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Elementos de análise da noção de exclusão

Elements of the analysis of the notion of exclusion


Elementos de análisis de la idea de exclusión
Maria Helena Rossi Vallon*
Recebido em 20/10/2004; revisado em aprovado em 03/12/2004; aceito em 17/02/2005.

Resumo: Atualmente, a noção de exclusão encontra-se em todos os ramos das Ciências Sociais, em programas
governamentais e não governamentais como um mal da sociedade que precisa ser tratado. Este artigo procura rever
a noção deste termo no uso indiscriminado através da reflexão de autores franceses mostrando que não se trata
apenas de definir a exclusão, mas de torná-la uma questão a ser pensada e superada com meios apropriados.
Palavras-chave: exclusão; conceito; problemática.
Abstract: At the moment, the notion of exclusion is found in all branches of the Social Sciences, in government and
non-government programmes as an ailment of society that needs to be treated. This article seeks to examine again this
indiscriminately used term by reflecting on French authors showing that it is not just a question of defining exclusion
but of making it a question to be thought on and overcome with appropriate means.
Key words: exclusion; concept; problematical.
Resumen: Actualmente, la idea de exclusión se encuentra en todas las ramas de las Ciencias Sociales, en programas
gubernamentales y no gubernamentales como un mal de la sociedad que necesita ser tratado. Este artículo, busca
rever la noción de este término en el uso indiscriminado a través de la ponderación de autores franceses mostrando
que no se trata apenas de definir la exclusión, pero de tornarla una cuestión a ser pensada y superada con medios
apropiados
Palabras clave: exclusión; concepto; problemática.

1 Introdução longo dos séculos, segundo o momento histó-


rico e/ou político e a formação social à qual
Este artigo discute o conceito de exclu- pertencem. Os pesquisadores das Ciências
são, empregado nos diversos ramos das Ci- Sociais e as instituições governamentais, em
ências Sociais, como Sociologia e Economia, época recente, perpetuam esta necessidade
cobrindo realidades diversas, como se o sig- de tratar a questão social mediante a atri-
nificado do termo pudesse ser aplicado buição de conceitos. O mais recente deles é
indiscriminadamente em qualquer campo de o de exclusão, e está aí o problema metodo-
pesquisa destas ciências e não exigisse defi- lógico, como se pelo fato de delimitar os ex-
nição específica. Ao se nomear exclusão para cluídos no espaço e no tempo, ou seja, ao se
uma situação dada como tal, cabe ao pes- fixar a sua territorialização, não se impuses-
quisador desvendar a imagem que ela refle- se a necessidade de uma problematização e,
te, porque esta noção que se aplica a todas também, de rompimento com as amarras que
as situações supostas out pode colocar em atam o sentido de exclusão ao de político, ao
risco a percepção do objeto estudado, pro- de econômico, ao de histórico, ao de ideoló-
duzindo apenas uma aproximação da reali- gico, ao de patológico ou à combinação de
dade retida. Para o entendimento da pro- todos ou de alguns destes fatores.
posta colocada, este artigo compõe-se de A necessidade de se tratar criterio-
considerações preliminares sobre a questão samente o conceito de exclusão é premente,
metodológica, a origem do termo exclusão e porque no Brasil as pesquisas relativas ao
a noção antes do vocábulo; em seguida a conhecimento da realidade social são redu-
noção recente e a entrada do termo nas ci- zidas, limitando-se, em última análise, a de-
ências sociais, por último, discute-se o con- nominar como excluídos todos aqueles indi-
ceito de exclusão e seu uso indiscriminado. víduos que não estão in, perdendo-se neste
conceito, que se supõe definir tudo que é out,
2 Considerações preliminares a oportunidade de um verdadeiro conheci-
mento da sociedade brasileira. Assim, qual-
Às camadas pobres, miseráveis e invá- quer programa social governamental para
lidas (físicas e mentais) da população têm as camadas de baixo poder aquisitivo, quer
sido atribuídas terminologias diferentes ao seja, de saúde, de educação, de qualificação

*
Professora de Sociologia e pesquisadora da Fundação João Pinheiro de Minas Gerais (31 3448-9706)

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Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 10, p. 21-28, Mar. 2005.
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profissional ou de segurança, nomeia exclu- problemas sociais, que se afloravam.


