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E ESCOLAR:
DESNATURALIZANDO COM ARTE
Supervisão
Clarissa Bengtson
Douglas Henrique Perez Pino
Revisão Linguística
Paula Sayuri Yanagiwara
Editoração Eletrônica
Bruno Prado Santos
Capa
Jéssica Veloso Morito
ISBN: 978-65-86891-09-6
O que nos revelam estes Ensaios Artísticos? Que existe vida nas esco-
las, que há criatividade, há narrativas de práticas pedagógicas de docentes,
educadores e educandos que inventam e mostram respostas corajosas, éti-
cas, pedagógicas, artísticas e políticas. Há educadoras e educadores que
buscam respostas aos dramas ético-pedagógicos que chegam aos corpos,
nas vidas violentadas, ameaçadas de milhões de educandos. Da riqueza des-
tes Ensaios Artísticos destaco algumas interrogações para a educação e a
docência: o que aprender com estas narrativas de respostas políticas, éticas,
pedagógicas, artísticas?
• Os educandos hoje são outros e exigem que os vejamos com outros
olhares
Outras crianças e adolescentes vêm chegando às escolas públicas que-
brando as velhas imagens românticas, cultuadas de infância e quebrando
as velhas autoimagens dos docentes, educadoras e educadores jardinei-
ros fiéis. No livro Imagens Quebradas (ARROYO, 2000) reflito sobre essas
quebras de olhares tradicionais dos educandos e dos educadores que nos
exigem a reinvenção de olhares. Os Ensaios Artísticos, apresentados neste
livro, nos convidam a ver as educandas e os educandos com o olhar das ar-
tes. Outros olhares realistas, trágicos das infâncias violentadas, como no livro
Vidas Ameaçadas (ARROYO, 2019a). Como vemos os educandos e como nos
vemos educadores? Interrogações que vêm destes Ensaios Artísticos.
• As violências existem e chegam às escolas
Os trabalhadores e as trabalhadoras na educação sabem que a socie-
dade é violenta e que as violências existem, pois carregamos para dentro
Referências
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Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
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SUMÁRIO
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
APRESENTAÇÃO
É fato que a escola sente muita dificuldade em lidar com a violência estru-
tural (violência da própria sociedade), mas existe, também, aquela que está
dentro dos seus espaços, denominada de intramuros. Por vezes, educadores
sentem-se impotentes diante de uma rede de relações que desconhecem
e/ou não compreendem, havendo a busca por soluções ainda mais violen-
tas, como: ataques verbais, imposição de autoridade ou em muitos casos
expulsando o aluno ou transferindo-o para outra escola. Tanto as violências
extramuros como as intramuros resultam de problemas de ordem social –
manifestações de poder que podem ser geradas pelos espaços micro ou
macro – e estão ligadas às questões relacionais em seu ambiente.
A parceria entre uma Escola Estadual de Ensino Integral, no interior de
São Paulo, e o Gepesc (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Subjeti-
vidade e Cultura) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) surge nes-
te contexto, com uma pesquisa-intervenção que propiciou reflexões sobre
as questões de relacionamentos entre aluno/aluno, professores/aluno etc.,
nos anos de 2018 e 2019. De lá para cá, foram oferecidas quatro disciplinas
eletivas (uma por semestre, duas ao ano), para os Ensinos Fundamental e
Médio, em conjunto aos docentes da escola, tendo como foco contextuali-
zar a importância da alteridade e das convivências escolares, com intenção
de socializar olhares diferenciados e contribuir para possíveis e diferentes
soluções, utilizando expressões artísticas (música, movimento, dança, audio-
visuais, arte plástica, cinema etc.).
Durante esse processo tanto os discentes da Educação Básica como os
do Ensino Superior – integrantes do Gepesc – foram envolvidos e desafia-
dos a adotar diferentes perspectivas, com possibilidades de novos espaços
para repensar as relações com o entorno – e consigo mesmo. Os exercícios
aplicados nas experimentações funcionaram como jogos, cujo conjunto de
regras teria que desestabilizar o conhecimento prévio do estudante sobre a
temática e sobre as produções audiovisuais e/ou escritas. O fazer nos ateliês
de experimentação, bem como tudo o que foi produzido neles, modifica-
ram os relacionamentos na escola, com base na alteração dos modos de
14 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
registrada neste livro, e esperamos que ele auxilie sua formação continua-
da, sua reflexão sobre ser educador, ou até mesmo no seu posicionamento
como ser humano, e isto significa, daqui para frente, acreditar na educação
de forma democrática e não violenta.
Boa leitura!
PRÁTICAS COLABORATIVAS E
RELAÇÕES HORIZONTAIS: GEPESC –
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS
EM EDUCAÇÃO, SUBJETIVIDADE E
CULTURA
Maria Cecília Luiz
Ridamar Aparecida de Oliveira
Considerações finais
A análise dos resultados apresentados permitiu identificar a progressiva
atuação do grupo de pesquisa Gepesc, que desde sua origem teve como
objetivo principal contribuir com estudos, pesquisas e o desenvolvimento
de habilidades para o trabalho em equipe e com práticas colaborativas. Esse
ambiente de aprendizagem foi representado, neste texto, por duas ações
realizadas pelo grupo Gepesc. Os desafios enfrentados durante o período
de dois anos – das pesquisas relatadas neste texto – foram imensos, e de
forma processual houve a garantia da comunicação democrática e do res-
peito entre integrantes do grupo, o qual, diferentemente de outros grupos
de pesquisa, procura não estimular as disputas individuais; ao contrário, fo-
menta a ajuda mútua, acreditando que o espaço do grupo é para apoiar os
momentos de dificuldades individuais dos pesquisadores.
Ingressar e permanecer no grupo Gepesc são opções que cabem a cada
membro, visto que o aprofundamento nos estudos sobre violências, a busca
por troca de saberes e de experiências com outros pesquisadores – forma-
ção transdisciplinar –, o desenvolvimento de pesquisas e a produção de
conhecimentos na área etc. devem ser o resultado para cada estudante ou
docente que busca impactos de aprendizagens, transformações nas vidas
privadas e nas práticas profissionais.
Os aspectos sinalizados como dificuldades enfrentadas no espaço do
grupo Gepesc são similares àqueles enfrentados em outros espaços de
convívio coletivo. Uma ação que ajudou para a continuidade deste grupo
foi se autoavaliar o máximo possível, buscando, assim, consolidar princípios,
objetivos, modos de funcionamento e sua própria estrutura organizacional.
Os relatos da pesquisa – feita com integrantes do Gepesc – trouxeram
uma percepção otimista quanto ao impacto na formação inicial e, especial-
mente, na formação para a licenciatura, além das possibilidades de conhecer
melhor as relações que ocorrem nos ambientes das escolas públicas e das
mudanças proveitosas que a intervenção do grupo Gepesc propiciou para a
instituição de Educação Básica participante. Nesse aspecto, com a realização
da pesquisa-intervenção, pôde-se perceber como as violências interferiam,
36 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
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Práticas colaborativas e relações horizontais: Gepesc – Grupo de Estudos e Pesquisas em... | 37
os sistemas simbólicos que lhe atribuem sentido; por isso sua problemática
sempre provoca perplexidade e preocupação.
Segundo investigações feitas por Abramovay et al. (2004), Adorno, Bor-
dini e Lima (1999), Pinheiro e Almeida (2003), as violências, quando envolvem
a juventude, têm caráter de fazer com que esta se torne ora vítima, ora pro-
tagonista, gerando uma grande inquietação social.
Nos dias de hoje, nomear algumas perspectivas que melhorem e/ou que
sejam eficazes nas convivências sociais se faz necessário, e por isso a impor-
tância de proporcionar um ambiente escolar com mais formação continuada
para estudantes, equipe gestora, professores e funcionários, com intenção
de desenvolver atividades pedagógicas coletivas que auxiliem nas relações
humanas e previnam situações extremas de violências. Pensando nessas
questões, elaboramos esta seção com a intenção de apresentar resultados
de uma pesquisa-intervenção realizada com alunos do 6º e 7º anos do Ensino
Fundamental da referida Escola Estadual de Ensino Integral, que tratou das
questões sobre violências físicas que acontecem em sociedade.
Procedimentos metodológicos
Na busca por respostas para a questão das violências físicas na socie-
dade, surge a indagação: o que significa para os estudantes a presença das
violências físicas na sociedade? A partir dessa perspectiva, optou-se, meto-
dologicamente, pela pesquisa-intervenção, que, segundo Rocha e Aguiar
(2003), vem viabilizando a construção de espaços de problematização cole-
tiva junto às práticas de formação e potencializando a produção de um novo
pensar e fazer educação.
Este texto teve como propósito revelar os resultados da pesquisa sobre
violências escolares, realizada com 35 alunos do 6º e 7º anos do Ensino Fun-
damental da referida Escola Estadual de Ensino Integral, situada em uma
cidade de médio porte no interior de São Paulo. O levantamento de dados
aconteceu no segundo semestre de 2019, durante uma disciplina eletiva de-
nominada "Já sofreu violência na escola? Reflexões práticas em ateliês". Esta
disciplina eletiva foi pensada e ministrada por investigadores (professores e
estudantes de graduação e pós-graduação) da universidade e docentes da
escola em questão.
A finalidade foi analisar qual era o entendimento dos estudantes so-
bre a violência física e como eles poderiam desenvolver a alteridade e o
Estudantes e suas percepções sobre violências físicas | 41
Eu escrevi a frase:
"Não espere muito que você pode se decepcionar".
Foi inspirada na moça do vídeo que estava esperando muito de uma coi-
sa e no final ela acabou se decepcionando (Frase escrita por uma aluna
do 6º Ano).
