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Andreas Kisser
benvira.com.br
/benvira
@benvira
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Rua Henrique Schaumann, 270
Pinheiros – São Paulo – SP – CEP: 05413-010
PABX (11) 3613-3000
0800-0117875
SAC De 2a a 6a, das 8h30 às 19h30
www.editorasaraiva.com.br/contato
ISBN 978-85-8240-110-1
Korolenko, Jason
Relentless: 30 anos de Sepultura / Jason Korolenko; tradução Roberto Candido
Francisco. - 1. ed. - São Paulo: Benvirá, 2016.
328 p.: il.; 23 cm.
ISBN 978-85-8240-110-1
Título original: Relentless: the book of Sepultura
CDD 782.420981
14-08176 CDU
78.067.26(81)
1a edição, 2016
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma
sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei no 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
547.317.001.001
Para todos os fãs do Sepultura.
SUMÁRIO
Agradecimentos
Prefácio
Apresentação
3 Acima do resto
4 Ascensão brutal
6 Raízes
7 Raízes sangrentas
10 Propaganda negra
12 Mecânica
13 Um momento no tempo
Posfácio
Créditos de imagens
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QUANDO COMECEI ESTE PROJETO, alguns anos atrás, não imaginei que se
tornaria este monstro. Desde o início, minha intenção era fazer um projeto
com paixão para homenagear uma banda que adoro desde que roubei a fita
Under Siege: Live in Barcelona de um amigo, lá em 1992. Afinal, já tinha
escrito quatro livros e sabia tudo o que havia para saber sobre a banda (ou
pelo menos achava que sabia), então… era para ser fácil, né?
Nem um pouco.
Talvez tenha sido o meu desafio mais difícil até hoje. Mas foi de longe o
mais gratificante. A falta de sono, o estresse de perder repetidamente os
prazos autoimpostos, os milhares de dólares gastos com café e outras
bebidas cafeinadas, tudo valeu a pena. Estou tão grato pelos amigos que fiz
e às pessoas com quem conversei, especialmente no último ano; fãs,
membros da banda, familiares. Quase todos com quem entrei em contato
estavam mais do que dispostos a ajudar de todo modo possível, e
simplesmente não há palavras suficientes em qualquer língua para
expressar minha gratidão.
Acima de tudo, no entanto, tenho que agradecer a Lourdinha Novo por seu
amor e encorajamento inesgotáveis (mesmo quando eu estava rabugento ou
estressado ou cansado ou avoado ou…), pelas horas incontáveis que ela
passou traduzindo entrevistas ou caçando velhos artigos brasileiros, dando
sua opinião sobre meu trabalho, escutando pacientemente eu lhe contar a
mesma história cem vezes, insistindo para que eu permanecesse imparcial
mesmo quando queria muito externar minhas opiniões pessoais. Sem ela,
este livro não existiria. Te amo, babyzinha.
Para alguns, Vargas era ditador e fascista. Para outros, era o Pai do Povo.
Lutou pelos direitos dos trabalhadores, assim como das tribos indígenas
existentes. Não obstante, os princípios centrais de sua constituição, que se
basearam na Itália de Mussolini e na Espanha de Franco, de fato
promoveram o crescimento industrial, mas a grande custo.
Durante o Estado Novo, Vargas alertou a nação para uma trama comunista
que pretendia derrubar seu regime, o que lhe permitiu estender seu
mandato. Em resposta a essa “ameaça”, ele eliminou todos os partidos
políticos e modificou novamente a Constituição, para que tivesse um
controle autoritário explícito.
No início dos anos 1960, o Brasil era governado por duas facções
concorrentes: o presidente Jânio Quadros, do partido democrata, e seu
opositor, o vice-presidente pró-Vargas João Goulart. Mas Quadros não teve
chance; a maioria do Congresso ainda estava apaixonada por Getúlio
Vargas e, assim, por inércia, apoiava Goulart. Com Quadros ignorando as
questões econômicas e a inflação, fazendo o que pareciam ser conexões
comunistas em suas relações internacionais, ele acabou sendo levado à
renúncia.
A vida da família Cavalera era tranquila, com Vânia – que tinha saído de
casa jovem para ser modelo no Rio e em São Paulo – apoiando seus garotos
incondicionalmente em tudo o que escolhiam fazer. E Graziano, com sua
paixão por música de todos os tipos, de MPB e ópera italiana tradicional a
Black Sabbath e Led Zeppelin, garantia que o apartamento estivesse
sempre tomado por música.
Apesar de, na época, ainda estar sob severa repressão militar, o país era
uma espécie de dicotomia, em meio à experiência do “Milagre Brasileiro”.
O nacionalismo quase fascista fomentado por Getúlio Vargas transformara-
se em um tipo de orgulho patriota após o triunfo da seleção na Copa do
Mundo de 1970. Liderado por lendas como Pelé e Carlos Alberto, o time
recuperou o título quatro anos depois da decepcionante eliminação na
primeira rodada na Inglaterra, tornando-se a primeira seleção tricampeã.
Mas não antes de Max e Igor irem a um show em São Paulo que mudaria
sua vida para sempre.
O AI-5 havia sido revisto alguns anos antes da morte de Graziano, o que
fez muitos dos músicos exilados retornar a sua pátria e cada vez mais
atrações internacionais incluir São Paulo e Rio de Janeiro em seu itinerário.
Uma dessas atrações foi o Queen, que se apresentou por duas noites
seguidas no Estádio do Morumbi em 1981, na turnê do álbum The Game.
EM 1982, UMA BANDA do Pará chamada Stress lançou seu disco homônimo
de estreia. A importância desse álbum também não pode ser subestimada,
já que era – e ainda é – considerado por muitos o primeiro álbum de metal
brasileiro. Cantado inteiramente em português, muitas das letras originais
tiveram de ser mudadas, porque, apesar de o AI-5 já não existir, ainda havia
censura. Soando como uma mistura dos primórdios de Iron Maiden, Judas
Priest e Motörhead, o Stress alcançou enorme sucesso entre os jovens fãs
brasileiros cansados de MPB, samba e bossa nova. Esses garotos estavam
irritados, putos com o estado em que se encontrava o país, e ansiavam por
um tipo de música que refletisse essa fúria.
Os garotos ensaiavam com seriedade na casa de Gato, cujo pai era pastor da
igreja metodista. A casa era de propriedade da igreja, o que a tornava um
local irônico para ensaios, ainda mais depois que o gosto musical dos
garotos começou a pender para bandas de black metal como Venom,
Hellhammer e Celtic Frost e passaram a adotar temas “macabros” em suas
próprias letras. Wagner chegou até a assumir o apelido “Anticristo”.
