade por
novas impressões frente aos objetos os motivou a estabelecerem
relações táteis com os objetos, por meio do deslocamento e
movimentação do próprio corpo.
Diversas vezes os bebês foram afetados pelo conteúdo visual
e sonoro da televisão. Em algumas oportunidades, os bebês
‘dançaram’, riram e bateram palmas. Além disso, os movimentos
dos bebês em direção às áreas externas localizadas no entorno da
sala do agrupamento demonstraram o grau de interesse pelo que
acontece no lado de fora. Os bebês sabiam que pela porta da
frente poderiam ver através do vidro o pátio, o parque e as
crianças maiores e, ao fundo da sala, veriam o solário através das
grandes janelas de vidro e, também, pela porta com vidro.
Os movimentos foram, então, extraídos das cenas, agrupados
em suas semelhanças e classificados de acordo com os conceitos da
própria teoria e, ainda, quantificados. Para a elaboração deste
gráfico, recorremos às filmagens, já que, em um ponto fixo na sala,
apresentaram um panorama mais amplo da realidade captada.
Acreditamos que este conjunto de dados empíricos pôde, juntamente
com as descrições realizadas a partir das fotos, demonstrar que os
bebês se movimentavam em busca de satisfazer suas necessidades e
interesses. Com estes dados, os movimentos captados e transcritos a
partir de situações microgenéticas1 foram classificados,
caracterizados, quantificados em números de incidências e
organizados como categorias de análise.
No Gráfico 1, mostramos as quantidades de movimentos
realizados pelos bebês mediante os afetos causados pelos adultos,
outros bebês ou de objetos presentes no ambiente da instituição.

1 Sobre este assunto ver Vasconcelos et al (2003).

251
Gráfico 1 - Os movimentos dos
bebês
200 100 75
52 51 20
Ocorrências

1 7 1 1 27 15 25 3
0

Em…
Co…

Mu…

Mo…
Mo…
Em…

Em…
Ca…
Ca…
Ma…

Est…

Eng…
Eng…
Movimentos

1. Manipulação de objetos: pegar, manusear, bater, jogar,


morder, chacoalhar objetos diversos, movimentos repetitivos,
concatenados e reiterativos (52 incidências);
2. Complexo de animação: agitar mãos, braços e/ou pernas
frente a fortes emoções, seja com adultos ou com objetos (1
incidência);
3. Movimentos estereotipados: chupar o dedo, balançar-se de
cócoras, olhar ou apalpar o próprio corpo e vestimentas, deitar (7
incidências);
4. Mudança de posição: da posição bípede para sentado, de
sentado para deitado, de sentado para engatinhar, de engatinhar
para sentado (100 incidências);
5. Engatinhar/caminhar com apoio em busca de objetos:
pequenos ou longos deslocamentos sobre quatro ou três apoios
em busca de objetos (51 incidências);
6. Engatinhar/caminhar com apoio em busca dos adultos:
pequenos ou longos deslocamentos sobre quatro ou três apoios
em busca dos adultos presentes (20 incidências);
7. Caminhar livre em bipedia em busca de objetos: pequenos
ou longos deslocamentos em bipedia em busca de objetos (1
incidência);

252
8. Caminhar livre em bipedia em direção aos adultos:
pequenos ou longos deslocamentos em bipedia em busca dos
adultos presentes na sala (1 incidência);
9. Movimento de iniciativa audiovisual em direção à objetos:
mover a cabeça de um lado para o outro, de cima para baixo, de
baixo para cima, mudando o foco do olhar na procura por objetos
(27 incidências);
10. Movimento de iniciativa audiovisual em direção às
pessoas (adultos e demais bebês): mover a cabeça de um lado para
o outro, de cima para baixo, de baixo para cima mudando o foco
do olhar ao procurar pelos adultos e demais bebês presentes na
sala (75 incidências);
11. Em pé, tomando como apoio o adulto: em pé tomando
como apoio os adultos presentes (15 incidências);
12. Em pé, tomando como apoio a parede, móveis e outros:
em pé tomando como apoio a parede, os móveis da sala e demais
elementos (25 incidências);
13. Em pé sem apoios: em pé sem qualquer tipo de apoio (3
incidências).
De modo geral, observamos que os bebês direcionavam suas
atenções para as pessoas presentes na sala, sejam elas adultas ou
os outros bebês, como também para os objetos. Há que se destacar
que a manipulação objetal, compreendida pelos movimentos
concatenados e reiterativos realizados pelos bebês nos trechos
analisados, não compreendeu o tempo ou a quantidade de vezes
que um movimento foi realizado sobre o objeto, mas sim a
quantidade de incidências dos bebês sobre e com os objetos. Se
considerássemos o tempo utilizado em suas ações, poderíamos
afirmar, indubitavelmente, que a manipulação de objetos
configurou-se como a categoria predominante observada nas
filmagens. O afeto causado pelos objetos, tal como afirmam
autores da teoria histórico-cultural, é o fator motivador para os
bebês, aparecendo também nas demais categorias. Um dado que
corrobora a afirmação de que os bebês foram afetados pelos
objetos coincidiu com a categoria de engatinhar/caminhar com

253
apoio em busca de objetos. Esta categoria configurou 51
manifestações de movimentos dos bebês, demonstrando que eles
se movimentaram em pequenos e longos percursos em busca dos
objetos. Então, ao se deslocar pela sala, houve mudanças no
posicionamento, na largada e na chegada até ao objeto. Pari passu,
o deslocamento do bebê foi motivado a satisfazer a necessidade
por determinado objeto. Chegando até seu interesse, mudava seu
posicionamento, sentando, como na maioria das vezes, além de
explorar, pesquisar e manipular o objeto. Neste deslocamento,
engatinhar ou caminhar com apoios em busca dos adultos,
representou apenas 20 incidências.
Mukhina (1996) explica que existe uma força interna, ou seja,
a necessidade motivadora do bebê a estabelecer relações com os
objetos. O próprio bebê que, tendo um órgão do sentido afetado
por determinado objeto, fixa no objetivo de pegá-lo, evidenciando
uma motivação interna. Nesse caso, a ação é orientada pelo desejo
de pegar, e o objetivo e a motivação coincidem. Ao alcançar o
objeto, o bebê satisfaz sua motivação, porém ele pode desviar sua
atenção facilmente porque circunstâncias externas podem afetá-lo
de outra forma. Assim começa o desenvolvimento das
manipulações e aparecem movimentos e ações que se enriquecem.
Se os movimentos dos bebês foram categorizados e
analisados e, destas análises, os objetos e a relação com estes em
conjunto com os adultos apareceram enquanto interesses dos
bebês, quais são, então, os indicativos que emergem para a prática
docente a partir destes dados?

O ATO EDUCATIVO A PARTIR DOS MOVIMENTOS DOS


BEBÊS

As propostas aqui apresentadas foram planejadas,


preparadas e colocadas em práticas com os bebês participantes da
pesquisa, considerando seus interesses psíquicos, captados por
meio de seus movimentos. Assim, fizeram-se presentes, objetos,
brinquedos e a participação dos profissionais que, à luz da teoria

254
histórico-cultural, são os responsáveis pela promoção do processo
de humanização nas vivências destes bebês.
Algumas de nossas proposições consideraram a possibilidade
de movimentos amplos e livres para além da sala e o
deslocamento dos bebês para que pudessem, frente àquilo que os
afetava, vivenciar a bipedia (principal forma de deslocamento no
espaço) dentro da situação proposta. Segundo Mukhina (1996), a
ação de andar favorece o contato mais livre e independente,
desenvolvendo a capacidade de orientação no espaço, ampliando
a compreensão do mundo dos objetos e aumentando o número de
objetos a serem manipulados. Além disso, proposições que
valorizem movimentos como este, podem contribuir para que os
passos desajeitados se tornem condutas motoras, auxiliando na
autonomia dos pequenos. Às vezes, explica Vigotski (2006), o
bebê ensaia os primeiros passos e cai, levanta e cai novamente,
engatinha e anda, anda mal e com esforço, demonstrando que a
bipedia ainda não está dominada. Por esta razão, o
desenvolvimento e domínio da bipedia, o andar tipicamente
humano, insere-se como uma necessidade do bebê, um objetivo a
ser atingido pela creche.
Para isso, providenciamos diferentes plataformas e
obstáculos para que os bebês pudessem se movimentar: rampas,
túneis, bloco, cilindro e um tablado. Por mais que estes elementos
remetiam-nos a circuitos de ‘treinamento’, em nenhum momento
os bebês foram orientados sobre como deveriam proceder. Houve
a proposta, a consideração do tempo necessário de exploração
pelos bebês e a liberdade para realizarem suas pesquisas,
evidenciando o aparecimento do movimento na vivência, pois os
bebês se sentiram afetados pelos elementos.
Da mesma forma e sob a mesma orientação teórica citada
acima, procedemos com a oferta de novos obstáculos: pneus
coloridos. Estes elementos também foram inseridos, um a um,
para que os bebês pudessem vivenciá-los a seu modo e tempo.
Um pneu pode possibilitar ao bebê que ele adentre, suba, desça.
Dois e três pneus empilhados possibilitaram ao bebê toma-los

