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ESTUDOS DE TECNOLOGIA CERÂMICA

I. Cadeias operatórias na cerâmica arqueológica


(actas do seminário internacional de Mação, 2009)
II. Na Pista da Artesã: Repensando a Cerâmica Arqueológica
(Tom O. Miller e Willineide de Almeida Rocha)

| Editors: Luiz Oosterbeek | Jedson Francisco Cerezer |

| ARKEOS 31 |
FICHA TÉCNICA

ARKEOS | perspectivas em diálogo, nº 31


Propriedade: CEIPHAR - Centro Europeu de Investigação da Pré-História
do Alto Ribatejo
Volume editado com apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia
Direcção: a Direcção do CEIPHAR
Editores deste volume: L. Oosterbeek e J. Cerezer
© 2011, CEIPHAR e autores
Composição: CEIPHAR
Concepção gráfica da colecção ARKEOS: Candeias Artes Gráficas
Impressão e acabamentos: Candeias Artes Gráficas | www.candeiasag.com

CONSELHO DE LEITORES (referees)


Abdulaye Camara (Senegal) | Carlo Peretto (Italy) | Fábio Vergara Cerqueira (Brazil)
Luís Raposo (Portugal) | Marcel Otte (Belgium) | Maria de Jesus Sanches (Portugal)
Maurizio Quagliuolo (Italy) | Nuno Bicho (Portugal) | Pablo Arias (Spain)
Saúl Milder (Brazil) | Susana Oliveira Jorge (Portugal) | Vítor Oliveira Jorge (Portugal)

TIRAGEM: 500 exemplares | DEPóSITO LEGAL: 108 463 /97


ISSN: 0873-593X | ISBN: 978-989-97610-3-2

ARKEOS é uma série monográfica, com edição de pelo menos um volume por ano,
editada pelo Centro Europeu de Investigação da Pré-História do Alto Ribatejo,
que visa a divulgação de trabalhos de investigação em curso ou finalizados, em
Pré-História, Arqueologia e Gestão do Património. A recepção de originais é feita
até 31 de Maio ou 30 de Novembro de cada ano, devendo os textos ser enviados
em suporte digital, incluindo título, resumo e palavras-chave no idioma do texto do
artigo, em inglês e em português. Os trabalhos deverão estar integrados na temática
do volume em preparação e serão submetidos ao conselho de leitores. A aprovação
ou rejeição de contribuições será comunicada no prazo de 90 dias.

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CEIPHAR | Centro de Pré-História do Instituto Politécnico de Tomar
Estrada da Serra, 2300 TOMAR | PORTUGAL

TOMAR, JULHO DE 2012


| ARKEOS 31 |

ESTUDOS DE TECNOLOGIA CERÂMICA


I. Cadeias operatórias na cerâmica arqueológica
(actas do seminário internacional de Mação, 2009)
II. Na Pista da Artesã: Repensando a Cerâmica Arqueológica
(Tom O. Miller e Willineide de Almeida Rocha)

| Editors: Luiz Oosterbeek | Jedson Francisco Cerezer |

Projecto FCT: PTDC/HAH/71361/2006

Volume editado com a colaboração da:

e do

Tomar | 2012
Autores

André Luís Ramos Soares


Universidade Federal de Santa Maria – RS, Brasil
alrsoaressan@gmail.com

Cristopher Ian Burbidge


Instituto Tecnológico e Nuclear, Sacavém, Portugal
christoph@itn.pt

Davide Delfino
Grupo “Quaternário e Pré-História” do Centro de Geociências
(uID73 F.C.T.)
Instituto Terra e Memória / Instituto Politécnico de Tomar
davidedelfino@libero.it

Dragos Gheorghiu
National University of Arts, Bucharest, Romania
gheorghiu_dragos@yahoo.com

Isabel M. Dias
Instituto Tecnológico e Nuclear, Sacavém, Portugal
isadias@itn.mcies.pt

Jayshree Mungur-Medhi
Grupo “Quaternário e Pré-História” do Centro de Geociências
(uID73 F.C.T.)
Universidade de Trás os Montes e Alto Douro
Instituto Terra e Memória, Portugal
jayshree.mm@gmail.com

Jedson Francisco Cerezer


Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – UTAD
Fundação para a Ciência e a Tecnologia
FCT – projeto: SFRH/BD/74394/2010
Grupo “Quaternário e Pré-História” do Centro de Geociências
(uID73 F.C.T.)
Instituto Terra e Memória
Muse de Arte Pré-histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, Mação
– Portugal
jcpithi@gmail.com

João Coroado
Instituto Politécnico de Tomar, Portugal
jcoroado@ipt.pt
Luiz Oosterbeek
Grupo “Quaternário e Pré-História” do Centro de Geociências
(uID73 F.C.T.)
Instituto Politécnico de Tomar
Instituto Terra e Memória, Portugal
loost@ipt.pt

Moustapha Sall
Département d’Histoire, FLSH, Dakar, Senegal
moustaphsall@yahoo.fr

Nuno Miguel Neto


Instituto Terra e Memória, Portugal
miguelnetocer@hotmail.com

Pedro Cura
Instituto Terra e Memória, Portugal
pedro-cura@hotmail.com

Simona Scarcella
CNRS, UMR 5608 Traces, École des Hautes Études en Sciences
Sociales, France
simonas@ehess.fr

Tom O. Miller
Professor Aposentado, antigamente pesquisador do Museu
“Câmara Cascudo”, atualmente Professor Voluntário
do Departamento de Antropologia da UFRN, Brasil
tomiller@bol.com.br

Virgínia Fróis
CIEBA – Centro de investigação e de Estudos em Belas Artes
da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa / Secção
de Investigação e de Estudos em Ciências da Arte e do Património
– Francisco de Holanda / Escultura Cerâmica, Portugal
virginiafrois@gmail.com

Willineide de Almeida Rocha


Na época do trabalho, bolsista do CNPq no Museu
“Câmara Cascudo”, Brasil
ÍNDICE

Tecnologia cerâmica: o sentido de uma pesquisa


11 | Luiz Oosterbeek & Jedson Francisco Cerezer

Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo


13 | Luiz Oosterbeek

Abordagem de arqueometria para inferências sobre organização social


17 | André Luís Ramos Soares

A New Perspective in the Study of Ceramic Decoration


29 | Simona Scarcella

Tipologia e cadeia operatória: para uma melhor interpretação das comunidades


35 | humanas na Liguria (Itália do Norte-Oeste) na Idade do Bronze
Davide Delfino

Reprodução experimental de formas cerâmicas: Contribuição para o estudo


45 | tecnológico das cerâmicas guarani
Jedson Francisco Cerezer, Miguel Neto, Pedro Cura

The Ergonomics of the Chaînes-Opératories


59 | Dragos Gheorghiu

Shaping techniques, pots forms and cultural relationships: A case study in two
63 | Gambian villages
Moustapha Sall

Da Água, os Potes: Oleiras de Trás di Munti em Cabo Verde


71 | Virgínia Fróis

Multi-Analytical Approach in the study of Ceramics


83 | Jayshree Mungur-Medhi, Christopher Ian Burbidge, Isabel. M. Dias,
João Coroado

Na Pista da Artesã: Repensando a Cerâmica Arqueológica


95 | Tom O. Miller e Willineide de Almeida Rocha
| Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo | Luiz Oosterbeek |

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| Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo | Luiz Oosterbeek |

Tecnologia cerâmica:
o sentido de uma pesquisa
LUIZ OOSTERBEEK
JEDSON FRANCISCO CEREZER

O presente volume reúne estudos com duas origens distintas: por


um lado o seminário sobre cadeias operatórias na cerâmica arqueológica
(sub-intitulado “um encontro entre culturas, um encontro entre várias
disciplinas), organizado em 2009 em Mação, no âmbito do projecto de in-
vestigação “Paisagens de Transição” apoiado pela Fundação para a Ciência
e Tecnologia (PTDC/HAH/71361/2006); por outro lado um estudo dos
arqueólogos Tom Miller e Willineide Rocha, desenvolvido no Brasil.
O seminário de 2009 foi organizado para expor e debater as perspec-
tivas de estudo sobre tecnologia cerâmica, iniciados há duas décadas no
âmbito do Instituto Politécnico de Tomar, e que se têm vindo a con-
solidar no âmbito do Grupo de Quaternário e Pré-História do Centro
de Geociências, e mais recentemente do Instituto Terra e Memória em
Mação. Tais estudos tomam como foco o estudo tecnológico para abor-
dar as cadeias operatórias e as dinâmicas económicas na sua relação com
a inovação, as identidades e as dinâmicas comportamentais dos grupos
humanos (em relação às quais o contributo da antropologia e da etno-
-arqueologia é considerado essencial). O projecto, apoiando-se no estudo
desenvolvido sobre o complexo arqueológico Tupi-Guarani no Sul do
Brasil, retomou essa metodologia em contextos europeus, para abordar os
complexos arqueológicos associados aos inícios do agro-pastoralismo.
O seminário permitiu uma profícua discussão, de que os textos agora
publicados são um reflexo parcial, e que se revelou estruturante para
os avanços da pesquisa em Mação após 2009. Os dois primeiros textos
(de L. Oosterbeek e A. Soares) apresentam o quadro teórico em que
se desenvolvem estes estudos, a partir dos dois lados do Atlântico, con-
vergindo para um programa de pesquisa que, actualmente, é conjunto.
Os estudos de S. Scarcella (sobre a neolitização) e de D. Delfino (sobre
a Idade do Bronze da Ligúria), apresentam novas contribuições para a
caracterização das dinâmicas culturais na pré-história do Mediterrâneo,
com base nos estudos cerâmicos. O contributo de J. Cerezer, M. Neto e
P. Cura (experimentação e reconstrução de processos) apresenta o foco
do trabalho desenvolvido em Mação, que converge com preocupações
tecno-formais evidentes nos textos de G. Dragos (ergonomia), de M.
Sall (sobre contextos da Gâmbia) e de V. Fróis (sobre contextos de Cabo
Verde) por um lado, e com o foco analítico do estudo de J. Mungur-
-Medhi, C. Burbidge, I. Dias e J. Coroado.
O artigo de T. Miller e W. Rocha constitui um estudo etno-arqueo-
lógico que, desenvolvido em contexto totalmente separado, parte de
preocupações muito similares e reforça por isso o principal objectivo
do volume: contribuir para a integração de diversas vias de abordagem
da cerâmica.

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| Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo | Luiz Oosterbeek |

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| Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo | Luiz Oosterbeek |

Investigações sobre cerâmica


no Alto Ribatejo
LUIZ OOSTERBEEK

RESUMO: É apresentada a génese do estudo dos contextos cerâmicos na região, no contex-


to dos modelos interpretativos da expansão agro-pastoril, indicando-se algumas das actuais
perspectivas de pesquisa,

PALAVRAS-CHAVE: Cerâmica; Neolítico; Alto Ribatejo.

ABSTRACT: The genesis of ceramic contexts’ studies in the region is presented, within
the models on the agro.pastoral expansion, indicating some of the current research pers-
pectives.

KEy-WORDS: Ceramics; Neolithi; Alto Ribatejo.

A investigação sobre os processos de inovação tecnológica associa-


da aos primeiros contextos agro-pastoris e aos alvores da metalurgia
está, desde as origens, fortemente associada aos estudos da cerâmica, em
função da sua preservação (conservação em contextos ambientais mui-
to diversos e frequentemente adversos), da sua diversidade (de sentido
funcional, mas também estético) e da sua mutabilidade (determinada
pela combinação da sua fragilidade por um lado, que impõe regulares
substituições de objectos, com o efeito de “moda cultural” que atravessa
os grupos humanos). A cerâmica, nos últimos 150 anos, foi utilizada
como marcador crono-estratigráfico, como identificador cultural (“fós-
sil director”) e não raro como fundamento para especulações sobre as
cosmovisões dos grupos produtores (a partir da morfologia e padrões
decorativos dos objectos cerâmicos).
A história da investigação arqueológica no âmbito do Instituto Po-
litécnico de Tomar está estreitamente associada ao estudo da Neoliti-
zação do vale do Nabão (desde 1983), e mais tarde do Alto Ribatejo (a
partir do final dessa década), tendo a cerâmica sido estudada nos planos
morfológico e das técnicas de fabricação. Ao estudo da cerâmica está
associada a primeira discussão importante sobre a metodologia de estudo
dos contextos escavados: privilegiar essencialmente o contexto e a estra-
tigrafia ou seguir no essencial a sequenciação morfológica de cerâmicas
observada noutros contextos da península ibérica. O grupo de pesquisa
de Tomar, que estudava entre outras as Grutas do Cadaval e dos Ossos
no vale do Nabão, optou por privilegiar uma sequenciação contextual,
na qual a cerâmica, apesar de dominante em termos quantitativos, não
foi considerada determinante para o estabelecimento das sequências cul-
turais, que se apoiaram por um lado na estratigrafia e por outro lado nas
estruturas sepulcrais. Essa opção permitiu atribuir ao Neolítico antigo e
médio determinadas cerâmicas (camada D da Gruta do Cadaval) cujos

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| Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo | Luiz Oosterbeek |

padrões decorativos eram até então considerados mais tardios, atribuição


mais tarde confirmada pela cronologia de radiocarbono.
Entre 1983 (início da escavação da Gruta do Cadaval) e 1987 (pri-
meiras sínteses regionais), o objectivo fundamental da pesquisa foi a
identificação de uma sequência crono-cultural, que veio a sugerir que
após um impacto inicial associável à tradição neolítica do litoral no
Mediterrâneo ocidental (marcada pela presença de cerâmicas impressas,
cardiais ou não) terá ocorrido um isolamento progressivo das comuni-
dades estabelecidas no vale do Nabão, acompanhado de uma decadência
aparente da cerâmica (impressão gerada a partir da observação da friabili-
dade das cerâmicas mais tardias e da sua relativa pobreza decorativa).
É no contexto desta hipótese que, a partir de 1988, se foram desen-
volvendo sucessivos estudos macroscópicos de cerâmica, procurando
refinar métodos expeditos de caracterização. Neste plano, o estudo com-
parado dos resultados de análises baseadas na totalidade dos fragmentos,
apenas nos fragmentos com morfologias diagnósticas (bordos, asas, bases,
etc.), ou ainda nos recipientes inteiros ou de perfil inteiro, demonstrou
que as conclusões finais não divergiam qualitativamente, excepto quanto
à informação sobre as volumetrias (naturalmente apenas determinável no
último caso). Esta nova fase de estudos coincidiu, a partir de 1989 e até
1996, com o estudo de contextos megalíticos, e em particular da Anta 1
de Val da Laje (cujo numeroso acervo permitiu a realização de estudos
comparados com os contextos cársicos), e foi acompanhada das primeiras
análises laboratoriais. Ao mesmo tempo que os estudos de contexto e
de tecno-morfologia sugeriam a existência de duas tradições culturais,
as análises também indiciavam pela primeira vez contactos entre essas
tradições e entre contextos sepulcrais e habitacionais (no Calcolítico
final de cerâmicas campaniformes tardias).
Entre 1997 e 2004 o foco da investigação recentrou-se nos estu-
dos de estratigrafia e de tecnologia lítica, por um lado, e nas temáticas
decorativas e sua relação com a arte rupestre, por outro, mas a partir
de 2005 foi retomada a utilização de técnicas laboratoriais de análise e
classificação e de experimentação. Estes estudos consolidam o mode-
lo interpretativo que identificou duas tradições culturais na expansão
agro-pastoril no ocidente da Península Ibérica: costeira (onde pontuam
as cerâmicas impressas de dimensões médias) e interior-fluvial (onde
pontuam as cerâmicas lisas de reduzidas dimensões).
A experimentação e as reconstituições, actualmente em curso de
estudo, trarão novas perspectivas para a caracterização destas tradições,
seguindo a metodologia aplicada aos estudos de indústrias líticas. No
entanto, se a experimentação em tecnologia lítica permite compreender
a relação entre materiais, gestos e produtos, não devemos esquecer que
ela é do domínio essencialmente das transformações físicas. A cerâmica
é um domínio de transformações físicas e químicas, e resulta de cadeias
operatórias mais complexas (que incluem a própria indústria lítica, como
sugerem os estudos experimentais em Mação). Quais então os limites
interpretativos da experimentação? O que interrogamos, ou podemos
interrogar?
Na construção das formas cerâmicas, as soluções técnicas e as opções
estéticas conjugam-se. É possível construir metodologias de análise que
segreguem as duas dimensões, para a sua melhor compreensão? E como
normalizar nexos lógicos entre conjuntos cerâmicos distintos, especial-
mente em contextos com escassas evidências (fragmentos atípicos ou não
diagnósticos)?
Essas são algumas das interrogações que estruturam a pesquisa ac-
tual.

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| Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo | Luiz Oosterbeek |

Referências

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cas calcolíticas da Anta 1 de Val da Lage e do povoado do Maxial (Alto Ribatejo).
IN: Trabalhos de antropologia e etnologia. – Porto: Sociedade Portuguesa de
Antropologia e Etnologia. – Vol. 35, fasc. 3, pp. 531-547.
CRUZ, A. R., L. OOSTERBEEK. (1993). Artes Tradicionais: a cerâmica.
Contributo para uma metodologia de análise tecnomorfológica. IN: Boletim
Cultural da Câmara Municipal de Tomar, vol. 19, pp. 93-101.
CRUZ, A. R. (1997). Vale do Nabão: do Neolítico à Idade do Bronze. Tomar:
CEIPHAR col. ARKEOS, vol. 3.
CRUZ, A. R. (2002). Materiais arqueológicos: o povoado da Amoreira. IN:
Territórios, mobilidade e povoamento no Alto-Ribatejo. IV: Contextos macrolíticos /
coord. Ana Rosa Cruz, Luiz Oosterbeek. Tomar: CEIPHAR – Centro Europeu
de Investigação da Pré-História do Alto Ribatejo, pp. 111-205.
CRUZ, A.R. (2012). A Pré-História Recente no Vale do Baixo Zêzere. Tomar:
CEIPHAR, col. ARKEOS, vol. 30.
DREWETT, P., L. OOSTERBEEK, A. R. CRUZ, P. FÉLIX. (1992). Anta 1
de Val da Laje 1989/90 – The excavation of a passage grave at Tomar (Portugal).
Bulletin of the Institute of Archaeology London.
FUyING, P. (2008). Contribution to ceramics studies of the Alto Ribatejo
(Gruta do Cadaval and Anta 1 de Val da Laje, Tomar, Portugal). IN: Museologia
scientifica e naturalista, a cura di Cecilia Buonsanto, Marta Arzarello, Carlo Pere-
tto. – Ferrara: Università degli Studi di Ferrara, pp. 71-76.
OOSTERBEEK, L. M. (1985). A Facies Megalítica da Gruta do Cadaval (To-
mar). IN: Actas da 1.ª Reunião do Quaternáro Ibérico., vol.II. Lisboa, Instituto
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OOSTERBEEK, L. (1992). Habitat et territoires dans la Préhistoire récente dans
le Haut-Ribatejo (Portugal). IN: Mediterrâneo, vol. 1, pp. 79-93.
OOSTERBEEK, L. (1993). Nossa Senhora das Lapas – excavation of Prehistoric
cave burials in Central Portugal. IN: Papers of the Institute of Archaeology, vol. 4,
pp. 49-62.
OOSTERBEEK, L. (1995). Megalitismo e Necropolizaçao no Alto Ribatejo – o
III.º milénio. O Megalitismo no Centro de Portugal. Actas do Seminário. Mangualde,
Centro de Estudos Pré-Históricos da Beira Alta, pp. 137-49.
OOSTERBEEK, L. (1995). O Neolítico e o Calcolítico da Região do vale do
Nabão. IN: M.Kunst (coord.) Origens, Estruturas e Relações das Culturas Calcolíticas
da Península Ibérica. Actas das I Jornadas Arqueológicas de Torres Vedras, 3-5 Abril
1987. Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueoló-
gico, pp. 101-111.
OOSTERBEEK, L. (1995). Tecnologia, Economia e Simbolismo no Neolítico
Antigo do Alto Ribatejo – aspectos de renovação, interacção e convergência.
IN: TECHNE-Revista da Arqueojovem, n.º 1, pp. 50-59.
OOSTERBEEK, L. (1997). Echoes from the East: late prehistory of the North Riba-
tejo, Tomar, CEIPHAR, col. ARKEOS, vol. 2.
OOSTERBEEK, L. (2000), Continuidade e descontinuidade na pré-história
– estatuto epistemológico da Arqueologia e da Pré-História, IN: Trabalhos de
Antropologia e Etnologia 40 (3-4), Porto, Sociedade Portuguesa de Antropologia
e Etnologia, pp. 51-74.
OOSTERBEEK, L. (2001). Stones, carvings, foragers and farmers in the South-
west of Europe. A view from the inland, IN: Prehistoria 2000, UISPP, pp.
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OOSTERBEEK, L. (2003), Megaliths in Portugal: the western network revisi-
ted, IN: Göran Burenhult (ed.), Stones and Bones. Formal disposal of the dead in
Atlantic Europe during the Mesolithic-Neolithic interface 6000-3000 BC, Oxford,
BAR-International Series 1201, pp. 27-37.

| ARKEOS 31 | 15 | ESTUDOS DE TECNOLOGIA CERÂMICA |


| Investigações sobre cerâmica no Alto Ribatejo | Luiz Oosterbeek |

OOSTERBEEK, L. (2004). Archaeographic and conceptual advances in in-


terpreting Iberian Neolithisation, IN: Documenta Praehistorica XXXI, Ljubljana,
pp. 83-87.
OOSTERBEEK, L., A. R. CRUZ. (1992). O rio Nabão há 4000 anos. O
Povoado da Fonte Quente e o mais antigo povoamento no vale do Nabão. IN:
Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar, vol. 17, pp. 27-42.
ZORZ, A. (2008). Neolithic idols in megalithic structures in the Iberian Penin-
sula: a symbolic review regarding shape, ornament and raw material. IN: Arte
rupestre do Vale do Tejo e outros estudos de arte pré-histórica, coord. Luiz Oosterbeek,
Cris Buco. Tomar: CEIPHAR – Centro Europeu de Investigação da Pré-His-
tória do Alto Ribatejo, pp. 31-72.

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Abordagem de arqueometria para
inferências sobre organização social
ANDRÉ LUÍS RAMOS SOARES

RESUMO: Este artigo trata de uma abordagem arqueométrica realizada sobre cerâmica
arqueológica Guarani na região central do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Durante
as escavações do sítio RS-JC-57, sítio Wilmöth Röpke, no município de Ibarama, Rio
Grande do Sul, Brasil, A partir das análises de assinaturas químicas realizadas sobre frag-
mentos cerâmicos, buscamos estabelecer uma proposta a partir da organização social dos
índios Guaranis que permitam uma abordagem social para explicar a variedade de diferentes
tipos de componentes da pasta que remetem a distintos locais de extração de argila, uso
de antiplásticos, etc.

PALAVRAS-CHAVE: Arqueometria; arqueologia guarani; cerâmica.

ABSTRACT: This paper talk about a archaeometric approach in arqueological Guarani


sherds in the central Rio Grande do Sul state Brazil, find during the excavations of the
site RS-JC-57, site Wilmoth Röpke,at Ibarama city, Rio Grande do Sul, Brazil, Based on
the analyzes performed on chemical signatures of ceramic fragments, we seek to establish
a proposal from the social organization of Indians Guarani enabling a social approach to
explain the variety of different components of the folder that refer to different sites of clay
extraction, use of no-plastic, etc.

KEyWORDS: Archaeometry; Ceramics; Archaeology Guarani; Pottery.

Introdução
O sítio arqueológico estudado encontra-se no município de Ibara-
ma, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, na área hoje inundada pela
formação do lago da usina hidrelétrica de Dona Francisca. A localização
do sítio, em coordenadas geográficas UTM, são as seguintes:
Coordenadas do centro do sitio e extremidades, a partir de Mercator
(UTM): N = 6.740.538,112; E = 279.151,293, N = 6.740.443,634, E
= 279.045,299; N = 6.740.476,532 E = 279.152,497.
A escavação foi realizada em duas áreas contíguas, consideradas
anteriormente como dois sítios arqueológicos, os sítios RS-JC-56 e
RS-JC-57, que na verdade correspondem a uma área de ocupação e um
local de descarte de material a beira do rio Jacuí (SOARES, 2005). Para
melhor compreender, as áreas escavadas foram as seguintes:

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| Abordagem de arqueometria para inferências sobre organização social | André Luís Ramos Soares |

DESENHO 1. Perfil
do local do sítio, com
a barranca do sítio à
esquerda. O croqui
original está publicado
em Schmitz, Rogge e
Arnt (2000, p. 207),
modificado por Soares
(2005, p. 40)

Da escavação realizada para retificação do talude e da área da várzea


foram escavados fragmentos cerâmicos, líticos, material ósseo, além de
amostras de sedimentos para análise de solo e de micro-vestígios (infe-
riores a 2 mm). A escavação permitiu o resgate de mais de cinco mil
artefatos, sendo dois mil novecentos e vinte e sete plotados individual-
mente nos setores. Este número ainda não representa a totalidade dos
artefatos, visto que as concentrações de cerâmica ou de material lítico
eram tombadas com o mesmo número de registro, no livro da escavação.
Foram coletados, além do material lítico e cerâmico, ossos e restos vege-
tais que aguardam análise em detalhe. Além disso, foram registradas, em
desenhos, as estratigrafias das áreas escavadas e do entorno do sítio.
O Conjunto cerâmico permitiu uma série de abordagens arqueomé-
tricas, como reconstituição de formas, e função, análise de antiplástico,
de tratamento de superfície, de decoração, de estabelecimento de rela-
ções já conhecidas (como espessura do fragmento e dimensão aproxi-
mada da vasilha, por exemplo).

Cerâmica e arqueometria

A cerâmica, segundo a Terminologia (1976), consiste em “artesanato


de barro queimado, com forma específica, como vasilhas ou potes”.
Porém, ao contrário do conceito de decoração tratada na mesma obra,
acredita-se que se pode dividir tratamento de superfície de decoração.
Na Terminologia (1976, p. 129), decoração plástica é “qualquer técnica
de decoração que implica em modificações da superfície da cerâmica:
corrugada, escovada, aplicada etc.” O tratamento de superfície ou aca-
bamento pode substituir o termo decoração, conforme adotado por
Brochado e La Salvia (1989, p. 111 et seq.). Desta forma, corrugado
não pode ser considerado decoração, pois se trata de técnica de con-
fecção por roletes, sem trabalho posterior. Em contrapartida, os outros

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| Abordagem de arqueometria para inferências sobre organização social | André Luís Ramos Soares |

elementos presentes na superfície cerâmica Guarani (ungulado, escova-


do, pintado e liso) são elaborados a partir da junção de roletes um após
outro, que configura o corrugado.
As formas usuais das vasilhas arqueológicas Guaranis foram detec-
tadas há longo tempo, seja pela relação direta com as coleções de vasilhas
inteiras depositadas em museus, seja pela reconstituição das formas, já
avançadas na pesquisa brasileira. Em estudos voltados as coleções de
fragmentos, identificou-se seis categorias mais comuns de vasilhas: As
panelas, as tigelas ou caçarolas, talhas, tigelas de beber, pratos e tosta-
dores. Outras formas podem ser identificadas, mas que, grosso modo,
podem ser enquadradas nestes grupos.

Panelas

As panelas são “vasilhas usadas para a preparação de alimentos por


fervura sobre o fogo” (BROCHADO e MONTICELLI, 1994, p. 109),
têm base conoidal ou arredondada, paredes infletidas, bojo marcado e
borda côncava, vertical ou inclinada para fora. Nesta categoria existem
146 bordas de panelas, todas corrugadas, em uma associação direta entre
preparação de alimentos e tratamento de superfície.
Deve-se salientar que a categoria “urna funerária” é uma “recicla-
gem” da vasilha, não existindo, no conjunto de vasilhas arqueológicas
atribuídas aos antepassados dos Guaranis, nenhuma forma específica que
tenha uso exclusivo como local de enterramento.
As bordas de panelas registradas no sítio possuem dimensões que va-
riam de 10 a 60 cm de diâmetro de boca. Considerando a maior e menor
medidas registradas (10 e 60), a medida intermediária é 35 cm, o que pode
ser atribuída como média aritmética deste conjunto. Porém, ao comparar-
-se a média aritmética com as medidas de diâmetro de boca, percebe-se
que há poucos exemplares de bordas neste tamanho. Optou-se, assim,
por considerar a média a partir da popularidade de cada diâmetro, ou seja,
quais as medidas que aparecem mais na categoria funcional.
Sendo assim, acredita-se que uma classificação pertinente seria di-
vidir o conjunto segundo a funcionalidade, dividindo as vasilhas nas
dimensões pequenas (10 a 15 cm), médias (16 a 28 cm), grandes (30 a
50 cm) e muito grandes (acima de 50 cm). Novamente coloca-se que
este critério de divisão é aleatório, mas que considera, sobretudo, a
popularidade dos diâmetros encontrados. Considerou-se, além da fun-
cionalidade e o diâmetro de boca das vasilhas, a realidade a partir das
coleções inteiras para uma melhor distribuição das dimensões.
A maior quantidade de fragmentos de bordas é de tamanho médio,
o que permite pensar que a habitação era composta por poucas famílias
nucleares neste sítio. Esta linha de pensamento surge na medida em
que, considerando o espaço de habitação como local das refeições (pelo
número de fragmentos cerâmicos presentes nas fogueiras), vasilhas de
maiores dimensões seriam utilizadas para um número maior de pessoas
e vice-versa. Esta linha de raciocínio é prontamente interrompida caso
as refeições acontecessem fora do espaço doméstico, mas a área de esca-
vação não permite nenhuma inferência neste sentido.
Ao mesmo tempo, a quantidade de vasilhas médias, considerando
que estes fragmentos referem-se ao local da escavação, permitem in-
ferir que, no momento do abandono, o total de panelas era composto
por um conjunto aproximado de três panelas médias para cada panela
grande ou pequena (1:3:1). Esta proporção reforça a idéia de um grupo
de pessoas que convivem em uma mesma habitação, hipoteticamente
falando, talvez uma família extensa composta por duas ou três famílias

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nucleares. Neste trabalho, propõe-se que cada família nuclear poderia


ser composta por quatro a seis pessoas, em virtude do total das vasilhas
dentro de cada categoria funcional.

Tigelas

As tigelas ou caçarolas são vasilhas que “tinham uma forma tronco-


cônica, com bordas diretas, contínuas com a parede, aproximadamente
vertical ou inclinada para fora e base aplanada ou levemente arredon-
dada” (BROCHADO e MONTICELLI, 1994, p. 112). A borda pode-
ria ser também levemente infletida, e sua função seria cozinhar alimentos
por fervura sobre o fogo. A maioria das tigelas possui tratamento de
superfície corrugado ou corrugado-ungulado.
Segundo Brochado e Monticelli (1994) o diâmetro de boca médio das
caçarolas variam de 30 a 48 cm. Neste caso, foram encontradas tigelas me-
nores e maiores (de 8 a 66 cm). Sendo assim, poder-se-ia também dividir
as tigelas em muito pequenas (8-10 cm), pequenas (12 a 20 cm), médias
(22 a 34 cm) e grandes (de 36 a 66 cm). Novamente coloca-se que este cri-
tério de divisão é aleatório, mas que considera, sobretudo, a popularidade
dos diâmetros encontrados. Neste caso, a média numérica seria de 37 cm,
porém este diâmetro é pouco freqüente no conjunto estudado.
Considerou-se a funcionalidade e o diâmetro de boca das vasilhas para
uma melhor distribuição das dimensões. Assim, se modificados os critérios
de classificação segundo somente as medidas do diâmetro, pode-se recair
em outros erros que desconsideram o conjunto total dos fragmentos de
borda estudados, bem como as coleções inteiras deste tipo de vasilhame.
Partindo do pressuposto que essa distribuição está correta, imagina-se
que as tigelas muito pequenas e pequenas poderiam servir como pratos
para servir ensopados individuais, enquanto os médios e grandes serviriam
tanto para cozinhar como para consumir alimentos em refeições coletivas.
Da mesma forma, é possível que o número de fragmentos, neste caso, não
corresponda à totalidade das vasilhas em uso na ocasião de abandono do
sítio. Por outro lado, a utilização constante deste tipo de vasilhas poderia
exigir uma reposição constante que, durante a ocupação do sítio, não
estariam sendo usadas concomitantemente. De qualquer forma, o predo-
mínio de tigelas de tamanho médio sugere a ocupação por um grupo não
muito grande, conforme o número de fogueiras e as concentrações dos
diversos testemunhos, como será apresentado adiante. Uma hipótese de
trabalho seria um número em torno de, talvez, três famílias nucleares, ou
aproximadamente dezoito pessoas ou um pouco mais.

Talhas

As talhas são as vasilhas utilizadas para conter líquidos, geralmen-


te pintadas e de grandes dimensões. Embora seu uso secundário seja
como urna funerária, inicialmente deveria ser feita para conter água ou
fermentar as bebidas alcoólicas. Estas jarras têm contorno complexo,
segmentado, com vários pontos de ângulo, sendo o mais baixo deles
correspondente à cintura e, geralmente, ao diâmetro máximo da va-
silha. Normalmente, a cintura é situada acima da metade da altura da
vasilha. Os pontos de ângulo formam carenas ou “ombros”, que podem
ser repetidos desde a cintura até a boca. O perfil da boca geralmente é
voltado para dentro, cambado, introvertido. Raramente aparecem perfis
de borda voltados para fora, exceto em talhas com forma de panelas, que
se diferenciam pela pintura externa.

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As talhas geralmente são pintadas externamente, e seus ombros po-


dem conter diversas pinturas diferentes, de acordo com os pontos de ân-
gulo. Em geral, os ombros são visíveis e divididos por pontos em ângulo
acentuado que “marcam” o limite de cada faixa de pintura. Na maioria
dos casos, uma linha vermelha é pintada sobre o ângulo, sendo que, em
outros, a pintura vermelha pode ocupar toda a faixa (Foto 04).
No caso do sítio em estudo, as bordas de talhas estão em número
reduzido, com as seguintes dimensões: uma borda com 24 cm de diâ-
metro, uma borda com 38 cm de diâmetro, uma borda com 48 cm de
diâmetro e uma com diâmetro de boca impossível de reconstituição.

Tigelas de beber

As tigelas de beber são os recipientes que, morfologicamente, se


assemelham às tigelas de cozinhar. Segundo Brochado, Monticelli e
Neumann (1990) são:
“tigelas conoidais de contorno simples, abertas ou levemente restringi-
das. 2. Tigelas independentes, restringidas, de contorno infletido. 3. Tigelas
abertas e levemente restringidas, de contorno composto ou complexo, com
um ponto de ângulo marcando a junção da base conoidal com a borda
convexa, reta ou côncava. 4. Tigelas independentes, levemente restringi-
das, de contorno complexo, com dois pontos de ângulo, o mais alto deles
reentrante, na base de uma borda mais ou menos elaborada. (…) As formas
mais simples são usualmente lisas, corrugadas ou unguladas; menos freqüen-
temente pintadas internamente; as formas mais complexas são usualmente
pintadas externamente.”
No sítio em questão, as formas mais freqüentes são as formas 1, 3 e
4, das quais se realizam algumas observações. Como se trata de um con-
junto pequeno de bordas (81 bordas) diferentes entre si, pode-se inferir
algumas constantes neste conjunto.
As tigelas de contorno complexo, com ponto de ângulo formando
carena, possuem pintura externa. As bordas são verticais ou levemente
infletidas, tendo os lábios verticais ou extrovertidos. A base raramente
é esférica, sendo, em geral, conoidal, aplanada, pouco profunda. Como
o ponto de ângulo é geralmente acentuado, a vasilha torna-se restrin-
gida.
As tigelas de contorno simples, ao contrário, têm pintura interna,
geralmente vermelha, mas com alguns exemplares de pintura vermelha
sobre o branco. A base é em forma de meia esfera, e a vasilha é aberta
e funda.
Embora se acredita que analogia etnográfica utilizada por Brochado,
Monticelli e Neumann (1990) e Brochado e Monticelli (1994) seja de
grande utilidade, a reconstrução das vasilhas a partir das bordas, no caso
das tigelas de beber, fica bastante limitada por este fator, até agora não
colocado por aqueles autores. Mesmo que sejam classificados na mesma
categoria funcional (tigela de beber), os contornos das tigelas simples e
complexas são diferentes no tocante as reconstruções,1 de forma que se 1
Como exemplo, cita-
entende que as reconstruções gráficas só poderiam ser realizadas me- -se o trabalho de Carle
(2002, p. 145 et seq.),
diante a comparação com vasilhas inteiras da mesma região. no qual a reconstrução
Brochado, Monticelli e Neumann (1990) apresentam as medidas das tigelas de beber
médias paras as tigelas de beber entre 12 e 34 cm. Neste caso, as vasilhas (com pontos de ângulo)
variam de 10 a 46 cm. Desta forma, e considerando que estas vasilhas são assume formas que não
existem no universo
destinadas ao consumo de alimentos, acredita-se que o conjunto pode das vasilhas inteiras.
ser dividido em vasilhas pequenas (10 a 16 cm), médias (18 a 26 cm),
grandes (28 a 34 cm) e muito grandes (acima de 36 cm).

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Considerando que o uso destas tigelas está associado ao consumo de


alimentos (uma vez que é consensual que as vasilhas pintadas não vão
ao fogo), supõe-se que, sendo a maioria das tigelas de beber de tamanho
médio, seguido pelas pequenas, a ocupação desta habitação se deu por
um número limitado de pessoas. Ao mesmo tempo, o número de frag-
mentos que corresponderiam a tigelas grandes e muito grandes é inferior
aos fragmentos de vasilhas pequenas, o que confirmaria a hipótese de
que se está tratando de um grupo com poucas pessoas, ou não haveria
atividade social que justificasse o beber coletivamente.
Por outro lado, as dimensões muito pequenas e muito grandes de
cada categoria funcional colocam em cheque sua verdadeira utilização.
Geralmente classificadas como miniaturas, acredita-se que seja possível
realizar uma revisão das classes funcionais de acordo com os conjuntos
existentes em cada sítio, até que se possam redefinir parâmetros de in-
ferência para estes usos. Assim, acredita-se que uma vasilha de 8 cm de
diâmetro muito dificilmente fora utilizada para consumo de bebidas, a
menos que se tenham dados mais concretos sobre a confecção deste tipo
de artefatos por crianças ou com fins específicos, que as análises atuais
não permitem inferir. Da mesma forma, as tigelas com 46 cm de diâme-
tro podem (e talvez devam) ser repensadas como local de fermentação
e guarda de bebidas, tanto como as talhas, em face de suas dimensões.
Estas questões só poderão ser mais bem esclarecidas à medida que novas
habitações forem escavadas em grandes superfícies, ao mesmo tempo em
que apresentem seus testemunhos suficientemente conservados para a
inferência do uso dos espaços.

Pratos

Os pratos de comer, segundo Brochado, Monticelli e Neumann (1990),


“têm base arredondada, borda direta ou côncava, inclinada para fora”.
Pode-se dizer ainda que são rasos, pois, ao contrário, seriam classificados
como tigelas. Os pratos apresentam tanto o tratamento de superfície corru-
gado e corrugado-ungulado como as decorações lisa e ungulada (Foto
28). O diâmetro, segundo os autores supracitados seria entre 12 e 34 cm.
Neste estudo de caso, encontraram-se vasilhas desde 12 até 40 cm de boca.
Da mesma forma que tigelas de beber, poder-se-ia classificar os pratos em
pequenos (12 a 16 cm), médios (18 a 24 cm) e grandes (26 a 40 cm).
A análise da quantidade de fragmentos de borda de pratos sugere que
as refeições ocorriam em maior quantidade em pratos de porte médio,
uma vez que a soma entre as vasilhas pequenas e grandes é igual ao
número de vasilhas médias. Também parece que, segundo este critério
de separação, as refeições deveriam ser coletivas, uma vez que os pratos
médios e grandes serviriam a refeições comunais. Em contrapartida,
parece que as atividades sociais eram raras ou pouco freqüentes, pois
tanto os pratos como as tigelas de beber de tamanho grande são escassas.
Tampouco as panelas e as tigelas de cozinhar apresentam uma quanti-
dade significativa de vasilhas de porte grande.
Outra questão peculiar acontece com a classificação de pratos. A
diferenciação entre pratos e tigelas ocorre principalmente em função da
profundidade, uma vez que os diâmetros grandes (nas tigelas, acima de
36 cm e, nos pratos, acima de 26 cm) poderiam confundir as respectivas
classificações. Em seu trabalho, ainda inédito, Jacobus trata a questão da
seguinte forma:
Propomos que estas relações sejam definidas dividindo a vasilha em
três partes, no sentido horizontal para a profundidade, e no sentido vertical

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para a abertura. Assim teremos vasilhas fundas quando suas alturas forem
maiores ou iguais a dois terços de seus diâmetros máximos, cujos índices
serão maiores ou iguais a 0,7 (de 0,66). De outro modo teremos vasilhas
rasas quando suas alturas forem menores ou iguais do que um terço de seus
diâmetros máximos, cujos índices serão menores ou iguais a 0,3 (de 0,33).
Aquelas que apresentarem índice maior do que 0,3 e menor do que 0,7 serão
de profundidade mediana. (…) Entre as ñaetá (tigelas, nota do autor) e as
ñaembé (pratos, nda) a distinção se fez pela profundidade, predominando as
medianas para as primeiras e as rasas para as segundas.
Sendo assim, a classificação em pratos ou tigelas seguiu este critério,
ou seja, da inclinação do perfil da borda em relação ao sentido horizontal
do diâmetro de boca. Mesmo assim, uma vez que se está tratando de
fragmentos de borda, registra-se a dificuldade de classificação e o escla-
recimento nos critérios aqui utilizados.
A distribuição dos artefatos no espaço e a preposição de inferências
para organização social
A distribuição dos fragmentos cerâmicos em todos os setores demons-
tra a dispersão destes ao longo de toda a área escavada (as grandes áreas em
branco nos setores V e VI devem-se à manutenção de blocos testemunho
que não foram escavados pelas equipes) (ver gráficos 01 e 02).

GRáFICO 1.
Dispersão de todos os
fragmentos cerâmicos
do setor 1.

GRáFICO 2.
Dispersão de todos os
fragmentos cerâmicos
dos setores III a VI.

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Percebeu-se que ações pós-deposicionais deslocaram diversas peças


cerâmicas, uma vez que diversos fragmentos foram possíveis de serem
reconstituídos. No entanto, se no Setor 1 a proximidade das peças reflete
uma pequena perturbação ou movimentação de peças, nos Setores III
a VI os fragmentos colados que pertencem a mesma peça foram deslo-
cados, em certos casos, a alguns metros uns dos outros (gráfico 03).

GRáFICO 3.
Dispersão da
cerâmica que
encontrava-se
fragmentada e
cujas peças foram
reconstituídas nos
setores III a VI.

A forma proposta para avaliar a funcionalidade das áreas em relação


à cerâmica passa diretamente pela funcionalidade das próprias vasilhas,
como estabelecido por Brochado e alunos (BROCHADO, MONTI-
CELLI e NEUMAN, 1990; BROCHADO e MONTICELLI, 1994).
Assim, a distribuição das vasilhas conforme a função acentuará as áreas
nos quais a preparação e o consumo dos alimentos era realizado.
Uma análise funcional a partir do tratamento de superfície coloca em
questão uma das propostas deste artigo: de que os diferentes acabamentos
das vasilhas são utilizados em funções específicas, a saber: o corrugado
e suas variações (tipos de corrugado e corrugado-ungulado) estão asso-
ciados a vasilhas que preparam alimentos sobre o fogo, com função
de cozinhar, assar, ferver, fritar e respectivas variações (por exemplo,
cozinhar alimentos em que o resultado final é ensopado ou cozido).
As bordas corrugadas e variantes estão em áreas coincidentes com as
2
As bordas corrugadas- fogueiras ou fogões.
-unguladas de panelas Notadamente, o corrugado é utilizado em vasilhas que têm a função
têm os seguintes diâme- de preparação de alimentos:
tros de boca: 22, 20, 15 – No caso das panelas, das 156 bordas, 151 são corrugadas e somente
e 11 cm. Uma delas foi
impossível de verificar cinco corrugada-unguladas2. A distribuição das panelas encontra-
o diâmetro. -se nos Gráficos 04 e 05;

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GRáFICO 4.
Dispersão dos
fragmentos de borda
de panelas no Setor
1. Observe-se que
todas as dimensões
estão presentes,
contribuindo para
a hipótese de uma
família nuclear.