Para aqueles garotos de 14 e 15 anos, que não eram mais crianças, mas
também não propriamente adultos, o black metal (termo cunhado pelo
Venom, que assim nomeou seu álbum clássico de 1982) talvez tenha sido o
identificador estético perfeito. Estudando em um colégio militar com regras
severas e ideais nacionalistas, o Sepultura tinha uma tendência à rebeldia.
O que traz à mente o clássico diálogo com Marlon Brando em O Selvagem,
no qual lhe perguntam What are you rebelling against? [Contra o que você
está se rebelando?], ao que responde de forma insolente, franca e dramática
What have you got? [Quais opções você tem para mim?].
Cada escolha feita pelos garotos naquela época – tocar música barulhenta e
pesada em vez de MPB, cantar sobre Satanás, até mesmo a decisão de
verter suas letras para o inglês – tinha a rebeldia como fundo. É importante,
porém, levar em consideração o ambiente em que haviam crescido. Ainda
no início da adolescência, temiam a polícia e o governo, e esse medo levou-
os a uma espécie de escapismo por meio da música.
Outra inspiração para essa idolatria pelo black metal era uma banda do Rio
de Janeiro. A Dorsal Atlântica besuntava os rostos com corpse paint,[1]
semelhante à do Kiss ou do King Diamond, seu figurino era enfeitado com
cruzes invertidas e seus cintos feitos com munição de rifle – além de
compor canções sobre o diabo. Max foi particularmente inspirado pela
Dorsal Atlântica e seu visual. Se eles podiam fazer aquilo em um país como
o Brasil, onde o catolicismo era mais patrimônio hereditário do que
religião, então o Sepultura também podia.
GATO FOI A PRIMEIRA baixa da formação, saindo depois de uma briga com
Wagner. Sua partida foi um golpe duplo para a banda, pois não apenas
perderam um baixista, mas também o local para ensaiar.
Max, Igor e Wagner tocaram com fúria e paixão, mesmo que sem grande
excelência musical. Para Igor, que usou um capacete do exército, o wig, e
maquiagem preta em volta dos olhos, já era uma conquista só por poder
usar uma bateria completa, gentilmente cedida por Helinho, baterista do
Overdose.
O ANO DE 1985 foi de revolução, não apenas para o Sepultura, mas para o
Brasil. A ditadura militar dava seus últimos passos, depois de uma gradual
dissolução. No início de janeiro, aconteceu o primeiro festival Rock In Rio,
que trouxe bandas internacionais de todos os gêneros para a Cidade
Maravilhosa, mas as mais importantes para nossos propósitos foram Iron
Maiden, Queen, AC/DC e Ozzy Osbourne. Dias depois, a ditadura sofreu a
derradeira queda, e acontecia a primeira eleição democrática do país.
A cena metal underground se fortalecia entre três cidades cruciais: Belo
Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo; e o metal brasileiro de todos os
tipos gozava de uma enorme exposição. A Dorsal Atlântica lançava seu
aguardado EP de estreia, Ultimatum. O selo musical Baratos Afins, de São
Paulo, lançava SP Metal 1, compilação das bandas paulistas pesadas: Vírus,
Avenger, Centúrias, Salário Mínimo e Cabeça Metal. O disco foi, de certo
modo, o equivalente brasileiro dos álbuns norte-americanos Metal
Massacre, que lançaram Metallica, Slayer, Overkill, Hellhammer,
Possessed e muitas outras bandas que influenciaram a cena brasileira.
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Seja por acidente ou desígnio, Max assumiu os vocais, mas sua habilidade
com a guitarra ainda deixava a desejar. Não conseguiriam sobreviver como
trio. O Sepultura precisava de um guitarrista solo.
Eis que surge Jairo Guedz, um músico local nascido em 25 de novembro de
1968, cujos talentos organizariam as inclinações um tanto díspares dentro
do Sepultura.
Quando Jairo conheceu Max, Igor e Paulo no bairro Savassi, na rua Rio
Grande do Norte, em frente ao Sabor & Arte, ele já sabia o que era o
Sepultura. Os garotos já estavam ficando conhecidos pelo nome e pelo
visual, mas não tanto pela música, que ainda era muito grosseira e sem
refinamento. Contudo Jairo foi atraído imediatamente pela vontade e
determinação deles, e percebeu que queria fazer parte daquela empolgante
nova cena.
Mesmo assim, havia uma qualidade indefinível que os destacava entre seus
pares. Os fãs percebiam isso. As outras bandas percebiam isso. O Sepultura
sabia disso, tanto que gradualmente começou a deixar de lado o feijão com
arroz visual, como a corpse paint, o couro e as tachas, para se diferenciar
ainda mais do resto das bandas. No Brasil, país tropical, fazia mesmo mais
sentido se apresentar sem o fardo físico decorrente de tais acessórios. E
com a decisão de cantar em inglês, talvez prova ainda maior de sua
“rebeldia” contra tudo o que fosse brasileiro, a banda homenageava seus
heróis musicais, criando ao mesmo tempo um nicho inteiramente seu.
E, ainda que não estivessem fazendo mais do que alguns shows em espaços
de poucas semanas (às vezes passando-se meses entre um show e outro), o
Sepultura já estava começando a galgar seu caminho para o topo da lista
das bandas underground. Mas, na época, dentro da cena, os membros do
Mutilator ou do Vulcano, ou mesmo do Sepultura, nunca perceberam
qualquer tipo de hierarquia. Eram simplesmente amigos ajudando amigos,
emprestando instrumentos e lugares para ficar uns aos outros, ajudando a
carregar equipamento e organizando shows em festivais em que todos
poderiam participar.
Tal como aconteceu com seu antecessor, Morbid Visions foi gravado
rapidamente, em apenas sete dias, e sua produção não foi muito melhor do
que a de Bestial Devastation. Mas é nisso que reside muito do charme do
disco. As primeiras prensagens começavam com uma extensa seção da
ópera Carmina Burana, de Carl Orff, mas foram recolhidas por questões de
direitos autorais. No entanto, o álbum não precisava desse trecho para
estabelecer o tom adequado; parecia mais apropriado simplesmente entrar
com tudo no primeiro riff da faixa-título do que empregar um clichê de
heavy metal frequentemente utilizado como prelúdio.
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Para Max, Igor, Paulo e Jairo, seu mundo estava subitamente se tornando
maior. Para Jairo, um destaque pessoal veio na forma de uma turnê pelo
interior de São Paulo – com o Dorsal Atlântica e o Vulcano – que
aproximou mais os membros da banda, tanto em questão de confiança
quanto de amizade.