255
como apoios, subir como escadas em um patamar mais alto,
entrar, esconder-se, brincar, sendo assim atividades de
experimentação mais desafiadoras.
Outra proposição que permitiu movimentos amplos foram as
banheiras com água. Esta proposta foi autorizada pela gestão
institucional, haja vista a temperatura da região, a presença de
dois adultos, a quantidade de água nas banheiras e o espaço com
sombra onde foram posicionadas. Tendo a proposta autorizada e
colocada em prática, o que percebemos com o auxílio das fotos, foi
o envolvimento dos bebês na vivência. Os movimentos vivos,
como complexo de animação frente àquilo que gerou fortes e boas
emoções, evidenciadas nas ações de tocar na água; na liberdade
de bater nela; jogar água para cima, no outro; sentir a água no
piso do solário; molhar-se; estar imerso na banheira; encher e
esvaziar pequenos recipientes com a água, ou seja, manipular este
elemento da natureza.
Propusemos, ainda, experiências às quais pudessem explorar,
pesquisar, envolver-se com mais calma e tempo. Neste sentido,
oferecemos o tapete sensorial, o painel e a parede sensorial. Tais
propostas nasceram e se consolidaram a partir dos indicativos da
pesquisa empírica, do envolvimento dos bebês com os objetos, por
elementos que pudessem manusear, manipular, mexer, balançar,
pegar, puxar, enfim, que dentro de suas possibilidades, de acordo
com a situação social de desenvolvimento, pudessem estabelecer
relações. Uma a uma, estas propostas foram inseridas no
agrupamento.
O cesto de tesouro, de acordo com Singulani (2016), nasceu
do intuito de duas pesquisadoras do Instituto Rosa Sensat,
Barcelona, Majem e Òdena, de possibilitar oportunidade de
brincar às crianças que ainda não se movimentavam
autonomamente. Nosso cesto adaptado com o uso de bacia
plástica tinha como objetivo oferecer um conjunto de objetos para
serem manuseados pelos. Dentro destas duas bacias plásticas
colocadas no centro da sala, havia objetos diversos, tais como:
revistas, potes, miniaturas, brinquedos, objetos, etc. Outra

256
proposta de vivência baseada no cesto de tesouros e que também
expôs alguns dados interessantes foi a caixa surpresa. Esta
proposta consistiu em um conjunto de caixas que continham
brinquedos e objetos do cotidiano. A diferença era o acesso dos
bebês a estes objetos, sendo que eles precisavam colocar a mão
dentro da caixa, por uma única abertura flexível, para pegar, às
cegas, o objeto tocado.
O que estamos querendo reiterar é a importância de alguém,
neste caso da creche, o professor que se coloca como ser mais
experiente com o bebê e propõem vivências que promovam o
desenvolvimento infantil por intermédio da experiência prática,
plástica e lúdica, com o uso linguagem falada.
Vale lembrar que, para esta teoria é a aprendizagem que
promove o desenvolvimento. Logo, a relação do professor com o
bebê é indispensável para a promoção do desenvolvimento. Para
isso, esse profissional precisa lançar mão daquilo que seja capaz
de promover este desenvolvimento. Guiado por essa teoria,
poderá oferecer aos pequenos, diferentemente da vida cotidiana, a
cultura humana em suas máximas possibilidades. Este é outro
desafio que se coloca no trabalho com bebês: transpor a barreira
que nós, adultos, colocamos sobre suas capacidades, limitando-os
e subordinando-os às nossas concepções que os colocam como
seres incapazes. A cultura está dada, precisamos oferecê-la a eles.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao aproximarmo-nos teoricamente da temática aqui


abordada, deparamo-nos com diversos problemas, entraves e
obstáculos que marcaram e marcam o atendimento institucional
de bebês, dentre eles: concepções assistencialistas que
caracterizam a rotina como afazeres domésticos, focado na
proteção, alimentação e higiene; trabalho docente não diretivo,
espontâneo, embasado no cotidiano e na espera pelo
desenvolvimento do bebê que há de vir e que, por isto, não há
trabalho pedagógico a ser realizado com ele.

257
Dos indicativos teóricos acima mencionados e as
problemáticas acerca do atendimento de bebês em creche,
emergiu uma contradição: de modo geral, os profissionais
responsáveis pelos bebês em creche estão contribuindo de forma
limitada com o seu desenvolvimento. Na busca pela superação
desta contradição, ou seja, em defesa de uma qualidade
educacional que inicie desde os primeiros meses de vida, torna-se
imprescindível que os professores entendam e incidam sobre o
desenvolvimento do bebê. Para isso, devem conhecer e identificar
as necessidades psíquicas destas crianças.
Neste sentido, estamos entendendo os movimentos
realizados pelos bebês na creche como indícios, sinais, pistas desta
situação social de desenvolvimento, portanto orientadores do
trabalho do professor. Frente a estas preocupações é que surgiu a
tese a ser debatida neste trabalho: os movimentos dos bebês como
indícios orientadores do trabalho do professor. Não o movimento
mecanicamente realizado, mas um movimento ligado à psique.
Nossa hipótese inicial era de que o movimento realizado pelo
bebê, expressão de seus interesses, podia ser observado, captado e
orientar o trabalho do professor.
Pois bem, após a captação dos dados colhidos na creche, estes
foram categorizados e analisados. Dentre os movimentos
realizados pelos bebês (sentar, engatinhar, caminhar com apoios,
ficar em pé com apoios, movimentar a cabeça, ficar em pé,
caminhar e correr), pudemos demonstrar, estatisticamente, que os
maiores interesses nesta movimentação se deram em direção aos
objetos e a uma atividade em conjunto com os adultos.
Mesmo com toda limitação motora, a ausência de novos
objetos, a falta de intervenção da educadora próxima aos bebês,
foi possível evidenciar os objetos como principal fonte de
interesse dos bebês e os adultos presentes como fonte secundária
nesta relação. A partir destas constatações teóricas e empíricas,
realizamos algumas proposições aos bebês de modo a
contribuirmos com a superação das práticas pedagógicas
problematizadas.

258
Estas proposições consideraram, então, os interesses dos
bebês captados, os objetos e as indicações da teoria histórico-
cultural sobre o papel do outro como mediador, bem como a
situação social de desenvolvimento destes bebês.
Assim, procuramos oferecer a eles, novos objetos para
manipularem, objetos que desafiassem, incitassem, convidassem
ao estabelecimento de uma nova relação. Não obstante,
preparamos alguns espaços para que os bebês pudessem
vivenciar novas experiências, tentar novos movimentos, novas
investigações e pesquisas.
Os objetos de uso cotidiano indicaram a sua importância
quando foram inseridos. Foram propostos, então, o novo, o
diferente, o desafiador e os objetos de uso sociais de modo a
acolher e ampliar as possibilidades das crianças.
Nestes momentos, o professor apareceu como aquele que
organiza, propõe, senta próximo e dialoga com o grupo ou com o
bebê individualmente. Nesse sentido, cabe ao professor oferecer,
convidar, incitar o bebê a se relacionar com o objeto de modo
qualitativamente diferente.
As formas iniciais e primitivas do bebê precisam entrar em
contato com as formas mais complexas e evoluídas do entorno.
Portanto, o professor responsável precisa estar atento a estes
indícios lançados pelos bebês. Será, pois, na convivência coletiva
que o bebê caminhará em direção à sua humanização.

REFERÊNCIAS

ELKONIN D. B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fones, 2009.


LEONTIEV A. Uma Contribuição para a Teoria do
Desenvolvimento da Psique Infantil. In: Vygotsky, L. S., LURIA A.
R., LEONTIEV A., N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem.
São Paulo: Ícone/Edusp, 1989.

259
MARTINS, L. M. O ensino e o desenvolvimento da criança de
zero a três anos. In: ARCE, A.; MARTINS, L. M. Ensinando aos
pequenos: de zero a três anos. Campinas: Alínea, 2009.
MUKHINA, V. Psicologia da idade pré-escolar. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
OLIVEIRA R. P. de. Entre a fralda e a lousa: um estudo sobre
identidades docentes em berçários. Dissertação de Mestrado,
Programa de Pós-graduação em Estudos Culturais, Escolas de
Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, 2014.
RAMOS, C. de M. M. N. O papel da professora no
desenvolvimento humano da criança pré-escolar sob o enfoque da
teoria histórico-cultural. Tese de doutorado – Marília, 2011.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.
11.ed.rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
SINGULANI R. D. A situação social de desenvolvimento das
crianças de dois a três anos: um estudo com enfoque nas
experiências vivenciadas na escola de educação infantil. Tese de
doutorado, Programa de Pós-graduação em Educação, Unesp,
Marília, 2016.
VIGOTSKI, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. 2. ed. Madrid: Machado
Libros. 2006.

