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E DA EXPERIMENTAÇÃO (*)
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do
CÂNDIDO DA AGRA (**)
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JOSEFINA CASTRO (***)
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Esta comunicação resulta da análise que temos vindo a desenvolver,
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na Escola de Criminologia, das experiências de mediação em matéria
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penal e, de modo mais lato, do movimento designado por justiça restau-
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rativa ou justiça reparadora em que ela se inscreve, e que, um pouco por
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minal.
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ria penal e à justiça restaurativa, uma vez que são os vectores dessa posi-
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ção que orientam a análise que aqui trazemos. Podemos sintetizá-la em duas
palavras: conhecimento e experimentação. Conhecimento e experimentação
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tado como a última moda e que nos leva à importação apressada e acrítica
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tado nesta matéria. É esse itinerário norteado que passaremos a descrever,
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definindo o que consideramos serem as questões fundamentais de qual-
quer iniciativa nesta matéria. Passamos a designá-lo por momento zero do
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conhecimento e momento zero da experimentação.
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MOMENTO ZERO DO CONHECIMENTO
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A este nível, a primeira coisa a fazer é óbvia: aprender com as expe-
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riências dos outros e com o conhecimento sério que já foi produzido nesta
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las que têm sido objecto de avaliação. Não podendo, por limitações
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razões:
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mais perto o seu desenvolvimento, a partir da colaboração que há anos
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mantemos com o professor Tony Peters da Escola de Criminologia da
Universidade de Louvain (K.U.L.). Este reconhecido especialista tem tra-
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balhado connosco na formação pós-graduada que esta Faculdade tem orga-
e
nizado em matéria de vitimologia e de justiça restaurativa, nomeadamente
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no Mestrado em Criminologia.
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A EXPERIÊNCIA BELGA
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(que neste país começou em meados dos anos 80, no domínio da delin-
quência juvenil) e, muito menos, da justiça restaurativa, sistematizamos
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esta exposição em três eixos, que nos parecem corresponder aos três mode-
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namente, é designado por mediação penal (designação que, para alguns (1),
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nhamento para programa de formação, a prestação de serviços à comuni-
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dade, ou a reparação dos danos causados à vítima, podendo haver lugar à
mediação entre vítima e ofensor.
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Para a aplicação desta última condição, foram criadas três novas fun-
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ções ao nível dos serviços do Ministério Público: a) em cada tribunal de
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primeira instância foi designado um magistrado responsável pela mediação;
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não lhe competindo a intervenção mediadora no momento da execução,
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cabe-lhe, no entanto, a selecção dos casos, a supervisão do processo de
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mediação e a condução da sessão final; b) “os assistentes de mediação”, téc-
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nicos remunerados pelo Ministério da Justiça que, nos tribunais e sob a
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ciações com vista ao acordo. Nos casos em que há acordo, os seus termos
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referir que ofensor e vítima têm direito a ser assistidos por um advogado
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e a vítima pode ser representada, não sendo obrigatório que se encontre com
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introdução de legislação facilitadora e do reforço de modelos e progra-
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mas, a verdade é que o recurso a estas práticas é ainda muito pouco sig-
nificativo quando comparado com os números que traduzem o quotidiano
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da justiça formal (Aertsen & Peters, 2003; Aertsen & Willemsens, 2001;
e
Weitekamp, 2002). Em termos qualitativos, são apontadas vantagens e
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desvantagens. Procuraremos salientar as que são estruturalmente mais
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relevantes e que, aliás, são comuns às que encontramos em programas de
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natureza semelhante que existem noutros países (na Europa, podemos refe-
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rir as avaliações dos programas com contornos semelhantes em França,
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na Alemanha ou em Inglaterra).
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quadro do sistema de justiça, conduzidos por agentes internos, faz com que
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e reabilitador?
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material e, mais propriamente, financeiro. A isto não será alheio o facto
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de ser raro o encontro face a face entre vítima e ofensor. Mesmo na
última sessão, o mais frequente é a vítima não estar presente, fazendo-se
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representar. Constatou-se ainda que esta sessão assume frequentemente
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um carácter moralista, assemelhando-se a um mini-julgamento. Para além
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disso, nem sempre as condições impostas pelo magistrado estão em con-
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formidade com o resultado do trabalho de mediação realizado pelo media-
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dor com a vítima e o ofensor. ni
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II — O segundo modelo inscreve-se numa lógica diferente. É, geral-
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anterior modelo é o facto de a mediação funcionar de modo indepen-
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dente do sistema judiciário, ainda que em estreita ligação com os servi-
ços do Ministério Público. O magistrado incumbido de estabelecer a
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ligação com o projecto selecciona, com os mediadores e com os investi-
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gadores, os dossiers a examinar, mediante condições preestabelecidas (5).