ído o público alvo de seu interesse, como se Os países ditos periféricos, em especi-
todos os indivíduos que o compõem tives- al na América Latina, experimentavam tam-
sem uma só face. O que se verifica é que es- bém fases notáveis de industrialização e de
tes programas se perdem no curso do cami- crescimento econômico. A maioria dos paí-
nho, porque o que se nomeou exclusão não ses ainda estava mergulhada em regimes
se definiu apropriadamente e porque este autoritários, para entrar, poucos anos mais
conceito não é uma categoria definida, está- tarde, em regimes democráticos. Nestes paí-
tica. O problema metodológico ligado ao ses os excluídos ainda não eram denomina-
conceito de exclusão consiste, então, em se dos com este termo; eram chamados margi-
romper com a própria semântica do termo, nais. Sob esta apelação, a questão era trata-
para se permitir emergir o objeto de estudo da circunscrita a uma espécie de territoria-
e a sua problematização. lização: expulsos do campo, para chegarem
O emprego indiscriminado do termo nos centros urbanos e serem prisioneiros dos
exclusão não diz respeito somente ao Brasil, bairros periféricos das cidades.
em decorrência, da escassez ainda de pes- De qualquer forma, em países centrais
quisa sobre o social, mas a países do Primei- e periféricos a massa de excluídos não tinha
ro Mundo, como a França, onde o social é trajetória própria, nem identidade, mas cons-
analisado minuciosamente. tituía uma espécie de patologia não incor-
A preocupação com este termo, que porada ao econômico, no contexto de cres-
encobre as inúmeras facetas de dificuldades cimento, de desenvolvimento, da época. O
da sociedade e não as define, foi motivo de que se pode dizer é que a noção de exclusão,
um encontro de exposição de trabalhos e de origem franco-francesa, na década de 90
debates na França, em 1995, denominado ultrapassa as fronteiras dos países de língua
L’exclusion, définir pour en finir, o qual deu francesa, sendo empregada pelos pesquisa-
origem a uma obra com o mesmo nome, que dores de língua inglesa, portuguesa e espa-
reúne o trabalho dos participantes.1 nhola na América Latina. Ela torna-se “uma
Karsz (2000, p.105), organizador da categoria supradeterminada, sem fronteiras, ao
obra e autor de um dos artigos, afirma que mesmo tempo interprofissional e interdisci-
“[...] a maior parte das situações que nos anos plinar”. Karsz (2000, p. 103).
90 são descritas em termos de exclusão es-
tão longe de serem específicas deste período”. 4 A noção antes do vocábulo
Surge daí a necessidade de tratar a
exclusão sob outras apelações, como afirma o O termo exclusão, na língua francesa,
autor, porque o que se coloca sob esta “eti- em seu significado atual, apareceu em 1559.
queta nem conceptualmente nem pratica- Anteriormente, no século XIV, conforme re-
mente são a mesma coisa”. gistra Frétigné (1999, p. 151), havia dois sen-
tidos para o termo: “a recusa de participa-
3 A origem do termo exclusão ção” (não admitir) e a ruptura (expulsar).
Em 1559, excluir significava, como re-
Ao se repertoriar o termo exclusão, bem gistra Frétigné (1999, p 151): “[...] manter
assim a sua entrada nos anos 70/90 nas Ci- alguém fora do que ele poderia ter direi-
ências Sociais, pode-se associá-lo a um perí- to[...]”, em matéria de direito de sucessão.
odo em que a economia dos países ditos cen- Em 1662, o registro do termo continuou com
trais inicia uma fase de perda de velocidade esse significado jurídico, mas é acrescido da
de seu crescimento e os problemas sociais dimensão de rejeição, relembrando a noção
emergem sem nitidez, pois o desenvolvimen- original. Então, exclusão passou a significar:
to da economia dos trinta gloriosos anos, prin- “ação de deixar alguém fora, rejeitar”.
cipalmente na França, ainda se mantinha de Como indica o autor, uma leitura da
pé. Dito isto, pode-se dizer que esta impreci- trajetória histórica dos deserdados na obra de
são ao se tratar dos problemas sociais estava Castel, Metamorfoses de questão social, retrata
na crença de que os benefícios do crescimen- o sofrimento destas massas miseráveis desde
to econômico poderiam absorver o peso dos a Idade Média, mostrando que a ação de dei-