260
CAPÍTULO 12

O ENSINO DAS ARTES E O DESENVOLVIMENTO DAS


EMOÇÕES E SENTIMENTOS DAS CRIANÇAS NO MEIO
ESCOLAR: REFLEXÕES ACERCA DE UM PROCESSO
INTERVENTIVO FORMATIVO

Tatiane da Silva Pires Felix

DOS CAMINHOS TRILHADOS ATÉ A ESCOLHA DA


TEMÁTICA DE NOSSA TESE DE DOUTORADO

Estamos em momento de comemoração de 10 (dez) anos de


GEIPEEthc (Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em
Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural), portanto, não
poderia iniciar este capítulo sem realizar uma contextualização
histórica de meu processo no grupo, bem como de minha
pesquisa de doutorado.
Primeiramente, é necessário esclarecer que a temática da
pesquisa de doutorado teve seu início em 2008 juntamente com o
surgimento do GEIPEEthc. Desta forma, como membro fundador
do grupo, faço parte das atividades de intervenção no interior da
escola pública há aproximadamente 09 anos, tendo realizado
pesquisa de Iniciação Científica no ano de 2010 (FELIX, 2010),
como bolsista CNPq e realizado minha dissertação de mestrado
(FELIX, 2013). Assim, as reflexões advindas destas pesquisas têm
servido de base para minhas formulações teóricas e construção de
minha carreira acadêmica, sempre ao lado dos membros do
GEIPEEthc e no interior da escola pública.
A problematização do tema abordado neste capítulo, e em
nossa tese de doutorado, tem sua gênese nos resultados e
descobertas decorrentes de nossa dissertação de mestrado, em que
no baseamos na teoria histórico-cultural para compreender o

261
processo de timidez-intimidação no meio escolar. Torna-se
importante esclarecer que ao longo do desenvolvimento da nossa
dissertação de mestrado, encontramos elementos teórico-práticos
que nos levaram a pensar, discutir e defender um conceito sobre a
timidez, a partir da análise das observações da realidade escolar,
que nos fizeram entender o processo da timidez em uma relação
intimidação-timidez, permeada por um sistema afetivo que
relaciona, dialeticamente, as emoções do medo e vergonha ao
processo de construção da personalidade dos sujeitos, conforme
discussão baseada nos resultados daquela pesquisa que
realizamos na escola.
Concluímos naquela pesquisa de mestrado, que a timidez e
os processos intimidadores, não tinham sua origem nos próprios
indivíduos, mas neles se instalavam, como uma forma de
reprodução e resultado de diversas relações sociais opressivas,
intimidadoras, alienadas e alienantes presentes na sociedade e
reproduzidas nas relações sociais escolares.
Considerando a realidade pesquisada na escola, passamos a
defender que mais importante que transformar aqueles sujeitos
tímidos em autônomos e mais “comunicativos”, tornar-se-ia
imprescindível, transformar o meio social intimidador em que os
mesmos estavam inseridos, ou seja, a própria escola.
Passamos a defender, portanto, a necessidade de construção
de novas condições de aprendizagem e desenvolvimento, a partir
de um novo modo de relações sociais, que mobilizassem e
desenvolvessem emoções, sentimentos e afetos diferenciados na
escola, enfatizando o processo de superação da opressão e
alienação e na busca da efetiva humanização dos sujeitos
presentes e participantes da escola.
Estas inquietações nos levaram a pensar na temática de nossa
tese de doutorado, abordada neste capítulo, a qual tem por intuito
efetivar e, de forma dialética, compreender e analisar a relação do
ensino das artes e o desenvolvimento das emoções e sentimentos
dos estudantes.

262
Nessa direção, defenderemos, neste texto, a importância da
organização do ensino das artes, entendendo-as enquanto
conteúdos representativos do gênero humano, que carrega
aspectos históricos, políticos, éticos, estéticos e afetivos, sendo,
portanto, objetivações imprescindíveis ao processo de
desenvolvimento humano que caminhe num sentido
humanizador.

EMOÇÃO E SENTIMENTO E O DESENVOLVIMENTO


HUMANO: O SER HUMANO COMO UNIDADE AFETIVO-
COGNITIVA.

Em nossa tese de doutorado, defendemos a importância do


ensino para o desenvolvimento das funções psicológicas,
destacando as emoções e sentimentos, no entanto, segundo
Martins (2013) os processos psíquicos (funções), não podem ser
compreendidos apartados, mas em relação entre si. Outra questão
importante à compreensão dos processos psíquicos, como as
emoções e sentimentos, é que segundo Martins (2013), estes
processos se desenvolvem e se reestruturam a partir de processos
educativos.
Desta forma, pensando na constituição do ser humano,
podemos nos pautar nas contribuições de Oliveira (1996), que nos
esclarece ser importante pensarmos na ontogênese humana
determinada por aspectos sociais e históricos, a partir da questão
“o que é o homem”? Esta é a primeira pergunta a ser respondida
ao nos preocuparmos com o processo de desenvolvimento
especificamente humano e as diferentes teorias educacionais
responsáveis em mediar tal processo, pois, sem este
questionamento, não seria possível realizar nenhum ato
educativo.
Isto se dá pelo fato de que os “homens”, ou seres humanos,
não nascem humanos, mas sim se humanizam através de
processos educativos. Nesta direção, Gramsci (apud OLIVEIRA,
1996, p. 12) define que:

263
A afirmação de que a “natureza humana” é o “conjunto das relações
sociais” é a resposta mais satisfatória porque inclui a idéia de
devenir: o homem ‘devém’, transforma-se continuamente com as
transformações das relações sociais (...) Também é possível dizer
que a natureza do homem é a sua “história” (...), contanto que se dê
à história o significado de devenir, em uma concórdia discors que
não parte da universalidade, mas que tem em si as razões de uma
unidade possível. Por isso a “natureza humana” não pode ser
encontrada em nenhum homem particular, mas em toda a história
do gênero humano.

Ou seja, a especificidade da natureza humana não pode ser


encontrada na genética humana, mas sim, na história e nos
produtos do gênero humano. Segundo Oliveira (1996), não é
possível haver uma dissociação entre o mundo singular dos
indivíduos e a universalidade do gênero humano, pois, a natureza
especificamente humana, em sua totalidade, “é resultado de toda
a história do gênero humano, de toda a história das relações entre
os indivíduos, por outro lado, o indivíduo, isto é, cada indivíduo
concreto, é resultado de um conjunto de determinadas relações
sociais nas quais ele está inserido” (OLIVEIRA, 1996; p.13).
Importante salientar que Oliveira (1996) defende que o ser
humano é constituído por múltiplas relações sociais e que não
podemos reduzir nossas análises apenas às singularidades já
construídas dos sujeitos. É necessário se posicionar diante do seu
dever-ser, ou seja, mesmo que este ainda não tenha tido
oportunidade de se apropriar das diversas objetivações humanas,
há que se considerar a possibilidade de seu desenvolvimento
nesta direção, no que este poderá se transformar, e é aí que a
educação assume o papel de agente de transformação.
Para Oliveira (1996), a preocupação com o dever-ser humano
necessita de uma práxis transformadora, deixando de lado ações
que mantém o ser humano em um nível que ele já apresenta, mas
que possibilitem novos aprendizados e novos patamares de
desenvolvimento, sobretudo, quando nos reportamos acerca da
função da escola na elevação a patamares cada vez mais

264
complexos dos processos de desenvolvimento dos indivíduos
singulares.
Este processo de apropriação e objetivação mencionado por
Oliveira (1996), como sendo fundamental para a humanização dos
seres, só é possível pelo fato de que para que o desenvolvimento
ocorra é necessário um processo de internalização dos aspectos da
realidade, os quais são veiculados, transmitidos e apropriados por
cada sujeito singular, no bojo das relações sociais. É neste sentido
que Vigotski (1996, p. 228-229) no explica, a luz das contribuições
de Marx que:

Poderíamos devir que a natureza psíquica do homem é um


conjunto de relações sociais transferidas ao interior, e convertidas
em funções da personalidade, partes dinâmicas de sua estrutura. A
transferência ao interior das relações sociais externas existentes
entra as pessoas é a base da formação da personalidade, uma vez
que já fora indicado há algum tempo por investigadores. «Em certo
sentido – diz C. Marx –, o homem se assemelha a uma mercadoria,
já que nasce sem um espelho nas mãos e não filosofa ao estilo de
Fichte: «Eu sou eu». A princípio, o homem observa a outro homem
como se fosse um espelho. Somente no caso de que o indivíduo
Pedro considere o indivíduo Pablo como um ser semelhante a si
mesmo, começará Pedro a tratar-se a si mesmo como um ser
humano. Ao mesmo tempo Pablo, como tal, com toda a
corporeidade de Pablo, se converte para ele na expressão do gênero
humano.1

Portanto, o desenvolvimento humano, assim como o das


personalidades, não pode ser pensado como algo dado e acabado
a partir de características naturais, mas sim, se constitui através
das vivências dos indivíduos com objetivações pertencentes ao
gênero humano, internalizando-as e constituindo suas essências.

1 Texto traduzido do espanhol para o português. A tradução foi por nós


realizada.

