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Espaço social e poder simbólico

Pierre Bourdieu

Sociological Theory, Volume 7, Número 1 (Primavera, 1989), 14-25.

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Teoria Sociológica
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c2002 JSTOR

http://www.jstor.org/
Sun Aug 4 17:54:03 2002
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO*
PIERRE B OU RDIE U
Colé(e rfe Frunce

Gostaria, dentro dos limites de uma Os trabalhos que vêm de um período muito
palestra, de tentar apresentar os princípios anterior (tão antigo, de facto, que até
teóricos que estão na base da investigação precede o aparecimento dos escritos
cujos resultados são apresentados no meu tipicamente "construtivistas" sobre os
livro Distinction (Bourdieu 19S4a), e mesmos tópicos) e que provavelmente os
extrair as suas implicações teóricas que fariam perceber-me como um
muito provavelmente escaparão aos seus "construtivista" foram caracteristicamente
leitores, particularmente aqui nos Estados ignorados. Assim, num livro intitulado
Unidos, devido às diferenças entre as "Pedagogic Relationship and
nossas respectivas tradições culturais e Communication" (Bourdieu et a1. 1965),
académicas. mostrámos como a relação social de
Se tivesse de caracterizar o meu trabalho compreensão na sala de aula se constrói no
em duas palavras, isto é, como está na e através do mal-entendido, ou apesar do
moda hoje em dia, para o rotular, falaria de mal-entendido; como professores e alunos
estruturalismo construtivista ou de acordam, através de uma espécie de
coiistruturalismo estruturalista, tomando a transacção tácita orientada pela
palavra estruturalismo num sentido muito preocupação de minimizar custos e riscos,
diferente daquele que adquiriu na tradição numa definição mínima da situação de
saussureana ou lévi-straussiana. Por comunicação. Do mesmo modo, num outro
estruturalismo ou estruturalista, quero dizer estudo intitulado "As categorias do
que existem, no próprio mundo social e não julgamento professoral" (Bourdieu e de
apenas nos sistemas simbólicos Saint Martin 1975), procurámos analisar a
(linguagem, mitos, etc.), estruturas génese e o funcionamento das categorias de
objectivas independentes da consciência e percepção e de apreensão através das quais
da vontade dos agentes, capazes de orientar os professores constroem uma imagem dos
e constranger as suas práticas ou as suas seus alunos, do seu desempenho e do seu
representações. Por con- strutivismo, quero valor, e (re)produzem, através de práticas
dizer que existe uma dupla génese social, de cooptação orientadas pelas mesmas
por um lado, dos esquemas de percepção, categorias, o próprio grupo dos seus
pensamento e acção que são constitutivos colegas e do corpo docente. Encerro agora
daquilo a que chamo habitus e, por outro esta digressão e retomo a minha
lado, das estruturas sociais e, em particular, argumentação.
daquilo a que chamo campos e grupos,
nomeadamente aqueles a que
habitualmente chamamos classes sociais. I
Com efeito, os riscos da tradução são de Falando em termos mais gerais, as ciências
tal ordem que, por exemplo, o meu livro sociais, sejam elas a antropologia, a
Reproduction iii Edu- cation, Society and sociologia ou a história, oscilam entre dois
Culture (Bourdieu e Passeron 1977) é bem pontos de vista aparentemente
conhecido, o que levará certos incompatíveis, duas perspectivas
comentadores - e alguns deles não aparentemente irreconciliáveis: o
hesitaram em fazê-lo - a classificar-me objectivismo e o subjectivismo ou, se
directamente entre os estruturalistas. preferirmos, entre o fisicalismo e o
psicologismo (que pode assumir diversas
* Este é o texto de uma conferência proferida na colorações, fenomenológico-lógicas,
Universidade da Califórnia, em San Diego, em Março semiológicas, etc.). ). Por um lado, pode
de 1998, traduzida do francês por Loic J. D.
Wacquant. Uma versão francesa apareceu em Pierre "tratar os factos sociais como coisas",
Bourdieu, Chose.s dite.s (P'iris, Edititins dc Minuit, segundo o velho preceito durkheimiano, e
1987, pp. 147-1 lb). assim deixar de fora tudo o que eles devem
ao facto de serem objectos de
conhecimento, de cognição - ou de
recognoscibilidade - no seio da existência
social. No
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO 15
Por outro lado, a redução do mundo social só pode ser obtida através de uma ruptura
com as representações que os agentes têm das representações
primárias representações chamadas "Por
outro lado, ela só pode reduzir o mundo social a uma
ruptura com as representações que os agentes têm das representações primárias -
chamadas "noções" em Durkheim e "ideologias" em Marx -
que conduzem a causas inconscientes. Em segundo lugar, o conhecimentocientíficose
exprimem estas duas posições está em continuidadecom o conhecimento do
senso comum1- e sobretudo realizado na prática científica e
sobretudo realizado na prática científica, pois não passa de uma "construção de
de uma forma tão radical e contrastada. construções".
Sabemos que Durkheim é, semdúvida, Seme debrucei um pouco sobre isto
juntamente com Marx, aquele que exprimiu a oposição - um dos mais nocivos da
posição objectivista na maneira mais
consistente estes "conceitos emparelhados" que, como
Reinhard escreveu (Durkheim 1970, p. 25fJ). "Acreditamos que esta ideia é
Bendix e Bennett Berger (1959) têm frutuoso,
escreveu (Durkheim 1970, p. mostrado, pervade as ciências sociais - é
25fJ), que a vida social deve ser explicada, não porque a intenção mais firme (e,
na minha pela concepção daqueles que participam olhos, a mais
importante) que a orienta, mas por causas profundas que se situam fora do meu
trabalho tem sido superá-la. Ao nível da consciência". No entanto, correndo
o risco de parecer bastante obscuro, poderia
resumir numa frase o essencial da análise que hoje proponho: por um lado, as estruturas
objectivas que o sociólogo constrói, as categorias, as classificações.