GRáFICO 5.
Dispersão dos
fragmentos de borda
de panelas nos setores
III a VI. Nas elipses,
todas as dimensões
estão presentes,
contribuindo para
a hipótese de duas
famílias nucleares.

O gráfico de distribuição das outras categorias de cerâmica seguem


o mesmo padrão, sendo a exceção que confirma a regra os pratos (20
ao total) que possuem tratamento de superfície corrugado, ficando em
aberto seu uso sobre o fogo.
Considerando-se agora a questão estritamente funcional, a distri-
buição das vasilhas conforme a função e a dimensão que possuem per-
mite algumas hipóteses de trabalho que devem ser levantadas.
Existem três áreas de concentração de vasilhas. Isto pode ser observado
nos Gráficos de distribuição de recipientes separados por funcionalidade,
sendo aqui usado o exemplo das panelas (acima, Gráficos 04 e 05). Em
especial, acredita-se que as categorias funcionais possam ser separadas con- 3
La Salvia e Brochado
siderando o conjunto de vasilhas da mesma classe; assim, supõe-se que: (1989, p. 123) colocam
a questão da seguinte
– Vasilhas de dimensões diferentes (mas mesma função) podem per- forma: “Nenhuma cul-
tencer a um mesmo “conjunto”, ou tralha pertencente a um gru- tura conhecida possui,
po doméstico, no qual cada recipiente é adequado a uma função ao mesmo tempo, um
específica;3 número muito grande
de vasilhas diferentes,
– Vasilhas de categorias diferentes, mas espacialmente próximas en- uma vez que os usos
tre si, podem pertencer a um mesmo “conjunto”, delimitando a que são destinados e
fisicamente a área dos usuários (do fogo, fogueira ou fogão); pela própria discrimi-
– Agrupamentos de vasilhas de função e dimensão diferentes podem nação cultural, devem
ser limitados dentre
definir grupos de afinidade (ou parentesco), considerando a distri- uma infinidade de usos
buição dos conjuntos. possíveis.”

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Esta proposta é apresentada em virtude de ser possível visualizar,


através da dispersão das bordas, algumas constantes na distribuição dos
artefatos, mesmo considerando os efeitos pós-deposicionais que atuaram
no sítio. Estas constantes são as concentrações dos fragmentos de bordas,
sejam consideradas a função ou o diâmetro de boca das vasilhas, somada
à concentração dos outros testemunhos disponíveis.
Desta forma, associam-se os seguintes fatores:
– A hipotética delimitação de áreas de circulação, considerando a
distribuição geral da totalidade dos artefatos (Gráficos 04 e 05);
– Nas áreas delimitadas nos Gráficos 04 e 05 é possível observar que
os agrupamentos concentram fragmentos de bordas com todas as
funções existentes (como panelas, tigelas, pratos etc.), bem como
as dimensões arbitrariamente separadas (cada área possui todas as
funções nas dimensões pequeno, médio e grande – ou muito gran-
de – quando é o caso).

Desta forma, propõe-se que, face aos conjuntos de elementos elen-


cados até aqui, seja possível propor uma residência composta por três
famílias nucleares, com números aproximados entre quatro e oito mora-
dores em cada núcleo. Esta “proposta de demografia” é colocada com
base nas dimensões das vasilhas (número de vasilhames pequenos, mé-
dios e grandes) e no número de exemplares de cada tipo (número de
bordas de tigelas, pratos e panelas). Reitera-se que esta proposta refere-se
ao uso do espaço doméstico, estritamente dentro da habitação, pois a
área escavada fora do NSA não permite a definição de áreas de atividade
fora da moradia.
Isto pode ser confirmado pela distribuição das “manchas escuras”,
ou NSA, que estão sobrepostas às áreas de concentração de material.
Ao mesmo tempo, a observação da quantidade de bordas e dimensões
das vasilhas reconstituídas permite sugerir uma hipótese demográfica, a
partir da seguinte proposta de interpretação, cruzando a categoria das
vasilhas, suas dimensões e localização no setor:
A distribuição destes fragmentos de bordas leva a crer que a concen-
tração dos setores III e V possuem praticamente o dobro de fragmentos
de borda de panelas da dos setores IV e VI, o que poderia sugerir outras
duas famílias nucleares, com número de pessoas distintos. Esta hipótese
será reforçada na análise das outras categorias de vasilhas, como será
visto a seguir.
Seguindo a mesma linha de raciocínio anterior, ter-se-á, hipotetica-
mente, duas famílias nucleares nestes setores, uma maior que a outra, e,
se houver proporcionalidade entre as vasilhas e seus usuários, poder-se-ia
pensar que uma possui o dobro de indivíduos que outra. No mesmo
pensamento, o número de ocupantes do espaço habitacional do setor 1
seria numericamente semelhante aos ocupantes da área entre os setores
IV e VI, mas praticamente com a metade das pessoas que utilizavam as
vasilhas dos setores III e V. Mais uma vez ressalta-se que esta linha de
raciocínio só é possível se os moradores utilizassem este espaço como
centro de suas atividades diárias, caso contrário estas estimativas não
possuem qualquer valor interpretativo.
Ainda assim, é interessante observar as dimensões dos diâmetros de
boca registrados: as talhas com diâmetro de 38 e 48 cm estão próximas
à concentração dos setores III e V, ao passo que a borda de 24 cm de
diâmetro de boca encontra-se na área de concentração dos setores IV e
VI. Considerando que, conforme proposto acima, haveria três famílias
nucleares ocupando este espaço habitacional, a distribuição de vasilhas
cerâmicas permite supor que, além da demografia aproximada de cada
família nuclear, pode-se sugerir a importância social que cada uma de-

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las ocupa nesta habitação, caso se parta do princípio de que as vasilhas


pintadas, tais como as tigelas de beber e as talhas, deveriam ser utilizadas
em ocasiões específicas.
Outro elemento que corrobora nossa análise é a distância entre os
testemunhos negativos, evidências de esteios ou postes de sustentação,
ao qual refere-se a uma habitação de dimensões médias, com aproxi-
madamente 120 m2 (considerando as dimensões colocadas por BRO-
CHADO, 1971, ver Soares, 2005), ou seja, com um comprimento de,
pelo menos, 16 m e, aproximadamente, 8 m de largura, considerando a
dispersão dos testemunhos.
Outra proposta de aproximação demográfica para os sítios do médio
e alto rio Jacuí encontra-se em Klamt (1996b, p. 8), que considera a
estimativa aproximativa, pois “se pode fazer somente uma ‘aproximação’
do número de habitantes de um dado sítio arqueológico e não estipular
seu número exato”, partindo do princípio que cada “mancha preta”
refere-se a uma habitação.
O autor aplica as fórmulas de aproximação demográfica de Cook
(1972, apud KLAMT, 1996) e Casselberry (1974, apud KLAMT, 1996),
pois, segundo estes autores, o número de habitantes é “igual a 1/6 da
área do piso medida em metros quadrados” (para Casselberry). Já Cook
conclui que “os primeiros habitantes ocupariam uma área de 13,92 m2 e,
para cada adicional se precisaria mais 9,29 m2” (KLAMT, 1996, p. 7).
Neste sentido, Klamt (1996b) calcula que, para o vale em questão,
seguindo as medidas das “manchas pretas”, o número mínimo para cada
habitação seria de 8 e, no máximo, 116 habitantes (segundo a fórmula de
Casselberry) ou o mínimo de 10 e máximo de 80 pessoas por habitação
(segundo a fórmula de Cook, em KLAMT, 1996b).
Se forem consideradas ambas as fórmulas e a medida de 120 m2
para esta habitação, conforme a área escavada, ter-se-ia, segundo Cassel-
berry (1974 apud KLAMT, 1996b), 20 habitantes e, segundo Cook
(1972 apud KLAMT, 1996b), entre 17 e 18 habitantes. Desta forma, e
considerando somente o espaço escavado como uma “mancha preta”,
infere-se que o número de habitantes desta residência poderia oscilar
entre dezessete e vinte pessoas, número este coerente com a proposta
apresentada a partir dos outros testemunhos acima arrolados.
Sendo assim, acredita-se que a distribuição dos diversos testemunhos
permite inferir não somente a espacialidade de cada um dos elementos
que compõem cada categoria de testemunho, mas, principalmente, su-
gerir, com alguma segurança, a respeito da demografia, uso do espaço
doméstico, local de confecção e distribuição dos artefatos, além da im-
portância social dos moradores desta habitação.

Conclusão

A análise da cerâmica sob o ponto de vista da quantificação, em cru-


zamento com o estabelecimento das formas e dimensões, associados a sua
distribuição, permitem a inferência de hipóteses de trabalho para a ocu-
pação e uso social do local. Neste artigo, de forma limitada, propomos
que o cruzamento de todos estes dados são indicadores do uso do espaço,
tamanho do grupamento, bem como demografia e organização social.
Ademais, outros trabalhos podem ser verificados a partir do cruzamento
destes critérios em outros sítios escavados sob a mesma metodologia.

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Bibliografia

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BROCHADO, J. P. MONTICELLI, G.; NEUMANN, E. dos S. Analogia
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Porto Alegre, n.º 140, p. 727-743, 1990.
CARLE, M. B. Investigação arqueológica em Rio Grande: uma proposta da
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Cadernos de Arqueologia. Ano 1, n.º 1, 1976. Universidade Federal do Paraná,
Paranaguá, 1976.

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A new Perspective in the Study of
Ceramic Decoration
SIMONA SCARCELLA

ABSTRACT: The chaîne opératoire concept has the aim to study the ceramic production in
a technological perspective. In this paper I proposed to extend this concept for the study
of the decorative process too. The phases of the decorative chaîne opératoire are illustrated,
as the methodological approaches applied to their analysis.

KEy-WORDS: Chaîne opératoire; pottery; decoration.

RESUMO: O conceito de cadeia operatória tem como objetivo estudar a produção cerâmica
numa perspectiva tecnológica. Neste artigo proponho o alargamento do conceito para o
estudo do processo decorativo também. São ilustradas as fases da cadeia operatória decorativa,
bem como as abordagens metodológicas aplicadas na são análise.

PALAVRAS-CHAVE: Cadeia operatória; cerâmica; decoração.

I. Introduction
Description of artefacts, in particular ceramic and lithic, has always
been a considerable goal in an archaeological research because only
through the definition of their characteristics it is possible to better de-
fine social and economic factors of pre and protohistoric cultures.
Nevertheless, in the history of archaeology different approaches
have interested the study of ceramic and lithic finding. The typological
approach, based both on the classification and on grouping of similar
elements, has played an important role in the identification of cultural
boundaries, i.e. spatial and temporal limits of ancient cultures. This
approach has been largely criticized and invalidated by the post-proces-
sualist school, according to which archaeologists are not perfectly objec-
tive and then a classification could not represent a realistic description of
the past (Arnold, 1971; Chilton, 1999; Dunnel, 1978). More in general,
this debate oppose an etic outlook, as it is typology, to an emic system
of analysis that implies a remark on the cultural context to which the
artifacts belong.
Within an emic perspective, it is possible to include the chaîne opé-
ratoire concept. In the case of a pottery study, it means to consider the
artifact as the result of a technical process that depends by a series of
choices between different alternatives. These choices are linked to diffe-
rent aspects: skill and knowledge of the potter, organization of pottery
production, environmental constraints, e.g. availability of raw materials,
and practical or symbolic function of the final product (Hurcombe,
2007, 3; Lemonnier, 1986; Roux, 2003).

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II. Thinking the ‘Process of Production’ in the Study of


Pottery Decorations
As defined by many authors, the goal of the process of production
is the transformation of a raw material in a final product, trough a series
of phases and actions (Cresswell 1996, 43; Lemonnier 1976; van der
Leew 1993).
According to this affirmation, the analysis of just one phase of the
process of production, e.g. decorative phase, doesn’t envisage the trans-
formation of a raw material. However, some factors allow us to consider
the decorative practice as a chaîne opératoire: the vase suffers a trans-
formation by a series of technical action; these actions are linked and
consecutive between them; every action represents a choice made by
potter between a series of alternatives options. For all these reasons, it is
possible to talk about ‘decorative chaîne opératoire’ and to conceive deco-
rations not exclusively as the result of an aesthetic or artistic-symbolic
purpose, but as derived from technological knowledge of the potters
and environmental constraints.
Being conceived as a chaîne opératoire, decorative process is founded
on a succession of phases (Figure 1). Some phases are required in order
the decorative process has a finality, while other ones could be con-
sidered as optional because their omission doesn’t prejudice the whole
process.

FIG. 1.
Principal phases of Conception of the decorative scheme
the decorative chaîre
opératoire

Finishing

Choice of instrument to use


Technique

Execution

Final finishing

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The first step in the realisation of a decoration concerns the mental


project of the design that a potter wants to realize. Except for a casual
distribution of the design elements, these are normally arranged in a
precise scheme. It has been shown how the profile of a recipient and
the presence of handles can influence the position of the ornament
(Salanova, 2000, 32; Shepard, 1956). The hierarchy in the design con-
figuration is described in terms of three features: localisation of the
decorative pattern, definition of design elements, and combination of
all design elements.
After the project of the decoration is achieved, the potter prepares
the surface of the vase. Finishing is an optional phase and when it is
realized, it has a practical function. Not only because it improves techni-
cal performances of the containers (Schiffer 1990), but even because it
prepares the vases surfaces in order to facilitate the realisation of decora-
tive motifs (Salanova, 2000, 147). Finishing is carried out with different
degrees of intensity: smoothing, burnishing, and polishing.
The choice of the tool to use to realize decoration is an obliged
phase. Two categories are described: occasional and intentional tools.
The former include all the objects that are available in nature, e.g. shells,
sticks, and stems, and the artefacts created principally for another function
and used for ceramic decoration too, e.g. stone tools. The latter include
the tools that have been intentionally made and whose function is strictly
related to the decorative process, e.g. stamps clay, combs and brushes.
How to use the tool on the vase walls? Marois (1975, 29) has pointed
out the ambiguity of the concept of ‘decorative technique’, which is
largely adopted in literature but that it could means three different as-
pects at the same time. Therefore, the technique could be the act ap-
plied on the vase with no reference to the tool, or the association of
the tool with his application, or even the mark of different tools and
different applications. In order to clear up this impasse, I associated with
‘technique’ the meaning of the generic act and I introduced the term
‘execution’ as to indicate the action through which the tool is used on
the vase. The variation of decoration depends mostly by a change in
the execution, e.g. pressure or orientation, rather than a change of the
technique or of the tool (Camps-Fabrer 1966, 435; Purri et al. in press;
Sall 2005, 243).
The last phase of the decorative chaîne opératoire is an optional step
and concerns all types of final finishing, such as coating or application
of colored inlays.

III. Remarks about the use of Decorative


Chaine Operatoire
Some of the factors that I considered as phases within the decora-
tive chaîne opératoire have already been taken into account in the studies
about pottery decorations. Nevertheless, in my proposal, these factors
are considered as technological and consecutive steps within the decora-
tive process. The different ways in which these factors are carried out
are recorded and then, trough a quantitative analysis, their recurrence on
the vases is recognized. So, it will be possible to identify the dominant
or recessive characteristics of the decorative process within a ceramic
complex. Dominant features are identified on a majority of vases and
they suggest the choices operated within a range of possibilities by pot-
ters. On the contrary, recessive characteristics represent the options that
have not been adopted by potters; they didn’t fall within the decorative
process and they need to be investigated otherwise.

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Once the decorative process within single sites is identified, it is pos-


sible to proceed with a comparison between them. In the case of two
complexes belonging to the same archeological culture, the accurate
description of each phase of the decorative process will allow to under-
stand which technical features are shared or not. This modus operandi is
useful for the interpretation of temporal and spatial variability within
archaeological cultures.
Archaeometrical, experimental and ethnographical methodologies
can be very useful in clarifying some aspects of the decorative process.
For example, some archaeometric analyses, such as SEM or XRD, pro-
vide a frame of references for the identification of the texture, and so of
the mode of production, of colored substances, i.e. colored inlays and
painting. On the contrary, the contribution of experimental archaeology
and ethnography is more general. Indeed, these methodologies, based
on the concept of replication, highlight the problems noticed during
the whole decorative process and so they could give information about
the necessity to operate a choice rather than another. Vice versa, the de-
finition of the paradigm of the different phases of the decorative chaîne
opératoire can be very important because it provides a frame of reference
for the actuation of experimental and ethnographic programs.

References
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Emics, American Antiquity, 36, 1, 20-40.
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SALANOVA, L. (2000). La question du Campaniforme en France et dans les Îles


anglo-normandes: productions, chronologie et rôles d’un standard céramique, coédition
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Tipologia e cadeia operatória:
para uma melhor interpretação das
comunidades humanas na Liguria
(Itália do Norte-Oeste)
na Idade do Bronze
DAVIDE DELFINO

RESUMO: A cerâmica, no conjunto da cultura material, é a evidência mais achada e


disponível, assumindo, portanto, um papel fundamental no estudo e interpretação das socie-
dades pré e proto-históricas. Frequentemente este material é estudado só pelo lado tipoló-
gico ou só pelo lado tecnológico. Nesta contribuição apresenta-se uma parte dum trabalho
feito a escala regional sobre a cerâmica da Idade do Bronze, tendo em conta todos os dados
disponíveis: formais, decorativos, tecnológicos e contextuais. Este modelo de trabalho pode
ser adoptado por qualquer investigação que tenha como objectivo um melhoramento da
interpretação de sociedades humanas pré e proto-históricas.

PALAVRAS-CHAVE: Cerâmica; Idade do Bronze; Liguria; Cultura Material; Modelo


tecno-tipológico.

ABSTRACT: The pottery, in the set of material culture, is the most found and available evi-
dence, thereby assuming a central role in the study and interpretation of the prehistoric and
protohistoric societies. Often this material is studied only by its typological aspect or by the
technological one. This contribution presents part of a work done in a regional scale about
Bronze Age ceramics, taking into account all available data: formal, decorative, technolo-
gical and contextual. This working model can be adopted by any research which has the
purpose of improvement the interpretation of prehistoric and protohistoric societies.

KEyWORDS: Ceramics; Bronze Age; Liguria: Material Culture; techno-typological Model.

Introdução: o papel da Cultura material na


interpretação das comunidades humanas
O objectivo final da pesquisa arqueológica é a compreensão e a ex-
plicação das sociedades antigas, e com estes, homens e mulheres que nos
precederam. No campo da investigação complicada das sociedades pré-
-clássica, não há outras evidencias que categorias relativamente “cala-
das”, as quais precisam de ser interpretadas para poder falar-nos: cultura
material, estruturas, restos humanos e, quando possível, paisagem. Tra-
balhando com a cultura material, como acontece na maioria dos casos,
não é possível esquecer que esta é o produto de vários processos técni-
cos, sociais, intelectuais, históricos. Mas o que é que e o que significam
as palavras “Cultura” e “Cultura material”? Para a “cultura”, entende
se o conjunto das consciências fundamentais adquiridas para os seres
humanos e transmitidas de geração em geração; isto é, em seguida, o
conjunto tudo dos costumes, crenças, atitudes, valores, ideais e hábitos
de diferentes populações ou sociedades. Compete tanto o indivíduo

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| Tipologia e cadeia operatória | Davide Delfino |

como as comunidades as quais pertence. Nesse sentido, o conceito é


amplamente aplicável, admitindo a existência de culturas diferentes:
desta forma é alegada a existência duma cultura para cada tipo de etnia
ou grupo social significativo e o pertencer a esses grupos sociais é es-
tritamente ligado e partilhado numa identidade cultural. A cultura no
sentido antropológico é feita por muitas categorias, algumas das quais
são os artefactos da actividade humana, a partir das obras de arte até aos
objectos do uso quotidiano e tudo o que se relaciona à cultura material
(Magli, 1989). Este importante conjunto de evidências humanas é o
resultado do conhecimento para adaptar ou transformar tudo o que a
natureza oferece ao homem. Essa consciência, entendida como “saber”
e “saber fazer”, é transmitida de geração para geração, afectando as vidas
de seres humanos e os seus comportamentos, adquirindo plenamente
o nome duma determinada cultura: a cultura material. Isso claramente
não é o único componente de uma cultura tout court, mas é o único,
de todos as manifestações culturais pré-proto-históricas, que nos chega
de uma forma objectiva e pode ser estudada mantendo-se próximos
à antiga realidade. Pode ser considerada espelho legível de muitas das
outras antigas manifestações culturais. Cultura material, então, entendida
como um agrupamento de todas as manifestações visíveis do processo
intelectual humano, da qual, fazem parte, de forma sensata e explícita,
todos os artefactos que o homem consegui produzir manipulando a
matéria-prima e, de modo mais implícito, a consciência, o pensamento
e o sentimento dos homens que permanecem no tempo e preservados
no tempo ao longo dos séculos. Ao lidar com a cultura material, não se
pode ignorar a referência para a arqueologia da produção formulada por
Mannoni e Giannichedda (1994: 10-20), pois este é o meio que permite
investigar todas as etapas, tornando mais fácil para entender o que é por
de trás dum objecto da cultura material: o processo cultural. Este pro-
cesso permitiu ao homem transmitir, no material manipulado para ele,
os processos comuns da experiência intelectual e empírica a qual mani-
feste-se aos nossos olhos hoje nas evidências arqueológicas relacionadas
com cada etapa de fabricação de objectos antigos. É precisamente aí que
precisamos focalizar a nossa atenção como investigadores das sociedades
pré e proto-histórica para compreendê-las melhor através dos sinais que
eles deixaram no processo de criação da cultura material.

A importância da Cadeia Operatória

Se tomamos a palavra “cadeia operatória” no sentido do K. Marx


ou do E. Durkheim, refere-se evidentemente ao mundo industrial do
século XIX: o significado de cadeia operatória refere-se a produção
feita por várias fases dependentes uma das outras, onde a especialização
necessária numa fase, não permite que os operadores podem controlar
as outras inteiramente. Esta afirmação das capacidades individuais é
contrastada por a formulação que acha que há uma dependência entre
as diferentes especializações (Harris, 1979: 411-412). Com as primeiras
aplicações do conceito de cadeia operatória na arqueologia, feita para
a compressão de vários pontos de vista antropológico, tecnológico e
cultural dos antigos modos de produção material (Leroi Gouran 1965,
Binford, 1983; Gosselain 1992) produzia-se um avanço na pesquisa em
diferentes períodos e temas arqueológicos. Recentemente, a cadeia
operatória é usada também no estudo de materiais cerâmicos (Cobas
Fernández, Prieto Martinez, 2001). O que se propõe a compreender
é que a tecnologia da cadeia operatória é uma ferramenta analítica,
que permite a descrição ordenada das circunstâncias determinantes no

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| Tipologia e cadeia operatória | Davide Delfino |

processo de elaboração dos elementos duma especifica cultura material.


Tratando da “cultura material da cerâmica” e desenvolvendo o tema, no
artefacto muitos factores imprimam diferentes marcas:
– a sociedade que requer a produção de cerâmica (evidencias tecno-
lógicas, artísticas e formais);
– a experiencia adquirida no tempo pelo artesiano e/ou pela sua
sociedade (evidencias técnicas e formais);
– a experiência técnica adquirida ao longo do tempo pelo artesão
e/ou sua empresa (quadros técnicos e formais);
– os contactos com outras sociedades (evidencias de estilo, tecnoló-
gicas e formais).

Todos estes elementos são importantes na fase preliminar da inves-


tigação, é a dizer na fase de documentação dos dados. Neste sentido, é
preciso ter alguma atenção para a cadeia operativa e as suas evidências
arqueológicas na etapa da documentação, e também, posteriormente, na
interpretação do material, para investigar os sinais que cada fase deixa no
artefacto. Pode-se entender e de forma mais completa as técnicas e, com
estas, a herança cultural e tecnológica posta pelo produtor no objecto
que está estudado. No caso contrário, tomando apenas os dados que
provenham da forma da cerâmica, da sua medida, do seu estilo, da sua
decoração, da petrografia do desengordurante, é possível ter muitos dados
importantes do estudo, embora não inteiramente abrangente. Para evitar
de perder quaisquer dados sobre os artefactos de cerâmica, é preciso ter
uma percepção global de que são consideradas evidencias, que podem ser
observados numa perspectiva arqueológica, antes de apoiar-se as ciências
auxiliares da arqueologia. Nesse sentido, é essencial ter em conta não ape-
nas os dados que tradicionalmente são considerados, mas também os dados
das evidências técnicas relacionadas com as fases da cadeia operatória.

Metodologia: o contesto arqueológico e a adaptação


dos instrumentos nisso
Sendo a produção material uma marca de cada sociedade, antes de
tomar e organizar os instrumentos de investigação sobre a cerâmica é
preciso conhecer muito bem o contexto arqueológico onde vai-se a
trabalhar, para adaptar melhor os médios de tomada dos dados.

FIG. 1. A região da
Liguria na Itália do
Norte Oeste com os
sítios estudados.
1. Bric Tana;
2. Camogli;
3. Pignone; 4. Zignago;
5. S. Antonino di
Perti; 6. Bric Reseghe

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| Tipologia e cadeia operatória | Davide Delfino |

De facto não pode-se pensar de ter definido o modelo de análise,


sem ter considerado o contexto crono cultural que foi o produtor do
objecto em análise. Especialmente a cerâmica precisa desta reflexão em
quanto é importante distinguir se estamos investigando uma produção
doméstica, industrial ou de pequeno ateliê: este factor tem um reflexo
enorme sobre o método de catalogação do material e sua interpretação.
De fato, se estamos na frente duma produção de ateliê, ou, diversamen-
te, se é industrial, temos de tratar com um diferente nível de cuidado a
classificação tipológica da cerâmica: nomeadamente no caso da produção
industrial temos de ter em conta que estamos a frente dum produto es-
tandardizado, que está sujeita ao controle social, ou a uma pergunta mais
exigente de produto na quantidade e qualidade. No caso de cerâmicas
produzidas por um contexto doméstico ou de pequeno ateliê, que certa-
mente pode ser também familiar, é obrigatório considerar uma produção
menos estandardizada, com menos “controlo político e económico”, no
qual o quadro pessoal do artesão é evidenciado com força maior. Este é
o caso do objecto do presente trabalho, que é a cerâmica produzida nos
povoados da Idade do Bronze Média e Recente (secs. XVI-XIII. a.C.)
da região da Ligúria, no noroeste da Itália (Fig. 1).

A idade do Bronze Médio e Recente na Liguria

A Ligúria é uma região a beira do mar Tirreno, extremamente mon-


tanhosa e com poucas planícies. Graça a sua posição reveste um rolo
fundamental nos tráficos entre o norte da Itália, nomeadamente a Pla-
nície Padana e o mar. Os recursos naturais exploráveis na pré-História
limitem-se a poucas e pequenas minas de diaspro, cobre e chumbo.
Durante a Idade do Bronze Médio e Recente, coincidindo com as
fases BzB1 e BzD da cronologia centro europeia do Reinecke (Reine-
cke, Bohner, Wagner 1965), o contexto regional amostra sete povoados
de altura, duas ocupações da caverna, uma ocupação de abrigos, um
depósito de objectos de bronze e, infelizmente, nenhum contexto fu-
nerário (De Marinis, Spadea, ed., 2004; Del Lucchese, Maggi, 1998). A
relação entre os povoados, a única prova que podemos ver para entender
o nível de estrutura social sem uma necrópole, não parece mostrar uma
estrutura entre povoados principais e aldeias menores, e a acumulação
de produtos exóticos ou de prestígio não favorece significativamente es-
pecificadamente algum povoado. Por isso podemos achar que o material
cerâmico foi produzido por uma sociedade com estrutura não complexa
a nível político e económico. Sabemos então que é preciso produzir
um modelo de tomada dos dados, sobretudo a nível tipológico, que seja
adaptável a material produzido de modo não estandardizado, e precisa
ter cuidado com a aplicação de uma crono-tipologia demasiado estrita.
Também é preciso pensar quais fases da cadeia operatória, e consequen-
temente a quais evidencias técnicas, seriam de mais ajuda para ter dados
sobre a produção

O modelo Tecno tipológico

A metodologia conseguinte da análise teórica, envolve a construção


do modelo de documentação e interpretação. Para a criação duma base
de dados para recolher e organizar os dados com categorias de diferentes
áreas, algumas mais tradicionais e óbvias, outras mais inovadoras e com-
plementares para um estudo mais abrangente possível.

| ARKEOS 31 | 38 | ESTUDOS DE TECNOLOGIA CERÂMICA |


| Tipologia e cadeia operatória | Davide Delfino |

Os grupos de categorias são: 1) Contextuais; 2) Tipológicas; 3) Cro-


notipológicas; 4) Tecnologicas.
Em particular, as “contextuais” são os dados relativos ao contexto
do achado das peças no depósito arqueológico; as “tipológicas” não vai
prestar muita atenção nas pequenas diferenças formais, num sentido de
pormenores, enquanto esta não é significativa entre peças produzidos de
modo manual e domesticamente; contemporaneamente seriam classifi-
cadas as formas, por o que seria possível e somente as formas restauráveis,
em categorias de uso muito gerais, não se arriscando a interpretar ou uso
particularizado ou criando términos relativos ao uso contemporâneo as
várias formas. Nas categorias “cronotipologicas”, que em outras palavras,
são os paralelos achados em outros sítios e que podem ajudar a colocar
uma datação relativa para as peças em estudo, é preciso ter muita atenção
para considerar apenas paralelos e semelhanças significativas, especial-
mente as decorações e as asas, tendo muito cuidado nos paralelos apenas
formais. Nesta categoria é também fundamental evitar de construir de-
masiados “tipos”, sendo aconselhável identificar as formas fundamentais
(tigelas, taças, vasos biconicos, vasos cilíndricos, etc.) e reagrupá-los em
classes de uso de “largo respiro”: formas de mesa, de trabalho/conser-
vação, de transporte. As categorias técnicas, que são as mais inovadoras
nesta proposta de modelo, estão ligadas as fases da cadeia operatória.
Modelando este instrumento á realidade arqueológica da cerâmica que
vai ser investigada, estas categorias são entendidas como: a espessura da
parede, o tamanho e a distribuição do desengordurante, a cor e a sua
uniformidade, a presença de contacto com o fogo nas superfícies das
paredes, a presença de “coração preto” na fractura das paredes, o aspecto
da superfície interior e exterior (alisado, polido, brunido, etc) e a sua
irregularidade. Estas categorias são também de acordo com a relevância
destas evidencias, já explicadas para outros especialistas da cerâmica na
arqueologia (Cuomo di Caprio, 2007: 143-145, e 163, 171, 263, 441-
-468, 483). No modelo de interpretação, a maior atenção deverá ser
feito na comparação entre as evidências técnicas, do destino de uso,
cronológicas e culturais: o cultural seria dado principalmente pela de-
coração. Neste sentido, procuramos observar a relação entre a técnica
artesanal (visível na reconstrução da cadeia operatória), a sua adaptação
segundo o destino de uso das formas cerâmicas, o seu contexto cultural
de produção e a sua mudança ou continuidade ao longo do tempo.
Sendo preciso investigar vários povoados, a pesquisa é feita antes num
nível de sítio (infra situ) e depois ira-se comparando a cerâmica de todos
os sítios num nível regional (inter situ).

Aplicação do modelo e resultados

Vai ser apresentado o trabalho sobre um povoado, Monte Castellaro


di Zignago, como exemplo do trabalho nos outros 3 povoados de altura,
Bric Tana, Monte Castellaro di Camogli e Monte Castellaro di Pigno-
ne, e depois será feita uma panorâmica na escala regional que seja uma
verifica da confiança que pode ter o modelo desenvolvido.

Monte Castellaro di Zignago

O sitio do Monte Castellaro di Zignago (La Spezia) hospita um


povoado de altura estruturado com muralhas de terraços, apresentando
várias fases de ocupação, da Idade do Bronze Médio (séc. XIV a.C.) até a
Idade do Bronze Final (séc. XII a.C.), com ocupação na época bizantina

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(séc. VI d.C.) sendo edificada uma torre (Mannoni, Tizzoni, 1980). A


investigação sobre o material cerâmico foi feita relativamente ao material
das primeiras três fases de ocupação, relativas ao Bronze Médio 3 (séc.
XIV a.C.), Bronze Recente 1 (séc. XIV-XIII a.C.) e Bronze Recente
2 (séc. XIII a.C.), individuadas pela análise tipológica da cerâmica e dos
metais e pela análise estratigráfica.

Sequencia das fases de uso:


Fase 1: Bronze Médio 3; Fase 2: Bronze Recente 1; Fase 3: Bronze
Recente 2

Classificação tipológica:
– Na fase 1: tigelas carenadas, taças, vasos troncoconicos. Decora-
ções de bandas sulcadas horizontais e decorações de estilo “Appen-
ninico” (Fig. 2);
– Na fase 2: tigelas carenadas, taças, vasos cilíndricos e biconicos.
Decorações de estilo de tradição da fácies da Scamozzina, linhas
de sulcadoras verticais, alinhamentos horizontais de impressões
digitais ou de incisões (Fig. 3);
– Na fase 3: tigelas carenadas, taças e vasos biconicos. Decorações
de grupos de linhas sulcadas horizontais e verticais com couvinhas
por cima, sulcadoras de anéis cumpridos (Fig. 4).

FIG. 2. Zignago,
cerâmica da fase do
Bronze Médio 3

FIG. 3. Zignago,
cerâmica da fase do
Bronze Recente 1

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FIG. 4. Zignago,
cerâmica da fase do
Bronze Recente 2

Tecnologia cerâmica:
– na fase 1 costuma-se usar um desengordurante prevalentemente
grosseiro não ligado as formas, a espessura das paredes da cerâmica
são regulares nas formas de mesa, no acabamento das superfícies
repare-se uma dicotomia entre as formas de mesa alisadas e as
formas de trabalho/conservação rugosas, no cozimento não dife-
rencia entre as classes formais, sendo toda a cerâmica cozida de
modo não refinado;
– na fase 2 o tamanho do desengordurante perdura sendo não ligado
as formas, grosseiro e também médio, a espessura das paredes é
regular nas formas de mesa e de trabalho/conservação e repare-se
o uso do suporte móbil para trabalhar as formas, o acabamento das
superfícies é mais variado, aparecendo formas de mesa polidas, o
modo cozimento permanece igual á fase 1;
฀ – na fase 3 o uso do desengordurante não muda, a espessura das
formas é standard só nas formas de trabalho/conservação, o acaba-
mento das superfícies parece mais decorativo nas formas de mesa
e mais em função do uso nas formas de trabalho/conservação, o
cozimento é o mesmo para todas as formas, mas é um pouco mais
refinado.

Interpretação tecnológica e social


Dum lado tecnológico, a comunidade humana do Monte Castellaro
di Zignago parece conhecer um desenvolvimento que é similar com os
outros grupos nas áreas circunstantes. A cerâmica reflecte uma progres-
siva estandardização na modelação das paredes das formas, sobretudo
naquelas para trabalho/conservação. As formas de mesa parecem ser
gradualmente mais refinadas, sobretudo na fase 2 e 3, aparecendo su-
perfícies polidas. Isso indica provavelmente que a fase 1, também menos
rica em decorações, era caracterizada por uma comunidade humana que
ocupava o Monte Castellaro só sazonalmente, possivelmente para a acti-
vidade de pastorícia, o que era perfeitamente factível no território deste
povoado (sendo um pequeno planalto a mais de 900 mt. de altitude);
de facto a cerâmica indica uma produção mais doméstica, sobretudo
composta por formas mais “essenciais”, provavelmente não produzi-
das no lugar, mas num outro povoado de ocupação anual. Depois no
Bronze Recente (fases 2 e 3) a cerâmica parece indicar um afinamento
maior, sobretudo na estandardização de modelagem das formas e no
acabamento das paredes das formas de mês, o que pode indicar uma

| ARKEOS 31 | 41 | ESTUDOS DE TECNOLOGIA CERÂMICA |


| Tipologia e cadeia operatória | Davide Delfino |

comunidade que ocupa o povoado permanentemente e que fabrica a


sua cerâmica provavelmente de modo mais sobre domestico, revelando
uma maior complexidade do trabalho e, pode ser, social. A hipótese
duma ocupação mais sazonal no Bronze Médio 3 e mais permanente no
Bronze Recente é também em linha com os outros povoados de altura
na mesma área do Appennino settentrional (Bernabó Brea, Cardarelli,
Cremaschi 1997, pp. 280-281).

Considerações regionais e finais


O estudo do contexto dos povoados de ar livre permitiu de ter uma
visão mais clara e definitiva da sequência crono-cultural das diversas fases
de ocupação; também foi possível contextualizar a cultura material da
cerâmica numa visão actualizada e abrangente.
A correcta utilização do instrumento tipológico na análise da cerâmi-
ca dos sítios da Idade do Bronze, caracterizada por grande fragmentação
e estandardização produtiva relativamente baixa, permitiu demonstrar
que é possível identificar características típicas, tanto decorativas como
formais, para além da mera tipologia.
Em relação a tecnologia da cerâmica, as comunidades humanas da
Idade do Bronze Média e Recente produziram cerâmica com pouca
estandardização a nível regional, mas nos povoados, houve alguma es-
tandardização na modelagem, na preparação da massa e no acabamento
das superfícies, especialmente na modelagem da Idade do Bronze Médio
2 no sitio do Bric Tana e da Idade do Bronze Recente no sitio de Monte
Castellaro di Camogli. Tal sugere uma provável produção supra-domés-
tica, talvez num pequeno ateliê.
O estudo mais pormenorizado do material cerâmico, feito em estrito
contacto com os dados contextuais, permitiu dum lado de ter uma visão
mais completa da produção cerâmica, não tomando em conta só os da-
dos tipológicos-formais, mas também fui possível estender as interpreta-
ções sobre a estrutura social das comunidades humanas na Liguria entre
os sécs. XVI e XIII a.C., compensando a falta de dados fundamentais
neste sentido, como por exemplo os contextos funerários.

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| Tipologia e cadeia operatória | Davide Delfino |

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Reprodução experimental de formas
cerâmicas: Contribuição para o estudo
tecnológico das cerâmicas guarani
JEDSON FRANCISCO CEREZER
PEDRO CRURA
MIGUEL NETO

RESUMO: Na gênesis das problemáticas ligadas ao estudo dos grupos ceramistas guaranis
do Sul do Brasil, a compreensão do processo tecnológico de produção cerâmica sempre de-
monstrou fragilidade e dissonâncias em seu enquadramento. Nossa tentativa foi desenvolver
um método de pesquisa aplicável a esses contextos que tem por meio o uso da arqueologia
experimental. Tal método é apresentado como um protocolo metodológico dentro do
contexto da expansão guarani.

PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia experimental; Cerâmica; Arqueologia Guarani; Região


Sul do Brasil.

ABSTRACT: In genesis of the issues related with the study of Guarani ceramic groups
of southern Brazil, the understanding of the technological process of ceramic production
always showed weakness and dissonances in its framework. Our attempt was to develop a
research method applicable to those contexts, using the experimental archeology. This me-
thod is presented as a methodological protocol within the context of Guarani expansion.

KEyWORDS: Experimental Archaeology; Ceramics; Guarani Archaeology; Southern Brazil.

Introdução
As problemáticas da arqueologia Guarani se mesclam com a história
das pesquisas sobre os próprios Guaranis. A dimensão desses paradigmas
pode ser facilmente percebida na maneira como são apresentados os
estudos relacionados. Se olharmos simplesmente para a grafia onde a
expressão “Guarani” aparece já é suficiente para notar as várias disso-
nâncias a respeito do tema.
Essas dissonâncias têm suas origens ainda no século XIX e se arrastam
até hoje. Trata-se de uma história marcada por problemas interpreta-
tivos, no que diz respeito aos grupos humanos, a cultura material e,
sobretudo a língua por eles falada.
O que tentamos fazer de forma resumida e dinâmica é encontrar as
origens dessas dissonâncias e ao mesmo tempo definir uma terminologia
para ser usada neste trabalho, sendo Tupi enquanto tronco linguístico,
Tupi-guarani para família linguística, Guaranis enquanto identidade
étnica conforme proposto por Soares (2002) e para a cultura material
referimo-nos aos artefatos produzidos pelos antepassados das sociedades
indígenas Guaranis (Soares, 2005: 8).
Outras questões relevantes são colocadas no que se refere a “Ex-
pansão dos falantes Tupi-guarani” (são entendidas como relevantes na

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medida que contribuem para a classificação do material cerâmico). A


forma de abordar essa temática contribuiu para a criação de dois modelos
interpretativos.
Um dos modelos apoia-se em valores culturais reduzidos a objetos
num período marcado pelo “fóssil diretor”, explicando a “dispersão”
dos grupos humanos pela seriação cerâmica, sugerindo uma trajetória
abalizada pela “degeneração” da qualidade “técnica” aplicada à cerâmica
que viveu um período áureo com a cerâmica pintada, vindo a sofrer re-
gressões técnicas, passando pelo “corrugado” até seu fim com a chegada
do europeu colonizador num período com a técnica do “escovado”.
O outro modelo busca suporte nas raízes etnohistóricas para cons-
truir uma nova retórica em favor dos “Guaranis pessoas”, abandonando
o “Guarani objeto”, apontando para uma ocupação dinâmica do terri-
tório, em espaços manejados, com controle dos ciclos naturais, onde o
material cerâmico tem forma e função conhecida dentro de uma socie-
dade complexa.
Sendo assim a história da arqueologia Guarani é marcada por dois
modelos interpretativos, modelos que se mantêm vivos nos debates aca-
dêmicos, cada qual com seus argumentos e metodologias. Nós para execu-
tarmos esse trabalho bebemos das duas fontes, não para tomar partido em
favor de uma ou outra, mas para resgatar elementos ligados a cultura ma-
terial, principalmente a tecnologia cerâmica, tema central deste estudo.

