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ANIMAIS PEÇONHENTOS
Flávia Cappuccio de Resende
(Coord.)
ISBN: 978-65-00-81623-5
Aranhas são animais que fascinam e podem causar pânico em muitas pessoas. Há uma grande
diversidade de espécies, com cores e formatos distintos, e as variadas estratégias que utilizam para
capturar suas presas são, também, fascinantes. No mundo, há mais de 51 mil espécies de aranhas,
sendo encontradas em quase todo o planeta, com exceção da Antártida e do Ártico. Habitam
ambientes aquáticos e a maioria dos ecossistemas terrestres, onde estão entre os principais
predadores, tendo um importante papel ecológico no controle de suas principais presas: os insetos.
Dentre todas as espécies do mundo descritas, apenas cerca de 60 são consideradas perigosas, por
poderem provocar graves envenenamentos em seres humanos. No Brasil, são notificados todos os
anos, aproximadamente 30 mil acidentes por picadas de aranhas.
Os escorpiões também são seres fascinantes que causam medo em muitas pessoas. Eles existem há
centenas de milhões de anos, correspondendo a um grupo menos diverso que o das aranhas, com
quase 3 mil espécies descritas no mundo. Dessas, cerca de 50 possuem veneno forte o suficiente para
matar uma pessoa. No Brasil, são notificados todos os anos aproximadamente 150 mil acidentes por
picadas de escorpiões. Da mesma forma que as aranhas, os escorpiões habitam quase todos os
ecossistemas terrestres, com exceção de regiões extremamente frias. Normalmente se alimentam de
insetos, mas sua dieta pode ser extremamente variável, o que pode explicar sua sobrevivência em
locais inóspitos. Quando as presas são escassas, os escorpiões possuem a incrível capacidade de
diminuir seu metabolismo, passando meses sem alimento.
Este livro apresenta ao leitor as características exclusivas das aranhas e dos escorpiões, além de
informações sobre morfologia externa e história natural, como alimentação, biologia reprodutiva e
comportamentos de defesa. São apresentados, para cada espécie ou gênero de importância médica do
Brasil, distribuição geográfica, habitats, hábitos de vida e sintomas em caso de envenenamento. Tudo
isso em linguagem simples e com belas fotografias!
Boa leitura!
Ficha técnica
Textos
Flávia Cappuccio de Resende
Giselle Agostini Cotta
Luana Silveira da Rocha Nowicki Varela
Mayara Drumond Faustino Magalhães
Thiago Geraldo Nogueira Soares
Capa
Escorpião amarelo - Tityus serrulatus
Foto: Pedro Henrique Martins
DIAGRAMAÇÃO e arte
Flávia Cappuccio de Resende
REVISÃO Científica
Adalberto José dos Santos
REVISÃO de redação
Ana Paula Fidelis Brum
Nayane Breder
FOTOGRAFIAS
rEALIZAÇÃO
Fundação Ezequiel Dias
FINANCIAMENTO
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
ÍNDICE
Aranhas .................................................................................................................................................... 5
Quem são?......................................................................................................................................... 5
Morfologia........................................................................................................................................ 8
História natural ............................................................................................................................. 11
Diversidade e taxonomia............................................................................................................ 14
Aranhas de importância médica ............................................................................................. 16
Loxosceles spp. ........................................................................................................................ 16
Phoneutria spp. ...................................................................................................................... 18
Latrodectus spp. ..................................................................................................................... 20
O tráfico de caranguejeiras e suas implicações .................................................................. 22
Escorpiões ............................................................................................................................................... 23
Quem são?....................................................................................................................................... 23
Morfologia ..................................................................................................................................... 25
História Natural ........................................................................................................................... 27
Diversidade .................................................................................................................................... 29
Escorpiões de importância médica ........................................................................................ 30
Tityus serrulatus .................................................................................................................... 30
Tityus bahiensis ..................................................................................................................... 32
Tityus stigmurus .................................................................................................................... 34
Tityus obscurus ...................................................................................................................... 36
Referências ............................................................................................................................................ 38
ANIMAIS PEÇONHENTOS
Gilberto Guimarães
Animais peçonhentos são aqueles que possuem
glândulas de veneno e estruturas que permitem a
injeção da peçonha, como dentes ou ferrões.