Dito isto, o fisicalismo
objectivista anda muitas vezes de mãos dadas com a propensão positivista para considerar
as representações dos agentes, formandoas
classificações como meraspartições "operacionais"ou como registo
mecânico dos constrangimentos estruturais
que suportam as quebras ou descontinuidades "objectivas" (como nas
interacções;mas, por outro lado, nas distribuições estatísticas, por exemplo).
stas representações devem também ser tidas
em consideração, sobretudo se se quiser que Schutz e os etnometodólogos dêem
conta das lutas quotidianas, individuais que se encontram a mais pura expressão
e colectivas, que pretendem transformar a
visão subjectivista. Assim, Schutz ou para preservar essas estruturas. Assim,
Schutz (1962, p. 59) abraça o ponto de vista de que os dois momentos, o
objectivista e o exactamente oposto ao de Dur kheiln: "O subjectivista, situam-se num
campo de observação dialéctico da relação cientista social
(Bourdieu 1977) e que, para a realidade
social, tem um significado e uma instância específicos, ainda que a
estrutura de relevância do momento subjectivista para os seres humanos
pareçamuito próxima, quando tomada
separadamente, vivendo, agindo e pensando no seu interior. Por uma série
interaccionista ou etnometodológica de constructos de senso comum, as suas análises,
difere ainda radicalmente de terem pré-seleccionado e pré-interpretado este : os
pontos de vista são apreendidos como tal mundo que experienciam como a realidade
e relacionados com as posições que ocupam
na sua vida quotidiana. São estes objectos do seu pensamento que determinam o seu Para
transcender a oposição artificial, motivando-o. Para transcender a oposição artificial que
se estabelece entre os objectos de pensamento construídos pelo cientista social e as
representações, é preciso também romper com o modo de pensar que Cassirer (1923)
designa por substancialista e que tende a não reconhecer outra realidade que não seja a
dos homens, vivendo a sua vida quotidiana no seu mundo social. Assim, os constructos da
experiência comum, ou seja, os indivíduos ciências sociais são, por assim dizer,
constructos e grupos. A grande contribuição do segundo grau, isto é, das construções do
que se deve chamar, com razão, estruturalistas, consiste em ter aplicado à cena social". A
oposição é total: no mundo social, o modo relacional de pensar a primeira instância, o
conhecimento científico pode que é o da matemática moderna e
16 TEORIA SOCIOLÓGICA
física, e que identifica o real não com distâncias. Não é esse o caso no espaço
substâncias mas com relações (Bourdieu real. É verdade que se pode observar em
1965). A "realidade social" de que falava quase todo o lado uma tendência para a
Durkheim é um conjunto de relações segregação espacial, as pessoas que estão
invisíveis, essas mesmas relações que próximas umas das outras no espaço social
constituem um espaço de posições tendem a encontrar-se, por escolha ou por
exteriores umas às outras e definidas pela necessidade, próximas umas das outras no
sua proximidade, vizinhança ou distância, e espaço geográfico; no entanto, as pessoas
também pela sua posição relativa, acima ou que estão muito distantes umas das outras
abaixo ou ainda no meio, no meio. A no espaço social podem encontrar-se e
sociologia, no seu momento objectivista, é interagir, mesmo que apenas de forma
uma topologia social, uma análise situs, breve e intermitente, no espaço físico. As
como se chamava a este novo ramo da interacções, que trazem uma gratificação
matemática no tempo de Leibniz, uma imediata aos que têm disposições empiristas
análise das posições relativas e das relações -podem ser observados, registados,
objectivas entre essas posições. filmados, em suma, são tangíveis, pode-se
Este modo de pensar relacional está no "estender a mão e tocar-lhes"-mascarar as
ponto de partida da construção apresentada estruturas que neles se realizam. Este é um
em Distinção. No entanto, é de apostar que daqueles casos em que o visível, aquilo que
o espaço, isto é, o sistema de relações, é imediatamente dado, esconde o invisível
passará despercebido ao leitor, apesar do que o determina. Esquece-se, assim, que a
uso de diagramas (e da análise de verdade de qualquer interacção nunca se
correspondência, uma forma muito encontra inteiramente na interacção tal
sofisticada de análise factorial). Isto deve- como ela se apresenta à observação. Um
se, em primeiro lugar, ao facto de o modo exemplo bastará para evidenciar a diferença
de pensar substancialista ser mais fácil de entre estrutura e interacção e, ao mesmo
adoptar e fluir mais "naturalmente". Em tempo, entre a visão estruturalista que
segundo lugar, isto deve-se ao facto de, defendo como momento necessário (mas
como acontece frequentemente, os meios não suficiente) da investigação e a chamada
que se têm de utilizar para construir o visão interaccionista em todas as suas
espaço social e mostrar a sua estrutura formas (e sobretudo na etnometodologia).