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xar fora se consumou através dos tempos para noção de exclusão, mas não fazem esta dis-
estas categorias da população sob diversas tinção, como Frétigné, procurando ver nesta
formas: aprisionadas, expulsas, banidas. noção outras implicações, mais complexas.
Assim ocorreu com a expulsão dos ju-
deus na Espanha, em 1492, por não serem 5 A noção recente e a entrada do termo
batizados na Igreja Católica. Vale ressaltar nas ciências sociais
que neste fato histórico não é a supremacia
dos católicos sobre os judeus que se impõe A introdução do termo exclusão ocor-
afirmar, mas a diferença entre um credo e re em 1965, na França, na obra de J. Klanfer,
outro. A expulsão (exclusão) se deu porque L’exclusion sociale. Como afirma Frétigné
havia diferenciação de credo (Frétigné, 1999, (1999, p. 64) o título da obra é “[...] surpre-
p.153). endentemente contemporâneo”, mas “em
Registram-se ao longo da história ou- conseqüência, a tomada de consciência de
tras formas marcantes de exclusão que enco- que existem ‘excluídos’ não ocasiona ne-
brem ações de diferenciação, como os va- nhum questionamento no modelo social de
gabundos,2 que são banidos nos séculos XIV desenvolvimento, nenhuma idéia de refor-
e XV, do meio a que pertenciam (campo ou ma ou de mutação do corpo social [...]” .
cidade); ou condenados a morte individual, Em 1974, René Lenoir publica a obra
para os criminosos; ou destinados a confi- Les exclus un français sur dix, em que se pode
namento em asilos, prisões, guetos. encontrar a noção que se presta a este termo
Em época recente, a política de nos dias atuais, cobrindo toda e qualquer
apartheid na África do Sul, é reconhecida espécie de dificuldade social, mas sem a pre-
como uma política de exclusão, porque distin- ocupação de situar o termo como categoria
gue o homem branco do homem negro. As- analítica.
sim também o sistema de castas na Índia,
que perdura inabalavelmente. a) A noção de exclusão na década de 1980
Nos exemplos mostrados, trata-se, com
afirma Frétigné, (1999, p. 157), de uma exclu- Paugam (1991), entre outras de suas
são “[...] que precede de uma lógica jurídica obras memoráveis, analisa a pobreza dos
ou de diferenciação que se exprime pela re- anos 1980 na França, a partir da noção de
jeição (rara hoje) ou uma proibição [...]”. O desqualificação social, entendida como um
autor explica que ressaltar esta diferenciação processo que torna as pessoas frágeis, pela
torna-se importante, na medida em que existe perda do emprego, pela ruptura familiar; as-
uma tendência entre os autores da Sociologia sistidas, na medida em que, desencorajadas,
de se fazer uma confusão entre o que é exclu- sem esperança de encontrar um emprego, elas
são e o que é discriminação, o que ele chama passam a depender financeiramente da pro-
de “[...] confusão das lógicas de exclusão e teção social; e marginais, porque não se be-
de discriminação [...]”. Os desempregados neficiam de nenhuma proteção social e por
na época contemporânea na sociedade fran- se encontrarem no nível mais baixo da escala
cesa, não foram excluídos do mercado de social: os miseráveis, os drogados, os alcoóla-
trabalho, mas “[...] vítimas de um processo tras. Assim, a desqualificação social é a “de-
de inferiorização, de depreciação [...]”. Em gradação moral”. Não se refere neces-
suma, a lei não os excluiu; nada legalmente sariamente a rendimentos baixos ou à falta
os impede de retornar à vida normal. de bens materiais, mas à dependência de ou-
Desta forma, a exclusão, no ponto de tros para sobreviver. (Paugam,1991, p. 219).
vista de Frétigné, decorre de lógicas regula- Na década de 1980, outros dois auto-
mentares. Os outros fatos da realidade soci- res nomearam diferentemente esta catego-
al, a que, indiferentemente, denominam-se ria em dificuldade, que já incomodava estes
exclusão, são lógicas sociais de discriminação. estudiosos e para as quais os discursos dos
É esta confusão que leva o pesquisador em políticos franceses endereçavam promessas
Ciências Sociais a uma análise equivocada com medidas e programas. No início da dé-
da realidade. cada, nos discursos dos políticos, porém, ain-
Como se verá, outros autores tratam da da se apostava na possibilidade de redução

