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Inclui bibliografia
ISBN 978-85-462-1911-7
Introdução 13
Referências 197
Anexos 207
PREFÁCIO
Um ponto longínquo na memória do mundo, um cemitério,
muitas saudades. Um ponto qualquer no mapa, imagem de satélite,
Google Earth, um zoom e lá vemos Couto de Magalhães, Tocantins.
Vemos a morada dos que creem, dos que almejam a lembrança, a re-
memoração dos que ficam. Vemos as cruzes, as sepulturas, as flores,
as lágrimas. A memória que para Drummond, é o amar perdido,
que resume em sublimes palavras, que as coisas findas, muito mais
que lindas, que sim, claro, hão de ficar.
Abordagem ousada e necessária é a de materializar a morte, ma-
terializar a análise da forma com que se vê a morte e os mortos. Abor-
dagem ousada de sentir a possibilidade de aprender ou ensinar algo a
partir das coisas que fazem nosso entendimento de necrópole. Como
Emily Dickinson afirmou, o cemitério, este pó que foram damas, ca-
valheiros, rapazes e meninas; que foi riso, que foram espírito e suspi-
ro, vestidos e tranças finas. Este lugar que foram jardins que abelhas e
flores alegraram. Findo o verão, findava o seu destino... E como estes,
passaram. Mas o lugar ficou, sim, ele sempre fica. Desde períodos
ainda pré-históricos em que o homem buscava entendimento para
aqueles que cessavam o respirar e interrompiam sua jornada. Desde
as reflexões dos filósofos gregos como Sócrates que entendia a morte
como uma mudança de existência e que a alma havia de migrar para
um outro lugar. Assim as mortes felizes de gregos guerreiros alçavam-
-nos aos Campos Elísios num balé de movimentos leves e doces.
A trilha sonora de Win Mestens, em “nós que aqui estamos
por vós esperamos” nos lembra que existe lugar para melancolia na
morte. Marcelo Masagão traduziu a fragilidade da vida humana:
cena final, letreiro do cemitério, todos, sem exceção, se igualam na
hora da morte, não há escapatória para este destino, não há drible,
não há tergiversar, não há vitória. Por isso, Bergman, talvez no filme
mais profundo que o cinema conseguiu produzir, colocou na fala
da morte: a maioria das pessoas não pensam nem na morte ou no
nada. Como disse, não há vitória sobre ela, há somente o aceitar e o
lugar material, tangível, palpável é o refúgio dos que ficam.
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município de Couto de Magalhães (TO)
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INTRODUÇÃO
O cemitério Campo da Saudade foi o primeiro ambiente fúne-
bre a ser construído em Porto Franco do Araguaia, distrito do mu-
nicípio de Couto de Magalhães/TO. O fato de ainda estar em uso
transforma-o em um ambiente de suma significação para os habi-
tantes da região. Ao que consta, esse espaço faz parte da história do
município de Couto de Magalhães, região que, primeiramente, foi
ocupada pelos representantes da Coroa Portuguesa, em virtude do
Aviso de 5 de setembro de 1811, incorporado por Fernando Delga-
do de Castilho, governador da província de Goiás. Em seu contex-
to, existem diversos tipos de sepultamentos, variações tumulares e
elementos religiosos que, em sua maioria, representam traços cultu-
rais dos enterramentos que permeiam a cosmovisão do catolicismo.
Toda a memória relacionada com o espaço é construída acerca
da sua representatividade, da dimensão concreta das relações sociais,
é um segmento físico de que o homem se apropria como suporte
para as suas produções e reproduções em meio à vida cotidiana. São
vetores que conduzem as relações sociais e a sua organização, é um
canalizador que exprime determinado valor simbólico e, ao mesmo
tempo, exerce o papel funcional em meio à coletividade.
As características do universo funerário remetem esse ambiente
a um tempo onírico e mítico de lembranças indeléveis e inesgo-
táveis. O cemitério é um espaço onírico porque, de certa forma,
projeta-se nele um discurso mítico que cria a realidade, é um lugar
de crenças míticas, uma forma de apreender a realidade que cerca
as sociedades de maneiras distintas.
São lugares como esses que reúnem seres animados e inani-
mados que ali se encontram em um conjunto palpável. Também
congregam experiências, histórias, pensamentos, afetividades e ob-
jetos pessoais dos mortos. À vista disso, o cemitério se contempla
como espaço de relevância cultural, evocando lembranças de um
passado que, mesmo aparentando ser remoto, é capaz de produ-
zir sentimentos e sensações que parecem fazer reviver momentos e
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morais do que nos próprios indivíduos. Aqui, são os elos morais que
se sobrepõem às nossas vontades, induzindo-nos a fazer coisas, não
porque realmente queremos, mas porque existe uma demanda rela-
cional, algo que constantemente é introduzido de fora para dentro.
Toda essa abordagem teórica é de suma importância, visto que
os caminhos percorridos para a compreensão do contexto do cemi-
tério Campo da Saudade necessitam de um pensamento analítico
sobre o que o lugar representa, simbolicamente, para os indivíduos,
e como esses fatos são construídos e reconstruídos pelas sociedades.
O Capítulo 3, inicialmente, é composto pelo contexto histórico
do município de Couto de Magalhães, a fim de explanar o processo
de ocupação local e as influências europeias no que diz respeito à
religiosidade daquela região. Os estudos foram realizados a partir
de fontes primárias e secundárias, visto que poucos são os registros
que falam sobre a formação dos habitantes desta região.
O livro Anais da Província de Goiás, do autor José de Alencas-
tre, foi utilizado como uma forma de compreender os motivos pelos
quais a região do município de Couto de Magalhães foi ocupada
por representantes da guarnição da Coroa Portuguesa, em conse-
quência do Aviso de 5 de setembro de 1811, incorporado por Fer-
nando Delgado de Castilho. No decorrer deste capítulo, é possível
notar que as análises de campo foram elaboradas e discutidas de
acordo com o aporte teórico visto nos capítulos anteriores.
As discussões finais deste capítulo retomam os diálogos sobre
as variações tumulares, seus padrões e formas de ocupação espacial
no cemitério Campo da Saudade, com a finalidade de compreender
como todo esse processo sofre interferências de fenômenos múltiplos
sociais, que envolvem a memória e a percepção. Por isso, houve a
necessidade de retomar alguns conceitos desenvolvidos no livro Ma-
téria e Memória. Os esclarecimentos desta obra continuarão tendo o
apoio teórico do Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, cujas
abordagens fortalecem a compreensão sobre consciência do espírito.
Em A Evolução Criadora, Bergson analisa mais a fundo o de-
senvolvimento da consciência, principalmente, quando se trata de
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