265
Neste sentido, Martins (2011, p.192) afirma existir um aspecto
fundamental no processo de internalização: o aspecto afetivo. Nas
palavras da autora:

[...] toda essa dinâmica de internalização abarca apenas parte do


processo, uma vez que nenhuma imagem se institui na ausência de
uma relação particular entre sujeito e objeto. Que o objeto afete o sujeito
se revela a primeira condição para sua instituição como imagem, a
refletir também, além das propriedades objetivas do objeto, as
singularidades da relação do sujeito com ele. Eis então a
impossibilidade de qualquer relação entre sujeito e objeto isentar-se
de componentes afetivos. (MARTINS, 2011)

Através desta afirmação, evidencia-se o papel fundamental


dos afetos em todo o desenvolvimento da personalidade humana,
visto que, é através do processo de internalização dos
componentes da genericidade que esta se desenvolve, porém, este
processo só acontecerá se o produto do gênero afetar o sujeito de
forma significativa.
Portanto, ao pensarmos em como se formam os seres
humanos, devemos compreender a relação entre afeto e cognição,
não como processos dicotômicos, mas sim, como processos que se
relacionam dialeticamente. Este, segundo Martins (2011), é o
aspecto inicial a ser debatido no sentido de se entender o
desenvolvimento das emoções e sentimentos nos indivíduos sob a
base do materialismo histórico dialético, tarefa que temos nos
proposto a realizar ao discutirmos práticas pedagógicas na escola
através das objetivações artísticas.
Para iniciar este debate, devemos ressaltar que segundo
Martins (2011) é necessário superarmos a lógica do “Ou é isso, ou
aquilo” ao analisar os aspectos cognitivos e afetivos dos sujeitos,
antes, devemos compreendê-los como seres constituídos de uma
unidade cognitivo-afetiva. Neste sentido, Vigotski (2004)
defendeu a compreensão de emoções, sentimentos e afetos como
elementos da consciência e personalidade humana, desenvolvidos

266
socialmente e essenciais para pensarmos o ser humano como
totalidade psíquica.
Ressaltamos que Vigotski (2004), se dedicou a entender o ser
humano em sua complexa totalidade, buscando não dicotomizar
as emoções e vivências do processo complexo de formação da
consciência e personalidade. Sobre a relação intrínseca existente
entre personalidade e emoções, ressaltamos, nas palavras do
autor, que:

Toda emoção é uma função da personalidade, e isto é justamente o


que perde de vista a teoria periférica. Assim, a teoria puramente
naturalista das emoções requer a modo de complemento, uma
verdadeira e adequada teoria dos sentimentos humanos
(VIGOTSKI, 2004, p.214).

Desta forma, o autor nos esclarece que as emoções servem à


personalidade como uma de suas funções, não estando, portanto,
apartadas do psiquismo humano. Esta concepção refuta as teorias
que compreendem as emoções como algo puramente biológico,
inerente ao sujeito, ou como simples reflexo a determinado
estímulo ambiental e enfatiza o processo histórico-social de
constituição do psiquismo humano em que as emoções devem ser
compreendidas como pertencente à totalidade psíquica do sujeito.
Fica evidente em Vigotski (2004) a preocupação em tornar
nítida a importância dos elementos sociais na constituição das
emoções e sentimentos humanos. O autor criticou as concepções
dualistas das emoções e defendeu que as emoções e sentimentos
deveriam ser analisados em uma unidade psicofísica, ou seja, há
que entendê-las como unidade inseparável.
É importante esclarecer que Martins (2011), assim como
Toassa (2009) afirmam que a posição de Vigotski, frente ao estudo
das emoções e sentimentos, baseia-se nos pressupostos da teoria
Espinosiana, na qual resgata a concepção de que a razão modifica
a ordem, as relações e as conexões das emoções. Desta forma, o

267
que sentimos por outra pessoa tem a ver com o que pensamos
dela, ou seja, a valoração que damos a ela.
Segundo Martins (2011), o enfoque dado por Vigotski (2004)
às emoções e sentimentos é o mesmo que é dado aos demais
processos psíquicos funcionais, a saber, um enfoque sistêmico em
que essas funções psicológicas são reconhecidas na relação com as
outras funções na totalidade psíquica do sujeito.
Sobre esta relação dos processos funcionais, o autor ressaltou
que a linguagem tem um importante papel no desenvolvimento
das emoções e sentimentos, visto que, para Vigotski (1996), assim
como as vivências, os sentimentos passam a ser generalizados
através da mediação dos significados das palavras. Antes da
generalização, a criança é afetada por emoções ainda destituídas
de significado, ou seja, pode, por exemplo, passar por situações de
medo sem saber o que está sentindo, porém, quando internaliza o
significado das palavras que conceituam determinado
afeto/emoção, passa a conhecer e generalizar estes afetos. A partir
desta generalização, a criança compreende o que sente, e é capaz
de dizer que está com medo, que está triste ou feliz. Portanto, para
o autor, ter conhecimento dos afetos, através de processos de
internalização de seus significados sociais, resulta na produção
novas formações internas e transformam qualitativamente nossas
funções psíquicas de emoções e sentimentos, assim como o que
passará a nos afetar.
Assim, podemos afirmar que Vigotski não dicotomiza as
emoções dos demais processos psíquicos, antes, as compreende
em relação com pensamento, linguagem, percepção e imaginação,
ou seja, em relação com todas as funções psicológicas que
sintetizam a personalidade humana (VIGOTSKI, 1996, 2004,
2009b).
Portanto, para Vigotski (2006), as emoções e sentimentos
podem ser consideradas funções psicológicas elementares e
superiores. Justamente por isto, o autor não as pensa de maneira
formal e dicotômica, pois, não acreditava que os sentimentos
teriam um caráter superior à vida afetiva, enquanto as emoções

268
seriam apenas respostas físicas aos estímulos sensoriais; como
muitas vezes defendiam os filósofos e psicólogos de sua época.
Vigotski (2004) ressaltou que não existem emoções, por
natureza, inferiores ou superiores, ou, ainda, que as emoções
estão apartadas do psiquismo e podem ser compreendidas em
oposição à razão. No intuito de afirmar a unidade afetivo-
cognitiva e enfatizar sua importância na totalidade psíquica,
Vigotski (2009a, p. 15-16) afirma que:

Quando falamos da relação do pensamento e da linguagem com os


outros aspectos da vida e da consciência, a primeira questão a
surgir é a relação entre o intelecto e o afeto. Como se sabe, a
separação entre a parte intelectual da nossa consciência e a sua
parte afetiva e volitiva é um dos defeitos mais radicais de toda a
psicologia tradicional. Nesse caso, o pensamento se transforma
inevitavelmente em uma corrente autônoma de pensamentos que
pensam a si mesmos, dissocia-se de toda a plenitude da vida
dinâmica, das motivações vivas, dos interesses, dos envolvimentos
do homem pensante e, assim, se torna ou um epifenômeno
totalmente inútil, que nada pode modificar na vida e no
comportamento do homem, ou uma força antiga original e
autônoma que, ao interferir na vida da consciência e na vida do
indivíduo, acaba por influenciá-los de modo incompreensível.

Ou seja, ao compreendermos o psiquismo humano como


sistema interfuncional, precisamos levar em conta os afetos no
processo de ensino e aprendizagem, pois, se não buscamos
desenvolver as emoções na escola, o ato educativo não terá
significados e sentido aos estudantes na direção da sua
humanização, como defendemos. Portanto, torna-se
imprescindível defender um ensino escolar que desenvolva
emoções, sentimentos e afetos entendidos enquanto funções
psicológicas superiores e relacionados a processos de
aprendizagem escolar.
Neste sentido, o reconhecimento da importância dos afetos
no processo de construção do psiquismo e da personalidade

269
humana nos mobilizou a pensar, e a questionar, a função da
educação escolar nesse processo, uma vez que consideramos que
o processo psíquico das emoções e sentimentos encontra-se
presente em todo ato educativo, como funções que mobilizarão a
motivação/desmotivação do estudante para a aprendizagem em
um processo pedagógico.
No entanto, defendemos que as emoções e sentimentos só se
desenvolverão através da mediação dos signos, ou seja, através de
um processo de ensino (informal e formal) e neste artigo
enfatizamos o ensino escolar como imprescindível no processo de
apropriação, pelos estudantes, de conhecimentos e conceitos
humano-genéricos essenciais para o desenvolvimento dessas
funções psíquicas, como nos orienta Martins (2011).
Tais considerações nos levam a pensar no papel da escola e
da educação escolar no desenvolvimento das emoções e
sentimentos dos estudantes, considerando que estas são funções
do psiquismo e seu desenvolvimento, portanto, é primordial para
a construção da personalidade humana.

PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E O ENSINO DA ARTE

Ao pensarmos no papel da escola no desenvolvimento dos


estudantes, defendemos, em concordância com Saviani (2001), que
a sua função deve ser a de transmitir/ensinar conteúdos que
proporcionem o desenvolvimento do psiquismo dos sujeitos
numa direção crítica e emancipadora.
A escola tem sido, através de décadas, a instituição de maior
responsabilidade em educar, transmitir conhecimentos e formar
os seres humanos. Saviani (2011) defende que sua função não é a
de transmitir qualquer tipo de conhecimento ou conteúdo, e
muito menos de qualquer maneira. Trata-se de trabalhar os
conhecimentos universais, sistemáticos, científicos, filosóficos,
artísticos, ou seja, a escola possibilita a efetivação de um trabalho
educativo que possibilite que todos tenham acesso aos conteúdos
clássicos da genericidade.

270
Esta preocupação com a transmissão dos conhecimentos
científicos e artístico aos indivíduos, fora, também, preocupação
de Vigotski (2009a, 2009b), pois, de acordo com este autor, tais
conteúdos são responsáveis em reorganizar as funções psíquicas,
transformando todo o sistema psíquico, atuando no
desenvolvimento da personalidade dos sujeitos.
Ao defender os conhecimentos clássicos e universais
enquanto imprescindíveis no trabalho educativo, a pedagogia
histórico-crítica não visa um processo educativo conteudista,
verbalista e abstrato, pelo contrário, leva em conta a dialética
entre forma e conteúdo no processo de ensino-aprendizagem
(MARTINS, 2011).
Desta forma, além de enfatizar a importância dos conteúdos
clássicos e mais elaborados, também é preocupação da pedagogia
histórico-crítica a forma com que estes conteúdos são
transmitidos/assimilados na escola. Neste sentido, afirma Saviani
(2011, p. 13):

O objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos


elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos
da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro
lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas
para atingir esse objetivo.