Processo metodológico
Como forma de repensar as questões inerentes a tecnologia da cerâ-
mica Guarani avançamos sobre os estudos da arqueologia experimental,
levantando questões baseadas em problemáticas arqueológicas. Essas
problemáticas se referem às etapas necessárias para obter uma vasilha
cerâmica em condições de ser utilizada, exigindo para isso rigores me-
todológicos e de registros em cada fase desenvolvida, para com isso
controlar os “erros” que por ventura ocorra e sejam evidentes somente
ao final do processo produtivo.
Partimos do princípio de que a experimentação não resolve todas
as incógnitas advindas das outras metodologias, mas serve para eliminar
possibilidades ou variantes, sendo isso, este trabalho visa conseguir:
eliminar hipóteses para avançar sobre outras prerrogativas, ligadas prin-
cipalmente aos aspectos inerentes a produção bem como aos agentes
tecnológicos e processos pós-deposicionais do material cerâmico.
Nosso objetivo primário consistente em comparar formas cerâmicas
Guaranis inteiras com seus fragmentos, numa tentativa de compreender
melhor o registro arqueológico e o processo produtivo. Na prática isso
ocorre normalmente num processo inverso, há apenas os fragmentos de
vasilhas que já foram inteiras, ou somente vasilhas inteiras, sem nunca
ser possível observar uma peça e depois os seus fragmentos.
Diante disso iniciamos a reprodução de um conjunto de aproxima-
damente quarenta peças de diferentes formas e tamanhos que pudessem
virar objeto de estudo.
Ao passo que começamos a desenvolver a metodologia da expe-
rimentação notamos que para se chegar a uma peça inteira e cozida
existem muitas variantes que devem ser levadas em consideração e que
são muito importantes para determinar padrões de escolhas dentro das
estratégias que compõe as várias etapas do processo produtivo, ou “ca-
deia operatória” da cerâmica Guarani.
O processo experimental desenvolvido tem a seguinte lógica: obter
peças inteiras que se enquadrem na morfotipologia da cerâmica Guarani

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descrita na bibliografia; registrar todas as etapas do processo produtivo


para obter o maior número de informações possíveis e aplicá-las na
comparação dos resultados.
Para a reprodução do conjunto de peças experimentais seguimos as des-
crições de La Salvia e Brochado (19892), Brochado, Monticelli e Neuman
(1990), Brochado e Monticelli (1994), Noelli e Brochado (1998).
Para chegar às peças pretendidas bem como aos resultados da experi-
mentação utilizamos alguns parâmetros que foram divididos em 1. For-
mas; 2. Segmentos; 3. Tamanhos; 4. Processo produtivo; 5. Ambiente
de produção e armazenamento; 6. Medidas; 7. Fotografia; 8. Testes
adicionais; 9. Fratura e Quantificação dos fragmentos:
1. Formas: As formas obtidas na experimentação apresentam varia-
ções, porém assemelham-se com as da ilustração (Fig. 1), obedecendo
sempre o princípio de proporcionalidade entre diâmetro de boca e pro-
fundidade. Embora não seja suficiente apenas essa relação de propor-
cionalidade para se construir uma forma cerâmica a mantivemos como
regra, visto que são as únicas existentes em toda a bibliografia Guarani.

Panela | “Yapepó” Talha | “Cambuchi” Prato | “Ñaé, Ñaembé” Copo | “Cambuchi caguabã”

FIG. 1. Quatro classes


de vasilhas guaranis
dentre as seis indicadas
por La Salvia e
Borchado, (19892).

2. Segmentos: Para construir as formas buscamos os segmentos hori-


zontais apresentados por La Salvia e Brochado, (19892: 117). Utilizando
a sobreposição dos segmentos é possível compor ou decompor as formas
Guaranis. Como é possível observar, as formas Guaranis não se asseme-
lham a figuras geométricas o que torna sua mensuração ou reconstrução
uma tarefa muito difícil. Por esse motivo optamos por adotar o método
dos segmentos, transformando as peças em fração geométrica, que serve
tanto para descrever uma peça, como também para calcular a área da
superfície lateral.
3. Tamanhos: Os tamanhos das formas reproduzidas buscam os
princípios da proporcionalidade observada diante da relação entre diâ-
metro de boca, profundidade e diâmetro máximo, sendo divididas em
pequenas médias e grandes, de acordo com cada classe. Até o momento
a bibliografia Guarani utiliza comumente apenas duas medidas de pro-
porção: diâmetro de boca e profundidade, que vem ao encontro dos
gráficos apresentados por Brochado, Monticelli e Neumann (1990).
Nessa publicação os autores apresentam em gráficos compostos por
meio da equação de regressão linear as dimensões das vasilhas e sua
onda de freqüência.

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É muito provável que algumas das peças por nós reproduzidas sejam
de baixa freqüência dentro dos tipos arqueológicos, porém como se trata
de um trabalho experimental manteve-se a opção de reproduzir vasilhas
dentro dos tamanhos indicados, principalmente por esse trabalho não ser
uma reprodução dos percentuais de amostras de um sítio arqueológico
especifico, ou mesmo de uma região.
4. Processo produtivo: O processo produtivo abrange todas as etapas
de produção e demais condicionantes necessárias para se obter uma vasi-
lha cerâmica. Para facilitar o entendimento dispomos as diferentes etapas
compreendendo cinco aspectos gerais de análise: Argila; Antiplástico;
Pasta; Estrutura de combustão e Peça:
4.1. Argila: O material argiloso pode ser classificado de várias for-
mas, dependendo de qual especialista está dialogando sobre a matéria.
Cientistas de solos, mineralogistas, geólogos ou ceramistas usam defi-
nições próprias para caracterizar o material argiloso, convergindo todas
no mesmo ponto, que de modo geral pode ser classificado quimicamen-
te como “silicato de alumínio hidratado” (Al2O3.2SiO2.2H2O). Nos
materiais argilosos há variações na relação entre os três componentes
(alumina, sílica e água), dependendo do tipo de argila. Em média a por-
centagem fica na casa de: Alumina 39,4%, Sílica 46,6%, Água 13,9%.
(Bona, 2006)
Ao observar a estrutura química dos materiais argilosos, notamos
que estas não apresentam grandes variações, e que em todas as famílias
das argilas a estrutura é semelhante, podendo haver pequenas con-
centrações de determinados tipos de materiais em umas que em outras
não há. E esses minerais são considerados como impurezas e podem
ser tão diversificados quanto os elementos da tabela periódica. (Gomes,
1988)
As argilas utilizadas na experimentação são de diversa natureza. Al-
gumas recolhidas por nós em barreiro, outras adquiridas no comércio
especializado. Dependendo da origem da argila é necessário maior ou
menor trabalho para a matéria atingir o estado ideal. As argilas de prove-
niência industrial, adquiridas no comércio especializado, necessitam de
menor trabalho; já as recolhidas em barreiros naturais exigem trabalho
redobrado.
Para os trabalhos de experimentação primamos por uma boa argila
para compor a pasta. Entre os vários critérios necessários a pureza é
o primeiro; note-se que entendemos por “pureza”, a argila limpa de
elementos não argilosos com dimensão superior a 2mm. Para limpar as
argilas optamos pelo método da decantação.
Tendo as argilas limpas o passo seguinte seria o amassamento; este
pode ser feito de várias formas, amassando com os pés, com as mãos ou
com algum instrumento mecânico, em nosso caso optamos por amassar
a argila já com o antiplástico agregado, por isso amassamos a pasta e não
a argila.
Das argilas recolhidas no barreiro, apenas uma foi utilizada, não para
compor pastas, apenas como “barbotina”, as demais foram descartadas
em testes macroscópicos, por não terem a consistência ideal para a ma-
nufatura de peças, sendo todas muito “magras”.
De maneira popular podemos distinguir as argilas por serem gor-
das e magras. Essa relação está entre a maior ou menor quantidade de
colóides que possuem na sua composição. As argilas gordas são muito
plásticas e, devido à alumina, deformam-se muito mais no cozimento.
Já as argilas magras são mais porosas e frágeis, devido ao excesso de sílica
e essa relação faz com que as partículas se mantenham ligadas de formas
diferentes. (Bona, 2006).

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A seleção das argilas é feita de forma macroscópica não necessitando


análises laboratoriais, ao menos para essa etapa do trabalho. Para um
ceramista com experiência, o simples tato pode dizer tudo; para os com
menos experiência, como o nosso caso, é possível fazermos observações
a partir da confecção de pequenos roletes e curvá-los. Conforme quadro
abaixo:

QUADRO 1. Teste
de qualidade para as
argilas recolhidas em
estado natural.
A.1 amostra 01
A.2 amostra 02
A.3 amostra 03
A.4 amostra 04

No caso das argilas magras nota-se que a ligação das partículas não é
homogênea fazendo com que ocorram rachaduras como podemos ver
acima. Por esse motivo optamos pela compra de argilas “gordas” que
pudessem assegurar a qualidade da manufatura.

4.2. Antiplástico: O antiplástico é um elemento adicional para com-


por uma pasta; o tipo e a quantidade podem variar de acordo com a
necessidade. O antiplástico recebe muitos nomes, um dos mais usados
também é “desengordurante”, cuja função técnica é diminuir a plasti-
cidade da argila.
A granulometria do antiplástico adicionada à pasta pode variar den-
tro das funções que ele executa na peça em questão. De acordo com
a intensidade do preparo, podem variar as dimensões granulométricas
que, para fins de classificação, dividimos em três tamanhos: Pequeno:
igual ou menor que 2mm; Médio: entre 2mm e 4mm; Grande: igual
ou maior que 4mm.
Os tipos de antiplástico presentes nas cerâmicas arqueológicas Gua-
ranis podem variar em uma escala que não temos suporte para descre-
ver no momento, pois como sabemos o único antiplástico realmente
antrópico é o caco de cerâmica moído “chamote”, todos os demais
podem representar efeitos não necessariamente humanos, como estar
agregado naturalmente à argila nos depósitos ou sobre a superfície da
manufatura, etc.
Considerando como antiplástico o “chamote”, a sua obtenção/pre-
paro é uma tarefa morosa, por isso fizemos uma quantia relativamente
pequena desse tipo, para fins experimentais, optando pela compra do
restante material já processado.
4.3. Pastas: A matéria-prima básica para compor uma pasta é a argila.
Uma boa argila pode facilitar em muito o trabalho de um artesão, tanto
em tempo como em qualidade. Para cada tipo de argila há uma relação
diferente entre plasticidade e elasticidade, nesse aspecto os elementos
não plásticos entram como um segundo componente.
Muitos materiais não argilosos podem ser agregados; a função que
eles cumprem pode ser diversa, melhorar a plasticidade ou diminuí-la,
servir para funções estruturais, como os de origem vegetal, palhas ou

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cascas de árvores, podendo ainda cumprir funções não técnicas, ligadas


a mitos ou crenças, como no caso dos cachimbos Mbya, Soares e Garlet
(1998: 253).
Argila, água e antiplástico são a bases de qualquer pasta para a pro-
dução de um objeto cerâmico. A forma como eles estão distribuídos na
composição de uma pasta é variado, sempre havendo conexão com a
argila, que pode ser encontrada na forma seca ou úmida. Dependendo
de sua proveniência esta pode trazer consigo elementos não plásticos de
diversas naturezas, tanto de origem orgânica como inorgânica.
A constituição de uma boa pasta também depende de seu processa-
mento. O tempo e a intensidade do amassamento influenciam nos re-
sultados, pois são comuns fraturas ocasionadas por bolhas de ar existentes
no interior das paredes provocadas por pastas mal amassadas. Podendo
ocorrer também à concentração de antiplástico em determinadas zonas,
devido à sua má distribuição durante o amassamento.
As pastas utilizadas foram num total de cinco, a primeira delas e de
má qualidade foi preparada manualmente com um tipo só de argila, as
demais foram processadas numa “amassadeira vertical mecânica” que
serviu também para amassar as pastas.
As pastas utilizadas foram submetidas a análises laboratoriais, de
“difração por raios-X”. Optamos por submeter às pastas e não as argilas
por motivos muito simples: como todas as pastas receberam apenas “cha-
mote” como antiplástico a relação de elementos inerte é controlada, o
que facilita notar as propriedades em cada pasta e correlacionar com as
qualidades plásticas observadas nos testes macroscópicos.
Além das análises laboratoriais submetemos as pastas a análises ma-
croscópicas: Uma das análises feitas e de grande serventia é a observação
da retração em diferentes estágios.
Para cada tipo de pasta é retirado uma amostra que seja suficiente
para estruturar uma placa com mais de 10 cm de comprimento por 1,5
cm de espessura e 5 cm de largura. Ao marcar uma medida de 10 cm
sobre a placa poderemos ver ao final do processo de secagem e queima
qual é a retração média que a pasta sofreu em cada estágio e/ou tempe-
ratura de cozimento.

A. Pasta 01; B. Pasta 02; C. Pasta 03; D. Pasta 04; E. Pasta 05;
Cor seca: M 47; Cor seca: M 50; Cor seca: M 50; Cor seca: M 75; Cor seca: M 49;
Cor coz.: M37. Cor coz.: M37. Cor coz.: M37. Cor coz.: M37. Cor coz.: M37.

QUADRO 2. Teste
de plasticidade e
coloração

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Outra observação que submetemos as pastas é com relação à cor


usando o código dos solos “Code des sols, A. Cailleux. Boubée”. Dessa
forma obtemos as cores correspondentes a cada pasta no estágio seco
e cozido para assim comparar com o resultado das peças, visto que há
variações na atmosfera de cozedura, que em nosso caso foram intencio-
nalmente provocadas.

4.4. Estrutura de combustão: Além de outros elementos presentes


na composição da pasta, o processo de cozedura é o que nos dá a qualida-
de ao material cerâmico. Uma boa cozedura garante a utilização da peça
sem que ela se desfaça ao contato com a água, ou se rompa com o fogo.
Para obtermos material cerâmico, existem vários estágios de alterações
químicas que a argila atravessa durante a cozedura. Dentre os vários, o
principal é inversão do quartzo alfa para quartzo beta, que só acontece a
uma temperatura superior aos 573°C (Bona, 2006), portanto, tudo que
for produzido abaixo dessa temperatura, ainda não é “cerâmica”.
As formas de cozer variam de acordo com a estrutura utilizada,
os fornos são mais eficazes que as fogueiras e o ambiente atmosférico
variam em cada estrutura utilizada, resultando conseqüentemente dife-
renças na peça, que podem ser notadas na coloração, porosidade, dureza
e retração. Podemos aqui resumir de duas formas as atmosferas de coze-
dura: redutora e oxidante. Em um ambiente redutor há uma atmosfera
com menor quantidade de oxigênio e as peças tende a apresentar uma
coloração mais escura, esfumaçadas. Num ambiente oxidante há maior
circulação de oxigênio e a coloração é em tons mais claros, avermelha-
dos, com ligeiras variações resultantes da temperatura e dos minerais
presentes na pasta.
As peças com várias cores na superfície, “manchas”, são resultado
de efeitos causados pelas variações atmosféricas que ocorrem durante a
cozedura, essa ocorrência é freqüente em estruturas abertas tipo foguei-
ras, ou provocadas intencionalmente pela exposição das peças, durante
a cozedura, a materiais orgânicos.
No registro arqueológico, estruturas tipo forno não foram docu-
mentadas até o momento para os sítios Guaranis, assim por certo, é que
outros tipos de estruturas tenham sido usadas. Nesse caso as fogueiras
teriam exercido tal função, sejam elas em fundo escavado ou não. Nesses
tipos de estruturas o controle da temperatura e da atmosfera é mais difícil,
pois depende do tipo e da quantidade do combustível empregado e das
condições climáticas. Oscilações nas correntes de vento podem causar
uma cozedura de má qualidade, por acelerar o processo ou por ocasionar
variações na temperatura, que em muitos casos danifica a peça.
Para ter uma boa cozedura deve haver uma combinação entre tempo
temperatura que dependo muito da relação entre estrutura de combustão
e combustível. O tempo usado para cozer uma peça pode variar dentro
das condições expostas, podendo ser mais ou menos lento.
De acordo com o nosso objetivo primário, em obter peças inteiras e
cozidas, optamos por um sistema de cozedura com alto grau de controle
e dinamismo. Para evitar acidentes durante a cozedura e assim aumentar
o controle sobre outras etapas do processo produtivo optando por uma
estrutura do tipo “forno a gás”.
4.5. Peças: No tocante às peças, usamos um registro amplo sobre
cada uma delas, que soma outros fatores adicionais advindo das várias
etapas do processo e a divisão feita correspondendo aos seguintes itens:
1. Técnicas de manufatura; 2. Acabamentos; 3. Ambientes de
produção e armazenamento; 4. Medidas; 5. Testes adicionais;
6. Fratura e Quantificação de fragmento.

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4.5.1. Técnicas de manufatura das peças


As principais técnicas utilizadas para a produção de peças cerâmicas
podem ser: moldada, modelada, sobreposição de roletes ou torneada.
Para a cerâmica Guarani, a técnica de torno é identificada somente a
partir do contato com o europeu, havendo a modelada apenas em pe-
quenas peças ou em cachimbos; a moldada é quase inexistente, sendo a
grande maioria produzida a partir da sobreposição de roletas.
Em nossa reprodução utilizamos a sobreposição de roletes de duas
formas: em menor escala, dado as limitações, roletes achatados e sobre-
postos e, em larga escala, roletes formando anéis. A técnica do “acorde-
lado” – entendida como erguer uma peça dispondo os roletes a partir da
base no sentido de espiral – nos pareceu um pouco difícil de empregar
– principalmente a partir da carena até a borda. De qualquer maneira,
sejam cordéis ou anéis, em ambos os casos os roletes são sobrepostos até
atingir a forma desejada.
Para a produção dos roletes é de conhecimento geral que a manufa-
tura sobre uma superfície plana facilita o trabalho, principalmente se for
sobre uma superfície não aderente. Com esse objetivo realizamos a tarefa
sobre uma mesa coberta por napa, podendo ser qualquer outro material
semelhante que tenha como princípio uma malha de náilon ou algo pa-
recido. Também em superfícies de madeira é possível, porém nesse caso
há mais aderência da pasta. Outra possibilidade é em um piso de “chão
batido” pulverizado com cinza, que serve para a pasta não aderir.
Outra maneira de produzir um rolete é esfregando uma mão na
outra com um bloco de argila no meio. Essa é uma técnica que não
dominamos, por isso não fez parte do processo experimental. Outra
razão para não a usar baseia-se no fato de a bibliografia etnográfica não
considerar esta técnica como comum entre os Guaranis do período do
contato nas áreas em que foram documentados.
A junção dos roletes é outro fator importante para se ter um bom
resultado, roletes mal juntados podem reverter-se em fraturas durante
a secagem ou cozedura. Para juntar os roletes comumente aparece na
bibliografia da cerâmica artesanal o uso de sulcos transversais de peque-
na espessura com a aplicação de “barbotina” como cola. No registro
arqueológico tal técnica não é identificada, sugerindo existir outra que
não essa, pois quando os fragmentos apresentam o “positivo” de um
rolete não são identificadas as marcas da técnica de incisão de sulcos
transversais.
Diante do exposto buscamos uma alternativa que cumprisse a função
de juntar os roletes e pudessem apresentar semelhanças com aquilo que
é observado no registro arqueológico. Para a alternativa encontrada usa-
mos o nome de “junção dos roletes por pressão”. Essa técnica consiste
em pressionar o rolete de cima sobre o de baixo com o uso dos dedos
para unir-los.

4.5.2. Acabamentos
Para este trabalho reservamo-nos a utilizar a expressão “tratamento
de superfície” para tudo que diz respeito ao que é visível e disposto
na superfície de uma peça cerâmica, independente de ser uma técnica
produtiva ou decorativa.
No conjunto de peças produzidas seguimos a relação estabelecida
entre forma e tratamento de superfície para cada classe, menos para as
pintadas, pois para este conjunto a superfície manteve-se alisada. Sendo
assim optamos em utilizar apenas três tratamentos de superfície aplicados
nas classes correspondentes.

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A. Alisado: aplicado em Talhas B. Corrugado: aplicado em C. Ungulado: técnica


(cambuchi), copos (cambuchi caguabã), Panelas (yapepó), utilizada para alguns
e pratos (ñaé, ñaembé) e pratos (ñaé, ñaembé) pratos (ñaé, ñaembé)

QUADRO 3.
Técnicas de
tratamento de
superfície

5. Ambientes de produção e armazenamento


As condições climáticas trazem diversas condicionantes em todas as
etapas do processo produtivo (diga-se aqui, todo o período da produção
até a cozedura) a oscilação de temperatura, ventos e umidade do ar pode
reverter-se em fatores prejudiciais.
Em dias frios onde há maior umidade no ar as peças tendem a de-
morar mais para secar, necessitando muitas vezes de equipamentos que
diminuam esse efeito para se obter bons resultados. Nesse período nota-
se que o tempo de trabalho numa peça pode ser estendido para vários
dias. Em dias mais quentes e mais secos as peças secam mais rapidamente,
favorecendo as fissuras e diminuindo o tempo disponível para trabalho
na peça, caso não se tome medidas alternativas como manter a peça
umedecida.
As correntes de ar são outro fator de risco, o seu contato com a peça
tanto na produção, como na etapa de secagem, podem causar o resseca-
mento em partes isoladas, fragilizando a estrutura e causar rachaduras.
Diante do exposto, podemos observar uma preferência por determi-
nados espaços dependendo da época do ano. No nosso caso, optamos
por espaços internos, com aquecimento elétrico no Inverno e pouca
ventilação na primavera, sempre tentando manter uma temperatura me-
diana, em torno dos 20 a 25°C.

7. Fotografia
Além de fotográficas ilustrativas para o processo produtivo usamos
como parte da metodologia, fotografias para cada uma das peças tiradas
na posição ortogonal com a resolução mínima de 8.0 mega pixels, em
quatro visões diferentes, que são: para as peças em etapa seca, apenas de
perfil com a boca para baixo; com as peças cozidas além de perfil com
a boca para baixo também de perfil a boca para cima, do fundo externo
e da parte interna.

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| Reprodução experimental de formas cerâmicas | Jedson Francisco Cerezer | Pedro Crura | Miguel Neto |

8. Testes adicionais
Tendo uma peça cozida, com todas as fotografias e medidas tiradas, é
possível submeter às peças aos mais variados testes. Nós optamos por fazer
num primeiro momento o teste que indica a taxa de absorção e, num segun-
do momento, para algumas peças selecionadas o teste de “aquecimento”.

8.1. Taxa de absorção: Esse é um teste que ajuda a classificar as


peças de acordo com o grau de absorção e indica estágios de cozedura
da peça, podendo variar dependendo da pasta, da temperatura e da at-
mosfera de cozedura.
Como todas as peças foram pesadas depois de cozidas, esse valor é
posto de lado a espera de um novo valor resultante do teste de absorção:
todas as peças permanecem submersas em água por 24h, depois são reti-
radas e a água é escorrida para serem pesadas novamente. Com o peso
da peça encharcada d’água e o valor da peça cozida é possível por meio
de uma regra de três simples obtermos o percentual de absorção.

8.2. Testes de aquecimento: O objetivo desse teste é indicar,


mesmo que de forma incipiente, qual é o tempo médio de aquecimento
em cada peça e fazer a relação entre a variável tempo/temperatura com
o tratamento de superfície. A principal razão do teste é saber qual tipo
de tratamento de superfície (corrugado ou alisado) proporciona o aque-
cimento mais rápido do conteúdo no interior da vasilha.
O teste consiste em aquecer as vasilhas com água até atingir 100°C
e cronometrar o tempo. Para alcançar o objetivo, usamos como termô-
metro uma sonda pirométrica e para todas as peças adicionamos água,
até atingir 10% de sua capacidade volumétrica. O processo ocorreu
sempre na mesma estrutura de aquecimento, supondo também ser a
mesma intensidade de calor. Para obter os percentuais resultantes do
teste de “aquecimento” nos baseamos numa lógica de fração. Dividimos
os volumes correspondentes a água (ml), pelo tempo (seg.) conforme
mostra a fórmula {ml ÷ sg. = x} o valor de (x) equivale à média de ml
por seg. que foi utilizada como variável de cálculo para compor as médias
de variação de temperatura entre as vasilhas.
9. Fratura e quantificação dos fragmentos
É de conhecimento geral dos arqueólogos ou pessoas ligadas a essa
área, que a grande maioria do material cerâmico arqueológico encontra-
-se fragmentado. As razões da fragmentação são diversas. Todas resultam
de uma força exercida sobre a peça, seja no período de utilização ou
abandono.
Reproduzir os diferentes processos em que uma vasilha se fragmenta
é impossível, ainda porque podem ocorrer em momentos diferentes,
sobre condições diferentes, resultando assim em tipos e quantidades de
fraturas diferentes, que dependendo da situação podem estar dispostas
em zonas específicas da superfície, ou seguir direções distintas.
Para obter os fragmentos optamos por um método que nos pareceu
coerente: submeter às peças a uma força mecânica controlada, exercida
diretamente sobre a base da vasilha. A força não é de impacto, mas sim
de pressão, estando à peça apoiada sobre uma base plana, vindo a sofrer
pressão crescente até sua fratura. A força exercida é calculada em quilo-
grama força (kgf).
O método de fratura utilizado está longe do que seria uma fratura
causada por uso ou processo pós de posicional, porém atende alguns
preceitos básicos como uma força mensurável e progressiva.
Os tipos de fragmentação resultantes estão relacionados com cada
tipo de peça, podendo haver variações de acordo com o processo pro-

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| Reprodução experimental de formas cerâmicas | Jedson Francisco Cerezer | Pedro Crura | Miguel Neto |

dutivo. Tipos diferentes de pastas, manufatura ou a cozedura tendem a


reagir de formas diferentes sobre a mesma força de pressão, produzindo
“linhas de fratura” diferentes, dependendo da combinação.

9.1. Bordos
Relativamente aos bordos apresentamos duas possibilidades de men-
suração: “ábaco de círculos concêntrico” e “sistema de círculos a partir
de um compasso para obter o raio”. O objetivo é recuperar o diâmetro
de boca da peça. Para chegar a esse resultado todos os fragmentos de
cada peça foram postos sobre estes procedimentos de análise, inclusive os
muito pequenos, para com isso termos a dimensão mínima do fragmento
que pode ser utilizado para se obter resultados confiáveis.
As análises dos bordos contam com informações prévias obtidas di-
retamente na peça antes da fratura, que são: desenho do bordo em folha
milimétrica e raio obtido por meio de transferidor, com três pontos de
reta sob ângulos de 45 graus ao centro.

Reflexões
O processo metodológico de experimentação arqueológica descrito
aponta para questões que podem ser observadas com um olhar tecno-
lógico, não querendo dizer que seja essa a essência, mas é somente isso
que conseguimos recuperar, de resto entramos num campo especulativo,
sujeito a interpretações momentâneas, com risco de repetir os velhos
erros do passado, erros que marcaram a arqueologia Guarani por repetir
indistintamente alguns mitos, “mitos que se tornaram verdade acadêmi-
ca” (Noelli, 1993: 11) e foram reproduzidos ao longo do tempo tanto
por etnólogos e antropólogos como por arqueólogos.
A nossa experimentação traz algumas contribuições nesse sentido.
Não apresentamos conclusões, mas sim reflexões, sobretudo no que
concerne à manufatura, tratamento de superfície e cozedura do material
cerâmico.
Se hoje existem peças cerâmicas compondo coleções arqueológicas
e essas têm datações por volta 1500 mil anos BP (Noelli, 2008: 31), é
certo que existe uma tecnologia que permitiu esse avanço no tempo e
esta tecnologia está ligada diretamente com a manufatura e cozedura
das peças.
Quando falamos de cozedura lembramos que o fato de um material
cerâmico ter atingido a temperatura necessária para fazer a inversão do
quartzo, aproximadamente aos 573°C, não quer dizer que seja o sufi-
ciente para ser uma “boa cerâmica”; é preciso mais – por volta de 900°C.
Para atingir essas temperaturas não é muito difícil, visto que um material
incandescente está no mínimo a uma temperatura de 800°C., portanto,
as cerâmicas Guarani são cozidas a baixa temperatura, mas baixas na escala
das cerâmicas o que corresponde a temperaturas até 1000°C.
Outra questão relevante está no tipo de fratura e na coloração das
paredes, que demonstramos ser muito mais uma questão de composição
das pastas para o primeiro, e da atmosfera de cozedura para o segundo,
do que da temperatura atingida por uma peça durante a cozedura, pois
em nossa experimentação os resultados apresentaram variações nesses
dois aspectos em cozeduras com temperaturas idênticas, na casa dos
900°C.
Relativamente aos “tratamentos de superfície” a reflexão que con-
seguimos fazer sobre esse tema diz respeito, principalmente ao “corru-
gado”, alisado e ungulado, uma vez que não utilizamos o pintado. La
Salvia e Brochado (19892: 38) levantam questões sobre o que é produti-
vo e o que é decorativo, “Seria possível fixar a distância que separa um
do outro? Aquilo que é produção e o que é decoração?”

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| Reprodução experimental de formas cerâmicas | Jedson Francisco Cerezer | Pedro Crura | Miguel Neto |

Essa questão refere-se principalmente ao tratamento tipo “corruga-


do”, segundo os mesmos autores (página 31), indicam que para se obter
esse tratamento de superfície que é caracterizado pro uma “decoração
profunda” a peça precisa estar em “estado de couro”, somente depois
que o processo produtivo tiver chegado ao fim é aplicado uma nova
camada de argila na qual é elaborado o processo decorativo, dessa forma
a peça já estaria sólida e não sofreria abalos. Sendo então dois momentos,
um produtivo e outro decorativo.
As nossas observações indicam que a técnica do “corrugado” é uma
técnica produtiva. Para conseguir esse tipo de tratamento em uma peça,
é preciso somente erguer as paredes deixando os roletes expostos, nunca
erguendo uma peça de forma ininterrupta, sempre atento ao tempo de
“firmeza da peça”, nunca deixando chegar ao “estado de couro”, caso
isso aconteça o corrugado não cumpriria com a função que lhe atribuí-
mos – “unir os roletes”.
Uma peça corrugada tem, portanto só um momento de trabalho em
sua superfície externa; quando o último rolete estiver unido, a peça tem
sua superfície externa pronta.
Sobre as questões de ser uma ação equilibrada para manter a estética
das peças; acreditamos que sim, pois a uniformidade contribui na ativi-
dade técnica, uma vez que os roletes tendo sempre as mesmas dimensões,
a peça terá também melhor estrutura e consequentemente o corrugado
seguirá as linhas dos roletes, o que trará um aspecto de “ordenação/sime-
tria” para quem a observar.
Com relação às funções que o corrugado cumpre além das já men-
cionadas, podemos dizer que em nossas peças não notamos propriedades
diferentes do alisado até o momento. O que constatamos foi que são peças
cujo aquecimento do conteúdo em seu interior é mais lento que uma peça
alisada, portanto, se considerarmos que as peças corrugadas são as utiliza-
dos com maior frequência sobre o fogo – “louça utilitária” – precisamos
de novas experimentações com relação à sua resistência “termomecânica”
ou funcionalidade, até isso não ser verificado, não temos como indicar o
motivo técnico da preferência, a não ser pela facilidade da manufatura.
Sobre os outros dois tratamentos, alisado e ungulado, as considera-
ções demonstram se tratar de uma atividade de trabalho mais intensa.
Uma vez que os roletes estejam unidos é preciso retornar à superfície
da peças por mais de uma vez ou quantas forem precisas até atingir a
intensidade necessária ou pretendida.
Se o alisado exige essa atividade morosa, o ungulado exige mais, pois
o retorno a superfície da peça e feito no mínimo mais uma vez, além
de que imprimir as marcas da unha sobre toda a superfície exige muito
tempo. Talvez seja por esse motivo que não vimos até ao momento
grandes peças com o tratamento de superfície ungulado.
Sendo assim podemos considerar o ungulado uma decoração, pois
as funções técnicas até aqui estudas não são justificadas pela superfície
com marcas de unha.
Por fim iniciamos o processo de confrontação dos resultados de
técnicas de reconstituição com os valores reais da peça antes da mesma
virar fragmento. As indicações apresentadas sugerem grandes possibili-
dades de avançar para estimar a metodologia que melhor se adapta ao
tipo de material em causa.
Se olharmos para os bordos, notamos que a mesma peça ao virar
fragmento, apresenta vários tamanhos de raio de boa para a mesma
circunferência, dificilmente teremos dois fragmentos cuja reconstrução
indique tamanhos iguais, indiferente de qual for a técnica de recons-
trução utilizada seja a do “compasso” ou dos “círculos”. Nesse caso, se
considerarmos os fragmentos de bordo para estimar o número de vasilhas

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presentes numa coleção, somente os diâmetros reconstruídos a partir dos


bordos não são suficientes para inferir uma análise satisfatória, visto que
há sempre deformações pela “força inerte” ou simplesmente pela sua
própria manufatura ser irregular, e os resultados ampliam o número de
circunferências, automaticamente amplia a quantidade de vasilhas.
O processo apresentado demonstra ser uma prática viável, embora
os resultados sejam referentes a uma coleção modesta, já é possível re-
pensar algumas questões e avançar com a metodologia para o campo das
coleções arqueológicas.

Agradecimentos

Estado Português através da FCT – Fundação para a Ciência e a


Tecnologia que financiou este trabalho no âmbito do projeto SFRH/
/BD/74394/2010.

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The Ergonomics of the
Chaînes-opératories
DRAGOS GHEORGHIU

ABSTRACT: The studies of the chaînes-opératories has neglected the corporeality of the
operator, therefore the present study proposes an approach to technology, which will in-
volve ergonomics. The present text discusses the ergonomics of Chalcolithic kilns, trying
to recover the human aspect of technology, forgotten in archaeological studies.

KEyWORDS: Ergonomics; Chaînes-opératories; Kilns; Experiment; Chalcolithic.

RESUMO: Os estudos de candeias operatórias negligenciaram a corporalidade do operador,


pelo que o presente estudo propõe uma abordagem à tecnologia que envolve a ergonomia.
O artigo discute a ergonomia dos fornos Calcolíticos, tentando recuperar o aspecto humano
da tecnologia, esquecido nos estudos arqueológicos.

PALAVRAS-CHAVE: Ergonomia; Cadeias operatórias; Fornos; Experimentação; Calcolítico.

I. History
The French school of anthropology was the first to approach the
relationship between body and technology (Mauss, 1935; Leroy Gour-
han, 1943/5; Leroy Gourhan, 1964/5) and used structuralism to ana-
lyze the chaînes-opératories (Creswell, 1976; Lemonnier, 1983; Lemon-
nier, 1993/2002; Schlanger, 1994).
Although they started from the analysis of the human body in rela-
tionship with the materials, the subsequent studies neglected the human
presence (i.e., the human body) within the technological stages. Even if
embodiment or corporeality are mentioned in relationship with technology
(for an extended bibliography see Dobres, 2000), ergonomics was not
applied to the study of the chaînes-opératories.

II. Method
To solve this problem, I suggest a presentation of the technological
stages in connection with human anatomy, physiology and the me-
chanical principles of the human body (i.e., ergonomics). Since this
complexity of the human activity should be the ultimate goal of any ar-
chaeological investigation I propose experimental archaeology to study
the ergonomics of ancient technologies. In this perspective I will try to
present the functioning of a Chalcolithic kiln from the personal experi-
ence of the ergonomics of the basic operations.

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| The Ergonomics of the Chaînes-opératories | Dragos Gheorghiu |

III. Study Case


The reason that determined me to approach the technology of kilns
was the scarcity of experimental work in this field (see for example Rice
1997; Dawson and Kent 1987), therefore I chose to study the kilns of
the Cucuteni-Tripolye tradition (5th – 4th millennia B.C.) (Gheorghiu
2002; 2007a; 2007b) from south eastern Europe. I made copies of
sunken up-draught kilns with two chambers and perforated platform,
which are mentioned during the final phase of this tradition.

IV. I. Chaîne-opératorie And Ergonomy


All the technological stages described will be from the perspective
of the ergonomics of the operator.
A first operation was the spatial orientation of the vent and mouth
of the firing chamber to offer a good postural and visual ergonomics to
the operator. A shallow terrace of 2m high was selected, to allow the
crouched operator to have a simultaneous view of the two openings
during the feeding of the fire.
A second operation of building was the excavation with wood sticks
of the voids of the kiln, i.e. the vase chamber (2m deep, base diameter
1,50m; flue diameter 0,50m), and the firebox (length 1,5m; height 35
cm). To achieve the rough shape of the vase chamber, the operator
started to work standing and continued with the body stretched on the
soil, but he was unable to realize the curvature of the vault from outside
because of the small diameter of the vault. The experiments carried
with children were successful to finish the ovoid shape. An adult in
crouched position assisted the child inside the kiln by lifting the baskets
with excavated soil.
A third operation of building was the making of a wattle and daub
0,5m high platform, with a thickness of 0,15m, an operation carried
also with the help of children. The operator provided the lumps of
clay, which were positioned by a child on the wattle structure. After
the completion of the manufacture process, the operator, with the body
stretched on the soil, perforated the wet platform with a long stick. A
fourth operation of building was the plastering of the vase chamber,
achieved be a child sitting on the platform.
The first operation of firing the vases was the filling of the vase
chamber through the flue; a child was descended on the platform to
position the vases around the perforations, his small weight allowing
him to step on the rows of vases (Fig. 1). A last operation of loading
was carried from outside by the operator with the body stretched on
the soil. The second operation was the covering of the flue with a layer
of sherds, to allow air-draught, the operator working in a crouched
position.
A third operation of the firing process was the initiation of fire in
front of the firing chamber, and the slow pushing into it. The most fre-
quent body movements of the operator were: head movements, bend-
ing forward to introduce the fuel into the firing chamber, short trips
between the fire opening and the fuel deposit. During the initiation of
the fire, the operator sits on heels at 1 m distance from the kiln.
At a temperature of 120°C - 200°C the capillary water is evacua-
ted (Arnold 1997: 61) and the operator shall keep this temperature for
at least one hour, by introducing or extracting the fuel from the fire
chamber. The crouched operator has the eyes fixed on the flue to watch
the vapour emission.

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| The Ergonomics of the Chaînes-opératories | Dragos Gheorghiu |

FIG. 1. A child
helping to position the
vases on the platform.
Vadastra village 2002.
Photo D. Gheorghiu.

Another moment of keeping the temperature under control for a


long time is at 500°C, when the organic material from the clay matrix
begins to be consumed, followed by an emission of dark smoke, with
a specific smell. The crouched operator continues to watch the flue to
see when the smoke emission will cease, in order to continue to raise
the temperature until the process of sintering.
These two operations compel the operator to repetitive movements
of squatting and arm stretching and folding movements; he climbed up
the terrace for several times to catch the moment of the emission of red
light, indicating a temperature over 600°C inside the vase chamber.
Another operation, which stresses the body of the operator, is the
extraction of the ambers that fill the firing tunnel, to allow a better air
draught and raise the temperature over 900°C. From all the stages of
the chaîne-opératorie of firing, this one has the strongest sensorial effect on
the human body. The ambers could be extracted with the help of a long
rod, the operation implying a series of complex corporal movements
and a painful excitation of the eyes.
A last stage of the chaîne-opératorie of a firing in oxidized atmosphere
is the closing of the flue and of the firing tunnel with sherds and lumps
of clay. For the production of grey or black ceramics, the ambers are
left inside the fire tunnel, which is filled with wet organic material, and

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| The Ergonomics of the Chaînes-opératories | Dragos Gheorghiu |

the apertures of the kiln are sealed with wet clay. The total duration of
the chaîne-opératorie described is between 5 to 18 hours, depending on
the load, fuel, and temperature of the environment, and on the style of
firing of the potter.

V. Conclusion
The present text tried to describe the chaîne-opératorie of the kiln as
an embodied set of technological sequences. Seen from a moderno-
centric perspective the ergonomics of the kiln compelled the operator
to postural positions or extreme visual experiences, which seem par-
ticularly demanding for the modern operator. But the squatting and
crouched positions could be relaxing for part of the muscles as one can
see from examples from different traditional societies.
I am aware that my personal sensorial experience was significantly
determined by my formative culture; but after many experiments, I
arrived to incorporate the chaîne-opératorie as habitus, and embody its
ergonomics.

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Shaping techniques, pots forms and
cultural relationships. A case study in
two Gambian villages.
MOUSTAPHA SALL

ABSTRACT: The study of pottery making in two Gambian villages (Katchang, Njacounda)
showed that shaping techniques constituted a parameter allowing for a characterization of
the deepest facets of artisans identity. In this area, potters use a combination of coiling and
molding which permit to produce particular pots, different to the others coming from the
Sereer, Wolof, and Mandingo neighborhood. A meticulous analysis of this behavior had
permit to argue a technical intermarrying which is a result of cross-cultural influence.

KEyWORDS: Ethnography; Pots; Gambia.

RÉSUMÉ: L’étude de la fabrication de la poterie dans deux villages gambiens (Katchang,


Njacounda) a montré que les techniques de façonnage constitue un paramètre permettant
une caractérisation des profondes facettes de l’identité des artisans. Dans cette zone, les
potières utilisent une combinaison de colombinage et de moulage qui permettent de pro-
duire des pots, différents de ceux fabriqués par leurs voisins sereer, wolof et mandingue.
Une analyse minutieuse de ce comportement a permis de montrer l’existence d’un métis-
sage technique qui est une conséquence de l’influence interculturelle.

MOTS-CLÉ: Ethnographie; Pots; Gambie.

Introduction
The study of the shaping technique in the pottery manufacturing
process is variously appreciated. In archaeology, the usual step consisted
to classify artifacts excavated or collected during surveys on the basis of
physical and decorative variations. Such methodology, although it is
useful and necessary for the typology of the many sherds, is not sufficient
to explain technical choices and, therefore, to analyze and interpret in
an objective way established classifications. To allow a meticulous analy-
sis of the pots, the ethnoarchaeological studies were directed towards the
identification of the techniques used during the shaping of the pots, and
especially the various interpretations of these technical choices.
Indeed, for some researchers, the choice of a technique is subor-
dinated to the various constraints of the matters (Bronitsky 1986; Franken
1971), to the shape of the container made (Orton & Al 199; Rice 1987;
Rye 1981) or to the scale of production (Rye 1981; Sinopoli 1991). For
others the main interest is the cultural behaviors of the craftsman. For this
late argument, the studies shown that the shaping techniques are made
conspicuous by their discretion, and do not leave marks on the products.
They are distinguished from the other stages by the specificity of the
gestures used, rather than of the matters or the tools. The observations
show that during the knowledge transmission many masters require

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| Shaping techniques, pots forms and cultural relationships | Moustapha Sall |

special attention during the shaping. In addition to the demonstra-


tions carried out for a given technique, master does not hesitate to take
apprentice’s hands to put them in the good position. This repetition of
the gestures and their sequence help the future potter to acquire the not
easily modifiable practices. This behavior, observed on the level of the
shaping, contributes largely to the conservation of the techniques, and
a great stability through time and space (Gosselain 2000). It offers a relia-
ble parameter which makes it possible to determine the level of space
diffusion of the networks of training. This stability through time and
space generally coincides with the assertion of distinct identities (Gallay
1994, Gosselain 1995, Guèye 1998, Sall 2001; 2005a).
The objective of this paper, which is based on a comparative study
of production systems of ceramics in Two Gambian villages (Katchang,
and Njacounda), is to show that a meticulous study of ceramics, which
are distinguished from each other by their form and size, could inform
us about the existence of a possible diversity of technical choices.

Area of study
Study was conducted in two Gambian villages (Katchang and Nja-
counda) located in the west bank of Gambia River (Present Gambia is
a small independent country border by Senegal).

FIG. 1. Location of
the two Gambian
villages (Katchang,
and Njacounda).

These villages are settled by “Soocé” people, who are also present
in the South, and the south-east of Senegal. The term “Soocé”, used in
the mid-west, designates two sub-groups. The first refers to the People
of Iron Age period, coming from the central zones of Ghana empire
(7th-8th centuries). They were the tumulus builders, and were mixed
with the first Sereer migratory waves coming from the Middle Senegal
valley (Pélissier 1966, Gravrand 1983).

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The second is leaving people of the great ethno-linguistic Mandingo


family, which includes several other groups dispersed in all Western
Africa. They settled in Senegambia during the 13th century great Man-
dingo migrations and conquests during under the rule of the great Mali
emperor (Soundjata). Nowadays, the old Mandingo area covers Guinea,
Mali, Senegal, Part of Mauritania, Burkina Faso, Niger, and North of
Ivory Coast). From the 13th century to the 16th century, Mandingo Peo-
ple had introduced kingdom system and strong social hierarchy system
in all West African areas under their influence. In their historical zone,
the social system is based on hierarchy which distinguishes free men (non
specialized persons), and castes (artisans: blacksmiths, leather-workers,
weavers, bards, wood-carvers).

Pottery Production System


The study of social history of pottery production shows that it is
essentially a secondary domestic activity. It is performed in addition
to household and farming duties, and is carried out by women. In this
hierarchical society, ceramic production is exclusively carried out by
individuals, who belong to endogamous and hereditary groups.