Nestas duas poesias criadas pelas alunas do 7º Ano, fica nítida a preocu-
pação com a mulher como vítima de violências:
Na maioria dos casos são os homens que agrediu uma mulher, esposo,
mãe ou da comunidade LGBT, até animais mesmo, ou homens com ho-
mens brigando (Aluna do 7º Ano).
Tem briga no trânsito também. Acho que as pessoas devem ser mais
calmas. Tem brigas na escola também (Aluno do 7º Ano).
"Não pratique a violência física, isso é errado, você pode acabar deixan-
do marcas em outra pessoa ou até mesmo em você".
"Sabia que os animas também sentem? Não pratique violência com
eles".
"Às vezes essa violência pode levar você para trás das grades" (Frases
escritas por uma aluna do 6º Ano).
Eu fiz, o meu é psicopata, duas pessoas brigando, um está com uma faca,
eu fiz isso porque eu já vi gente na rua brigando com faca (Desenho e
explicação de um aluno do 7º Ano).
Eu fiz esse desenho igual ele falou, em que tem uma pessoa que matou
outra, porque eu já vi briga com faca e também tem muitas pessoas ma-
tando as outras (Desenho e explicação de um aluno do 7º Ano).
Eu fiz esse meu desenho aqui, muito elaborado. Esse desenho aqui eu
representei a minha expectativa sobre o mundo, que é a paz e o amor
e coloquei a realidade que é violência, por isso fiz algumas armas aqui
(Desenho e explicação de um aluno do 6º Ano, grifos nossos).
Violência física é tudo aquilo que pode deixar marcado na sua pele, ou
sei lá, tipo uma agressão, você fazer algo que o outro não gosta é um tipo
de agressão. Tudo aquilo que me toca e eu não gosto, a partir do mo-
mento que aquilo me deixa ferido, sei lá (Aluno do 6º Ano, grifos nossos).
Considerações finais
Os ateliês desenvolvidos na disciplina eletiva, durante o segundo semes-
tre de 2019, levaram os alunos a pensar sobre quantos tipos de violência físi-
ca podem ocorrer, levando-os a refletir sobre situações vivenciadas. Assim,
os resultados desta pesquisa-intervenção com estudantes do 6º e 7º anos do
Ensino Fundamental sobre violências físicas, no contexto social, auxiliaram
na compreensão de como os discentes participantes entendiam este tema.
Nesse sentido, é importante esclarecer que este estudo não tinha intenção
de obter conceitos de alunos participantes, mas, sim, compreender como
os tipos descritos e/ou enfrentados de violência física, em suas convivências
sociais, faziam parte de seus cotidianos e como as atitudes com agressões
físicas acabavam gerando brigas e desentendimentos.
52 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
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3
CRIAÇÃO DE ESTUDANTES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA: FÁBULAS E AS
VIOLÊNCIAS SIMBÓLICAS
Célia Maria Rosa
Maria Cecília Luiz
2 As minorias seriam grupos que dispõem de pouco poder e, por isso, ficam na depen-
dência de grupos com mais poder na sociedade: a maioria (ALVES; GALEÃO-SILVA,
2004).
Criação de estudantes da educação básica: fábulas e as violências simbólicas | 59
A metodologia de pesquisa
Esta pesquisa-intervenção qualitativa teve como objeto de estudo as
violências e, como objetivo, identificar e analisar o que estudantes de Ensi-
nos Fundamental (Anos Finais) e Médio compreendiam sobre violências sim-
bólicas, com reflexão sobre a violência na escola. Como já mencionado em
outros momentos deste livro, o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação,
Subjetividade e Cultura (Gepesc) desenvolveu uma extensão universitária
em uma Escola Estadual de Ensino Integral nos anos de 2018 e 2019. Dessa
forma, no período de quatro semestres foi possível cultivar relações de res-
peito, reciprocidade e conquistar a confiança dos estudantes participantes.
As instituições escolares que compõem o Programa de Escolas Esta-
duais de Ensino Integral estão alicerçadas nas Diretrizes de Ensino Médio
período Integral (BRASIL, 2012) e priorizam os conteúdos acadêmicos e
socioculturais.
A Escola participante estava inserida nesse programa, e por isso foi pos-
sível propor no 1º e no 2º semestres de 2018 a disciplina eletiva: "Desafios
da juventude: violências, conflitos e incivilidades". Essa disciplina eletiva
foi realizada com duas turmas separadamente, havendo 35 estudantes do
Ensino Fundamental Anos Finais na primeira – que aconteceu no 1º semes-
tre de 2018 – e, na segunda, 36 alunos do Ensino Médio – ocorrida no 2º
60 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Segundo Portella (1983, p. 135), "a preferência por animais deve-se, sem
dúvida, ao fato de que seus caracteres, qualidades e temperamento são so-
bejamente conhecidos, não sendo então necessária a prévia descrição des-
tes animais". Isso significa que, ao se tratar de certo animal nas fábulas, este
já está associado a uma característica, uma representação; por exemplo, a
raposa liga-se sempre à astúcia; a cobra liga-se à maldade; o leão liga-se à
majestade, dentre outros.
Para o autor, as associações estabelecidas nas fábulas, como as carac-
terísticas, as qualidades etc., não têm fundamentação em conhecimentos
científicos, mas apenas em observações populares. Um animal pode repre-
sentar várias qualidades, por exemplo, o lobo, em uma fábula, representa a
prepotência e, em outra, representa a ânsia de liberdade, amor à vida livre.
Para Portella (1983), a fábula deve relacionar-se com a vida, porque ela
deve executar a verdade e similaridade entre a vida e a realidade, sendo
também real, plástica, objetiva. As imagens empregadas devem do mesmo
62 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
modo ser de fácil percepção para que o leitor relacione a fábula e a própria
vida, tirando dela o proveito em forma de padrão de comportamento. A
fábula tem finalidade eminentemente didática, simples e objetiva.
"A vida é uma luta", "Viver é lutar", "Struggle for Live" são sentenças
criadas para caracterizar a insatisfação do homem e seu esforço perma-
nente em busca da felicidade terrena. E porque cada qual busca sua
própria felicidade, a satisfação de seus próprios desejos e paixões, inevi-
tavelmente entrará em choque com o seu semelhante, resultando daí o
conflito de que se serve a literatura para criar o drama, o conto, a fábula,
a novela, o romance (PORTELA, 1983, p. 128).
Figura 1 Nuvem de palavras formada a partir das fábulas produzidas pelos alunos.
–, tanto nas questões sociais como nas subjetivas, aconteciam menos confli-
tos no âmbito escolar.
Na moral das histórias, nas fábulas, assim como nas relações entre os
sujeitos, é comum observar as expressões do que é certo e errado, do que é
bom e ruim, do sujeito capaz e do incapaz, visto que vivemos em uma socie-
dade binária. Segundo Machado (2005), as fronteiras entre essas considera-
ções do que é natural são definidas de acordo com as normas sociais, assim
como estas elucidam o não natural. Ao verificar as fábulas e suas morais de
história, fica explícito que os estudantes abarcaram o "dizer" ou "não dizer"
como algo que estava sendo imposto. Esta forma de ver a realidade como
uma opção de "estar" ou "não estar" com alguém é percebida como algo
engessado, uma visão moralista da sociedade.
Essa dualidade aparece em várias fábulas em que o sujeito deve escolher
o que "quer ser" e/ou o que "quer fazer" nas relações entre as pessoas. Os
estudantes, autores destas fábulas, um público jovem, trouxeram, também,
personagens com características diferentes, isto é, em situações de mudan-
ças, em que alguém pode dizer, ser, fazer ou estar de forma diferente do
padrão estipulado.
A aparência, isto é, o "ser diferente" ou ter um status diferente, parece-
-nos ser uma percepção de estudantes que entendem a padronização nos
espaços da sociedade, da escola ou nas relações interpessoais. Essas rela-
ções foram demonstradas nas fábulas de forma explícita ou, muitas vezes,
de maneira implícita.
A escolha das fábulas como instrumento metodológico foi um meio en-
contrado para se aperceber de como os alunos compreendiam a violência
simbólica em espaços da sociedade, escola e relações interpessoais. Foi
possível criar uma relação de confiança em que estudantes puderam falar
sem receio, e desse clima emergiram suas percepções.
Importante dizer também que todos os alunos – que participaram de
grupos na eletiva, Ensinos Fundamental e Médio – não sabiam responder
qual era significado da violência simbólica. Ao iniciar a disciplina, eles tinham
a percepção de que a violência simbólica era uma violência utilizada por
meio símbolos, por exemplo, xingar (desagradar) alguém com algum gesto
ou desenho (sem usar as palavras). Essa concepção foi devida ao significado
que atribuíam à palavra "simbólica" (utilização de símbolos), pois nunca ti-
nham ouvido falar de tal violência.
Criação de estudantes da educação básica: fábulas e as violências simbólicas | 69
3 Como já afirmado anteriormente, capital cultural, de acordo com Hey, Catani e Medeiros
(2017), é aquele institucionalizado, que é consolidado em títulos, diplomas, certificados
escolares, que agem como atestados de formação cultural.
70 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
João de Barro, porém, priorizou seus valores e escolheu não ser igual a
todos e continuou seguindo feliz sua vida de aventura (fábula "O João
de Vento").
Chegando à escola, todos estranharam por sua cor, pelo fato de que
neste Reino todos eram vermelhos. Após alguns dias começaram a
Criação de estudantes da educação básica: fábulas e as violências simbólicas | 71
Além da questão de cor, raça, surgiu outra questão, relacionada aos mo-
vimentos migratórios. Paixão (1983) discute em suas pesquisas a problemáti-
ca do migrante, que nem sempre é acolhido na cidade que escolheu como
destino; ao contrário, pode ser apelidado ou discriminado por sua origem.