Ou seja, para Saviani (2011), um trabalho educativo realizado


à luz da pedagogia histórico-crítica precisa selecionar os
conteúdos clássicos, bem como as melhores formas de ensinar
estes conteúdos com vistas à construção da consciência filosófica,
crítica, coerente e de totalidade. Para o autor, a relevância dos
conteúdos representa o dado nuclear da educação escolar, uma
vez que, na ausência de conteúdos significativos a aprendizagem
esvazia-se, transformando-se no arremedo daquilo que de fato
deveria ser.
Porém, ainda de acordo com Saviani (2011), o conteúdo por si
próprio, isolado, não interessa à pedagogia. O conteúdo deve ser

271
pensado em consonância com as formas de transmissão destes aos
alunos, sendo estes os meios necessários para que o professor
possa trabalhar no desenvolvimento efetivo dos estudantes. Por
este motivo, o autor afirma que o melhor geógrafo, historiador,
letrista, não necessariamente serão os melhores professores de
geografia, história e letras. Isto porque é necessário que se escolha
a melhor forma, o melhor meio de ensinar tais conteúdos.
Também é preocupação da pedagogia histórico-crítica que
seja levado em consideração a quem se destina o ato educativo.
Assim, forma-se o que Martins (2011) chama de tríade forma-
conteúdo-destinatário, onde cada um destes elementos precisa
estar em relação com os demais para que, de fato, possa ser
realizado um trabalho educativo significativo.
Pensando nestes aspectos da pedagogia histórico-crítica e na
necessidade de desenvolver as emoções e sentimentos enquanto
funções importantes ao desenvolvimento do psiquismo e da
personalidade humana, nos questionamos acerca de quais seriam
os conteúdos clássicos que, ao serem ensinados, poderiam
promover um maior desenvolvimento destas funções; e as formas,
os meios, a serem utilizados no intuito de alcançar o amplo
desenvolvimento afetivo. Seguiremos, portanto, defendendo a
arte enquanto uma importante ferramenta nesse processo.
Após discutir que as emoções e sentimentos são funções
primordiais a qualquer ensino, que precisam de mediação para se
tornarem funções psicológicas qualitativamente superiores, e de
ressaltar a contribuição da pedagogia histórico-crítica para
pensamos nos conteúdos e formas de ensino, abordaremos o
quanto a arte é uma importante forma e conteúdo a ser ensinado
na escola, no intuito de desenvolver a esfera afetiva da vida dos
estudantes.
A arte pode ser considerada um meio fundamental para o
desenvolvimento das emoções e sentimentos, pelo fato dos objetos
artístico-culturais integrarem dialeticamente forma e conteúdo,
possibilitando vivências estéticas significativas no
desenvolvimento das emoções. Segundo Vigotski (2001, p.12) “a

272
arte sistematiza um campo inteiramente específico do psiquismo
do homem social – precisamente o campo de seu sentimento”.
A afirmação acima, nos remete à importância das artes no
ensino de formas e conteúdos que desenvolvam, sistematizem e
reelaborem os sentimentos e emoções humanas, além de reafirmar
a defesa psicofísica das emoções, pois Vigotski (2001) defende o
campo do sentimento como campo do psiquismo humano, ou
seja, não dicotomiza emoções e sentimentos dos demais processos
psíquicos.
Vigotski (2001) nos leva a compreensão de que a obra de arte
é um importante meio de sensibilização, por ter em sua
concretude a imagem diretamente ligada ao conteúdo. Ou seja,
acreditamos que ao vivenciarem determinadas manifestações
artísticas, os estudantes poderão ter um contato com o conteúdo
escolhido de forma muito significativa, desde que sejam afetados
pela vivência de objetos artísticos na escola.
Afirma o autor que nas artes podemos encontrar estampadas
esteticamente emoções tais como de “alegria, tristeza, amor, ódio,
admiração, tédio, orgulho, cansaço” Vigotski (2009 b, p.22). O
autor ressalta ainda que a fantasia proporcionada pela
manifestação artística, ainda que seja apenas uma representação
da realidade, é capaz de nos provocar sentimentos reais e nos dá o
exemplo de um ator, que em sua encenação necessita chorar,
ainda que o choro se mostre enquanto cena teatral, a emoção é
vivida verdadeiramente.
Vigotski (2001) também nos dá motivos para defender as
manifestações artísticas como instrumento e conteúdo pedagógico
das emoções, quando afirma que a arte transforma os sentimentos
de quem a vivencia. Afirma Vigotski (2001, p. 307) que:

[...] a verdadeira natureza da arte sempre implica algo que


transforma, que supera o sentimento comum, e aquele medo,
aquela mesma dor, aquela mesma inquietação, quando suscitadas
pela arte, implicam o algo a mais, acima daquilo que nelas está

273
contido. E este algo supera esses sentimentos, transforma a sua
água em vinho [...].

Ou seja, assim como a própria arte é uma manifestação da


transformação dos sentimentos e emoções do artista que a
produziu, podemos “transformar a água em vinho” no que se
refere às emoções e sentimentos dos sujeitos ao proporcionar um
trabalho pedagógico e intencional, através de obras clássicas que
retratam a genericidade humana.
Ainda neste sentido, para Vigotski(2001, p.315) “A arte é o
social em nós”, ou seja, para o autor o aspecto social sempre se
encontra presente nas obras de arte, isto porque o autor nos
explica que na arte, o sentimento do artista é objetivado em sua
obra e, posteriormente, quando nos deparamos com sua
produção, seus sentimentos se convertem em componentes que
passarão a fazer parte de cada um de nós, ou seja, nos
apropriamos das vivências e sentimentos expressos na arte, desde
que tais vivência se deem dentro de um processo educacional que
proporcione tal apropriação.
Desta forma, Duarte (2016) nos explicitam que, para Vigotski,
a arte é a técnica dos sentimentos, pois constrói uma existência
social objetiva das emoções e sentimentos humanos, o que
possibilita que os demais sujeitos se apropriem desses
sentimentos como algo já objetivado em determinada obra de arte.
Além de objetivar os sentimentos, segundo Duarte (2016), a
obra de arte supera os elementos da cotidianidade e do
imediatismo, pois, reelabora conteúdos relacionados com a
realidade objetiva, por conter em suas formas e conteúdos os
conhecimentos relacionados com a história da humanidade,
assim, carrega, em si, significados históricos e axiológicos que
podem ser transmitidos a outros indivíduos, e desta forma,
contribuir para sua humanização.
Segundo Lukács (1978), os conhecimentos/conteúdos
advindos da ciência e a criação artística são elementos da
universalidade, ou seja, do gênero humano, e se diferenciam dos

274
conhecimentos de senso comum, da cotidianidade. Pois, para
Lukács (1978, p. 159-160):

O conhecimento ligado à prática cotidiana se fixa em qualquer


ponta, a depender de suas tarefas concretas e práticas. O
conhecimento científico ou a criação artística (bem como a recepção
estética da realidade, como na experiência do belo natural) se
diferenciam no curso do longo desenvolvimento da humanidade,
tanto nos limites extremos como nas fases intermediárias. Sem este
processo, jamais se teria concretizado a verdadeira especialização
destes campos, a sua superioridade em face da práxis imediata da
vida cotidiana, da qual ambos paulatinamente surgiram.

Ou seja, para o autor, a base das obras de arte está na vida e


na realidade dos homens. Neste sentido, Lucáks (1978) nos faz
refletir que estes conteúdos contidos na arte são históricos, pois,
discutem a questões referentes a situações oriundas da realidade
da época em que foram criados. Para o autor:

Toda obra de valor discute intensamente a totalidade dos grandes


problemas de sua época: tão-somente nos períodos da decadência
estas questões são evitadas, o que se manifesta, nas obras, em parte
como carência de real universalidade, em parte como enunciação
nua de universalidade não superadas artisticamente (falsas e
distorcidas como conteúdo) (LUCÁKS,1978, p. 163).

A partir destes pressupostos, defendemos que os conteúdos


advindos das artes, quando trabalhados em um processo
educativo humanizador, podem contribuir para a compreensão
da realidade social de diversas épocas, os valores sociais e éticos
da humanidade, bem como podem contribuir para com a
apropriação de vivências e de sentimentos e emoções humanas
essenciais para o processo de humanização dos sujeitos na escola.
Podemos afirmar assim, que as obras de arte, por carregarem
consigo conhecimentos históricos, estéticos e éticos, bem como,
constituírem-se como a própria objetivação dos sentimentos, ao

275
serem apropriadas de forma significativa, podem contribuir para
um desenvolvimento afetivo-cognitivo humanizador e, desta
forma, possibilitar a formação do psiquismo numa direção
humano-genérica (DUARTE, 1993).
Desta forma, assumimos as artes como forma e conteúdo
fundamentais ao desenvolvimento das emoções e sentimentos, e
por este motivo, definimos nosso objeto de pesquisa como a
relação entre a organização do ensino das artes e o
desenvolvimento das emoções e sentimentos de crianças em idade
escolar. No subitem abaixo, adentraremos na organização de
nossa intervenção formativa e alguns dos principais resultados de
nossa pesquisa.