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Com a experiência de palco, veio maior con ança. “Uma vez, ele
e seus amigos zeram um show no colégio”, conta Tuka Quinelli, “e
botaram fogo num pôster do Menudo. As freiras caram nervosas
naquele dia…”
Em 1985, a formação da primeira banda de verdade de Kisser
estava completa, com Julinho Cassettari nos vocais, Andreas na
guitarra, Fabio Bonatelli no baixo e Osvaldo Ferreira Júnior na
bateria. Chamada de Es nge devido à fascinação de Kisser por
história egípcia, a banda gravou uma ta demo e expandiu sua área
de atuação, apresentando-se em festas de amigos, barzinhos, lava-
rápidos e até em uma festa junina.
Inspirado por seus heróis de bandas estrangeiras, o Es nge logo
decidiu tentar cantar em inglês em vez de português, mudando seu
nome para Pestilence.
Conseguiu um pequeno, porém dedicado, grupo de fãs, até que
uma inocente jam mudaria tudo.
“Éramos muito unidos na cena underground”, explica Andreas.
“Escutávamos as mesmas bandas, e alguns tinham suas próprias
bandas. Entre São Paulo, Rio e Belo Horizonte havia um número
grande de bandas, e a cena era muito forte. Então, conhecíamos uns
aos outros muito bem, não só o Sepultura, mas todas as bandas. Era
um monte de gente. Você se sentia parte de uma família, uma
tribo.”
Pouco antes de o Sepultura anunciar a saída de Jairo, Andreas e
um amigo foram a Belo Horizonte, onde encontraram a banda pela
primeira vez. “Fomos ao ensaio do Sepultura”, conta ele, “e eu os
conheci e toquei com eles.”
Max tira o lugar do irmão. Rio de Janeiro, julho de 1987.
Andreas e João Gordo (Ratos de Porão) “se casam”. São Paulo, janeiro de 1988.
Max com sua primeira guitarra Rich Warlock. Belo Horizonte, 1988.
Outros pais da região acharam que Vânia estava louca, que era
uma má in uência, a an triã de um antro de drogas e álcool onde
todos os metaleiros se encontravam. Mas as drogas eram
estritamente proibidas na casa da família Cavalera. Os únicos vícios
permitidos eram refrigerantes e jogos de tabuleiro. E música, claro.
Anos mais tarde, bem depois de se tornarem mais populares do
que jamais poderiam ter sonhado, Igor elogiou a mãe, grato por sua
dedicação e apoio desde o início, atribuindo a ela importância
fundamental para seu sucesso.
Com a in uência de Kisser, o restante das letras de Schizophrenia
ajudaria a dar forma a um som mais re nado, mais técnico do que o
de Bestial Devastation e Morbid Visions. Apesar do ritmo alucinante e
das palhetadas da técnica tremolo picking ainda serem evidentes, já
não havia letras e imagens satânicas. Os ri s de guitarra eram mais
complexos, os solos, mais pensados, melódicos e preparados. Havia
até passagens de violão clássico, acústico, como em “The Abyss”, em
equilíbrio com a velocidade selvagem de faixas como “Septic
Schizo”.
De modo geral, era um perceptível distanciamento em relação ao
estilo black/death metal de antes, e um passo em direção ao som
mais enraizado no thrash metal social e politicamente consciente
pelo qual seriam conhecidos em breve.
O Sepultura voltou ao estúdio João Guimarães para tentar fazer
uma demo da primeira composição com Andreas, “From the Past
Comes the Storms”, já que essa seria também a primeira experiência
de Kisser em um estúdio de gravação. Em agosto, voltaram ao
estúdio para nalizar o álbum que levou um pouco mais de tempo
do que a gravação de Morbid Visions.
As letras das canções orbitavam entre temas como morte e
insanidade, apesar de a linguagem, à época, ainda deixar algo a
desejar. Como no caso de Bestial Devastation e Morbid Visions, na
verdade, as letras eram escritas em português e, então, vertidas para
o inglês.
“Quando escutei Iron Maiden pela primeira vez”, disse Andreas,
“não tinha ideia do que falavam. Via as imagens e achava aquilo
legal; a música era ótima, o som era ótimo, mas não sabia o que as
letras diziam. Só mais tarde fui descobrir quão idiotas eram as letras
do Kiss. Costumava adorar e cantar tudo aquilo, sem saber, mas
ainda os adoro apesar disso.” Re etindo em retrospecto sobre o
processo de verter suas letras para uma língua que os próprios
membros não entendiam, ele completou: “Quando você acha que
está dizendo algo mas está dizendo algo totalmente contrário, aí é
que mora o perigo”.
“Se você escutar”, disse Andreas, “não há sentido em nosso
inglês em Schizophrenia.É muito complicado fazer traduções do
português para o inglês sem alguém que realmente se importe com a
construção de frases e coisas do tipo. Ninguém consegue entender
nada.” No entanto, completou: “Isso é arte, cara. Para o Max
incorporar todas as letras dentro das canções… você tem que ser
bom para fazer esse tipo de coisa. Foi uma limitação que encaramos
e aproveitamos.”
“Claro que”, continuou, “depois de começar a fazer turnês e a
viver fora do Brasil, você melhora seu inglês; você precisa de menos
palavras para se fazer entender. O português é um caso diferente. É
uma língua mais rica. Tem mais palavras e mais situações, passado,
presente e futuro, do que o inglês. O inglês é muito mais compacto
no modo como você expressa as coisas. Pelo menos no inglês que
falamos, não na literatura pesada, claro. Mas o português é uma das
línguas mais difíceis de aprender. Assim como o russo, o chinês ou
outra do estilo.”
Deixando as letras um pouco de lado, o álbum mostra valores de
produção relativamente mais substanciais e aumento de primor
técnico em relação a Morbid Visions e, musicalmente, mostra a
banda progredindo em direção a um som mais orientado para o
thrash. Abrindo com o grito agudo de violinos, que lembram muito
o tema do lme Psicose, de Alfred Hitchcock, e seguindo para a
primeira faixa, com o urro invertido de Max – “schizophrenia!”, ele
grita –, o álbum mete o pé na porta violentamente com as
palhetadas velozes e a progressão de acordes em tom menor que
iniciam “From the Past Comes the Storms”.