correrem o risco de ocultar os resultados a Estou a pensar naquilo a que chamo
que permitem chegar. Os grupos que é estratégias de condescendência, aquelas
preciso construir para objectivar as estratégias através das quais os agentes que
posições que ocupam escondem essas ocupam uma posição mais elevada numa
posições. Assim, o capítulo de Distinção das hierarquias do espaço objectivo negam
dedicado às diferentes fracções da classe simbolicamente a distância social entre si e
dominante será lido como uma descrição os outros, distância essa que não deixa de
dos vários estilos de vida dessas fracções, existir, colhendo assim os lucros do
em vez de uma análise das localizações no reconhecimento concedido a uma
espaço das posições de poder - aquilo a que denegação puramente simbólica da
chamo o campo do poder. (Parêntesis: pode distância ("ela não é afectada", "ele não é
ver-se aqui que as mudanças no intelectual" ou "isolado", etc.) que implica
vocabulário são simultaneamente a um reconhecimento das distâncias. (As
condição e o produto de uma ruptura com a expressões que acabo de citar têm sempre
representação comum associada à ideia de um cavaleiro implícito: "ela não é afectada,
"classe dominante"). para uma duquesa", "ele não é tão
Neste ponto da discussão, podemos intelectual, para um professor
comparar o espaço social a um espaço universitário", etc.). Em suma, é possível
geográfico no qual se dividem as regiões. utilizar as distâncias objectivas de modo a
Mas esse espaço é construído de tal forma acumular as vantagens da propinquidade e
que quanto mais próximos os agentes, as vantagens da distância, isto é, a distância
grupos ou instituições que se situam nesse e o reconhecimento da distância garantido
espaço, mais propriedades comuns eles pela sua negação simbólica.
têm; e quanto mais distantes, menos. As Como apreender concretamente estas
distâncias espaciais - no papel - coincidem relações objectivas que são irredutíveis às
com as distâncias sociais interacções através das quais se
manifestam?
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO 17
eles próprios? Estas relações objectivas são Acrescente-se a isto o facto de este
sentido de
as relações entre as posições ocupadas nas O lugar, as afinidades de habitus vividas
distribuições dos recursos que são ou como simpatia ou antipatia, estão na base
podem tornar-se activas, eficazes, como os de todas as formas de cooptação, amizades,
ases num jogo de cartas, na competição amores, casamentos, associações, etc.,
pela apropriação dos bens escassos de que portanto de todas as relações duradouras e
este universo social é o lugar. De acordo por vezes sancionadas pela lei, e verá que
com as minhas investigações empíricas, tudo leva a pensar que as classes no papel
estes poderes fundamentais são o capital são grupos reais - tanto mais reais quanto o
económico (nas suas diferentes formas), o espaço está mais bem construído e as
capital cultural, o capital social e o capital unidades recortadas nesse espaço são mais
simbólico, que é a forma que as diferentes pequenas. Se quisermos lançar um
espécies de capital assumem quando são movimento político ou mesmo uma
percebidas e reconhecidas como legítimas associação, teremos mais hipóteses de
(Bourdieu 1986a). Assim, os agentes são reunir pessoas que se encontrem no mesmo
distribuídos no espaço social global, na sector do espaço social (por exemplo, na
primeira dimensão, em função do volume região noroeste do diagrama, onde se
global de capital que possuem e, na encontram os intelectuais) do que se
segunda dimensão, em função da estrutura quisermos reunir pessoas situadas em
do seu capital, isto é, do peso relativo das regiões nos quatro cantos do diagrama.
diferentes espécies de capital, económico e Mas tal como o subjectivismo tende a
cultural, no volume total dos seus bens. reduzir as estruturas às interacções visíveis,
Os mal-entendidos que as análises o objectivismo tende a deduzir da estrutura
propostas nomeadamente em Distinção as acções e as interacções. Assim, o erro
suscitam devem-se, pois, ao facto de as crucial, o erro teórico que se encontra em
classes no papel serem susceptíveis de Marx, consistiria em tratar as classes no
serem apreendidas como grupos reais. Esta papel como classes reais, em concluir, a
(má) leitura realista é objectivamente partir da homogeneidade objectiva das
encorajada pelo facto de o espaço social ser condições, dos condicionamentos e,
construído de tal forma que os agentes que portanto, das disposições, que decorre da
ocupam posições semelhantes ou vizinhas identidade de posição no espaço social, que
são colocados em condições semelhantes e os agentes envolvidos existem como um
sujeitos a condicionamentos semelhantes, grupo unificado, como uma classe. A
tendo, portanto, todas as hipóteses de ter noção de espaço social permite ultrapassar
disposições e interesses semelhantes e, por a alternativa do realismo e do nominalismo
conseguinte, de produzir práticas que são no que diz respeito às classes sociais
elas próprias semelhantes. As disposições (Bourdieu 1985): o trabalho político que
adquiridas na posição ocupada implicam visa produzir classes sociais como corpos
um ajustamento a essa posição, aquilo a corporativos, grupos permanentes dotados
que Goffman chama o "sentido do lugar". É de órgãos ou representações permanentes,
este sentido do lugar que, nas interacções, acrónimos, etc., tem maiores
leva as pessoas a quem chamamos em probabilidades de sucesso. é tanto mais
francês "les gens modestes", "gente susceptível de ser bem sucedido quanto os
comum", a manterem-se no seu lugar agentes que procura reunir, unificar,
comum, e os outros a "manterem-se à constituir num grupo, estão mais próximos
distância", a "manterem a sua posição" e a uns dos outros no espaço social (e,
"não se familiarizarem". Estas estratégias, portanto, pertencem à mesma classe
note-se de passagem, podem ser teórica). As classes, no sentido de Marx,
perfeitamente inconscientes e assumir a têm de ser constituídas através de um
forma daquilo a que se chama timidez ou trabalho político que tem tanto mais
arrogância. Com efeito, as distâncias hipóteses de ser bem sucedido quanto mais
sociais estão inscritas nos corpos ou, mais armado estiver com uma teoria bem
precisamente, na relação com o corpo, com fundamentada na realidade, portanto mais
a linguagem e com o tempo - tantos capaz de exercer um efeito de teoria - theo
aspectos estruturais da prática ignorados rein, em grego, significa ver - isto é, de
pela visão subjectivista. impor uma visão das divisões.