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das taxas de desemprego, como se o mal do quais introduzem uma percepção nova de
social tivesse um centro: exatamente, estas apreensão da sociedade pós-moderna
taxas crescentes de desemprego, que já as- (Frétigné, 1999, p. 87). A análise da socieda-
sombravam vários países europeus. de vertical, com base nas análises das rela-
Um dos precursores a nomear esta ca- ções de classes, cede lugar à análise da soci-
tegoria em dificuldade foi André Gorz, dan- edade horizontal pós-moderna, em meio
do-lhe o estatuto de não-classe dos não-traba- urbano, onde se degeneram as condições de
lhadores, em sua obra Adeus ao proletariado. habitação dos deserdados, principalmente
Eles seriam os indivíduos expulsos da esfera nas periferias, dos jovens com fracasso esco-
produtiva, mostrando que a classe operária lar e dos desempregados. É a partir desses
tradicional estaria em vias de extinção, cons- três tipos de população que Touraine apóia
tituindo uma minoria privilegiada. Desta sua análise sobre “a exclusão “ ou “a parti-
forma, o novo proletariado pós-industrial se cipação”. Ou seja, na sociedade horizontal
comporia dos sem-classe, dos empregados pós-moderna ou se está dedans4 ou se está
precários, dos empregos temporários e dos dehors5 (ou in ou out), no centro ou na peri-
empregados em tempo parcial. Fragmenta- feria, e não mais en haut6 ou en bas7, como na
dos, eles não representariam nenhuma for- sociedade moderna, quando se prevalecia a
ça sindical, “[...] sem importância social ob- estratificação social piramidal.
jetiva, excluídos da sociedade [...]” (Gorz, O que caracteriza a sociedade horizon-
1980, p. 101). tal, na visão do autor, são as mutações dos
Em 1983, em sua obra Les chemins du processos de trabalho, do aparelho produti-
paradis (1983), Gorz identifica na sociedade vo, que enfraquecem as bases das relações
uma divisão dualista da população ativa: tra- de trabalho, comprometendo a plena cida-
balhadores protegidos, de um lado, com to- dania.
das as garantias; e desempregados, de ou- No seu segundo artigo, Inégalités de lá
tro, submetendo-se a toda sorte de precarie- societé industrielle, exclusion du marché,
dade, desde o desemprego propriamente dito Touraine defende que a sociedade pós-mo-
aos vários tipos de trabalho precário, sem derna não está mais na configuração da so-
reconhecimento social. ciedade piramidal, de desigualdade, quan-
Outros autores anteciparam sobre o do se permitia, na noção de desigualdade,
movimento de dualidade da sociedade, como ter-se uma idéia de continuidade entre um
A. Minc, em sua obra L’après-crise a comencé. haut e um bas.
Na década de 1980, já se faziam sentir os A situação que prevalece na socieda-
efeitos da crise, que refletiam duramente no de horizontal pós-moderna é estar in, inte-
mercado de trabalho. Mas ainda se acredi- grado, participando dos benefícios da eleva-
tava que um tratamento para o desemprego ção do nível de vida, social e econômico, e
poderia conter os efeitos negativos. Como se out, excluído, vítima das mudanças dos pro-
verá nas páginas seguintes, a questão do cessos de trabalho e de produção.
desemprego, a dita exclusão do mercado de Na sociedade vertical, as desigualda-
trabalho, encobria outras faces da exclusão. des são de ordem profissional, ao passo que
na sociedade horizontal o risco é a segrega-
b) O emprego do termo “exclusão” na ção, pois as dificuldades estão localizadas nos
década de 1990: bairros periféricos, onde as tensões são bas-
tante acentuadas.
Os trabalhos teóricos publicados na A visão de Touraine da sociedade hori-
França utilizando o termo exclusão seguem zontal contribui para a revisão das análises
os traços das análises da pós-modernidade.3 sobre os cinturões das periferias urbanas das
É do início desta década o relatório da cidades brasileiras, os quais constituem pólos
Commissariat Général au Plan (1993) e de dois de segregação, tal é a diferença dos espaços
notáveis artigos do primeiro teórico da ex- urbanos ocupados pelos in e pelos out da so-
clusão, Alain Touraine, intitulados Face à ciedade. Desta forma, ao se etiquetar de ex-
l’exclusion (1991) e Inégalités de lá societé cluídos todos os que ali se encontram, tal-
industrielle, exclusion du marché (1992), os vez, a problemática da exclusão para estes