Nesses animais, de um modo geral, a secreção
tóxica é utilizada prioritariamente para A
alimentação, sendo utilizada secundariamente
para defesa. Como exemplo de animais
peçonhentos, podemos citar as aranhas, os
escorpiões e algumas espécies de serpentes.
Já os animais venenosos produzem veneno, mas
não possuem um aparelho inoculador. Os
organismos venenosos, na maioria das vezes,
utilizam suas toxinas apenas para defesa. As
Alberto Rech
Gustavo Cotta
e 7% com abelhas. Em inúmeros países tropicais,
os envenenamentos continuam sendo um
importante problema de saúde pública. Nos
últimos anos, 36% das mortes ocorreram com
acidentados por escorpiões, 32% por serpentes, C
19% por abelhas e 7% por aranhas. A mortalidade
é resultante da toxicidade do veneno, associada à
quantidade de veneno inoculado e ao
Mario Sacramento
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ARANhas
Quem são?
Aranhas são aracnídeos que pertencem ao grupo As aranhas compõem um grupo único (ordem
dos artrópodes. Os animais deste grupo Araneae), uma vez que compartilham três
compartilham algumas características em características exclusivas: a presença de
comum, como a presença de um esqueleto glândulas de seda abdominais, de glândulas de
externo (exoesqueleto) e de pernas articuladas. veneno conectadas às quelíceras e de pedipalpos
O exoesqueleto é rígido e, portanto, para modificados para cópula nos machos (figura 5).
crescerem, precisam realizar ecdises (mudas)
(figura 2).
Os artrópodes são o grupo com maior número
Leo Noronha
de espécies e biomassa do planeta. Dentre eles,
há o subgrupo dos insetos (ex. besouros e
borboletas), dos crustáceos (ex. camarões,
lagostas e caranguejos), dos miriápodes (ex.
centopeias) e dos quelicerados. As aranhas estão Figura 3 - Quelíceras da aranha-armadeira - Phoneutria nigriventer.
incluídas no subgrupo dos quelicerados, animais
que possuem quelíceras: “pinças” preensoras que A
auxiliam na alimentação (figura 3). Nas aranhas,
cada quelícera possui uma presa, responsável
pela inoculação de veneno. O corpo é dividido
em duas regiões: cefalotórax (prossoma) e
abdômen (opistossoma). Possuem quatro pares
de pernas e um par de pedipalpos, que são
estruturas semelhantes a pernas.
Dentre os quelicerados viventes, temos o grupo
dos aracnídeos, composto por escorpiões,
aranhas, opiliões, ácaros, carrapatos (figura 4) e B C
outros grupos menos conhecidos. Figura 4 - Diferentes grupos de aracnídeos. A: Ácaro;
B: Carrapato; C: Opilião. Imagens: Canva.
Leo Noronha
Leo Noronha
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ARANhas
Quem são?
Canva
desperdiçada, podendo ser ingerida antes ou
durante a produção de uma nova teia.
Apesar de as aranhas serem geralmente
representadas e reconhecidas por construírem B
uma teia aérea, arredondada e simétrica (teia
orbicular) (figura 7), apenas a metade das
espécies tece teias desse tipo para a captura de
presas. As teias podem ser irregulares (figura
8A), em formato de funil (figura 8B),
Canva
semelhantes a lençois (figura 8C), dentre outras.
O formato das teias varia entre as diferentes
famílias. As aranhas-do-fio-de-ouro
(Trichonephila clavipes, Nephilidae) constroem C
teias orbiculares e as aranhas-treme-treme
(Pholcidae) constroem teias tridimensionais
(figura 8D). Ambas utilizadas para captura de
presas.