Com o efeito da teoria, escapámos
IS sociologia deve incluir uma sociologia da
percepção do mundo social, isto é, uma
O fisicalismo puro, mas sem renunciar às sociologia da construção da realidade
conquistas da fase objectivista: os grupos, objectiva.
como as classes sociais, devem ser feitos.
Eles não são dados na "realidade social". O
título do célebre livro de E.P. Thompson
(1963), The Making of the English Working
Class, deve ser tomado à letra: a classe
operária, tal como nos aparece hoje, através
das palavras que a designam, "classe
operária", "proletariado", "trabalhadores",
"movimento operário", etc., através das
organizações que são supostas exprimir a
sua vontade, através dos logótipos, dos
bureaus, dos locais, das bandeiras, etc., é
um artefacto histórico bem fundamentado.
é um artefacto histórico bem fundamentado
(no sentido em que Durkheim dizia que a
religião é uma ilusão bem fundamentada).
Mas isto não significa de modo algum que
se possa construir o que quer que seja, quer
em teoria quer na prática.

II
Passámos assim da física social à
fenomenologia social. A "realidade social"
de que falam os objectivistas é também um
objecto de percepção. E a ciência social
deve tomar como objecto tanto esta
realidade como a percepção desta
realidade, as perspectivas, os pontos de
vista que, em virtude da sua posição no
espaço social objectivo, os agentes têm
sobre esta realidade. As visões espontâneas
do mundo social, as "teorias populares" de
que falam os etnometodólogos, ou aquilo a
que chamo "sociologia espontânea", mas
também as teorias científicas, incluindo a
sociologia, fazem parte da realidade social
e, tal como a teoria marxista, por exemplo,
podem adquirir um poder de construção
verdadeiramente real.
A ruptura objectivista com as pré-
noções, as ideologias, a sociologia
espontânea e as "teorias populares" é um
momento inevitável e necessário do
empreendimento científico - não se pode
passar sem ela, como fazem o
interaccionismo, a etnometodologia e todas
estas formas de psicologia social que se
contentam com uma visão fenomenal do
mundo social, sem nos expormos a graves
erros. Mas é necessário efectuar uma
segunda e mais difícil ruptura com o
objectivismo, reintroduzindo, numa
segunda fase, o que teve de ser excluído
para construir a realidade objectiva. A
TEORIA SOCIOLÓGICA socialmente estruturadas, porque têm uma
génese social; em terceiro lugar, que a
A construção do espaço social, no construção da realidade social não é apenas
entanto, é uma construção de visões do um empreendimento individual, mas pode
mundo que contribuem, elas próprias, também tornar-se um empreendimento
para a construção desse mundo. Mas, colectivo. Mas a chamada
tendo construído o espaço social,
sabemos que esses pontos de vista, como
a própria palavra sugere, são pontos de
vista tomados de um certo ponto, isto é,
de uma determinada posição no espaço
social. E sabemos também que haverá
pontos de vista diferentes ou mesmo
antagónicos, uma vez que os pontos de
vista dependem do ponto a partir do qual
são tomados, uma vez que a visão que
cada agente tem do espaço depende da
sua posição nesse espaço.
Ao fazê-lo, repudiamos o sujeito
universal, o ego transcendental da
fenomenologia que os etnometodólogos
tomaram como seu. Não há dúvida de que
os agentes têm uma apreensão activa do
mundo. Sem dúvida, eles constroem a sua
visão do mundo. Mas esta construção é
efectuada sob constrangimentos
estruturais. Podemos até explicar em
termos sociológicos aquilo que parece ser
uma propriedade universal da experiência
humana, nomeadamente, o facto de o
mundo familiar tender a ser "dado como
adquirido", percebido como natural. Se o
mundo social tende a ser percepcionado
como evidente e a ser apreendido, para
usar a expressão de Husserl (1953), numa
modalidade doxástica, isso deve-se ao
facto de as disposições dos agentes, o seu
habitus, isto é, as estruturas mentais
através das quais apreendem o mundo
social, serem essencialmente o produto da
interiorização das estruturas desse mundo.
Como as disposições perceptivas tendem
a ser ajustadas à posição, os agentes,
mesmo os mais desfavorecidos, tendem a
percepcionar o mundo como natural e a
aceitá-lo muito mais facilmente do que se
poderia imaginar - especialmente quando
se olha para a situação dos dominados
através dos olhos sociais de um
dominante.
Assim, a procura de formas invariantes
de percepção ou de construção da
realidade social esconde coisas
diferentes: em primeiro lugar, que essa
construção não se realiza num vazio
social, mas está sujeita a
constrangimentos estruturais; em segundo
lugar, que as estruturas estruturantes, as
estruturas cognitivas, são elas próprias
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO 19
A visão microssociológica deixa de fora uma boa agentes socializados, somos capazes de
perceber a relação entre as práticas ou quando olhamos demasiado de perto, não
conseguimos ver as representações e as posições no social a madeira da árvore; e,
sobretudo, o espaço (como quando adivinhamos a posição social de uma pessoa não
conseguimos construir o espaço das posições a partir do seu sotaque). Assim, através do
não nos deixa qualquer hipótese de ver o ponto habitus, temos um mundo comum a partir
do qual vemos o quevemos. sentido, um mundoque parece evidente.