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lugares devesse ter como pontos de partida Desta forma, parece ter chegado o
a segregação e a tensão social ali existente. momento em que é preciso desmitificar o ter-
Castel (1995) mostra que a exclusão, mo exclusão, o qual encobre sob outras ter-
no tempo presente, mantém relação com o minologias através do tempo um mal social
desmantelamento do contrato de trabalho, contra o qual é preciso lutar. Como afirma
com a proteção social, com a sociedade sala- Sassier (2000, p. 63), “[...] para lutar contra,
rial. Isto significa processo de precarização, é necessário conhecer como é construído o
de vulnerabilização, de marginalização, que objeto contra o qual se luta”. É a tarefa a
ele denomina de processo desfiliação. Mas tal que se propõe na última parte deste artigo.
processo não é exclusão, porque a exclusão Evidentemente que não se esgotará nos
mesmo é uma lógica de processos oficiais. O próximos parágrafos todas as questões levan-
autor insiste sobre “[...] o caráter reconheci- tadas pelos autores franceses no encontro de
do e oficial da verdadeira exclusão; estas re- 1995, quando se procurou constituir um ver-
presentam um estatuto. As exclusões são dadeiro debate sobre o conceito de exclusão.
formas de discriminação negativa que obe- Para Castel (1992 apud Frétigné, 1999,
decessem às regras estritas de construção, p. 98):
numa sociedade dada [...]” (p. 45). [O] risco quando se fala, por exemplo, de
A desfiliação é, então, a situação de exclusão [é] de fazer disto um estado que se
propõe a tratar em si mesmo, sendo que [a
pobreza, de desemprego, de isolamento so- exclusão] é a ponta extrema de um processo já
cial, de inutilidade no mundo. Tal descida existente antes que as pessoas caiam nas
social é a inexistência social. Esta é que põe posições extremas.
em perigo “a qualidade do tecido social e sua Quando Castel afirma que a exclusão
ruptura”. Ou seja, os membros de uma soci- é um processo, compreende-se que ela não
edade não estão na zona de integração. pode ser tratada como sendo imóvel, pois
Nesta amostra restrita da imensurável todo indivíduo em estado de exclusão per-
contribuição de Castel sobre o conceito de tence a uma sociedade. Assim sendo, “[...] o
exclusão, procura-se salientar a necessidade domínio do processo exige um tratamento
de se buscar na dinâmica do social outros político, no sentido de uma política global
paradigmas para este conceito, como afirma [...]” (Castel, 2000, p. 40). Em outras pala-
este último autor, de forma a se ter uma per- vras, não se pode dissociar a exclusão do
cepção mais aproximada da realidade social. contexto social que a produziu e “ocultar as
outras zonas da análise”. Então, o tratamento
6 O conceito de exclusão e o seu emprego da exclusão não pode ser técnico, mesmo que
indiscriminado a resposta para a exclusão seja vista assim.
Partindo do princípio de que todos os
Nas seções anteriores, procurou-se indivíduos excluídos pertencem a uma socie-
mostrar, a partir da origem do termo, como dade e que a exclusão é um processo dentro
em momentos diferentes a noção de exclu- desta sociedade, Karsz (2000, p. 111) afirma
são foi apreendida. Percebe-se que é na dé- que no fenômeno da exclusão impõe-se “[...]
cada de 1990 que este termo passa a inco- abordar especificamente as questões econô-
modar os teóricos do social, porque até en- micas, políticas e ideológicas [...]”. Isto, na
tão se acreditava que o que englobava a ex- visão do autor, é porque a exclusão não tem
clusão poderia ter solução pela adoção de nada de etéreo; ela é bem real. Ela não pode
medidas pontuais, ou os excluídos ficam clas- ser dissociada da sociedade e tudo que a
sificados na categoria “negativa” dos indi- engaja.
víduos que devem receber tratamento espe- Karsz (2000, p.111) afirma que “há
cial, como descreve Castel (1995). Em época exclusão e exclusão”. Isto não é “um jogo de
recente, por exemplo, na realidade brasilei- palavras”, mas é “paradoxal” como escla-
ra, são os inaptos para o trabalho, os malan- rece o próprio autor, há distinção entre o uso
dros, que terminam suas trajetórias de vida genérico de exclusão e o uso específico.
nesta categoria negativa, confinados, aprisi- No uso genérico, a exclusão tem um
onados, evocando os vagabundos descritos sentido limitado, circunscrito a certas situa-
por Castel na Idade Média. ções (Karsz, 2000, p. 107). É o caso da ex-