A situação específica da Ararinha Azul, na verdade, tinha um embasamento
claro: um aluno do grupo havia se mudado há pouco tempo do estado do
Acre para São Paulo. Assim como apontou Paixão (1983), a sua cidade natal
lhe rendeu um apelido, do qual o estudante afirmou não gostar.
Para Camargo e Herédia (2018), o acolhimento acontece de acordo com
a experiência migratória e o conhecimento da cultura do outro, isto é, nem
sempre ocorre com hospitalidade, podendo surgir conflitos oriundos da
disputa pelo espaço ou ainda pelo choque de culturas, o que propicia as
violências simbólicas e, fatalmente, as físicas.
Outra preocupação evidente foi a discriminação entre os personagens
devida aos padrões de beleza estabelecidos:
Para Lobato e Souza Placco (2007), esse tipo de situação que gera inse-
gurança, tensão e estresse nos jovens faz parte da convivência social, e é in-
crível perceber que em quase todas as fábulas essa padronização da beleza
ou estereótipos delineados emergem nas narrativas e na moral da história.
Aos estudantes jovens resta atender ao máximo as expectativas dos gru-
pos, com esperança de serem aceitos. O sofrimento sempre acompanha a
refutação, devido ao fato de se sentirem "estranhos", "anormais" ou fora do
que foi determinado. Uma dor e uma necessidade de aceitação que fazem o
discente rejeitar quem ele é e se tornar o que o grupo gostaria que ele fosse.
O problema, para Dubet (2003), não é só reconhecer quem está sendo
excluído, mas entender os processos que levaram à exclusão e os efeitos
desta sobre o estudante. Essa perspectiva é vista em várias fábulas:
Na moral da fábula "Os sem comida", fica evidente que o ser diferente
nem sempre significa um problema, mas o ser aceito, sim. A questão está na
maneira como se é tratado: excluído, ou não, do grupo.
Segundo Kornblit (2008), a ausência de sentimentos positivos e do con-
senso faz com que os conflitos aconteçam, havendo uma sensação de ser
estranho e/ou inimigo dos outros, propiciando a falta de pertencimento ao
grupo. Os diferentes e fora dos padrões são descartados de fazer parte do
grupo, isto é, a violência simbólica aparece na forma como são tratados os
excluídos:
No Brasil, como já foi dito, onde a violência fez parte da sua história (com
a escravidão, principalmente), o desrespeito ao outro e às regras de con-
vívio social constitui uma prática comum. Infelizmente, essas diversidades
sociais e culturais defrontam-se no espaço escolar, isto é, estão presente
no cotidiano da escola. Sem refletir sobre essas problemáticas ou sem
perspectivas de Políticas Públicas que tentem inverter esse quadro, difi-
cilmente teremos a diminuição das violências escolares.
Ele não gostava desse apelido, um dia ele até tentou pedir para nunca
mais o chamar desse apelido. Mas depois de um tempo ele percebeu
que todo mundo o chamava de branquinho, ele viu que isso se natura-
lizou porque todo mundo esqueceu o nome dele (fábula A, sem nome,
grifos nossos).
Para Fante (2005), vítimas de bullying sentem medo de reagir contra seus
agressores. Segundo Lobato e Souza Placco (2007), várias são as pesquisas
sobre violência simbólica nas relações interpessoais, seja entre alunos e pro-
fessores ou entre pares. As mais recorrentes são relacionadas ao desrespei-
to com o professor, em que aparecem atitudes de rebeldia, apresentadas
como "insultos, ameaças de provocar danos ou de violar a integridade física
ou moral desses profissionais" (LOBATO; SOUZA PLACCO, 2007, p. 77).
As diversas manifestações e sentimentos abarcados até o momento,
neste texto, promovem a recorrência do fenômeno violência, por meio da
falta de diálogo, da indiferença, ou seja, da falta do olhar para o outro.
Considerações finais
Ao finalizar esta seção, retoma-se seu objetivo, que foi identificar e ana-
lisar o que estudantes de Ensinos Fundamental (Anos Finais) e Médio com-
preendiam sobre violências simbólicas na escola. A hipótese, desde o início,
era que estudantes percebem – quando existe diálogo e esclarecimentos
– a importância de refletirem sobre violências nos espaços da escola, e isso
74 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
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Criação de estudantes da educação básica: fábulas e as violências simbólicas | 77
RUPTURA DO PROCESSO
COMUNICATIVO E A CONFIGURAÇÃO
DE UMA FORÇA DE LINGUAGEM QUE
SILENCIA: VIOLÊNCIA VERBAL
Jéssica Veloso Morito
1 Conforme Schafer (2001), som fundamental é aquele ouvido continuamente por deter-
minado grupo ou sociedade de modo muitas vezes inconsciente, formando um fundo
impositivo contra qualquer outro som que poderia ser percebido.
92 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Algumas considerações
A questão que sempre deve pontuar uma pesquisa-intervenção com
inserções na escola e a autorreflexão no trabalho com grupos de pessoas na
desnaturalização das violências é: qual seria a maneira mais eficaz de abordar
essa temática com o corpo escolar, de forma que este possa compreender o
real significado desse problema sem renegá-lo, tampouco diminuí-lo a uma
questão pontual, com sensacionalismo na abordagem e no esquecimento,
na (des)continuidade do trabalho?
Assim, quando a escola está mobilizada e sensibilizada ao tema, compro-
metida a desenvolver esses processos continuamente – uma vez que cada
sujeito se vincula às propostas conforme o seu tempo, inclusive porque pre-
cisa se despir de suas barreiras ao que está sendo abordado –, é necessário
não permitir a inércia. Conhecer o ambiente escolar significa compreender
que este é mutável, e por isso as questões de violências verbais têm tendên-
cia a aumentar.
É imprescindível não adotar uma ideia de produto final, pois essas inser-
ções em ateliês devem ser processos contínuos, com intenção de perceber
o despercebido, de diagnosticar as situações de conflitos que podem estar
acontecendo na escola, para agir. Os resultados devem considerar todos os
envolvidos e conduzir, por meio do diálogo entre os pares, à troca de im-
pressões, experiências e sentimentos, com foco no clima escolar. Reitera-se
96 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
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5
ESTUDANTES E AS VIOLÊNCIAS
PSICOLÓGICAS: IMPLICAÇÕES
ACERCA DO OUVIR
Jussilene Rego Nunes
Maria Cecília Luiz
Caroline Miranda Palmieri da Silva
Sassaki (2007), quando escreve "Nada sobre nós, sem nós: da integração
à inclusão", discute, também, valores essenciais na inclusão de pessoa com
deficiência e instiga-nos a buscar o coletivo, isto é, refletir sobre ter vez e voz,
uma perspectiva que pode ser utilizada para qualquer situação que envolve
grupos de pessoas cujo objetivo é a garantia de direitos, com superação
de barreiras e preconceitos. A frase do autor inspira, quando se pretende
analisar os efeitos da violência psicológica de uma pesquisa-intervenção
com discentes de uma Escola Estadual de Ensino Integral, em que estes
revelam as relações existentes na família e na escola – relações entre ado-
lescentes-adolescentes, adolescentes-docentes, adolescentes-familiares
etc. As participações aconteceram por meio dos seus dizeres e trouxeram
perspectivas que soaram de maneiras distintas e que, por serem únicas, se
tornaram extremamente importantes.
É frustrante para um sujeito quando é desacreditado ou tido como inca-
paz de decidir e/ou participar, no que concerne a sua própria vida ou iden-
tidade. Dessa forma, o direito à participação situa-se num paradigma que
deve reconhecer crianças, adolescentes e jovens como sujeitos qualificados
para opinar e tomar decisões acerca daquilo que lhes afetam e interessam,
além do reconhecimento como pessoas ativas.
Faz-se necessário o reconhecimento do lugar de cada um, de suas po-
tencialidades e vulnerabilidades, com visão de dois aspectos: "o ouvir o ou-
tro", dando, realmente, voz nas decisões que se referem a ele e aos demais; e
"a fala com o outro", como função terapêutica. Na perspectiva das violências
psicológicas, ou de qualquer outra violência sofrida, evidencia-se que des-
cobrir como falar, isto é, encontrar as palavras para relatar um sofrimento já
se caracteriza por ser um grande desafio, principalmente, para este público
mais jovem. Ressalta-se que é comum os adultos ensinarem as crianças, ado-
lescentes e jovens a negarem seus desejos e pensamentos, assim, se o "não
falar" é abominável, o poder falar também é apontado como terrível, visto
que os estudantes, quando explanam suas histórias, as tornam reais.
Minha mãe é surtada, ela grita, chora e grita... Eu puxei pra ela. As pesso-
as não refletem suas ações (aluna do Ensino Fundamental).
Eu apanho do meu irmão. Ele me persegue (aluno do Ensino Fundamental).
Como já foi dito, nem todo adolescente vive em um lar que promove
proteção ou que tenha relacionamentos saudáveis, e esses momentos são
percebidos pelos estudantes durante os exercícios dos ateliês. Eles relatam
se sentirem em conflito consigo mesmos e com os outros. No dizer do aluno
do Ensino Médio, chama a atenção a forma em que é colocado em palavras
o sofrimento de quem ouve críticas contundentes dos pais:
Os pais podem falar palavras ruins que uma pessoa carrega para o resto
da vida (aluno do Ensino Médio).
Existem alguns padrões que são estabelecidos e quem está fora do pa-
drão é julgado (aluna do Ensino Fundamental).