Assim, as representações dos agentes variam até agora com a sua posição (e com o
interesse que o sujeito perceptivo e mencionei associado a ela) e com o seu habitus, a
principal causa das variações de percepção, a saber, a posição no espaço social. apreciação
das práticas, das estruturas cognitivas e Mas o que dizer das variações cujo princípio
avaliativo se adquire se encontra do lado do objecto, nesta através da experiência
duradoura de um espaço social propriamente dito? É verdade que a posição
correspondente. O habitus é ao mesmo tempo um sistema de dência que se obtém, através
do habitus (esquemas de produção de práticas e um sistema de percepção e de apreciação
das práticas, das preferências exibidas, das opiniões práticas. E, em ambas as dimensões,
seu funcionamento expressa o mundo social não se apresenta como puro caos, posição em
que foi elaborado. Mas este mundo não se apresenta como totalmente destituído de
necessidade e susceptível de ser construído da forma que se quiser. classificação, que são
objectivamente diferen- totalmente estruturado, ou como passível de ser enti- mas que se
impõem imediatamente a cada sujeito perceptor percebido como tal apenas por aqueles
agentes que os princípios da sua própria construção. O código, os esquemas de
classificação do mundo social podem ser proferidos e construídos de diferentes maneiras,
de acordo com diferentes significados sociais. O habitus implica, assim, um "sentido dos
princípios de visão e divisão do lugar", mas também um "sentido do lugar do exemplo,
divisões económicas e étnicas". Por exemplo, dizemos de um pedaço de divisão. Se é
verdade que, em sociedades avançadas, factores económicos e culturais "isso parece
bastante burguês" ou "isso tem o maior poder de diferenciação, intelectual". Quais são as
condições sociais de possibilidade de um tal juízo? Em primeiro lugar, pressupõe que o
gosto (ou habitus), como grande sistema de esquemas de classificação, é a base de outros
princípios de divisão objectivamente referidos, através dos condicionamentos sociais
étnicos, religiosos ou nacionais, para uma instância social.
Apesar desta potencial pluralidade de classificações possíveis, através de estruturas -
aquilo a que Weber chamou a Vielgkeit do dado -, continua a ser que os diferentes
atributos (roupas, tipos de comida, mundo social se apresenta como uma realidade
altamente estruturada. o, ou, mais simplesmente, por um mecanismo que quero esboçar
com exactida Para sermos mais breves. O espaço social, tal como o descrevi com
exactidão, apresenta-se sob a forma de bens e serviços disponíveis aos agentes, bens esses
dotados de propriedades diferentes que ocupam uma posição neste espaço homóloga
sistematicamente ligados entre si: à posição que eles próprios ocupam no aqueles que
bebem champanhe são opostos espaço social. Isto faz com que, para aqueles que bebem
uísque, mas nada classifica alguém mais do que a também se opõe, de uma forma
diferente, a essa forma de classificação. Em segundo lugar, um juízo classificatório como
"isso é champanhe, no entanto, tem mais hipóteses de pequeno-burguês" pressupõe que,
tal como aqueles que bebem uísque, e uma grande
20 TEORIA SOCIOLÓGICA
mundo do senso comum ou, pelo menos, um
mais hipóteses do que aqueles que bebem consenso mínimo sobre o mundo social.
vinho tinto, de ter mobiliário antigo, jogar Mas, como sugeri, os objectos do mundo
golfe em clubes seleccionados, andar a social podem ser percebidos e expressos
cavalo ou ir ver comédias ligeiras ao teatro.
Estas propriedades, quando são
percepcionadas por agentes dotados das
categorias de percepção pertinentes -
capazes de ver que jogar golfe nos faz
"parecer" um membro tradicional da velha
burguesia
-função, na própria realidade da vida social,
como signos: as diferenças funcionam
como signos distintivos e como signos de
distinção, positiva ou negativa, e isto
acontece fora de qualquer intenção de
distinção, de qualquer procura consciente
de "consumo conspícuo". (Isto para dizer,
entre parêntesis, que as minhas análises
nada têm em comum com as de Veblen -
tanto mais que a distinção, tal como a
interpreto, do ponto de vista dos critérios
indígenas, exclui a procura deliberada de
distinção). Por outras palavras, através da
distribuição das propriedades, o mundo
social apresenta-se, objectivamente, como
um sistema simbólico que se organiza
segundo a lógica da diferença, da distância
diferencial. O espaço social tende a
funcionar como um espaço simbólico, um
espaço de estilos de vida e de grupos de
estatuto caracterizados por estilos de vida
diferentes.
Assim, a percepção do mundo social é o
produto de uma dupla estruturação: do
lado objectivo, ela é socialmente
estruturada porque as propriedades
atribuídas aos agentes ou às instituições se
apresentam em combinações com
probabilidades muito desiguais: tal como os
animais com penas têm mais
probabilidades de ter asas do que os
animais peludos, também os possuidores de
um domínio sofisticado da linguagem têm
mais probabilidades de ser encontrados
n u m museu do que aqueles que não têm
esse domínio. Do lado subjectivo,
estrutura-se porque os esquemas de
percepção e de apreciação, sobretudo os
inscritos na própria linguagem, exprimem o
estado das relações de poder simbólico.