O álbum segue sem perder o pique, passando pelo death metal
com um toque de musica clássica de “To the Wall”, pelo groove
headbang de “Escape to the Void” e “Inquisition Symphony”. Esta
última faixa é um feito impressionante do grupo, um épico
instrumental de sete minutos, com uma introdução acústica, longos
trechos destacando a guitarra solo (com passagens utilizando a
técnica hammer on que trazem à mente “Flash of the Blade”, do Iron
Maiden) e uma estrutura extremamente complexa. A in uência do
Metallica também é óbvia, podendo-se, sem exagero, considerá-la
uma “The Call of Ktulu” com esteroides e metanfetaminas.
“Screams Behind the Shadows” e “Septic Schizo” têm ambas um
pé rme no estilo de Morbid Visions, mas “The Abyss” é o primeiro
passo do álbum rumo à evolução. Um interlúdio de cerca de um
minuto, exemplar das habilidades eruditas de Andreas, “The Abyss”
mostra a avidez do Sepultura por evoluir e seu entendimento de
dinâmica. No contexto do álbum, a música é um momento de
tranquilidade em uma mente esquizofrênica e intensi ca o retorno
do sujeito à insanidade com a feroz “R.I.P. (Rest in Pain)”.
Toda essa jornada se encerra em pouco menos de quarenta
minutos, culminando com a incursão do ouvinte no espírito do
personagem da capa do álbum, incontáveis vozes psicóticas
vociferando dos alto-falantes e, então, subitamente silenciadas.
Foi um choque tão grande que Max parou o show para dizer que
lamentava todos os problemas e queria que pudessem fazer mais do
que apenas pedir desculpas. Nos Estados Unidos, Max Cavalera
chegaria a brigar com seguranças por agredirem fãs. Na Indonésia,
não soube o que fazer.
A parceria mais grandiosa daquele verão seria entre o Metallica e
o Guns n’ Roses, que se uniram para uma turnê por estádios norte-
americanos, com o Faith No More como convidado especial. Em 8
de agosto, durante a apresentação do Metallica em Montreal, James
Het eld errou uma marcação de palco em “Fade To Black” e pisou
no inferno quando um vulcão de fogo pirotécnico explodiu debaixo
de seus pés. Através do sistema de PA, conforme a música ia
sumindo, o público podia ouvir as cordas da guitarra de Het eld
estalando e rompendo com o calor.
Felizmente, James estava tocando uma nova guitarra com dois
braços, e o tamanho avantajado do instrumento – ainda que não o
tenha protegido completamente – pode ter salvado sua vida.
Sempre o bom soldado, James Het eld voltou ao palco menos de
três semanas depois, embora com um braço gravemente queimado e
incapaz de tocar guitarra. John Marshall, do Metal Church, o
substituiu, tal como tinha feito na turnê Master of Puppets, quando
James quebrou o braço andando de skate.
Entretanto, John Marshall quase não cou com a vaga nessa
segunda vez.
Pouco antes de retomar a turnê, o baixista Jason Newsted, do
Metallica, conversara com Phil Rind, do Sacred Reich, um velho
amigo dos tempos das casas de show em Phoenix, Arizona, quando
Newsted detonava pela cidade com a banda Flotsam and Jetsam.
Jason disse a Rind que o Metallica estava procurando um guitarrista
para substituir James após o acidente. Phil disse a Jason que
Andreas Kisser estava livre.
O Sepultura havia recentemente feito cinco shows no Brasil e
encontrava-se com um pequeno tempo livre antes de seu próximo
tour norte-americano, que começaria em outubro, abrindo para
Ozzy Osbourne e Alice In Chains. Assim, em meados de agosto, o
Metallica pagou a viagem para Andreas Kisser ir a Denver,
Colorado, fazer um teste para a vaga temporária.
Newsted e Kisser se conheceram brevemente alguns meses antes,
no MTV Video Music Awards, em Los Angeles, Califórnia. O
Metallica tinha feito uma apresentação naquela noite, e o clipe do
Sepultura “Orgasmatron” era um dos indicados – e foi vencedor – ao
Prêmio Escolha da Audiência Internacional de Melhor Vídeo
Brasileiro.
No Colorado, Andreas desembarcou do avião e encontrou uma
limusine à sua espera. Aquilo era muito mais intenso do que bater
papo com seus heróis de infância nos bastidores de uma cerimônia
de premiação. Ele estava prestes a tocar com eles.
Andreas no Japão.
Para Monika, a admissão vinha com um gosto de alívio. Ela
havia pensado que “talvez fosse bom para ele ter alguém, porque ele
sempre foi tipo… duas, três garotas ao mesmo tempo saindo do
quarto dele à noite. Era uma loucura. Para mim, era difícil, porque
eu estava com o Igor o tempo todo, ele dormia na minha casa ou eu
dormia na casa dele, e eu tinha que lidar com essa situação de ter
milhões de garotas em volta do Max o tempo todo. Então eu fui a
primeira a dizer para a Gloria: ‘Vai em frente’”.
TODO ESSE TEMPO PASSADO longe do solo nativo teria um impacto muito
profundo no som do próximo álbum. Eles haviam estabelecido uma
reputação como mais do que “apenas” uma banda de heavy metal
do Brasil. Eram agora “a” banda de heavy metal brasileira, e a
mudança sutil nas palavras fez uma enorme diferença. Para os fãs de
todo o mundo, o Sepultura havia alterado a imagem que tinham do
país sul-americano. Para muitos deles, na verdade, o Sepultura
representava a única imagem que tinham do Brasil.
Como resultado, Max, Paulo, Andreas e Igor sentiam um senso de
responsabilidade pela forma como representavam sua nação. Quanto
mais culturas e países conheciam, mais orgulho sentiam por serem
brasileiros – por todos os aspectos positivos e negativos implicados.
E apesar de serem expatriados, sentiam uma necessidade,
Andreas explicou mais tarde, de lembrar ao mundo que eram uma
banda brasileira.
Igor, já considerado por muitos de seus pares como um dos
melhores bateristas de metal, queria distanciar-se ainda mais,
concentrando-se em seus pontos fortes, permitindo que suas
tendências rítmicas brasileiras brilhassem; trazer para a banda
ritmos tribais que lhe eram extremamente naturais, já que crescera
ouvindo-os e tocando-os. Estavam sob sua pele.
Mais do que qualquer coisa, com esse novo álbum, o estilo de
Igor Cavalera na bateria viria a diferenciar o Sepultura dos outros
grupos de metal da época.
Contudo, as in uências presentes em Chaos A.D. eram numerosas
e diversi cadas, justamente porque haviam passado tanto tempo
fora do Brasil.
Para começar, eles procuraram um som mais encorpado e
re nado que favoreceu o groove em detrimento da velocidade.