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clusão escolar, da exclusão profissional, da de seu uso, interroga sobre o termo social que
exclusão sindical, da exclusão amorosa, da forma o “par exclusão social”. Segundo o au-
exclusão do trabalho, etc. Em todos estes tor, o desenvolvimento da exclusão social
casos a exclusão “suporta ser especificada”. transformou o social; ou seja, ao invés de o
Já, a exclusão num sentido específico social ser “[...] o esforço de esperança, de
representa algo mais que a exclusão circuns- confiança e de promoção (social) do progres-
crita a certas situações (exclusão do empre- so compartilhado, da possibilidade para to-
go, da escola, etc.); significa situação de ex- dos de encontrar um lugar na sociedade... o
clusão já existente. Assim sendo, acrescenta o social torna-se o teatro de desigualdades tão
autor, uma única palavra pode acompanhar mais intoleráveis do que elas parecem
o termo exclusão: social. Esta palavra é incontornáveis, senão definitivas [...]”.
“exemplar, paradigmática, transcendental”. Desta forma, exclusão social, tal como
No entendimento do autor, a exclusão analisado pelo autor “esconde” exclusões plu-
social é sem fronteiras; ela atinge o indiví- rais (diversas exclusões): o estado do
duo em qualquer hierarquia social e na cole- disfuncionamento do mal-estar social. A ex-
tividade. Por ser radical, ela atinge em pro- clusão é uma ameaça para o social, pois con-
fundidade. templa todo tipo de tensão, de instabilida-
No caso da sociedade francesa, o au- de, de implosão e, mesmo, de explosão. Enu-
tor salienta a diferença e aponta que a exclu- mera o autor, em síntese: Karsz (2000, p.
são social data dos anos 1985-90, porque an- 113)”[...] a exclusão exclui o social [...]”.
teriormente a este período, ela tinha um “ca- Em breve, como assinala o autor, “[...]
ráter parcial, particular”: se a exclusão era a questão da exclusão fica suspensa à ques-
habitacional a resposta era em termos de tão do social [...]”. Não se pode compreen-
habitação; se escolar, em termos de escola, e der e nem definir um sem o outro. O proble-
assim por diante. ma é que se fala, se propõem políticas, es-
A exclusão social, formando o par an- creve-se a propósito do social em Ciências
teriormente mencionado, “[...] supõe uma Sociais, mas não se define o social, não se
iniciativa global, tão radical como a falta que constrói conceptualmente o social. Em ou-
tratá-se de suprir, uma iniciativa de inser- tras palavras, faz-se o social sem teoria.
ção” (Karsz, 2000, p. 109). A luta contra a Para Autès (2000, p. 2) o social não tem
exclusão social na França atualmente tomou uma existência própria, mas é uma “articu-
tal dimensão que ela supõe “[...] assegurar a lação da esfera econômica com a esfera po-
coesão social”. Como acrescenta o autor, lítica”. Completa acrescentando que, para
“[...] a necessidade de tal reparação deixa complicar as coisas, duas outras esferas se
entrever o que a exclusão coloca em causa.” juntam a estas duas primeiras: a esfera cul-
(p. 109). tural e a esfera doméstica. É a combinação
É por isto que o autor fala que “há ex- deste conjunto que forma o social.
clusão e exclusão”, pois há casos em que a O que ocorre, continua Autès (2000,
situação é, como se exemplificou acima, de p. 2), é que desde as evoluções políticas do
habitação, de escola, de qualificação profis- século XVIII e a revolução industrial estabe-
sional, de acesso à saúde. A demanda, en- leceu-se uma tensão entre o indivíduo livre
tão, é uma resposta técnica. Mas quando a no mercado e o cidadão soberano na ordem
exclusão é social, esta: política; a tensão fundamental: “[...] de um
[...] se consome na terra, nas conjunturas
lado, a economia do mercado; do outro, a
históricas precisas: justamente, na ocasião das
exclusões plurais, particulares, datadas e loca- democracia política. Com esta noção do in-
lizadas! A exclusão social é o que tem em comum divíduo forçado, subordinado, alienado, ex-
a exclusão escolar, a exclusão profissional, a plorado na relação de trabalho, e que é so-
exclusão étnica, a exclusão cultural, etc [...] é o berano político, o fundamento da legitimi-
que estas podem conduzir, e o que arrisca os
indivíduos ou os grupos excluídos da escola, do
dade [...]”.
mercado de trabalho, do acesso aos cuidados Esta tensão é regulada pelo “compro-
de saúde, etc. (Karsz, 2000, p. 111). misso social do assalariado e da proteção soci-
Karsz (2000, p. 112), além de fornecer al”, mas o que se verifica na realidade, con-
estas múltiplas facetas do termo exclusão e forme sustenta o autor, é que se criou uma