Estou a pensar, por exemplo, em pares de
adjectivos como pesado/leve,
brilhante/fosco, etc., que organizam o gosto
nas mais diversas formas. que organizam o
gosto nos mais diversos domínios. Em
conjunto, estes dois mecanismos actuam
para produzir um mundo comum, um
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO 21
de várias maneiras, uma vez que incluem
sempre um certo grau de indeterminação e
vagueza e, por conseguinte, um certo grau
de elasticidade semântica. De facto,
mesmo as combinações de propriedades
mais constantes baseiam-se sempre em
conexões estatísticas entre características
permutáveis; além disso, estão sujeitas a
variações no tempo, de modo que o seu
significado, na medida em que depende do
futuro, é ele próprio suspenso e
relativamente indeterminado. Este
elemento objectivo de incerteza - muitas
vezes reforçado pelo efeito de
categorização, uma vez que a mesma
palavra pode abranger práticas diferentes -
fornece uma base para a pluralidade de
visões do mundo que está, por sua vez,
ligada à pluralidade de pontos de vista. Ao
mesmo tempo, fornece uma base para as
lutas simbólicas sobre o poder de produzir
e impor a visão legítima do mundo. (É nas
posições intermédias do espaço social,
sobretudo nos Estados Unidos, que a
indeterminação e a incerteza objectiva das
relações entre práticas e posições atinge o
seu máximo e, consequentemente, a
intensidade das estratégias simbólicas. É
fácil compreender porque é que é este
universo que constitui o lugar preferido
dos interaccionistas e de Goffman em
particular).
As lutas simbólicas sobre a percepção
do mundo social podem assumir duas
formas diferentes. Do lado objectivo,
pode-se agir através de acções de
representação, individuais ou colectivas,
destinadas a mostrar e a pôr em relevo
certas realidades: Estou a pensar, por
exemplo, nas manifestações que têm por
objectivo exibir um grupo, a sua
dimensão, a sua força, a sua coesão, para o
tornar visível (Champagne 1984); e, no
plano individual, em todas as estratégias
de apresentação do eu, tão bem analisadas
por Goffman (1959, 1967), que visam
mani- pulizar a imagem de si e, sobretudo
- algo que Goffman ignorou -, a imagem
da sua posição no espaço social. Do lado
subjectivo, podemos agir tentando
transformar as categorias de percepção e
apreciação do mundo social, as estruturas
cognitivas e avaliativas através das quais
ele é construído. As categorias de
percepção, os esquemas de classificação,
ou seja, essencialmente, as palavras, os
nomes que constroem a realidade social,
tanto quanto as
22 TEORIA SOCIOLÓGICA
A luta política, que é uma luta de legitimação do mundo social, não é, como impõem
alguns, o produto de uma divisão deliberada, isto é, de uma luta de legitimação do
espaço social. Mais concretamente, a luta
política, que é uma luta pela legitimação do mundo social, não é, como
impõem alguns, o produto de uma divisão deliberada, isto é, de uma luta pela acção
propositada de propaganda ou pelo exercício legítimo daquilo a que chamo a
imposição simbólica; resulta, antes, de um
"efeito de teoria". Mostrei noutro lugar o facto de os agentes se aplicarem às
estruturas objectivas (Bourdieu 1980, 1986b), no caso das estruturas do mundo
social da Cabília, que os grupos - famílias, clãs, percepção e apreciação que são
ou tribos - e os nomes que designam saídos dessas mesmas estruturas e elas
são os instrumentos e as apostas de que tendem a imaginar o mundo
comoevidente. inúmeras estratégias e que os agentes estão As
relações objectivasde poder tendem a ocupar-se incessantemente na negociação da
reproduzem-se em relações de
simbolização da sua própria identidade. Podem, por exemplo, manipular o poder
simbólico. Na luta simbólica pela manipulação da genealogia, tal como nós, para
a produção do senso comum ou, por
razões mais semelhantes, manipulamos os textos dos precisamente, pelo monopólio
dos legítimos "pais fundadores" da nossa disciplina. Assim , os agentes põem em
acção o capital simbólico sábio, ao nível do quotidiano da luta de classes que
adquiriram eme lutasanteriores que os agentes sociais
travam num Estado isolado e juridicamente disperso, temos
os insultos (que são garantidos. Assim, os títulos de nobreza,
como uma espécie de tentativa mágica de categorização: credenciais educativas,
representam verdadeiros títulos kathegorein, de onde provém a nossa palavra "cate-
de propriedade simbólica que dão direito
a partilhar os lucros do reconhecimento. goria", significam originalmente acusar
o direito de partilhar os lucros do
reconhecimento. publicamente), os mexericos, os boatos, as calúnias, as insinuações,
etc. No subjectivismo colectivo
e mais marginalista: a ordem simbólica é
propriamente política (Bourdieu 1981), não se forma à maneira de um mercado
temos todas as estratégias que visam preço, a partir da mera adição mecânica impondo
uma nova construção de ordens sociais individuais. Por outro lado, na realidade,
ao abandonar o velho vocabulário político , a determinação da classificação
objectiva, ou ao preservar a visão ortodoxa e da hierarquia dos valores, mantendo
essas palavras (que são concedidas aos indivíduos e aos grupos,
nem sempre eufemismos, como na expressão julgamentos têm o mesmo peso, e
"gente comum" que acabo de evocar) detentores de grandes quantidades de signos
simbólicos para descrever o mundo social. O capital, os nobiles (etimologicamente, os
mais típicos destas estratégias de construção, bem conhecidos e reconhecidos), são os
que visam reconstruir retrospectivamente uma escala de valores adaptada às
necessidades do mais favorável aos seus produtos - nomeadamente o presente - como
quando o general Flemming, porque, nas nossas sociedades, detêm um desembarque
em 1917, exclamou: "o que, tal como o sistema escolar, determina e garante
oficialmente o futuro, através de uma previsa Por outro lado, o capital simbólico pode
ser de-
Estas lutas simbólicas, quer as lutas individuais da vida quotidiana, sancionadas e
garantidas ficialmente, quer as juridicamente instituídas por efeito de lutas oficiais
colectivas e organizadas de nomeação política (Bourdieu 1982). A vida oficial tem
uma lógica específica que dota a nomeação, ou seja, o acto pelo qual alguém recebe
um título, uma estrutura socialmente reconhecida na qual se enraíza. o do capital
simbólico é uma das expressões mais típicas do monopólio da violência simbólica
inata que pertence ao capital económico ou cultural quando é conhecido e
reconhecido, quando é o Estado ou os seus representantes. Uma credencial, como um
diploma escolar, é uma credencial conhecida através das categorias de perceção que
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO 23
impõe, as relações simbólicas de capital simbólico universalmente reconhecidas e
garantidas tendem a reproduzir e a reforçar as relações de poder que constituem o
Como definição oficial de um capital simbólico oficial
24 TEORIA SOCIOLÓGICA
a ter um valor unívoco em todos os
identidade, liberta o seu portador da luta mercados. O efeito mais típico da raison
simbólica de todos contra todos, impondo a d'Etat é a
perspectiva universalmente aprovada.
