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Quando os pais vão

matricular seus filhos,

não sabem quem são

os professores deles.

Como pode alguém

entregar a educação

de seus filhos, sem

saber a quem? Este

ato seria ou não uma

prova de paternidade

irresponsável? Ou será

que os pais acreditam

que todos os profes

sores são bons educa­

dores? Ou será que

todos os pais são

irresponsáveis? Nada

disso. O que acontece

é que muito raramente

um pai pode escolher

os educadores de seu

filho: tem que aceitar

os que lhe impuserem.

Não é isso uma

opressão?
ISBN 978-85-913864-0-6

9
1 1 li
788591 386406
ARMINDO MOREIRA

PROFESSOR

NÃO É EDUCADOR

4ª Edição

2ª edição: Adendos 1 e 2
3ª edição: Adendos 3 e 4
Moreira, Armindo
M838p Professor não é educador I Armindo Moreira. -- Cascavel:
. 2012
104p.

ISBN :978-85-913864-0-6

1. Educação 2. Professores - Formação 3. Professores -


Atitudes 4. Professores e alunos 5. Pais e professores 6.
Valores 1. T.

CDD 20. ed. 370.71

Ficha Catalográfica Elaborada por: Marilene de Fátima Donadel


CRB9/924
Agradecimentos são devidos ao Lic. e empresário
Edésio Agostinho Reichert, pelo empenho na publicação
deste livro; à Prof8 Giselle Bruno Grando e ao Prof. Miguel
Luiz Contani, pelas sugestões que melhoraram a clareza
do texto.

O autor
ÍNDICE

PREFÁCIO
1 INSTRUIR NÃO É EDUCAR
- ................. . . . .. . ...................... 9
2 - PROFESSOR É EDUCADOR? ......................................... 10
3 - EXIGIR EDUCAÇÃO NÃO É EDUCAR ......................... . . 12
4 - CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO ................ . ................... 13
5 -E OS ÓRFÃOS?................................... .................. ... . . . . 13
6 SOU OU NÃO SOU?
- ............. . ........... . . . . ...................... 14
7 - DE QUEM É O MENINO? ........ . . . . ........... ..................... 14
8 -DIÁLOGOS SOBRE PROFESSOR EDUCADOR 1 . . ... . . ...... 15
9 - DIÁLOGOS SOBRE PROFESSOR EDUCADOR li ........... 16
1 O- DIÁLOGOS SOBRE PROFESSOR EDUCADOR Ili ........ 18
11 ENTREVISTA COM PeELÍSIO
- ....................................... 20
12 -ENTREVISTA COM D. JOSEFA ...... . .............. ..... . . . . ....... 22
13 - LEGISLAÇÃO SOBRE ENSINO ..................... . . .. . . . . . . .. . .. 24
14- CURRÍCULOS DURÁVEIS OU EFÊMEROS? .................. 25
15 - AS SETE EDUCAÇÕES .. . .... . . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . .......... . . . . . . . . . 26
16 - ATLETISMO OU GINÁSTICA? ...... . . . . . . . . . ...................... 26
17 EDUCAÇÃO SEXUAL
- ................................... . ....... ....... 27
18- CONFLITO DE GERAÇÕES ......... . .......... ......... . . . . . . ...... 27
19 -REUNIÃO DE PROFESSORES .•.................................... 29
20- PREPARAR PARA A VIDA .............. . .......... . . ......... .......... 30
21 ERA, UMA VEZ, UM MENINO BONZINHO
- . . .............. 31
22 -SOBRE MACHISMO ..............•.................................... 34
23 - SOBRE VIOLÊNCIA . . . ........................... .............. ........ 39
24 EDUCAÇÃO INTEGRAL
- .............................................. 41
25 ENSINO CONFESSIONAL ..
- ........ . ... . . ........................... 42
26 - CONCLUSÃO ERRADA ........ ............ ................... . . . . . . . . 42
27 - INSUCESSO ESCOLAR .................. . ............................ 43
28 - SEÇÕES DE UMA TURMA .............................. . . . . . ....... 43
29 -RELACIONAMENTO PROFESSOR-ALUNO ......... .......... 44
30 -AULA FALADA...•........................................................ 44
31 - O MÉTODO INDUTIVO NA ESCOLA, ........................ 46
32 CARACTERÍSTICAS DO LIVRO DIDÁTICO
- ................... 47
33- CRIATIVIDADE NA ESCOLA .............................. . . . ....... 48
34 - IMAGEM E RACIOCÍNIO ................................ . . .......... 50
35 ENTREVISTA COM O CAPITÃO
- .......••......................... 50
36 - INSIGNIFICÂNCIAS . ..
...... ..... .
... . .............. ................... 52
37 - PEDAGOGOS DO VERDE . . .
...... .
. . ........ ... ......... ........... 53
38 -REDAÇÃO, UM TORMENTO .. . .. . . . . . . .. . . . . . ..... ............... 54
39 - SIMPLIFICAÇÕES COMPLICANTES .. . . .... ......... .. .......... 56
40 - GÍRIA, CORRUPTELA E SOLECISMO .. .. ....................... 57
41 -FALAR COMO O POVO . .
............. . .. ............ . . ... . .......... 57
42 - A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA .. ...... . .
. . ............. ..... ............. 59
43 -O PROFESSOR DEVE DESCER ATÉ O ALUNO . . .... ... .... 60
44 - NEUROSE NA ESCOLA . . ..
..... ...................... .. . ............. 60
45 -O PROFESSOR NÃO GOSTA DE MIM . . . .. ... . . . ..... ..... .... 61
46 - ACODE, PIAGET! .
.............. . . .. . .. .
................... . . ... . . . .... . 63
47 -O PROFESSOR NÃO RESPEITA A MINHA OPINIÃO ..... 63
48 - PROFESSOR, QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE .. . ... .. .... .. 65
49 - O HÁBITO DE LER .. .. ..... . . . . . . .. . . . .. .
. ......... . . ... .. ... . . . .. . .... 67
50 -COMENTÁRIOS DE ALUNO ..
...... ............. . ... ............. . 69
51 -PROFESSOR AUTORITÁRIO . . ..... . .
...... ............. ... ......... 70
52 -PROFESSOR SIMPÁTICO? . .. ........................................ 71
53 - AULA NUM DIA TRISTE . . .
......... . . ...... . ..
...... .. ...... ....... .. 72
54 -COLEGIADOS E DEMOCRACIA . . . ..... .. .. .. .... ......... . .. . .. . 75
55 -TETAS VENENOSAS .
... . ......... .. . ...
.................. . . .. ... ...... . 77
56 -CLASSE DOMINANTE ...
........ .............. . . . . .. . .. . ..... ........ 78
57- TAMBÉM O SISTEMA . ........ .
................ . . . .................... 78
58 -INTELECTUAL SUBDESENVOLVIDO . . . ... ..... ............. . .. 79
59 -HISTÓRIA: NOVA ARMA DE OPRESSÃO . . .. . . ..... . .... ..... 80
60 - ENSINO E POLÍTICA .......... .
....................................... 82
61 DOGMAS DO CRIMINOSO
- . ............. ......................... 83
62 - PSICANALISANDO . . .
..... ...... .... . ..
................ . ........ . ... . .. 86
63 -ORDENHADOR DE TEXTOS . . .
....... ..... ... ........... .......... 87
64 - ENSINO EM PAZLÂNDIA . ......... . ................................. 88
65 -PARA MELHORAR O ENSINO .. .
..... . .......... .................. 90
66 - PESSOAL DO ENSINO . .
........... .
... .............. . . .............. 91
67 - ENSINO DE QUALIDADE . . .
.. .......... . ... ............. ........ . .. 92
68 -POLÊMICA SOBRE REPETÊNCIA . .
.. . ........... ........... ...... 92
69 -ANALFABETO FUNCIONAL.. . .. . ...... . .... .. ........ ...... ........ 94
70 -E PARTE MAIS UMA TURMA . . ......... .
... ....... ............ ..... 95
71 -ADENDO 1 ................................................................ 96
72 -ADENDO 2 ................................................................ 97
73 - ADENDO 3 ................................................................ 101
74 -ADENDO 4 ................................................................ 103
PREFÁCIO