Canva
D
Canva
O corpo de uma aranha é dividido em duas partes: o Aranhas possuem quatro pares de pernas conectadas
cefalotórax e o abdômen. Essas regiões são ao cefalotórax. Cada perna é composta por sete
conectadas por uma estrutura estreita e tubular, segmentos: coxa, trocanter, fêmur, patela, tíbia,
chamada pedicelo. O pedicelo proporciona metatarso e tarso. Nas extremidade do tarso, último
flexibilidade e movimento entre as duas regiões do segmento da perna, as aranhas possuem duas ou três
corpo. O cefalotórax é formado pela fusão da cabeça garras (figura 11). A presença de duas garras tarsais está
e do tórax e é coberto por duas placas: a carapaça associada, usualmente, a tufos de cerdas especializadas
dorsal e o esterno ventral. Essas placas rígidas que ajudam o animal a se aderir em superfícies lisas e
protegem órgãos importantes, como o cérebro e as verticais, comuns em aranhas errantes. A presença de
glândulas de veneno. No cefalotórax também estão três garras tarsais é característica de aranhas
dispostos os olhos, que variam em número e tamanho construtoras de teias. A garra mediana em cada perna
(figuras 9 e 10). Apesar de usualmente possuírem oito é usada para se segurar aos fios de seda. Desse modo, as
olhos, a maioria das aranhas não possui boa visão. No aranhas ficam suspensas em suas teias. A maioria das
entanto, são extremamente sensíveis às vibrações do estruturas sensoriais, como as cerdas (figura 12), estão
ambiente. localizadas nas pernas.
Mayara Magalhães
Pedro Tunes
Mayara Magalhães
Figura 10 - Microscopia eletrônica de varredura dos Figura 12 - Cerdas sensoriais da perna da aranha-
olhos da aranha-mármore - Xenoctenus marmoratus. mármore - Xenoctenus marmoratus. Escala: 100 µm.
Escala: 500 µm. 8
Morfologia externa
Vista dorsal
Carapaça
Olhos
Cefalotórax
Abdômen
Pedipalpo
Vista ventral
Esterno
Quelícera
Endito
Lábio
Epígino
Fiandeira
Mayara Magalhães
o metatarso está ausente. Os palpos não possuem
função locomotora, eles são utilizados
principalmente como estruturas táteis na
percepção do substrato, no contato com outros
indivíduos da mesma espécie e na detecção e
manipulação de presas. O palpo dos machos possui Figura 15 - Microscopia eletrônica de varredura evidenciando
uma notável e importante modificação para cópula: a presa da aranha-mármore - Xenoctenus marmoratus.
a presença de um bulbo copulador, utilizado para O abdômen, em geral, não possui placas rígidas
armazenamento e transferência espermática. e, por isso, é muito mais macio que o
As quelíceras, também localizadas no cefalotórax cefalotórax. O abdômen abriga órgãos como os
(figura 14), são estruturas utilizadas para captura de pulmões, o coração e o intestino das aranhas.
presas e defesa contra predadores. Cada quelícera Os órgãos reprodutivos também se localizam
possui uma presa (figura 15) conectada à glândula nessa região. Por não possuir placas rígidas, o
de veneno, que se abre externamente por um abdômen é capaz de se distender para
pequeno orifício circular, semelhante a uma agulha, acomodar uma maior quantidade de alimento
por onde o veneno é ejetado. As quelíceras também ou, no caso das fêmeas, abrigar os ovos durante
desempenham outras funções, que podem variar a fase reprodutiva. Além disso, em sua porção
entre espécies, como cavar, transportar presas e posterior, estão localizadas as glândulas de
carregar os sacos de ovos. seda, que se comunicam externamente pelas
fúsulas, localizadas no ápice das fiandeiras
(figura 16). Originalmente, as primeiras
aranhas possuíam quatro pares de fiandeiras.
Porém, atualmente, somente as aranhas do
grupo Mesothelae ainda possuem o quarto par.
A maioria das aranhas viventes possui somente
três pares de fiandeiras e podem produzir até
Mayara Magalhães
Diego J. Santana
Diego José Santana
podem se alimentar de outros artrópodes e até
predar outras espécies de aranhas. Espécies de
grande tamanho corporal podem se alimentar de
pequenos vertebrados, como peixes, anfíbios
anuros (figura 18), lagartixas, pássaros e roedores.