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Quando um processo é seleccionado, o procurador contacta, por carta, a
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vítima e o delinquente, propondo-lhes a participação no processo de
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mediação. Posteriormente, o mediador estabelece novo contacto, dando
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início ao processo propriamente dito de pré-mediação ou de preparação para
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a mediação (esclarece-os sobre o processo de mediação, recolhe as suas
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tivas e, caso aceitem, prepara os termos do acordo). Não há, nesta fase,
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entre 1993 e 1997). Em 50% dos casos, a mediação resulta num contrato
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explicações.
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parece concorrer para esta reacção é a forma como a proposta é feita: a mis-
(5) São, por exemplo, excluídos os casos em que o delinquente nega os factos ou
em que vítima e delinquente são próximos, uma vez que se considerou que estes últimos
exigiam uma abordagem especial.
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o delinquente com as suas responsabilidades, na expectativa de um efeito
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positivo no comportamento futuro deste e no pagamento da indemniza-
ção. Depois de concluído o processo, e mesmo quando não há acordo
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escrito, as partes exprimem normalmente a sua satisfação, relevando a
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possibilidade que lhes foi proporcionada de comunicarem, de a vítima
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poder ver respondidas algumas questões relativas aos factos, de poderem
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avaliar as consequências do acto e de exprimirem sentimentos.
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A avaliação do impacto na decisão judicial mostra que os juízes
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tomam em consideração o processo de mediação quando há acordo escrito.
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Nestes casos, a participação na mediação funciona como circunstância ate-
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desde logo que a reinserção social daquele passa pelo reconhecimento des-
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tas e pela aceitação das suas responsabilidades para com elas, procura-se
corrigir aquilo que parece evidente para quem conhecer minimamente o dia
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momento se favorece a tomada de consciência das consequências do crime,
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do impacto do mesmo sobre a vítima e, muito menos, a assunção das suas
responsabilidades para com ela. Deste modo, o próprio indivíduo torna-se
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estranho ao seu próprio acto, que nunca chegou verdadeiramente a interio-
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rizar. Muitas vezes o acto só é lembrado quando, por altura de uma apre-
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ciação para liberdade condicional, os profissionais voltam a ler o acórdão
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e dão conta do desfasamento entre a imagem do bom recluso, ou pelo
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menos do recluso conforme às normas institucionais, e do delinquente que
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praticou actos de tão grande violência. É também por isso que muitos
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libertados sentem que a pena não acabou com a saída da prisão. Talvez
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não seja por acaso que a maior parte dos homicidas que se suicidam o
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taurativa nas prisões tem por objectivo a tomada de consciência, por parte
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MOMENTO ZERO DA EXPERIMENTAÇÃO
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A Faculdade de Direito da Universidade do Porto, através da Escola
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de Criminologia, está, neste momento, envolvida, juntamente com o DIAP
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do Porto, no estudo das condições que poderão permitir o desenvolvi-
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mento de um projecto conjunto de mediação em matéria penal. Sendo
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ainda prematuro adiantar muito mais sobre o projecto em concreto, apre-
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sentaremos algumas das linhas que têm orientado a nossa reflexão a pro-
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pósito da sua concepção.
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Do conhecimento das experiências desenvolvidas noutros países e das
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análises que sobre elas têm sido produzidas e que nos mostram que existe
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1. Objectivos
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vastas e vagas que é possível incluir nelas quase tudo e o seu contrário.
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por outro lado, devem-se também à ambivalência traduzida habitualmente
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pela fórmula “agradar a gregos e a troianos”. Perspectivas diversas de
justiça criminal, ideologias e interesses muito diferentes e até contraditó-
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rios podem ser servidos por este movimento: pode, por exemplo, agradar
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aos que acusam o Estado de permissividade relativamente à delinquência
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e reclamam respostas mais duras face ao delinquente e maior protecção da
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vítima, e aos que exigem maior atenção aos direitos do delinquente, que
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consideram insuficientemente salvaguardados pelo sistema formal. Não
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podemos esquecer que, se é verdade que o movimento tem actualmente
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como lema dominante, pelo menos ao nível teórico, a reparação da vítima,
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comunicação que encontramos na perspectiva filosófica de Habermas e
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que se tem traduzido na ideia de realização de uma justiça negociada em
contraposição a uma justiça vertical e autoritária (Agra, 2004). Uma jus-
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tiça dialógica que procura devolver o conflito aos seus actores, em espe-
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cial à vítima e ao delinquente, através de um exercício de reconstrução da
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situação-problema a partir dos pontos de vista dos implicados, de recons-
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trução destes enquanto sujeitos de direito, da reconstrução do próprio judi-
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ciário enquanto espaço de intersubjectividade e ainda do laço social que-
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brado pela ofensa.