Com os tópicos tratados neste livro, pretende-se mostrar


que: professor não deve ser educador de seus alunos ; que é nocivo
dar ao professor a missão de educar; que a função do professor é
instruir; e que educar e instruir são coisas muito diferentes . E,
por se referirem de algum modo ao ensino, outros assuntos são
analisados .
O autor deste traba l h o aceita o ns c o d e ser
incompreendido. Ser incompreendido - eis o preço que nenhum
autor deseja pagar. Mas neste caso pode acontecer. Vejamos por
quê.
Para muita gente a palavra educação é sinônimo de instrução.
E embora o autor indique a significação que atribui a cada um
desses dois termos, o hábito de pensar instrução quando se lê
educação tornará a leitura difícil e sujeita a confusões. Quem dera
que tal não acontecesse! Mas . . . acontece.
E não é só isso. O conceito de educação não é igual para
toda a gente . O sr. Leonel pensa que só há duas espécies de
educação - a boa e a má. Para ele, quando se fala de educação,
trata-se da boa educação. E, ainda para ele, a boa educação consiste
em obedecer aos Dez Mandamentos e ser cortês com toda a
gente. Sr. Leonel nem sonha que para algumas pessoas - entre
elas muitos professores - a boa educação dispensa obedecer algum
dos Dez Mandamentos e é pouco exigente quanto a cortesia.
Assim para alguns professores boa educação permite ir dar aula
com vestuário despojado e até agressivamente chamativo; consente
aluno mastigando chiclete e com boné na cabeça, em sala de aula;
e autoriza que o aluno trate seu professor como se este fosse um
seu colega de turma. Se o Sr. Leonel ler este livro, dificilmente o
entenderá.
Por sua vez, o Ministro da Educação fala e escreve como se
educação e instrução fossem sinônimos !
Um pastor religioso foi convidado a ler o original e a dar
s u a o p i n i ã o . Teve a gentileza de fazer suas o b s ervações
pessoalmente. Não escondeu sua preocupação. Entendeu que, se
a doutrina proposta neste livro fosse levada a sério, faria com

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ARM I N D O MOREIRA

que fossem fechados os estabelecimentos de ensino confessionais,


posto que estes procuram educar. Como se vê, o Rev.mº pastor
não fez caso do que ficou dito no tópico nº 25.
Pior foi a reação da prof! Rosinda. Ela tem 22 anos de sala
de aula! Também leu o original. Ficou decepcionada; triste; um
pouco até ofendida. Ela acha que professor ou é educador ou não
é nada; e que esta teoria de que professor deve ser apenas instrutor
é .mais uma modernice inútil - dessas que, se não fazem mal,
bem também não fazem.
Mesmo assim, o autor decidiu correr o risco.

O Autor

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1 - INSTRUIR NÃO É EDUCAR

Educar é promover, na pessoa, sentimentos e hábitos que


lhe permitam adaptar-se e ser feliz no meio em que há de viver.
I ns t r u i r é proporcionar conh e c i m entos e h a b i l i d a d e s que
permitam à pessoa ganhar seu pão e seu conforto com facilidade.
Assim cru zamos na vida com pes soas instruídas e mal
educadas; e conhecemos analfabetos com esmerada educação. A
instrução, por si mesma, não dá felicidade. Porém é difícil conceber
que um homem bem educado venha a ser infeliz.
A educação foi tão necessária para os nossos bisavós como
será para os nossos netos. Todo o ser humano precisa de educação,
sem exceções ! A instr ução, porém, não é igualmente necessária
para todos. Ela é mais necessária hoje do que no passado; e no
futuro será ainda mais necessária do que hoje. A razão disso é
evidente: a luta pela vida é cada vez mais competitiva - e a
competição exige instrução.
A quem pode interessar essa confusão de educação com
instrução ? É difícil descobrir todos os interes sado s ; mas, em
primeira análise, interessa aos governantes autoritário s . Os
antidemocratas sempre desejam que o povo pense e se comporte
como aos ditadores convenha. Para conseguir isso, a escola é um
bom instrumento : através dela, podem ser inculcados hábitos e
sentimentos condizentes com os interesses dum governo fascista.
Tod a a gente ace ita que aos gove rnantes c ab e a tarefa de
proporcionar instrução; confundindo instrução com educação, os
governantes assumem a tarefa de educar. . . Havia, o utrora, o
Ministério da Instrução. É sintomático que esta designação fosse
substituída por Ministério da Educação, precisamente na época
em que as ditaduras fascistas proliferaram !
Ora, os governantes devem promover a instrução, mas não
devem educar. Se eles educam, dificilmente vencem a tentação
de mentalizar o povo para que aceite o fascismo. Um governo
só pode educar mediante funcionários públicos que são escolh idos
por concurso - e, num concurso, a educação do concorrente não
é nem pode ser avaliada. Entretanto, este nosso planeta vai-se
enchendo d e M i ni s t é r i o s da E d u cação com m i lh õ e s de

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ARMINDO MOREIRA

funcionários fazendo por um salário o que só por amor pode ser


feito: educar!

2 - PROFESSOR É EDUCADOR?