Em alguns casos, as aranhas podem suplementar
suas dietas com néctar.
As principais estratégias de alimentação
envolvem a captura de presas utilizando teias Figura 18 - Aranha-armadeira - Phoneutria nigriventer
(orbiculares, em funil, irregulares, predando Dendropsophus elegans, uma espécie de
tridimensionais etc.). A seda é utilizada como anfíbio anuro.
11
ARANHAS
História Natural
Algumas aranhas errantes (caçadoras ativas), Nas aranhas, a digestão das presas inicia-se fora
como espécies da família Ctenidae, caçam suas do corpo do animal, quando enzimas digestivas
presas utilizando complexos sistemas sensoriais, são liberadas sobre os tecidos rasgados das
como as tricobótrias e cerdas quimiossensoriais. presas. O fluido parcialmente digerido é então
Elas localizam as presas por estímulos, como sugado pelo animal.
contato, vibrações do substrato ou do ar. Por As aranhas, seus ovos e filhotes fazem parte da
outro lado, as aranhas-saltadoras (Salticidae) dieta de diversos invertebrados, como insetos
(figura 19A) localizam suas presas por meio da (formigas, moscas, besouros, grilos, louva-a-deus),
visão. As espécies caçadoras ativas não utilizam a centopeias, lagartixas, escorpiões e até outras
teia para capturar as presas, mas podem utilizá- espécies de aranhas (figura 20A). Além disso, são
la para envolver e imobilizar a presa após a predadas por uma variedade de animais
captura. Há também espécies que utilizam da vertebrados, incluindo alguns peixes, anfíbios,
tocaia para se alimentarem, como as aranhas-de- répteis, aves (figura 20B) e mamíferos. Aranhas
alçapão, Actinopodidae (figura 19B), que ficam à também podem ser atacadas por insetos
espreita das presas em suas tocas camufladas no parasitóides (vespas, por exemplo), vermes e
solo, capturando-as quando elas se aproximam fungos. A grande diversidade de hábitos de vida e
da entrada do abrigo. Essa estratégia de caça tamanho corporal das aranhas resultou em uma
também é conhecida como “senta-e-espera”. grande variedade de inimigos naturais.
Além disso, também existem estratégias de caça
únicas e peculiares associadas a diferentes
grupos de aranhas. Como exemplos, temos as
aranhas-cuspideiras (Scytodidae), que expelem
pelas quelíceras uma substância pegajosa, como
uma cola, para capturar suas presas. As aranhas-
pescadoras (Pisauridae) que capturam suas
presas debaixo d’água, e as aranhas
cleptoparasitas, como as da subfamília
Argyrodinae (Theridiidae) que se aproveitam da
teia construída por outras aranhas e roubam as A
presas capturadas e já imobilizadas.
A B
B
Figura 20: Eventos de predação de aranhas.
Imagens: Canva.
Figura 19: A: Aranha da família Salticidae. B: Aranha da 12
família Actinopodidae em sua toca no solo.
Imagens: Canva.
ARANHAS
História Natural
xxxxxx
envolve comportamentos de corte complexos.
Antes da cópula, os machos depositam o sêmen em
uma estrutura feita de seda, chamada de teia
espermática. O sêmen é então sugado pelo êmbolo,
estrutura presente no bulbo dos palpos dos Figura 21 - Aranha-armadeira - Phoneutria nigriventer
machos. Os espermatozoides ficam armazenados protegendo sua ooteca.
nos palpos até o momento da cópula, quando são
transferidos para a genitália das fêmeas. Machos de
algumas espécies podem morrer logo após o
Roberto Murta
riqueza de espécies. Atualmente, existem mais
de 51 mil espécies de aranhas descritas,
distribuídas em mais de 4 mil gêneros e 135
famílias. Entretanto, o número de espécies
conhecidas é muito inferior às estimativas de
riqueza do grupo.
Figura 25: Exemplar da subordem Opisthothelae.
A ordem Araneae é dividida em duas subordens: Infraordem Araneomorphae. Família Pisauridae.