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série de artifícios (o contrato de trabalho é quer ou quando não se tem muito interesse a
um deles) para manter esta tensão regula- dizer o que tratá-se de analisar, o que tratá-se
de transformar ou de defender. O humano
da, pois acredita-se que a oposição é entre o garante que à noite todos os gatos são pardos.
econômico e o social, quando “[...] a verda- (Karsz, 2000. p. 139)
deira oposição se situa entre a esfera da eco- Do exposto, nas palavras de Castel e
nomia e aquela do político [...]” (p. 3). Karsz, fica implícito que, ao se empregar o
Autès em seu artigo introduz esta sua termo exclusão, torna-se necessário desven-
percepção do social antes de discorrer sobre dar o que a exclusão representa no social. É
a noção de exclusão, o que vale dizer que, no social, de uma sociedade dada, que estão
ao se evocar a noção de exclusão, torna-se as representações da exclusão. Para Castel,
necessário questionar os fundamentos da a exclusão reveste-se de um “caráter ofici-
sociedade democrática. Neste sentido, Karsz al”, e o que se observa na sociedade contem-
(2000, p. 136) argumenta que “[...] a análise porânea, o que se quer chamar de exclusão
das estruturas sociais, o desenvolvimento de não é outra coisa que “formas de discrimi-
uma crítica social, a tomada em conta de nação negativas”. Assim, para Castel a ex-
configurações subjetivas não esgotam em clusão tem um sentido bem claro.
nada a importância desta categoria [...]” (os Karsz, por outro lado, não procura
excluídos). Para Karsz nem os apelos histó- utilizar, como se mostrou, outro termo no
ricos, nem os questionamentos e as relações lugar de exclusão, mas analisa também o seu
sociais são suficientes para explicar a exclu- paroxismo. Inspirando-se em uma análise de
são, pois, desde que se afina a análise, mes- R. K. Merton, ele afirma que para ser exclu-
mo com estes elementos, as definições de ído de uma sociedade é preciso pertencer a
exclusão tornam-se “subentendidas, em es- esta sociedade, como foi dito nas páginas
tado de evidência”, ou seja, enquadradas no anteriores. Ou seja, os excluídos estão den-
lugar comum como: “as exigências incon- tro da sociedade concreta, o que vale dizer
tornáveis de economia moderna”, “os impe- que para estar “excluído de uma economia”
rativos da mundialização”, da “sociedade é necessário que se tenha um lugar dentro
assalariada” (Karsz, 2000. p. 136). desta economia, quer seja como desempre-
Alinhando-se à colocação de Autès, gado; como exército industrial de reserva ou
Karsz sublinha (2000, p. 137) “[...] tudo se como subempregado. Deste modo, as cate-
passa como se não houvesse motor, de prin- gorias não estão excluídas nem do consumo,
cípio ativo, de generador [...]”. pois, caso contrário, elas pereceriam, mas,
Ora, como interroga Karsz (2000, p. conforme assinala (Karsz, 2000. p. 123): “[...]
137) se a análise do que se compreende como de um certo gênero de consumo, de acesso a
exclusão exige a incorporação de questio- uma multitude de bens e serviços”; ou seja,
namentos de condições históricas, quer elas, “... certas populações são excluídas, não da
sejam políticas, econômicas e, mesmo, psí- economia, mas dentro da economia [...]”.
quicas, onde se encontra a fonte primeira Para Karsz, é também um paradoxo
que permitirá a verdadeira compreensão da abordar os excluídos como se eles fizessem par-
exclusão? Na própria história dos homens e te de uma exterioridade social, quando se sabe
mulheres e crianças excluídos, “[...] priva- que eles estão no interior desta sociedade.
dos de se tornarem inteiramente humanos, À guisa de conclusão, pode-se dizer
em situação pessoal e social, intoleráveis”. que o termo exclusão tornou-se “uma boa
Isso, nas palavras do autor, quer dizer categoria para pensar” (une bonne catégorie
que na problemática da exclusão a condi- à penser), como foi dito por um dos autores
ção de humano, daquilo que os indivíduos que participaram do encontro de 1995 so-
deveriam ser e ter (na história social concreta, bre este conceito.
em suas lógicas subjetivas), torna-se de difícil É uma categoria para pensar, na medi-
assimilação. Perderam-se os limites da exclu- da em que coloca inúmeras questões em dis-
são, pois a noção de humano caiu no vazio cussão, como aquela da própria estrutura da
(não se sabe por que uns possuem mais do sociedade ou a da estratificação social, re-
que os outros). Diz-se: vista por Touraine, quando “não se pode”
“Humano” quando não se pode, quando não se mais, conforme explica este autor, analisar