Sua visibilidade é diferente dependendo da sua classe social (aluno do
Ensino Fundamental).
Não pode julgar, não é legal julgar a aparência... Nem a interior (aluna do
Ensino Fundamental).
As pessoas não são do jeito que a gente quer (aluno do Ensino Médio).
Eu pratico e sofro violência psicológica (aluno do Ensino Fundamental).
Às vezes quero falar, mas não tem pessoa para ouvir. Eu choro e converso
com amigas da sala ou prima (aluna do Ensino Fundamental).
Às vezes a influência de outra pessoa é boa, mas também pode ser ruim
(aluno do Ensino Fundamental).
Às vezes quero falar, mas fico preso, medo de julgamento (aluno do En-
sino Fundamental).
Considerações finais
Finaliza-se esta seção retomando o seu objetivo, que foi ouvir estudantes
de Ensino Fundamental (Anos Finais) e Médio sobre violências psicológicas
ocorridas nas relações interpessoais, na escola e na família. A hipótese de
que ao obter voz ou praticar a escuta ativa os estudantes mudariam suas
perspectivas de convívio e interação social foi confirmada. Ao serem estimu-
lados a experienciar e falar nos ateliês sobre as violências psicológicas, os
alunos ouviram uns aos outros, uma perspectiva terapêutica, de quem não
sofre sozinho. Ao expressarem seus sentimentos reprimidos, bem como ao
compreenderem que estes têm nomes e podem ser compartilhados, tam-
bém puderam se responsabilizar pelas suas emoções.
Estudantes e as violências psicológicas: implicações acerca do ouvir | 115
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6
que era violência, como ela acontece dentro e fora da escola e demandas
particulares que foram surgindo. No decorrer dos ateliês, conceituamos a
violência psicológica e conversamos sobre ela por meio da arte.
1 Texto com pequenas atualizações para publicação neste livro, já publicado em Rodri-
gues (2019).
122 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
consenso entre pesquisadores acerca de sua definição e que ela pode ser
concebida de forma diferente para cada um, pois é subjetiva.
Ademais, propôs-se refletir sobre como é difícil controlar o que senti-
mos, pois as relações se estabelecem em diversas direções e, como as mar-
cas da tinta, são influenciadas pelo exterior, por pessoas, por outras relações
e situações, fazendo, desta forma, uma analogia à atividade artística em
questão. Da mesma maneira que a água alimenta e guia a tinta pelo papel,
nossas relações podem mudar de acordo com a forma como simbolizamos e
como somos marcados pelas violências psicológicas. Por fim, em discussão,
questionou-se sobre a libertação das marcas da violência, de forma a apren-
der com as experiências, ressignificando-as.
Em sequência, foi realizado o ateliê "Eu e eu mesmo", que tinha como
objetivo provocar reflexões em conjunto com o grupo, mas principalmente
motivar análises individuais, como ilustra o nome deste ateliê. Utilizaram-se
as imagens do artista Susano Correia2, que retratam de forma impactante e
incômoda frases e temas do cotidiano, reafirmando a possibilidade de ela-
boração na expressão de sentimentos e pensamentos por meio da arte. Por
meio da apreciação das ilustrações de Susano, propôs-se que os estudantes
refletissem sobre os sentimentos elucidados, identificando-se ou não com
eles.
Para isso, as ilustrações foram expostas por meio de projetor, e assim o
grupo pôde observá-las e concomitantemente compartilhar seus sentimen-
tos em relação a cada uma, bem como expressar a primeira palavra que lhes
viesse à mente, falar se gostavam ou não, se achavam agradável, bonita ou
feia, criar hipóteses para o que o artista buscava representar e nomear cada
imagem (o tempo de exposição de cada imagem dependeu do quanto o
grupo interagiu com elas).
Por derradeiro, a proposta foi que os discentes utilizassem carvão e pa-
pel vergê para fazer um autorretrato – não necessariamente de forma con-
vencional, mas que os representasse – e buscassem expressar sentimentos
cotidianos que sentissem vontade de expor ou que fossem marcantes para
eles em determinado ponto de suas vidas, e após o desenho, eles escolhe-
ram um nome para seu autorretrato.
A finalização do exercício consistiu em o grupo compartilhar a ilustra-
ção, e neste momento também houve o estabelecimento de perguntas
Algumas considerações
Durante o desenvolvimento dos ateliês e conversas sobre a violência
psicológica, houve diversos compartilhamentos em grupo sobre vivências
pessoais e sentimentos, que se manifestaram a fim estabelecer um terreno
frutífero para uma troca de experiências de forma empática e colaborativa.
Pontua-se a necessidade da valorização da individualidade de cada aluno
no ambiente escolar e de viabilizar espaços seguros e acolhedores para o
diálogo, de forma a estimar os sentimentos e as relações sociais e interpes-
soais, observando que contextos externos aos pedagógicos influenciam no
processo de formação dos educandos.
Há mais: é preciso atentar-se para o desenvolvimento da cultura da vio-
lência dentro da escola, "que se alastra e favorece todo um processo de
banalização e naturalização de diferentes formas de violência" (CANDAU,
2001, p. 146). A maneira com que esse fenômeno se manifesta aponta para
a ausência do diálogo nas relações, acompanhada da falta de criticidade
128 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
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Faces da violência psicológica em uma pesquisa-intervenção com adolescentes | 129
VIOLÊNCIAS, CONFLITOS E
INDISCIPLINAS: CONTEXTOS SOCIAIS
E ESCOLARES
Rafaela Marchetti
não teriam motivos para tal. Observava-se que a violência na sociedade mo-
derna, em destaque nas ultimas décadas, teria se reconfigurado em suas
manifestações.
Segundo Dadoun (1998), a violência na sociedade possui diversas for-
mas, sendo elas: física, institucional, intrafamiliar, patrimonial, psicológica,
sexual e simbólica. A violência física trata-se de uma ação ou até mesmo uma
omissão que coloque em risco a integridade física de um ou mais sujeitos.
No que se refere ao aspecto institucional, são as violências simbólicas que
são manifestadas por meio das desigualdades de gênero, étnico-raciais,
econômicas, e tais desigualdades são institucionalizadas nas mais diferentes
organizações – tanto públicas como privadas –, presentes em diversos gru-
pos sociais. A violência intrafamiliar ocorre no âmbito familiar e, geralmente,
é praticada por um membro da família, tendo como exemplos o abuso físico,
sexual e psicológico, a negligência e o abandono. A violência moral pode
ser entendida como ato de difamação, calúnia e injúria entre os sujeitos. A
patrimonial pode ser dano, perda, subtração, destruição de objetos, docu-
mentos, bens e valores. A violência psicológica refere-se a uma ação ou até
mesmo omissão com o objetivo de humilhar ou controlar ações, comporta-
mentos, de outro sujeito, por meio de: intimidação, manipulação, ameaça di-
reta ou indireta, isolamento ou qualquer outra atitude que implique danos à
saúde psicológica ou ao desenvolvimento pessoal do indivíduo. A violência
sexual condiz com uma ação que obriga uma pessoa a manter contato físico
involuntário por meio de coação, anulando a vontade do indivíduo.
No contexto brasileiro, Adorno (2002) mostra que, na sociedade como
um todo, sentimentos como de insegurança e medo têm aumentado, e,
além disso, as estatísticas oficiais sobre a criminalidade apontam que – a
partir de 1970 – houve crescimento de todas as categorias de delito e crimes,
como homicídios, roubos, sequestro, estupro etc., com indícios de que há
mudanças nos padrões de criminalidade e até mesmo nos perfis das pessoas
envolvidas nos atos delinquentes. Em geral, no país, o grande alvo dessas
mortes são adolescentes e adultos de classes populares urbanas. Na região
metropolitana de São Paulo, por exemplo, há maior ocorrência de registros
de mortes violentas nos bairros que constituem a periferia urbana, onde as
condições sociais são mais precárias.
Dados elaborados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) sobre a violência no Brasil mostram índices e pesquisas realizadas
a fim de fornecer subsídios às ações governamentais para a formulação e
Violências, conflitos e indisciplinas: contextos sociais e escolares | 137
A incivilidade que se revela na escola não deve ser pensada sob a forma
do conflito "bárbaros" X "civilizados": a incivilidade não é a não civiliza-
ção, nem simplesmente a má educação. Ela é conflito de civilidades, mas
não um conflito de civilidades estranhas umas às outras e para sempre
irredutíveis e relativas. Há, antes, troca e oposição de valores, de senti-
mentos de pertinências diversas (DEBARBIEUX, 2001, p. 179).
Por essas razões, um dos aspectos ainda a serem investigados diz res-
peito ao modo como, no âmbito da instituição escolar, são construídas
as definições que designam e normalizam condutas – violentas ou in-
disciplinadas – por parte dos atores envolvidos: professores, alunos,
funcionários, pais, entre outros (SPOSITO, 1998, p. 4).
Tavares dos Santos (2001) entende que a escola é afetada pela violên-
cia externa e por diferentes formas de sociabilidade violenta, além de certo
autoritarismo por parte da própria equipe escolar. O pesquisador também
observa que as normas violentas que são transferidas para o contexto es-
colar – vindas de fora dos muros da escola – não são feitas de forma impo-
sitiva, mas dependem das relações e da comunicação da escola. Além das
violências, em suas diferentes formas, destacam-se, também, as situações
caracterizadas como conflito, as quais fazem parte de relações estabelecidas
em sociedade.