Dizem que professor é educador. Afirmam-no os livros


de pedagogia; jornais e revistas espalham esta tese; os governos
legislam em conformidade com ela; os pais acreditam que a tese
é verdadeira; mu itos professores tentam educar.
Educar é criar hábitos e sentimentos que permitam ao
educando adaptar-se ao meio social em que há de viver, para nele
ser fe liz sem impedir a felicidade dos outros.
Acontece que o professor não sabe e nem adivinha em que
meio social vai viver seu aluno; daí que não preveja os hábitos e
os sentimentos de que vai precisar o educando. E esta é a primeira
razão pela qual o professor não pode educar.
Educar pelo exemplo não é processo que esteja ao alcance
do professor. Um aluno, até seus 15 anos, terá tido, no mínimo,
20 professores . Entre esses, é natural que surjam: religiosos e
ateus ; fanáticos , moderados e indiferentes - para com Deus e
para com a Pátria; preguiçosos e trabalhadores ; competentes e
incompetentes ; castos, desregrados e homossexuais ; sóbrios e
viciados ; disciplinados e revoltados. Será que um ser humano
pode ser educado por uma turma tão contrastante e contraditória
em hábitos e convicçõe s ? É evidente que não ! Não é sensato
esperar ou exigir que todos esses profes sores escondam ou
frustrem suas personalidades e eduquem, todos eles, dentro do
m e s m o pad rão . Não se p ode p e d i r a o s p rofe s s o r e s u m
comportamento hipócrita, dentro d e uma sala d e aula, durante
uma vida inteira. Pode um ateu comportar-se como crente? Pode
um fanático mostrar-se, sempre, moderado ? Quem ousa exigir
de um internacionalista que se comporte como defensor da pátria?
Até que ponto uma professora que se prostitui consegue fingir,
em sala de aula, que é casta? Se os professores quiserem influir
na formação moral e cívica dos alunos, terão de o fazer com suas
virtudes e com seus defeitos - e na consciência do educando ficará
um feixe de contradições, um caos. E aqui está mais um motivo

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PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

para que o professor não seja educador dos filhos alheios.


S ab e m o s que o s j ovens e a s c r ianças p o d e m s o frer
motivações de várias pessoas. Porém só educa eficazmente quem
ama o educando. Sendo assim, o professor teria de amar os
educandos, para poder educá-los. E que é que poderia motivar o
professor a amar os alunos: a função ou o salário? . . . Sabemos que
nem a profissão nem o salário, por si mesmos, geram amor. Exigir
que o professor sej a educador é exigir que ele ame o aluno. Ora,
amor não é sentimento que se exija para exercer uma profissão;
menos ainda, em troca de um salário . . . E eis mais uma razão para
não exigir que professor seja educador.
Quando os pais vão matricular seus filhos, não sabem quem
são os professores de seus filhos. Como pode alguém entregar a
educação de seus filhos, sem saber a quem? Este ato seria ou não
uma prova de paternidade irresponsável? Ou será que os pais
acreditam que todos os professores são bons educadores? Ou
será que todos os pais são irresponsáveis ? - Nada disso. O que
acontece é que muito raramente um pai pode escolher os educadores
de seu filho : tem de aceitar os que lhe impuserem. Não é isso
uma o p r e s s ã o ? - m e s m o q u e f e i ta p e l a s m a i s exe m p l ares
democracias . . . Nos países que desej am democracia, o cidadão tem
nisto mais uma justificativa para não admitir que professor seja
educador.
Educar é missão própria dos pais. Mais que pão , os pais
devem dar educação aos seus filhos. Pão, agasalho e abrigo podem
ser à criança dados até por estranhos: por vizinho s, por instituições
de assistência, pela Autoridade. Bens materiais podem ser dados,
sem amor a quem os recebe, sem que o benemerente conheça o
beneficiado. Mas a educação tem de ser dada por quem conhece
o educando: por quem o ama! Amar uma criança a ponto de poder
educá-la não é tarefa fácil, que possa ser exigida de todo e qualquer
professor. Os males que a falsa tese do professor-educador j á
causou são alarmantes. Essa tese d á uma aura d e prestígio a o pro­
fessor e um alívio de responsabilidade aos pais. Todavia essa aura
de prestígio transforma-se em desprestígio, na medida em que o
professor fracassa nessa missão; o alívio dos pais transforma-se
em sofrimento, quando irrompem no seu lar as consequências
da incapacidade do professor para educar alunos.

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ARMINDO MOREIRA

3 - EXIGIR EDUCAÇÃO NÃO É EDUCAR

Ouvimos dizer, com frequência, que a escola, impondo o


cumprimento dum regimento e exigindo que o aluno respeite
superiores e colegas, j á está edu cando . Mas isso é o que faz
qualquer empresa industrial ou comercial: exige disciplina e impõe
que se respeitem superiores e colegas - e ninguém diz que a
fábrica ou a loj a são, por isso, estabelecimentos de educação.
Disciplina e respeito se exige nos quartéis; disciplina e respeito
se exige em hospital; num campo de futebol; numa excursão; até
um bando organizado de assaltantes se defende com a disciplina
e com o respeito. Ora, ninguém ousa dizer que a fábrica, a loja, o
quartel, o hospital, a equipe de futebol ou a quadrilha de assaltantes
são instituições educativas . . . Um estabelecimento de ensino exige
educação para poder func io nar. E , s e u m de seus alunos se
apresenta indisciplinad o , é admoe stado ; depois castigado ;
finalmente expulso. Isto acontece também nas fábricas, nos
quartéis, nos campos de futebol, etc. Qualquer atividade precisa
de disciplina e de respeito pelas pessoas , para que possa ser
exercida. Quem não sabe isso? Por quê confundir a disciplina e o
respeito exigidos numa atividade com a missão de educar?
Disciplina e respeito aos colegas e aos chefes são exigidos até nos
lugares onde se deseduca, como nos lupanares, nas cadeias, nas
quadrilhas do crime, etc . Por isso não podemos dizer que um
estabelecimento de ensino educa, pelo fato de exigir disciplina e
respeito. Aluno que não tenha educação e hábitos de obediência,
para suportar a disciplina de sua escola, acaba por ser dela expulso.
E este é um fato algumas vezes observado . Por quê e para quê
dizer, então, que a escola educa? E para quê propalar que a missão
da escola é mais educar do que instruir? Essa mentira só benefi­
cia os professores que não conhecem a matéria que lecionam: se
o professor não sabe a lição , para não dar um triste espetáculo
ante seus alunos, precisa de passar o tempo dando bons conselhos e
abrindo os olhos aos alunos . . .

Nota: Adendo 3, no final do livro, trata da disciplina em sala de aula.

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PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

4 - CONTEÚ DOS DA EDUCAÇÃO

Quando vamos matricular um filho na escola, sabemos quais


são os progra ma s de História , de Química , de Matemática etc.
O mesmo não podemos dizer do progra ma educa tivo : não
sabemos que hábitos nem que sentimentos vão ser inculcados
em nossos filhos. Podemos saber quem va i lecionar Geografia ,
Física o u qua lquer outra disciplina ; mas não podemos saber quem
vai promover e desenvolver os princípios mora is da queles que
a mamos.
Se a escola fosse um educa ndário, ela teria um progra ma
educativo tão cla ro e detalhado como o programa instrutivo. Ma is:
ela teria que designar professores especializados para essa função.
Para instruir, é preciso ter curso e diploma de Matemática , de
Física , de Biologia , etc ; mas, para educar, todos os cursos servem ...
Isto pressupõe que a missão de educa r é menos exigente que a
de instruir. O ra , t odos sa bemos que educa r é ma is d ifícil e
delica do que instruir.
Se alguém, a lgum dia , quiser que a escola passe também a
ser educandário, ela terá de ter, pa ra lela mente ao progra ma de
instrução, um programa de educação. E os programas educativos
devem ser ensina dos com manua is feitos com seriedade e clareza .
É preciso que o s pa is possa m saber com que valores vão
s e r educa do s os s e u s fi l h o s ! E q u e hábitos l h e s serão
recomendados ou exigidos.