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Encontramos ainda uma ética da responsabilidade que envolve não
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nas como actores do seu drama particular e singular, mas também enquanto
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actores sociais.
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dita restaurativa ou reparadora procura ser, pelo menos assim foi conce-
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mos, no entanto, que nem sempre tem sido entendida assim. São exem-
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reparação material (ibid.; Aertsen & Peters, 2003). Trata-se de uma lógica
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mais preocupada com o resultado, ou melhor, com a obtenção rápida do
acordo, do que com o processo, ou seja, com a criação de condições para
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uma comunicação verdadeira entre as partes, que requer preparação e
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tempo (ibid.). Escusado será dizer que estas condições não encorajam o
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encontro entre vítima e ofensor, quando não o desincentivam deliberada-
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mente. Não havendo encontro, a reparação simbólica, que é, para muitas
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vítimas, o elemento mais importante, é dificultada, sobretudo se o processo
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inibe também a expressão de sentimentos em favor do avanço rápido para
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uma resolução. Efectivamente, parece haver, em determinados progra-
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mas (8), uma pressão exercida sobre as vítimas para que aceitem a media-
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ção ou o acordo quando elas não estão dispostas ou preparadas para isso.
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Há toda uma retórica do consenso que pode funcionar como uma pres-
são susceptível de provocar aos reticentes um verdadeiro sentimento de
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culpa.
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mediação formal, que designa também por modelo judiciário, e a que cor-
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(7) Por exemplo, vítima e ofensor acordam uma forma de reparação que depois o
tribunal não aceita porque entende que não respeita o critério de proporcionalidade definido.
(8) Um dos tipos de programas mais visados por estas críticas são os family group
conferences.
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que presidiu à emergência deste novo paradigma: se é verdade que a
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emergência da justiça restaurativa e da mediação está indissociavelmente
ligada ao movimento de desjudiciarização e à crise do Estado social,
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verifica-se que certas práticas, quando avaliadas, deixam pelo menos a sus-
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peita do contrário, isto é, da sua inscrição numa lógica securitária de
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extensão do controlo social formal (Braithwaite, 2002; Faget & Wyvekens,
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2002; Mary, 2001). Este é, obviamente, um aspecto muito difícil de ava-
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liar. Braithwaite (2002), por exemplo, considera que este efeito tende
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sobretudo a ocorrer em programas que dependem da polícia (ou seja,
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quando é esta que faz a selecção das situações para mediação). Esta ten-
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existem redes de suporte susceptíveis de serem mobilizadas e co-respon-
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sabilizadas neste processo. Como dizem McCold & Wachtel (1996, ct.
Johnstone, 2002) “community is not a place”, ou seja, a comunidade não
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tem de corresponder a nenhuma entidade física ou geográfica particular.
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O perigo da ideia de comunidade parece-nos existir quando ela implica
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a aceitação da ideia nostálgica de um retorno ao passado, como se este fosse
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o paraíso perdido, conduzindo-nos à imitação de formas de justiça incom-
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patíveis com a nossa ideia de justiça, de liberdade, de democracia e de direi-
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tos fundamentais. A proposta de que a comunidade deve liderar e decidir
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o que deve ser feito a propósito de um dado acontecimento é altamente pro-
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3. Avaliação
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A avaliação dos efeitos destas novas práticas e o controlo de qualidade
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dos seus processos constitui uma das exigências maiores e, ao mesmo
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tempo, uma das principais fragilidades de boa parte das iniciativas que
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têm sido realizadas nesta matéria. Não é possível alongarmo-nos sobre isto,
rs
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mas aqui, como noutros domínios da intervenção social e política, verifi-
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camos uma tendência para confundir a avaliação rigorosa e científica com
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dois exercícios de natureza bem diferente: com um exercício de ausculta-
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sões —, ou, então, com uma avaliação administrativa. Por isso deparamos
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mediação. Nela existe toda uma dimensão simbólica que precisa de ser tida
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em conta, dimensão essa que tem de contemplar o plano da relação inter-
subjectiva, mas também a relação do indivíduo à lei, ao justo e às insti-
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tuições. Este nível de análise exige métodos qualitativos, bem mais exi-
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gentes do que os habitualmente usados.
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Finalmente, consideramos que qualquer experiência nesta matéria deve
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contemplar, no processo de avaliação, uma componente de análise e refle-
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xão que interrogue e integre os dados recolhidos numa visão filosófica
ni
acerca dos princípios e objectivos da Justiça Penal.
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