Alguns dos puristas do thrash metal desaprovavam isso
veementemente, acusando-os de “vendidos”, preocupados que o
Sepultura estivesse indo na direção das bandas de Seattle que eram
populares na época. Embora Max insistisse que o grunge nunca fora
uma in uência, não teria havido vergonha alguma em admitir esse
crescimento. A nal, as bandas mais pesadas da era grunge – Alice In
Chains e Soundgarden entre elas – evocavam o Black Sabbath na sua
música tanto quanto o Sepultura, e ninguém discutia que o Sabbath
era o patriarca do panteão do metal.
Mas receber críticas tão duras, até mesmo de sua própria base de
fãs, não era novidade para a banda. Eles haviam sido acusados de se
vender depois de mudar seu estilo de black metal para uma mistura
visceral de death e thrash metal, com alguns “verdadeiros” fãs se
recusando a ouvir qualquer coisa posterior a Morbid Visions. Ainda
mais absurdo, alguns diriam até que a banda se vendeu depois que
aprendeu a a nar suas guitarras, ou ainda mais para trás, depois da
saída de Wagner.
Sílvio “BBK” Gomes e Paulo durante intervalo da gravação de Chaos A.D., o quinto álbum do
Sepultura.
E, MAIS UMA VEZ, a banda não teve tempo para se debruçar sobre mais
publicidade negativa devido à sua agenda frenética. Uma turnê
pelos Estados Unidos com Fear Factory, Clutch e Fudge Tunnel
como bandas de apoio estava prevista para começar apenas duas
semanas depois dos concertos do Hollywood Rock.
No começo de 1993, antes do início das sessões de gravação de
Chaos A.D., Max e Alex Newport – fundador e cérebro do Fudge
Tunnel – criaram o já citado Nailbomb como um projeto paralelo
em dupla, uma forma de matar um pouco do tempo de inatividade.
Em questão de semanas, conceberam um coquetel Molotov de metal
industrial intitulado Point Blank. O álbum trazia barulho e raiva
explícita na mesma medida, impulsionado tanto pelo gênio
tecnológico de Alex como pela fúria crua de Max. O álbum contava
com participações de Igor, Andreas e Dino Cazares, do Fear Factory.
Nem Max nem Newport consideravam o Nailbomb uma banda
“real” – ou tradicional –, de modo que, embora Point Blank tivesse
sido concluído antes de Chaos A.D., a Roadrunner decidiu engavetar
o álbum até março de 1994, para não entrar em con ito com o
lançamento do Sepultura. Eles queriam aproveitar a parceria com a
Epic/Sony tanto quanto pudessem, não deixando coisa alguma
desviar a atenção de Chaos A.D.
Entretanto, havia preocupações. Embora Chaos A.D. estivesse
vendendo bem, não era tão bem quanto esperado. A Epic havia
despejado um milhão de dólares para promoção, ajudando o álbum
a chegar ao 32o lugar na parada da Billboard americana e 11o no
Reino Unido, ganhando discos de ouro e prata na Europa, Brasil e
Indonésia.
Esses números não eram algo para desanimar e eram realmente
muito impressionantes para uma banda com o histórico do
Sepultura. Ainda assim, algo não estava certo. A nal, a Epic havia
prometido que Chaos A.D. superaria em muito o que alcançou de
fato, particularmente nos Estados Unidos, que era o mercado mais
cobiçado na época. Mas naquele país a veiculação nas rádios era
escassa, e, fora do programa Headbanger’s Ball, a seleção-padrão de
publicações como Metal Edge e aparições ocasionais em revistas de
guitarra, a promoção era praticamente inexistente. Onde estavam as
matérias de capa? Onde estava todo aquele apoio de “grande
gravadora”?
Durante uma entrevista à MTV Brasil, Igor revelou que os
artistas de hip-hop americanos com os quais o Sepultura zera
amizade os haviam alertado sobre o racismo. Enquanto os rappers
eram vítimas de preconceito por serem negros em uma indústria
musical predominantemente branca, eles acreditavam que os
membros do Sepultura seriam vítimas de preconceito semelhante
por serem brasileiros.
Igor e os rapazes não queriam acreditar naquilo, mas, conforme
o tempo passava, os sinais eram fortes demais para serem ignorados.
Durante entrevistas para revistas, a banda geralmente recebia a
promessa de ser o destaque, mas quase sempre encontrava alguma
outra banda na capa mais tarde – bandas norte-americanas.
Como se essa negligência não fosse su ciente para in amar os
ânimos da banda, começaram a perceber que Prong e Fight – as
outras duas bandas de metal que haviam assinado um contrato de
distribuição semelhante com a Epic/Sony – estavam por toda parte.
O balanço percussivo de “Snap Your Fingers, Snap Your Neck”, do
Prong, e a grudenta “Little Crazy”, do Fight, explodiram nas rádios
de rock em 1994. Ambas as canções passaram meses em alta. Logo,
tornou-se óbvio que o selo estava derramando todo o seu dinheiro
nas duas bandas americanas e deixando os brasileiros à própria
sorte.
A boa reputação do Sepultura em apresentações ao vivo os
precedia. Igor, mais tarde, suspeitaria que outras bandas temiam
fazer turnês com o Sepultura como bandas de abertura ou
convidados especiais, porque achavam que seriam enxotadas do
palco toda noite, assim como acontecera com o Sodom.
Mas havia ao menos uma que não tinha medo.
Pintados pela tribo xavantes.
A TURNÊ FAR BEYOND DRIVEN, do Pantera com o Sepultura como
convidado especial e abertura do Biohazard, teve início em junho de
1994.
Qualquer um, sortudo o su ciente para sair em turnê com o
Pantera durante o auge da banda, relembra esses tempos como um
ponto alto na carreira, a maior diversão que já teve na estrada. Com
o Sepultura não foi diferente. O guitarrista do Pantera, Darrell
“Dimebag” Abbott, era o típico instigador de um sem-número de
palhaçadas de bêbado, quase sempre armado com uma câmera em
uma mão e uma Black Tooth Grin (bebida forte, mistura de uísque e
Coca-Cola) na outra, insistindo para que todos à sua volta cassem
tão bêbados quanto ele sempre estava.
Dentre os destaques desses shows estava uma versão rouca e
cheia de energia de “Kaiowas”, na qual Max, Andreas e Paulo
trocavam seus instrumentos por baquetas depois do solo de Kisser.
Integrantes do Pantera e do Biohazard, assim como qualquer outro
músico à vista, por vezes se juntavam à banda para espancar
instrumentos de percussão espalhados pelo palco. Aquilo levava um
pouco do Brasil aonde quer que tocassem.