Mesothelae, aranhas que possuem o abdômen Observe o abdômen sem placas.
Danielle Carneiro
Simon Regler
Nas Mesothelae e nas Mygalomorphae, as presas tato com a pele e mucosa, causam coceira e
das quelíceras se estendem paralelamente ao irritação, sendo um importante modo de defesa
eixo do corpo do animal. São chamadas de para o grupo. As aranhas-caranguejeiras
quelíceras paraxiais (figura 27A) e se movem de possuem a maior longevidade entre as aranhas,
cima para baixo. As Araneomorphae possuem podendo viver de 20 a 30 anos. As fêmeas são
quelíceras diaxiais e suas presas se movem em sedentárias e geralmente ficam entocadas em
direção ao eixo central do corpo, sentido buracos no chão, barrancos ou árvores. Machos
externo-interno (figura 27B). podem ser encontrados caminhando sobre o
A B solo, principalmente na estação chuvosa, quando
estão em busca de fêmeas para o acasalamento.
Diferente da maioria das aranhas, as aranhas-
caranguejeiras possuem baixa capacidade de
Leo Noronha
Aranha-marrom ou aranha-violino
Família Sicariidae
Gênero Loxosceles
Leo Noronha
17
ARANHAS de importância médica
Aranha-armadeira / Aranha-da-bananeira
Família Ctenidae
Gênero Phoneutria
A B
A
Pedro Henrique Martins
Alberto Rech
Figura 30: A - Phoneutria pertyi; B: Phoneutria eickstedtae.
Leo Noronha
18
ARANHAS de importância médica
19
ARANHAS de importância médica
Aranhas-Viúvas
Família Theridiidae
Gênero Latrodectus
Leo Noronha
21
ARANHAS
O tráfico de aranhas-caranguejeiras e suas implicações
Leo Noronha
Siluriano (450 milhões de anos atrás). Acredita-
se que os escorpiões tenham evoluído de
ancestrais aquáticos e teriam invadido o
ambiente terrestre durante o período
Carbonífero, cerca de 350 milhões de anos atrás.
Figura 35 - A: Télson (seta). B: Pedipalpo que se assemelha à
Atualmente, são conhecidas mais de 2.700 pinça. Escorpião-amarelo - Tityus serrulatus.
espécies, todas predadoras terrestres.
Os escorpiões são facilmente identificados por
seu distinto aparato de injeção de veneno,
chamado télson, e pelos pedipalpos que se
Cladistics
chamadas de pentes, que possuem função
sensorial. Todos possuem glândulas de veneno
associadas ao télson. No entanto, a maior parte
das espécies possui venenos pouco tóxicos aos
seres humanos, sendo eficientes predadores de
invertebrados. Menos de 50 espécies podem
causar envenenamentos graves e mortes em seres
humanos.
Figura 36 - Typhlochactas mitchelli. Barra 1 mm.
Quase todas as espécies atuais são solitárias e
noturnas e muitas vivem em tocas. Possuem
ampla variação de tamanho, desde espécies com
menos de um centímetro, como Typhlochactas
mitchelli do México (figura 36), até o enorme
Pandinus imperator (figura 37) da África central,
que mede mais de 20 centímetros.
Leo Noronha
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Figura 34 - Escorpião-amarelo - Tityus serrulatus.
Escorpiões
Quem são?
