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07082018 2067
OPINIÃO OPINION
e a luta por uma sociedade sem manicômios
Paulo Amarante 1
Mônica de Oliveira Nunes 2
Abstract T This article presents a historical Resumo O artigo realiza um percurso histórico e
and epistemological study of the construction of epistemológico da construção das políticas públi-
public policies about mental health and psycho- cas de saúde mental e atenção psicossocial a partir
social care in Brazil´s Unified Health System, the do SUS. Para tanto, propõe uma abordagem que
SUS. To that end, it proposes an approach that identifica as ações e as estratégias relacionadas ao
identifies actions and strategies related to social aspecto da participação social na construção das
participation in the construction of policies, one políticas, um dos princípios fundantes do SUS, e
of the founding principles of SUS, seeking to de- procurando demarcar a importância desta na tra-
lineate its importance in the specific trajectory of jetória específica do processo de reforma psiquiá-
the psychiatric reform process. Subsequently, it trica no Brasil. Posteriormente, destaca também a
highlights the originality and importance of ac- originalidade e a importância da atuação que teve
tions that used culture as a means and as an end, como meio e como fim a cultura, no sentido de não
in the sense of not restricting psychiatric reform restringir a reforma psiquiátrica a uma transfor-
to a transformation limited to public services or mação limitada aos serviços e à saúde em sentido
health in the strict sense of the term, emphasizing estrito, ressaltando o princípio da construção de
the principle of construction of a new locus in so- um novo lugar social para a loucura. Por fim, faz
ciety for madness. Finally, it provides a historical um acompanhamento histórico da promulgação
follow-up of the promulgation of mental health das políticas de saúde mental, identificando as
policies in Brazil, identifying the most important iniciativas mais importantes e seus impactos na
initiatives and their impacts on the transforma- transformação do modelo assistencial e encerra
tion of the care model, and concludes by question- com o questionamento sobre a reorientação con-
1
Laboratório de Estudos e ing the conservative restructuring that is currently servadora que no momento se impõe.
Pesquisas em Saúde Mental taking place. Palavras-chave Saúde mental, Movimento an-
e Atenção Psicossocial, Key words Mental health, Anti-asylum move- timanicomial, Reforma psiquiátrica, Participação
Escola Nacional de Saúde
Pública, Fiocruz. R. ment, Psychiatric reform, Community participa- social, Reabilitação psicossocial
Leopoldo Bulhões 1480, tion, Psychosocial rehabilitation
Manguinhos. 21041-210
Rio de Janeiro RJ Brasil.
pauloamarante@gmail.com
2
Universidade Federal da
Bahia, Instituto de Saúde
Coletiva. Salvador BA
Brasil.
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Amarante P, Nunes MO
mesmo passou a participar da Comissão Inter- em dois anos, congressos nacionais assim como
setorial de Saúde Mental do Conselho Nacional os fóruns de direitos humanos e saúde mental.
de Saúde, em que pese o fato de que a concepção Tanto os congressos quanto os fóruns passaram a
de intersetorialidade aí utilizada estava restrita assumir de maneira mais central a crítica ao mo-
aos segmentos do campo da saúde mental (espe- delo biomédico em psiquiatria e aos interesses
cialmente familiares e usuários). As reuniões da que os orientam. A título de exemplo, a entidade
Comissão eram convocadas de forma irregular e possibilitou a vinda de várias expressões interna-
os representantes do MLA criticavam a falta de cionais de movimentos de crítica à medicaliza-
poder decisório da comissão. ção da vida cotidiana, dos “ouvidores de vozes”,
Uma vez constituído como Movimento da do Diálogo-Aberto, com destaque para Robert
Luta Antimanicomial, o coletivo passou a organi- Whitaker16, que aqui esteve quatro vezes.
zar núcleos nas capitais e em praticamente todas Com os primeiros sinais de desmonte do
grandes cidades do país. Elemento decisivo para SUS, o que ocorreu antes ainda do impedimen-
esta ampliação foi a criação, já em Bauru, do Dia to de Dilma Rousseff, mas em decorrência das
Nacional da Luta Antimanicomial. O dia 18 de negociações para que o mesmo não ocorresse,
Maio serviria para despertar o pensamento crí- o MS foi assumido por conservadores e, para a
tico na sociedade sobre a violência institucional Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras
da psiquiatria e a exclusão das pessoas em sofri- Drogas, foi nomeado ex-diretor de um hospital
mento psíquico. Pode-se considerar que o objeti- psiquiátrico fechado por ação do Ministério Pú-
vo teve êxito na medida em que, desde então, são blico e notório defensor do modelo manicomial.