5 - E OS ÓRFÃOS?

Se a escola ou o professor não educa r, quem educará os


órfãos? Quem educará as crianças cujos pais se aviltara m tanto,
que não conseguem educar? Essa função pertence, em primeiro
lugar, aos parentes ma is próximos. E, se estes não podem ou não
querem, essa s crianças devem ser educadas por uma instituição
exclusivamente dedicada a essa missão. Nada pode substituir ou
igualar a educação dada com amor pelos pais. Mas se estes faltam,
é forçoso encontrar solução. E a solução está na adoção de cria nças
e nas instituições educadoras - não nas escolas comuns.

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ARMINDO MOREIRA

6 - SOU OU NÃO SOU?

Anteontem, fiquei na cama, com uma violenta cefaleia. Faltei


às aulas: seis turmas sem aula de Geografia, por causa da minha
dor de cabeça.
Ontem, pediram-me o atestado médico para justificar as
minhas faltas. A Lei exige que eu apresente o atestado. Quando
se diz a Lei, diz-se os governantes.
Fiquei pensando. Os governantes dizem que sou educador;
se sou um educador, sou uma pessoa de caráter - pessoa sem
caráter não é educadora; se sou pessoa de caráter, não minto; se
não minto, por que me exigem o atestado?
Mesmo assim, sou um educador, na letra da Lei e na palavra
dos governantes ! ! ! . . . Q u e espécie de educadores querem os
governantes? Que educação esperam eles da pessoa que eles
mesmos consideram desonesta? S im, porque a lei que exige o
atestado é uma declaraç ão púb lica de que a pessoa a quem o
atestado se exige talvez seja desonesta. Portanto: por lei, profes­
s o r é c o n s id e rado e d u c a d o r ; p o r l e i , p rofessor talvez s ej a
desonesto. Atem lá essas duas moscas pelo rabo ! ! !
O médico acreditou e m mim e declarou que eu tive dor de
cabeça. O médico atestou e os governantes acreditaram no médico
- e o médico não é educador.
S o u ou não sou e ducador? Esta incoerência terá uma
explicação aceitável? !

7 - DE QUEM É O MENINO?

Depende! Para comer, vestir e habitar, o menino é dos seus


pais; para educar, é da escola ou do Estado ! O Estado e a escola
(entenda-se : professores que se envaidecem com o título de
educador) querem educar; acham que têm o direito de educar;
ou pior: acham que têm o dever de educar.
Mas a comida e a roupa e outras despesas . . . é dever dos
pais. Será que ninguém consegue desfazer o equívoco do Estado
e da escola? Quem lucra com essa confusão? S im, porque uma
confusão desta grandeza só pode manter-se pelas vantagens que
dê a alguém.

14
PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

8 - DIÁLOGOS SOBRE PROFESSOR EDUCADOR 1

_ Juca, que acha sobre o professor ser educador?


_Olha, Tina: minha opinião é que o professor tem que ser
educador; e, se não for, não pode ser professor.
_ Estou 'careca' de ouvir isso, mas ninguém me explicou
por quê.
_Nem é preciso: está na cara! Que diabo vai a criança fazer
à escola?Vai para se educar.
_ Mas não é aos pais que compete educar?
_ Até certo ponto, sim; mas como a maioria dos pais não
sabe educar...
_Então, Deus errou: deveria ter instituído a escola no lugar
da família.
_Eu não posso raciocinar nessa linha, visto que sou ateu.
_ Disse você que a maioria dos pais não sabe educar. Minha
opinião é a contrária. Mas diga-me: o professor sabe educar?
_ É para isso que ele estuda; é para isso que ele se prepara.
_ Se todos os professores estão preparados para educar, se
todos eles sabem educar, os filhos deles devem ter uma educação
primorosa!
_ Seria de esperar... Mas por quê tanto interesse por esse
assunto?
_Você sabe que eu me preocupo com a educação dos meus
filhos e ontem veio-me à cabeça uma preocupação, talvez tola,
mas ...
Desembuche! ...
_ Corre por aí uma fofoquinha dizendo que o professor de
Matemática da 7ª série é homossexual, solteirão e falhado na vida.
Já pensou!!? Meu filho é aluno dele ...
_E que é que tem de mais?
_ Ora, Juca: que educação vai esse professor dar ao meu
filho?! Pense bem: não tem filhos, é um cata-empregos, dizem
que é homossexual... Pode um bípede desses ser educador dos
filhos dos outros?
_ Mas nem todos os professores são assim; esse é uma
exceção, seguramente.
_Cruzes!!! Claro que nem todos são assim. Mas eu estou

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ARMINDO M O REIRA

ante uma situação concreta: trata-se do meu filho! Será que eu


não tenho direito nem maneira de impedir que um homem desses
eduque o meu filho?Veja só: eu, porque sou mãe, tenho o dever
de o alimentar e vestir; ele, porque é professor, tem o direito de
o educar. Isto não é um desaforo?!!
_ Realmente, posto o problema assim, é chocante e até
mesmo revoltante; mas tenhamos em conta que se trata de uma
exceção entre os professores.Os outros poderão contrabalançar
qualquer influência nefasta desse.
_ 'Poderão', disse você. Então admite que o risco
permanece. Além disso, nada me garante que, naquele
estabelecimento de ensino, não estejam lecionando mais duas ou
três 'exceções' do mesmo tipo - mas encobertas.
_ Isso não é pessimismo exagerado?
_ Talvez. Mas olha a professora de História: ela é casada,
tem um filho e não esconde - pelo contrário, ostenta - que já
está com o terceiro amante.
_Ora, um problema dela e do marido!
_ Claro!! Mas não é só isso. O problema é que ela se
considera, por esse fato, uma mulher liberada e, portanto, modelo
para as outras mulheres e para as suas alunas.
Mas o mundo está cheio disso e a meninada terá de saber
que isso existe.
_ Mas é diferente saber que isso existe e aprender que isso
é o comportamento que deve ser seguido!

9 -DIÁLOGOS SOBRE
PROFESSOR EDUCADOR II

_ Então, Tina, já admite que o professor é educador ou


mantém que o professor não deve educar?
_ Olhe, Juca: quanto mais penso no assunto, mais me
convenço de que o professor não é educador; e que, se é, não
deveria ser.
_ Mas não acha melhor deixar esse problema para os
pedagogos? Até porque, como diz Paulo Freire, " ...ninguém educa
ninguém".