Os escorpiões ocorrem em quase todos os De um modo geral, a maior parte das quase 3 mil
ecossistemas terrestres, com exceção de regiões espécies descritas de escorpiões ocorre em baixas
extremamente frias, como a Antártida (figura 38). densidades populacionais em ambientes naturais e
Podem ser encontrados em pastagens, cerrados, não estão adaptadas a viver em ambientes
savanas, florestas tropicais e temperadas, desertos urbanos. Essas espécies produzem ninhadas
e até mesmo em elevadas altitudes, como no únicas, não estocam espermatozoides, possuem
Himalaia e nos Andes. Há espécies que habitam expectativa de vida longa e baixa mobilidade,
cavernas e outras que vivem a beira-mar. A sendo altamente endêmicas. Por outro lado,
sobrevivência do grupo em diversos ambientes algumas espécies de escorpiões são oportunistas,
está associada a adaptações morfológicas ao sendo a maioria delas da família Buthidae. Elas
substrato onde vivem. Espécies que vivem em possuem alta plasticidade ecológica, ou seja, se
tocas no solo duro possuem palpos, pernas e adaptam com as condições do ambiente. Essas
corpos curtos e robustos. Elas utilizam os palpos espécies são capazes de viver em ambientes
para imobilizar as presas e o télson é reduzido. urbanos e estão entre as espécies mais conhecidas
Espécies que vivem em fendas de rochas possuem pela população. Podem produzir várias ninhadas a
adaptações para viverem em locais confinados. partir de uma única inseminação e possuem
Seus corpos são achatados dorso-ventralmente e mecanismos de armazenamento de
possuem modificações nas garras das pernas, que espermatozoides. Além disso, possuem
permitem que esses animais tenham uma boa desenvolvimento embrionário curto, expectativa
adesão às rochas. Também possuem olhos laterais de vida curta, altas densidades populacionais,
muito grandes, que auxiliam na detecção de luz. rápida mobilidade e são amplamente distribuídas.
Espécies que vivem na areia possuem garras
adaptadas para facilitar a locomoção nesse
ambiente, sendo capazes de andar na areia sem se
afundar e de se enterrar nela, quando necessário.
Mapa baseado na publicação
de Lorenço, 2013.
Toxinology
Os palpos semelhantes a pinças (Figura 35B) são O dimorfismo sexual pode se manifestar nos
uma das características mais distintas de um escorpiões de várias formas, como no tamanho do
escorpião. Eles são usados para capturar presas, corpo e no formato de algumas estruturas. No
cavar tocas, se defender e, nos machos, para escorpião-marrom (Tityus bahiensis), os machos
segurar a fêmea durante o acasalamento. Os possuem palpos mais robustos (figura 39).
palpos também possuem função sensorial, uma
Fêmea Macho
vez que são os únicos apêndices que possuem
tricobótrias, pelos sensoriais especiais, que são
longos e finos. As pernas dos escorpiões são
utilizadas para locomoção e para cavar. Possuem
estruturas sensoriais menos especializadas, e as
Leo Noronha
Vista dorsal
Pedipalpo
Prossoma
Mesossoma
Quelíceras
Metassoma
Olhos laterais
Télson
Olhos medianos
Vista ventral
Esterno
Opérculo genital
Pente
Carenas Espiráculos
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Figura 40 - Morfologia externa do escorpião-amarelo - Tityus serrulatus. Fotos: Leo Noronha.
Escorpiões
História Natural
Os escorpiões são fluorescentes sob luz Há dois tipos de estratégias para a localização
ultravioleta (figura 41). Isso ocorre devido à das presas. Os escorpiões podem ser predadores
presença de substâncias orgânicas, como a “senta-e-espera”, permanecendo imóveis
cumarina, no exoesqueleto do animal. A aguardando a presa passar; ou podem buscar
fluorescência não ocorre em juvenis ou animais pelo alimento de forma ativa. A localização das
que acabaram de realizar a muda do presas ocorre principalmente por meio de
exoesqueleto. Algumas teorias foram propostas estruturas sensoriais, como as cerdas (pelos)
para explicar a função da fluorescência. Uma localizados no corpo e nos apêndices, e por meio
delas diz que o fenômeno é importante para o dos pentes. Os escorpiões com palpos robustos
reconhecimento entre indivíduos da mesma raramente picam. Eles costumam utilizar os
espécie; outra sugere que os compostos palpos para imobilizar e triturar as presas. No
fluorescentes agiram como protetor solar nos entanto, espécies com palpos finos picam as
escorpiões ancestrais. presas e as imobilizam pela ação do veneno.