O Estado, que produz a classificação
oficial, é, num certo sentido, o tribunal
supremo a que Kafka (1968) se refere em O
Julgamento, quando Block diz ao advogado
que afirma ser um dos "grandes
advogados": "Claro que qualquer um pode
dizer que é 'grande', se quiser, mas nestas
questões a questão é decidida pelas práticas
do tribunal." A ciência não precisa de
escolher entre relativismo e absolutismo: a
verdade do mundo social está em jogo nas
lutas entre agentes desigualmente
equipados para alcançar uma visão
absoluta, isto é, auto-realizável. A
consagração jurídica do capital simbólico
confere a uma perspectiva um valor
absoluto, universal, arrancando-a assim a
uma relatividade que é, por definição,
inerente a todo o ponto de vista, enquanto
ponto de vista tomado de um determinado
ponto do espaço social.
Existe um ponto de vista oficial, que é o
ponto de vista dos funcionários e que se
exprime no discurso oficial. Este discurso,
como demonstrou Aaron Cicourel,
desempenha três funções. Em primeiro
lugar, realiza um diagnóstico, isto é, um
acto de conhecimento ou de cognição que
gera reconhecimento e que, muitas vezes,
tende a afirmar o que uma pessoa ou uma
coisa é e o que ela é universalmente, para
todas as pessoas possíveis, portanto
objectivamente. É, como Kafka viu
claramente, um discurso quase divino que
atribui uma identidade a toda a gente. Em
segundo lugar, o discurso administrativo
diz, através de directivas, ordens,
prescrições, etc., o que as pessoas têm de
fazer, tendo em conta as suas necessidades.
o que as pessoas têm de fazer, tendo em
conta o que são. Em terceiro lugar, diz o
que as pessoas realmente fizeram, como
nos relatos autorizados, tais como os
registos policiais. Em cada caso, o discurso
oficial impõe um ponto de vista, o da
instituição, especialmente através de
questionários, formulários oficiais, etc. Este
ponto de vista é instituído como ponto de
vista legítimo, ou seja, um ponto de vista
que todos têm de reconhecer, pelo menos
dentro dos limites de uma sociedade
definida. O representante do Estado é o
repositório do senso comum: as nomeações
oficiais e as credenciais académicas tendem
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO 25
condições um poder simbólico pode tornar-
efeito de codificação que se manifesta em se um poder de constituição, tomando o
operações tão banais como a concessão de termo, com Dewey, tanto no seu sentido
um certificado: um perito, médico ou filosófico como no seu sentido político:
jurista, é alguém que é nomeado para isto é, um
produzir um ponto de vista reconhecido
como transcendente em relação a pontos
de vista particulares - sob a forma de
atestados de doença, de certificados de
competência ou de incompetência - um
ponto de vista que confere ao titular do
certificado direitos universalmente
reconhecidos. O Estado aparece assim
como o banco central que garante todos os
certificados. Pode-se dizer do Estado, nos
termos que Leibniz usou sobre Deus, que
ele é o "locus geometral de todas as
perspectivas". É por isso que se pode
generalizar a conhecida fórmula de Weber
e ver no Estado o detentor do monopólio
da violência simbólica legítima. Ou, mais
precisamente, o Estado é um árbitro,
ainda que poderoso, nas lutas por esse
monopólio.
Mas na luta pela produção e imposição
da visão legítima do mundo social, os
detentores da autoridade burocrática
nunca estabelecem um monopólio
absoluto, mesmo quando acrescentam à
sua autoridade burocrática a autoridade da
ciência, como fazem os economistas
governamentais. De facto, há sempre, em
qualquer sociedade, conflitos entre
poderes simbólicos que visam impor a
visão de divisões legítimas, isto é,
construir grupos. O poder simbólico,
neste sentido, é um poder de "fazer
mundo". A "criação de mundos" consiste,
segundo Nelson Goodman (1978), "em
separar e reunir, muitas vezes na mesma
operação", em efectuar uma
decomposição, uma análise, e uma
composição, uma síntese, muitas vezes
através da utilização de rótulos. As
classificações sociais, como acontece nas
sociedades arcaicas, onde funcionam
frequentemente através de oposições
dualistas (masculino/feminino, alto/baixo,
forte/fraco, etc.), organizam a percepção
do mundo social e, em certas condições,
podem mesmo organizar o próprio
mundo.