Identities and social status


In the two villages, women potters had a same Mandingo linguistic
identity, but claim different cultural origins. In Katchang village, four
potters are Soocé Mandingo with a social status of Blacksmith. One is
a Fulani, member of non specialized group. In Njacounda village, four
are Soocé-Mandingo with a social status of Blacksmith. One is a Fulani,
member of non specialized group, and one is member of Wolof group,
and is a bard (musician specialized group).
All these women gather in large workshops where different tasks are
divided between the ‘master-potters’ and their apprentices, with whom
they either share parental or neighbourly ties.

Channels of knowledge transmission


The channels of knowledge acquisition are integrated in social and
cultural networks. In Katchang village, pottery manufacturing technique
was introduced by a Wolof potter, who teached two others women
(Fulani, Bambara), who were the masters of actual potters. In Njacounda
village, potters are married in Wolof group and did their apprenticeship
within a family-in-law (mother-in-law, sister-in-law, aunt-in-law, and
co-wife).

Pottery manufacturing techniques


Manufacturing techniques are characterised by the absence of the
wheel and the kiln. The chaîne opératoire consists of treating the clay by
adding other non-plastic material. The resulting clay is then used, for
the second stage, which consist in shaping the bottom, body and neck
of the vessel. The third stage consists of applying the decoration. Finally,
the product is fired to make it resistant.

Making Paste
The clay is collected from dried back-waters, and rice fields. To
ensure its malleability, the potters usually add some temper (grog). The
mixture is carried out by kneading.

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FIG. 2.

Shaping
Shaping techniques vary essentially as regards the initial roughing out
of the bottom of the vessels. In Katchang village, the coiling technique is
used. Potter makes first a coil by rolling paste, and begins shaping with
a lateral crushing of a coil in the palm of a hand, while using knee as
support. At the top of the support, the process continues by using coils
to build the others parts of the pot.

FIG. 3. (Figure 2.
Shaping process in
Katchang village.)

In Njacounda village, a mix shaping technique witch consists of


coiling and moulding is used. Coils are crushed on a support-mould.
After coils are moulded by back of fingers and performing. At the top
of the support-mould, potter roughs-out the belly by coiling.

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FIG. 4. (Figure 3.
Shaping process in
Njacounda village.)

Techniques and pots forms


The coiling technique used in Katchang village allows to make open
and closed pots with simple convex bottoms.While, the combination
of coiling and moulding used in Njacounda village creates a specific
open and closed pots with convex bottoms but had an external hull
(carène?) witch symbolize the limit of the coiling-moulding in the sup-
port-mould.

FIG. 5. (Figure 4.
Shaping techniques,
and pots forms in the
two villages).

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People, Techniques and diffusion over two villages


Technical aspects and more specifically shaping processes appear to
be correlated to some forms of identity. The analysis of the channels
of knowledge transmission, and the geographical distribution of these
technical variations, allow an interpretation of the socio-technical beha-
viour in the two Gambian villages. These sources provide evidence for
contacts between the groups. Within this zone, Wolof proved excep-
tionally capacity of appropriating the behavior of others (borrowing
and production of vocabulary, agricultural and food production, land
inheritance, crafts production, etc.) and especially of refining them until
became criteria of group identification.
Hence, if this portrait is accurate, it seems probable that the Wolof
borrowed the use of coiling shaping from their Sereer neighbors, and
transfer the technique in this area (Sall 2001, 2005a).
In the same way, it is interesting to note that in the Mandingo re-
gion this work was subject to social specialisation from the 13th century
onwards (under the apogee of the Mali Empire). The artisans, who
always had and still have the monopoly on pottery production, belong
to the blacksmiths caste, and use moulding over convex form as shaping
technique (Appiat-Dabit 1941, Corbeil 1946, Niakaté 1946, Rimbault
1980, Gallay 1992, Gallay & al. 1994, Frank 1993; 1998, Virot 1994,
La Violette 1995).
Thus in Njacounda village, coiling was introduced by Wolof and
moulding is tied to Mandingo. The use of coiling+moulding is a tech-
nical intermarrying. This behavior is closely tied to their linguistic iden-
tity (Soocé-Mandingo), their different cultural origins claims (Soocé,
Wolof, Fulani), their social status (artisans) and married in Wolof group,
and got technique from their relatives.

Conclusion
This methodological approach shows the potential that an ethnoar-
chaeological study could contribute largely to the methodology which
can be used for pottery analysis, and also to the knowledge of popula-
tion’s cultural dynamics.
Study of shaping techniques in the two Gambian villages shows the
use of coiling is beyond all the ethno-linguistic frontiers, as they are set
today. Its diffusion is largely due to the movement of women.

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Da Água, os Potes: Oleiras de Trás di
Munti em Cabo Verde
VIRGÍNIA FRóIS

RESUMO: Da fala das mulheres falarei dos seus potes, falarei das oleiras e da sua técnica.
Da possibilidade de recuperar a arte e das novas necessidades, da possibilidade da arte
contemporânea se constituir como uma hipótese de valorização. Da valorização da olaria
destas mulheres se constituir como um processo para o desenvolvimento, ser uma voz. Da
investigação, da criação artística e da formação dos jovens da comunidade, a projecção do
lugar e a potenciação para o futuro.

PALAVRAS-CHAVE: Cabo Verde; olaria de mulheres; arte; cultura local; desenvolvimen-


to; sustentabilidade.

ABSTRACT: Of speech of women I will speak of their pots, I will speak of potters and of
their technique. Of the possibility of recover the art and the new needs, of the possibility
of contemporary art constitute itself as an improvement hypothesis. The appreciation
of these women`s pottery will constitute a development process, it will be a voice. From
the research, artistic creation and training of youth in the community, the projection of
the place and enhancement for the future.

KEyWORDS: Cape Verde; pottery from women; art; local culture; development; sus-
tainability.

DA ÁGUA, OS POTES
(…) agu dja seka (…) nu ta baba ku poti, nu ta apanha agu (…) homi ta baba
ku se poti na ombro, ta apanha agu pa nu enchi poti (…)
Nha Lúcia

1. Introdução
A arte da olaria em Cabo Verde desenvolve-se desde o povoamento
das ilhas e seguiu um modelo de origem africana, era feita por mulheres,
sem o recurso ao torno, provavelmente contaminada por modelos eu-
ropeus trazidos para as ilhas pelos colonos portugueses, no entanto esta
tese carece de estudo que a comprove. A olaria desenvolveu-se em três
centros oleiros nas ilhas de Santiago em Trás di Munti e Fonte Lima, e
na ilha da Boa Vista no Rabil.
O trabalho que se apresenta foi realizado em Trás di Munti, por ser
o local onde a arte da olaria estava inactiva e onde se tinha desenvolvido
com excelente qualidade abrangendo uma faixa muito significativa de
famílias. Trás di Munti situa-se na vertente Norte da Ilha de Santiago
estende-se uma península (fig. 1), que culmina no Monte Graciosa com
643 metros de altitude. A superfície dos fonólitos estende-se até aos
relevos de Trás di Munti, os quais dominam uma superfície estrutural

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de extensos afloramentos de materiais sedimentares e depósitos argilosos


[1]. Em termos demográficos, a região abrange 1057 pessoas, “badios”
– designação dada aos escravos que fugiram para lugares inabitados e
isolados – e algumas famílias de “rebelados” – comunidades fechadas que
se baseiam em princípios de grande austeridade muito ligados à terra a
um sentido de origem e pertença – detentores do domínio das artes da
olaria, da panaria e da cestaria.
Neste território desenvolveu-se a olaria feita por mulheres segundo
técnicas ancestrais de origem africana, um dos melhores centros oleiros
de Cabo Verde, sendo as peças mais características os potes de guardar
água. A produção da olaria era a principal fonte de rendimento das
mulheres constituindo-se como forma de acesso a outros bens, nomea-
damente a educação e os alimentos. Esta actividade entrou em deca-
dência em meados do século XX constituindo-se como um factor de
desvalorização e empobrecimento. Esta comunidade muito isolada tem
uma crescente emigração e é uma das mais pobres de Cabo Verde.

2. Da possibilidade de recuperar a arte da olaria


2.1. O estado da arte

O projecto Guardar Águas iniciou-se com uma residência artística,


realizada no ano de 2006, dedicada ao intercâmbio, estudo, preservação
e divulgação dos materiais e das práticas tradicionalmente mantidas por
mulheres oleiras da localidade de Trás di Munti no concelho de Tarrafal
de Santiago em Cabo Verde, e seu cruzamento com processos artísti-
cos contemporâneos. Esta primeira fase do projecto teve, ainda, como
objectivo, incentivar a continuidade da prática da Olaria de Mulheres e,
deste modo, contribuir para a valorização e requalificação da vida desta
comunidade. Esta acção visou promover a continuidade e a evolução
desta arte tradicional, constituindo-se como uma aproximação ao terri-
tório e ao estudo e salvaguardar este património, criando as condições
para um projecto mais amplo.
A conexão entre arte, ciência e património é uma questão bastante
abordada, pela prática artística contemporânea. Algumas experiências
foram realizadas com sucesso no âmbito de projectos culturais que arti-
cularam arte, defesa do património, desenvolvidos em Montemor-o-
-Novo pela Associação Oficinas do Convento. Destacamos em 1996 a
reabilitação do Telheiro da encosta do castelo uma unidade de produção
artesanal de materiais cerâmicos para a arquitectura, estes processos ce-
râmicos elementares são a base da construção dos principais edifícios da
cidade e do seu centro histórico. Neste projecto incluiu-se uma nova
valência, a escultura salientamos os simpósios de escultura [2] onde
foram realizadas peças de grande dimensão para o espaço urbano, es-
tas praticas trouxeram para o campo da escultura novas possibilidades,
os escultores participantes e os estudantes de artes puderam beneficiar
de um novo espaço de trabalho. O Projecto Rio [3] posteriormente
desenvolvido alargou o campo experimental da arte ao sítio do rio,
desenvolvendo actividades que se cruzam com a ciência aproximando
investigadores, artistas e estudantes em projectos comuns. Os resultados
foram publicados e amplamente discutidos e avaliados, contribuindo
para designar Montemor-o-Novo como Cidade Criativa [4].
Em relação à investigação sobre os processos técnicos de fabricação
de cerâmica manual, existe uma multiplicidade de estudos etnográficos e
etnoarqueológicos, que descrevem detalhadamente os processos técnicos
em diversas comunidades pré-industriais. Destacam-se a tese de dou-

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toramento Traditions Céramiques, Identités et Peuplement en Sénégambie.


Ethnographie Comparée et Essai de Reconstrution Historique de Mustapha
Sall [5], a publicação Smashing Pots do British Museum, na qual Nigel
Barley [6] mostrou a importância do estudo da produção cerâmica para
uma reflexão sobre as próprias sociedades em diversos grupos africanos
onde se encontram interessantes metáforas do corpo nas cerâmicas, quer
ao nível das suas partes constituintes, quer nas formas e atributos relacio-
nados com a fertilidade presentes em muitas tradições oleiras por outro
lado o catalogo da exposição Vallés du Níger de J Devisse [7] dá-nos
conta da valor arqueológico das terracotas do Vale do Níger. No Brasil a
investigadora da UNESP e artista plástica Lalada Daglish [8] desenvolveu
desde 1997 um projecto de investigação com o objectivo da recuperação
da olaria de mulheres no Vale de Jequintinhonha, publicando o livro
Noivas da Seca - Cerâmica popular do Vale de Jequintinhonha (Minas gerais).
Comprovando-se que a valorização da cultura material e a interacção
com os artistas neste lugar foram geradores de desenvolvimento e de
uma atitude criadora destas mulheres gerando actividades sustentáveis,
combatendo a pobreza e promovendo o desenvolvimento. Neste sen-
tido podemos inferir que a participação tem vindo a ser utilizada por
artistas em projectos que visam a mudança social, podendo situar-se no
âmbito de posturas criticas ou politicas ou ainda em estratégias de identi-
dade cultural ou de salvaguarda de direitos num modelo de “autonomia
empenhada” Charles Esche, Cit [9].

2.3. O aprendizado da arte e a Investigação

“(…) kes alguém ki ta fazeba kes poti la, grandi la, dja ka mori, so kes mudjer
bedjo, kes moda nha mãe, kes ki era nha tia, es kusas, tudu Trás di Monti li tinha
kes mudjer grandi ki ta fazeba, ta fazeba, ta vinha kumprado li na kasa, tudu dia
Dimingu bem kumprado li na kasa (…)
Pascoinha

FIG. 1. Oficina da
mestra Pascoalina
Borges

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A Oficina de Olaria “Modelar o barro para reconstituir o passado e construir


o futuro”, surgiu na sequência da primeira fase do projecto “Guardar
Águas” teve os seguintes objectivos: a) valorizar a cultura local; b) fazer
o levantamento etnográfico dos processos técnicos da cadeia operatória
da olaria; c) formar novas oleiras; d) criar um circuito de promoção e
venda dos objectos produzidos.
A metodologia apoiou-se, no modelo tradicional. Criaram-se três
oficinas dirigidas pelas mestras oleiras Pascoalina Borges, no sítio de
Costa Pinha (fig. 1), Saturnina Tavares, no sítio do Cobom da Estrada,
e Isabel Semedo, no sítio de Assomada de Trás di Munti. Cada uma das
oficinas teve cerca de seis aprendizes, jovens mulheres escolhidas pelas
mestras dentro do grupo familiar e dos vizinhos. (fig. 2)

FIG. 2. Localização
das áreas de recolha,
barreiros e objectos

O aprendizado teve como referências as peças de raiz tradicional,


potes de água, potinhos, potes de tingir, moringos, bandejas, pratos e
tigelas, assim como o figurado (fig. 3). Utilizamos uma estratégia apoiada
na recolha do património local, propondo-se a cada aprendiz o levanta-
mento das peças que ainda se mantinham em uso nas suas casas (fig. 4).

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FIG. 3. Figurado
oficina da mestra
Isabel Semedo

FIG. 4. Potes casa da


Isabel Sanches (anexo
1 ficha de inv. n.º 13)

Recorreu-se em seguida à apresentação ao grupo das peças antigas


produzidas nesta comunidade existentes nas colecções dos museus de
Etnologia da Cidade da Praia e no Museu Nacional de Etnologia de
Lisboa (fig. 5). Deste modo, procedemos à valorização da cultura mate-
rial o que despoletou nas aprendizes o sentido de pertença a esta arte e
a consequente necessidade de continuar a adaptar e criar objectos para
as novas solicitações.

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FIG. 6. Museu de
Nacional de Etnologia
de Lisboa – pote
de água e moringos
(recolha António
Carreira)

FIG. 7. Exposição
Guardar águas no
Palácio Ildo Lobo e na
Galeria Municipal de
Montemor-o-Novo

Posteriormente procedeu-se ao estudo sistemático: caracterização


dos objectos, cadeia operatória e famílias das oleiras. Nessa tarefa se-
guimos uma metodologia exploratória com base na observação e no
contacto directo, recolhendo os termos técnicos, registando os processos
de feitura, elaborando um glossário de termos e fazendo o registo escrito,
videográfico e fotográfico de todas as fases da cadeia operatória, contou
com o apoio de Pedro Grenha [10] que fez trabalho de campo no âmbi-
to estágio profissionalizante no âmbito da Licenciatura em Antropologia
da Universidade Nova de Lisboa, foi seguida uma metodologia baseada
em entrevistas a partir das histórias de vida e do quotidiano presente e
passado das mulheres desta comunidade; realizou o levantamento das
peças antigas na perspectiva de futura musealização; elaborou fichas de
objecto (anexo 1) e registou a cadeia operatória (anexos 2, 3 e 4). Neste

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momento está em preparação a edição de uma monografia “Olaria de


Trás di Munti”. Este ensaio perspectiva dois pontos de vista diferentes
em torno da temática da olaria tradicional de mulheres. Numa primeira
análise trata aspectos da vida social de objectos de cerâmica, aspectos
directamente relacionados com a biografia do objecto – reconstituição
biográfica – em si materializado na forma de pote de água; numa segunda
abordagem trata questões da contemporaneidade que por sua vez envol-
vem a noção de cultura material local. Trata-se do campo dos estudos
do património cultural material, tal como são entendidos na perspectiva
da antropologia e etnologia.
Salientamos a realização de um documentário Terra di barro, da autoria
de Pedro da Conceição, que se constituiu como um excelente veiculo
de divulgação e promoção do local, a partir do qual pudemos sensibilizar
a comunidade revisitando-se, e as entidades interessadas no desenvolvi-
mento e na cultura, com o objectivo de conseguir apoios: Municípios,
Ministério da Cultura, embaixadas e universidades, entre outros.

2.4. Divulgação e a comercialização

Nesta fase inicial, no ano de arranque e reestruturação da actividade,


foi fundamental a comunicação para o exterior, desenvolvendo-se esta
a vários níveis, local, nacional e internacional e recorrendo a diferentes
suportes: os meios de comunicação (jornais e televisão), a participação
em feiras de artesanato, a exposições e a conferencias.
Desde logo os meios de comunicação acompanharam as actividades
no terreno. Alguns jornalistas da RTCV, RTP áfrica e de jornais na-
cionais, deslocaram-se ao local onde realizaram entrevistas e reportagens
com um impacto muito positivo, salientamos a auto estima e a valoriza-
ção da cultura local e o interesse novas entidades a nível nacional.
Promoveu-se a participação das oleiras em Feiras destacando-se a de
Artesanato José Moniz na Cidade da Praia, com inicio no dia da indepen-
dência, e recentemente na feira de turismo realizada no Mindelo e na
feira de artesanato da Marinha Grande, deste modo estas apresentações
colocam a olaria no circuito de comercialização e estimulam os artesãos.
A abertura da Loja da Terra em 2008 no mercado Municipal do Tarrafal,
cria um posto de venda regular da olaria, divulgando as artes e ensaiando
novas dimensões do turismo com base na cultura e na participação.

FIG. 8. Formação na
Faculdade de Belas
Artes / Oficina expe-
rimental de etnocerâ-
mica e a exposição na
Galeria Municipal de
Montemor-o-Novo

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A Exposição Guardar Águas (fig. 6) e as conferências, onde se apresen-


taram os resultados desta intervenção, vieram alargar à comunidade cien-
tífica e artística o âmbito das acções aproximando novos interlocutores
e ampliando a equipa. A primeira exposição realizou-se em Portugal na
Galeria Municipal de Montemor-o-Novo em Novembro de 2006 e em
seguida em Cabo Verde no Palácio Ildo Lobo, na Cidade da Praia em
Janeiro de 2007. Mais tarde integrada na Festa da Cerâmica nas Caldas da
Rainha, em Julho de 2009.

FIG. 9. Centro de
Artes e Ofícios

FIG. 9. Centro
Interpretativo/
/Instalação
“Da água dá fala”

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| Da água, os Potes: Oleiras de Trás di Munti em Cabo Verde | Virgínia Fróis |

Estas acções foram acompanhadas de actividades complementares


organizadas pela Associação Oficinas do Convento de Montemor-o-Novo,
conferencias, projecções de documentários e oficinas experimentais estas
com a orientação das oleiras de Trás di Munti (fig. 7), e onde partici-
param estudantes de artes, antropólogos, educadores e artistas plásticos.
De salientar a participação e o envolvimento nas actividades em Portugal
das comunidades cabo-verdianas e guineenses da periferia de Lisboa
nomeadamente a associação Moinho da Juventude da Cova da moura e a
associação Á bolina da Quinta da Serra em Loures.
Este deslocamento do lugar tradicional da olaria e a ampliação do
seu âmbito de intervenção, colocou novas questões e criou novos in-
teresses a nível da investigação da criação artística, da sustentabilidade e
da cooperação centrada na cultura.

2.5 O Centro de Artes e Ofícios e a participação

Na sequência do projecto Guardar Águas e da necessidade de apro-


fundar e dar continuidade aos processos iniciados e havendo no local o
edifício da antiga cooperativa disponível e num estado muito avançado
de ruína, entendeu o Município do Tarrafal fazer a sua recuperação para
alojar o Centro de Artes e Ofícios / Centro interpretativo do local.
O Centro de Artes e Ofícios (fig. 8), tem como missão promover o
acesso da população local ao desenvolvimento e à consequente melho-
ria da qualidade de vida. As suas acções têm como base a cultura local,
promovendo na população a auto-estima e a consciência dos valores
patrimoniais nos domínios ambiental e cultural. Organiza acções de for-
mação com o objectivo de capacitar os actores locais para as actividades
tradicionais, incentivando a inovação.
A inauguração teve lugar em Janeiro de 2009. Contou com o apoios
de municípios portugueses e da Cooperação portuguesa na Cidade da
Praia, na aquisição de equipamentos e deslocações de técnicos e das Ofi-
cinas do Convento na concepção do centro interpretativo e no roteiro.
Na sala de exposições temporárias apresentou-se a instalação “Da água
dá fala” (fig. 9) com uma excelente receptividade da população.
Neste momento a gestão e a programação são asseguradas pelo Mu-
nicípio do Tarrafal e por uma equipa externa, com o apoio da Associação
Oficinas do Convento e de uma plataforma de municípios portugueses.
Conta com a participação de lideres locais preparando-se a criação de
uma ONGD de modo a capacitar pessoas do local para protagonizar
o projecto, numa estratégia baseada na autonomia na cidadania e na
cooperação internacional.

3. Das novas necessidades: concluir para e desenvolver


Este contacto permitiu avaliar as condições locais, a receptividade
da comunidade para a interacção com artistas e investigadores o que
nos permite ter como hipótese a renovação criativa desta comunidade
com base na identidade local, no contacto com os outros gerando novas
hipóteses de desenvolvimento.

Na sequência dos resultados obtidos estão planeadas, para o triénio


de 2010 a 2013:
a) Candidatura à Fundação da Ciência e Tecnologia do projecto
de investigação: Para além da Arte – género, ambiente e desenvolvimento

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| Da água, os Potes: Oleiras de Trás di Munti em Cabo Verde | Virgínia Fróis |

sustentável, da iniciativa da Faculdade de Belas Artes da Universidade de


Lisboa em parceria com a Universidade de Aveiro
A investigação que nos propomos desenvolver neste projecto tem
como hipótese a criação de um modelo de desenvolvimento sustentável com
base nos valores da cultura local. A olaria feita por mulheres constituí-se
como o fulcro da acção, recorrendo à mediação ao pôr em contacto as
oleiras, artistas e investigadores especializados, de modo a desenvolver a
consciência de si e do outro numa atitude criativa e dinâmica geradora
de ideias.
No nosso ponto de partida algumas questões: Como se pode rein-
ventar esta comunidade periférica a partir da olaria e das mulheres?
Pode ser um lugar de inovação, de fixação e de transito? Como é que
num território onde a emigração é a saída da pobreza pode mudar esse
paradigma e acolher os novos? Em que medida se pode interagir com a
diáspora em Portugal e contribuir para a integrar partir desta experiência
com a comunidade de origem?
Este estudo explorará a multidisciplinaridade, propiciando uma
metodologia de investigação cuja inovação se baseia no cruzamento
de saberes entre arte, design e a investigação científica: a arte estimula
e questiona criativamente, o design para a sustentabilidade valoriza as
produções artesanais como o modo de interagir com o mundo natural,
as ciência da natureza e a engenharia analisam e potenciam os recursos
naturais melhoram a produção cerâmica, as ciências humanas estudam e
potenciam os valores da identidade das histórias individuais e colectivas.
Este modelo com base na partilha de conhecimentos compreende uma
estreita cooperação entre o meio ambiente e a criação de valor artístico,
económico e social.
O projecto organiza-se em torno de três eixos fundamentais: a co-
municação dos resultados alcançados ao longo do processo onde todos
os participantes podem interagir como actores, mediadores e programa-
dores; o mapeamento antropológico e geológico originário da prática
da olaria e o contexto de vida das oleiras, a memória e o processamento
dos recursos naturais; e a aplicação de conhecimentos consubstanciados
nos objectos criados nos domínios da arte e do design, das ciências da
natureza e das ciências humanas.
Tendo em conta a inserção sócio cultural das actividades artísticas
a desenvolver no futuro, consideramos que a primeira fase envolverá a
investigação antropológica e dos recursos geológicos locais. A pesquisa
antropológica será realizada com um enfoque dirigido ao tema da fa-
mília, emigração e género articulado especificamente com a produção
da olaria.
O estudo a desenvolver pretende aprofundar e testar um modelo
de desenvolvimento sustentável promovido através da criação artística
e apoiada pela investigação cientifica. A interacção entre investigadores
nos campos da ciência, da arte e do design colocarão hipóteses e apre-
sentarão dados, que resultam de distintos pontos de vista. Esperamos que
se traduza num contributo para a inovação social e a criação de novos
paradigmas no âmbito da arte contemporânea.
Os resultados desta metodologia de actuação fundamentam o para-
digma de desenvolvimento sustentável. Sabendo que este projecto se si-
tua no âmbito das “propostas modestas” segundo Charles Esche, Cit. [9],
a intervenção envolve o contacto directo entre a comunidade local e a
equipe de investigadores. Esta atitude participativa e de partilha promo-
ve o desenvolvimento de ideias e a sustentabilidade social cumprindo,
deste modo, a premissa de actuação ao nível do desenvolvimento global
da comunidade envolvente.

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b) Preparação e criação de uma rede de investigação com a Universite


Cheikh Anta Diop em Dakar com a Universidade Estadual de São Paulo
com a Universidade de Lisboa e com a Universidade de Cabo Verde,
para estudar as relações transatlânticas da olaria: a) a história, o género,
as identidades locais e as influências; b) os processos de desenvolvimento
e a sustentabilidade social destas comunidades com base na cultura e na
identidade, decorrentes do retorno ou melhoramento desta actividade;
c) o impacto com as diásporas europeias. Esta rede parte numa primeira
fase dos casos em estudo realizados pelos investigadores Moustapha Sall
(Senegal Gâmbia), Lalada Daglish (Brasil / Vale de Joaquintinhonha) e
Virgínia Fróis (Cabo Verde / Trás di Munti), neste sentido serão feitas
visitas ao Senegal, Brasil e Cabo Verde com o objectivo de conhecer no
terreno os projectos, cruzar informação, identificar pontos de contacto
e implementar acções conjuntas no âmbito da criação, da investigação e
do desenvolvimento. Numa segunda fase poderemos incluir a Espanha
/ Canárias e Portugal / Açores - Ilha das Flores, onde sabemos existirem
investigadores e estudos sobre a olaria de mulheres.

c) Desenvolvimento da formação nas três artes tradicionais olaria,


panaria e cestaria, e na formação de animadores locais no âmbito da
programação, da gestão e das actividades socioeducativas de apoio à
comunidade escolar.

Concluirei transcrevendo o texto O uso e a contemplação escrito por


Octávio Paz, o início e o fim, onde a olaria é referida como uma metá-
fora da criação e da vida, e deste modo nas palavras do poeta, compreen-
dermos melhor o que nos move.
“Bem plantada. Não caída acima: surgida abaixo. Ocre, cor de mel queimada.
Cor de sol enterrado há mil anos e desenterrado ontem. Frescas listas verdes e ala-
ranjadas cruzam o seu corpo ainda quente. Círculos, sanefas: restos de um alfabeto
dispersado? Barriga de mulher grávida, pescoço de pássaro. Se tapas e destapas a
sua boca com a palma da mão, responde-te com um murmúrio profundo, borbulhão
de água que jorra; se golpeias sua pança com os nós dos dedos, solta uma risada de
moedinhas de prata caindo sobre as pedras. Tem muitas línguas, fala o idioma do
barro e do mineral, do ar a correr entre muros da canada, o das lavadeiras enquanto
lavam, o do céu quando se enfurece, o da chuva. Vasilha de barro cozido: não a
coloque na vitrina dos objectos raros. Resultaria num mau papel. A sua beleza está
no liquido que contém e na sede que sacia. Sua beleza é corporal: vejo-a, toco-a,
cheiro-a, oiço-a. Se está vazia, deve-se enche-la; se está cheia, deve-se esvazia-la.
Tomo-a pela asa torneada como a uma mulher pelo braço. Levanto-a, inclino-a sobre
uma jarra onde despejo o leite ou o “pulque” – liquídos lunares que abrem e fecham
as portas do amanhecer e anoitecer, o despertar e o dormir. Não é um objecto para
contemplar, mas para dar a beber.
(…)
Entre o tempo sem tempo do museu e o tempo acelerado da técnica, o artesanato é
a pulsação do tempo humano. É um objecto útil, mas que também é belo; um objecto
que dura mas que se acaba e se resigna a acabar-se; um objecto que não é único como
a obra de arte e que pode ser substituído por outro objecto parecido mas não idêntico.
O artesanato ensina-nos a viver e a morrer, e assim ensina-nos a viver.”
In (www.casajungearte.com.br)

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| Da água, os Potes: Oleiras de Trás di Munti em Cabo Verde | Virgínia Fróis |

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Multi-Analytical Approach in the study
of Ceramics
JAySHREE MUNGUR-MEDHI
CRISTOPHER IAN BURBIDG
ISABEL M. DIAS
JOÃO COROADO

ABSTRACT: Besides being an attempt to use different analytical methods to find the most
appropriate techniques in the characterisation and dating of a ceramic collection, this study
brings forth the compensating nature of these analytical methods. The ceramics to be stud-
ied consist of a sample from an important collection of Estrada foundation which will form
part of a future museum in Abrantes Portugal. Analytical methods included mineralogical
analysis; chemical analysis and Thermoluminescence Dating. The ten ceramics were finally
found to be modern copies having six source of production.

KEyWORDS: Ceramics; Heritage; Authenticity; Thermoluminescence dating; X-Ray


Diffraction; Micro-X-Ray Fluorescence; Transform Fourier Infrared Spectroscopy; Ins-
trumental Neutron Activation Analysis.

RESUMO: Este estudo, para além de ser uma tentativa de usar diferentes métodos analíticos
para procurar as técnicas mais apropriadas para caracterizar e datar uma colecção cerâmica,
evidencia a natureza compensatória destes métodos analíticos. As cerâmicas a estudar con-
sistem numa amostra da importante colecção da Fundação Estrada, que fará parte de um
futuro museu em Abrantes, Portugal. Os métodos analíticos incluíram análise mineralógica,
análises química e datação por termoluminescência. Por fim, as dez cerâmicas foram iden-
tificadas como cópias modernas com seis fontes de produção.

PALAVRAS-CHAVE: Cerâmica; Património; Autenticidade; Datação por Termolumi-


nescência; Difracção de Raios X; Micro-Fluorescência de raios X; Espectroscopia de In-
fravermelhos Transformada de Fourier; Análise Instrumental de Activação de Neutrões.

Introduction
“From the initial survey of a potential site to the laboratory analyses
that can last for years after the digging is over, archaeologists and physical
scientists are collaborating to learn more about the past that ever could
have been summarised using classical methods alone” (Zurer, 1983; 26).
Large proportion of archaeological and archaeometric investigations
are oriented towards Heritage, having as their main objectives: identi-
fication, better understanding, and preservation.
The present study has a similar focus: multiple analytical approaches
are applied to better understand a ceramic group, which forms part of
an important collection in Portuguese Heritage. Actually, artefacts and
works of art kept in museums originated in many cases from ancient
private collections. In such cases, a partial or total absence of historical
information may create additional problems concerning their authenti-
city. Hence there is a need for proper study in order to attribute each
artefact the corresponding culture, to develop their contextualisation
and investigate their authenticity. The study of museum collections and

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their preservation requires the use of analytical techniques combined


with examination techniques. In the present study a sample of 10 cera-
mics were selected.
Experimental work was divided into 3 parts: first one including the
classical approach of typology and style leading to a relative chronology
of the ceramics. This was used as base to guide the application of instru-
mental analytical techniques: the second part consisted of compositional
analysis and the third part was devoted to absolute chronology.

Objectives
The collection under study will soon find its place in the future mu-
seum Museu Iberico de Arqueologia e Arte, in Abrantes Portugal and
out of it the 10 ceramics were studied with the following objectives:
1. Establish the authenticity and absolute dates;
2. Finding the mineralogical and elemental fingerprint of the sam-
ples to group the ceramics and indicate which of them may have
the same source;
3. Come out with the most appropriate method for the future study
of the collection;
4. Look into the compatibility and compensating aspects of different
methods and to stress on their complementary needs;
5. Application of analytical methods cannot merely be adopted from
the physical sciences but must be developed to address key issues
in archaeology and heritage (Whitbread, 2001). Through this
work there is also an attempt to look into the archaeological and
heritage problems as from a chemist approach and vice versa.
Hence it is experimentation in trying to address this problem of
gap between archaeology and archaeometry.

Methods
Due to the mixture of artefacts from different time periods and
absence reliable associated documentation, the first approach was to
classify and group the ceramics based on their typology and style. They
were placed in a relative time line and attributed to the analogous cul-
ture and geographical distribution. Thereafter, thermoluminescence da-
ting was applied for an absolute chronology.
Thermoluminescence dating is an appropriate method to date ceramic
as the latter is an insulator and semiconductor and has absorbed energy
during exposure to radiation; characteristics needed for TL dating. The
basic principle is that clay and its temper of pottery lose their accumulated
geological dose when the pot is fired during its manufacture thus setting
the thermoluminescence to zero. The newly formed pot is now subjected
to natural radiation from its surroundings and the pottery accumulates an
absorbed dose which is proportional to its archaeological age.
In its simplest form
Age (years) = Palaeodose (Gy)/Annual Dose rate (Gy)
The palaeodose also known as equivalent dose (DE) was calculated
using 3 different techniques:
1. The Regenerative Technique, which applies incremental irradia-
tions to aliquots that have first been measured for their natural
signal and thus zeroed. This procedure ‘regenerates’ the growth
curve from zero and the natural signal is fitted into the curve by
interpolation.
1 disc of each specimen was heated up to 500°C and the TL was

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measured thus obtaining the natural dose and at the same time setting
TL of the sample to 0. The sample was then given an artificial Beta
dose and the regenerated signal was measured. The measurement and
irradiation was conducted in a Risø DA-15 automatic reader with BG25
and HA3 detection filters to detect in the blue emission region, and a
90
Sr/90Y irradiator (Bøtter-Jensen et al., 2000) giving 0.065±0.001 Gy/s
to fine polymineral grains on aluminium discs for 50 seconds (Richter
et al 2003) that is 3.25 ± 0.05 Gys. The data was then plotted on a
graph of Temperature against the TL counts followed by a calculation
of integrals for each measured signal of each sample. The 351-450° C
integral was used and the integral equation: Artificial dose x [Natural
integral/(Bleach+dose integral)] was used to calculate the palaeodose.
2. The second technique used consisted of the Multiple Aliquot
Additive Dose Technique. Incremental irradiations are given to
different aliquots that still retain their natural dose which results
in enhancement of the luminescence signal and a growth curve is
constructed plotting irradiation against luminescence signal. The
natural signal forms the lowest point on this curve, which is then
extrapolated back to zero dose to estimate DE.
2 discs for each sample were allocated to get the natural dose and
beta dose were given to 8 discs in group of two, each time doubling
the dose. The 8 aluminium discs for each sample were irradiated in
Daybreak 801E calibrated to 0.145 Gy/s, and were allowed to rest for
3 to 2 weeks before measurement. The discs were preheated at 140°
C for 16 hrs before being measured in a Risø reader using BG25 and
HA3 detection filters. The data was plotted to draw a curve to see the
peaks at each given dose. Thereafter, TL integral was calculated. Integral
200-399°C was used to calculate the palaeodose.

3. The third technique employed was the pre-dose technique. Here,


the archaeological age of the specimen is related, not to the natural
thermoluminescence intensity, but to the sensitivity of a particular
glow peak found in all pottery quartz. The sensitivity of the peak
is found to be dependent upon the amount of radiation previously
received which, in the case of an archaeological specimen, is the
archaeological dose (McKeever, 1985). However, in this case a
simplified Pre-dose technique proposed by Galli (Galli et al, 2006)
was adopted, which is a method applied to fine-grain, contrary to
the traditional predose technique which is done on quartz grain.
3 to 6 aliquots were irradiated in the Risø using BG25 and HA3
detection filters with a preheat of 30°C to release the nitrogen in the
Risø. The 110°C peak response was measured and considered as S0 and
the TL was measured after giving a beta dose of 0.065 Gy up to 450°C
and this measurement was repeated for 8 times and the data being SN.
The temperature is plotted against the TL counts. However, instead
of one, two integrals were chosen; one is at the 60-119°C intervals as
the 110°C peak is located in this range and the other at the 120-159°C
which was used as the base line. Both integrals were plotted against the
Cumulative Predose as shown in fig 1. After obtaining the integrals
SN/S0 of both these integrals are calculated and plotted on the same
graph against the cumulative predose to produce two linear line equa-
tions, extrapolated to have the interception. However, the cycle which
followed the first point of saturation was rejected for the first integral
thus avoiding an overestimate of the palaeodose. Saturation point varied
from aliquot to aliquot even within the same sample and the cycle was
accepted or rejected by looking at the plots.

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FIG. 1. Integrals
against cumulative
predose

FIG. 2. Sn/S0 against


cumulative predose
with the linear equa-
tions

For dating, apart from the palaeodose, the radioactivity that is the
annual dose has to be calculated as well. It consists of calculating how
much dose the sample may have received each year. For most of the
samples annual dose is provided equally by potassium, thorium and ura-
nium and a few percentages from rubidium and cosmic rays. The data
obtained by INAA undertaken for the chemical analysis which gives the
rate of decay of potassium, uranium and thorium, is used to calculate
the rate of ionization in the crystals. To finalise the Gamma dose it is
important to consider the Gamma dose rate of the sample’s surroun-
dings. As there is a lack of information on the context of the samples,
the Gamma dose was calculated using the ‘Local hypothesis’ (Zink et
al, 2005) that is assuming that the pot was buried in Portuguese soil or
similar soil. An average Gamma dose of the Portuguese soil was calcu-
lated based on the gamma doses in a selection of Portuguese soils and
sediments. Water content/moisture is another aspect to be considered
while calculating the annual dose. Water of the pottery or in the soil
where the pottery was, absorbs part of the radiation before reaching the
thermoluminescence grains; that is water decreases the radioactivity per

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unit mass compared to dry situation (Aitken, 1985). Hence, moisture


saturation level depends on the kind of fabric and the kind of sediment
as well. Once again water content from both the sample and the sedi-
ment was a limitation in our measurement due to lack of context and
the water content had to be estimated. After accounting for the diffe-
rence in Efficiency of Alpha Radiation Relative to Beta in Producing
Luminescence and the cosmic dose the annual dose can be finalised and
the age calculated using:
Age (years) = Palaeodose (Gy)/Annual dose.
Simultaneously, compositional study including mineralogy and el-
emental analysis of the fabric was undertaken. X-Ray Diffraction and
Infrared Spectroscopy were used to define the mineral composition
whereas Instrumental Neutron Activation Analysis and Micro X-Ray
Fluorescence were carried out to determine the chemical composition
of the paste and surface coating respectively. One destructive and one
non-destructive or minimum invasive method have been chosen for
both the analyses. The methods shall also indicate which one can be the
most appropriate and reliable in further study of the collection taking into
consideration the integrity of the pieces and the conservation aspects.
XRD is one of the most important characterization tools used in
solid state chemistry and materials science. In X-ray diffraction work a
distinction is drawn between single crystal and polycrystalline or pow-
der applications. The powder diffraction method is ideally suited for
characterization and identification of polycrystalline phases. The main
use of powder diffraction is to identify components in a sample by a
search/match procedure.
In the present work, samples were scanned from 2°-70° of 2θ, under
a speed of 0.5steps/min with a Tension 45 KV and Current 40 for 2
hours with a PANalytical X’Pert PRO powder.
Mineralogical analysis via IRTF is one of the ideal methods for ar-
chaeological and heritage materials, first due to the minimum amount of
material required, about 2 mg and the exhaustive nature of the analysis
(Hachi et al, 2002) and also has speed advantage.
Chemical composition of pottery may be characteristic of a par-
ticular site or area of manufacture (Wilson, 1978). Two of the methods
applied in the present study are: INAA; a destructive method (even
though a small amount of sample is required) and X-Ray Fluorescence
Spectroscopy a non-destructive and non-invasive method.
Instrumental neutron activation analysis (INAA) is one of the most
used analytical techniques for the determination of trace element con-
centrations in pottery and clay materials for provenance studies in ar-
chaeometric investigations of ceramics. The main advantages of INAA
for pottery analysis are: high precision, accuracy and sensitivity for many
elements. However it is a destructive method, though a small amount
(about 200mg) is required.
For neutron activation analysis, samples after being dried in an oven
at 110°C and standards were bundled together and irradiated at a ther-
mal flux of. 3.96 x 1012 cm-2s-1 φepi/φth = 1.03%; φth/φfast = 29.77 for 6
hours. Standard reference materials GSD-9 and GSS-1 were used to
calibrate. The bundles were rotated continuously during irradiation to
ensure that all samples received the same neutron exposure. Iron (Fe)
flux monitors were irradiated with the samples to allow corrections due
to variation in neutron flux.
After the data have been collected, the next step in any composi-
tional analysis of pottery is to determine if there are any distinct groups
present in the data. The volume of data generated in pottery INAA
studies is often substantial consisting of up to 35 elements measured in

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all sampled sherds and clays. Methods, based on multivariate statistical


analysis are required to identify and quantify the similarities and diffe-
rences between specimens and groups of specimens. Pottery groups
defined by compositional data can be viewed as “centres of mass” in the
compositional hyperspace described by the measured element concen-
trations. Pattern recognition methods such as cluster analysis, plots of the
original data in two and/or three dimensions, and principal components
analysis (PCA) are customary approaches to data handling (Glascock et
al, 2003). In the present case despite being very few samples 3 methods
were approached to analyse the data.
The data was first treated as absolute values. Histograms of each ele-
ment were constructed using Excel Spreadsheet. It helped to compare
the composition of an element in each sample. The absolute values were
also used to plot Bivariate plots, for some major and trace elements. Bi-
variate plots/ Biplots, where the relationship between the variables (i.e.,
elements) is plotted, are used to examine the correlations between varia-
bles and within the samples, identify obvious groups and detect outlier
specimens. It further helps to cross check and confirm the observations
made from histograms. To further group and perceive the outliers Multi-
variate Statistical, namely clustering methods were employed by using the
Statistica Program 8, specifically the joining tree-clustering method, using
the standardised values of the chemical elements. The amalgamation rule
employed in the joining tree-clustering was UPGMA (unweighted pair-
-group method using arithmetic averages). The joining tree-clustering
method uses the dissimilarities/ similarities or distances between objects
when forming the clusters. These distances can be based on a single di-
mension or multiple dimensions, with each dimension representing a rule
or condition for grouping objects (Dias and Prudêncio, 2007). Coefficient
correlation of Pearson in order to define groups with similar chemical
composition and the Euclidean distances to separate outliers were used.
The results are presented in the form of dendrograms showing the order
and levels of specimen clustering. The Rare Earth Elements (REE) were
also normalised to the Haskin et al 1968, Chondrite values (Rollinson,
1993). Data were normalised to give equal weight to the largely varying
concentration values of the elements; the crude data is scaled to values
with average 0 and standard deviation 1 (Mommsen et al, 1988).
The non invasive method used for chemical analysis was Energy
Dispersive Micro X-Ray Florescence (micro-EDXRF). The aim of
the present work was to investigate and evaluate the ability of apply-
ing portable micro-EDXRF Instrument. The major advantage of this
device is the non-destructiveness thus a whole ceramic can be analysed
including its fabrics, paintings, glaze and varnish. However, it has its
own limitations which can restrict the analysis to a major extent; in
theory this technique may not detect the elements which are present in
less than ½ % that is it may not identify the trace elements present in the
ceramics. Besides, the chemical characterisation, this application would
also indicate how far the results from the X-ray florescence is reliable
and accurate to characterise this collection being favoured compared to
INAA due to its non-invasive character. Simultaneously pigment and
varnish identification would also be possible.
The Micro-EDXF spectrometer ‘Oxford instruments X-Ray Tech-
nology’ was used. It includes x-ray tube which scan the sample when
energised; Beryllium exit window, Maximum voltage 30 kv, max cur-
rent 0.1 mA, max power 3 W and max temperature 45 degrees and a Si
x-ray detector which detects the emitted x-rays from the sample (XR
– 100 CR) and transmits the x-rays to an Elemental Analysor (PO-2
with max 30 kv).