Segundo Chrispino (2004), é com a ausência da mediação de conflitos
que, geralmente, acontece a violência. Os conflitos não devem ser vistos
como anomalias, isto é, contra a ordem social, mas como um fenômeno
presente e necessário na democracia. O conflito se faz presente em espa-
ços democráticos, pois neles existem convívios de pessoas com diferentes
aspirações, modos de vida e opiniões, e há a possibilidade de divergências.
O autor afirma que o conflito é essencial para o desenvolvimento social,
e seus efeitos podem ser positivos se conduzidos corretamente, a fim de
estabelecer relações de cooperação. Quando se resolvem os problemas,
também são favorecidas as partes em debate, e isto é entendido como uma
oportunidade de crescimento e amadurecimento social.
O conflito pode surgir devido a duas motivações: um desejo individual
ou a ideia de manter uma relação com o outro de forma satisfatória, para
ambos:
Violências, conflitos e indisciplinas: contextos sociais e escolares | 147
O poder deve ser analisado localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de
alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou bem. O poder funciona
e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas
estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer com sua
ação: nunca são alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros
de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos,
passa por eles (FOUCAULT, 2008, p. 83).
Porém, nem todos são sujeitados, isto é, possuem uma reação de passivi-
dade, uma vez que os sujeitos podem participar deste poder. Nesse sentido,
a indisciplina surge quando alguém realiza um comportamento desordena-
do, que vai contra o modelo engendrado pelo poder disciplinar.
Segundo Aquino (1996), questões relacionadas à indisciplina estão pre-
sentes, diariamente, na vida profissional de educadores, porém, este tema
não possui grande relevância para os pesquisadores. A indisciplina tem sido
vivenciada nas relações dentro do contexto escolar e pode ser a causa de
determinados obstáculos para o aproveitamento escolar de alguns educan-
dos. O autor afirma que são várias as origens de atitudes indisciplinadas
de alunos, mas o que mais influencia são a estrutura escolar, atitudes de
professores, equipe gestora ou funcionários, e compreendê-las exige uma
reflexão sobre o assunto de forma ampla e variável.
Com base nos referenciais de Foucault, Ratto (2004) analisa a lógica dis-
ciplinar existente dentro da instituição escolar e as relações de poder que
Violências, conflitos e indisciplinas: contextos sociais e escolares | 151
Algumas considerações
Para finalizar esta seção, retoma-se o seu objetivo, que foi revisar a bi-
bliografia que tratasse das temáticas acerca das violências, conflitos e in-
disciplinas na sociedade e escola, com foco nas violências simbólicas. Para
Foucault (2006), os micropoderes são garantidos pelo monitoramento, por
meio da força e das normas, com intenção de articular uma suposta harmo-
nia na sociedade. Agem sobre os corpos individuais dos sujeitos, e por isso o
poder está relacionado à dominação desses corpos e sua utilidade. O corpo
ser produtivo e submisso está legitimado por um saber e pelo controle que
formam uma microfísica do poder.
Segundo Sposito (1998), ainda temos um grande problema a resolver,
que está nas formas como opiniões e valores dos educadores envolvidos
com a escola – equipe gestora, professores, e funcionários – acabam por
designar e normatizar os atos violentos, conflituosos ou indisciplinares e,
o principal, como esses sujeitos traçam seus procedimentos de condutas
escolares. Apesar de não esgotarmos o assunto, foi possível compreender
os conflitos, as violências e indisciplinas de várias formas, e ao centralizar os
temas com a bibliografia também foi possível refletir sobre sua importância
na convivência escolar.
Referências
ABRAMOVAY, M. (coord.). Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: Unesco/Ministério da
Educação, 2005.
ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G. (coord.). Juventude, Juventudes: o que une e o que separa.
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Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, 2009.
Violências, conflitos e indisciplinas: contextos sociais e escolares | 155
jovens dignos de pena como ele se tornam perigosos tão logo fiquem
soltos no mundo (HILLESUM apud ROSENBERG, 2006, p. 20).
Para Rosenberg (2006), por meio da CNV é possível que haja um fluxo na-
tural de compaixão, pois ela reformula a maneira pela qual nos expressamos
e ouvimos os outros. Nesse sentido, é fundamental que as comunicações na
escola deixem de ter reações automáticas para se tornarem conscientes. O
foco está em perceber o que de fato se está sentindo ou desejando. Dessa
forma, busca-se que a expressão – de todos que estão envolvidos com a es-
cola – seja honesta e clara, ao mesmo tempo respeitosa e empática a todos,
sem exceção.
Para Pelizzoli (2012), a CNV utiliza a palavra "compaixão" para tratar da
natureza humana, referenciando aquilo que é mais intenso: aflição (dor) e
alegria (bem-estar). Nessa teoria não se discute o sujeito "bonzinho", ou o
sujeito religioso, ou aquele que sempre abdica de tudo, ou aquele que con-
tinuamente está emotivo etc. Implica sentir e compreender que convivemos
em uma sociedade vulnerável e que existem pessoas realizando ações boas
e ruins o tempo todo, com a desculpa de quererem ser felizes. Por isso, não
é incomum que os sujeitos sejam conduzidos pela ignorância de seus valo-
res e/ou anseios preconceituosos. Em geral, estes desacreditam da palavra
amor, mas querem ser amados, ou mesmo amar.
Uma mãe poderia expressar essas três coisas ao filho adolescente di-
zendo: "Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da
mesinha e mais três perto da TV, fico irritada, porque preciso de mais
ordem no espaço que usamos em comum".
Ela imediatamente continuaria com o quarto componente – um pedido
bem específico: "Você poderia colocar suas meias no seu quarto ou na
lavadora?". Esse componente enfoca o que estamos querendo da outra
pessoa para enriquecer nossa vida ou torná-la mais maravilhosa (ROSEN-
BERG, 2006, p. 25).
Quando pedi que expressasse o que sentia quando isso acontecia, o es-
tudante respondeu: "Sinto que não é certo tocar música tão alta à noite".
Expliquei que, quando ele dizia a palavra sinto seguida de que, estava
expressando uma opinião, mas não revelando seus sentimentos. Pedi
que tentasse novamente expressar seus sentimentos, e ele respondeu:
"Acho que, quando as pessoas fazem coisas como esta, é um distúrbio
de personalidade". Expliquei que aquilo ainda era uma opinião, e não
um sentimento. Ele fez uma pausa pensativa e então anunciou com
Comunicação não violenta e os benefícios nas relações escolares | 163
é agravado quando o docente diz que gostaria que o discente fosse mais
responsável, mas não especifica quais as ações concretas que ele poderia to-
mar para ser mais ponderado, deixando o pedido extremamente vago. Esse
tipo de comunicação não tem respostas positivas dos alunos, já que estes
possuem percepções e interpretações totalmente únicas – e provavelmente
diferentes – sobre o que está acontecendo. Além de dificultar as relações,
essas formas de solicitação sem sentimentos e necessidades do professor
podem soar como exigências, por exemplo, "por que você não está fazendo
a tarefa de casa?", ao passo que de outra forma pode soar diferente: "estou
preocupada, porque você não está cumprindo seus deveres escolares, o que
está acontecendo?". Essa forma soa de forma mais positiva, facilitando que
o ouvinte seja compassivo e compreenda bem o pedido.
Além da preocupação com a maneira como as pessoas se comunicam,
a CNV também estabelece atenção especial no sujeito que a ouviu, ou seja,
tem-se a preocupação em saber se a mensagem foi compreendida, sendo
admirável pedir um retorno ao ouvinte, como: "Eu consegui ser clara? Você
poderia repetir o que eu disse até aqui?".
Somente quando recebemos o retorno de algumas comunicações temos
a certeza de que quem a ouviu compreendeu, ou, então, percebemos que
precisamos explicar melhor a mensagem. Quando notamos que o outro não
nos compreendeu, podemos, a princípio, validar a tentativa de repetição do
que dissemos, com palavras como: "Muito obrigada por dizer o que você
escutou, mas acho que não me fiz entender de forma clara. Então, deixe-me
tentar novamente". Se dissermos algo como "não foi isso que eu disse" ou
"você não me entendeu", isso pode soar como repreensão.
Quando começamos a pedir aos outros para repetir o que nos ouviram
dizer, isso pode parecer esquisito, porque tais pedidos raramente são
feitos. Quando enfatizo a importância de nossa capacidade de formular
esses pedidos, é comum que as pessoas expressem reservas. Elas ficam
preocupadas com reações como: "O que você acha que eu sou, surdo?".
Ou: "Pare com seus joguinhos psicológicos". Para evitar esse tipo de res-
posta, podemos explicar às pessoas com antecedência por que às vezes
poderemos pedir que elas repitam nossas palavras, deixando claro que
não estamos testando sua capacidade auditiva, e sim nos certificando de
que nos expressamos com clareza. Entretanto, se o ouvinte responder:
"Ouvi o que você disse, não sou estúpido!" – então temos a opção de
nos concentrarmos em seus sentimentos e necessidades e perguntar, em
voz alta ou em silêncio: "Você está dizendo que ficou chateado porque
166 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Aconselhar: "Acho que você deveria"; "Por que é que você não faz
assim?".
Competir pelo sofrimento: "Isso não é nada; espere até ouvir o que acon-
teceu comigo".
Educar: "Isso pode acabar sendo uma experiência muito positiva para
você, se você apenas".
Consolar: "Não foi sua culpa, você fez o melhor que pôde".
Contar uma história: "Isso me faz lembrar uma ocasião".
Encerrar o assunto: "Anime-se. Não se sinta tão mal".
Solidarizar-se: "Oh, coitadinho".
Interrogar: "Quando foi que isso começou?".
Explicar-se: "Eu teria telefonado, mas".
Corrigir: "Não foi assim que aconteceu" (ROSENBERG, 2006, p. 135).