16
PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

_ Muito oportuna essa citação de Paulo Freire. A propósito


vou-lhe contar uma história que me parece sintomática.
_ Pois venha já essa história!
_ Há dias, participei, com mais três mães, duma reunião
de professores. Eram vinte e seis professores. Nós, as mães,
representávamos as mães e a comunidade. Falou-se só de educação.
E a tese em que convergiam todas as colocações era a seguinte: "o
professor é o educador do povo" - não só das crianças e dos
jovens, mais até dos adultos - e os pais estavam sendo chamados
a colaborar nesta importante missão do professor.
Achei aquela tese um absurdo. Ainda se fosse o professor
chamado a colaborar com a educação que os pais dão, eu faria
algumas reservas, mas aceitaria o propósito. Agora, colocar o pro­
fessor como primeiro e fundamental educador, dando aos pais
uma função apenas coadjuvante, deixou-me surpresa e
escandalizada.
Pedi a palavra, disse que não me omitiria do direito e do
dever de educar meus filhos; que o professor não deveria
intrometer-se na educação dos nossos filhos; que educassem os
seus; que os professores estavam criando problemas às famílias,
propondo aos alunos sentimentos, hábitos e valores opostos
àqueles que os pais preconizam e inculcam; e que, assim, estavam
deseducando.
Olhe, Juca: foi um 'Deus-nos-acuda!' Parecia que tinham
jogado um vespeiro para o meio daquela gente. Inconformados
com minhas palavras, vários queriam responder-me ao mesmo
tempo; havia sorrisos de ironia; e diziam que eu estava 'por fora',
desatualizada, retrógrada; uma professora até me recomendou
que lesse um certo livro... Fiquei sem saber se fugir, se enfrentar.
Fiquei.
Quem coordenava era um senhor que viera da capital. Bateu
na mesa e pediu silêncio. Voltou-se para mim e disse: 'Minha
senhora, essa teoria segundo a qual os pais educam está superada.
O nosso grande educador Paulo Freire embalsamou-a com sua
célebre e inovadora afirmação: 'Ninguém educa ninguém!'
Estralejaram palmas.
Observei então que, se 'ninguém educa ninguém', o pro­
fessor não educa. Estou com Paulo Freire - todos vocês contra
ele!. Novo burburinho... reprovando o meu raciocínio. Ao lado,
1 7
ARMINDO MOREIRA

dizia um: 'É difícil dialogar com leigos'; outro lhe respondeu :
'Temos de os levar com paciência'. O coordenador, sem esconder
seu enfado, respondeu-me: 'seu raciocínio está errado, minha
senhora; e seu erro é uma simples questão de lógica.' Novo aplauso
para o coordenador. Confesso: parecia que todos aqueles tinham
tomado um pileque de estupidez! ! Não aguentei mais e saí.
_ Mas, Tina, aí é que você errou: deveria ter permanecido
e mostrar-lhes que quem estava cometendo crasso erro de lógica
eram eles. Você fez o jogo deles; eles conseguiram marginalizar a
única pessoa lúcida e capaz de desmascarar seus propósitos . . .
_ Realmente. Agora vej o que errei. Mas, na hora, s ó me
lembrei de que tinha filhos para criar e de que quem desfaz os
erros de casmurros será vítima de seus ressentimentos. Con­
fesso que tive medo da ira daquela gente . . .
_ Mas será que nessa reunião s ó havia insensatos? !
S e havia outros, não s e fizeram notar.

10 - DIÁLOGOS SOBRE PROFESSOR


EDUCADOR III

_Juca, é minha vez de perguntar: Você mantém a convicção


de que professor é educador?
_ Tina, agora vejo que o professor está sendo educador e
deseducador - mas que, na verdade, não deveria ser nem uma
coisa nem outra.
_ Então consegui um aliado para minha causa?
_ Creio que sim, porque eu nunca tinha pensado nesse
assunto, focando o ponto de vista dos pais e a função insubstituível
da família no processo educativo . Antes, só encarava a educação
na perspectiva a que estava habituado : a dos interesses do meu
partido - aliás do meu ex-partido.
_ Qual partido foi o seu?
O comunista.
_ Isso não é possível, doze anos trabalhando lado a lado, e
você . ..
_ Era proibido . . . E clandestinidade exige.
_ E abandonou o partido por quê?

18
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

_ Resumindo: porque já não é mais clandestino e perdeu o


aspecto aliciante do perigo e da valentia; e mais ainda porque
surgiram na praça dois comunismos.
Como assim ? !
_ Um, que poderia chamar-se comunismo histórico, outro
que vai bem com o nome de comunismo revolucionário.
_ E qual a diferença?
_O comunismo revolucionário pretende que os proletários
arrebatem o poder aos burgueses, o mais depressa possível e por
quaisquer meios - legais ou ilegais, honestos ou desonestos,
sangrentos ou indolores . Para consegui-lo, vale tudo: mentir,
caluniar pessoas e instituições, trair, descumprir as leis, corromper.
J á o c o m u n i s m o h istórico é nobre . Acred i t a q u e o
comunismo é um estágio inevitável da evolução dialética; que
todos os povos entrarão no comunismo, logo que suas economias
atinjam o grau de capitalismo que gera necessariamente a sua
antítese - o comunismo.
Estes comunistas históricos são pessoas confiáveis e dignas
de resp e i to c o m o p o l ític o s . E le s próprios a c h a m q u e a
implantação prematura do comunismo num país tem dois efeitos
p e rve rsos : p r o d u z sofrimento d e s n e c e s s á r i o , d e r iv a do do
processo violento e da corru p ç ã o ; e atrasa a c h egad a do
comunismo espontâneo e autêntic o , pela desarticu lação do
processo cap i ta l i sta - que p r e c i s a d e s e r s u fi c i e ntemente
duradouro para que nele os proletários criem sua consciência de
classe. Daí que muitos comunistas históricos colaborem com
governos capitalistas para que o processo capitalista avance e
rapidamente atinj a o c límax que desencadeia a ditadura do
proletariado com o menor sofrimento possível.
_ Desculpe, mas não consegui enxergar a razão pela qual
você abandonou o comunismo.
_ É s i m p l e s : não tenho ' e s tô m ago' para s e r d o s
revolucionários; e não acredito n a fatalidade d a evolução dialética,
para ser dos históricos.
_Agora, entendi; entendi por quê saiu do partido; mas não
percebo o que isso tem a ver com o 'professor- educador'.
_ A relação é clara: para os comunistas, como para todos os
fascistas, é indispensável que o professor seja educador.

19
ARMINDO MOREIRA

_ Ainda não vi por quê.