PESQUISA INTERVENÇÃO FORMATIVA ATRAVÉS DO


ENSINO DAS ARTES

Nosso processo de intervenção formativa e pesquisa foi


viabilizado por mim, pesquisadora, com o apoio dos demais
membros do GEIPEEthc, por meio da organização e efetivação do
ensino da arte, afim de enfatizar a importância do trabalho
educativo intencional do professor para o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores com ênfase nas emoções e
sentimentos.
Para compreendermos melhor nosso objeto de pesquisa, a
relação do ensino das artes e do desenvolvimento das emoções e
sentimentos, abordaremos os principais fundamentos teóricos e
metodológicos do MHD, desenvolvidos por Karl Marx (1818-
1883) e Friedrich Engels (1820-1895), vez que esse método permite
a captação do objeto no seu movimento histórico-social
contraditório e como síntese de muitas determinações, sobretudo
porque em seus princípios, toma a prática social como critério de
verdade na construção do conhecimento.
Esclarecemos que, ao contrário da lógica formal positivista, a
lógica dialética adentra no movimento da realidade e procura
desvendá-la nas suas múltiplas determinações e este pressuposto

276
salienta a importância da realização de uma pesquisa de caráter
interventivo e formador na escola, tendo em vista que, a lógica
dialética, ao apreender os fenômenos como síntese de muitas
determinações, os reconhece na sua historicidade, ou seja, no seu
movimento histórico e contraditório, o que possibilita a
transformação da realidade.
Portanto, em nossa tese de doutorado, não buscamos
pesquisar meramente para descrever a realidade escolar, muito
menos para, somente identificar seus problemas, mas sim,
procuramos pesquisar como o ensino das artes deve se efetivar e,
para isso, utilizamos de um meio especial de experimento, com
objetivo de defender novas e melhores condições de trabalho para
todos os professores na escola, sobretudo para aqueles que se
comprometem com o real aprendizado e desenvolvimento de seus
estudantes numa direção humanizadora.
Neste sentido, assumimos o compromisso de pesquisar a
realidade escolar NA escola e JUNTO à escola, através da
efetivação de nossa pesquisa intervenção formativa. Para tanto,
nos baseamos nos pressupostos de Davidov (1988) acerca do
experimento formativo e de Vigotski (1996; 2010) e seu método
genético-causal e nos dispusemos a realizar uma pesquisa com
objetivo de intervir na realidade escolar para compreendê-la em
seu seio social, em pleno processo de construção e transformação.
Vigotski (2000) nos ajuda a pensar na importância de
compreendermos as funções psicológicas superiores em
movimento, e em transformação, ao afirmar que:

Por conseguinte, não devemos nos interessar pelo resultado


acabado, nem procurar o equilíbrio ou o produto do
desenvolvimento, mas o próprio processo de aparecimento ou o
estabelecimento da forma superior tomada em seu aspecto vivo.
Para isso, o pesquisador deve frequentemente transformar a
natureza automática, mecanizada e fossilizada da forma superior
retraindo seu desenvolvimento histórico, fazendo-o voltar,
experimentalmente, à maneira que nos interessa, aos seus
momentos iniciais, para ter a possibilidade de observar o processo

277
de seu nascimento. Neste processo, como dissemos antes, está a
missão da análise dinâmica. (VIGOTSKI, 2000, P. 105, tradução
nossa)

Neste sentido, nossa preocupação nesta pesquisa não é


estudar as emoções e sentimentos como funções psicológicas
fossilizadas, mas buscamos compreendê-las em processo de
desenvolvimento. Em conformidade com a citação acima,
buscamos intencionalmente, provocar a transformação das
emoções e sentimentos por meio do processo de intervenção
formativa do ensino de artes em crianças em idade escolar, visto
que, segundo Vigotski (2006), este é o momento em que começam
a generalizar suas emoções e vivências. Sobre o experimento
formativo, Davidov (1988, p. 196) afirma que:

Para o método do experimento formativo é característica a


intervenção ativa do investigador nos processos psíquicos que ele
estuda. Com isso, se diferencia essencialmente do experimento de
constatação, que põe em manifesto somente o estado já formado e
presente de uma ou outra estrutura psíquica. A realização do
experimento formativo pressupõe a projeção e modelação do
conteúdo das neoestruturas psíquicas a constituir, dos meios
psicopedagógicos e das vias de sua formação. Na investigação dos
caminhos para realizar este projeto (modelo), no processo do
trabalho educativo cognoscitivo com as crianças, pode-se estudar
simultaneamente as condições e as leis de origem, de gênese da
correspondente neoformação psíquica. Ao nosso juízo, se pode
chamar o experimento formativo de experimento genético
modelador, que forma a unidade entre a investigação do
desenvolvimento psíquico das crianças e sua educação e ensino.

Como mencionado acima, Davidov (1988) afirma que para a


compreensão de determinada realidade no experimento
formativo, é necessário que o pesquisador intervenha de forma
ativa nesta realidade. Em nossa tese, tivemos por objetivo
compreender as implicações e relações de nosso processo

278
interventivo de ensino das artes no desenvolvimento das emoções
e sentimentos dos estudantes sujeitos da pesquisa. Assim,
trabalhamos com uma relação entre dois eixos, o da organização e
efetivação da atividade de ensino e o eixo do desenvolvimento
das crianças participantes da pesquisa, com foco nas funções
psíquicas das emoções e sentimentos.
Como afirmamos acima, organizamos um meio experimental
especial no interior da escola para a realização da intervenção
formativa, em que 08 crianças de um segundo ano do ensino
fundamental foram sujeitos participantes em 26 encontros de, em
média, 90 minutos de duração. Importante salientar também que
todos os encontros foram filmados e posteriormente transcritos na
íntegra. Para a efetivação desse trabalho, utilizamos diversos
espaços da escola (sala de aula, sala de leitura, pátio, espaço
aberto) e sempre contando com, no mínimo, dois membros do
GEIPEEthc como apoio para a realização das atividades. Optamos
pelos alunos do segundo ano, pelo fato de se encontrarem em
uma etapa de suas vidas que Vigotski (1996) denomina de período
de crise da idade escolar (crise dos sete anos), ou seja, período em
que se encontram entre duas etapas consideradas estáveis.
Podemos compreender que a infância e a adolescência, por
exemplo, são consideradas como estágios estáveis, no entanto, a
passagem da infância para a adolescência torna-se um período um
tanto quanto conturbado e, portanto, chamado por Vigotski (2006)
como período de crise.
Vigotski (1996) nos aponta que os períodos de crises
acontecem a partir da reestruturação das vivências interiores, que
foram a princípio vivências concretas, exteriores e que encontram-
se internalizadas no psiquismo dos sujeitos. Estas reestruturações
geram novas necessidades e motivos sociais para a criança agir.
Segundo o autor, podemos dizer que as crises que marcam a
passagem de uma idade estável para a outra idade estável,
acabam por possibilitar que a criança desenvolva novas formações
psíquicas que, por sua vez, farão parte do processo de
desenvolvimento de sua personalidade. Estas formações, que

279
acabaram de se estruturar, servirão como indicativo fundamental
para se compreender o desenvolvimento da criança.
Esta generalização das vivências ajudará as crianças a ter o
que Vigotski (1996, p. 379) chama de “orientação consciente” de
suas emoções, afetos e características da personalidade, tal como,
estar contente ou descontente, sentir-se boa ou má, dentre outras
orientações acerca de si mesma. Podemos compreender, segundo
Vigotski (2006), que nesta relação de novas vivências na escola, de
apropriação de conceitos e de desenvolvimento do pensamento,
surgem novos enfrentamentos para a criança, e ao mesmo tempo,
começa a generalizar as vivências de si e seus afetos.
Como forma e conteúdo de nossas intervenções formativas,
optamos pelo ensino das artes, pelo fato de nos apoiarmos na
compreensão de Vigotski (2001) de que a obra de arte é um
importante meio de sensibilização, por ter em sua concretude a
imagem diretamente ligada ao conteúdo. Desta forma,
acreditamos que ao vivenciarem determinadas manifestações
artísticas e se apropriarem das diversas formas de arte, com suas
temáticas críticas e emoções que estas engendram, os estudantes
poderão se desenvolver de forma mais significativa e concreta.
Afirma o autor que nas artes podemos encontrar emoções
esteticamente estampadas tais como de “alegria, tristeza, amor,
ódio, admiração, tédio, orgulho, cansaço” (VIGOTSKI, 2009 b,
p.22). Ressalta que a fantasia, proporcionada pela manifestação
artística, ainda que apenas uma representação da realidade, é
capaz de provocar sentimentos reais no indivíduo. Vigotski
(2009b) nos dá o exemplo de um ator que em sua encenação
necessita chorar, ainda que o choro se mostre como uma cena
teatral, a emoção é vivida verdadeiramente. Vigotski (2009) afirma
também que a arte pode transformar significativamente nossas
emoções e sentimentos. Considerando as contribuições
Vigotskianas, chegamos à decisão de utilizar as manifestações
artísticas, levadas aos estudantes através de um programa de
ensino de artes por meio de nossa intervenção formativa.