Inicialmente, pensaram que a canção jamais caria boa ao vivo.
Nem sequer cogitavam tocar desplugados em meio a outras canções.
Porém, depois de ver a banda Neurosis, de Oakland, deixar de lado
as guitarras e tentar algo similar, o Sepultura resolveu dar uma
chance ao método.
Acabou se tornando um dos momentos mais pesados do show.
As turnês de Chaos – a princípio com abertura do Biohazard e
mais tarde do Prong – foram repletas de momentos especiais, do
tipo que muitos músicos têm sorte de experimentar uma ou duas
vezes na carreira, quem dirá em um ano. Em 4 de junho, a menos de
uma semana do início da Copa do Mundo, o Sepultura
(tecnicamente encabeçando o show, graças a uma pesquisa com os
leitores da revista Kerrang!) se viu frente a um mar de camisetas
amarelas e bandeiras do Brasil durante uma apresentação
memorável no festival anual Monsters of Rock na Inglaterra. De
volta aos Estados Unidos um mês mais tarde, em Laguna Hills,
Califórnia, um Sepultura animado e bastante intoxicado invadiu o
palco do Pantera quando a seleção brasileira derrotou a Itália na
nal da Copa. A partida ocorrera a apenas uma hora de carro dali,
em Pasadena, e o Pantera gentilmente permitiu ao Sepultura tocar
por mais tempo naquela noite.
Dividir o palco era algo comum naquela turnê. Andreas tocava
com o Pantera em “Walk”, música contagiante que virou um clássico
instantâneo, assim como Paulo, quando os brasileiros foram
forçados a cancelar alguns shows depois de Max machucar o joelho.
Phil Anselmo, o vocalista pouco amigável do Pantera, costumava se
juntar ao Sepultura para uma versão de “Hear Nothing, See Nothing,
Say Nothing”, do Discharge. Empolgado em uma dessas jams, Max
soltou a guitarra e tentou despedaçá-la. Depois de alguns golpes sem
sucesso, Phil Anselmo pediu com um gesto para Max lhe passar o
instrumento e, com uma cacetada poderosa, arrebentou a guitarra.
Com um sorriso, passou os pedaços a Max, que os arremessou para
alguns fãs sortudos à frente da multidão.
No entanto, Max não tinha nenhum interesse particular em tocar
em grandes casas de show. Muitas vezes com assentos xos e forte
esquema de segurança, esses locais não inspiravam mosh pits,
mergulhos de cima do palco, e não atraíam o público mais extremo
e empolgado que a banda gostava como nas casas menores. Ele
preferia estar próximo aos fãs, cara a cara, sentindo o suor e o calor
emanando do público. A música do Sepultura, segundo Max,
impressionava muito mais nesse tipo de ambiente.
De barba verde (e calibrado), celebrando a vitória do Brasil na Copa do Mundo.
Quero que as pessoas saibam que o que sinto não é diferente do que elas sentem ao
ouvirem que nosso trabalho está sendo forçado a acabar; choro todos os dias, estou
magoado, triste, com raiva, completamente chocado. Sinto como se metade de mim tivesse
morrido.
Não foi decisão minha separar a banda, Gloria e eu fomos praticamente expulsos do
Sepultura. Tenho de ser honesto, o sentimento já não era o mesmo de quando começamos,
ou de quando tocamos pela primeira vez fora do Brasil, mas em vez disso estava mais
para um monte de lhos da puta “de fora” dizendo a todos o que fazer, como agir e essa
merda toda!!!
Fiquei enojado disso, não preciso dessa merda na minha vida. Quero ter prazer em
estar numa banda de novo, criar, tocar, rir, chorar, brigar, ir em busca daquele sonho
impossível; e quero todos esses sentimentos de volta…
Uma das coisas que mais me magoam é o fato de que a gente era uma tribo tão unida
numa época, e infelizmente as pessoas começam a mudar e a agir diferente, com inveja,
ganância etc.
Tudo que posso dizer, do fundo do coração: a gente era um time perfeito, nós quatro,
Gloria, os roadies, toda a organização e, como dizem no Brasil, “em time que está
ganhando, não se mexe”, e isso é uma puta verdade!!!
A gente poderia ter trocado membros da equipe por gente mais pro ssional, mas a
gente segurava as pontas uns dos outros; claro que a gente podia conseguir um baixista
melhor, ou um roadie superpro ssional, mas não é assim que eu acreditava que as coisas
deveriam ser, a gente permanece el aos membros da tribo e se ajuda!!! E então, do nada,
eles deram uma carta para a Gloria dizendo que ela não era mais empresária de Andreas,
Igor ou Paulo, sem uma porra de um motivo, simplesmente demitida pelos outros três
caras. Essa não é mais a tribo em que eu acredito.
Só quero que todos saibam: eu nunca desisti do Sepultura, eu nunca destruí o
Sepultura, e tentei tudo que podia para acertar o problema, mas já não tinha jeito, era
tarde demais e infelizmente as pessoas esquecem de onde vieram…
James Het eld (Metallica) e Andreas no backstage do Orion Fest. Junho de 2012.
“O Jean tinha planejado sair da banda já havia algum tempo”, ele disse.
“Um ano, um ano e meio antes de sair de fato. Ele ficou até o Rock In Rio
porque queria fazer esse show grande, e, claro, para nós era mais
conveniente ficar com ele, já que ele sabia todas as músicas. Então a gente
já sabia há mais ou menos um ano que ele ia sair.”
“Jean fez um ótimo trabalho com a gente”, disse Andreas. “Ótimos álbuns,
realmente especiais, principalmente Kairos. Ele está aqui em São Paulo,
construindo um estúdio.”
Porém havia turnês marcadas, mais shows para tocar. Kairos não tinha
sequer seis meses de lançamento, e o ciclo promocional apenas começara.
Já haviam tido essa experiência antes, com Igor, e sabiam que o melhor a
fazer seria pegar a estrada imediatamente, como fizeram com Dante xxi,
enquanto o álbum ainda era recente. Pensaram em chamar um baterista
temporário para terminar as turnês, citando nomes como o de Paul Bostaph,
exmembro do Hail! e do Slayer.
Mas o destino tinha seu próprio plano. O Sepultura passava por problemas
de som no Palco Sunset no Rock In Rio, e, enquanto isso, a banda brasileira
Glória iniciava seu set no Palco Mundo. Aquele show ficaria marcado
como o último que o baterista fenômeno Eloy Casagrande – de 20 anos –
faria com a banda à qual havia se juntado apenas seis meses antes.