I
I
I
Assim, podemos agora examinar em que
26 TEORIA SOCIOLÓGICA
o, o poder de conservar ou de transformar os princípios da união e da separação, do
casamento e do divórcio, da associação e da existência. o e divórcio, de associaça
e facto, como uma constelação que, de
acordo comNelson Goodman (1978), só começa a existir quando é seleccionada e
designada como de género, nação, região, idade e estatuto social, um grupo, uma
classe, um género, uma região, um estatuto, e isto através das palavras usadas para
designar ou descrever indivíduos, grupos
ou instituições. Para mudar o
mundo, é preciso mudar de acordocom um princípio ou outro, as
formas de fazer o mundo, ou seja,a de outros grupos, ou seja, através do
conhecimentodo mundo e da visãoprática e do reconhecimento (connaissanCe et
operações pelas quais os grupos são produzidos reconhecimento).
e reproduzido. O poder simbólico, cuja forma por excelência é o poder de fazer o que está
em jogo na luta pela existência ou inexistência de classes. O proletariado marxiano), que
tem de ser consagrado ou grupos que lutam por classificações é uma dimensão mental
fundamental da luta de classes. O proletariado marxiano), assenta em duas condições:
poder de impor e inculcar uma visão. Em primeiro lugar, como qualquer forma de divisão
performativa, isto é, o poder de tornar visíveis e explícitas as divisões sociais que se
baseiam na posse de capital simbólico. O poder implícito é o poder político por
excelência. de impor a outras mentes uma visão, antiga ou nova, das divisões sociais
depende da autoridade social adquirida em lutas anteriores. O capital simbólico é um
poder de designação, de nomeação, de crédito; é o poder concedido àqueles que, numa
forma instituída, constituída, obtiveram um reconhecimento suficiente para poderem
impor o reconhecimento. Nesta poratio, como diziam os canonistas medievais, o poder de
constituição, um poder de fazer existir um novo grupo, através da mobilização, até então
apenas como uma collectio personarium ou de o fazer existir por procuração, falando
plurium, uma colecção de pessoas variadas, uma série puramente aditiva de indivíduos
meramente justapostos só pode ser obtida como resultado de um processo de constituição.
longo processo de institucionalização, emo Aqui,se tivermos em mente o principal
fim para o qual um representante é instituído, problema que tentei resolver hoje, que
recebe dogrupo o poder de saber como se pode fazer as coisas fazerem
o grupo. ( Em segundo lugar, a eficácia
simbólicadepende deuma última questão, a questão de saber até
que ponto a visão proposta é mysterium do ministerium, tal como o
cânone fundado na realidade. Obviamente, os conselheiros gostavam de o dizer (Bourdieu
1984b): como é que o porta-voz é investido ex nihilo. Tem
tanto mais hipóteses de ser bem sucedido quanto mais se funda no
nome do grupo que ele ou ela realidade,
isto é, como indiquei, na produz pela magia da palavra de ordem, as afinidades objectivas
entre os agentes que palavra de ordem, ou o comando, e pela sua têm
de ser reunidos. A "teoria da mera existência como encarnação do efeito"
é tanto mais poderosa quanto mais colectiva? Como o rei nas sociedades
arcaicas, a teoria é adequada. O poder
simbólico é Rex, que, segundo Benveniste (1969), tem o
poder de fazer coisas com palavras. É-lhe confiada a tarefa de regere fines apenas se for
verdadeira, isto é, adequada às coisas, e regere sacra, de traçar e afirmar que a
descrição faz as coisas. Neste sentido, o poder simbólico é um poder de
con- -se as fronteiras entre os grupos e, por conseguinte, de os fazer existir como tal.
o, de os trazer à existência como
ESPAÇO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO 27
O porta-voz é o representante do grupo, Benveniste, Emile. 1969. Le vocabulaire des insiitu-
o líder de um sindicato ou de um partido iions indo-européennes, Vol. II: Pouvoir, droit,
religion. Paris: Editions de Minuit.
político, o funcionário público ou o perito Bourdieu, Pierre. 1965. "Structuralism and Theory of
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convencer-vos de que a complexidade Bourdieu, Pierre. Jean-Claude Passeron et Monique
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algo decadente de dizer coisas communication. Haia: Mouton. (Traduzido em parte
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complicadas. "O simples, escreveu pp. 36-77, e "Students and the Language of
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questionamento é particularmente 1977. Reproduction in Education, Sociei y, and
necessário nas ciências sociais, uma vez Culture [Reprodução na Educação, Sociedade e
que, por todas as razões que referi, Cultura]. Londres: Sage.
tendemos demasiado facilmente a Cassirer, Ernst. [ 1910] 1923. Substância e Função.
Einstein's Theory of Relaiivit y. Trans. William Curtis
satisfazer-nos com os lugares comuns que Swabey e Marie Collins Swabey. Chicago: Open
nos são fornecidos pela nossa experiência Court Publishing.
de senso comum ou pela nossa Champagne, Patrick. 1954. La manifestation. La
familiaridade com uma tradição académica. production de l'évenement politique". Actes de la
recherche en sciences sociales 52/53: lS-41.
Durkheim, Emile. [1597] 1970. "La conception
matérialiste de l "historie". Pp. 245-252 in la
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