A CNV fundamenta-se nos quatro pontos descritos até aqui, e estes de-
vem fazer parte das comunicações, mesmo que outros sujeitos se contrapo-
nham: é importante observar, perceber o que estão sentindo, quais são suas
necessidades e o que estão pedindo para enriquecer suas vidas. Isso é ouvir
com empatia e com presença. Para o autor, parafrasear é uma maneira de
fazer com que o outro perceba que foi ouvido. Maneiras interessantes de pa-
rafrasear são sempre focadas nas observações, sentimentos, necessidades e
possíveis pedidos do outro, demonstrando que, de fato, o estamos ouvindo
e validando seus sentimentos. Por exemplo:
por nós mesmos; 2) gritar de modo não violento, dizendo o que estamos
sentindo; 3) dar um tempo, retirando-se fisicamente do local.
Segundo Rosenberg (2006), receber empatia traz um enorme alívio de
tensão, e problemas que, antes, pareciam insolúveis passam a ser algo muito
menor. O autor cita exemplos de pessoas que passaram por situações apa-
vorantes e extremamente perigosas, das quais conseguiram sair usando a
CNV e escutando os sentimentos e as necessidades por trás das palavras e
das atitudes das pessoas. Segue uma delas, relatando o que aconteceu com
uma mulher que foi vítima de um assalto:
realidade, temos alguma necessidade que não está sendo atendida. Assim,
ele propõe que usemos a raiva como "radar" para perceber nossas necessi-
dades. Como forma de praticar esse olhar, seria bom substituir a frase "estou
com raiva porque eles" por outra: "estou com raiva porque estou precisando
de".
Quando nos sentimos com raiva, podemos reagir rapidamente, gerando
violência. "A violência vem da crença de que as outras pessoas nos trazem
sofrimento e, portanto, merecem ser punidas" (ROSENBERG, 2006, p. 205). A
proposta é passar por quatro passos para controlar a raiva: 1) parar e respirar,
antes de tomar qualquer atitude; 2) perceber quais pensamentos indicam
julgamentos; 3) conectar-nos com nossas necessidades; e 4) expressar, para
o outro, quais sentimentos e necessidades não estão sendo atendidos. Este
é um exercício difícil, pois, muitas vezes, é mais fácil reagir de forma violenta
para com o outro. Para passar do passo 3 ao 4, precisamos exercer nossa
empatia para com o outro, isto é, para com seus sentimentos e necessidades
que, também, não foram atendidos. Para manter-se na CNV, é preciso prati-
car e caminhar em seu próprio ritmo.
Geralmente, na escola, quando um educador utiliza a força, o faz visando
a "correção" de um ou vários alunos, buscando que estes de alguma maneira
"sofram" o suficiente para perceberem que estão errados e, assim, se arre-
pendam de suas atitudes e mudem. Contudo, é mais provável que esse tipo
de ação gere ressentimento e hostilidade nos estudantes, pois esse tipo de
atitude gera resistência às mudanças que os educadores estão buscando.
Para Rosenberg (2006, p. 237), "a depressão é indicativa de um estado
de alienação de nossas próprias necessidades". Isso porque, em nossa cultu-
ra, somos ensinados a não ter consciência de nossas próprias necessidades
e também, em contrapartida, de como julgamos os outros. Ele conta a his-
tória de uma mulher com depressão que foi solicitada a indicar quais vozes
surgiam em sua mente quando se sentia mais deprimida e a escrevê-las na
forma de diálogo, como se fossem duas pessoas conversando:
Voz 1: (a "profissional") Eu deveria fazer algo mais por minha vida. Estou
desperdiçando minha educação e meus talentos.
Voz 2: (a "mãe responsável") Você não está sendo realista. Você é mãe de
dois filhos e não consegue nem dar conta dessa responsabilidade; então,
como pode dar conta de qualquer outra coisa? (ROSENBERG, 2006, p.
237).
172 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Ela substituiu o "Eu deveria fazer algo mais com minha vida. Estou des-
perdiçando minha educação e meu talento" por "Quando passo tanto
tempo em casa com meus filhos sem exercer minha profissão, sinto-me
deprimida e desestimulada, porque preciso da realização que outrora
tive em meu trabalho. Portanto, agora gostaria de encontrar um empre-
go de meio expediente em minha profissão". Aí foi a vez de a voz da
"mãe responsável" passar pelo mesmo processo. Suas frases iniciais –
"Você não está sendo realista. Você é mãe de dois filhos e não consegue
nem dar conta dessa responsabilidade; então, como pode dar conta de
qualquer outra coisa?" – foram transformadas em: "Quando me imagino
indo trabalhar, sinto-me amedrontada, porque preciso ter certeza de que
as crianças estarão sendo bem cuidadas. Portanto, agora eu gostaria de
planejar um meio de proporcionar cuidados de qualidade para meus
filhos enquanto trabalho e de encontrar tempo suficiente para ficar com
as crianças quando eu não estiver cansada" (ROSENBERG, 2006, p. 238).
A mulher sentiu enorme alívio ao fazer esse exercício, porque pôde ofe-
recer empatia a si própria, e não mais se julgar. Assim, poderia começar a
pensar em estratégias para a satisfação de suas necessidades.
Considerações finais
Ao retomar a finalidade deste texto, acredita-se que a leitura e o estudo
mais aprofundado a respeito de habilidades e estilos de comunicações e
interações na escola devem ser embasados com empatia ou, como o próprio
Rosenberg (2006) indica, com compaixão.
Ao refletir sobre os subsídios da teoria da Comunicação Não Violenta,
encontramos um potencial para sua utilização na esfera escolar, local em que
situações de conflitos e, por vezes, até circunstâncias violentas acontecem
no cotidiano. O princípio de julgar ou de impor conceitos de "certo" e "erra-
do" – tão presentes na fala de educadores – deve ser repensado, pois com
a CNV temos a oportunidade de vivenciar a cada dia um novo aprendizado,
observando interações e diálogos despercebidos, pela sua sutileza, mas que
nem por isso são menos importantes ou formidáveis. A prática da CNV traz
Comunicação não violenta e os benefícios nas relações escolares | 173
Referências
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2012.
9
PESQUISA-INTERVENÇÃO E
SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
Aline Cristina de Souza
Esta seção tem como finalidade abordar referenciais teóricos que emba-
sam a discussão sobre as Ciências Humanas e a questão das metodologias
de pesquisas sociais, em específico a pesquisa-intervenção, apresentando e
discutindo os pressupostos teórico-metodológicos desta metodologia. Tal
propósito tem como pano de fundo compreender um pouco mais sobre a
perspectiva da pesquisa-intervenção por conta das investigações realizadas
pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Subjetividade e Cultura
(Gepesc), lembrando que o foco deste texto não é discorrer sobre tais inves-
tigações, mas fazer uma análise de bibliografias com diferentes autores que
contribuem e esclarecem sobre a importância deste tipo de metodologia
nas Ciências Humanas e, em especial, na educação.
Rosenthal (2014) afirma que a pesquisa social busca tratar de fatos, por
meio do levantamento de hipóteses e teorias, com um objeto de estudo –
uma aproximação do pesquisador junto a seu objeto de pesquisa –, além
de um mecanismo de investigação que compreenda o processo a partir de
um olhar macro. O que implica a pesquisa social é o desejo crescente de
conhecer melhor a sociedade, tanto em suas faces quantitativas quanto nas
qualitativas. Em sua complexidade dramática – um espaço que não é linear
– a sociedade se manifesta e esconde, salta e se anestesia a torto e a direito,
irrompe e submerge cá e lá, de tal sorte que, quanto mais sabemos, mais
compreendemos que nada sabemos (DEMO, 2008).
A partir do pressuposto de que nada se sabe, isto é, de que existe o
desconhecido, Gil (2011) confirma que a ciência social tem como objetivo
fundamental chegar à veracidade dos fatos, não se distinguindo de outras
formas de conhecimento. O que torna, porém, o conhecimento científi-
co distinto dos demais é que tem como característica fundamental a sua
verificabilidade.
176 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Os atores sociais podem ser transformados por meio das relações pre-
estabelecidas (condição social) e da compreensão de mundo, e essas mu-
danças estabelecem novos significados, conforme os seus discursos e suas
concepções do que é coletivo e/ou individual.
Considerações finais
Ao retomar o objetivo deste texto, evidencia-se que os referenciais teóri-
cos deram suporte para a compreensão específica da pesquisa-intervenção.
É nesse sentido que foi percebido que a intervenção se articula à pesquisa
e produz outras relações entre: teoria/prática; sujeito/objeto; instituição de
formação/aplicação dos conhecimentos etc.
Na maior parte, o que impede a processualidade das práticas de for-
mação nas universidades está na perspectiva de utilizar modelos universais;
186 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Referências
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10
Método
A fim de atingir o objetivo descrito, foi realizada uma revisão da literatura
na base de dados Google Acadêmico, sendo selecionados artigos que en-
tendemos ser mais relevantes ao campo da Educação e Psicologia. A busca
pelos referenciais teóricos foi realizada pelas autoras entre abril e maio de
2018, sendo selecionados apenas as publicações dos últimos sete anos, en-
globando o período compreendido entre 2010 e 2017.
Compreensão docente acerca de estudantes vítimas de violência doméstica: alguns... | 191
Resultados e discussão
A partir dos descritores, foram encontrados 14.800 artigos. Todos os ar-
tigos selecionados têm como base a definição de violência da Organização
Mundial da Saúde (KRUG et al., 2002). Dos 14.800 artigos encontrados, 13
foram selecionados por estarem dentro dos aspectos definidos, com os se-
guintes resultados de publicação:
192 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
crítica cidadã. Todavia, quanto ao exercício dos direitos das crianças e dos/as
adolescentes, as escolas são consideradas partícipes (SANTOS; GONÇAL-
VES; VASCONCELOS, 2014, p. 133).