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Results
Mineralogical study

Based on mineralogical analysis of XRD, 2 main groups were iden-


tified; one calcitic including CE 00008, CE 00069, CE 00181 and CE
00185 and the rests that is CE 00006, CE 00012, CE 00160, CE 00674,
CE 02155 and CE 03939 do not have trace of calcite. FTIR Spectros-
copy also illustrates that CE 00008, CE 00181, CE 00185 have calcite
but at the same time CE 00012 also contains approximately the same
amount of calcite as CE 00008 which has not been identified by XRD.
FTIR also pointed the presence of calcite in trace in CE 00160 and CE
00674 which XRD did not recognize most probably due to the absence
of crystalline phases of the mineral.
At the same time comparing the spectra from FTIR the closeness
of ceramics could be easily identified for instance CE 00008 and CE
00012 seem to be of exactly the same mineralogical composition and
have gone through the same treatment, thus most probably from the
same source.
Along with the mineral composition, mineralogical analysis also
gives important information on the firing temperature. In our case a
combination of data from both techniques was highly compensating
for this purpose: for instance FTIR shows the presence of amorphous
silicate in some ceramics indicating a firing temperature above 500°C.
At the same time XRD shows clear presence of plagioclase feldspar
indicating that the ceramic has been heated below 900°C. Hence CE
00012 has most probably been fired around 900°C. CE 00008 having
plagioclase feldspar (XRD) and amorphous (IRTF), went through a
temperature between 500 to 900°C not even reaching 900°C as there is
calcite. CE 00181 and CE 00674 which have no plagioclase most proba-
bly went through a firing temperature of above 900°C. CE 00006 and
CE 02155 were most probably fired at a temperature around 900°C due
to the presence of both diopside and plagioclase. CE 00069, CE 00160,
CE 00185 and CE 03939 were fired below 900°C but not very low.

Chemical study

Based on the geochemical data obtained from INAA, specimen CE


00160 is a principal outlier in this sample of 10 ceramics followed by
CE 00674 which is also different from others. The rest can be clustered
in 4 different groups with CE 00069 and CE 03939 being close, CE
00008 and CE 00012 form one perfect cluster as they are very close;
CE 00006 and CE 00185 may have the same source and CE 00181 and
CE 02155 form another group. While according to Micro-EDXRF, CE
00069 is an outlier; CE 00008 and CE 00012 is of the same geochemi-
cal category; CE 00185, CE 02155 and CE 00006 cluster together, CE
00181 is completely apart and not even corresponding to the other
similar looking ceramics and CE 00160, CE 00674 and CE 003939 are
also unique specimens. Thus, the geochemical similarity/dissimilarity of
some elements points 6 sources of raw materials.

Dating

The three techniques used along with different methods of data


analysis gave very low or hardly any paleodose of the ceramics. The
Predose Technique even indicates that they were not archaeological

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ceramics recently affected by heat (being one of the hypothesis) but in-
stead are recently manufactured ceramics. Thus, TL points out that most
of the ceramics are 19th-20th Century A.D at the most 14th-15th Century
A.D production. The results are summarised in the and not 8th-5th cent
BC production which the typology pointed.

TABLE 1. TL dates of the ceramics

Ceramics Predose Regenerative MAAD


Date AD ± yrs Date AD ± yrs Date AD ± yrs
A8/526 2229 98 1923 8 1964 11
CE 02155

A8/527 1989 47 2004 0 1929 9


CE 00008
A8/528 2167 54 2004 0 1948 8
CE 00012
A8/529 1912 16 1995 2 1974 8
CE 03939
A8/530 3236 226 1923 8 1995 3
CE 00160
A8/531 1609 132 1887 12 1958 5
CE 00674
A8/532 22 952 883 191 1991 5
CE 00181
A8/533 2176 44 1966 4 1936 22
CE 00185
A8/588 2237 75 2078 16
CE 00006
A8/589 2323 167 2149 37
CE 00069

Discussions and Conclusions


FTIR and XRD add up in the mineralogical understanding of the
sample in their own way. FTIR is highly advantageous as it requires
only 2.5 mg of powder for analysis and from a conservation point of
view it is preferred. This method already gives an idea of the minera-
logical composition and also about the firing temperature, depending
on the presence of clay minerals or amorphous silicate or other mineral
transformation phases. Moreover, along with non-crystalline minerals
it can clearly identify the presence of organic materials. However, not
all the minerals can be identified precisely for instance we can find the
presence of feldspar but which one exactly cannot be said. XRD is quite
accurate but is more invasive
The two methods of chemical analyses compensate each other for
INAA analyses the paste and the EDFX looks at the surface. Neverthe-
less, for proper geochemical characterisation INAA is better as the latter

| ARKEOS 31 | 90 | ESTUDOS DE TECNOLOGIA CERÂMICA |


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analyses the paste and can identify trace elements. Micro-EDXRF is ef-
ficient but not ideal for detailed chemical analysis especially if questions
of Provenance are treated. Nevertheless, being a non-destructive meth-
od it is highly useful and can be the first step in chemical analysis.
The Mineralogical and chemical data of the ceramics were even
useful in the Thermoluminescence Dating process of these ceramics. An
obvious one is the use of data generated from INAA (for K, Th, and U)
in calculating the Annual Dose. Moreover, the mineralogical data of the
sediments (taken from inside the ceramics as proof of context) allowed
us to reject the sediments to calculate the doses for the external environ-
ment. Moreover, when amorphous silicate was identified in one of the
sediments it was hypothesised that ceramics could have got accidently
heated during its museological history. In this case the Regenerative and
Multiple Aliquot technique would not give palaeodose. These observa-
tions lead to adoption of the Predose Technique.
All the methods have their own advantages, disadvantages and limi-
tations. None of the analytical methods is really perfect that is why it
is always better to use more than one method as they compensate each
other. However, for such a collection it is highly advisable to go for the
non-invasive method first followed by the invasive and at last the des-
tructive methods if really required. However, if dating or authenticity
test is required the invasive aspect is inevitable for even a small amount
of powder is required for the purpose.
Finally, it can be said that along with the authenticity it has also
been able to test different analytical methods on the 10 samples of the
collection and test for several hypotheses. All the analysis conducted
and the different methods used, are compensating and help to build up
in the understanding of the ceramics and eventually the collection. As
suspected, the collection does have some copies of artefacts.
Actually, it is normal to find copies in museums’ collections as many
museums have been buying artefacts from different sources to enrich
their collection and often without authenticity test. However, it does
not mean that the whole collection should be characterised as fake and
ignored. On the contrary proper studies have to be undertaken for
proper sorting and characterisation, thus achieving an important part in
proper heritage management of the collection and the future museum.
Museum collections contain heteroclite items with unspecified archaeo-
logical context, origin and mode of acquisition. Some of these items
have been submitted in the past to more or less ingenuous unspecified
restorations, while others are mere copies, pastiches or fakes. Museum
emerged from personal collection of noble families’ particular attention
given to antiquities since the middle age. Artists tried to make objects
as close in appearance as possible to the originals: the Renaissance and
the 19th century being the most prominent periods. Since the opening
in 1888 of the Chemical Laboratory of the Royal Museums, Berlin,
directed by Friedrich Rathgen, for the study, authentication and preser-
vation of cultural heritage; there has been huge progress in analytical
techniques. To accomplish this work, science-based study, art history
and conservation–restoration are carried out together. Nowadays, an in-
creasing number of analytical techniques are applied to museum objects
(Guerra, 2008). Hence, analysing the collection of Estrada Foundation
(collection under present study) add up in this global move.

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Acknowledgement
This work was conducted at the Insitituto Politecnico de Tomar,
Instituto Tecnologico e Nuclear, Lisbon and Spectroscopy lab at Musée
de L’homme Paris under the supervision of Dr. J.Coroado, Dr. M.I.
Dias and C.I. Burbidge and to whom I am highly grateful. I further
thank Dr. L. Oosterbeek, the director of the Erasmus Mundus master
in Portugal during which this work was conducted. I further express
my gratitude to Dr. F. Frölich and his team from the Spectroscopy lab
and Dr. A. Zink and Dr. F. Gaultier from the Louvre Museum, Paris. I
am grateful to the Estrada Foundation and to the team working on this
collection for allowing me to work within and be part of the project. As
this work was conducted in relation to my master thesis as an Erasmus
Mundus Student, I take the opportunity to thank each and everyone
related to this programme.

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Na Pista da Artesã: Repensando a
Cerâmica Arqueológica
On the Trail of the Artisan: Rethinking
Archaeological Ceramics
TOM O. MILLER
WILLINEIDE DE ALMEIDA ROCHA

RESUMO: Os objetivos do Manual em questão são de (1) dar mais um passo na sistema-
tização e operacionalização da Arqueologia brasileira, no caso específico atual, no estudo
da cerâmica; (2) contribuir para a comunicação científica intersubjetiva na Arqueologia
brasileira ao refinar a nossa linguagem de dados além do patamar pioneiro alcançado pelo
Seminário de Curitiba em 1964, e que, essencialmente, ficou estacionário desde então,
e, contribuir com novas perspectivas de análise aproveitando os resultados de pesquisas
etnoarqueológicas realizadas no País.
Fundamentando a abordagem etnoarqueológica do Manual nas experiências de campo e
laboratório – etnoarqueologia e arqueologia – os autores apresentam a confecção da cerâ-
mica do ponto de vista de uma atividade humana, a da artesã, com as suas escolhas dentro
das possibilidades e limitações da matéria prima.
A partir desse fundamento, elaboram uma classificação numérica em linguagem adaptável
a processamento mecânico.

PALAVRAS-CHAVE: Etnoarqueologia; Análise de Cerâmica Arqueológica; Metodologia


Arqueológica.

ABSTRACT: Based on the objective of systematizing the operationalization of Brazi-


lian Archaeology, specifically in ceramic studies by including the ethno-archaeological
viewpoint of human activity by the artisan, with her choices within the possibilities and
limitations of the prime material, the authors elaborate a numerical classification in a code
adaptable to computer language for mechanical processing.

KEy-WORDS: Ethno-archaeology; Archaeological Ceramic Analysis; Archaeological


Method.

1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente estudo é de apresentar um manual etno-
arqueológico da cerâmica para aplicação em análises de laboratório de
material arqueológico.

Por Que Este Manual1? 1


Trabalho desenvolvi-
do no Museu “Câmara
A literatura sobre análise de laboratório em Arqueologia disponível Cascudo” da UFRN
com a participação de
em língua portuguesa se baseia, praticamente, na coleta e classificação bolsistas do CNPq.
de cacos de cerâmica (por exemplo, ver MEGGERS e EVANS, 1970;
para uma exceção ver MILLER, 1977), não se preocupando em levar
em consideração as atividades do artesão (ou, no caso específico da
cerâmica, da artesã).

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| Na Pista da Artesã: Repensando a Cerâmica Arqueológica | Tom O. Miller | Willineide de Almeida Rocha |

O objetivo da “Nova Arqueologia” é de estudar as atividades hu-


manas no contexto do processo sociocultural adaptativo e evolutivo.
Portanto, temos que retomar o problema da classificação do ponto de
vista da artesã ou da atividade humana em oposição ao do classificador
de cacos. Alguns maliciosos, nos tempos recentes, chegam a chamar estes
de “cacólogos”, mas ainda não nos ofereceram uma alternativa coerente,
estruturada e operacional.
A necessidade de (1) se desenvolver uma “tipologia” dos restos
materiais, subclasse cerâmica, de uma comunidade humana do passado,
com ênfase nos aspectos comportamentais e as escolhas feitas por seres
humanos, tudo em termos intersubjetivos, e, (2) de se conseguir extrair
mais informações comportamentais dos objetos resultantes de tal com-
portamento, para em seguida (3) usar como inputs na análise do mate-
rial escavado no sítio que representa essa comunidade, conduziu-nos a
repensar e reelaborar todos os passos dos nossos ensaios e experiências
de análise.
É mais um canal de comunicação prática com os colegas e almeja
contribuir para Daí surgiu a idéia de que, ao sistematizar o registro das
nossas atividades e experiências, a intersubjetividade de tal comunica-
ção.
Ter-se-ia um manual de procedimento de análise de laboratório,
ao menos para a instância atual, que é a cerâmica, que pudesse ser útil
para outros que, como freqüentemente acontece, estão enfrentando os
mesmo problemas no mesmo isolamento que nós.
Observamos, já em 1978, que
Evidentemente, um dos maiores problemas que enfrenta a Arqueologia no Brasil,
atualmente, é a falta de intersubjetividade das observações, ou seja, a condição na qual
as observações são feitas em termos nos quais outros observadores possam testar, veri-
ficar ou refutar as mesmas. Portanto, as observações devem ser acessíveis e duplicáveis
por qualquer pessoa, os parâmetros sendo identificados e os critérios também sendo
intersubjetivos. Sem esta, não há possibilidade de uma comunicação efetiva, nem se
pode testar hipóteses objetivamente. Envolve ainda, os conceitos básicos de análise,
descrição, tipologia e apresentação dos dados de forma que possam ser verificados e
usados por outros estudiosos. Nos tempos atuais, é imperdoável o desperdício de re-
cursos e perda de informações decorrentes de pesquisas feitas e relatadas de tal maneira
que pouco se pode utilizar o resultado (MILLER, 1978a: 186).
Agora, em 2002, não encontramos como mudar sequer uma vírgula,
tão pouco o aspecto prático desta chamada tem sido aproveitado.

Objetivos da Análise

Os objetivos da nossa análise da cerâmica são [1] descobrir os atri-


butos (variáveis) presentes na população da cerâmica e os quantificar;
[2] descobrir os conjuntos de atributos que regularmente covariam, para
eliminar redundâncias descritivas no tratamento da população através da
amostra, e que hipoteticamente representam concepta (MILLER, 1970:
4) do sistema sociocultural extinto, e que podem ser usados como inputs
na análise posterior do material escavado; [3] estruturar os dados de
maneira tal que facilite a interpretação, em termos de comportamento
humano e escolhas humanas. Tudo isto como subsídios para os nossos
planos de pesquisas individuais específicos.

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| Na Pista da Artesã: Repensando a Cerâmica Arqueológica | Tom O. Miller | Willineide de Almeida Rocha |

Objetivos do Manual

Os objetivos deste Manual são de:


– Dar mais um passo na sistematização e operacionalização da Ar-
queologia brasileira, no caso específico atual, no estudo da cerâ-
mica;
– Contribuir para a comunicação científica intersubjetiva na Arqueo-
logia brasileira ao refinar a nossa linguagem de dados além do
patamar pioneiro alcançado pelo Seminário de Ensino e Pesquisa
em Sítios Cerâmicos, realizado em Curitiba e Paranaguá em 1964,
e que, essencialmente, ficou estacionário desde então;
– Contribuir com novas perspectivas de análise aproveitando os re-
sultados de pesquisas etnoarqueológicas realizadas no País.

O Universo de Estudo

A amostra-piloto analisada foi de 635 cacos de cerâmica coletados


na superfície do Sítio Papeba, Município de Senador Georgino Avelino,
RN, sítio este originalmente descoberto por Nássaro A. de Souza Nasser
e publicado na série PRONAPA (NASSER, 1974). O trabalho desse
estudioso seguiu os critérios da PRONAPA (MEGGERS e EVAMS,
op. cit.), mas subsiste uma série de incertezas a essas alturas, e queremos
aproveitar de avanços nas técnicas arqueológicas de análise, desenvolvi-
dos de lá para cá, inclusive o enfoque etnoarqueológico sobre a atividade
humana e os dados coletados em pesquisas dessa natureza.
Entre outras coisas, Nasser conseguiu identificar dois componentes
no sítio, sendo um da tradição tupiguarani (Curimataú) e o outro, Fase
Papeba, que não pertence a essa tradição. Outros arqueólogos que par-
ticiparam na PRONAPA consideram a Fase Papeba pertencente à Tra-
dição Aratu, identificada desde Minas Gerais e Goiás, através da Bahia
até o Rio Grande do Norte. Posteriormente, o sítio foi escolhido pelo
Curso de Especialização em Arqueologia do Museu “Câmara Cascudo”
como local para a Escola de Campo do Curso, as operações de campo
sob a direção do Prof. Tom Miller.
O nosso exame preliminar da cerâmica coletada na superfície não
nos indicou critérios para fazer uma distinção entre as duas tradições.
Encontramos cacos simples e alisados de argila marrom-cinzenta, esten-
dendo-se a gama de cores para amarelo-alaranjado por um lado, verme-
lho por outro, e ainda até o preto. Uma parcela destes cacos apresenta
um banho vermelho-polido. N entanto, não observamos nenhuma dife-
rença absoluta de antiplástico ou outros aditivos entre esses e os outros,
as diferenças destacadas sendo os atributos do tratamento da superfície.
Apenas um caco apresentou decoração digitada. De modo que achamos
melhor começar da estaca zero, sem pressuposições interpretativas, para
descobrir o que é que realmente temos. Em conversações com o pessoal
da equipe da Professora Gabriela Martin, da UFPE, encontramos uma
coincidência geral de impressões e achados com os nossos, em relação ao
Sítio Papeba, e outros sítios identificados por eles como sendo da mesma
tradição, em Pernambuco e em Vila Flor, RN.

Orientações Teóricas

O conceito básico na “caixa de ferramentas” do antropólogo é o


de cultura. Cultura foi vista inicialmente como um “total complexo”
incluindo “o saber, a crença, a arte, a moral, o direito, o costume e

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| Na Pista da Artesã: Repensando a Cerâmica Arqueológica | Tom O. Miller | Willineide de Almeida Rocha |

quaisquer outras qualidades e hábitos adquiridos pelo homem como


membro de uma sociedade”. Aqui temos integrantes mentais e com-
portamentias, acrescentada uma teoria da sua transmissão, a saber, por
meios sociais (e não genéticos). Essa definição, tirada (e modificada)
de E. B. Tylor (publicado em 1871) por R. H. Lowie (em 1911), não
menciona os objetos materiais produzidos e usados pelo homem, mas
Tylor, Lowie e os seus contemporâneos sempre falaram em “cultura
material”, o que os subentende.
Posteriormente, a tendência foi de cada vez mais excluir da definição
de cultura os seus componentes materiais e comportamentais, limitan-
do-a exclusivamente a atividade mental e normas ou padrões (“bitolas”)
mentais. Esse conceito de cultura como um fenômeno exclusivamente
mental cria sérias dificuldades para o arqueólogo que aspira a uma ciência
social, pois ele só pode escavar e analisar objetos e a sua organização no
espaço, e justamente os objetos e a organização (a não ser como “pa-
drão mental”) foram excluídos da definição. O arqueólogo, portanto,
só podia tentar reconstituir os padrões mentais através de uma série
de objetos que se conformassem, em maior ou menor grau, a padrões
mentais inferenciais.
Naturalmente, a rebelião contra esse estado de coisas era de esperar
e aconteceu. Arqueólogos-Antropólogos, alunos de Leslie White na
Universidade de Michigan, utilizaram a definição materialista de cul-
tura deste estudioso: “os meios extra-somáticos de adaptação do organismo
humano”, para redefinir a metodologia da sua ciência e fugir ao destino
desalentador de ser obrigado a tentar reconstituir uma espécie de pale-
opsicologia na base de objetos.
O enfoque deixou de ser a cultura de uma comunidade para ser uma
atividade humana específica num momento de tempo e num ponto no
espaço. Os “atores” do passado desconhecido desenvolveram as suas
atividades num determinado “palco” em determinado momento, den-
tro das possibilidades e limitações das leis físicas do Universo, deixando
os objetos usados refletindo, na sua disposição final, a organização da
atividade, juntamente com as evidências internas da sua fabricação e
uso. Desde que as leis do Universo são universais e eternas (não mudam
com os governos e as constituições), e desde que as necessidades e limi-
tações humanas são iguais entre todas as populações de Homo sapiens, as
evidências do presente e as do passado são igualmente válidas, pois os
processos socioculturais humanos devem ser constantes (com a devida
ressalva sobre o aspecto histórico ou cumulativo da experiência huma-
na). O objetivo se tornou, portanto, a reconstituição do comportamento
humano em relação às diferenças situações de adaptação humana dentro
do contexto das limitações e possibilidades humanas e do Universo,
como constantes. Assim, a Arqueologia definitivamente torna-se uma
ciência social.
Os “novos arqueólogos” partem de uma abordagem sistêmica, ou
seja, uma na qual a cultura é vista como um sistema com partes interre-
lacionadas, estes interagindo de modo complexo em relação recíproca
com os seus meio-ambientes físico e social. Assim, algumas partes in-
tangíveis do sistema seriam descobríveis pelas influências que deixaram
sobre outras partes, as tangíveis (MILLER, 1978: 179).
Consideramos que é necessário para os arqueólogos pesquisar não so-
mente os mortos embaixo da superfície da terra, mas, também, e urgente-
mente, os vivos que ainda estão conosco. O que caracteriza a Arqueologia
como ciência, como qualquer outra, não é a matéria enfocada, como por
exemplo, restos soterrados do passado, mas antes, a natureza das perguntas
que se colocam, dos aspectos da realidade que se procura entender e explicar.

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Neste caso, a legitimidade da Arqueologia como ciência não depende exclu-


sivamente de escavações nem do passado, pois as respostas às perguntas que
fazemos sobre processo sociocultural humano, como o enfoque em lugares
(sítios) e atividades humanas desempenhadas nesses sítios, podem ser capta-
das também no presente. Este enfoque, não somente facilita a explanação e
explicitação dos achados soterrados, como não existe outra ciência que se
preocupe com estes problemas. O presente e o passado são partes de um
mesmo contínuo, cada um inteiramente relevante para o outro (MILLER,
1984: 306).

Charles REDMAN define a Arqueologia como “o estudo sistemático


(isto é, científico) da natureza e comportamento cultural de seres humanos
através do exame e análise dos restos materiais das suas atividades no passado
(…). Um dos principais objetivos da Arqueologia é a reconstituição histórica do
comportamento humano do passado. Mas esta reconstituição histórica permanece
subordinada à finalidade de compreender o comportamento humano como tal”
(1973: 6).
Em destaque nessa abordagem estão os conceitos de objetos, pessoas,
espaço, e as relações entre estes através das atividades, e a sua organi-
zação. Salienta-se o interesse nas relações entre pessoas e entre estas e
o ambiente, através dos objetos materiais e a organização destes e do
espaço físico e ecológico nas atividades sociais humanas.
A cultura, para funcionar, exige uma série de suportes físicos, os quais
encontramos em objetos, espaço e recursos (limitações e possibilidades) do
ambiente. Os objetos e o espaço são tão familiares que, normalmente, es-
quecemos de analisar as relações entre os homens, os objetos e o espaço
físico. As atividades humanas envolvem sempre objetos, não somente em
termos de matéria prima e seu processamento, tecnologia, morfologia, evi-
dências internas das suas funções, mas também a sua adequação (eficiência)
instrumental, a sua carga significativa (como símbolo de status social, reforço
ideológico, etc.), e o seu papel nas relações entre as pessoas. Nenhum ser
humano consegue fazer coisa alguma sem envolver e manipular objetos,
mesmo que seja apenas mentalmente. O estudo dos objetos nos seus con-
textos funcionais, organizacionais e cognitivos é justamente uma das áreas
mais frutíferas de estudos antropológicos (…). A ‘nova ciência’ da ‘cultura
material’ ou tecnologia, também chamada de ‘etnoarqueologia’, destacou
uma área negligenciada pela ciência, e pós fim definitivo à falsa dicotomia
entre cultural material e não-material, a qual muitos antropólogos tentaram
resolver anulando a cultura material, limitando a ‘cultura’ a atividade mental,
privando-se assim de toda a informação oriunda do papel de objetos na vida
sociocultural (MILLER, 1988).
Como os objetos materiais são intermediários entre sociedades e
as fontes das suas necessidades, e também meios de manipular matérias
primas, alimentos, energia, etc., além de intermediários entre pessoas,
eles são, portanto, fundamentais para entender a dinâmica do processo
sociocultural.
Esses objetos (artefatos, ecofatos e biofatos) são a fonte primária de
informação para o arqueólogo ou etnoarqueólogo, e é do estudo ade-
quado deles e das suas relações que os pesquisadores resgatam informa-
ções sobre as sociedades pré-históricas, através das atividades humanas
específicas em lugares e momentos específicos. Os artefatos são vistos
como “manifestações materiais de comportamento humano (atividades) social-
mente padronizado. A padronização é evidente nos atributos que caracterizam
qualquer série de artefatos semelhantes, porque o comportamento que os produziu
é padronizado. Séries repetidas de ações idênticas, praticadas por uma pessoa
ou um grupo de pessoas, produzem uma população de objetos com alto grau de

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padronização. Esta padronização sociocultural é responsável pela correspondência


entre grandes quantidades de artefatos num dado ajuntamento (arqueológico), o
que, por sua vez, torna possível a tipologia” (MILLER, 1970: 7).
O termo “ecofatos” tem sido empregado para designar “todos os dados
não-artefatuais, mas culturalmente relevantes” (BINNFORD, 1964: 432),
enquanto “biofatos” são modificações em seres vivos praticados por seres
humanos, desde deformações cranianas até animais e plantas domésticos
modificados do seu estoque original através da seleção genética.
Decorre disto, portanto, que procuramos compreender a padroni-
zação morfológica dos artefatos e a sua distribuição em espaço como
reflexos de diferentes variedades de comportamento padronizado de
povos pré-históricos, pois presumimos (através do axioma de que ‘não
existe efeito sem causa’, e do seu corolário, de que podemos remontar
às causas a partir dos efeitos) que “o comportamento e as atividades padro-
nizados de seres humanos em circunstâncias sociais afetam a forma final e a
deposição sistemática destes artefatos” organizados em espaço como também
foram as atividades, o conjunto sendo visto como campo de observação
desaparecida (REDMAN, op. cit.: 8).
Ao examinar subsistemas culturais dirigimos a nossa atenção pela pri-
meira vez aos seres humanos, não como indivíduos, mas como membros de
comunidades outrora vivas. No entanto, não podemos compreender (a vida)
desta gente em todas as suas facetas. Podemos dizer pouco sobre a sua polí-
tica ou teologia, mas podemos perceber alguns dos meios para reconstituir a
maneira pela qual se organizaram. Todas as coisas são constituídas de partes
organizadas; é uma das nossas tarefas como cientistas sociais tentar descobrir
os princípios de organização que de amontoados de gente fazem sociedades
viáveis. Como arqueólogos teremos que tentar reconstituir a organização do
povo cujos resquícios podemos manusear, contar, medir e desenhar. Tor-
na-se cada vez mais patente que os princípios de organização são as chaves
básicas para a nossa compreensão de qualquer classe de fenômenos, inclusive
a da gente (HOLE e HEIZER, 1969: 269-270).
Os arqueólogos têm em comum com os etnógrafos um interesse,
não apenas nas “maneiras e costumes” dos povos e nos seus sistemas
sociais, mas também em compreender a estrutura e o funcionamento
de tais sistemas. Fazem observações pormenorizadas sobre os fenômenos
sob estudo, registrando-as como dados científicos primários. Arqueólo-
gos têm que fazer isto também, só que o comportamento que estudam
tem que ser reconstituído das evidências materiais deixadas, de certo
modo como o detetive reconstitui o evento (crime) a partir dos vestígios
materiais deixados pela atividade (evento) em questão.
A diferença entre a abordagem dos etnógrafos e a dos arqueólogos não
é uma lógica mas se relaciona ao material examinado. Arqueólogos têm
que desenvolver meios mais efetivos de observação detalhada e mensuração
relevante para se obter dos artefatos o que os etnólogos obtêm da observação
direta do comportamento. Como arqueólogos, ainda estamos descobrindo
o significado multivariado do material com o qual trabalhamos, e ainda
temos um longo caminho a palmilhar para desenvolver um meio completo
de medir e estudar este material. Um objetivo fundamental da maioria dos
arqueólogos hoje é de encontrar novas maneiras de se ligar os artefatos aos
seus correlatos comportamentais. Uma vez feito isto, temos que construir
argumentos que justifiquem as inferências que ligam o material sob estudo
às interpretações derivadas do material (REDMAN, 1973: 8).
Como disse Lewis Binford, pioneiro teórico do movimento da
“Nova Arqueologia”,

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Os artefatos, tendo o seu contexto funcional primário em subsistemas


operacionais diferentes do sistema cultural total, exibirão diferencialmente
as semelhanças e diferenças, em termos da estrutura do sistema cultural do
qual fazem parte (…). Enfim, a explanação das diferenças e semelhanças
entre complexos arqueológicos tem que ser oferecida em termos do nosso
conhecimento das características funcionais e estruturais dos sistemas cultu-
rais (BINFORD, 1962: 217-218).

Portanto, para nós:


“os objetos encontrados arqueologicamente, existiam num campo de
observação (embora esse campo já tenha desaparecido), que inclui ativi-
dades humanas de extração e manutenção (atividades econômicas, ou seja,
o exercício da tecnologia nas articulações entre uma sociedade humana e
o seu meio-ambiente) através de um sistema social (incluindo a divisão e
distribuição das tarefas ou atividades) regido por padrões de comportamento
ideológicamente definidos e reforçados. Para o arqueólogo, portanto, o
enfoque não pode ser a sociedade e a sua organização, mas sim as atividades
humanas desempenhadas num determinado espaço físico (o “piso” cultu-
ral). As atividades humanas desempenhadas relacionam-se, por um lado,
com idéias, e por outro, com objetos (MILLER, 1978: 205). Como disse
Binford, “nos sistemas culturais, pessoas, objetos e lugares são componentes
num campo que consiste nos subsistemas ambientais e socioculturais, e a
localização do processo cultural está nas articulações dinâmicas desses sub-
sistemas” (1965: 205). “Se presumimos que a variação na estrutura e con-
teúdo de um ajuntamento arqueológico se relaciona diretamente à forma,
natureza e arranjo espacial das atividades humanas, vários passos seguem-se
logicamente. Somos forçados a procurar explanações para a composição dos
ajuntamentos em termos de variação em atividades humanas” (BINFORD
e BINFORD, 1966: 241).
Mas para levar a bom termo estudos nesse nível, temos que Ter um
nível anterior já bem controlado: o dos dados primários sobre os objetos
encontrados organizados em ajuntamentos refletindo as atividades do
passado. A lógica inferencial de reconstituições de atividades, por mais
sofisticada que seja, não vale mais de que a confiabilidade e coerência
dos dados primários.
Desde que os arqueólogos não observam diretamente os fenômenos que
mais lhes interessam, mas antes, apenas os seus restos, as nossas investigações
têm que enfocar o reconhecimento, a categorização e a interpretação de
dados. Identificação e classificação sempre têm sido um enfoque central na
pesquisa arqueológica porque estes resultados diretamente afetam as infe-
rências e interpretações subseqüentes. Observamos o registro arqueológico
através das categorias que construímos para os artefatos, e estas deixam a sua
marca nas nossas conclusões. Tem havido uma tendência recente na direção
de aumentar a precisão e escopo da classificação e análise de artefatos atra-
vés do uso de rotinas estatísticas baseadas no computador para “clustering”
(associação de conjuntos repetidos) de artefatos e para encontrar padrões de
covariação. Embora estas técnicas prometam grandes avanços, nada mais
valem de que a base tipológica sobre a qual são construídas. A própria pre-
cisão na manipulação estatística pode ocultar as categorias falhas usadas como
dados de input (REDMAN, op. Cit.: 8).
Redman continua com umas sugestões para o que ele considera uma
boa abordagem para o aprimoramento da qualidade dos dados primários
a serem utilizados nas operações posteriores. “Desde que estas conclusões
(como todas as do raciocínio arqueológico) têm que se basear na observação indi-
reta do artefato – ao invés de uma observação do ato de usá-lo – é importante
estabelecer o fato de que várias espécies diferentes de evidências apontam na

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mesma direção (ibidem: 9). Em seguida, oferece “dois métodos básicos”


de análise e classificação de artefatos:
Um método envolve a definição explícita e registro de cada atributo
morfológico de cada artefato. A seleção destas dimensões, tais como peso,
tamanho, ângulo do gume, etc., é um processo complexo no qual o ar-
queólogo determina os atributos relevantes às hipóteses particulares, sendo
testadas dentro das muitas possibilidades. Uma vez selecionados e registrados
os atributos, calcula-se a sua covariação com outros atributos. Depois de
determinar quais dos atributos realmente covariam de uma maneira não-
aleatória, os valores observados dos atributos são juntados em ‘tipos’ que são
empiricamente testáveis. Contagens destes tipos estatisticamente deriváveis
podem ser usadas como input para análise e interpretações quantitativas.
Uma Segunda espécie de análise de artefatos envolve o reconhecimento
de atributos funcionalmente associados à sua manufatura e ao seu uso, tais
como cicatrizes de lascas, estrias ou polimento. A interpretação destes sinais
de uso-desgaste se fundamenta em experiências, as leis da mecânica, e a
analogia etnográfica (…). Esta espécie de análise é o método mais preciso
para determinar o manuseio de um implemento porque não envolve tantos
argumentos inferenciais quanto envolvem os tipos baseados tão somente na
morfologia (…). Uma análise efetiva de artefatos integra estas duas espécies
de classificação num procedimento reiterativo e contínuo (idem; ver tam-
bém MILLER, 1977; 1984).
Portanto, os outputs de um estágio de pesquisa são inputs para o
próximo, com lugar reservado também para desdobramentos de re-
troação para aprimorar os resultados de estágios anteriores na base de
experiência posterior.
A padronização, portanto, começa pela parte descritiva, através das
declarações analíticas pormenorizadas que realçam as semelhanças e di-
ferenças nos fenômenos sendo descritos. No nível analítico, aplica-se
a teoria aos fenômenos (objetos, relações e atividades descritos) para
mostrar como os fenômenos exibem propriedades analiticamente deter-
mináveis, e, portanto, utilizáveis para explicar certos aspectos do sistema
do qual fazem ou fizeram parte.
Em relação especificamente à cerâmica, Redman observa que:
Um alto nível de controle se exerce, freqüentemente, na fabricação da
cerâmica, e existem muitas maneiras pelas quais um ceramista pode alterar
a forma ou desenho dos vasos. Sugiro que numa armação produtiva para o
estudo da cerâmica maximizar-se-ia a variação que se reconheça e se registre.
Este procedimento deve-se estruturar de uma maneira hierarquizada onde
as comparações podem ser efetuadas dentro de cada nível desta hierarquia,
dependendo das hipóteses sendo testados no momento. Na realidade, este
sistema compor-se-ia de um conjunto de hierarquias que corresponde às
categorias das escolhas do ceramista. Cada hierarquia cobre um dos aspectos
principais da construção da peça, tais como manufatura, forma ou decoração
(ibidem: 9).
O nosso procedimento, adotado para a análise do material da super-
fície do Sítio Papeba, tem por finalidade descobrir quais os atributos que
realmente existem nesta população de cacos, para em seguida procurar
os conjuntos de atributos que covariam, para usar como dados de input
para as operações posteriores: análise do material escavado e interpreta-
ções de atividades humanas.

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Procedimento Adotado para Análise do Material de


Superfície

1) Análise de atributos: os atributos são identificados e tabulados, e


depois agrupados em parâmetros; estes, por sua vez, sendo agru-
pados em campos. Cada campo representa um conjunto hierár-
quico de escolhas disponíveis à artesã (pasta, forma, tratamento da
superfície interna, tratamento da superfície externa, etc.), e cada
parâmetro um conjunto de alternativas nem sempre em nível de
contraste (no sentido lingüístico); como, por exemplo, no campo
“pasta”: homogeneidade, inclusões, bolhas de ar, estrutura, fissu-
ras, cor, etc.
2) As atividades da artesã de acordo com dados etnoarqueológicos
(escolhas da argila, limpeza da argila, inclusões, construção da
peça, acabamento da superfície, secagem, queima).
3) Aspectos físico-químicos da tecnologia cerâmica, levando em
consideração também o item n.º 2.
4) A análise e tabulação dos resultados, com uma ficha de análise
para cada caco, e uma ficha de somar para cada atributo (ver
anexos).
5) Primeiras inferências comportamentais (utilização de roletes,
queima de vasos de boca para baixo, etc.).
6) Tabulação e cálculos de covariações, com fichas de cruzamento
de dados.
7) Definição de conjuntos ou “clusters” de atributos a serem usados
como unidades (“tipos”) na classificação e identificação posterior
do material escavado.
8) Inferências destes em relação aos padrões de comportamento da
artesã.

2. DA ARGILA À PASTA2 2
Este tópico deve
muito a SHEPPARD,
Propriedades Físicas da Argila 1957.

Na textura das argilas existe uma gama enorme de tamanho das


partículas. Ao observarmos um barranco ou beira de rio, o que vai nos
indicar a presença de argila é um material de granulação finíssima e ho-
mogênea. Entretanto, para analisarmos melhor a composição da argila,
basta colocar um pouco desta n’água e veremos que a homogeneidade
não é tão grande, pois as partículas maiores tendem a descer rapida-
mente, enquanto as mais finas levam um pouco mais de tempo para se
precipitar, e existem ainda as partículas superfinas que permanecem em
suspensão coiloidal.
É preciso observar a diferença entre uma suspensão e uma solução.
Por exemplo, no processo de dissolver a argila n’água, esta nunca dis-
solve, mas forma uma suspensão coloidal. Colóides significam graus de
subdivisão de partículas de qualquer substância3. 3
“Para o pedólogo a pa-
A gama de tamanho das partículas de uma substância dessas é bastante lavra ‘argila’ não designa
variável. Podemos observar a suspensão coloidal verificando as nuvens uma unidade química
e sim uma unidade de
que são formadas e se alastram (dentro do líquido) e que podem ser vistas tamanho coloidal cujos
se colocarmos esse líquido dentro de uma fonte de luz, especialmente diâmetros são inferiores a
num ambiente escuro. 0,002 mm” (GUER-
RA, 1969: 35).
A importância dos colóides reside no fato de que, nesta faixa de
tamanho de partículas, existem fenômenos que não são encontrados em
outras faixas. Isto ocorre devido ao aumento da superfície total da massa
da substância, o que introduz uma série de fenômenos de superfície.

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Pode-se, assim, aumentar a superfície sem que isto interfira no volume


total. A suspensão coloidal caracteriza-se por possuir partículas que se
deslocam de um lado para outro, sem se unirem: se repelem mutuamen-
te. Certos colóides retêm moléculas de água na sua superfície, formando,
assim, uma casca de água. Os colóides de argila pertencem a esta classe,
o que os relacionam diretamente com a plasticidade.
As formas das partículas são de grande interesse para nós, pois afetam
a maneira pela qual vão se juntar. A argila funcionará como unidade
quando suas plaquetas moleculares estiverem sido alinhadas na superfície
de uma forma em construção e comprimidas para uma posição paralela,
através do processo de alisamento e polimento das superfícies.

Composição Química da Argila

Existem dois fatores que determinam a composição química da ar-


gila: a composição da rocha-mãe e o ambiente químico ao qual foi su-
jeita durante a lixiviada. As argilas descendentes de feldspatos alcalinos,
especialmente granitos e pegmatitos, tendem a se alterar na direção de
caolinitas enquanto as rochas caracterizadas por plagiclásios cálcicos tais
como basaltos e rochas com alto conteúdo de cálcio, magnésio e ferro.
Estes tendem a se alterar na direção de montmorillonita. Outra argila
muito importante na cerâmica é formada de bentonitas que possuem
diferentes composições na estrutura molecular e, no processo da queima
(cocção), produzem resultados igualmente diversos. Os ceramistas in-
dustriais preferem as argilas puras, ou seja, caolinitas puras, que não são
encontradas na natureza. Por isso a argila precisa passar por um longo
processo de refinação, até que estejam eliminadas as impurezas.
Por outro lado, para a ceramista artesã, são exatamente as impurezas
que têm importância para a execução do seu trabalho. Os diferentes
tipos de argila existentes dão uma idéia da sua formação e textura. A
composição mineralógica da argila proporciona dados específicos que
têm aplicações diretas, pois as diferentes espécies de argilas comportam-
-se de maneira peculiar na hora da queima. Na arqueologia, as pesquisas
têm sido feitas em termos das argilas industriais ou puras, ao passo que
a cerâmica pré-histórica e popular constitui uma formação de diferentes
tipos de argila, ou seja, a argila, em seu estado natural, não é pura. Nor-
malmente a argila na natureza é uma mistura de caolinita com outras
argilas, ou então de bentonita com outras argilas.

Impurezas das Argilas

Existem diversas razões para que a argila possa ser encontrada sob
várias formas. Ocorre, às vezes, ser difícil distinguir as diversas impurezas
que uma argila possa conter. Apenas observando o depósito nos é im-
possível detectar o grau de mistura e os elementos componentes de uma
determinada argila. O material estranho encontrado é, na maioria das
vezes, composto por grãos derivados da rocha-mãe. Minerais de várias
fontes são encontrados junto às argilas sedimentares, tais como, quartzo,
feldspato, carbonatos, oxidas de ferro e outros minerais. Devido às suas
impurezas, os sais solúveis absorvidos e o material vegetal e animal em
decomposição afetam as propriedades as argilas e, especialmente, as suas
reações ao calor. As impurezas mais encontradas são quartzo e outras
formas de sílica, com grãos de vários tamanhos, desde o coloidal até os
mais grossos. O tamanho do silte (0,02 mm a 0,002 mm) é mais comum,
e o efeito mecânico deste é de reduzir a plasticidade da argila. Sílica em

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partículas extremamente finas pode diminuir o tempo da queima, mas


não a ponto de modificar o resultado desta, dentro da gama de tem-
peraturas usadas pelos povos de tecnologia simples, ou seja, pela artesã
“primitiva”.
Outras impurezas comumente encontradas são os oxides de ferro,
tais como hematita, magnetita, limonita, siderita, prita e outros. Estes
minerais dão uma coloração às argilas. Também comuns são os silicatos
de ferro, em várias dimensões, de coloidal até grãos que podem chegar
a um milímetro e, por vezes, ultrapassar esta medida.
As suas reações na queima dependem do tamanho da partícula, da
composição química e das relações com os outros constituintes da argila.
Quase todas as argilas possuem material orgânico, entretanto, a espécie,
condição e proporção são altamente variáveis. Em argilas de origem
recente, ou seja, secundárias, encontra-se uma grande quantidade de
material vegetal. Por outro lado, nas argilas primárias, ou mais antigas,
esse material é mais escasso. O carvão mineral, os xistos, as ardósias e o
carbonato de cálcio também são comuns, podendo aparecer de maneira
muito fina, ou sob a forma de conchas, calcitos e o calcário. Argilas
calcáreas não servem para produtos cerâmicos finos, mas podem ser
aproveitados para fabricação de tijolos, etc.
Partículas de origem vegetal, como pauzinhos, desaparecem pela
oxidação através da queima, deixando ocos na pasta. Estes, por sua vez,
possuem também a sua utilidade, na inibição da propagação de racha-
duras durante a queima, pois, quando uma das rachaduras atingir o oco,
este não poderá ir mais além. Portanto, estes espaços, os ocos, atuam na
redução do grau de perigo da peça se quebrar durante a cocção. Estas são
as impurezas mais freqüentemente encontradas nas argilas, embora exis-
tam outras, em menor freqüência, que também interferem na sua cor.
A cor da argila, como observamos, vai depender dos minerais, das
impurezas nela contidas, e também das condições de queima, ou seja, se
foi efetuada numa atmosfera de oxidação ou de redução. As argilas mais
puras são brancas, e as argilas que possuem impurezas são acinzentadas ou
pretas. A aparência da argila é diferente da cor que esta vai adquirir atra-
vés da queima, devido à presença de minerais e especialmente material
orgânico. Quando este material orgânico não for totalmente queimado,
ocorrerá o aparecimento de uma faixa preta dentro da parede da peça ou
do caco. As diferentes temperaturas utilizadas durante a cocção podem
determinar a cor que a peça vai adquirir, ou seja, dependendo do grau de
oxidação a argila pode assumir cores diferentes. Trataremos mais deste
aspecto juntamente com a queima.
Para o ceramista industrial, a argila impura não é de grande valia, e
esta, para servir ao seu fim, tem que passar por um enorme processo de
refinação. Por outro lado, o ceramista artesão, desprovido de exigências
mais específicas com relação ao grau de pureza da argila, habituou-se
a usá-la da mesma forma que ela se encontra na natureza, escolhendo
a sua matéria prima pelas qualidades das próprias impurezas. Portanto,
sem a preocupação de transformá-la em uma argila refinada e com valor
comercial.