_ Fascistas são aqueles regimes que não dão ou quase não
dão margem para decisões do povo. Tudo é planejado, definido e
decidido de cima para baixo. O comunismo, com sua ditadura do
proletariado , não pode fugir a ser um regime fascista.
E daí?
_ Daí que, para que o povo aceite viver nessa condição de
pouca ou nenhuma participação no poder, é preciso fazer a cabeça
do povo, massificá-lo, 'ideologizá-lo'_- como agora se diz. Para
isso, é preciso começar pelas crianças e seguir pelos jovens ; para
tanto , o melhor instrumento é a escola. Mas quem pontifica na
escola é o professor. . . Por isso , se o professor for o principal
educador, sendo ele funcionário do Estado, será mediante o pro­
fessor que o partido no Governo prepara a carneirada obediente
que lhe não contestará o poder.
_ Agora, sim. Agora entendo por quê, por exemplo, um
comunista burocrata, que pouco ou nada tem a ver com o ensino,
s e i n t ro mete na F a c u l d a d e , tenta o r i e n t a r diretórios de
estudantes, promove reuniões culturais ( ? ! ) para crianças - e exige
que o professor sej a educador.

11 - ENTREVISTA COM pe ELÍSIO

_ Ora viva, Sr. pc Elísio !


_ Viva também, meu caro amigo e diretor. Trago para você
um problema e faço votos por que o enfrente com sua conhecida
calma.
_ Tem preâmbulo ou vamos direto ao assunto?
_ D ireto . O nos so colégio tem dois p rofessores que se
estão salientando por ideias que eles consideram modernas e que
são erros inaceitáveis, tanto para o nosso tempo como para a
nossa sociedade. Um é ateu; o outro é espírita. Servem-se das
aulas para fazer proselitismo. _ Os pais comentam; não acho certo
que essas doutrinas sejam ensinadas no colégio; alguns professores
também acham isso um disparate. Porém essa boa gente não se
sente com coragem nem preparação para vir protestar e exigir do
senhor diretor que feche a boca desses hereges. E aqui estou eu

20
PROFES SOR NÃO É ED UCADOR

para o fazer, em nome deles e no meu próprio.


Não é fác i l s e r o diretor deste estabe lecimento de
ensmo . . .
_ E u sei. J á fu i diretor dum colégio e tive problemas que a
maioria das pessoas não suspeita que existam. Porém problema
como este que venho colocar nunca tive.
_ Claro: colégio de padres pode escolher a clientela e os
professores . Mas eu, aqui, tenho de aceitar o que aparece; e
aparece cada coisa . . .
_ Sim, sim : um diretor, por vezes, tem d e tomar atitudes
incômodas. Mas para isso é o diretor...
_ Mas no caso p resente não vej o que atitude, mesmo
incômoda, eu possa tomar.
_ Não penso assim. Para já, eu ordenaria a esses professores
que parassem de ensinar tais doutri n a s . E, no caso de eles
insistirem, daria um jeito para eles saírem deste colégio, sem
muito alarde . . .
_ A primeira atitude é ilegal; a segunda é imoral.
_ Quer fazer o favor de me dizer por quê?
_ A lei não proíbe ser ateu nem espírita, mas ordena que o
professor eduque. Pode o professor educar com a minha fé ou
com a moral de V. Reverência? É claro que o professor terá de
educar com sua fé e sua moral. Sendo assim, no cumprimento da
lei, cada professor prega a sua fé e incute a sua moral. Posso eu
condená-los?
_ Mas existe um consenso de que a lei quer que se ensine
a fé e a moral cristãs - e não outras !
_ Mas eu serei j ulgado pela lei e não pelo consenso . . .
_ Não m e diga que u m diretor, responsável pela educação
de milhares de j ovens, marginaliza um problema desta magni­
tude !
_ Eu não marginalizo o problema: a Lei é que marginalizou
os diretore m relação ao problema.
t
_ _ A l 'gica está a seu favor, mas a vida e a vontade do povo
estao contr .
_ A v1 . a real e a vontade do povo ensinaram-me que
ninguém po de fazer a vontade de todos tão opostas são as
.
vontades ! Por isso, se eu impusesse, neste colégio , o ensino

2 1
ARMINDO MOREIRA

exclusivo da doutrina cristã, viriam pessoas importantes censurar­


me e exigir que alterasse a norma . . .
_ M a s temos d e encontrar u m j eito d e impedir que esses
professores espalhem seus erros !
_ Temos dois caminhos para conseguir isso, mas temo que
nenhum deles lhe agrade . . .
_ Pois fa l e . Remédio não deixa de ser remédio p o r ser
amargo !
_ A primeira coisa a fazer é pedir ao governo que retire
dos professores a missão de educar; que eles deixem de cometer
um sacrilégio legal, intrometendo-se no que existe de mais sagrado
e exclusivo da família: a educação dos filhos.
_ As igrej as não estão muito interessadas nisso . . .
_ Bem o sabemos . Mas a s igrej as podem comp lementar
ou corroborar a educação dada aos jovens pelos pais, no templo,
no c l u b e , em tantas p ro m oções p o s s íveis - e de ixarem os
estabelecimentos de ensino só com a instrução.
_ Até aí, tudo bem: é só uma questão de lugar. . . E qual é a
segunda via?
_ É o s e n h o r Pad r e e s u a c o m u n i d ade religiosa s e
sacrificarem e orarem para que Deus d ê a esses professores uma
fé esclarecida; e V Reverência ir falar com eles, oferecendo-se
como instrumento de Deus para essas conversões.
_ Se supõe que me decepcionou ou magoou, engana-se.
Trate o senhor diretor de promover o primeiro processo e deixe
o segundo comigo !

12 - ENTREVISTA COM D.JOSEFA

Bom dia, Sr. Diretor!


_ D. Josefa, é um prazer ver a senhora por aqui. Sente-se.
Temos algum problema?
_ E não é pequeno . Para mim, claro ; para os outros será
mesquinho. As pessoas não são iguais . . .
_ Vejamos s e podemos enfrentá-lo.
_ Minha filha, que está com 15 anos , chegou a casa com
umas ideias que me deixaram muito preocupada. A professora