realizadas atividades políticas, científicas, cultu- Em resposta, o MLA “ocupou” por 4 meses as
rais e sociais não apenas no dia em questão, mas dependências da Coordenação que só foi desocu-
por todo o mês de maio, que passou a ser con- pada por ordem judicial. Este ato, de repercussão
siderado o Mês da Luta Antimanicomial. Dada a internacional, demonstrou a capacidade de or-
grande repercussão dos eventos organizados pelo ganização e intervenção política do movimento
MLA e pela sua também expressiva participação “mentaleiro”.
nos fatos mais gerais da saúde, a denominação de
mentaleiros (em alusão ao heavy metal) passou a Há tanta vida lá fora:
ser amplamente utilizada para caracterizar o “ba- um novo lugar social para a loucura
rulho” causado por este ator social.
Por outro lado, o MLA passou a organizar A noção de RP como processo social com-
eventos próprios, o primeiro em 1993, em Salva- plexo, elaborada originalmente por Rotelli et al.17
dor, e o mais recente, em 2014, em Niterói, com para se referir às estratégias de desinstitucionali-
relativa regularidade e expressiva autonomia, zação, tem sido adotada no Brasil13,18 no sentido
tanto em termos organizativos quanto financei- de destacar a amplitude do processo, ressaltando
ros, e passou a estimular e a contribuir com a que o mesmo não se reduz à reforma de servi-
organização de encontros nacionais de associa- ços e tecnologias de cuidado, em que pese a im-
ções de usuários de serviços de saúde mental e portância das mesmas. Birman, nos primórdios
familiares que, em 2014, realizou sua 14ª edição. deste processo, observou que o que estava “em
Em Vasconcelos15, podem ser encontradas infor- pauta de maneira decisiva é delinear um outro
mações preciosas sobre as bases históricas e polí- lugar social para a loucura em nossa tradição cul-
ticas, tensões e tendências deste ator social. tural”19. Este aspecto pode ser considerado uma
A criação da Associação Brasileira de Saúde das principais referências para que se construísse
Mental (Abrasme) representou um elemento outras estratégias e dispositivos políticos, sociais
novo no cenário da participação social no con- e culturais, e não apenas clínicos e terapêuticos.
texto da RP. Criada a partir do GT de Saúde Men- Uma destas estratégias foi, potencialmente, o es-
tal da Abrasco, a Abrasme teve como propósito tímulo à participação social na construção das
constituir um novo ator que reunisse, a um só políticas, tanto no âmbito dos serviços, quanto
tempo, os vários sujeitos envolvidos, dos usuários nos fóruns mais gerais (conferências, audiências
e familiares e outros ativistas ligados às questões públicas, conselhos de saúde, e outros espaços)
de etnia, gênero, sexualidade, diversidade cultu- além, evidentemente, de um forte protagonismo
ral e direitos humanos, e todos que estivessem em enquanto sujeitos do movimento antimanico-
serviços ou outros dispositivos, e também com mial20, ou de empoderamento21,22.
os que atuassem na produção de conhecimento e No I Encontro Nacional, em Salvador, foi
políticas. A Abrasme passou a organizar, de dois consolidada uma diretriz fundamental para a
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tado o projeto de lei 3.657/89. O PL ficou quase ção dos pontos de atenção das redes de saúde no
12 anos em tramitação, mas, mesmo rejeitado, território, qualificando o cuidado por meio do
propiciou que um substitutivo fosse aprovado e acolhimento, do acompanhamento contínuo e
introduzisse mudanças significativas nas políti- da atenção às urgências.