Garantir a qualificação dos sujeitos sociais que integram a escola se faz
necessário para que possam assumir plenamente seu papel na rede de en-
frentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, e a escola
tem, portanto, um compromisso ético e legal de notificar às autoridades
competentes casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos, o que inclui a
violência sexual. Assim, diante da gravidade que encerra a violência sexual
contra a criança e o/a adolescente e considerando que a escola deve ter
como objetivo garantir a qualidade de vida de sua clientela, bem como pro-
mover a cidadania, surge-nos a preocupação de conhecer as concepções de
professores e professoras.
Considerações finais
O presente artigo teve o intuito de apresentar o que a literatura nacional
diz sobre a formação de professores/as iniciantes para lidar com os casos de
crianças vítimas de violência doméstica e intrafamiliar. Com as palavras-cha-
ve utilizadas na pesquisa, não foram encontrados artigos que discorressem
sobre a formação do/a professor/a na área da educação. Como explicitado
nos resultados, foram encontrados 13 artigos sobre o tema, sendo 11 da área
da saúde, somente um da área da educação e nenhum da pedagogia em
específico.
Concordamos com Rocha (2010) quando aponta para o fato de que, no
geral, as escolas estão se articulando à rede de enfrentamento da violência
sexual contra crianças e adolescentes. Este autor concluiu que as escolas
não promovem ações específicas de enfrentamento, nem mesmo adotam
medidas preventivas que contribuam para um efetivo combate a este tipo
de violência, tais como a informação da comunidade escolar sobre a realida-
de da violência sexual, a criação de ambiente que verdadeiramente inclua a
criança diferente, ou mesmo o trabalho com membros das famílias respon-
sáveis pela educação das crianças.
É a partir desta constatação da ausência da escola na rede de en-
frentamento da violência sexual cometida contra crianças e adolescentes
e acreditando que este enfrentamento não obterá êxito se não houver o
Compreensão docente acerca de estudantes vítimas de violência doméstica: alguns... | 201
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202 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
MÚSICA NA APRENDIZAGEM
ESCOLAR: INTERAÇÕES DE UM
GRUPO INSTRUMENTAL DE
ESTUDANTES
Rita de Cássia Rosa da Silva
Maria Cecília Luiz
Aialy de Souza Oliveira
Art. 26 [...]
§ 2º O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório,
nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos (BRASIL, 1996).
208 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
É vista por muitos como a primeira das artes, tanto no que se refere à
história humana quanto à sua importância na vida de todos nós. Para as
civilizações primitivas, os sons tinham significado, o qual também estava
presente em seus primitivos instrumentos. Já para nós, ela é reconfor-
tante e, muitas vezes, auxilia o nosso equilíbrio emocional. Talvez isso
aconteça porque a música nos remete ao primeiro e mais importante
som da vida: as batidas do coração de nossa mãe. O som uterino está
gravado no inconsciente e simboliza proteção, aconchego e tranquilida-
de (GARCIA; SANTOS, 2012, s/p.).
As autoras ainda nos dizem que é nessa interação entre os sujeitos que o
processo de formação da identidade é fortalecido, em diferentes ambientes
de convívio, incluindo o ambiente escolar. Outro ponto a ser considerado é
que, segundo Honneth (2003), o reconhecimento social possibilita o respeito
às distintas singularidades e à diversidade, com bons resultados no convívio
social. Segundo o autor, é pela intersubjetividade que se torna possível arti-
cular diversas lógicas, com a intenção de manter na escola um ambiente de
socialização, de trocas culturais e capacidade de exercício ativo da cidadania
e de formação de habilidades, nos meios de produção e existência de dife-
rentes gerações.
Ao refletir sobre as diferentes funções que a música ocupa no ambiente
escolar, seja pela sua linguagem artístico-cultural ou pelas possibilidades de
desenvolvimento humano, percebemos que a experiência vivida na escola
pública com o grupo instrumental teve êxito devido à preocupação dos pes-
quisadores e pesquisadoras com relação à convivência dos estudantes no
Música na aprendizagem escolar: interações de um grupo instrumental de estudantes | 215
Considerações finais
Finaliza-se esta seção resgatando os objetivos que foram propostos:
abordar perspectivas teóricas sobre o ensino e a aprendizagem da música
na escola e refletir sobre os resultados de uma pesquisa-intervenção na es-
cola pública, em especial de ter constituído um grupo instrumental com es-
tudantes. Neste contexto, afirma-se que os estudos teóricos e as interações
da pesquisa-intervenção nos fizeram compreender que, mesmo com todas
as dificuldades de efetivar o ensino e a aprendizagem de música na escola,
ocasionar diferentes atividades desta natureza, de formação musical, signi-
fica promover o desenvolvimento humano, a formação da expressividade e
da cultura musical em estudantes.
Para Menegale (1994), a cultura e a arte não podem ficar em último lugar
no currículo e nas ações da escola.
Elas deveriam sair de qualquer lista, porque não são etapas nem segmen-
tos, mas sim dimensões. Assim como se fala em política de educação,
política de transportes, não se pode falar em política de cultura. Acho
216 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
que a política é que teria que ser cultural e a arte teria que estar alimen-
tando tudo isto (MENEGALE, 1994, p. 15).
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218 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
MOMENTOS DE CRIAÇÃO
COM AUDIOVISUAIS: OUTROS
CONHECIMENTOS NA EXPECTATIVA
DO OLHAR1
Renata Reis Genuíno
Criação de si.
Criação do coletivo escolar.
Criação de novas formas de relação.
E, então, por que não criação de relações que não sejam pautadas na
violência, mas em escuta, confiança, atenção e respeito às diferenças?
Adicionamos novas
imagens à escola.
A aula não era na sala.
Quem mais falava não
eram os professores.
se o ensino de cinema pode ser atravessado pelo desejo que rompe uma
causalidade e uma linha reta do mestre ao estudante, esse princípio de
igualdade demandaria o desaparecimento do mestre? A descentraliza-
ção total? Entendemos que não. A igualdade não é uma igualdade de
posição do sujeito, mas uma igualdade produtiva, fruto da produção do
coletivo que não existe sem o trabalho e a igualdade de inteligências – a
possibilidade de um sujeito qualquer fazer parte e diferença na criação.
Partir da igualdade não é, assim, dizer da indiferença entre professores e
estudantes, mas partir das possibilidades inventivas do grupo que de-
pende de um princípio de igualdade de inteligências que se atualizam
[...] e não por princí-
pios exteriores a essas
(MIGLIORIN, 2014, p.
3).
A naturalidade e individua-
lidade eram tensionadas quan-
do provocávamos o pensar, a
produção das experiências em
grupo, com todos, em relação.
Para que a cena-ideia aconte-
cesse, o grupo precisa se en-
gajar a seguir o desafio criado,
a interagir com os objetos no
presente e buscar formas de romper aquele cenário habitual escolar e des-
tacar o silencioso-sensível da imagem que se coloca no processo de rotina:
aulas de 50 minutos, com os corpos parados, sentados, em fileira, ouvindo.
A formação desses grupos no surgir da ideia e do debate das temáticas
que envolvem a violência que vivenciam necessitava da acolhida da dúvida,
e não do seu silenciamento, o que por si só já foge de aspectos que antes
violentavam, silenciosamente, os processos criativos, por exemplo, ao trazer
a possibilidade de dizer "não sei" e da resposta "não esperada", e assim ter
o acolhimento do grupo, abraçar as dúvidas – já que questionávamos todas
Momentos de criação com audiovisuais: outros conhecimentos na expectativa do olhar | 227
eu sou? E quem melhor que os alunos para mostrar e criar suas imagens para
o mundo?
Conversar sobre o que é violência, e em grupo, é trazer à tona muitas
concepções (inclusive perspectivas diferentes) sobre o que é "natural" nas
relações. E, a partir da descoberta, potencializada pela imagem, as possibili-
dades de criação de mundo e narração ganham compartilhamento, pois ao
se criarem novas imagens também aparecem novos olhares, e a fotografia
deixa de ser apenas registro visual ou memória, mas formas de ser e existir.
O trabalho com exercícios fotográficos associado à desnaturalização das
violências foi uma forma de tensionar o real, suspender uma normatividade
– às vezes violenta – e instaurar novas possibilidades de ver, sentir e agir
sobre o mundo: percebemos que, ao evidenciar essa nova prática de escuta
durante as conversas, há o surgimento de novas vozes, antes silenciadas, que
narravam suas histórias e acolhiam as dores, sentimentos e alegrias do outro.
Quais são as aspirações da imagem? Foto tem objetivo?
A imagem e o vídeo são presos à atuação para passar sensações?
Mas, então, como eu represento a raiva sem agressão? Como represento
choro sem lágrima? Como falar da solidão em sentir-se sozinho em um inter-
valo, ou na aula, lugares cheios de pessoas?
As decisões de reposicionamentos, as novas perspectivas e os novos
intervalos entre as imagens movimentam novas conexões entre os alunos/
personagens, sendo desafiados a rever o entorno e potencializando as pos-
sibilidades de percepções para notarem que "a fotografia é fruto de deci-
sões e escolhas" (MIGLIORIN et al., 2014, p. 33) e que a desnaturalização nos
permite estar mais conscientes desse processo.