280
Cabe ressaltar também que o processo de intervenção
formativa ocorreu com apenas 08 sujeitos, após reflexão realizada
no interior do GEIPEEthc e considerando a necessidade de
garantirmos rigor metodológico e controle da situação de
intervenção e pesquisa. Desta forma, o grupo de sujeitos
participantes da pesquisa foi organizado por meio de conversas
com os pais, professores e gestores da escola, chegando assim aos
08 sujeitos que ganharam um nome fictício de grandes artistas, a
saber: Frida, Cecília, Anita, Tarsila, Clarice, Candido, Leonardo e
Vicent. O processo de intervenção ocorreu inteiramente no
interior da escola e contanto com a participação de todos os
sujeitos convidados, no entanto, para efeito de análise dos dados
coletados, escolhemos 04 sujeitos que tiveram participação efetiva
ao longo dos encontros: Frida, Tarsila, Cecília e Vincent.
O processo interventivo formativo contou com 3 blocos
temáticos e 4 etapas. Os blocos temáticos foram: Emoções e
sentimentos, Artes (música) e Artes (pintura). As etapas do
processo interventivo foram: verificação dos conhecimentos já
apropriados de cada bloco temático, apropriação de alguns dos
clássicos das artes (música e pintura), apropriação de algumas das
principais técnicas das artes (música e pintura) e produção
artística de um quadro e a composição coletiva de uma música.
No sentido de categorizar os relatos advindos de nossa
observação e da transcrição das filmagens do processo
interventivo formativo, criamos episódios de ensino por meio do
cruzamento de dados advindos das temáticas e das etapas do
processo de intervenção. Para garantir o movimento e
entendimento histórico do desenvolvimento das crianças,
seguimos a ordem cronológica em que se efetivaram estes
momentos, cruzando as 04 etapas do processo de intervenção e os
03 blocos temáticos dos encontros. Contamos também com um
episódio introdutório e um episódio de avaliação dos encontros,
totalizando 10 episódios de ensino. A análise dos dados se
efetivou conforme a categorização dos encontros nos 10 episódios,

281
levando em conta suas temáticas como mencionamos no subitem
anterior.
Desta forma, o primeiro episódio tratou do contato inicial, em
situação de intervenção formativa, com as crianças e dos
esclarecimentos acerca do processo de intervenção formativa do
ensino de artes que iríamos desenvolver junto a eles na escola.
O segundo episódio referiu-se à verificação de
conhecimentos já apropriados sobre emoções e sentimentos, artes,
música, quadros, desenhos, pintores e compositores. Para
averiguarmos o que conheciam acerca das músicas, utilizamos da
brincadeira qual é a música, em que, as crianças deveriam
adivinhar qual era o nome da música ou do artista que a
cantava/tocava. Foram escolhidas músicas dentre a MPB, rock
nacional, samba, música clássica, funk, músicas infantis, músicas
de filmes e telenovelas infantis. Observamos que as crianças
conheciam apenas as músicas de funk, as de trilhas sonoras de
filmes e telenovelas infantis e as músicas infantis. Sobre as
pinturas, observamos que as crianças compreendiam como arte
apenas os desenhos que costumavam a realizar, como por
exemplo, flores, animais e seres humanos.
O terceiro retratou a apropriação de clássicos da pintura e
contato com seus principais quadros. Ao se depararem com
diferentes obras de artes e a contextualização histórica destas
pinturas, as crianças passaram a ampliar seus repertórios acerca
das artes e a levar a vivência de nossa pesquisa intervenção para
seus cotidianos, como, por exemplo, Frida, que começou a
perceber as pinturas ou artistas que trabalhamos em comerciais de
TV e em centros culturais.
O quarto episódio contou com a temática da apropriação de
técnicas e conhecimentos da Pintura pelos estudantes. Neste
episódio, analisamos as vivências dos sujeitos participantes da
pesquisa nas atividades em que se apropriavam de algumas
técnicas de desenho e pintura.
O quinto episódio versou sobre momentos de apropriação de
conteúdos que abordem as emoções e sentimentos e Artes. Neste

282
episódio contém diálogos acerca das emoções e sentimentos
suscitados pelo filme “Divertidamente” que assistimos junto aos
estudantes na escola. As crianças responderam a perguntas como
o que é raiva, amor, alegria, tristeza, medo, dentre outras formas
de emoção.
O sexto, sobre a objetivação e criação artística da pintura; é o
episódio que retratou os momentos de criação artística e estética
por meio de desenho e pintura, como pode ser observado na
figura abaixo:

Autorretrato de Cecília Autorretrato de Vincent Autorretrato de Anita

Autorretrato de Frida “Vincent na lua” de Leonardo Autorretrato de Tarsila

Quadro de Tarsila
Quadro de Vincent Quadro de Frida

O sétimo episódio mostrou como os estudantes se apropriaram


dos clássicos da música nacional e internacional, em que conheceram
clássicos do Rock, da MPB, do Samba, do Forró e da Música clássica.
Um dado interessante a ser mencionado é que ao ouvir a música
clássica 4 Seasons (Spring) de Vivaldi, Frida expressou por meio de
falas e gestos estar em um jardim, ouvindo o canto de pássaros, o

283
que nos leva a refletir que Frida pôde se vivenciar as emoções e
sentimentos advindos da música de Vivaldi.
O oitavo episódio versou sobre o ensino e aprendizagem das
técnicas e conhecimentos da música, onde, as crianças entraram
em contato com diferentes instrumentos musicais como violão,
guitarra, baixo, gaita, teclado, pandeiro, chocalho e triângulo.
O nono episódio relatou a criação artística por meio da
construção coletiva de uma música sobre a realidade dos
estudantes. Para a composição desta música, debatemos quais
situações presentes na escola geram emoções e sentimentos tristes
e alegres e, escrevemos uma paródia para a música “Telegrama”
de Zeca Baleiro, com a seguinte letra:

Eu tava triste, tristinho


Não me deixaram jogar bola na escola
Depois que eu errei o passe
Brigaram comigo,
Me empurraram, me chutaram, me xingaram
E me deixaram de lado
Fizeram bullying comigo
Por um instante achei que havia perdido todos meus amigos
Me isolei num cantinho
Fiquei com raiva, revoltado com as pessoas que me agrediram
Mas ontem eu recebi uma mensagem
Eram os amigos da escola
Me chamando pra tomar uma coca-cola
Ai eu fiquei feliz, eu fiquei feliz, eu fiquei feliz, fiquei muito, muito, muito
feliz
Porque o que eu vi chegando lá me fez dar muita risada
Os meus amigos
Fizeram uma música muito engraçada
Prometeram que não iam mais me bater
E se desculparam da mancada
Mama, ô mama, ô mama, agora eu posso brincar, agora eu posso brincar
Agora eu posso, posso, posso, agora eu posso brincar
Vem meu irmão, vamos jogar futebol
“Nunca perca a amizade”

284
O décimo episódio analisou a conversa de avaliação final que
realizamos com os estudantes sujeitos da pesquisa. Nesta
conversa reformulamos questões sobre o que pensavam ser
emoções e sentimentos, o que compreendiam como artes, bem
como relembramos dos principais momentos de nossa
intervenção. O décimo episódio traz elementos avaliativos de
todo o processo interventivo formativo, pois, nele analisamos
quais foram as principais vivências das crianças ao longo de todo
o processo de pesquisa, bem como, suas novas apropriações
artísticas e compreensões acerca das artes.
Ao longo de todos os dez episódios, notamos que as crianças,
principalmente Frida e Vincent, mostraram um grande
envolvimento com o processo de ensino das artes. Frida,
inclusive, começou a participar de aulas de violão extraclasse e
Vincent mudou algumas de suas concepções éticas e morais sobre
trabalho e escravidão por meio das discussões advindas de
quadros como os Operários de Tarsila do Amaral e Café de
Candido Portinari.
Não podemos atribuir as transformações observadas ao
longo do processo apenas à nossa intervenção, mas ainda assim,
pensamos que os seis meses trabalhados junto aos estudantes,
durante 26 encontros de intervenção, puderam proporcionar
apropriações e objetivações diferenciadas, assim como, vivências
artísticas significativas, que contribuíram para que
compreendessem histórica e esteticamente algumas das emoções e
sentimentos humanos e assim, que passaram a compreender
melhor a esfera afetiva de suas vidas.
Portanto, a partir de toda elaboração teórica da teoria
histórico-cultural e da pedagogia histórico crítica, relacionando-os
com a análise dos encontros, categorizados nos 10 episódios,
defendemos, em nossa tese de doutorado, a tese de que a
organização e efetivação do processo de ensino intencional por
meio das artes pôde garantir que os estudantes se apropriassem
dos significados sociais das emoções e sentimentos humanos,
passando assim a generalizar suas próprias vivências, e

285
desenvolvendo-se cognitiva e afetivamente em uma direção
genérico-humana.

REFERÊNCIAS

DAVÍDOV, V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico:


investigación teórica y experimental. Tradução: Marta Shuare.
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cultural. 2013. 158 f. Dissertação (Mestrado em Educação)
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Campinas: Autores Associados, 2013.

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____. A Imaginação e a Arte na Infância. Lisboa: Relógio D’Água
Editores, 2009 b.