cas do campo, embora não contemplassem ple- Apesar da importância da RAPS e da organi-
namente os anseios da RP. zação articulada da rede que ela instituiu, é im-
A Lei 10.2016 foi sancionada em 06/04 de portante destacar que, para as atividades de cul-
2001, ano em que foi também realizada a III tura e trabalho e geração de renda, não foram de-
Conferência Nacional de Saúde Mental, o que finidos recursos orçamentários, revelando assim
contribuiu para desenhar um cenário muito fa- o pouco significado estratégico atribuído a tais
vorável e promissor para o campo da saúde men- iniciativas que poderiam ser melhor utilizadas,
tal no SUS. tendo em mente a regulamentação do Programa
Mas, enquanto o PL tramitava, foram apro- de Geração de Renda e Trabalho (Resolução CO-
vadas muitas leis estaduais e municipais de RP DEFAT nº 59/1994) e dos Pontos de Cultura (Lei
em capitais e cidades importantes por todo o nº 12.343/2010).
país e outras inovações foram introduzidas. Uma
delas foi a constituição dos Serviços Residenciais
Terapêuticos (Portarias 106/2000 e 1.220/2000). Comentários finais sobre a evolução das
A construção de uma rede de SRT´s foi ampla- políticas de saúde mental e atenção
mente favorecida com o advento do Programa de psicossocial no âmbito do SUS:
Volta Para Casa (Lei n° 10.708, de 31/07/2003). os ventos sopram para o passado
Após os SRTs foi instituído o Programa Na-
cional de Avaliação dos Serviços Hospitalares – O relatório da Comissão de Saúde Mental do
PNASH/Psiquiatria em 2002, que deu início a Cebes apresentado em 1979 no I Simpósio de
um processo regular de avaliação dos hospitais Políticas de Saúde da Câmara dos Deputados
psiquiátricos, públicos e privados conveniados observava que 96% de todos os recursos gastos
ao SUS. Como resultado houve o fechamento de na assistência psiquiátrica eram destinados ao
centenas de hospitais e alguns milhares de leitos pagamento de diárias hospitalares nos mais de 80
absolutamente inadequados para a assistência à mil leitos existentes no país em 1977. Observava
saúde. ainda que de 1973 a 1976 as internações psiquiá-
Outros marcos importantes das políticas de tricas aumentaram 344%7.
saúde mental no SUS foram estabelecidos pela O último informativo da Coordenação Na-
Portaria/GM nº 336, de 19/02 de 2002, que rede- cional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas
finiu os CAPS em relação à sua organização, ao do Ministério da Saúde foi publicado em 201530,
porte, à especificidade da clientela atendida. Pas- pois, após este período tiveram início mudanças
saram a existir CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi que redefiniram as políticas públicas, não apenas
(infantil ou infanto-juvenil) e CAPSad (álcool e no setor saúde e saúde mental, mas de toda a con-
drogas). Outro marco veio pela Portaria 154 de cepção do estado provedor e de direitos.
2008 que estabeleceu a constituição do Núcleo Em que pesem eventuais críticas e comentá-
de Apoio à Saúde da Família (NASF), com o ob- rios, por vezes necessários e justos, à condução
jetivo de propiciar “apoio matricial” às equipes da política, é importante reconhecer muitos
de Saúde da Família, cumprindo um importante avanços ocorridos na RP brasileira. Uma delas
papel de dar suporte tanto técnico quanto insti- é a expressiva diminuição de leitos psiquiátri-
tucional na atenção básica29. cos: dos 80 mil na década de 1970 para 25.988
Em 2011 foi instituída a RAPS (Portaria GM/ em 2014. Considerando o investimento em ser-
MS nº 3.088 de 23/12 de 2011), que possibilita viços de atenção psicossocial, especialmente em
uma nova dimensão ao conjunto das ações em CAPS, que em 2014 ultrapassam a cifra dos 2 mil,
saúde mental no SUS, cujos objetivos principais e alcançam uma cobertura de 0,86 CAPS por 100
foram definidos como a ampliação do acesso à mil/habitantes, os gastos com hospitais caíram de
atenção psicossocial da população, em seus di- 75,24% em 2002 para 20,61% em 2013, enquanto
ferentes níveis de complexidade; promoção do que, revertendo a política, os gastos com atenção
acesso das pessoas com transtornos mentais e psicossocial passam de 24,76% para 79,39% no
com necessidades decorrentes do uso do crack, mesmo período. Em 2014, foram registrados 610
álcool e outras drogas e suas famílias aos pontos SRT´s com 2.031 moradores egressos de insti-
de atenção; e garantia da articulação e integra- tuições psiquiátricas e o Programa de Volta Para
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Colaboradores Referências
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