22
PROFESSOR NÃO É E DUCADOR

de História disse, na aula, que moça virgem até o casamento é


mod a ultrapassada; que homem hoj e não go sta d e mulher
inexperiente ; que uma mulher não pode saber se gosta de um
homem, se não o experimentar; que a virgindade de noiva era
uma inj usta exigência machista.
Ouvi um rol destes disparates várias vezes, até que os
decorei. Disse à minha filha o que achei ser de minha obrigação e
o que penso ser o bem dela; mas não hei de fechar o assunto,
se m saber por que razão uma professora de H i s tória ous a
intrometer-se na educação de nossos filhos; e se o sr. Diretor
está de acordo com essas ideias.
_ A situação não é nova. Ela se repete, em muitos colégios,
com grande número de professores. São ideias novas que alguns
professores acham seu dever disseminar.
_ Alto aí! Ideia nova é a da virgindade até o casamento,
porque o costume de deflorar mocinhas, para casarem ou não
depois disso, é tão velho como a Humanidade ; e ainda se usa
entre tribos de povos atrasados. O Sr. Diretor, que não é menos
versado em História do que eu, sabe que assim é.
_ Claro, claro! É uma ideia nova para esta geração . . .
_ Q u e tristeza ! Enganam os j ovens , dizendo-lhes q u e é
novo aquilo que é tão velho . . . Mas deixemos os lamentos. O Sr.
Diretor acha que a professora está certa?
_ Quem sou eu, D. Josefa, para me fazer dono da verdade
ou o árbitro da moral dos outros ?
_ Mas, pessoalmente, o Sr. Diretor deseja e espera que sua
filhinha, que tem agora nove anos, venha a ser deflorada e usada
por vários moços, antes de casar?
_ Se ela o desejar. . .
_ E o Senhor acha que uma pessoa pode e deve fazer tudo
que desej a?
_ Se não causar prejuízo aos outros nem a si mesmo . . .
_ E ser d eflo rada e u s a d a p o r vários m o ç o s não traz
prejuízos à moça?
_ Pode trazer e pode não trazer.
E se trouxer?
São riscos da vida...
_ As s u a s i deias j á eu conheço . Ago ra diga - m e : essa

23
ARMINDO M O R E I RA

professora tem o direito de interferir na educação da minha filha?


Eu não autorizei. Quem autorizou?
A lei.
A lei? ! ! !
_ Sim. Por lei todo professor é u m educador. E como não
existe uma educação oficial obrigatória, cada professor cumpre a
lei dando a 'sua' própria educação.
Então, nada a fazer. . .
_ D e minha parte, nada.
_ Acha que essa lei é justa ou útil?
_ Acho-a injusta e nociva; no entanto tenho de a fazer cumprir. ..

13 - LEGISLAÇÃO SOBRE ENSINO

A legislação sobre ensino deve ter o escopo seguinte: que o


aluno aprenda o que precisa de aprender, no menor tempo possível
e com o menor esforço.
1 o que precisa de aprender . E i s a magna tarefa dos
-

pedagogos - aqueles que deveriam ter o encargo de elaborar os


currículos. O que mais importa, no ensino, é ter currículos bem
feitos. E currículo bem feito é aquele que contém tudo e somente
o que aluno precisa de saber.
2 - no menor tempo possível. A perda de tempo nas
escolas é um comp ortamento deplorável . Há professores que
levam cinco aulas para expor uma matéria que se pode explicar
em uma ou duas aulas. Como se explica tão nociva prática?
3 - com o menor esforço. Há professores que parecem sádicos.
Vem o aluno pedir-lhe um esclarecimento. O professor, sisudo e
enfático, diz-lhe: Vire-se - Mas como?, pergunta o aluno. Vá pesquisar
na biblioteca, responde o professor.
Professores deste tipo apoiam-se no seguinte princíp io
'didático': O professor não deve dar a papinha feita ao aluno. Ora, com
apoio neste princípio, até analfabeto é professor! Não sabem que
tal princípio foi inventado para disfarçar incompetência no pro­
fessor.

24
PROFES SOR NÃO É E D UCA DOR

14 - CURRÍCULOS DURÁVEIS OU EFÊMEROS?

Os currículos aqui considerados são apenas os do ensino


dementar e do ensino médio. E a questão que se deseja enfrentar
é a seguinte: os currículos devem ser duradouros ou convém que
sejam efêmeros? A favor dos currículos efêmeros, alega-se que a
Ciência está em constante e vertiginosa mudança. Por isso, os
c u rrícu l o s não devem ser d u r a do u ro s , para p o d erem ser
atualizados sempre que a Ciência muda.
Este argumento é uma falácia, pois não é verdade que a
Ciência esteja em constante mudança. O que está em constante
mudança, com novidades frequentes e revoluci o n árias , é a
Tecnologia, isto é, a Ciência aplicada. Porém a Ciência, não !
Quais as descobertas havidas no domínio da Astronomia,
nos últimos cinquenta anos, que devam entrar em currículo de
ensino elementar ou de ensino médio ? E nos domínios da
Matemática? Houve neles algu ma descoberta importante, em
tem p o s recentes , que deva ser inclu ída n o s cu r rícu los de
Matemática? A mesma pergunta deve ser feita quanto à Física, à
Química , à Biologia. Para todas as C iências , é verdadeira a
declaração seguinte: nas últimas décadas, não houve descobertas
científicas que j ustifiquem currículos inconstantes, para com elas
serem atualizados .
Nenhum currículo deveria durar menos de vinte anos, para
que nenhum aluno seja forçado a cursar currículo truncado, isto
é, currículo com enxertos.
Os currículos escolares devem fo r necer ao cidadão o
conjunto de conhecimentos e habilidades que lhe permitam viver
com saúde e trabalhar com eficiência.

Nota: Adendo 4, no final do livro, apresenta uma sugestão de currículo para o


Ensino Fundamental.

25
AR M I N D O MOREIRA

15 - AS SETE EDUCAÇÕES

Em programas escolares, encontramos sete educações -


uma educação geral e seis educações especiais. As especiais são:
Educação Física, Educação Cívica, Educação Artística, Educação
Moral, Educação Religiosa e Educação Sexual.
Educação Geral é aquela que todos os professores ministram
- ou dizem que ministram e têm o direito de ministrar.
As educações especiais exigem de quem as ministra uma
preparação adequada, uma habilitação específica. Já a Educação
Geral é ministrada por todos os professores e não exige deles
preparação ou habilitação em Educação Geral. Por isso, profes­
sor de Matemática é educador; professor de História é educador;
professor de Química é educador, etc.
Pode m o s c o n h e c e r o s c o n t e ú d o s p rogramáticos das
educações especiais, mas os conteúdos programáticos da Educação
Geral são um mistério ! . . . Ninguém os vê, ninguém os menciona,
não se sabe quem os formulou. Nenhum currículo os contém;
nenhum programa os apresenta. Não é estranho? !
Acontece também que as educações especiais não são
educações propriamente ditas: cada uma delas é um conjunto de
informações afins. Por isso seria preferível designá-las com os
seguintes nomes : Higiene ou Saúde (em vez de Educação Física) ,
Arte (em vez de Educação Artística) , Civismo (em vez de Educação
Cívica) , Moral (em vez de Educação Moral) , Religião (em vez de
Educação Religiosa) e Sexualidade (em vez de Educação Sexual) .

16 -ATLETISMO OU GINÁSTICA?

Sabendo que a ginástica é útil a todas as pessoas, durante


suas vidas ; sabendo que a ginástica pode ser aprendida até por
crianças mal alimentadas ; sabendo que o atletismo é praticado
por poucas pessoas e que bem poucos alunos tirarão proveito
dele; por quê muitos professores de Educação Física fomentam
o atletismo em detrimento da ginástica?