Claro que os rapazes já tinham ouvido falar de Eloy – parecia que muitos
músicos da área já tinham ouvido falar dele também, incluindo Andreas.
“A gente sabia que ele era um prodígio na bateria desde muito jovem. Ele
apareceu na televisão, ele é de Santo André, que é a mesma região em que
Igor e Monika moravam. Os filhos de Igor estudavam na mesma escola em
que o Eloy estudou por um tempo. Mas ele veio depois que soube que a
gente estava procurando um baterista e não estava muito satisfeito com o
Glória, eu acho. Ele só estava fazendo seu trabalho. Então ele ficou mais do
que feliz de ter a chance de trabalhar com a gente.”
E tinha sido um trabalho difícil para Eloy com o Glória no Rock In Rio. O
estilo de metal da banda Glória era bem genérico, mais mainstream e
voltado para adolescentes e ratos de shopping rebeldes, comparado ao dos
titãs do Palco Mundo como Metallica e Motörhead ou até mesmo o
Slipknot (que era rejeitado com ódio pelos “verdadeiros” fãs de metal, mas
tinha suas raízes profundamente cravadas na cena death metal da Flórida).
O Glória foi recebido com vaias e arremessos de garrafa – assim como
ocorreu com Lobão quando se apresentou após o Sepultura em 1991. A
certa altura, lembra Eloy, uma garrafa de dois litros com algum líquido
estranho passou voando perto de sua cabeça enquanto tocava, e ele se
perguntou se sairiam do palco ilesos.
Estava tudo pronto, e a mudança foi feita antes mesmo que alguém fora do
círculo interno da banda soubesse que algo estava acontecendo. No mesmo
dia – na mesma nota para a imprensa, na verdade – em que o Sepultura
revelou a decisão de Jean de deixar a banda, apresentou ao mundo seu novo
baterista.
Image
Mas havia uma grande diferença entre Jean Dolabella e Eloy Casagrande,
como Andreas observou. “O Jean não é realmente um cara do metal. Ele
tem metal em suas influências, mas ele é mais… tipo um baterista de jazz.
Ele consegue tocar qualquer coisa. Ele é um ótimo músico, mas o Eloy é
mais metal. O Eloy é quase como um Igor mais jovem, um monstro que
tem muito sangue nos olhos.”
“Apesar do Jean ter feito um ótimo trabalho”, acrescentou, “você não sentia
isso, essa influência do metal. Ele não conhecia o Judas Priest, por
exemplo. Ele não teve essa formação com o metal que todo metaleiro teve.
Foi ótimo, mas assim ele não duraria muito nessa estrada mesmo. A gente
tem muita sorte de poder contar com músicos tão bons quando precisa.”
O batismo de fogo de Eloy veio rápido. Menos de duas semanas após ele
assumir a bateria publicamente, essa nova encarnação do Sepultura partiu
para a Europa para coencabeçar um mês de shows com o Exodus, na turnê
Thrashfest Classics. O tema da turnê levou cada banda no programa a tocar
apenas as músicas de seus álbuns mais thrash e “clássicos”, então o setlist
do Sepultura era composto de faixas de Beneath the Remains, Arise e
Chaos A.D. (embora este último não fosse necessariamente um disco thrash
propriamente dito).
Sua inclusão no programa da turnê Thrashfest Classics confundiu o
Sepultura a princípio, não porque eles não se encaixassem – pois era certo
que sim –, mas porque não fazia muito sentido para eles. Haviam acabado
de lançar Kairos, um álbum extremamente vital e forte, que pregava o
conceito de homenagear o passado sem revivê-lo. Fazer uma turnê de
Kairos, mas não tocar nada dele? Não fazia lá muito sentido.
Uma breve excursão pela América do Sul se seguiu e, depois, outra jornada
pela Europa (que começou com a reunião do Sepultura e Les Tambours du
Bronx, dessa vez no Rock In Rio Lisboa). Em junho, a banda voltou aos
Estados Unidos para participar do primeiro festival anual Orion Fest,
escolhida a dedo pela banda anfitriã, o Metallica.
Eloy deu vários workshops de bateria por todo o Brasil e se reuniu à sua
banda paralela, a cristã Iahweh, para alguns shows pontuais. Mesmo Paulo
ficou ocupado nesse período, gravando uma participação especial para a
banda Eminence, de Belo Horizonte (na qual Jairo Guedz também
costumava tocar baixo), e finalmente, completando o álbum de estreia de
sua outra banda, o Unabomber Files, com o vocalista do Chakal e
colaborador em Schizophrenia Vladimir Korg.
“É a primeira vez que toco com outro guitarrista depois de Max, depois de
muito tempo, e não é fácil juntar duas guitarras. Você tem que conhecer a
outra pessoa bem, e eu e Andrés Giménez não tocamos muito juntos, mas a
gente está fazendo um bom trabalho em pegar várias pessoas e fazer soar
como uma banda”, disse rindo. “A gente ensaiou um pouco, e ele é um
ótimo músico também, e todo mundo tá na mesma sintonia.”
Novamente, talvez por causa desse projeto ou pelas jam sessions frequentes
de Kisser com seu filho Yohan na guitarra em bares brasileiros, as pessoas
começaram a especular sobre sua possível entrada no Sepultura.
“Tem muita gente falando do meu filho Yohan. Falando, tipo, ‘meu, você
vai colocar ele no Sepultura?’. Cara… ele tem a vida dele”, comentou
Andreas, rindo de novo e balançando a cabeça. “Eu não quero fazer isso
com o moleque, colocar ele numa prisão. Ele é mais do que bem-vindo pra
tocar com a gente, claro, mas eu acho que seria muita coisa pra ele. Ele está
começando algo por conta própria e quer fazer a música dele e as coisas
dele.”
Com 30 anos de carreira, a banda estava, por assim dizer, voltando a suas
“raízes” [roots]. Alguns membros mudaram, o estúdio mudara (Richard
Kaplan vendeu Indigo Ranch, e Robinson montou seu próprio estúdio à
beira-mar em Venice, Califórnia), mas o espírito do Sepultura estava vivo e
ativo.
Para alívio de todos, o clima também havia mudado desde a última vez que
trabalharam juntos. Ross até mencionou que a atmosfera no estúdio estava
muito menos estressante dessa vez, muito mais positiva e mais propícia
para a criação de algo mágico. Foi-se o drama, foram-se as discussões.
Trabalhando com Robinson estava Steve Evetts, com quem o Sepultura não
trabalhava desde Roorback. Parecia uma reunião familiar, amigos
desgarrados, quase irmãos, que não se viam há anos, agora mais velhos,
mais sábios e gratos por manter essas relações pessoais.