Plasticidade

O ceramista é capaz de julgar a plasticidade e qualidade de uma argila


através de uma pequena observação desta. Entretanto, cientificamente,
tem sido muito difícil julgá-la.
A ceramista artesã acha mais apropriado, para executar um bom tra-
balho, a escolha de argilas mais pegajosas, pois se ligam mais facilmente.

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A nossa compreensão vem do estudo da forma coloidal e da distribui-


ção das plaquetas moleculares que estão dispostas horizontalmente. As
películas de água agem como lubrificantes, permitindo, com isso, o
deslizamento das plaquetas, umas sobre as outras. Pode-se testar isto
observando dois pedaços de vidro que, milhados, deslizam facilmente,
um sobre o outro, mas, oferecem grande resistência quando tentamos
separá-los.
Na medida em que se reduz o tamanho das partículas, ocorre o
aumento das forças de repulsão mútua entre as partículas na suspensão
coloidal, portanto, a sua dispersão (movimento browniano).
As argilas são facilmente aguadas devido às suas superfícies minús-
culas. Quando uma argila possui água suficiente, pode-se trabalhar com
mais facilidades sem que haja rachaduras. O mesmo não acontece quan-
do existe pouca água. Uma argila que está pronta para ser trabalhada
4
Ver SHEPARD, deve ter seu “ponto de ceder”4 (“yield point”) e da extensão máxima. Cada
1957: 15. argila possui a sua própria capacidade de absorção de água para alcançar
o ponto ideal para manuseio, ou seja, para obter o seu próprio “ponto
de ceder” desejado. Este último é explicado através da força de união das
plaquetas lubrificadas pelas suas cascas de água. Por sua vez, a extensibi-
lidade é explicada por meio do deslizamento dessas plaquetas.

Aditivos Não Plásticos

O material não-plástico desempenha um papel principal na redu-


ção do encolhimento da cerâmica durante a secagem e a queima. O
ceramista moderno, como também o “primitivo”, o inclui para obter
o grau de plasticidade desejado. Através do microscópio podemos ob-
servar mais detalhadamente o material não-plástico que foi utilizado em
uma determinada peça e, muitas vezes, até detectar a sua origem com
base no tipo de mineral encontrado. Devido à grande quantidade de
água existente na massa, esta se torna muito plástica, sendo necessária a
presença de um antiplástico capaz de dar maior consistência à massa e,
conseqüentemente, condições para se fazer a modelagem.
A areia não funciona bem como antiplástico, pois é de grãos ar-
redondados, sendo necessário algo irregular para melhor aumentar a
fricção e controlar o deslizamento das plaquetas moleculares. Em geral
o antiplástico mais utilizado é rocha ou quartzo moídos, pois oferecem
as propriedades desejadas. Mas, ocasionalmente, podemos observar a
presença de antiplástico orgânico, ou seja, casca de árvores com conte-
údo de sílica, queimadas e moídas (cariapé), ou espículos de esponjas de
água doce (cauixi).
“Tempero”: Os arqueólogos americanos têm utilizado o termo “tem-
pero” para designar o material não-plástico encontrado na pasta.
Em geral, este termo se limita ao material acrescentado pelas artesãs,
mas às vezes se estende a todo material não-plástico encontrado na mas-
sa. Temperar significa acrescentar este material à argila. Os americanos
também usam a palavra grog que significa tijolo, telha, cerâmica e outros
produtos queimados e moídos. Ocasionalmente, deram um significado
mais lato a esta palavra também.
Os ceramistas, por sua vez, não possuem um termo geral para incluir
todos os materiais não-plásticos adicionáveis, provavelmente porque os
usam pouco.
Os arqueólogos americanos têm sido criticados pelos ceramistas de-
vido ao uso do termo “tempero”. Embora essa palavra já se encontre
firmemente estabelecida dentro da literatura arqueológica americana,
consideramo-la infeliz, devido a sua ambigüidade. A sua introdução na

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literatura arqueológica brasileira foi efetuada pelo grupo PRONAPA,


grupo este que em seguida tem preferido adotar o termo “antiplástico”
(ver Terminologia Arqueológica Brasileira para a Cerâmica, publicado pelo
Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do
Paraná, Manuais de Arqueologia n.º 1, Curitiba, 1966).
Visto que o termo antiplástico tem uma função muito específica,
não consideramos útil usar o termo simultaneamente para um sentido
mais amplo; preferimos usar este último no sentido restrito, reservando
a expressão “material (ou inclusões) não-plástico”, para o sentido mais
amplo.
A função do material não-plástico é diminuir a secagem diferencial
entre a superfície e o interior da peça. Isto ocorre porque os grãos são
mais grossos do que os da argila, facilitando a passagem da água. Tam-
bém durante a cocção, o encolhimento acontece quando as partículas
de argila se aproximam mais umas das outras, enquanto os grãos não-
plásticos, por serem mais grossos, diminuem estes efeitos.
A função do antiplástico, como indica o nome, é de reduzir a plas-
ticidade da massa. A vantagem desta plasticidade reside no fato da argila
poder assumir qualquer forma desejada pelo artesão. Porém, essa vanta-
gem torna-se desvantagem quando essa plasticidade faz com que a peça
tenda a desmoronar, em função do seu próprio peso. Os antiplásticos
diminuem essa tendência ao reduzir o efeito da lubrificação pela água
nas superfícies das plaquetas moleculares da argila. Portanto, a areia não
serve como antiplástico, como já observamos, uma vez que seus grãos
são arredondados, e não provocam a fricção necessária. A areia pode
ajudar na secagem, mas não é por si só um antiplástico.
Muitos povos usam rocha moída (ou caco moído) como antiplástico,
o que poderia parecer com areia vista através da lupa. Muitos dos povos
indígenas deste continente acreditam que a presença de areia na pasta
prejudica a cerâmica.
A quantidade de antiplástico encontrada em uma peça pode nos
sugerir o grau de plasticidade da argila em seu estado natural. Algumas
argilas secarão satisfatoriamente sem a presença de antiplástico; outras
não poderão secar sem rachar, mesmo que se tome todo o cuidado para
que a secagem não ocorra de forma desigual. Devido ao fato do anti-
plástico enfraquecer a massa, por torná-la mais quebradiça (por seca) ao
esticar, é preciso que esse seja dosado corretamente, para que se obtenha
um bom resultado.
Tendo observado as características puramente técnicas da argila e
os seus aditivos, passaremos a examinar o que as ceramistas artesanais
realmente fazem para preparar a pasta pronta para a construção da ce-
râmica.

3. PROCEDIMENTO DA ARTESÃ
Escolha da Argila
Uma das maiores preocupações da ceramista é a escolha da argila
adequada. Esta precisa conter os ingredientes essenciais para a fabricação
de uma boa peça.
Esta seqüência operacional tem início com a obtenção da matéria prima.
A argila é, via de regra, recolhida às margens ou nos leitos de rios ou córregos
situados a distâncias variáveis da aldeia, sendo que muitas vezes a disponibi-
lidade de um bom suprimento de barro é um dos fatores condicionantes da
escolha de um novo lugar para a sua instalação (LIMA, 1986, p. 74-5).

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ARNOLD (1978) Geralmente existem depósitos de argila nas proximidades das aldeias,
observa que as comu-
nidades agrícolas nem que, mesmo servindo para outros fins, podem ou não reunir as qualida-
sempre tem boas fontes de des procuradas pela artesã indígena para a confecção da sua cerâmica5.
argila dentro do seu espaço Por essa razão, muitas vezes, o local de encontro da argila preferida situa-
vital, e, freqüentemente, se a muitas léguas da aldeia (WÜST, 1984, p. 312; MILLER, 1978b,
terras que apresentam
boas amostras de argila p. 12), como entre:
adequada (por afloramento
devido à erosão) podem, Grupos como os Kayabí, Araweté, Tiriyó e Tapirapé que se deslocam
por esta mesma razão, ser em expedições que chegam a durar vários dias, em busca de um material que
impróprias ou pobres para tenha a qualidade necessária para se obter um resultado satisfatório na con-
a agricultura, enquanto fecção dos vasilhames. Nestes casos é coletada uma quantidade que abasteça
a boa terra agrícola pode
ocultar quaisquer depósitos
as ceramistas por um bom período de tempo (LIMA, loc. cit.).
de argila apropriada para a
cerâmica. As comunidades Lima acrescenta que alguns grupos aproveitam tais expedições para
produtoras de cerâmica, coletarem também os aditivos tais como antiplásticos.
limitadas a utilização de Entre os Caingáng, por exemplo, existe uma distinção até o nível
recursos próprios, vão
fabricar produtos de acordo
lingüístico para designar o barro que é bom (para cerâmica) daquele que
com estes mesmos. Arnold não serve. Em geral, para testar a qualidade do barro, a ceramista o esfrega
vê “a fabricação da cerâmi- entre os dedos, mas entre os Bororo, Tukuna e Tiriyó, uma técnica obser-
ca entre os Pokom do Vale vada era de experimentar na boca (MUCCILLO; WÜST, 1984; LIMA,
de Guatemala como uma
adaptação a terras pobres 1986, p. 174-5). Estes meios são utilizados para verificar se a argila é “gor-
para agricultura, mas que durosa” ou “pegajosa” o suficiente para ser aproveitada. Lima também cita
têm recursos para a cerâ- certos grupos, como os Kaxinawa, que fazem um ensaio ou experiência
mica… Comunidades com queimando uma pequena amostra do barro na fogueira (loc. cit.).
recursos diferentes dispo-
níveis produzem cerâmicas
diferentes enquanto as que
possuem materiais seme- Limpeza da Argila
lhantes (mesmo que possam
ter experiências históricas
diferentes) produzem A ceramista prefere trabalhar com argila livre de impurezas grossas
cerâmicas semelhantes. Este (raízes, pauzinhos, pedrinhas, etc.). Por isso torna-se necessário a sua
fator explica porque há tão limpeza. Adicionando água e amassando o barro com as mãos, a artesã
pouca semelhança entre
as cerâmicas produzidas
consegue retirar da argila estes materiais indesejáveis, beliscando-a cons-
nas comunidades pokom: tantemente e descartando os objetos encontrados.
a evidência cerâmica para
a sua unidade lingüística Esta limpeza, dependendo do grupo, pode ser executada ainda junto ao
e cultural é apenas uma depósito original antes do transporte. Livre de detritos, o barro é então muito
semelhança básica de bem amassado, sendo simultaneamente testada a sua consistência. Entre os
técnica, mas não se reflete Kayabí, a argila é não apenas amassada, mas também socada em um pilão
diretamente na cerâmi-
ca por si só” (p. 58-9).
com um pouco de água (Idem).
Comunidades produtoras
de boa cerâmica colocam Outra técnica utilizada, mas só por artesãos contemporâneos, é a de
os seus produtos nos peneirar o barro depois de quebrado, visando, contudo, o mesmo fim
mercados livres regionais (COSTA, 1985, p. 131).
para consumo em outras
comunidades. No entanto,
Não temos nenhuma notícia de grupos indígenas do nosso continen-
Van der Leeuw conclui, na te utilizando o processo de decantação para a limpeza da argila, embora
base dos seus trabalhos, que seja evidente sua simplicidade e muito maior eficiência na retirada de
a quantidade de cerâmica impurezas. Talvez seja porque, no nível artesanal da tecnologia cerâmi-
caseira produzida depende
diretamente da distância ca, as impurezas desempenham um papel suficientemente importante
de centros de produção, na que uma maior eficiência na sua remoção seja contraproducente.
ilha de Negros, Filipinas, e
também Virgínia colonial,
onde os colonos europeus Divisão do Trabalho
utilizaram a cerâmica
indígena. “A produção ca-
seira da cerâmica encontra Em geral, a tecnologia cerâmica tradicional é de domínio das mulhe-
saída fora do sistema de res, visto que está correlacionada às atividades domésticas. Lima encon-
mercados, através de canais trou como exceções apenas os yanomami, Mayongong e, especialmente,
de parentesco e amizade.
Isto deve produzir padrões
Waharibo. Uma hipótese interessante para testar, nestes casos, seria se o
erráticos de distribuição” predomínio masculino na cerâmica associa-se com a forma de expansão
refletidos na Arqueologia. dos povos de fala caribe, onde grupos masculinos conquistavam grupos

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estranhos, executando os homens (e os comendo) e desposando as mu-


lheres, para formar novas tribos. Algumas dessas poderiam ter sido povos
não-ceramistas. Entre outros povos brasileiros, os homens só fabricam
objetos especiais em barro, tais como cachimbos (Tapirapé).
Os homens Kaxinawa podem utilizar inúmeros objetos de barro, porém
a mulher é a proprietária única do produto acabado, sendo ela que decide
a quem deve dá-lo ou emprestá-lo. Muitas vezes eles têm inclusive dificul-
dades de dar informações sobre as cerâmicas, na medida em que estas fazem
parte do vocabulário especificamente feminino. Também entre os Mundu-
rukú as peças são de propriedade exclusiva das mulheres (LIMA, ibidem).
Os conhecimentos da artesã sobre a fabricação dos vasilhames foram
adquiridos pela tradição, de avó para mãe para filha para neta, e, na prá-
tica. Na Baía de Paranaguá, o homem, apesar de não dominar a técnica,
colabora na busca da matéria prima e durante o processo da queima.
Uma informante Caingáng foi acompanhada por um homem na procura
da argila, e este homem também ajudou na limpeza e preparou lenha
para a queima. Um Xavante que quer cerâmica procura bastante argila
boa e a entrega a uma artesã em troca de umas peças.
É muito comum a participação dos homens nesta etapa do trabalho, em
função do grande esforço despendido, Os homens Waurá, por exemplo,
fazem sucessivos e desgastantes mergulhos ao fundo do rio, em busca de
material argiloso. Isto é feito apenas durante o verão, já que no inverno o
leito fica muito profundo. Entretanto, o auxílio mais freqüente é, sobretudo,
no transporte de volta à aldeia…
As informações referentes a esta participação deixam muito a desejar, já
que praticamente não se reportam aos eventuais vínculos de parentesco que
unem esses indivíduos aos ceramistas (LIMA, 1986, p. 174-5).
As mulheres começam cedo o aprendizado, brincando de imitar as
suas mães a partir dos quatro ou cinco anos, embora comecem a aperfei-
çoar as técnicas só na adolescência, quando já estão aptas a se casarem.
No contexto da produção da cerâmica comercial em uma civili-
zação, é o homem (normalmente) que pratica esse ofício, sendo assim
detentor das técnicas e dos instrumentos, tais como a roda. Esse trabalho
é feito como forma de especialização profissional associada ao comércio,
visando com isso ao sustento da sua família. Neste contexto, Lima cita “a
participação masculina na indústria oleira dos Waurá, antes exclusiva das
mulheres, (que) parece ser um fenômeno relativamente recente, ligado à
necessidade do aumento da produção, face à importância econômica da
cerâmica na área alto-xinguana”, ou seja, a sua profissionalização em face
do aumento da interdependência econômica dessas comunidades.

Local de Trabalho

O lugar escolhido pelas ceramistas para a execução do seu trabalho


situa-se geralmente, nas proximidades da casa. Apenas algumas preferem
trabalhar a massa em casa (Bororo e Santo Antonio do Potengi, RN). Os
Carajá costumam guardar a argila em frente às suas casas, diretamente na
areia ou dentro de caixotes de madeira. O local é próximo da praia (do
Araguaia), e, para a argila ser utilizada, adiciona-se água um dia antes
da sua retirada. A parte da argila a ser trabalhada é estocada em latas de
alumínio e colocada atrás da casa. Durante a estação seca, a atividade
da artesã é bem mais intensa de que no período das chuvas, uma vez
que neste torna-se mais difícil o processo da secagem (MUCCILLO;
WÜST, 1984).

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Antiplásticos e outros Aditivos


Durante o processo da escolha da argila, a artesã observa se esta
contém areia. Em caso positivo, o barro é considerado “ruim” por po-
vos como, por exemplo, os Caingáng, Xokléng e Bororo. No entanto,
LOELL-SCHEUER (1969) nos assegura que ceramistas populares da
Baía de Paranaguá adicionam areia fina como antiplástico.
De acordo com RIBEIRO (1989, p. 30-1), no preparo da pasta para
confeccionar a cerâmica “ocorre, normalmente, a adição de materiais
desengordurantes ou temperos (antiplásticos) que endurecem a argi-
la. Encontra-se, não raro, misturados aos depósitos de barro naturais.
Distinguem-se os constituídos de (1) substâncias orgânicas: espículas
de esponja calcinada, denominada regionalmente cauixi, ossos moídos,
conchas esfareladas, palha picada, estrume de gado, pó de carvão, cinza
de uma árvore do cerrado (“orelha de burro”)…, cinza da casca e do
caule da árvore “cega-machado”… conhecidas como cariapé; (2) subs-
tâncias inorgânicas: grãos de quartzo, mica, feldspato, cacos triturados,
pedras calcáreas, areia, terra, tijolo e telhas triturados. O material orgâ-
nico ou inorgânico introduzido na pasta destina-se a produzir condições
propícias à secagem e queima da cerâmica”.
Os antiplásticos mais utilizados pelas artesãs da Baía de Paranaguá
são saibro queimado e moído, cinza, cacos e rochas moídas e, como já
observamos, areia fina.
1) Rocha moída: este antiplástico foi encontrado arqueologicamente
na cerâmica caingáng e xokléng, ao invés de caco moído, que foi
utilizado pelos Caingáng em tempos históricos.
2) Caco moído: os Caingáng utilizam cacos moídos como antiplásti-
co, mas, na falta destes, lançam mão de cacos de telha ou mesmo
de tijolos, que são pilados e peneirados. Depois deste processo, o
“pó de caco” é acrescentado à massa com a finalidade de “torná-la
mais forte” (MILLER, 1978b). WILLEy (1986, p. 234) consi-
dera que o uso de cacos pulverizados associa-se a regiões onde a
areia é “geologicamente escassa ou ausente”, o que, definitiva-
mente, não é o caso dos Caingáng.
3) Cariapé: o saibro é largamente usado no centro-oeste, além do
caso da Baía de Paranaguá já citado, onde as artesãs alegam que é
preciso “temperar o barro porque é liso e assim não presta” (LO-
ELL SCHEUER, op. cit., p. 4). WILLEy (loc. cit.) nos informa
que, no continente em geral.
A areia e o saibro fino são os antiplásticos mais difundidos. São encontra-
dos em todas as partes do continente, exceto na bacia amazônica e nas Guia-
nas. Estes materiais de liga eram utilizados no fabrico da melhor cerâmica da
América do Sul, bem como no das peças mais primitivas (idem).
Ribeiro reporta que as cascas das árvores “são cortadas em tiras e
secas ao sol. Amontoadas de modo piramidal são queimadas lentamente
pelas brasas introduzidas no centro da pirâmide. As cinzas resultantes
são socadas no pilão e peneiradas, aproveitando-se o pó mais fino como
mistura do barro. A esse pó os índios Desana adicionam o sumo da folha
do cansação, uma urticácea” (loc. cit.)
Em relação à distribuição da prática de usar este antiplástico, Willey
declara ser
… mais comum na floresta tropical… A cerâmica com este tempero
é encontrada em toda a bacia do Amazonas e do Orenoco. A maioria dos

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estudiosos encontra uma ligação histórica entre as tribos que falam o Aruak
e o uso da cinza silicosa. Esta correlação é válida, exceto para os Aruak do
extremo sul (Paraguai) e do norte (Índias Ocidentais) que não revelam este
traço cultural. É de se supor que, qualquer que seja a filiação étnica, a cinza
como tempero foi desenvolvida primeiro no baixo amazonas. É significativo,
em termos de meio ambiente, que este seja um desenvolvimento da floresta
e não dos Andes (loc. cit.).
Na região do Araguaia, presume-se que a prática foi introduzida
pelos povos de fala tupi, e foi adotado pelos Carajá e Bororo, que são
de tronco lingüístico macro-gê.
De acordo com MUCCILLO e WÜST (1984, p. 324), os Bororo
fazem o cariapé da casca de “orelha de burro” queimado e pulverizado,
para “dar força ao pote”, mas, na falta deste, é utilizado osso de gado,
queimado e peneirado, o que, neste estado, tem a mesma aparência de
cariapé. Os Carajá também utilizavam as cinzas de uma árvore mais co-
nhecida como “cega-machado”, e cuja madeira é rica em sílica, como
também a casca de “orelha de burro”.
4) Carvão: os Xokléng apresentam um caso curiosos, acrescentando
carvão à massa onde os Caingáng acrescentaram “pó de caco”.
Uma informante disse que o carvão procede da casca de uma ár-
vore, e o pesquisador conseguiu verificar que a árvore em questão
era um coqueiro, afastando-se a hipótese de ser cariapé. Ainda,
uma segunda informante usou carvão de lenha comum. Desco-
nhecemos a utilidade do carvão na massa, mas duvidamos que
servisse como antiplástico (MILLER, 2008).
5) Cauixi: Ribeiro nos informa que este antiplástico consiste nas “es-
pículas de animais espongiários… de água doce, que, reduzidas a
cinzas e misturadas ao barro, servem de tempero para a fabricação
de vasilhame” (loc. cit.). Willey comenta que este desenvolvi-
mento é evidentemente amazônico, conhecido também no rio
Guaporé, no Orenoco, na região de Santarém e entre os Carajá
e Canichana.
6) Outros: antigamente os Carajá também se utilizavam da cons-
trução (“casa”) de um cupim encontrado em árvores “e da qual
resulta uma cinza muito boa” (WÜST, 1984, p. 313). Wüst tam-
bém menciona o uso de fragmentos do casco de tartarugas.

Preparo da Passta
Com a mistura dosada de argila, água e antiplástico a pasta se torna
homogênea. A argila é dividida em “bolas”, que são temperadas com
antiplástico e água até atingir a consistência desejada. No caso dos Cain-
gáng, a pasta é socada no pilão, e a artesã testa a sua consistência com os
dedos. Não existe uma medida exata, pré-estabelecida, para determinar
o “ponto” da massa. Este é obtido através do constante acréscimo do
material usado como antiplástico e água. As ceramista Xokléng, como
também as da Baía de Paranaguá, preparam a massa sem a utilização do
pilão. Apenas amassando a pasta com as mãos, elas alcançam a mistura
ideal. O “ponto” da massa também é verificado com os dedos. É muito
importante que a massa seja bem preparada, pois, se for seca demais,
tende a rachar e fragmentar-se. E, se for molhada demais, não poderá
manter a forma desejada pela artesã.

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Implementos Usados
A ceramista se utiliza de vários instrumentos para executar o seu
trabalho, em cada etapa deste. No preparo da massa, os Kayabí, Bororo,
Caingáng e Xokléng se utilizam do pilão para triturar o antiplástico
e (com exceção dos Xokléng) para pisar a massa. Os Bororo e Cain-
gáng se utilizam de uma peneira de aço para peneirar o antiplástico. Os
Carajá, Caingáng e Xokléng amassam e trabalham a pasta sobre uma
tábua, enquanto uma informante caingáng se utilizava de uma pequena
bacia. Caingáng e Xokléng usaram canecas para água e panelas para o
antiplástico. Uma informante caingáng, muito idosa, se recusou a fazer
a cerâmica dizendo que “a gente se suja muito”, pois evidentemente ela
não usou da tábua e sim do colo.
Os artesãos de Santo Antonio do Potengi utilizam ferro ou cepo de
pau para quebrar o barro, e uma pequena tábua, como instrumentos de
trabalho equivalentes aos citados para os índios. Os Carajá usam também
de caixas de madeira e latas de alumínio para armazenamento do barro.
Para o adelgaçamento e polimento das paredes, outros instrumentos, tais
como uma pedra muito lisa (Caingáng) para polir, pedra essa encontrada
arqueologicamente, inclusive em Angicos e Georgino Avelino, RN.
Para a mesma finalidade, os Xókleng usam uma semente ou castanha
muito lisa, e os Caingáng também utilizando de uma colher.
Estando o barro pronto, a ceramista senta-se em geram sobre uma es-
teira, couro ou tábua, colocando nas proximidades todo o material que será
utilizado durante a confecção das peças; a argila, que é depositada sobre
as folhas de palmeira, antigos vasilhames emborcados, ou então trançados
de fibras vegetais; as vasilhas com água, que podem ser cabaças ou antigos
recipientes de cerâmica; as vasilhas com os temperos e os instrumentos para
o alisamento, como pedaços de cabeça, conchas, seixos, coquinhos, cogu-
melos, esponjas, palha de milho, panos, colheres velhas, etc.” (LIMA, 1986,
p. 175).

4. TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO
As técnicas utilizadas na manufatura da cerâmica são basicamente
quatro: (1) modelagem, (2) acordelamento em anéis ou em espiral, (3)
“espalmar” ou bater entre uma espátula ou pá e uma pedra curva (bi-
gorna), (4) montagem com auxílio de um molde.
As duas primeiras podem ser empregadas em conjunto ou isolada-
mente, e as duas últimas, de forma mista.

As “Bolas” ou “Bolachas”
A este ponto a argila já está “temperada”, e são retirados pedaços que
serão amassados com as mãos, formando, assim, as “bolas”. Esse processo
dá início à modelagem.
As bolas confeccionadas pela artesã podem apresentar várias formas,
dependendo do tipo de vasilhame que será modelada, ou da operação
que está sendo executada no momento. Os formatos comumente usados
são: globo, cone, cilindro, globo-disco, globo-cone e cilindro-cone.

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Modelagem

A modelagem pode ser uma técnica muito simples, mas não exclu-
sivamente, também pode produzir resultados de alta qualidade. O vaso
pode ser modelado a partir de uma bola de argila preparada, ou empre-
ga-se um cesto, uma pedra ou outro vaso para esticar a argila. É possível
que seja a primeira técnica de construção de vasos (WILLEy, 1986, p.
232-3). Mais comum, no entanto, é o seu emprego só para vasos peque-
nos (p. ex., xícaras para cafezinho, entre os Caingáng paulistas), fusos,
figurinhas, cachimbos, ou fundos de peças cujas paredes são construídas
por outros meios.
Um molde usado em alguns locais da América do Sul é o trançado.
Nesta técnica, o vaso é construído dentro de um cesto.
Bastante comum no Brasil é a modelagem do fundo e construção das
paredes por outras formas. O fundo pode também ser feito ao colocar
o “disco” de argila no fundo de uma tigela emborcada. Em seguida
utilizando a técnica de espalmar, a ceramista vai distendendo a massa até
obter o formato desejado. Em geral, usa-se como molde uma cerâmica
emborcada, como observamos, ou mesmo uma pedra. Entre as cera-
mistas da Baía de Paranaguá, usou-se também o trançado (cesto) para a
mesma finalidade (LOELL-SCHEUER, 1969).

Moldado

O uso de um molde para formar a cerâmica não tem sido registrado


na cerâmica indígena brasileira (RIBEIRO, 1988, p. 32). O processo
é muito antigo na costa norte do Peru, e também conhecido no Me-
soamérica.
Larco Hoyle descreve o processo de fabricação de vasos com moldes da
seguinte forma: um modelo de barro do corpo do vaso era feito e queimado
primeiramente. Os moldes eram feitos com este modelo e cortados vertical-
mente, fornecendo uma face em anverso e outra em reverso. A partir destes
moldes em negativo produziam-se as duas metades positivas, que eram então
conjugadas par formar o vaso. O bico, base e características adicionais eram
feitos e apresentados separadamente. (WILLEy, op. cit., p. 233).

Formação do Fundo

A ceramista ao fabricar uma peça, dispensa uma atenção maior à


construção do fundo ou começo. O formato deste vai depender do tipo
de vasilhame que será confeccionado. Existem vários tipos de fundos e
bases: plano, arredondado, cônico, anelar, tripé e em pedestal.
Inicialmente é feito o fundo do vaso, a partir de uma quantidade de bar-
ro amassado batido entre as mãos, às vezes com o auxílio de uma espátula, ou
sobre uma superfície plana e razoavelmente lisa, até formar uma base achata-
da, aproximadamente circular. Mais raramente o fundo pode ser também da
extremidade de um rolete. Os Kaingáng retiram porções da pasta, fazendo
com elas pequenas bolas com cerca de 8 – 9cm de diâmetro e 2 – 3cm de
espessura. Essas bolas são trabalhadas com os dedos até formar uma espécie
de cone oco, a partir do qual se constrói a peça. Entre os Waurá e Karajá não
apenas o fundo, mas também o início das paredes do vaso, aproximadamente
¾ ou mesmo a metade, são assim modelados. Já os Tapirapé levantam toda
a parede do vasilhame com este processo de modelagem, não empregando,
portanto, a técnica do acordelamento. (LIMA, 1986, p. 175).

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Uma das peças de cerâmica feita por Xavante e colocadas a venda


pelos missionários também evidenciaram a sua construção através de
apenas uma tosca modelagem.
Loel-Schener nos proporciona amais completa descrição da forma-
ção das bases, que só nos cabe citar:
Base plana – A base plana é trabalhada com ou sem ângulo na junção
com as paredes. Estas características podem provir da aplicação de uma de-
terminada técnica.
1. Partindo-se, na técnica combinada, por exemplo, das formas cônicas
e cilíndricas (das “bolas”), a base plana apresenta um delineamento
circular e um ângulo pronunciado na junção com as paredes.
2. Iniciando-se a confecção do vasilhame com o globo-disco, o ângulo
está presente em conseqüência do tratamento com o sabugo de milho;
no entanto, a base não apresenta um contorno exatamente circular.
3. Partindo-se do globo, a junção da base com as paredes não se torna
acentuada.
4. No uso de um molde (prato fundo, gamela ou vasilhame de cerâmica)
a base adquire a forma (interna ou externa) do mesmo e, conseqüen-
temente, a junção com as paredes apresenta-se curvada.
5. A curvatura da base com as paredes de recipientes de corpo elíptico
e globular é elaborada com auxílio de um pedaço de cabaça arredon-
dado, distendendo-se e curvando-se as paredes no interior.
Base arredondada – Na formação da base arredondada ou levemente
arredondada procede-se da seguinte maneira: depois da secagem final,
emborcar o vasilhame, umedecer a face externa e com uma faca ou
pedaço de cabaça alongado, raspar e arredondar a base.
Base anelar – Formar um rolo fino e apertá-lo, em forma circular, na
base do recipiente.
Base em pedestal – (1) Formar uma bola de argila. Batê-la e aplaná-la
com os dedos, produzindo-se um disco espesso. Repuxar no centro
do mesmo uma porção de argila. Circundar a parte saliente com o
rolo inicial de montagem do vasilhame. Aderir ambas as partes e alisá-
las internamente.
(2) Formar um rolo espesso e achatá-lo. Aderi-lo, em forma circular,
à base do vasilhame. Aumentar sua circunferência com um pedaço de
cabaça, no interior, e alisar externamente com um sabugo de milho.
(3) Circundar a base do vasilhame com um rolo espesso. Retirar do
interior o excesso de argila, alargar e alisar com um pedaço de cabaça.
Passar externamente um sabugo de milho.
Base tripé – Aderir três rolos curtos, distribuídos em espaço igual, à
base do vasilhame, colocando de bruços.
Alisá-los com um pedaço de cabaça (LOELL-SCHEUER, 1982, p.
44-6).
Nas áreas do Brasil pesquisadas por nós e outros colegas, podemos
observar que as técnicas utilizadas nesta fase são relativamente parecidas.
Entre os Bororo, Xokléng, Caingáng e Carajá não observamos o uso
de objetos como molde. A construção se inicia por modelagem, onde a
artesã trabalha a bola (ou “bolacha”) com os dedos, exercendo pressão
do centro para a periferia (opondo os polegares à palma da mão) até
formar uma cavidade central do tamanho desejado. Entre as ceramistas
da Baía de Paranaguá, a técnica usada inclui modelagem, mas associada
a um molde.

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As bases cônicas do Caingáng estavam sendo substituídas por bases


planas, em conseqüência de habitarem casas de madeira com assoalho do
mesmo material, significando que não se pode fazer um pequeno buraco
no chão para depositar o vaso cônico em pé. Acomodar os vasos numa
prateleira de madeira exige bases planas.
De acordo com WILLEy (op. cit., p. 234-5) as bases anelares, que
não encontramos nas nossas pesquisas, encontram-se na Guiana brasilei-
ra, Venezuela, Pequenas Antilhas, Porto Rico, Bolívia Oriental, lugares
esporádicos da Amazônica, mas com forte presença na América Central,
Colômbia, Equador, e, no período Inca, Peru.
Os tripés encontram-se na América Central e no Equador, escassos
nas regiões vizinhas, e raramente na província de Mojos (Bolívia) e
“alguns lugares” na bacia amazônica.

Acordelamento

A técnica de acordelamento, seja circular (anelado) ou espiralado,


representa um processo de trabalho mais elaborado, se comparado à con-
fecção por modelagem. Existem duas maneiras de se produzir o cilindro
para acordelamento. Primeiro, rolando um pouco de argila sobre a base
de trabalho (tábua ou coxa), e segundo, modelando a argila livremente,
com os braços estendidos para frente, formando-se assim um cilindro
em sentido vertical (como uma cobra). O seu tamanho varia de acordo
com a circunferência da peça que será montada. Entre os Caingáng, o
rolete era de 2,0 a 2,5 cm de largura e uns 20 cm de comprimento. Os
Xokléng usaram roletes mais grossos, beliscando pequenos pedaços para
acrescentar à peça em formação. Wüst nos informa que os roletes feitos
pelos Carajá apresentaram uma espessura de 2,5 cm. Segundo Loell-
Scheuer (1982, p. 18), entre os diferentes processos de trabalho, a prática
por acordelamento é a mais difundida em todos os continentes.
A partir do fundo modelado, os roletes vão sendo colocados em
forma circular (anelar) ou espiral, umedecidos pelos dedos e
Comprimidos em sucessivas justaposições, até formar as paredes no ta-
manho desejado. Esta compressão é feita com as pontas dos dedos, tanto de
dentro para fora, quanto no sentido inverso. Durante este trabalho, ambas
as mãos, mantidas permanentemente úmidas, são utilizadas. Os Marubo
utilizam também a boca para ajudar a fixação dos rolos, e os Karajá fazem
um sulco profundo em cada um dos roletes, com a finalidade de melhor
encaixá-los na parede já formada (LIMA, 1986, p. 175-6).

Os roletes são confeccionados pela artesã Carajá com o uso das mãos,
sendo em seguida encaixados sobre a borda da peça em construção. Para
fixar melhor o rolete, a artesã pressiona-o com os dedos, primeiro sobre
a parte interna e depois externa da peça (Caingáng, Xokléng).
Os Caingáng formam os roletes com as mãos, em seguida molham a
borda superior interna da peça, para depois os fixarem. O objetivo de o
rolete ficar parcialmente sobreposto, no interior da peça, é de aumentar,
através do adelgaçamento (raspagem) posterior, a área de contato (portanto
de adesão) entre os mesmos. Este procedimento diminui o perigo da peça
rachar ao longo da linha da junção. Esta prática pode ser reconhecida nas
fraturas das peças arqueológicas, pois a secção transversal do pedaço do anel
achatado, fraturada a adesão com os imediatamente inferior e superior, tem
a forma de um losango em vez de um quadrado de cantos arredondados.
Os Bororo, como os Caingáng e Xokléng, empregam a modelagem
para a parte inferior (base) e roletes para a parte superior (paredes) da

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peça. Esses são pressionados uns contra os outros. Em seguida o recipien-


te é girado lentamente sobre o punho direito (Bororo), e a parte externa
modelada com pequenas batidas da mão esquerda.
Durante a aplicação, se algum rolete não alcança toda a circunferência da
peça, é complementado pelo início do seguinte. É mais freqüente a disposi-
ção dos rolos em anéis sucessivos do que na forma espiralada, e no primeiro
caso, se o rolete excede a dimensão do anel, é aparado…
O alisamento dos roletes é feito durante o processo de justaposição,
interna e externamente, tanto em sentido vertical quanto no horizontal.
Com este processo são obliterados todos os vestígios dos roletes e a pressão
empregada faz com que as paredes se tornem mais finas (LIMA, op. cit., p.
176).

No entanto, há uma técnica (ou falta de tal?) que se chama de “cor-


rugado”, na qual os anéis não são obliterados, podendo ser achatados em
superposição (“clapboard corrugated”) ou beliscados alternativamente
(“complicated corrugated”), deixando uma superfície que tem sido in-
terpretada como “decoração” (subtradição corrugada, tradição tupi-gua-
rani), embora uma interpretação funcional seja possível: O aumento da
superfície externa do vaso (e, normalmente, este tratamento foi dado a
vasos), aumenta a área de absorção de calor do fogo, portanto a eficiência
da transferência de calor para o conteúdo do vaso. Naturalmente, isto
não faz sentido onde a fervura é alcançada jogando-se pedras (ou cacos,
como no caso dos Caingáng) incandescentes dentro do liquido.

Hábitos Motores

A artesã, durante a maior parte do trabalho, permanece sentada no


chão com as pernas cruzadas e, por vezes, estendidas. Estes hábitos so-
freram mudanças ao longo do tempo. Observamos que apenas ceramistas
mais idosas e, portanto, menos aculturadas, cultivam os hábitos antigos.
Entre os Xokléng e Caingáng, apenas as informantes mais velhas perma-
neceram sentadas no chão; as mais jovens costumam sentar-se em bancos
para executarem o seu trabalho.
As peças pequenas são mantidas entre as mãos durante a sua confecção;
porém as maiores são colocadas no chão sobre esteiras, antigos pedaços de
fundo de panelas, tábuas, etc., ou ainda podem ser colocadas em um buraco
cavado no solo a frente da artesã e forrado com folhas de palmeiras ou ba-
naneira. Algumas peças Karajá e Oiampí, por exemplo, apresentam na base
impressões de esteira sobre a qual foram apoiadas. Os Waurá espalham terra
vermelha sobre o suporte para evitar que a argila do novo vasilhame fique
aderida a ele. Nas peças pequenas as oleiras trabalham normalmente sentadas.
No caso das maiores, é adotada a postura de cócoras ou de pé, permitindo à
artesã um melhor controle sobre o trabalho (LIMA, idem).

No fundo de uma peça quebrada, numa comunidade Caingáng en-


contramos a impressão de um tecido.
Durante a construção, um dos procedimentos adotados pelos Ca-
rajá é o emprego de rápidos movimentos semicirculares, para os quais
as mãos são constantemente molhadas. Este processo alonga e afina as
paredes da peça (adelgaçamento). Os artesãos de Santo Antonio do Po-
tengi apóiam a argila no pé direito e, em seguida através do movimento
de rotação vão transformando o barro no modelo desejado. Isto tem
certa analogia com o uso da roda, que não foi utilizada pelos ceramistas
artesanais pré-cabralianas. Também análogo é o uso de uma tábua (ou,

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no caso de uma informante caingáng, o fundo de uma bacia invertida


no colo) que pode ser girada, com a peça em cima, durante o processo
de dar forma (o termo para esta peça, proto-roda, é “tornette”).
Os Caingáng, para dar forma à peça, no caso do vaso cônico, jogam-
se para cima, repetidas vezes, com rápidos movimentos rotativos.

Adelgaçamento
Durante o processo de raspagem, para provocar o crescimento e
adelgaçamento das paredes, dando a forma final ao corpo do vasilhame, a
peça é colocada diretamente no chão ou no colo da artesã com o objeti-
vo de tornar o seu manuseio mais fácil durante o alisamento das paredes.
Nesta etapa do trabalho a ceramista apóia uma mão na parte interna da
peça, fazendo esta girar, enquanto a outra alisa ou raspa a parte externa.
Posteriormente, é utilizado um pedregulho molhado, pedaço de pau em
forma de meio-cilindro, sabugo de milho ou pedaço de cabaça para a
raspagem. Os Caingáng se utilizam muito destes pedaços de madeira.
Uma informante Xokléng usou uma faca comum de mesa, mas
afirmou que anteriormente era usada uma faca de taquara.

Instrumentos de Adelgaçamento

As artesãs da Baía de Paranaguá servem-se ainda hoje das ferramen-


tas simples e tradicionais como sabugo de milhos, pedaços de cabaça,
couro e pedra para o adelgaçamento das paredes. Entre os artesãos de
Santo Antonio do Potengi, observamos o uso de pequenas facas de aço,
espátulas de pau, pedaços de cabaça, sabugo de milho e pequenas pedras
ovaladas. O sabugo de milho é utilizado para ligar as roletes entre si e,
quando as marcas não sejam totalmente alisados posteriormente, dá uma
superfície que os arqueólogos chamam de “escovado”. Os pedaços de
cabaça servem para curvar, afinar e alisar as paredes internas e externas da
peça. Na técnica de espalmar, utiliza-se um pedaço de madeira alisada,
que é usado para afinar o disco. Entre os Bororo, observamos o uso de
conchas que servem para ajudar na modelagem e raspagem da peça. Os
Carajá também se utilizaram de conchas como instrumentos de trabalho,
embora hoje seja usada uma colher de alumínio para este fim.

5. SECAGEM E QUEIMA
Secagem
O encolhimento que ocorre durante a secagem pode ser medido
através da mudança no comprimento ou do volume de uma peça. Essa
característica preocupa bastante a ceramista, pois um encolhimento de-
masiado acarretará rachaduras no vasilhame. Em geral, quanto mais fina
a argila maior será sua taxa de encolhimento. Isto acontece porque a
contração causada pela perda de água em uma argila de partículas finas, e,
consequentemente, de maior área de superfície (das partículas), é maior,
ou seja, ela retém mais água que uma argila grossa. Em compensação,
uma argila de granulação fina é, em geral, sensivelmente mais forte.
Uma vez alcançada a forma desejada, em geral estreitamente condiciona-
da pela função a que se destina, a peça é levada a secar em um local arejado
e fresco, à sombra normalmente de um dia para o outro, ou mais raramente

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durante vários dias, até estar em condições de ser posta ao sol. Uma expo-
sição direta aos raios solares pode trazer resultados desastrosos, na medida
em que a ação do calor não se exerce uniformemente, podendo ocasionar
rachaduras (LIMA, 1986, p. 176).

Os Caingáng costumam guardar suas peças dentro de casa durante


o período de secagem, e não ao sol. As ceramistas da Baía de Paranaguá
também preferem guardá-las em casa, num lugar que possua boa ven-
tilação. Em Santo Antônio do Potengi, os artesãos só guardam as peças
em casa no período das chuvas.
Os Bororo deixam as suas peças secar à sombra, dentro de casa e
sobre anéis de pano. Às vezes o recipiente é totalmente enrolado por um
segundo pano para firmar as paredes enquanto o barro continua mole.
Os Caingáng usam também um pano úmido para evitar a secagem rápida
demais da superfície.
Este mesmo povo também, diariamente, alisa a superfície das peças
com um pedregulho molhado, o que resulta uma superfície polida-es-
triada. Esse procedimento dura entre 7 e 10 dias.
Os Carajá costumam deixar seu vasilhame secar ao sol. Este proce-
dimento tem início mesmo antes do término da construção.
Os Kadiwéu tomam inúmeras precauções neste momento, já que o
vento e as súbitas mudanças de temperatura podem contribuir para rachar
mais facilmente a cerâmica… Especialmente em tempo de chuva, os Waiwai
e Marubo colocam as peças, várias vezes, ao largo de um fogo brando para
acelerar a secagem (LIMA, ibidem).