Além disso, o reposicionamento dos olhares e as novas perguntas dos
alunos traziam à tona o silenciamento das emoções não trabalhadas no co-
letivo escolar. Traziam sempre em suas imagens e vídeos a necessidade de
diálogo sobre regras, sobre o que a escola espera deles e como as expec-
tativas postas muitas vezes não coincidem com o desejo. Não escutar essa
necessidade de fala é uma violência que se coloca.
É preciso deixar surgirem os conflitos que existem no coletivo, e não os
silenciar. Não dar prioridade aos sentimentos e às trocas de experiências
dos alunos, focando apenas em conteúdos, também é uma ação violenta
de nossa parte como educadores: é preciso criar momentos para lidar com
os conflitos do coletivo, diminuindo a angústia de não ser atendido ou ter
a responsabilidade de cuidar de si e do outro. Todos esses aspectos já são
230 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
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sombreado esfumaçado a lápis, o que dava aos desenhos uma textura que
lembrava as antigas esculturas de mármore.
Segundo Santos (2007), o Neoclássico ou Academicismo foi o movimen-
to que mais influenciou as metodologias do ensino da arte e a sua prática
educativa, pois as concepções artísticas do mundo greco-romano tornaram-
-se os conceitos básicos para o ensino das artes nas academias de belas-
-artes e só foram questionadas, mais tarde, pela arte moderna.
O desenvolvimento pleno do Barroco, no Brasil, deu-se no século XVIII,
100 anos após o seu surgimento na Europa, e estendeu-se até o início do
século XIX, período em que a arte na Europa "voltava-se novamente para os
modelos clássicos" (SANTOS, 2007, p. 152)
No Brasil, a arte barroca é associada à religião católica, devido a dois
fatores: primeiro, a arte no Brasil colônia, tendo sido introduzida pelos jesu-
ítas, era de cunho religioso; segundo, é na arquitetura religiosa que melhor
notamos a presença e a evolução desse estilo, embora muitas construções
de arquitetura civil, como câmaras municipais, cadeias, moradias etc., apre-
sentem as características barrocas (BARBOSA, 2002a).
O estilo Barroco praticado no Brasil diferia do Barroco europeu e apre-
sentava contribuição renovadora: "uma arte de traços originais que podemos
designar como barroco brasileiro" (BARBOSA, 2002a, p. 19). Nesse período,
os artistas brasileiros em sua grande maioria eram mestiços e de origem po-
pular, considerados simples artesãos. Um dos maiores contribuidores desse
movimento no Brasil foi Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como
Aleijadinho. Natural de Vila Rica, era mestiço, filho de um arquiteto portu-
guês, Manuel Francisco Lisboa, e de uma escrava. Dentre os seus trabalhos
principais está a planta da Igreja de São Francisco de Assis, construída em
Ouro Preto (antiga Vila Rica). Além de um grande arquiteto e decorador, este
artista também foi um excelente escultor.
Os artistas barrocos expressavam em suas obras as pressões que sofriam
estando eles entre dois polos opostos: Igreja e pensamento renascentista,
fé e razão. Tem-se no início do século XIX, com os membros da Missão Ar-
tística Francesa ao Brasil, o Neoclássico. O grupo de artistas franceses que
veio com a incumbência de organizar a primeira instituição de arte nacional
chegou oito anos após a corte portuguesa aportar em terras brasileiras.
Arte nas escolas brasileiras: a criação de sentidos | 241
Fonte: http://www.abim.inf.br/bicentenario-da-morte-de-aleijadinho/.
Fonte: https://www.todamateria.com.br/o-grito/.
Fonte: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/a-danca-henri-matisse/.
Figura 5 Mulher com violino (1913), de Georges Braque; óleo e carvão sobre tela.
Fonte: https://www.pinterest.de/pin/548735535848321648/.
Figura 8 The Spring, c.1916, de Giacomo Balla; óleo sobre tela, Solomon R. Gugge-
nheim Museum, Nova York.
Fonte: https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-20/futurismo/#jp-carou-
sel-6955.
Figura 9 Dali, aos seis anos, quando acreditava que era uma garotinha, levantando a
pele da água para ver um cão dormir na sombra do mar (1950), de Salvador Dali; óleo
sobre tela.
Fonte: https://www.todocoleccion.net/postales-arte/postal-cuadro-dali-edad-seis-anos-
-cuando-pensaba-que-era-una-nina-salvador-dali~x191879726.
Fonte: https://www.arteeblog.com/2015/04/serie-joan-miro-constelacoes.html.
252 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Fonte: http://www.artnet.fr/artistes/victor-vasarely/feny-Bj6z7VCFrYvIMfY6crk2XQ2.
254 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Fonte: https://artsandculture.google.com/asset/movement-in-squares-bridget-
-riley/5gGo7raKbm-NtQ.
Pop Art, expressão inglesa que significa arte popular, foi o nome dado
ao movimento artístico que apareceu nos Estados Unidos e que expressava
a realidade contemporânea, a tecnologia industrial e a cultura de massa.
Os mesmos recursos utilizados nos meios de comunicação de massa
eram utilizados como recursos expressivos da Pop Art. Os temas eram os
símbolos e os produtos industriais dirigidos às massas urbanas.
Segundo Santos (2007), essa obra pode ser interpretada como uma for-
ma de o artista mostrar que a imagem de uma celebridade, assim como
os objetos produzidos em série, pode ser manipulada para o consumo do
grande público.
A obra de Andy Warhol intitulada "Marilyn Monroe", na qual reprodu-
ções fotográficas idênticas da atriz são dispostas em uma sequência com
variações de cores, é um exemplo de Pop Art.
Arte nas escolas brasileiras: a criação de sentidos | 255
Fonte: https://www.myartbroker.com/artist/andy-warhol/marilyn/.
Fonte: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/fonte-marcel-duchamp/.
256 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte
Duchamp foi o precursor deste novo conceito de arte que ficou conheci-
do como ready-made, em que o artista seleciona um objeto industrializado
e o expõe como obra de arte. Duchamp lançou a ideia de que uma obra só
está completa quando se soma à interpretação do espectador, estimulando
uma verdadeira troca intelectual com quem admirasse as suas obras. Antes
dele, as produções dos artistas visavam à pura admiração visual da obra.
A arte contemporânea não é pensada apenas em categorias como pin-
tura e escultura, ela ultrapassa os limites sociais e artísticos do modernismo,
abrindo-se a experiências culturais díspares. Outros tipos de manifestações
são propostas pelos artistas contemporâneos, e podemos destacar, entre
outros: performances – combinação dos elementos do teatro, das artes
visuais e música; happening – combinação dos elementos do teatro, das
artes visuais e da música, normalmente com a participação do espectador;
instalações – também chamadas assemblages ou ambientes, são espaços
construídos com os mais variados materiais de modo que o espectador pos-
sa "percorrer" a obra; arte conceitual – a prioridade na arte conceitual é a
ideia, ficando a execução relegada a um segundo plano, podendo inclusive
ser executada por outra pessoa que não o artista; e arte pública – desig-
nação dada à arte feita fora do espaço destinado a ela, museus e galerias,
mudando a paisagem de forma definitiva ou provisória (ENCICLOPÉDIA Itaú
Cultural, 2005).
No Brasil, no período da ditadura, muitos artistas e pensadores de todas
as áreas foram exilados e tiveram suas obras censuradas. Com o fechamen-
to dos salões de arte, os artistas plásticos não chegavam a realizar as suas
obras, elas eram apenas projetadas e pensadas. Para se livrarem da censura
eles começaram a se comunicar por meio de cartas, projetos de obras, fo-
tografias etc.
Segundo Tirapeli (2006, p. 49), essas comunicações eram arte conceitual,
pois "o que mais importava era a mensagem em si, e não a sua realização".
Os artistas conceituais criaram novos meios de fazer arte, utilizando diversos
suportes, técnicas e tecnologias.
Com a globalização da arte, os comerciantes de obras de arte, conhe-
cidos como marchands, começaram a vender e valorizar obras de determi-
nados artistas, e os curadores, críticos e organizadores de exposições de
artes selecionavam obras conforme as tendências para exposições nacionais
e internacionais.
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Figura 15 Magic Square nº 5, De luxe, de Hélio Oiticica, é uma das instalações deno-
minadas "Penetráveis" (1977); madeira e tinta a óleo.
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/241575967486639376/.
Algumas considerações
O propósito deste texto foi perceber como os fatos históricos e os estilos
artísticos contribuíram e ainda contribuem para o desenvolvimento e apren-
dizagem da Arte na educação, em especial nas escolas brasileiras. Apesar
de ser um texto com limites, ao contemplar esta questão, entende-se que a
criatividade, a criticidade e a afetividade formam uma possibilidade impor-
tante de "liberação das energias de vida e de conhecimento desconhecidas
e recalcadas pelos poderes-saberes instituídos" (ASSMANN, 1998, p. 134).
Ao compreender o pensamento e o conhecimento como feitos não ape-
nas de razão, o aluno cria sentidos e valores que fundamentam sua ação no
seu ambiente cultural, de modo que haja coerência entre o falar e o fazer,
entre o pensar e o agir, entre o sentir e o atuar. A educação com Arte é en-
tendida como um processo no qual o estudante é levado a criar um sentido
pessoal para a sua vida, a partir da análise, crítica e seleção dos sentidos
veiculados por sua cultura e demais culturas.
Referências
ANTÔNIO, S. Educação e transdisciplinaridade: crise e reencantamento da aprendizagem. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2002.
ARSLAN, L. M.; IAVELBERG, R. Ensino de Arte. São Paulo: Thomson Learning, 2006.
ASSMANN, H. Glossário. In: ASSMANN, H. Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente.
266 | Violências no cotidiano social e escolar: desnaturalizando com arte