Dessa vez, no entanto, Derrick perderia algumas das sessões por causa de
compromissos com o Maximum Hedrum, uma miniturnê confirmada
anteriormente. Então, em vez de esperar até que as canções estivessem
terminadas para gravar os vocais, Derrick cantou suas partes música a
música com Andreas provendo a guitarra rítmica.
A versão apresentada no livro alega que Gloria saiu do Sepultura por sua
livre e espontânea vontade e vinha planejando sair algum tempo antes do
final de 1996. O livro também traz acusações e ataques mais contundentes
de Cavalera a seus ex-companheiros de banda até então, com Paulo e
Monika sendo alvos da artilharia mais pesada, levando as pessoas a se
perguntarem – em se tratando de um homem que sempre expressara seu
desejo de uma “reunião” – o que exatamente ele esperava alcançar.
“Deixa eles fazerem as coisas deles, a gente vai fazer as nossas”, disse
Monika, resignada, mas claramente um pouco agitada. “Está tudo bem com
a gente, nós não nos importamos. Mas por que eles têm de atacar as
pessoas? Quantas vezes eu tive que parar meu carro porque [Gloria] estava
ao telefone falando sobre a reunião, como poderia ser bom e nós
poderíamos ganhar um monte de dinheiro, todos os discos, todos os itens de
merchandise, tudo isso. Ela disse que dividiria comigo a organização e
depois estaríamos juntas em turnê, ela foi muito legal. Mas nós temos
estado muito ocupados, e eu só quero que eles nos deixem em paz. Façam
suas coisas, deixa a gente fazer as nossas. A reunião não vai acontecer
porque não é para acontecer. Isso foi o que eu disse pra Gloria na primeira
vez que falei com ela ao telefone.”
Ela continua: “Mas com toda essa situação, eu nunca falei nada sobre
ninguém. Mas aí ele [Max] resolveu me atacar sem motivo…”.
E Monika tinha garantido não apenas uma, mas duas noites para a banda no
Rock In Rio em setembro.
“O nome é algo pelo que eu tenho muito orgulho e muito respeito”, disse
Derrick. “Ao longo dos anos, o Sepultura sempre teve isso. De verdade,
porque é sempre uma luta com a banda. Se tem algo essencial na banda é
que, desde o início até onde ela está agora, tem sido uma batalha constante,
e nada nunca foi realmente fácil devido às mais variadas circunstâncias. Só
o fato de ser de um país do Terceiro Mundo, das diferentes pessoas
mudando no grupo, empresários diferentes, mudanças entre gravadoras…
só a tensão toda envolvida em lidar com o aspecto de negócio da coisa.
Mas eu sinto que sempre fomos capazes de manter a cabeça erguida com o
nome Sepultura. É algo em que a gente realmente acredita e respeita.”
Embora Derrick não estivesse presente na criação do nome, ele com certeza
teve um papel fundamental em defini-lo.
“Se a gente não tivesse paixão pela coisa, a gente não estaria aqui. Nós não
somos escravos de nós mesmos”, disse ele, reiterando um lema importante,
que define suas crenças pessoais. “Nós não somos escravos do nome
Sepultura. A gente recria esse nome a cada dia, e é por isso que a gente ama
o que faz, o resto é consequência. Estar no palco é a melhor parte, mas uma
consequência disso são as viagens – aviões, ônibus, neve e um monte de
merda só para chegar lá. Como a gente ama o que faz, acaba aceitando as
consequências.”
“A gente realmente sente que o interesse pelo Sepultura está mais forte do
que nunca…” – Andreas Kisser
O Congresso dos Estados Unidos tinha uma tarefa nessa época: aprovar o
orçamento dos gastos governamentais. Dada a confusão da política
bipartidária, com republicanos e democratas recusando-se a entrar em
acordo sobre a controversa política de saúde pública do presidente, e com
um Congresso incapaz de chegar a uma decisão dentro do prazo, no dia 1o
de outubro a maioria das operações do governo foi paralisada.
E aqui continuará.
12 de novembro de 2015
ARQUIVO PESSOAL DA BANDA: 20-21, 50, 91, 92-93, 94, 108, 110, 111,
114-115, 119, 121, 124, 126, 130, 131, 132, 136, 139, 145,
147, 149, 152, 154, 155, 156, 176, 178, 184-185, 196, 197,
203, 238-239, 262-263, 271, 272, 275, 276, 301, 304
CORTESIA DE TUKA QUINELLI: 38, 44, 46, 48, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 62-
63, 70, 73, 77, 95, 99
JASON KOROLENKO: 286
1 Moshing é um estilo de dança que surgiu na cena hardcore dos anos 1990, que consiste
basicamente em um grupo de pessoas em uma roda jogando-se umas contra as outras.
[N. T.]
1Corpse paint é um estilo de maquiagem branca e preta usada
principalmente por bandas de black metal em shows ou sessões de fotos
para lhes conferir aparência inumana, cadavérica ou demoníaca. [N. T.]
1 A&R é a divisão de prospecção e acompanhamento de novos talentos de uma gravadora.
[N. T.]
1 Hoje, o Bar Veloso se chama Garota de Ipanema, em homenagem à canção. [N. T.]
2 Algumas Turnês Deveriam Mesmo Ficar no Underground. O slogan faz um trocadilho com
os dois sentidos de underground: o sentido literal “sob o solo”, talvez insinuando que a
turnê seja perigosa e furiosa demais e que seria melhor que casse escondida, longe da
sociedade, no subterrâneo; e o sentido gurado, empregado para adjetivar algo,
geralmente uma forma de expressão artística fora do, ou mesmo avesso ao, mainstream,
ou seja, fora da cultura popular e da cultura midiática (e, por consequência, fora da
grande indústria cultural, seja por princípio ou como consequência de posições ou
escolhas estéticas adotadas).
1 Mosh pit (ou roda punk, no Brasil) é uma dança típica de gêneros musicais como punk
rock ou heavy metal. Nesta dança, os participantes movimentam-se de forma agressiva
e brusca, colidindo entre si dentro de um espaço delimitado.
1 IR8: em inglês, lê-se irate, que signi ca irado. [N. T.]
2 Um jogo entre “big” (grande) e “bigger” (maior). [N. T.]
3 Wah-wah é o nome de um pedal de guitarra e do som peculiar que emite. [N. T.]
1 Um trocadilho com o nome da banda, Hatebreed, que pode ser traduzido como cria do
ódio, com Hatebread, pão do ódio. [N. T.]
1 Cockney designa um habitante da região East End de Londres, ou quali ca algo
correlato. [N. T.]