As quelíceras possuem a função de triturar o
alimento em pequenos pedaços. Fluidos
digestivos são expelidos no alimento triturado e
Fábio Patrício
Alimentação
A maioria das espécies são generalistas,
alimentando-se de uma grande variedade de
insetos, como larvas de borboletas, besouros,
baratas, cupins e formigas (figura 42). Também
predam outros invertebrados, como aracnídeos,
centopeias, moluscos, vermes anelídeos e
crustáceos. Vertebrados, como serpentes,
lagartos e roedores, podem estar na dieta de
algumas espécies.
27
Escorpiões
História Natural
Reprodução
O processo de acasalamento nos escorpiões é
Michiel Cozijn
complexo e evoluiu de modo que a fêmea
reconheça o macho como um parceiro potencial,
sendo estimulada a se tornar receptiva. A corte
pode se iniciar a partir de feromônios liberados
pela fêmea, o que pode ser particularmente
Figura 44 - Corte na espécie de escorpião
importante para espécies que ocorrem em baixas Babycurus gigas.
densidades populacionais. Após o encontro, os
machos realizam movimentos de trepidação do
corpo para estimular as fêmeas.
Michiel Cozijn
Quando o macho encontra um substrato
adequado, ele deposita o espermatóforo (figura
43) e, com os palpos, conduz a fêmea até ele.
Nesse momento, o macho também pode utilizar
as quelíceras para massagear a fêmea,
Figura 45 - Fêmea do escorpião-preto - Tityus obscurus -
diminuindo sua agressividade. O espermatóforo com seus filhotes.
penetra na abertura genital da fêmea, liberando
os espermatozoides. Após esse processo, o Após o nascimento, a prole permanece no dorso
macho foge, evitando ser devorado. Em algumas da mãe até a realização da primeira ecdise
espécies de escorpiões, as fêmeas possuem (figura 45). Durante esse período, eles não se
mecanismos de armazenamento de alimentam e a nutrição ocorre a partir da
espermatozoides, resultando em múltiplas absorção de nutrientes de reserva. Os juvenis
ninhadas a partir de uma única inseminação. realizam uma média de seis mudas até atingirem
a maturidade sexual, o que pode demorar de seis
meses a mais de seis anos. A longevidade da
maior parte dos escorpiões varia de dois a cinco
anos, sendo que algumas espécies podem viver
Michiel Cozijn
até 25 anos.
A partenogênese ocorre em algumas espécies de
escorpiões. Neste modo reprodutivo, ninhadas
são produzidas a partir de óvulos não
Figura 43 - Epermatofóro de Heteroctenus princeps.
fertilizados, sem a necessidade de serem
fecundados pelos espermatozoides do macho. O
Os escorpiões são vivíparos, as fêmeas ficam
escorpião-amarelo, Tityus serrulatus, é uma das
grávidas. O desenvolvimento dos embriões
espécies que pode se reproduzir por
ocorre em um período variável, dependendo da
partenogênese, o que favoreceu sua dispersão e
espécie. Os nascimentos podem ocorrer em uma
colonização de novos ambientes. Indivíduos
época restrita (geralmente nos meses mais
machos dessa espécie são raros, mas ainda
quentes) ou durante todo o ano. O tamanho da
podem ser encontrados em algumas regiões.
ninhada varia de um a mais de 100 filhotes,
sendo, em média, 26 filhotes. 28
Escorpiões
História Natural e Diversidade
Predadores
São predadores dos escorpiões: aves, como
corujas e seriemas; várias espécies de mamíferos,
como suricatos e mangustos; além de serpentes e
lagartos; sapos e rãs; e até algumas espécies de
Leo Noronha
aranhas, centopeias e formigas. Em algumas
espécies de escorpiões, o canibalismo é comum.
Leandro O. Drummond
Diversidade
Foram descritas, até o momento, mais de
2.700 espécies de escorpiões e estima-se que,
nas próximas décadas, o número de espécies
Figura 46 - Sapo-cururu (Rhinella icterica) predador voraz conhecidas ultrapasse 7 mil. Apesar dos
do escorpião-amarelo (Tityus serrulatus), extremamente escorpiões terem a fama de causarem
resistente ao seu veneno. acidentes mortais, provavelmente, menos de
50 espécies são responsáveis por acidentes
Comportamentos de defesa sérios ou fatais.