Duração da secagem – entre os Carajá o período da secagem é de


aproximadamente dois dias após o término da construção. Entre os
Bororo a secagem leva entre dois a três dias. Para os Xokléng e Cain-
gáng, o tempo varia de uma a quatro semanas, dependendo da umidade
atmosférica, a peça sendo alisada e polida com um pedregulho muito
liso várias vezes ao dia.
Uma segunda secagem torna-se necessária para enrijecer a cerâmica,
antes de se processar a queima. É freqüente o uso de escoras durante o pro-
cesso de secagem, para evitar que os vasilhames se deformem. Os Waiwai
colocam bastões sustentando as paredes dos grandes recipientes e, para que
estes não deixem marcas no cuidadoso alisamento, provêm as suas extre-
midades com pequenas porções de barro. Na região do Icana e do Uaupés
essas escoras são colocadas na boca dos vasilhames sob a forma de gravetos
entrecruzados (Idem).

Tratamento da Superfície
Durante o período da secagem, já com o barro parcialmente seco,
a peça passa por repetidas sessões de raspagem e polimento, para fazer
desaparecer os sinais dos roletes, quaisquer outras irregularidades da su-
perfície, e produzir uma superfície mais regular e lisa. A raspagem mais
grossa é feita logo no início deste período, usando conchas, pedaços de
cabaça ou cuia, sabugo de milho, pau, couro, pano ou, recentemente,
facas e colheres de metal. Durante este processo, as paredes ficam mais
finas e regulares, portanto também usamos o termo “adelgaçamento”.
O processo de raspagem deixa marcas ou estrias na superfície, devido
à técnica de arrastar estes objetos através da superfície úmida e parcial-
mente mole. Este trabalho de nivelamento pode variar em grau de apri-
moramento e de regularidade ou irregularidade. O procedimento pode

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conduzir a uma superfície irregular, capaz de absorver maior quantidade


de calor, embora a mesma porosidade também permita maior absorção
de líquidos para dentro da parede do recipiente.
Em muitos casos, na superfície côncava (interna) de cacos e de peças,
encontramos as maiores irregularidades e asperezas, sem nenhum sinal de
qualquer tentativa de regularização ou alisamento. Estes são os interiores
de vasos de boca restrita, o que impede a artesã de inserir a mão para
fazer o acabamento.
Depois que a peça adquire certa dureza (“de couro”), a ceramista
elimina as marcas deixadas pelo sabugo ou outro instrumento, raspando
as paredes com uma faca (Baía de Paranaguá, Xokléng) ou uma pedra
extremamente lisa e molhada (Caingáng, Xokléng, Bororo). Ambrosetti
observou os Caingáng de Missiones se utilizando do fundo de uma co-
lher de metal para a mesma finalidade.
Entretanto, com as ceramistas da Baía de Paranaguá, o sabugo mo-
lhado é empregado para o alisamento. A nossa experiência entre os
Caingáng é de observar que o sabugo deixa uma série de estrias que, se
não removida com o pedregulho liso, é a superfície que os arqueólogos
chamam de “escovada”.
Em seguida é feito o polimento, geralmente com seixos rolados (mo-
lhados com saliva ou água), cocos, palha de milho, frutos, sementes, con-
chas, cabaças, etc., deixando marcas bastante visíveis e resultando em uma
superfície bem polida, em alguns casos brilhosa. Em determinadas tribos,
como os Waiwai, os polidores líticos chegam a se constituir como objetos
muito valiosos, passados de geração a geração. Os Waurá, entre a raspagem
e o polimento, costumam lixar a peça com folhas de um arbusto (LIMA,
1986, p. 176).

Com o polimento, as moléculas menores tendem a concentrar-se


na superfície, formando assim uma camada mais fina, ao passo que as
moléculas maiores ficam alojadas no interior. O resultado mecânico
do polimento é o alinhamento das plaquetas moleculares paralelas à
superfície, formando uma película de argila fina. Na nossa experiência
com Caingáng, especialmente, o polimento mais eficiente é feito com
o pedregulho superliso, molhado.
O polimento é repetido muitas vezes durante a secagem e as marcas
feitas parcialmente obliteram as anteriores até se alcançar o lustro. O enco-
lhimento da argila durante a secagem tende a destruir o lustro de modo que
o constante molhar e polir da superfície durante todo este processo faz com
que no fim da secagem ainda haja lustro (MILLER, 1978B, P. 26).

Em geral o ato de polir produz estrias que podem ser vistas ao refletir
a luz. Mas quando o trabalho é bem feito a superfície da peça brilha por
igual, após este polimento a cerâmica está pronta para ser queimada.

Engobo
O engobo tem a finalidade de diminuir a porosidade e, portanto, a
taxa de absorção de líquidos pela parede da peça. Pode ser utilizada a
mesma argila que na pasta, ou uma argila de cor diferente. O engobo
é aplicado após a primeira queima, e a peça queimada de novo. Se não
houver uma segunda queima, a cor do mineral aplicado torna-se “fugi-
tivo”, podendo desaparecer após muito lavar a peça ou o caco.
Para verificar se uma peça possui ou não o engobo, é preciso obser-
var, através da lupa, se existe uma camada de argila mais fina e homogê-

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nea na superfície. Facilita-se esta identificação se a argila do engobo (ou


do banho) for de cor diferente da usada na pasta. No caso do arqueólogo
ou outro analista observar apenas uma película de argila fina na super-
fície, pode ser sinal de que a peça recebeu apenas um banho de argila
líquida que, apesar de ter a mesma função do engobo, é aplicado antes da
primeira queima. Para alcançar a finalidade acima citada, o meio-banho
ou banho de argila é menos eficiente do que o engobo propriamente
dito. O banho de argila fina preenche boa parte da porosidade da peça,
mas também adquire certa porosidade como resultado da queima, ao
passo que o engobo por ser aplicado após a primeira queima, tem a
vantagem de preencher mais da porosidade deixada por esta, embora
ainda seja necessária uma segunda queima.
O processo mecânico de alisamento, como já frisamos, também pode
produzir uma camada de argila fina na superfície, o que frequentemente
é difícil de distinguir de um banho da mesma argila usada na pasta.
Os arqueólogos brasileiros têm usado o termo “engobo” indiscrimi-
nadamente para indicar tanto o engobo próprio, quanto o banho de argila
ou “maio-banho” (Ver “Terminologia Arqueológica…” já citada).
Não fica claro se isto se deve ao fato de as artesãs indígenas não
usarem a segunda queima no Brasil, ou se a confusão de terminologia
resulta na não identificação, até agora, da presença de uma segunda
queima. Aqui estou seguindo o uso da terminologia de acordo com os
ceramistas profissionais e artísticos.
Ribeiro chama o “engobo” (em inglês, “slip”) de “revestimento apli-
cado às paredes do vasilhame antes da queima. Consiste numa fina camada
de argila diluída na água, abrangendo toda ou parte da superfície das peças.
A tinta é pressionada com uma semente ou objeto roliço, produzindo
certo lustro”. Para “banho” (em inglês, “wash”) ela especifica um “reves-
timento de saibro fino mais delgado que o engobo, de aspecto transparen-
te, aplicado ao vasilhame antes da queima, abrangendo toda ou parte da
superfície da peça” (1988, p. 34). Gordon Willey considera que
O uso da argila líquida é um avanço tecnológico que torna mais ho-
mogêneo o acabamento das peças e, ao mesmo tempo, menos permeáveis à
água. Cerâmica com este tipo de remate é encontrada em todo o cinturão
andino, na área circum-caribe, em muitas partes da bacia amazônica, ao lon-
go da costa do Brasil e no rio Paraná. Está ausente principalmente na região
sul da América do Sul, de grande parte do Chaco, do interior do leste do
Brasil, de partes da área montanhosa e, provavelmente, partes do interior da
Venezuela e das Guianas (op. cit., p. 233).

O uso do engobo entre os Caingáng não foi detectado nem podemos


ter certeza do uso do banho. Observamos a presença de uma película de
argila fina na superfície, mas isto não é o bastante para indicar o uso do
engobo nem, com certeza, do banho. Isto porque pode ser o resultado
mecânico do polimento com o pedregulho molhado, como já foi ano-
tado, o que traz uma película de argila fina à superfície.
As artesãs da Baía de Paranaguá fazem uso do “engobo”, que é apli-
cado várias vezes até se obter uma cobertura uniforme. Após este proce-
dimento a peça é queimada (não indica se tinha sido queimada antes da
aplicação do “engobo”). Não empregam, há quinze anos, o “engobo”
vermelho (taguá), que era aplicado sobre toda a superfície da peça.
Entre os Carajá as tintas utilizadas no processo de engobagem po-
dem ser de origem vegetal ou mineral. As primeiras são aplicadas após a
queima, enquanto as últimas são aplicadas anterior a esta.
Vários grupos aplicam hematita e outras tintas após a queima, o que
dá um resultado “fugitivo” para o arqueólogo.

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Queima
Antes da queima, propriamente dita, alguns povos aproximam as
peças do fogo com o objetivo de esquentá-las. Em geral este fogo é
o mesmo sobre o qual os alimento são preparados. Os Xokléng fize-
ram um fogo aberto, na frente da casa, com a mesma finalidade, talvez
porque já usavam o fogão a lenha em casa. O mesmo fogo foi usado,
posteriormente, para a queima. Os Caingáng retiraram as brasas do fo-
gão à lenha e as colocaram no chão com a finalidade de esquentá-lo,
colocando as peças em cima do chão esquentado, no local onde depois
seria feita a queima (aqui também, na frente da casa).
Na história da cerâmica a técnica mais antiga utilizada para a cocção
de objetos de argila era a queima em fogo aberto. Este processo faz com
que quase todas as peças apresentem manchas escuras na parede, devido
à excessiva proximidade à lenha, cujo carvão inibe a livre circulação de
oxigênio em volta. As argilas carbonáceas, quando não completamente
oxidadas, adquirem tonalidades cinzentas de uma gama desde marrom
escuro até marrom alaranjado. As tonalidades mais claras provêm de
oxidação mais completa. As tendências para outras cores são resultado
da mistura de outras impurezas químico-mineralógicas na pasta. Por
exemplo, o vermelho vem da hematita, enquanto a limonita produz
amarelo ou amarelo-alaranjado. O branco vem da caolinita pura, que
é rara na natureza. O preto, usado para tinta ou desenhos, pode vir de
óxidos férricos numa atmosfera de redução; para atmosferas de oxidação
(como todos os casos de fogo aberto), as únicas verificadas no nosso País,
o mais adequado é o manganês.
Nas poucas pesquisas etnoarqueológicas efetuadas no País, a queima
observada foi em fogo aberto, sem fazer nenhuma escavação para pro-
teger as peças em brasa do vento, pois uma rajada deste teria o efeito de
danificar as peças pelo encolhimento diferencial, pedaços da superfície
descascando explosivamente, ou a peça simplesmente se rachando e
quebrando. Com os ventos verificados no Rio Grande do Norte, por
exemplo, á difícil conceber uma queima de cerâmica levada a bom
termo no meio as rajadas. Na cerâmica popular, encontramos várias
soluções para esse problema. O forno fechado, como o de assar pão
no quintal, é muito raramente usado. Mais comum é um buraco num
barranco, ou diretamente no chão. Primeiro faz-se um fogo para es-
quentar o chão ou fundo do buraco, depois as peças são depositadas
sobre as cinzas e, por sua vez, cobertas de lenha. Vasos colocados de
boca para baixo impedem a circulação de ar (oxigênio) no seu interior,
com o resultado de a oxidação incompleta do material orgânico deixar
o interior da peça preto.
Quando se queima os óxidos de ferro, as cores que estes assumem
dependem da temperatura, duração do período de cocção e condições
atmosféricas (oxidação ou redução). As formas amorfas de óxido férrico
se cristalizam entre 400º e 600ºC. Esta transformação se chama fulguração
por causa da aparência das peças enquanto produzem (emitem) calor.

Aspectos Físico-químicos da Queima


Efeitos do calor sobre a argila: através da análise de difração de raios-
X, podemos observar as mudanças da estrutura da argila durante a quei-
ma. Ocorrem, durante esse processo, várias etapas que vão modificando
a estrutura da argila. A primeira diz respeito à absorção de calor por
parte dos minerais da argila e a conseqüente perda de água. Isto destrói
a estrutura cristalina. Posteriormente, devido à elevada temperatura,

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novos minerais começam a cristalizar e o processo passa a gerar calor, ou


seja, as peças começam a fulgurar, como já citamos. As temperaturas nas
quais estas mudanças se desenvolvem diferem para os diversos minerais
argilosos, de acordo com a sua estrutura e composição. A última etapa
refere-se às transformações ocorridas a aproximadamente 950ºC, quando
ocorre a cristalização da sílica e, simultaneamente, forma-se um pouco
de vidro. Com respeito a este estágio, a técnica geralmente usada pelas
ceramistas artesãs não alcança tal temperatura, por se tratar de queima
em fogo aberto.
Os estágios da cocção: os efeitos do calor sobre a argila são funda-
mentalmente três: desidratação, oxidação e vitrificação. Estas modifica-
ções não ocorrem de maneira distinta, ou seja, nitidamente separadas,
mas antes, sobrepostas; uma reação pode começar antes que a anterior
tenha sido completada.
Durante a desidratação a peça perde a sua plasticidade e a sua poro-
sidade aumenta. A fase seguinte refere-se às mudanças químicas que afe-
tam as impurezas da argila. Estas ocorrem de forma específica para cada
composto químico, pois cada um possui suas características próprias.
A taxa de combustão (oxidação) é afetada pela dureza e densidade do
carvão, pela duração e temperatura da queima, e também pela densidade
da pasta. Em geral, a temperatura utilizada para a cocção se situa abaixo
de 800ºC. Isto ocorre porque acima desta faixa, os resultados não vão
corresponder às expectativas da ceramista, ou seja, serão insatisfatórios.
Quando o material carbonáceo não é totalmente removido antes de
começar a vitrificação, os gases que estão no interior da parede da peça
não podem escapar, pois a superfície torna-se impermeável. Com isso,
o interior da peça fica preto e a parede inchada. Este processo tem sido
chamado de “nucleação preta”. Entretanto, é preciso que se observe
corretamente esse efeito para confundi-lo com a faixa preta existente
no núcleo das cerâmicas queimada a temperaturas mais baixas. Estas
também são resultados de material carbonáceo que não foi totalmente
oxidado, mas, neste caso, não há vitrificação nem inchação.
Combustível usado: alguns povos têm um cuidado todo especial na
hora de escolher o combustível utilizado para a queima. Isto ocorre por-
que a qualidade do produto final depende muito desta etapa. Os Asurini
usam a bainha da folha de babaçu, os Tuxá empregam o excremento
de gado, os Desana usam o ninho do cupim e os ceramistas da Baía de
Paranaguá usam cascos das árvores aroeira ou angico. De açodo com
Lima, “as matérias vegetais, como palhas, folhas, gravetos, etc., produ-
zem um fogo alto, que se extingue rapidamente; já os estercos queimam
lentamente e de maneira mais uniforme” (op. cit., p. 177).

Espécies de Fogos e Fornos


A queima da cerâmica indígena no Brasil era, normalmente, a fogo
aberto. Lima nos informa que não encontrou nenhuma referência à
queima em ambiente de redução, o que exigiria um forno fechado.
WILLEy (1986) nos dá a impressão que a queima em fogo aberto seria,
de alguma maneira, inferior ou indesejável pela sua falta de controle.
A queima era a céu aberto ou em fornos. Quando feita em fogueiras
produzia vasos de fuligem, marrons, pretos ou castanho-couro. O controle
da oxidação tendia a ser desigual e acidental. Em sua maior parte, a queima a
céu aberto foi e é característica das terras baixas orientais e do sul da América
do Sul. (1986, p. 233)

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Por implicação, os povos mais avançados, dos Andes, utilizavam


fornos.
No entanto, VAN DER LEEUW (1983) concluiu que na base dos
dados por ele coletados na ilha dos Negros, Filipinas, que “não há muita
diferença na eficiência entre a queima em fornos e a no fogo aberto.
Realmente, os ceramistas de Negros têm a qualidade de peças queimadas
em fogo aberto em maior estima” (1983, p. 15).
Primitiva ou não, a queima em fogo aberto é ainda usada pela maio-
ria dos povos por nós conhecidos no País, tais como os Carajá, Cain-
gáng, Xokléng, Bororo e as artesãs da Baía de Paranaguá, e consiste em
colocar as peças no chão e fazer uma pequena fogueira em cima.
Para tanto arma-se uma fogueira, cujo tamanho varia em função das
peças a serem queimadas, geralmente com lenha e cascas de árvore, em
arranjos cônicos. Isto lhes garante uma queima uniforme, pois se o calor for
maior em um dos lados o vasilhame corre o risco de quebrar. Via de regra
as peças grandes são queimadas individualmente e as pequenas em grupo”
(LIMA, 1986, p.177).

As manchas escuras na parede indicam que a peça foi queimada em


fogo aberto. Quando a peça é colocada com a abertura voltada para bai-
xo, verifica-se a falta de oxigenação no interior da mesma, o que resulta
em todo o interior (a face interna) permanecer preto.

As peças ficam comumente emborcadas no interior da fogueira. Em al-


guns casos são apoiadas em trempes e totalmente envolvidas pelo fogo duran-
te uma ou duas horas. Essas trempes podem ser cones truncados de cerâmica
(usados em geral como suportes de panelas pelos Waiwai, Tukuna, tribos
Uaupés e Xingu); simples pedras (Kayabí, Juruna, Tirió, Guató e também na
região do Uaupés), ou fragmentos de termiteiras (Kayabí). Eventualmente os
vasos são revirados de modo a queimar por igual e, dependendo do tempo de
exposição ao fogo, podem ficar esbranquiçados, avermelhados ou em brasas.
Muitas vezes chegam a ficar efetivamente incandescentes, quase translúcidos,
e estes são os mais bem queimados. Os Kaiabí costumam também encher de
brasas o interior dos vasilhames para reforçar a queima. (LIMA, idem).

Os ceramistas Xokléng por nós observados não cobriram as peças de


lenha, mas apenas as colocaram a sotavento da fogueira. Naturalmente a
queima ficou totalmente incompleta, a oxidação nem começou.
Algumas ceramistas procuram resolver o problema do vento com
alguma espécie de quebra-vento. Uma forma deste é um buraco no
chão, de forma que os ventos passam por cima. Isto é um procedimento
adotado pelas ceramistas da Baía de Paranaguá, onde chamam de “quei-
ma de cova”. Assim, é feito um simples buraco no chão que é coberto
com um feixe de lenha e as peças colocadas em seguida.
Outra solução é de se fazer o buraco num barranco. O forno de
barranco consiste em duas escavações: uma em sentido vertical e ou-
tra horizontal, em um terreno em declive. Este forno era usado até o
princípio deste século para a queima de cal e tijolos, depois passou a ser
usado, em tamanho reduzido, pelas ceramistas da Baía de Paranaguá para
o cozimento de ser vasilhames.
Outra maneira de proteger as peças quentes contra o vento é de
cobri-las com lajes. A louça é arrumada no chão, rodeada e coberta de
telhas, cacos grandes, etc., e a lenha arrumada em volta e em cima. Isto
temos documentos entre os Pueblos de Novo México. Entre ceramistas
artesanais de Santo Antonio do Potengi, as peças foram cobertas de te-
lhas dentro do forno de alvenaria (COSTA, 1985, p. 136).

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Fornos: O forno fechado, de tijolo, é considerado o mais aperfeiço-


ado entre os meios de se fazer a cocção. Nele as peças passam por um
processo de aquecimento que satisfaz a necessidade de uma oxidação
completa. O mais comum, entre as ceramistas artesanais nacionais, é o
forno vertical no quintal.
O forno de boca aberta corresponde ao tipo de forno caseiro, seme-
lhante ao que foi introduzido na América Latina para assar o pão.
O forno de barranco misto consiste em uma câmara de material
sólido sobre a escavação superior. O forno de material sólido com a
abertura no topo é considerado um avanço técnico.

A queima em forno é típica das regiões andinas. Fornos com corrente


de ar forte, produzida por aberturas tanto no alto quanto ao fundo, davam
uma coloração vermelho-oxidada às peças após a queima. Fornos com pouca
entrada de ar, produzindo uma combustão lenta, conferiam às mesmas um
tom acinzentado ou preto fosco. A cerâmica preta era comum no Peru,
particularmente na costa norte, no final do período Chimu. As peças pretas,
ou bucchero, são também encontradas na Nicarágua, Panamá, norte da Co-
lômbia, Equador, sul do Peru e sul dos Andes (WILLEy, 1986, p. 233).

Lugar e duração da queima: Em geral, a fogueira é feita em um local


plano e pouco aprofundado situado perto da casa.
A queima costuma durar várias horas, iniciando com um fogo lento e
uniforme. As ceramistas da Baía de Paranaguá queimam as suas peças em
um fogo lento durante cinco e oito horas, que em seguida é intensificado
por aproximadamente mais duas horas.
Entre os Bororo, a duração da queima é de aproximadamente duas
horas. Os artesãos, de Santo Antonio do Potengi utilizaram o calor in-
tenso, num espaço de oito a doze horas.
Disposição dos rejeitos: Em geral, os etnógrafos não mencionam a
maneira pela qual as artesãs descartam as peças estragadas e os seus cacos.
O único comentário que encontramos, neste levantamento rápido, é de
WÜST (1984) sobre os Carajá:
Proporções desiguais resultam no trincamento ou na quebra do vasi-
lhame quando exposto ao fogo. Embora as mulheres de Aruanã sejam ex-
perientes ceramistas, isto parece se dar com certa freqüência, atestado pelos
diversos recipientes descartados antes do seu uso, espalhados na área atrás da
casa (1984, p. 313).

No caso dos Caingáng e Xokléng, atualmente a incidência de pro-


dução de produção de cerâmica é tão diminuta que não observamos
áreas de rejeitos. Muitos cacos pequenos de uma única peça quebrada
foram encontrados debaixo de uma árvore na frente da casa de uma
Caingáng idosa, que há muito tempo não fabrica mais cerâmica. Crian-
ças nos informaram que foram elas mesmas que quebraram os cacos
maiores, brincando, Embaixo da casa da mesma mulher encontramos
um caco grande, metade de um vaso. Na mesma comunidade, as crian-
ças, brincam jogando cacos umas nas outras, e os chutando de um lado
para outro, o que resulta um caos total para o arqueólogo que quiser
reconstituir a situação na qual a peça foi quebrada.
Instrumentos usados durante a cocção: Além dos eventuais fornos,
o único instrumento que observamos sendo usados (pelos Caingáng
e Xokléng) é uma pinça de madeira, de fabricação caseira, usada para
mudar a posição das peças durante a queima ou de retirá-las do fogo
depois da fulguração, para em seguida as inserir na palha de milho para o
esfumaramento. Na Baía de Paranaguá, usa-se uma vassourinha de capim

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“para o aspergimento do vasilhame com o líquido da cocção da casca do


jacatirão, após a primeira queima” (LOELL-SCHEUER, 1986, p. 40).

Esfumaramento
O processo de esfumaramento (ou esfumaçamento) entre os Cain-
gáng se desenvolve depois da queima e tem como resultado um aumento
da impermeabilidade da peça (embora a explicação dos índios seja de
fazer a peça “mais bonita”).
A cor preta procurada pela oleira Caingáng (ou Xokléng, Bororo) não
se produz numa atmosfera de oxidação; daí advém a técnica Caingáng de
esfumaramento, ao inserir a peça em brasa num ambiente de material orgâ-
nico, assim produzindo uma atmosfera de redução, depois de terminado o
processo de oxidação (MILLER, 1978b, p. 28).

O método utilizado consiste em mergulhar a peça em um monte


de palha de milho, girando-a constantemente. Este procedimento faz
com que a peça envolta em uma nuvem de fumaça preta, que penetra
nas paredes da mesma. Quando feito com uma peça altamente polida,
o resultado chamamos de brunidura por causa dos seus reflexos especu-
lares metálicos. Para alcançar o mesmo fim, os Xokléng usam musgo,
gordura ou mel, e Ambrosetti viu os Caingáng de Missiones usando
esterco de gado.
Os Bororo aplicam nas peças ainda quentes um líquido vermelho de
casca de angico amassada misturada com água. Este tratamento modifica
a cor da peça de ocre-alaranjado para marrom-escuro ou preto.
Os Waurá esfregam nas paredes internas um líquido obtido da casca de
um arbusto e emborcam o vasilhame sobre uma fogueira feita com cascas de
pau e palha. A fuligem resultante enegrece o interior da peça e o processo
é sucessivamente repetido até que uma boa impregnação esteja garantida.
Os Marúbo utilizam a mesma técnica, só que com folhas verdes de mamão,
usadas também para o fogo, assim como cascas de pau. A parede externa só
é escurecida no caso de receber decoração posterior. Quando desejam maior
brilho neste enegrecimento, substituem as folhas de mamão do interior da fo-
gueira por cocos de jarina. As oleiras Kaxinawá utilizam este processo apenas
para os recipientes destinadas à higiene da menstruação, escurecidos interna e
externamente num fogo obtido da queima de uma madeira que produz fuma-
ça oleosa. Via de regra são queimados separadamente dos demais vasos, porém
no caso de serem queimados em conjunto, são escurecidos previamente. As
tribos Uaupés esfregam folhas de cúbio ou ábio, acendendo o fogo com folhas
úmidas, de modo a provocar bastante fumaça (LIMA, 1986: 178).

Outras formas de enegrecimento: Ribeiro nos informa que “na im-


possibilidade de obter o enegrecimento das paredes do vaso durante a
queima, ele é obtido, com propósitos decorativos após a queima. Para
isso, esfrega-se a parede interna com” diversos produtos como acima
descritos. Na Baía de Paranaguá, usa-se o aspergimento já citado.

Esfriamento
Os artesãos de Santo Antonio do Potengi retiram a lenha carboniza-
da do fogo, deixando as peças esfriar até o dia seguinte. As artesãs Cain-
gáng deixam esfriar depois do esfumaramento, o esfriamento levando
menos de uma hora.

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Os objetos podem ser retirados assim que o fogo se extingue; porém é


muito freqüente as ceramistas esperarem até que eles esfriem completamente.
As oleiras Marúbo tocam as peças com uma taquara e, se emitem um som
metálico, considera-se que estão bem queimadas (LIMA, p. 177).

Poucas referências existem, na literatura etnográfica, sobre os “ta-


bus” ou evitações, por razões mágicas ou outras, associadas à queima da
cerâmica, um assunto que implica em perigo de desfazer todo o trabalho
da artesã feito durante todo este tempo. Por outro lado, o respeito aos
tabus e preceitos dá certo sentido de segurança e previsibilidade à artesã
no meio de uma situação rodeada de incertezas e perigos.
Os Caingáng acreditam que a presença de pessoas estranhas provo-
cará a quebra das peças durante a queima. As Marúbo
… não podem comer carne de caça nem sal durante a fabricação, do
contrário, no momento da queima, a pasta fica “doce” e se fragmenta. A
alimentação é restrita ao peixe… Os Xukurú se abstêm de queimar sua louça
durante a lua nova. As mulheres Kaiabí são proibidas de falar, urinar e defecar
durante a queima. Pelas mesmas razões, as Bororo quando menstruadas não
produzem cerâmica (LIMA, ibidem).

Envernizamento
Vários povos aplicam uma resina às peças já queimadas para imper-
meabilização e embelezamento, e é bastante comum entre os povos
brasileiros e no continente em geral. Infelizmente, alguns autores têm
chamado este processo também de “vitrificação”, o que não conside-
ramos aconselhável, porque alguns povos (como os Pueblos do Rio
Bravo) praticam a verdadeira vitrificação, que consiste em passar engo-
bo contendo uma mistura especial de mineral ou quartzo moído com
corantes minerais na superfície das peças já queimadas, para em seguida
fazer uma segunda cocção a temperatura mais alta, provocando uma
superfície vitrificada por derretimento do quartzo. Em certos casos,
uma forma de sal grosso pode ser usada para se conseguir um resultado
semelhante.

6. ASPECTOS FORMAIS
Formas
A terminologia de classificação das formas do vasilhame manufatu-
rado artesanalmente e usado por comunidades tradicionais reflete uma
tentativa de o classificador impor categorias funcionais a determinadas
formas na base tão somente de critérios de forma. Só no caso de BRO-
CHADO (1977) e de RIBEIRO (1988) há definições que começam
com a forma, dimensões e proporções, para se preocupar com a função
em seguida; e, no caso de MILLER (1978b) a intenção é de se utilizar
da classificação êmica indígena para depois definir a gama e os limites
de forma, tamanho e proporções, citando por último a função atribuída
pelos índios. Aqui vamos seguir mais de perto os primeiros dois autores,
pois a classificação do terceiro, sendo êmico, diz respeito especifica-
mente a um único novo, enquanto os outros apresentam classificações
derivadas de diversas fontes.
Vasos ou panelas: BROCHADO faz a distinção entre “panela”
(“pot”) e “tigela” (“bowl”) na base da proporção entre altura e largura,
o primeiro sendo de “altura igual ou maior do que o diâmetro máximo”

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(op. cit., p. 71). Cita que “algumas vezes a abertura superior é mais ou
menos constrita”. RIBEIRO define “panela” como sendo uma “vasilha
larga e funda, provida ou não de tampa, usada para cozinhar alimentos
e/ou fermentar bebidas” (op. cit., p. 25-6). Em seguida ela cita três
variedades, sendo
a) Vasiforme (em forma de vaso, sendo o diâmetro do bocal igual ou um
pouco menor que o do fundo).
b) Gameliforme (em forma de gamela, baixa, atarracada, com o diâmetro
da boca aproximadamente igual ao do fundo).
c) Alguidariforme (em forma de alguidar, larga, rasa, de forma trapezoi-
dal ovalada) (idem).

O SEMINáRIO diz que o vaso “de boca constrita (jar, ing.) é


aquele em que o diâmetro da boca é menor que o máximo diâmetro do
corpo” (op. cit., p. 21).
Embora citando as proporções, os nossos autores não citam as di-
mensões absolutas ou as suas gamas. Os dados que possuímos sobre
os Caingáng dizem respeito às categorias apenas daquele povo. Seria
conveniente ter dados comparativos de outros povos. Para os nossos in-
formantes, um vaso (ou panela) pode ser pequeno (altura inferior a 14,0
ou 9,0 cm), grande (superior a 20 cm) ou intermediário (sem adjetivo
na língua nativa).
RIBEIRO também menciona formas classificáveis dentro da defi-
nição acima citada, tais como pote (“vasilha de bocal largo e tamanho
avantajado usada para carregar e armazenar água. Frequentemente em-
pregam-se para esse fim panelas, principalmente as vasiformes” (op. cit.,
p. 27). Cita também “pote para plantas”, “caçarola”, etc.
Wüst nos informa que os Carajá estocam águam em um recipiente
próprio, com 20 cm de diâmetro e 40 cm de altura, que comporta
aproximadamente 10 litros. Para estocagem de água, as ceramistas da
Baía de Paranaguá fazem um pote “grande”. Os Carajá usam recipien-
tes de 40 cm de diâmetro e 20 cm de altura para cozinhar alimentos
líquidos diretamente no fogo, e isto estaria dentro da faixa da definição
de “tigela”. Também para cozinhar usam um recipiente globular de 10
cm a 15 cm.
Jarros: BROCHADO define o jarro com um “recipiente cuja altura
é igual ou maior do que o diâmetro máximo do bojo e que apresenta
constrição na porção superior, formando gargalo. São utilizados geral-
mente para armazenar líquidos” (op. cit., p. 71). Ribeiro define “jarra”
como “um vaso alto e pouco bojudo, com asa e bico, próprio para servir
água” (op. cit., p. 25).
Igaçabas: vários povos do País utilizam urnas funerárias, sendo as
maiores feitas pelos Tupi-Guarani, Carajá, e certos povos “Tapuia”
do interior do Nordeste (exemplos arqueológicos e históricos do Rio
Grande do Norte até Alagoas). Segundo consta, podem ser aproveitados
vasilhames já existentes. Não fica claro qual era a função dos vasilhames
aproveitados, antes de serem usados para igaçabas. Exemplos vistos por
nós no Sul, Centro-Sul e no Rio Grande do Norte têm, em média, de
70 cm a 90 cm de altura e 50 cm de diâmetro máximo. Na Amazônia
são menores e podem ser antropomorfas.
Tigelas: segundo BROCHADO, a tigela é um “recipiente cuja al-
tura é igual ou menor do que o diâmetro máximo. Usualmente não é
restringida e o diâmetro maior se encontra na abertura superior” (Ibi-
dem). RIBEIRO a tem como uma “vasilha de boca larga e pouco funda,
usada para servir alimentos e para outros fins” (Ibidem, p. 27). Ela cita
adicionalmente três variantes, a saber, fitomorfa, zoomorfa e geminada.

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Entre os Caingáng, as médias para o diâmetro da boca e o diâmetro


máximo são quase iguais, sendo iguais em nove entre onze exemplos
medidos. O diâmetro é maior de que a altura em todos os exemplos, o
diâmetro médio sendo 11,66 cm enquanto a altura média é de 8,34 cm.
De acordo com informantes, a tigela de 8,5 cm a 13,5 cm é classificada
de “pequena”. Disseram que a função da tigela é de servir porções in-
dividuais de alimento. Wüst reporta tigelas para festas entre os Carajá,
com o tamanho de 50 cm de altura e 60 cem de diâmetro.
Este povo também utiliza um pequeno recipiente que serve para
porções individuais de alimento, como também para levar comida ao
local de enterro. Outra peça, empregada para guardar comida e também
sal, mede de 20 cm a 25 cm de diâmetro e 10 cm de altura.
As ceramistas da Baía de Paranaguá também fabricam, e usam como
pratos, vasilhames de 8 cm a 9 cm de diâmetro e 6 cm a 9 cm de altura.
Travessas: RIBEIRO define a travessa como uma “peça oval em que se
serve a comida (Ibid, p. 28). Brochado não menciona o termo em relação
à literatura etnográfica, e a sua presença entre os Caingáng deve ser atribu-
ída à influência da sociedade envolvente, pois não encontramos nenhuma
evidência da sua presença arqueológica. Para aquele povo, é a classe de
cerâmica mais variável em forma e com a maior incerteza em relação à ter-
minologia (um informante Caingáng de outra comunidade, onde a forma
era desconhecida, nos declarou que o termo usado pelos nossos informantes
significava, para ele, uma bandeja feita de folha de bananeira).
Pratos ou assadores: BROCHADO define esta peça como “reci-
piente cuja altura é muito menor do que o diâmetro, com base plana
ou muito aplanada” (op. cit., p. 71), enquanto Ribeiro define o prato
como um “objeto de barro, comumente circular, em que se serve a
comida. Distinguem-se, pela forma, pratos fundos e pratos rasos”, não
mencionando assadeiras. Estes últimos são de grande importância nas
terras baixas do continente, sendo praticamente um sinal da presença
do complexo de mandioca. Pois são usados para assar os beijus. Os Ca-
rajá, na época de festas, usam assadeiras de beiju de 60 cm a 80 cm de
diâmetro também para servir alimentos, e também como tampa da urna
funerária. Outra assadeira de beiju usada por este povo mede 40 cm a
50 cm e também é usada para servir alimentos.
As ceramistas da Baía de Paranaguá também fabricam assadeiras, para
o beiju, e frigideiras para os demais assados.
Bilhas: RIBEIRO define bilha como um “’vaso bojudo’, provido
ou não de gargalo e boca estreita, com ou sem tampa e com ou sem
asa” (op. cit., p. 22). Ela ilustra um exemplo feito por Terena, mas não
comenta mais, além de citar “moringa” como sinônimo. Não cita a
gama de tamanhos. Desconhecemos a distribuição em tempo e espaço
no nosso continente. Tenho sérias dúvidas se se deve incluir nesta cate-
goria as pequenas garrafas de um ou dois glóbulos e gargalo usadas pelos
Caingáng para porções individuais de hidromel na festa anual de kiki.
Estas garrafas eram comumente biglobulares, como a forma da cabaça
usada para água, e tinham de 10,3 a 11,2 cm de altura e de 7,7 a 9,5 cm
de diâmetro máximo. Estas peças foram encontradas arqueologicamen-
te, e apresentam as paredes mais finas de todas as manufaturas em barro
daquele povo (média 0,5 cm).

Silhueta
Na silhueta da peça temos vários elementos ou poucos, dependendo
da complexidade da sua forma total. Os elementos fundamentais são (1)
fundo, (2) forma interior (forma-I), (3) bojo, (4) forma superior (forma-

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II) quando tiver, (5) pescoço ou colar, e (6) borda. Entre qualquer par
destes em seqüência, pode haver uma inflexão suave ou abrupta. Nota-se
que a seqüência destes elementos vai de baixo para cima, ou seja, segue
a seqüência da sua manufatura.
As silhuetas podem ser simples, sendo essencialmente de apenas uma
forma fundamental (Fig. 2) ou compostas, combinando mais de uma
(Fig. 1). As formas fundamentais são:
1) Globular ou esférica
2) Meia esfera
3) Meia calota
4) Ovóide
5) Cônica
6) Cilíndrica
7) Quadrangular
8) Afunilada

Isto não inclui outras possibilidades. As formas, tanto simples quan-


to compostas (combinações destas separadas por ângulos ou inflexões)
podem ser reduzidas (formas, ângulos, tamanhos e proporções) a termo
tais como fórmulas matemáticas ou códigos para armazenamento em
memórias de comutadores (ver, p. ex., GARDIN, 1958).
Na descrição das formas compostas, na figura 1 temos exemplos
comuns. Na figura 1 a forma fundamental é cônica, sendo o fundo cô-
nico arredondado (anão apontado nem plano), e sem nenhuma inflexão
abrupta como separação. A forma fundamental inferior (“I”) juntamente
com o fundo forma 65% da altura da peça, 35% sendo a forma superior
(“II”) e o pescoço ou colar em conjunto. Não há base acrescentada (tal
como pedestal, anelar, tripé, etc.). Acreditamos que talvez seja útil, em
termos descritivos como estamos utilizando aqui, fazer uma distinção
entre o “fundo” (como na cestaria) e a “base”, sendo esta formada adi-
cional ou posteriormente ou então faltando. Na nossa peça de exemplo,
o bojo (ponto de maior diâmetro) do vaso é carenado (forma um ângulo
com a forma superior), e a forma-II é também cônica. Veja que a forma-
I é cônica em expansão enquanto a forma-II é cônica em contração (ou
afunilada). Há uma inflexão angular de novo na junção entre a forma-
II (cone) e o colar ou pescoço (cilindro). Preferimos o termo “colar”
para os exemplos mais abertos e “pescoço” para os mais constritos, sem
ter-nos definido nenhum ponto fixo de distinção entre um e outro.
Finalmente temos a borda arredondada extrovertida.
A figura 1b é um exemplo de um vaso (ou panela) biconvexo, a for-
ma-I sendo de meia esfera com fundo arredondado sem inflexão, separa
da forma-II, méis esfera, por um bojo carenado, sendo que a forma-I é
50% da altura da peça.
A figura 1c tem a mesma forma-I e fundo que a 1b, só que a forma-II
apresenta a característica afuniada de parede côncava, separada da forma-
I por um bojo carenado.
A figura 1d é um vaso biconvexo, a forma-I sendo de meia esfera
com fundo arredondado, a forma-II sendo também meia esfera, separada
da forma-I por um bojo convexo curvo, sem nenhuma inflexão abrupta.
Acima da forma-II, temos um pequeno pescoço com borda simples.
Finalmente, na figura 1e vê-se um vaso cilíndrico simples com o
fundo plano separado por uma inflexão curva.

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FIG. 1. Formas de
vasilhame composto

FIG. 2. Formas
fundamentais

Efígies
Vasos em efígie são comuns na região andina, no Caribe, Orenoco
e no baixo e médio Amazonas. No Peru são feitos em moldes, com
incrível variedade, sendo freqüentemente retratos de príncipes e outros
governantes, feitos como em linha de montagem tal que muitos lugares
podem dispor de um retrato do chefe do distrito ou província, como
nas nossas repartições públicas hoje,
Vasos em efígie são freqüentes como urnas funerárias na Amazônia.
São muito raros no Nordeste do Brasil.

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Adornos
Alças e asas são amplamente distribuídas no continente, mas são mais
características da tradição neobrasileira (populações mestiçadas continu-
ando a tradição cerâmica indígena, principalmente tupi-guarani). Os
exemplos que encontramos no Rio Grande do Norte, evidentemente,
datam de períodos de contato com europeus.
Bicos, para o despejo de líquidos, são características também de po-
vos em contato com europeus ou da tradição neobrasileira.
Pescoços ou gargalos se encontram na cerâmica indígena do País,
embora não sejam comuns. Os Caingáng os colocam apenas nas garrafas
pequenas de kiki.
Os Bororo aplicam, sobre a borda do recipiente, duas “orelhas” em
lados opostos (marca de um clã). Entre as ceramistas da Baía de Parana-
guá, observamos o uso de alças nos potes, que são colocados em direção
horizontal ou vertical. Utilizam rolos achatados, que são colocados no
ombro da peça, já perfurados e fixados na parte interna da mesma. Os
elementos acrescentados à forma original, tais como pescoço, bico, alça,
asa ou cabo, de acordo com função em vista, não anularam as formas
primordiais ou fundamentais.

Vasilhame Compósito
Vasilhame conjugado, como o “cuscuzeiro”, uma peça sendo perfu-
rada com um pauzinho como coador, para ser sobreposta a outra onde
se ferve a água, evidentemente existia já em tempos pré-históricos, tanto
quanto os coadores, mas a informação ainda é pouco (ver SCHMITZ
et al., 1980).

Cerâmica Não-vasilhame
Na América do Sul existem muitos objetos de cerâmica que não
são vasilhame. No Rio Grande do Norte temos contas, rodas de fuso e
cachimbos. No País também existem carimbos planos e cilíndricos, e,
em outros lugares, apitos, ocarinas, flautinhas, estatuetas ou figurinhas
e incensários.

Bordas

A maioria das bordas é simples e arredondadas, e os Caingáng as for-


mam com um pedaço de palha de milho, molhado e dobrado em forma
de “U” invertido. Podem ter também outras formas, as quais, na maioria
dos casos, são classificáveis pela tipologia que reproduzimos aqui.
As bordas observadas na cerâmica pré-cabraliana e registradas na
“Terminologia Arqueológica” apresentamos na figura 3. LOELL-
SCHEUER (1982, p. 46-48) as classifica de (1) direta, (2) extrovertida,
(3) extrovertida horizontalmente, (4) curvada externamente, (5) refor-
çada externamente, (6) reforçada internamente.
Assim, ela faz uma distinção entre “extrovertida” (que na “Termino-
logia” pode ser tanto ângulo ou curva, suave ou abrupta) e “curvada”;
também fazendo distinção entre “extrovertida” (simples) e “extrovertida
horizontalmente”. A nossa autora descreve as técnicas usadas pelas artesãs
para formar cada uma dessas bordas, para o que remetemos o leitor à
publicação indicada. Os desenhos das bordas ela os apresenta de modo

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muito esquemático, pelo que consideramos que o assunto ainda pode


ser aperfeiçoado conjugando a experiência etnoarqueológica dela com
a arqueológica dos autores da “Terminologia”. Não tentaremos fazer
isto aqui, porque a gama de bordas na nossa amostra é muito limitada
em variedades.