287
288
OS AUTORES

Ariana Aparecida Nascimento dos Santos

Doutoranda e Mestra em Educação pela Faculdade de


Ciências e Tecnologia FCT/UNESP - Presidente Prudente e
Professora de Educação Física Graduada pela mesma instituição.
Membro do GEIPEEthc (Grupo de estudos, intervenção e
pesquisa em educação escolar e Teoria Histórico Cultural). Foi
docente da FAPREV - Faculdade de Presidente Venceslau no
Curso de Educação Física. E Professora Substituta da Faculdade
de Ciências e Tecnologia- FCT UNESP- Campus de Presidente
Prudente. Desenvolve pesquisas na área da Educação Especial, a
qual busca compreender o desenvolvimento da memória de
crianças com Síndrome de Down a partir da atividade da dança.
Atua também como colaboradora do Laboratório de Atividades
Lúdico-Recreativas (LAR) do Departamento de Educação Física,
em projetos de pesquisa e extensão nas áreas de Educação Física e
Educação com os seguintes temas: Educação Especial, Atividades
Ludo-pedagógicas, Dança, Práticas Educativas, Desenvolvimento
das Funções Psicológicas Superiores e Formação de Professores.
E-mail: ariananascimentos@gmail.com

Fabiane Salomão Souza

Mestre em Educação pela FCT/Unesp (2017), graduada em


Psicologia pela Universidade do Oeste Paulista - Unoeste (2001),
possui Especialização em Educação Especial pela Univel (2010) e
Aperfeiçoamento em Avaliação Neuropsicológica, pelo Ciclo
Ceap (2007). Trabalha no cargo de Psicóloga na Secretaria
Municipal de Educação de Presidente Prudente, no Centro de
Avaliação e Acompanhamento - C.A.A. desde 2005. Atua na área
educacional, com ênfase em Educação Especial e Inclusiva,

289
processo de ensino e aprendizagem e Psicodiagnóstico. Membro
do Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação
Escolar e Teoria Histórico-cultural (GEIPEEthc), da FCT/Unesp de
Presidente Prudente. Estuda Teoria histórico-cultural, intervenção
no contexto escolar e atuação do psicólogo escolar em uma
perspectiva crítica. Trabalhou como Psicóloga e Ludo-educadora
na Associação de Peregrinação do Rosário - A.P.R. Durante dois
anos atuou nesta instituição em grupos de psicoterapia e
atendimento individual de crianças e adultos com deficiências.
Realizava intervenções com crianças de zero a seis anos utilizando
jogos, brinquedos e demais atividades no projeto "Criando asas".
E-mail: salomaopsico@yahoo.com.br

Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho

Possui Pós-doutorado em Psicologia da Educação e


Desenvolvimento Humano pela University of Bath
(Inglaterra/2011-2012); Doutorado em Educação (Psicologia da
Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(2005); Mestrado em Educação (Psicologia da Educação) pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001); Graduação
em Psicologia pela UNESP-Bauru (1997) e Graduação em
Educação Física pela UNESP-Bauru (1990). Atuou como
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação-
UNESP-Presidente Prudente de 2013-2016. Atualmente é docente-
pesquisador do Programa de Pós-graduação em Educação e Chefe
do Departamento de Educação Física da UNESP-Presidente
Prudente. Tem experiência de pesquisa e ensino na área da
Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da Educação e Social,
como também sobre a escola e a educação escolar no processo de
formação e desenvolvimento humano. Na área da Educação Física
tem experiência em Educação Física Escolar, Psicomotricidade,
além de experiência em metodologia de pesquisa social em
educação. Orienta projetos de pesquisa nas respectivas áreas e
ênfases, com experiência em metodologia de pesquisa-

290
intervenção-formativa, atividades de intervenção ludo-
pedagógicas, jogos interativos e cooperativos e processos grupais
na escola. Pesquisa temas relacionados a Escola, Educação Escolar
e desenvolvimento humano, Processos de ensino-aprendizagem
na Educação Infantil e Ensino Fundamental. Para a concretização
de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, toma como
referencial teórico-filosófico e metodológico o materialismo
histórico dialético e as contribuições da teoria histórico-cultural e
da pedagogia histórico-crítica.
E-mail: tuimviotto@gmail.com

Janaína Pereira Duarte Bezerra

Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de


Maringá - UEM (2017). Mestre em Educação pela Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho - UNESP (2015).
Especialista – Pós-graduação (latu sensu) em Educação Especial e
em Educação Psicomotora pela Uniguaçu/Faesi (2010 e 2012).
Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (2007). Membro
Pesquisador do Grupo de Pesquisa e Estudos em Educação
Infantil (GEEI)/UEM. Atualmente é docente nos cursos de
graduação em Educação Física (Licenciatura e Bacharelado),
Ciências Biológicas (Licenciatura) e Pedagogia, e em cursos de
Especialização/ Pós-graduação nas modalidades EaD e Presencial
nos cursos de Educação Especial e Inclusiva, Psicomotricidade,
Educação e Aprendizagem, Educação Infantil e Estética Avançada
na Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE. Professora de
Educação Física no Colégio Anglo Prudentino.
E-mail: janainap.duartebezerra@gmail.com

José Ricardo Silva

Possui Licenciatura Plena em Educação Física (2005) pela


Faculdade de Ciências e Tecnologias (UNESP), Presidente

291
Prudente – SP e graduação em Pedagogia (2016) pela
Universidade de Jales (UNIJALES), Pós-graduação nível Lato
Sensu em Educação Infantil (2009), Mestrado em Educação (2012)
e Doutorado em Educação (2017) pela Faculdade de Ciências e
Tecnologias (UNESP), Presidente Prudente, SP.
E-mail: ricardosilvaunesp@gmail.com

Luis Henrique Zago

Mestre em educação na Universidade Paulista Julio de


Mesquita Filho (UNESP). Possui graduação em FILOSOFIA (1998)
e graduação em PSICOLOGIA (2004). Possui licenciatura plena
em História, Psicologia e Filosofia. É especialista em História pela
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), especialista
em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), e
especialista em Arte e Educação pela Universidade Estadual
Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP). Membro do Grupo de
Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria
Histórico-Cultural (GEIPEEthc). Atualmente trabalha como
psicólogo clinico, professor da Fundação educacional de
Araçatuba (FEA), professor efetivo de filosofia da Rede Pública de
ensino do Estado de São Paulo.
E-mail: luishenriquezago@hotmail.com

Rafael Cesar Ferrari

Licenciado em Educação Física pela Faculdade de Ciências e


Tecnologia (FCT/UNESP) de Presidente Prudente/SP. Mestre em
Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação na
Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNESP) e Doutorando
em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) com
período de estágio sanduíche na University College Capital
(UCC) - Copenhagen/Dinamarca sob a supervisão do Prof. Dr.
Seth Chaiklin. Professor de Educação Física do Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Paraná (IFPR)

292
campus Jaguariaíva. Membro do Grupo de Pesquisa sobre
Atividade de Ensino da Universidade Estadual de Maringá
(GEPAE/UEM). Os temas de interesse estão relacionados nas
áreas de Educação Escolar/Especial, Educação Física e Psicologia
atuando nos seguintes temas: Educação Física Escolar,
Organização do Ensino, Psicologia do Esporte e Teoria Histórico-
Cultural.
E-mail: rafael.edfisica1@gmail.com

Rodrigo Lima Nunes

Licenciado em Educação Física (2010), mestre em Educação


(2013) (financiamento da FAPESP) e Doutorando em Educação
(ingresso em 2015) pelo programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia (UNESP -
Presidente Prudente-SP). Realizou Doutorado Sanduíche
(financiamento da CAPES) na Cardiff Metropolitan University -
País de Gales/Reino Unido (segundo semestre de 2017). É docente
da Faculdade de Presidente Prudente (FAPEPE) e Professor
Bolsista no curso de Educação Física da Faculdade de Ciências e
Tecnologia (FCT), campus de Presidente Prudente-SP. Faz parte
do Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação
Escolar e Teoria Histórico-Cultural (GEIPEEthc/UNESP) como
pesquisador. Seus estudos e atuação se concentram nas áreas de
Educação, Psicologia da Educação e Educação Física Escolar, com
ênfase nos seguintes temas: Educação Escolar; Desenvolvimento
humano; Práticas Pedagógicas na Educação de crianças;
Brincadeira e desenvolvimento infantil; Implicações do fenômeno
da alienação no contexto escolar; Desenvolvimento da
Consciência Infantil; Fundamentos e Práticas do Ensino da
Educação Física na Escola.
E-mail: ronunes29@gmail.com

293
Tatiane da Silva Pires Felix

Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual


Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010), mestra em Educação pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2013) e
doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2018). Professora de Educação Física da rede
de Ensino Básico Estadual de Mato Grosso. Tem experiência na
área de Educação Física e Educação, com ênfase em Educação
Infantil, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação
Escolar; Timidez na escola; Ensino de Artes e Educação Física,
Emoções e Sentimentos.
E-mail: tatianefelix2@gmail.com

Vinicius dos Santos Oliveira

Graduação em Psicologia (UNOESTE-Pres. Prudente, turma


2014). Mestrado em Educação (2017) sob orientação do Prof. Dr.
Irineu Aliprando Viotto Tuim Filho na FCT/UNESP de Pres.
Prudente. Especialista na Área de Educação em Avaliação do
Ensino e da Aprendizagem. Profissionalmente atua como
Professor do curso de Psicologia da UNOESTE, atuou como
Psicólogo Social na Casa do Pequeno Trabalhador de Presidente
Prudente. Realizou as atividades de Estágio Supervisionado, do
curso de Psicologia, na Casa do Pequeno Trabalhador com ênfase
em Orientação Profissional na perspectiva da Psicologia
Histórico-Cultural. Participa como membro do grupo de estudos
GEIPEEthc (Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em
Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural), desde 2011.
Realizou estágios de Docência na FCT/UNESP junto ao professor
Dr. Irineu A. Tuim Viotto Filho e na Unoeste com a professora
Dra. Camélia Santina Murgo.
E-mail: violiveirapp@hotmail.com

294

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