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 6, N. 10, Mar. 2005.
28 Maria Helena Rossi Vallon

a sociedade em termos de relação de classe, tudiosos das Ciências Sociais que estão face a
mas das mutações dos processos de traba- face com a problemática dos homens, mulhe-
lho, as quais enfraquecem as relações de tra- res e crianças em situação de exclusão; mas
balho, ocasionando as desigualdades sociais. pensá-la como foi feito neste encontro de 1995,
Para Castel há uma distinção entre na França, e como se procurou fazer, breve-
exclusão e discriminação negativa. É apropri- mente, neste artigo é, em última análise, ten-
ada e necessária esta distinção para se pen- tar defini-la para melhor combatê-la.
sar o termo exclusão contemporaneamente,
pois são raros os casos de exclusão no senti- Notas:
do dado por Castel: o de reconhecimento 1
Complementando a informação sobre este encontro:
oficial da exclusão. Assim, a noção de discri- ele foi realizado como atividade anual da Associação
minação negativa introduzida pelo autor con- “Pratiques sociales. O encontro de 1995 abordou o tema.
2
Vagabundos, segundo Castel (1995, p. 97), são “os
tribui para o reconhecimento e reflexão dos
inimigos da ordem pública”, aqueles que romperam
grupos denominados excluídos, estes estão com o pacto social: trabalho, família, moralidade e
bem dentro da sociedade, só que em um es- religião.
tado de inutilidade social, e é isto que coloca 3
A pós modernidade, segundo Frétigné (1999, p. 85),
em perigo a coesão social. “[...]é uma noção pouco satisfatória sobre o plano
analítico. Seu único mérito reconhecido é de marcar
Paugam atribui à pobreza três tipo- uma ruptura com... a modernidade, de insistir sobre
logias: as pessoas frágeis; as pessoas assisti- a necessidade de focalizar os olhares sob a mutações
das; e os marginais. Todas elas entram num contemporâneas. Quanto aos traços singularizando
processo de desqualificação social. Desta for- esta pós-modernidade, as divergências de apreciação
são em legião.
ma, pessoas frágeis são aquelas que apresen- 4
dedans: dentro
tam dificuldades de inserção no mercado de 5
dehors: fora
trabalho; as pessoas assistidas são aquelas 6
en haut: em cima
7
que, sem recursos, passam a depender de en bas: embaixo
proteção social para sobreviver; e marginais
são aqueles que se encontram no limite ex- Referências
tremo da exclusão social. Estas três catego- AUTÉS, Michel. Trois figures de la déliaison. In:
rias nos remetem à responsabilidade diante KARSZ, Saül (org.). L’exclusion, définir pour en finir. Paris:
Dunod, 2000. p. 1-22.
das camadas da população que, em boa
consciência, os governos endereçam-lhes res- CASTEL, Robert. Cadrer l‘exclusion. In: Karsz, Saül
(org.). L’exclusion, définir pour en finir. Paris: Dunod,
postas técnicas, confortando assim a inicia- 2000. p. 35-47.
tiva de ação, mas em nada fazendo para
CASTEL, Robert. Les métamorphoses de la question sociale.
arrancá-las da desqualificação social, porque Paris: Fayard, 1995.
não se trabalha a degradação moral com
FRETIGNÉ, Cédric. Sociologie de l’exclusion. Paris:
respostas técnicas. L’Harmattan, 1999.
Karsz introduz a dimensão mais pro- GORZ, André. Adieux au prolétariat. Au delà du
funda da exclusão, que é a dimensão huma- socialisme. Paris: Galileé, 1980.
na, pois na exclusão encontra-se a história GORZ, André. Les cheminins du paradis. L’agonie du
de homens, mulheres e crianças em condi- capital. Paris: Galilée, 1983.
ções subumanas, só que a dimensão huma- PAUPAM, Serge. La disqualification sociale. Paris: PUF.
na da exclusão dilui-se no espetacular ou no 1991.
vazio. Assim, quando se refere ao humano SASSIER, Monique. L’exclusion n’existe pas. J’ai l’ai
associado à exclusão ou se faz projeção dos rencontrée. In: KARSZ, Saül (org.). L’exclusion, définir
excluídos de maneira espetacular, como se pour en finir. Paris: Dunod, 2000. p.61-80.
os excluídos fossem uma espécie à parte ou TOURAINE, Alain. Face à l’exclusion. In: Collectif,
o humano fosse completamente vazio, não Citoyenneté et urbanité. Paris: Esprit, 1991.
se pode dar uma noção do que é condição TOURAINE, Alain. Inégalités de la société industrielle,
exclusion du marché. In: Affichard, J. e Foucauld, J. – B.
humana ou não. Justice Sociale et inégalités. Paris: Esprit,1992.
Conclui-se que pensar a exclusão em
KARSZ, Saül. L’exclusion: faux concept, vrai problème.
termos de noção, de categoria, não constitui In: KARSZ, Saül (org.). L’exclusion, définir pour en finir.
em si um exercício do saber científico dos es- Paris: Dunod, 2000. p. 1-22.

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