Lábios
A “extremidade terminal da borda” (RIBEIRO, 1988, p. 34), com
apenas cinco variações apresentadas pelos autores da “Terminologia”
(ver fig. 4), é preparado, atualmente, com faca, couro ou folha ume-
decida, ou ainda só com dedos e unhas. LOELL-SCHEUER (Ibid)
cita formas com técnicas de fabricação de lábios (1) planos, (2) planos
oblíquos, (3) arredondados e (4) apontados. Ribeiro ainda acrescenta
que a sua forma final pode ser ondulada, dentilhada ou serrilhada, além
de plana.

FIG. 3. Bordas
Classificação das bordas
(a face externa do vaso
à direita): 1. direta; 2.
expandida; 3. extrovertida;
4. reforçada internamente;
5. dobrada; 6. reforçada
externamente; 7. cambada;
8. contraída; 9. vasada
(ôca); 10. introvertida;
11. vertical; 12. inclinada
interna; 13. inclinada
externa. De, Terminologia
Arqueológica Brasileira
para a Cerâmica.

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FIG. 4. Lábios
Classificação das lábios:
1. plano; 2. redondo; 3.
apontado; 4. biselado; 5.
dentado ou serrilhado. De,
Terminologia Arqueo-
lógica Brasileira para a
Cerâmica.

7. DECORAÇÃO
Na arte decorativa temos, em primeiro plano, a distinção entre (1)
a natureza do elemento formal e a sua produção, e, (2) o arranjo dos
elementos para formar um desenho (“design layout”).
Abordaremos, em primeiro plano, o aspecto formal dos elementos
e a sua produção. Costuma-se, a esse nível, fazer também o contraste
entre a decoração plástica e a pintada.
Não há acordo completo sobre o que é e não é decoração. Por
exemplo, o grande trabalho feito no polimento até brunidura, por par-
te dos Caingáng, envolve toda a superfície externa do vaso (podendo
incluir a externa da tigela), no qual caso o elemento formal decorado é
a unidade do artefato. No polimento com o pedregulho molhado, este
é arrastado, normalmente, por movimentos lineares paralelos à borda
do vaso, mas ocasionalmente, pode haver faixas alternadas de estrias
de polimento vertical e horizontal. Nestes casos, o SEMINáRIO que
desenvolveu a “Terminologia Arqueológica Brasileira para a Cerâmica”
tomou a posição de que não se trata de “decoração” e sim de “tratamen-
to de superfície”. No entanto, o fato de não alisar e igualar as marcas de
raspagem com o sabugo ou a “falta propositada de alisamento esterno
dos roletes que formam o vaso” deixando a superfície “corrugada”, elas

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são sim consideradas técnicas de decoração (op. cit., p. 12-13).


No caso da decoração plástica, a superfície da peça passa a ser modi-
ficada através de impressão, raspagem diferencial, retirada ou acréscimo
de argila.
Sobre a argila ainda não totalmente seca feitas incisões, mediante o uso
de instrumentos cortantes, pontiagudos, unhas, etc., formando motivos geo-
métricos; impressões feitas com barbantes, cordas, tecidos, etc.; são aplicados
apêndices tais como alças, asas, protuberâncias, figuras zoomorfas, frisos,
orelhas, bico, etc. (LIMA, 1986, p. 176).

Decoração Plástica

Aqui focalizamos os elementos e a sua produção através de instru-


mentos apropriados, que podem ser os próprios dedos. Visto que são
muitos, tratá-los-emos em seqüência alfabética.
Aplicado: “Tipo de decoração que fixa uma ou várias tiras ou bolas
de pasta na borda, ou no bojo do vasilhame para efeito ornamental”
(SEMINáRIO: 7; RIBEIRO, 1988, p. 35). Os motivos são, frequen-
temente, zoomorfos, fitomorfos ou antropomorfos. O Seminário chama
isto de “decoração na superfície cerâmica, com efeitos de variadas formas
e desenhos”, aderidos ao vasilhame.
Canelado: “Tipo de decoração que consiste em pressionar, com a
extremidade do dedo, a face interna (da peça) de cerâmica em sentido
perpendicular à borda, ocasionando caneluras salientes e alongadas na
face oposta” ou externa. (SEMINáRIO: 11; RIBEIRO, p. 35). “São
executadas com as extremidades do polegar e indicador, na parte externa
do ombro, partindo-se da base do mesmo. Durante este procedimen-
to, a mão esquerda atua com contrapressões do lado interno. Segue-se
um aprimoramento com os dedos umedecidos” (LOELL-SCHEUER,
1982, p. 52).
Carimbado: “Tipo de decoração em que se imprime, na pasta úmida,
a marca de um instrumento (bambu, cartucho de bala, concha, etc.)”
(SEMINáRIO) LOELL-SCHEUER acrescenta que pode ser efetuado
com pauzinhos – “Os motivos vegetais e geométricos, aplicados nas
paredes do vasilhame, são compostos de formas circulares, ovais, semi-
ovais e outras, e produzidos com a extremidade de pauzinhos de várias
espessuras… Os motivos vegetais são compostos por agrupamentos de
carimbos, produzidos com pedras ovaladas de diferentes formas” (Ibid,
p. 50).
Corrugado: A ligação de cada rolete ao seu próprio inferior é feita
pela pressão dos dedos umedecidos, após umedecer os roletes. Quando
do acabamento da peça, se a superfície não for raspada e alisada, as jun-
ções entre os roletes apresentar-se-ão em forma de sulcos horizontais
paralelos.
As pressões deslizadas em seqüência rítmica, em sentido vertical ou in-
clinado, sobre a parte externa do rolo, são elaboradas com o polegar direito,
no sentido à esquerda ou com o polegar esquerdo, no sentido à direita. Os
demais dedos são mantidos no interior do vasilhame em montagem, dando
apoio aos movimentos, enquanto que a mão livre sustém o rolo para o de-
senvolvimento do trabalho (Idem).

RIBEIRO chama o corrugado simples de um “tipo de decoração


resultante do enrugamento externo dos roletes pela superposição da
parte inferior de uns sobre a superfície de outros” (Op. cit., p. 35)

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Corrugado complicado: Vários desenhos podem ser produzidos


através de variações na maneira de espaçar as pressões entre os dedos
(beliscos) para assentar os roletes um sobre o outro. Os autores da “Ter-
minologia” nos informam que isto é uma
Decoração em que, depois da colocação de cada rolete, este é ligado ao
anterior por meio de pressões mais ou menos regulares, espaçadas, executadas
com as pontas dos dedos, em sentido perpendicular ou transversal ao vaso;
técnica esta que, em certos casos, permite ver a união dos roletes entre as
impressões dos dedos ou outro instrumento (SEMINáRIO, p. 12).

Embora classificada como técnica decorativa, a corrugação (como


também a técnica “escovado”) não é um fenômeno acrescentado ou
imposto à peça, mas antes, uma espécie de falta de acabamento. De fato,
resulta em aumento da superfície externa do vasilhame, o que significa
um aumento da capacidade de absorver calor do fogo, se colocado di-
retamente em contato com este.
Cortes: LOELL-SCHEUER cita o uso, na cerâmica artesanal na-
cional, de um faca de metal para produzir “três ou quatro cortes na
extremidade do cabo da panela” (1982, p. 50) Pode-se incluir junto
com “entalhado”.
Digitado: Decoração estampada onde o instrumento usado é a ponta
(polpa) do dedo (SEMINáRIO, 13, LOELL-SCHEUER, 1982, p.
51).
Digitungulado: Decoração como a anterior, mas incluindo também
a impressão da unha (Ibidem).
Entalhado: Decoração feita com pequenos cortes efetuados nor-
malmente, com uma taquarinha, concha ou outro instrumento. A ta-
quarinha
Produz entalhes triangulares com a parte lateral da mesma, em espaços
rítmicos,… (com a concha) produzem-se entalhes de forma semicircular,
com a borda da mesma, em espaços rítmicos (Ibid., p. 49).

Escovado: a “Terminologia” nos informa que isto é uma “técnica de


decoração exterior que consiste em passar um instrumento com pontas
múltiplas, que deixa sulcos bem visíveis nas superfícies, guardando certo
paralelismo entre si” (SEMINáRIO, p. 13). No entanto, a nossa experi-
ência é de que consiste em não abafar e alisar de tudo as marcas deixadas
pelo sabugo durante o processo de raspagem-adelgaçamento.
Exciso: decoração comum na cerâmica atual e antiga marajoara e
de outras partes da Amazônica, que consiste em retirar “da superfície
da cerâmica, antes da queima, porções de vários tamanhos, formas e
profundidade” para formar uma parte do desenho, deixando outra parte
em relevo (“SEMINáRIO, p. 14). As partes vazadas podem ou não
serem preenchidas com outros minerais e corantes de cor contrastante,
como na cerâmica contemporânea de marajoara” (“retocado”, ver “SE-
MINáRIIO”, p. 18).
Imbricado: variedade especial da classe “corrugada” onde os roletes
são beliscados em forma alternada, deixando um desenho em relevo
semelhante, a escamas de peixe (ver “SEMINáRIO”, p. 14 e Prancha
11).
Impressões estampadas: podem ser feitas também com a taquarinha
(“a repetição de impressões em posição vertical ou inclinada é elaborada
sobre o rolo com a extremidade” da mesma); com a cabaça (“a repetição
de impressões de forma semi-oval é feita sobre o rolo com a borda de
um pedaço de cabaça”), com couro (“uma série de impressões sobre

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o rolo, borda e lábios, são executadas com a parte lateral de um couro


em curvatura”), com pauzinho aguçado (“os motivos impressos sobre
as paredes do vasilhame são elaborados com auxílio da extremidade” do
mesmo) (LOELL-SCHEUER, op. cit., p. 49); com um pequeno pedre-
gulho, com a concha (inclusive a impressão em ziguezague) (RIBEIRO,
p. 35), ou ainda cordas, malhas, tecidos, cestaria, etc.
Inciso: a “Terminologia” indica esta como “decoração plástica das
vasilhas que consiste em incisões praticadas por meio da extremidade
aguçada de instrumentos de diferentes formatos e dimensões na superfí-
cie da pasta ainda úmida” (SEMINáRIO, p. 14-15). A diferença entre
esta e a decoração em forma de impressão ou entalhes é uma questão de
escavar ou arrastar em vez de apenas estampar.
Linha polida: no polimento com o pedregulho liso, deixam-se estrias
(“polido-estriado”), normalmente horizontais no vasilhame, paralelas à
borda (por razões mecânicas de girar a peça enquanto polindo). Às vezes,
o polimento pode ser feito em linhas sobre uma superfície não polida,
deixando linhas que tendem a rezulir a certo ângulo da luz (IBIDEM,
p. 15).
Nodulado: “Tipo de decoração em que a superfície externa da pasta
é repuxada à mão, apresentando-se a superfície cerâmica com pequenos
nós” (Ibid., p. 16).
Ondulado: decoração aplicada às bordas, com pressões alternadas
dos dedos polegar e indicador (LOELL-SCHEUER, op. cit., p. 50-51).
Este mesmo autor também reporta uma decoração “ondulado aplica-
do” que, pela sua descrição, se assemelha ao “corrugado aplicado” ou
“imbricado”.
Pinçado: “Tipo de decoração em que se imprimem marcas espaçadas
pela ação contrátil e simultânea das pontas de unhas e dedos, em sentido
oposto, na superfície da cerâmica, como se fosse beliscada” (SEMI-
NáRIO, op. cit., p. 17). Na prancha por eles apresentada, o desenho
ilustrado parece com o “ungulado”.
Ponteado: decoração estampada formada de impressões múltiplas,
ritmadas, feitas com um instrumento pontiaguda, sem lhe arrastar.
Serrungulado: de acordo com O “SEMINáRIO” (op. cit., p. 19),
é “tipo de decoração em que a ação simultânea das pontas de unhas e
dedos, em sentido oposto, na superfície cerâmica, provoca a formação
de cordões em crista, afastados por sulcos” (op. cit., p. 51).
Ungulado: decoração estampada onde o instrumento é a unha. Nor-
malmente as impressões são feitas em linha ou em série, com as extremi-
dades da impressão se tocando ou se entrecruzando ou não.

Decoração Pintada
A decoração pintada pode ser aplicada antes ou depois da queima.
No primeiro caso, são corantes minerais, normalmente misturados com
argilas, ou minerais argilosas tais como taguá (argila com hematita, de
cor vermelha) ou tabatinga (argila branca). No caso das tintas de origem
vegetal (jenipapo, urucum, fuligem com óleo, etc.) só podem ser adi-
cionadas após a queima, por causa da oxidação.
Os Caingáng ocasionalmente esfregam as peças com um nódulo de
hematita após a queima, o que proporciona uma cor ou desenho fu-
gitivo. Os Carajá pintam os seus vasilhames com uma argila vermelha.
A tinta é preparada apenas acrescentando água. Em seguida, é aplicada
com os dedos ou com um talo de buriti com a extremidade envolta em
algodão. Segundo WÜST (1984, p. 315), “atualmente são empregadas
para a decoração dos recipientes e outros artefatos cerâmicos também

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tintas de origem vegetal tais como o urucum misturado com óleo, óleo
de algodão misturado com fuligem ou com suco da fruta do jenipapo”.
As ceramistas da Baía de Paranaguá também usam do talo de buriti
com algodão para pintar desenhos, e ainda os dedos ou uma pena de
galinha.

Implementos Usados
A ceramista se utiliza de uma grande variedade de instrumentos, na
fase de aplicação dos ornamentos. Dentre eles podemos cita: taquarinha,
pedaço de couro, pedra ovalada, pauzinhos de extremidade triangular
e aguçada, sabugo de milho, lâmina, e outros – incluindo os próprios
dedos e unhas. RIBEIRO (op. cit., p. 33) cita nominalmente alisadores,
entalhadores, escovadores, impressores, perfuradores, pincéis, polidores,
raspadores, e vitrificadores, todos com os seus pormenores.

8. PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DE
LABORATÓRIO
Introdução

Nos primeiros capítulos, o procedimento tem sido o de chegar ao


produto a partir da artesã e da sua atividade. Deste modo, entendemos
melhor como o produto chegou a ter as características observadas. Ago-
ra, nós vamos inverter o processo, ou seja, partindo do caso e das suas
características, vamos tentar remontar as atividades da artesã.
Tradicionalmente, os arqueólogos partem desse ponto para tentar
abstrair padrões culturais (mentais) aos quais os artesãos estariam tentan-
do se aproximar. Temos duas ressalvas com relação a isto: primeiro, con-
sideramos muito perigoso um arqueólogo tentar manipular abstrações
pré-históricas, ou seja, na mente de pessoas mortas que não podem ser
entrevistadas. Por isso, preferimos algo mais aproximado do concreto,
especificamente, atividade humana e os seus vestígios observáveis.
Segundo, consideramos que a mudança cultural está intimamente as-
sociada às variações individuais presentes nas respostas humanas aos pro-
blemas da vida, inclusive respostas alternativas. Portanto, essa variação
individual tem que ser levada em consideração, mesmo que seja apenas
através de declarações estatísticas de variância e de desvios de padrão.
O código que utilizamos foi organizado com base nas nossas neces-
sidades e contêm todos os parâmetros observados na amostra piloto sob
análise, além de deixar espaço para alternativas previsíveis. Ele está de
acordo com o que necessitamos no momento para a nossa pesquisa, o que
implica em alterações provenientes do desenvolvimento da mesma.
Entendemos o código como simplesmente um instrumento para ar-
mazenamento, recuperação e manipulação de dados quantificados. Cada
pesquisa deve ter seu próprio código ou códigos, porque para cada objeti-
vo, ou conjunto de objetivos, é necessário um código apropriado aos seus
fins e objetivos. Portanto, não devemos pensar em um código definitivo e
universal que possa ser usado por todos os pesquisadores, pois temos que
levar em consideração as especificidades de cada objeto de estudo.
Discriminando cada característica obtemos uma gama de variação
em torno de uma ou de cada uma das características comuns (os quais,
tradicionalmente, não tidas como “normas” pelos arqueólogos). Temos
as nossas dúvidas sobre a utilização do conceito normativo de cultura,
por razões que já explicamos.

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FIG. 5. Ficha de
Análise de Cerâmica)

Os dados são registrados em fichas individuais para cada caco indi-


vidual. Assim os dados estão em forma que permite a sua quantificação
e manipulação estatística.
Depois de tabulados os dados do estudo piloto, teremos que fazer
uma análise para descobrir os conjuntos que covariam de maneira con-
sistente (“fatores”), ou seja, procuramos evidenciar atividades humanas
e escolhas entre alternativas. Esse procedimento implicará numa análise
fatorial multivariada, feita pelo computador. O nosso código foi cons-
truído em língua BASIC, o que é facilmente traduzida para qualquer
linguagem nos programas padronizados ou “pacotes”.
Uma vez derivados os nossos “fatores”, teremos um novo código
simplificado cujos resultados serão usados como “inputs” na análise do
material escavado, enquanto conservando os dados originais para me-
didas de variância individual em parâmetros específicos, e evidência da
emergência de novas respostas aos problemas humanos na base desses.

Campo A: Identificação

Coluna 1-2: Município: Embora existam mais de 100 municípios


no Estado do Rio Grande do Norte, nós só reservamos duas casas na
nossa ficha de análise. Pretendemos usar, ao invés de números, letras;
ou seja, NT (Natal), NF (Nísia Floresta), GV (Georgina Avelino), AÇ
(Açu) etc. Nos espaços seguintes, colunas 3 a 5, colocamos o número
do componentes. Estes são numerados na seqüência da sua descoberta.
Entendemos componente como sendo uma unidade de espaço e tem-
po, o que representa uma única ocupação humana. Este é menor que
o sítio arqueológico, que pode incluir uma pluralidade de ocupações.
O componente, portanto, representa um piso arqueológico (“palco”)
num determinado sítio, onde se desempenham atividades por “atores”
humanos, organizados em espaço.
As colunas 6 a 9 representam uma quadrícula dentro da escavação
no sítio arqueológico. As colunas 10 a 12 são reservadas para o nível ou
profundidade do fenômeno, e as colunas 13 a 16 para o número da peça
analisada. No caso de achados de superfície, utilizados no estudo piloto,
naturalmente não usamos as colunas 6 a 12.

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Campo B: Pasta

Coluna 17: Homogeneidade: Deixamos em aberto a categoria “0”


para os casos de peças por demais deterioradas pela lixiviação para serem
adequadamente analisadas.
De “1” a “6”, podemos observar que nessas categorias, há várias in-
clusões, acidentais ou propositais. As acidentais normalmente já estão na
argila minada, no seu depósito natural, onde vai ser recolhida. No proces-
so de trabalhar a massa, a ceramista o leva a bom termo ou não. Podemos
observar se esta foi bem homogeneizada, significando a massa bem traba-
lhada, e as inclusões serão igualmente distribuídas através da massa, não se
vendo concentrações de inclusões aqui ou acolá. Neste caso classificamos
o resultado com o número “1” (aparentemente homogêneo).
Ao contrário, se a massa não foi trabalhada até a homogeneidade,
encontrar-se-á uma concentração, em maior ou menor grau, dos di-
versos ingredientes: areia, bolinhas de argila seca, silte, piçarra, ocos de
material orgânico oxidado, oi de antiplástico. Para isso utilizamos “2” a
“6”, sendo que “2” (pouco homogêneo) significa que há concentrações
em geral, sem especificar quais os ingredientes, ou seja, todos. No caso
de concentrações de materiais específicos, vêem-se os restantes.
0 = Não identificável
1 = Aparentemente homogêneo
2 = Pouco homogêneo
3 = Concentrações ocasionais de areia
4 = Concentrações ocasionais de argila, silte, piçarra
5 = Concentrações ocasionais de material orgânico queimado (ocos)
6 = Concentrações de antiplásticos

Coluna 18: Estruturas folheadas: Nesta coluna, veremos um pro-


cesso onde a ceramista prepara a massa, trabalhando-a e utilizando a
água como aditivo para fazer a sua liga. Dependendo assim do grau de
saturação (água), é que a ceramista começa o processo de amassamento,
ocorrendo da mesma forma como o processo utilizado na fabricação
de queijada ou pastel sírio. Procedendo assim a maneira de trabalhar a
massa.
Em primeiro lugar, a artesã vai adicionando água e antiplástico à
argila, até a massa ficar com certa liga. Depois vai amassando-a com
as mãos, até chegar a uma espessura desejada, e em seguida, começa
o processo de esticá-la e dobrar muitas vezes seguidas. No final desse
primeiro processo de homogeneização, veremos que depende muito da
quantidade de água adicionada se teremos uma estrutura visível ou não.
São as dobras é que fazem as estruturas estratificadas ou folheadas, ou
menos se a massa não contém muita água.
0 = Nada aparente
1 = Estrutura folheada paralela à superfície
2 = Estrutura folheada não paralela à superfície (diagonal)
3 = Em camadas, descascando como cebola

Coluna 19: Bolhas de Ar: Também devido ao grande manuseio, a


massa adquire bolhas de ar que atuam na interrupção da propagação das
rachaduras que eventualmente possam vir a se formar durante a secagem
(portanto encolhimento) da peça formada. É a própria ceramista que,
apesar de querer uma massa homogênea, contribui para o aparecimento
essas bolhas. Embora aconteçam acidentalmente, devido à maneira de
trabalhar a massa, como observamos na coluna anterior. Essas bolhas
têm, normalmente, o formato achatado. Bolhas de forma arredondada
ou cilíndrica dever ser ocos (espaços vazios) deixados pela oxidação de

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material orgânico.
Um furo perpendicular à superfície, atravessando a parede do vaso
ou peça (ou caco), total ou parcialmente, é mais provável de ser uma raiz
infiltrada durante o tempo em que o caco se encontrava no solo.
0 = Não visíveis
1 = Material orgânico queimado
2 = Pequenas, poucas
3 = Bem nítidas, poucas
4 = Pequenas freqüentes
5 = Pequenas e nítidas, freqüentes
6 = Achatadas/alongadas
7 = Furinhos alongados perpendiculares

Coluna 20: Fissuras: Teoricamente as fissuras aparecem na secagem


e o processo de queima, também podendo ocasionar uma superfície
gretada. Entretanto, na prática encontramos superfícies gretadas como
resultado de mudanças térmicas e de umidade diferencial entre interior
e superfície (quente/frio – úmido/seco etc.) Essas diferenças acarretam
mudanças na aparência do caco que são verificadas, após este ser depo-
sitado no solo.
0 = Não visíveis
1 = Só na superfície (superfície gretada)
2 = Pequenas e rasas
3 = Pequenas e médias rasas ou poucas
4 = Freqüentes
5 = Grandes e poucas

Colunas 21 e 22: Inclusões aparentemente naturais: Ao observarmos


um caco, verificamos a presença de materiais que aparentemente já esta-
vam inseridos na argila em seu depósito natural. Para detectarmos essas
inclusões estabelecemos uma relação de cinco materiais comuns. No
entanto, estes materiais ocorrem em diferentes combinações, o total das
quais vai além das dez variáveis contidas numa coluna de BASIC. Foi
necessário, portanto, usar duas colunas para cobrir todas essas variações.
As categorias de “1” a “5” relacionam as inclusões que eventual-
mente podem aparecer. Em termos de escolhas humanas, significa que
a artesã não se preocupou com a sua presença.
A presença e areia na argila é indicada pelo “1” e presume-se que
ocorre de maneira natural, ou seja, não deve ter sido a ceramista que
a coloca visto que não funciona bem como antiplástico devido a seus
grãos arredondados, e a crença muito comum entre as ceramistas indí-
genas de que a presença de areia na argila é “ruim”, Distingue-se areia
de rocha moída
(intencionalmente acrescentada), pelo fato desta ter a sua superfície
irregular (fraturas) enquanto aquela apresenta grãos arredondados.

Coluna 21 Coluna 22
0 = Nada visível 0 = Mais nada acrescentada
1 = Areia 1 = Mais argila/silte
2 = Argila/Silte 2 = Mais piçarra/hematita
3 = Piçarra/Hematita 3 = Mais material orgânico
4 = Material orgânico (ocos) 4 = Mais mica
5 = Mica 5 = Mais material orgânico e mais mica
6 = Areia mais argila
7 = Areia mais piçarra
8 = Areia mais material orgânico
9 = Areia mais mica

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Coluna 23: Natureza antiplástico adicionado: Quando a artesã está


trabalhando a massa, ela inclui materiais que têm como objetivo torná-
la menos plástica e com melhores condições para se efetuar a modela-
gem sem relaxar ou desmoronar a forma. Dentre a gama de materiais
apropriados para esse fim, alguns são escolhidos por algumas artesãs ou
tradições e outros por outras. A seleção é feita tendo como base alguns
critérios, materiais já comprovadamente satisfatórios eventualmente tor-
nando tradicional a sua utilização. Eventualmente, na falta destes a artesã
se utiliza outros que embora não sejam preferidos também cumprem a
sua função e que estejam à mão. Na nossa amostra, as variedades resu-
mem-se em diferentes alternativas de rocha moída.
0 = Nada visível
1 = Quartzo moído
2 = Feldspato moído
3 = Quartzo e feldspato moídos
4 = Restinga (rocha preta) moída
5 = Restinga, quartzo e mica

Coluna 24: Proporção de antiplástico. Observamos que alguns cacos


apresentam uma quantidade aparentemente excessiva de antiplástico. Não
resolvemos o problema da intersubjetividade, pois teria que definir na base
da quantidade de grãos de antiplástico por mm2, o que não foi feito.
0 = indeterminável ou invisível
1 = quantidade normal em termos da amostra
2 = grande proporção de antiplástico em termos da amostra

Coluna 25: Tamanho dos grãos dos aditivos naturais. Aqui se mede
os maiores dos grãos arredondados.
0 = nada visível
1 = menores de 0,5mm
2 = aprox. 0,5mm
3 = aprox. 1,0mm
4 = aprox. 1,5mm
5 = aprox. 2,0mm
6 = aprox. 2,5mm
7 = aprox. 3,0mm
8 = aprox. 3,5mm
9 = 4,0mm ou maior

Coluna 26: Tamanho dos grãos de antiplástico. Onde a coluna 25


trata do tamanho de detritos não removidos da argila durante o seu
preparo, aqui trata-se de tamanho dos grãos pulverizados e propositada-
mente adicionados à pasta. É uma questão não somente da quantidade
de trabalho investido no preparo do antiplástico, mas também se há uma
prática de peneirar ou de outra maneira eliminar os grãos maiores. Grãos
maiores podem servir de inibir a propagação de rachaduras, do mesmo
modo de bolinhas de ar ou ocos.
0 = nada visível
1 = menores de 0,5mm
2 = aprox. 0,5mm
3 = aprox. 1,0mm
4 = aprox. 1,5mm
5 = aprox. 2,0mm
6 = aprox. 2,5mm
7 = aprox. 3,0mm
8 = aprox. 3,5mm
9 = 4,0mm ou maior

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Campo C: Queima

Neste campo incluímos as variáveis que podem indicar aspectos da


queima: temperatura, atmosfera, circulação de ar, tempo (duração) do
processo, combustível muito perto da peça durante a queima, etc. Vários
dos fatores são complexos: por exemplo, a cor da pasta depende simul-
taneamente da natureza das impurezas incluídas na argila, a temperatura
da queima, o grau de oxidação do material orgânico incluído na argila,
e a atmosfera da cocção (oxidação ou redução).
Coluna 27: Faixa Preta: A faixa preta, comumente encontrada na
nossa amostra, é resultado de uma oxidação incompleta do material or-
gânico presente na pasta, devido à baixa temperatura da queima ou de
tempo insuficiente para esse processo.
Observamos também que, de acordo com a posição da peça durante
a queima (com a abertura para cima ou para baixa) e do tipo de queima
a qual foi submetida (atmosfera de redução ou de oxidação) ela pode
apresentar variações de cor e de posição da área preta.
Não observamos, na nossa amostra, nenhum caso de atmosfera de re-
dução intencional. Aparentemente a queima foi feita em fogo aberto.
Quando o combustível fica muito perto à peça durante a queima, o
carbono daquele inibe a oxidação da massa, deixando inclusive “nuvens”
escuras na face externa. Quando a lenha não se encontra excessivamente
próxima da PEC e está sendo queimada com a “boca” para baixo, ocorre
a falta de circulação de ar no seu interior resultando numa oxidação in-
completa do material orgânico, portanto, a pasta adquire uma tonalidade
preta no interior do vaso ou da tigela.
0 = Não presente
1 = Fina (bem menos da metade da espessura)
2 = Metade da espessura do caco
3 = Quase toda a espessura do caco
4 = Tudo menos a superfície
5 = Inclui até a superfície
6 = Metade (ou mais) no lado da superfície interna
7 = O mesmo lado da superfície externa (nuvem grande?)

Coluna 28: Cor da pasta: Encontramos grandes dificuldades e tratar


a cor de uma maneira intersubjetiva. Existem três parâmetros de cor,
sendo (1) cromático, (2) saturação ou intensidade, e (3) valor ou lumi-
nosidade (claro/escuro etc.). O jogo de três parâmetros simultâneos foi
atacado por sistemas como Munsel e a “USGS Rock Color Chart” tam-
bém baseada em Munsel, mas para o classificador é difícil de usar e até
de encontrar. Em Natal existem apenas duas cópias. Quem mais se usa
de cores e que têm desenvolvido terminologias são pintores, costureiras
e filatelistas. Examinamos cartas de cores de tinta, encontrando grande
variação no sentido de duas firmas usando cores ligeiramente diferentes,
mas com o mesmo nome, ou nomes diferentes para a mesma cor.
No caso das costureiras, as cores são nomeadas de maneira seme-
lhante, mas não possuem cartas de cores para identificação intersubje-
tivamente.
No caso dos selos postais, encontramos uma grande desordem na
nomenclatura das cores, não somente de um catálogo para outro, mas
em anos diferentes do mesmo catálogo. Também, num determinado
selo, as tonalidades são diferentes por causa do desenho, portanto não
uniforme.
Finalmente, colocamos os cacos na mesa e os separamos de acordo
com a área de baixa freqüência separando áreas de alta freqüência. Assim
delimitamos (mas em apenas duas dimensões) o que aparentemente era a

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realidade da distribuição de cores, e com isto armamos uma tabela, con-


vertendo esta tabela em termos de Munsel para delimitação das áreas as
quais nomeamos com um nome de cor. O que encontramos dividimos
em nove áreas (algumas por causa da incerteza se a categoria representa
a realidade ou não, por ter baixa freqüência, pois achamos que seria me-
lhor juntar só depois de verificar a sua distribuição no material escavado).
Em termos de Munsel as nossas nove “cores” são:
1 = “Preto”: de 2,5yR a 5yR, de 3/2 a 3/6 e 4/6
2 = “Carmim”: 10R
3 = “Vermelho”: 2,5yR de 4/6 a 4/8
4= “Vermelho Alaranjado”: 5yR de 4/2 a 4/8 e 5/4
5 = “Laranja acastanhada”: 5yR 6/2 6/4
6 = “Cinzento”: 7,5yR 3/6 a 4/2 e 4/6
7 = “Castanho acinzentdo”: 7,5yR 5/4 e 6/2 a 6/4
8 = “Castanho amarelado”: 10yR 5/4 e 6/3 a 6/4
9 = “Branco”: 7,5yR a 10yR 6/6
O número “0” foi reservado para a categoria “indeterminável”.

Coluna 29: Grau de oxidação da massa. A determinação deste pa-


râmetro implica num jogo ou dialética entre a faixa preta e a cor da
pasta.
A cor pode tingir a sua aparência natural através de uma queima
completa ou incompleta, com a interferência de tonalidades escuras
de material orgânico incompletamente oxidado no interior da parede.
Frequentemente é vista como uma diferente entre superfície, massa e
faixa preta.
0 = Só faixa preta fora a superfície
1 = Tudo igual à superfície
2 = Tudo preto incluindo a superfície
3 = Cinzento, sendo a superfície mais preta ou outra cor
4 = Igual à superfície fora faixa preta

Coluna 30: Dureza. A dureza da peça ou caco depende da qualidade


da argila e as suas inclusões e, muito importante, a temperatura da quei-
ma. Aqui usa-se a escala de Mohs. Fizemos varetas de metais diferentes
e testamos contra ouras já conhecidas para estabelecer os instrumentos
de medição. Que encontramos é o seguinte:
0 = indeterminável
1 = 2,5-3,0 (chumbo)
2 = 3,5 (alumínio)
3 = 4,0 (cobre)
4 = 4,5 (latão fino)
5 = 5,0 (latão grosso)
6 = 5,5 (ferro)

O nosso procedimento no laboratório consiste em testar no caco as


varetas começando com a que possui menor número e, portanto é mais
mole. Procede-se tentando riscar o caco com cada vareta na seqüência
até alcançar a vareta que risca o caco. Sabemos, então que a dureza do
caco corresponde ao número da vareta anterior do da que consegue
riscá-la.
Coluna 31: Nuvens escuras (superfície externa). Quando o com-
bustível for colocado muito perto d peça no processo da cocção, a livre
circulação de oxigênio fica prejudicada, criando bolsões de atmosfera de
redução, ou seja, carregados e carvão molecular e carecentes e oxigênio.
O resultado é manchas irregulares de tonalidades entre cinza e preto na
superfície.

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0 = não há
1 = pequena (inferior a 2 cm)
2 = média (2-4 cm)
3 = grande (5 cm ou mais)
4 = mais de uma
5 = nas duas superfícies, inteiramente
6 = apenas superfície externa (inteira)

Coluna 32: Nuvens escuras (superfície interna).

0 = não há
1 = pequena (inferior a 2 cm)
2 = média (24 cm)
3 = grande (5 cm ou mais)
4 = mais de uma
5 = nas duas superfícies, inteiramente
6 = apenas a superfície interna (inteira)

Campo D: Forma
A forma, s aplicações e o acabamento são as áreas onde o artesão
tem a maior liberdade criativa em potencial, restringida apenas pelas
exigências da função (objeto para conter algo, normalmente líquido) e
da tradição (normas ou expectativas). Isto significa que é uma potencial-
mente rica em possibilidades de livre escolha, no exercício das atividades
humanas. Tradicionalmente, tem sido considerado, pelo arqueólogo, a
área onde mais e pode encontrar (estatisticamente) as normas ou bitola
mentais da sociedade.

Colunas 33-34: Espessura (em mm). Na amostra original de 500 ca-


cos, a gama de espessuras era de 0,5mm a 2,1mm, tendo apenas 3 cacos
com espessura maior de 1,8mm e três inferiores a 0,6mm.

Colunas 35-36: Diâmetro máximo (curvatura) do caco. Embora


teoricamente qualquer caco possa ser medido num ábaco de curvatura
(curvas concêntricas feitas no papel pelo compasso), na prática temos
limitada esta medida aos cacos de bordo, que são mais expressivos par
colocar no ângulo certo para leitura. Na prática, portanto, isto é uma
medida do diâmetro da boca da peça. A medida é feita em cm.

Coluna 37: Forma da fratura entre roletes:


0 = nenhuma fratura reta aparente
1 = uma fratura linear (seguindo o acordelamento) relativamente lisa
2 = uma fratura linear “rasgada”
3 = duas fraturas paralelas “lisas”
4 = duas fraturas paralelas “rasgadas”
5 = em forma de rombo (rombóide)
6 = com sulco na junta lisa
7 = com sulco na junta “rasgada”
8 = duas fraturas, uma com sulco

Coluna 38: Distância entre fraturas paralelas de roletes:


0 = Não há
1 = inferior a 1,0cm
2 = aproximadamente 1,0cm
3 = aproximadamente 1,5cm

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4 = aproximadamente 2,0cm
5 = 2,5cm
6 = 3,0cm
7 = 3,5cm
8 = 4,0cm
9 = 4,5cm

Coluna 39: Semi-fechada (vaso) ou aberta (tigela): Observando um


caco, podemos distinguir uma diferença característica entre as duas faces:
uma côncava e outra convexa. A partir disso, consideramos estatistica-
mente provável que a parte côncava corresponda à face interna e vice-
versa. Em geral, no caso de um vaso (“panela”), a face externa será mais
bem tratada que a interna. Portanto, na nossa classificação, consideramos
de ser de um vaso um caco cuja face convexa seja mais tratada, enquanto
côncava, pouco tratada.
Por outro lado, no caso das tigelas, as duas faces potencialmente são
disponíveis para tratamento. Porém, encontramos, na nossa amostra,
uma terceira categoria, que apresenta a face interna bem tratada, enquan-
to a externa é tratada em menor grau. Etnograficamente temos notícia
de tigelas que são usadas diretamente no fogo para cozinhar alimentos.
Por isso, suspeitamos que uma superfície em contato direto com o fogo
e fuligem não forneceria motivos para um dispêndio de maiores esforços
no acabamento.
0 = indeterminável
1 = irregular no interior da curva, regular na face exterior; forma
não determinável
2 = idem, forma apenas sugerida
3 = idem, forma identificável
4 = melhor tratada no interior da curva do que no exterior
5 = igualmente bem acabada
6 = 4 ou 5, forma apenas sugerida
7 = 4 ou 5, forma identificável

Coluna 40: Forma da peça (quando possível): Fazemos a distinção


entre três categorias gerais: formas simples, formas compostas e a pre-
sença de pescoço ou colar.
0 = não identificável
1 = forma simples
2 = com pescoço ou colar
3 = forma composta sem pescoço ou colar
4 = forma composta com pescoço ou colar
5 = como no 2, com inflexão abrupta como separação
6 = como no 3, com inflexão abrupta como separação
7 = como no 4, com inflexão abrupta como separação do colar
8 = como no 4, com inflexão abrupta entre formas I e II
9 = como no 4, com inflexões abruptas como separações

Coluna 41: Forma I (inferior): As formas, tanto simples quanto com-


postas (combinações destas separadas por ângulos ou inflexões) podem
ser reduzidas (formas, ângulos, tamanhos e proporções) a termos tais
como fórmulas matemáticas ou códigos para armazenamento em me-
mórias de computadores (GARDIN, 1958). Aqui simplificamos porque
poucos exemplos temos que não seriam reconstituições especulativas de
possibilidade reduzida.
0 = não identificável
1 = globular ou esférica
2 = meia esfera

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3 – meia calota
4 = cônica
5 = cônica
6 = cilíndrica
7 = quadrangular
8 = afunilada

Coluna 42: Forma II (superior): Usa-se o mesmo código como para


coluna 41; o “0” pode também indicar que não há.

Coluna 43: Pescoço ou colar: A diferença entre um pescoço e um


colar seria uma de largura relativa ao corpo do vaso, e pescoço sendo
mais restrito e o colar mais aberto. A distinção não está embutida neste
código, devendo ser.

0 = não tem ou não identificável


1 = cilíndrico (reto)
2 = inflexionado (côncavo)
3 = inflexionado (convexo)
4 = em expansão, reto
5 = em contração, reto
6 = em expansão, inflexionado para fora
7 = em contração, inflexionado para dentro

9. RETROSPECTO
A arqueologia moderna é uma Ciência Social que procura informa-
ção sobre o comportamento de seres humanos organizados em socie-
dades integrados por uma cultura. Portanto, procura informação com-
portamental de indivíduos, normalmente no passado, para induzir os
padrões culturais que norteiam essas sociedades. Então a nossa análise
de artefatos e dos seus contextos deve conduzir a informação sobre o
comportamento de gente no passado e, daí, as regularidades que espe-
lham a cultura no passado.
No estudo da cerâmica arqueológica temos [1] a matéria prima com
as suas possibilidades e limitações, [2] os objetivos (os produtos sendo fa-
bricados segundo modelos compartilhados entre os membros da socieda-
de) e meios (escolhas e hábitos motores envolvidos) de quem modificou
essa matéria prima e [3] um resultado, o qual deve ter pistas intrínsecas
sobre os objetivos e meios do artesão desconhecido e falecido. Isto exige
[4] uma linguagem descritiva intersubjetiva, para que todos sabemos o
que significam os termos, e para que os modos de atividades possam ser
quantificados para comparação e para testes de significado.
Construímos em cima de informações derivados da indústria cerâ-
mica (SHEPARD, 1957), da Etnoarqueologia (COSTA, 1985; LIMA,
1986; LOELL-SCHEUER, 1969, 1982; MILLER, 1978b, 2008; MUC-
CILLO e WÜST, 1984; WÜST, 1984), tanto quanto da Arqueologia
(BROCHADO, 1977; MEGGERS e EVANS, 1970; NASSER, 1971,
1974; SEMINáRIO, 1966), procurando as integrar. Tratamos da maté-
ria prima (Capítulo II), do procedimento da artesã (Capítulos III a V) e
de aspectos dos fins (Capítulos VI e VII), ou seja, os modelos conceituais
aos quais os objetos concretos devem se aproximar. Elaboramos um pro-
cedimento de análise de laboratório de material cerâmica arqueológica
que segue essas diretrizes, incluindo métodos tradicionais, ao lado de
outros novos (Capítulo VIII). Este procedimento envolve modos numa
classificação codificada susceptível a manipulação quantitativa. Em outro

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trabalho, mostramos como esta abordagem pode conduzir a muito mais


informação de que os procedimentos corriqueiros (MILLER, 2010).

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INSTITUTO TERRA E MEMÓRIA

Comissão Instaladora Linha de pesquisa Paleoambientes e


Luiz Oosterbeek Comportamento Humano
José Manuel Saldanha Rocha (Geologia do Quaternário, Paleoecologia,
Pierluigi Rosina Ecologia Humana)
Pierluigi Rosina (coord.)
Assessores da Comissão Instaladora Cristiana Ferreira
Anabela Borralheiro Pereira – Administração Hugo Gomes
e Museu de Arte Pré-Histórica Luís Santos
Jedson Cerezer – Relações com o Brasil Nelson Almeida
Nelson Almeida – Secretário Pedro Cura
Sara Cura
Coordenadores de Unidades Silvério Figueiredo
Sara Cura (Lab. Tecnologia Lítica) Stefano Grimaldi
Sara Garcês (Lab. Arte Rupestre)
Jedson Cerezer (Lab.Tecnologia Cerâmica) Linha de Pesquisa Culturas e Territórios
Nelson Almeida (Zoo-Arqueologia) (Arqueologia da Paisagem, Gestão do
Pedro Cura (Socialização do Conhecimento) Património, Gestão Integrada do Território)
Margarida Morais (Espaços de Memória) Luiz Oosterbeek (coord.)
Davide Delfino (Escola de Verão de Anabela Borralheiro Pereira
Arqueologia) Cristina Martins
Davide Delfino
Biblioteca Fernando Coimbra
Fernanda Torquato (consultoria) George Nash
Isabel Afonso Hipólito Collado
Margarida Pacheco Ivo Oosterbeek (Benefits & Profits)
Izabela Bahia
Apoio técnico Jedson Cerezer
Isabel Loio Margarida Morais
Rosa Fernandes Rosário Wanon
Rui Machado Sara Garcês
Síria Borges
Conselho Científico Tiago Tomé
Pierluigi Rosina (Presidente) Vítor Teixeira (Benefits & Profits)
Ana Rosa Cruz
André Soares
Ari de Carvalho
George Nash ESTRUTURAS EM REDE
Inguelore Scheunemann
João Corte Real Centro de Pré-História do Instituto
Luís Mota Figueira Politécnico de Tomar
Mariano Piçarra Ana Rosa Cruz
Rui Pena dos reis Ana Graça
Stefano Grimaldi Paula Silva

Contactos Centro de Interpretação de


Instituto Terra e Memória Arqueologia do Alto Ribatejo
Largo dos Combatentes José da Silva Gomes
6120-750 MAÇÃO, Portugal Cidália Delgado
www.institutoterramemoria.org Cristiana Ferreira

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