Os escorpiões possuem uma variedade de As espécies com venenos mais tóxicos
comportamentos de defesa além da injeção de pertencem à família Buthidae. Há também
seus venenos. Evitar os predadores é uma das espécies das famílias Hemiscorpiidae e
melhores maneiras de se proteger. Dessa forma, Scorpionidae com veneno tóxico para seres
muitas espécies ficam a maior parte do tempo humanos. Apesar de haver um pequeno
escondidas em suas tocas e em frestas. número de espécies que podem causar graves
Outras espécies possuem coloração críptica, envenenamentos, elas são responsáveis por
apresentando cores e texturas semelhantes aos um grande número de acidentes que ocorrem
ambientes em que vivem, passando todos os anos.
despercebidas pelos predadores. A capacidade A família Buthidae compreende cerca de 100
de estridular, ou seja, produzir som ao esfregar gêneros e mais de 1.300 espécies,
duas regiões do corpo, também constitui um correspondendo à maioria de todas as
comportamento de defesa dos escorpiões. espécies atualmente conhecidas de
Muitas espécies com palpos robustos os utilizam escorpiões. Dentre esses gêneros, Tityus
para se defender. Espécies da família Buthidae possui aproximadamente 220 espécies
curvam a "cauda" (metassoma), posicionando o descritas. Os gêneros Ananteris e Centruroides
télson na parte anterior do corpo, ficando, também se destacam com cerca de 100
assim, prontas para atacar (figura 47). espécies descritas, cada um.
29
Escorpiões de importância médica
Escorpião-amarelo
Família Buthidae
Tityus serrulatus
30
Escorpiões de importância médica
31
Escorpiões de importância médica
Escorpião-marrom
Família Buthidae
Tityus bahiensis
Leo Noronha
Leo Noronha
32
Escorpiões de importância médica
33
Escorpiões de importância médica
Escorpião-do-nordeste
Família Buthidae
Tityus stigmurus
35
Escorpiões de importância médica
Escorpião-Preto
Família Buthidae
Tityus obscurus
Michiel Cozijn
Figura 51: Escorpião preto, Tityus obscurus. Macho adulto.
Michiel Cozijn
36
Escorpiões de importância médica
Adultos possuem corpo preto. Juvenis possuem coloração amarelada, com manchas
Características
pretas. Dimorfismo sexual presente: machos possuem metassoma e pedipalpos mais
do animal
longos e finos.
TAMANHO Porte grande, variando de 85 a 100 milímetros.
Áreas de terra firme e de floresta inundada na Amazônia. Preferência por florestas
primárias, embora também ocorram em fragmentos de mata secundária, próximos a
HÁBITAT
regiões urbanas. Podem ser encontrados na serapilheira, em troncos de palmeiras, em
cachos de frutas, cupinzeiros e na copa das árvores.
ALIMENTAÇÃO Insetos e outros artrópodes.
Ativos durante a noite. Durante o dia ficam escondidos, evitando luz solar,
HÁBITOs
temperatura alta e predadores.
Espécie vivípara com desenvolvimento embrionário de três a quatro meses. Ninhadas
Reprodução de 15 a 31 indivíduos. Após o parto, os filhotes ficam no dorso da fêmea por 15 dias,
até realizarem a primeira muda.
No Brasil, a espécie ocorre nos estados do Pará e Amapá. Espécie presente também na
DISTRIBUIÇÃO
Guiana Francesa, Suriname, Equador, Guiana e Panamá.
Presença de peptídeos neurotóxicos. Alta abundância de sequências de
Veneno metaloproteinases e de toxinas dos canais de sódio e potássio, constituindo o núcleo
tóxico do veneno.
Manifestações locais: dor, inchaço e vermelhidão. Manifestações sistêmicas: sonolência,
sintomas do
aceleração do ritmo respiratório (taquipneia), taquicardia, prostração, sudorese,
envenenamento
salivação excessiva e vômitos.
Soro Antiescorpiônico / Antiaracnídico.
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