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Luiz Carlos Bresser Pereira: Interpretações sobre o Brasil - setembro 1997

expressam a ideologia do grupo dominante, outras da oposição. Algumas apontavam o


caminho do novo, outras a resistência do velho. Cada grande fase de desenvolvimento
corresponde a um pacto político e às respectivas interpretações. Segue-se uma crise,
novo pacto político dominante, novas interpretações, e nova crise que dá início a um
novo ciclo.

Qualquer classificação das interpretações ou teorias sobre a sociedade brasileira


é naturalmente arbitrária. Reconhecendo este fato, creio entretanto ser possível tentar
esta classificação na medida em que o debate intelectual no Brasil tem sido bastante
rico, expressando bem as contradições existentes na sociedade brasileira. Vejo, nos
últimos 60 anos, nove interpretações entrarem em conflito e se sucederem no cenário
intelectual brasileiro. Inicialmente, no período de 1930-1960, quando domina o pacto
populista ou nacional-desenvolvimentista, temos (1) a interpretação da vocação agrária,
em conflito nos anos quarenta e cinqüenta com (2) a interpretação nacional-burguesa.
Esse conflito é superado por uma série de fatos históricos novos que ocorrem nos anos
cinqüenta, fatos que consolidam a industrialização brasileira ao mesmo tempo que levam
à crise o pacto nacional-desenvolvimentista.

O resultado imediato da crise, que é econômica e política, é um vácuo político de


poder, que prevalece entre 1960 e 1964, e, em seguida, a Revolução de 1964, que
viabiliza o pacto autoritário tecnoburocrático-capitalista. Surgem então, de um lado (3) a
interpretação autoritário-modernizante, própria do novo sistema de dominação, enquanto
que os intelectuais de esquerda irão se dividir em três posições nem sempre claramente
distintas: (4) a interpretação funcional capitalista ressentida, que é claramente uma
interpretação transitória, (5) a interpretação da super-exploração imperialista, e (6) a
interpretação da nova dependência.

A partir de meados dos anos 70 o regime militar começa a entrar em crise,


iniciando-se a transição democrática. Essa crise se aprofunda nos anos 80, quando se
desencadeia a Grande Crise Econômica, que refletirá a crise da dívida externa, mas terá
como causa fundamental a crise do Estado. Surgem então três novas interpretações: (7) a
interpretação social -desenvolvimentista, (8) a interpretação neoliberal, e (9) a
interpretação social -liberal da crise do Estado, que, depois de um longo período de
vácuo político, refletirá o pacto social-liberal que se instaura no país em 1994.

Burguesia mercantil, burguesia industrial, a nova classe média formada pela


tecnoburocracia privada e principalmente estatal, e os trabalhadores urbanos são os
atores locais das interpretações sobe o Brasil; os intelectuais, seus autores. Papel
importante também nas lutas econômicas e sociais deste século foram as classes
dirigentes dos demais países, embora não se deva exagerar sua influência, muito menos
lhe dar caráter determinante. Como cheguei aos 20 anos na primeira metade dos anos
cinqüenta, participei, às vezes apaixonadamente, de todo o debate sobre essas
interpretações. Por isso não pretendo a neutralidade ideológica ou a isenção emocional,
embora não tenha desistido da procura da objetividade.

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