26
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

17 - EDUCAÇÃO SEXUAL

S obre sexualidade o aluno deve receber dois tipos de


conteúdo : um conjunto de conhecimentos sobre os fenômenos
sexuais e um conjunto de sentimentos e de hábitos que orientam
o uso do sexo.

Os conhecimentos sobre sexo fazem parte dos programas


de Biologia e de Ciências Naturais. Neste capítulo, os programas
não devem ser omissos . Esta matéria é para ser sabida mesmo.
Anatomia do corpo humano e fisiologia da reprodução humana é
conhecimento científico necessário. Tem de ser lecionada na aula
como qualquer outra matéria - como as leis de Newton ou como
a estrutura duma flor. Tem de ser ensinada sem reticências, sem
tabus, sem juízos de valor. É matéria normal e obrigatória dos
manuais.
Os j u ízos de valor sobre o uso do sexo não são matéria
para sala de aula. Os hábitos sexuais e os sentimentos para com o
sexo devem s e r formados e o r i e ntados pelos p a i s o u p o r
pedagogos para tal tarefa preparados. Assim, virgindade, castidade,
anticoncepc i o n a i s , aborto , o rgas m o , frigide z , n a m o r o ,
prostituição, homossexualismo e outros temas desta natureza -
não são assuntos para professor versar em sala de aula. Se os pais
não sabem ou não querem falar destes assuntos a seus filhos,
peçam ao estabelecimento de ensino que designe uma pessoa
idônea para o fazer - se o padre ou o pastor não quiserem ensinar
o aspecto moral destes temas.

18 - CONFLITO DE GERAÇÕES

Já irrita ouvir esta expressão ! É falsa e está sendo usada


para convencer os jovens de que entre eles e seus pais existe um
ab ismo. O pior é que esta ideia j á entrou nas escolas ; e há
professores tão insensatos que dão esse tema como pesqu isa a
estudantes de 12 e 13 anos . . .
É sabido que existem diferenças entre uma geração e a que
lhe segue. S empre assim foi. É normal . De outro modo, não
haveria progresso.

27
A R M I N D O MOREIRA

Porém diferença não é sinônimo de conflito. Se um pai usa


cabelo curto e o filho gosta de cabelo comprido, temos nisso um
conflito? Diferenças no vestuário são conflitos? Todos sabemos
que não!
Mas temos o problema na moral. Para o pai, a virgindade é
um valor; para a filha, não. Para o pai, o aborto é um pecado, para
a filha, é uma defesa legítima. Para o pai, o divórcio é um fracasso
pessoal; para o filho, é uma saída que ameniza o fracasso. Acontece
que quem meteu esses diferentes valores na cabeça de um filho
foi precisamente o homem da geração do pai. Os jovens usam
valores e modas que os mais velhos criaram. Assim, o conflito
está entre indivíduos da mesma geração - os j ovens são apenas
vítimas dos conflitos da geração que os precede. Nós , os mais
velh o s , para j ustificar nossos defeitos ou para tentar algum
progresso, lançamos ideias novas e novos comportamentos que
não podemos experimentar em nós mesmos - e usamos para
isso o jovem, como cobaia. Cobaia da nossa criatividade e vítima
dos princípios que justifuam nossos erros. Para que enganar os
j ovens, dizendo-lhes que os seus novos comportamentos são
fruto da sua própria criatividade? Para envaidecê-los e torná-los
instrumentos ainda mais dóceis e desinibidos?
Conflitos - e graves ! - existem, sim. Mas é entre as pessoas
da mesma idade ou da mesma geração. Entre elas, nascem guerras,
ódios, perseguições, violências de toda a espécie e grandeza. E,
ao contrário do que se prega, muitas vezes são os j ovens que
alertam os mais velhos e os levam a refletir e a não conduzir tão
longe as consequências de seus reais conflitos.
S ou filho; sou pai; lidei com milhares de jovens - e nunca
senti que entre pais e filhos, entre velhos e j ovens, tivesse de
haver conflito.
Caros professores , não digam a meu filho que entre ele e
mim tem de haver conflito. Que mal fez ele, para que mereça
um sofrimento desses, já aos treze anos?
E aqui está um conflito: não entre mim e meu filho, mas
entre mim e alguns mestres da minha geração - que se arrogam
o dever de educar meu próprio filho ! . . .

28
PRO FES SOR NÃO É EDUCADOR

19 - REUNIÃO DE PROFESSORES

O diretor preside e abre a reunião:


_ 'Mães, Pais e Professores. Tenho a honra de presidir a mais uma
reunião de pais e professores. Não é preciso falar da importância destas
reuniões para o entrosamento do colégio com a família. Os pedagogos
recomendam e o governo impõe que asfaçamos - e é por isso que as promovo.
Estamos com 1. 200 alunos. Poderiam estar, hoj e , neste
salão, 2.400 pais. Apenas compareceram 90 - e esta é a mais
concorrida das reuniões! Como se explica? Desinteresse pela
educação dos filhos? Falta de tempo? Não quero julgar. Desejo
aos p resen tes u m a proveitosa reunião. Coloquem seus
problemas.'
D . Adelaide perguntou se o uniforme ia ser alterado; D.
Antônia quis saber se as apostilas eram gratuitas; S r. Renato
indagou sobre o número de inspetores; D. Teresa entende que o
chofer do ônibus não está agradando; S r. Felisberto propõe que
não se vendam chicletes na cantina; Prof Quíria sugere que as
saias do uniforme passem a ser um pouco mais curtas - ao menos
1 O cm acima do joelho - para não destoar da moda; D. Lila nota
que estão dando pouca tarefa para casa; Prof Cristina viu ontem
papéis no chão.
Foram gastos 75 minutos com estas questões. No decurso
deles, o diretor pensou, mais uma vez, que estas reuniões são
inúteis - tanto pela inexpressiva presença de pais, como pela
insignificância dos temas tratados. Parecia que não havia mais
assunto, quando o sr. Euclides pediu a palavra e disse: Não é
segredo para ninguém que o vício da maconha está invadindo a nossa cidade.
Autoridades, polícias e organizações de serviço estão atentas; quero saber se o
colégio fez algu ma coisa, até agora, contra o vício da maconha entre seus
11/unos; e que pretendefazer daqui em diante.
A assembléia explodiu num aplauso. O diretor ergueu-se
para falar, n u m impu lso de q u e m há m uito espe rava este
momento, e disse :
_ Senhoras e Senhores. Vício de maconha é prazer de espíritosfracos.
Sr umjovem com 17 anos, sabendo que a maconha lhe arru ína corpo e
111cnte e o transforma num perigo social, persiste em usá-la - essejovem não
wcsta! Se ele não se arruinar pela maconha, irá arruinar-se por outros

29
A R M I N D O MOREIRA

processos - e processos não faltam. . . À sociedade convém conhecer os jovens


que não prestam, para que não fiquem camuflados entre os bons; para que
nãofaçam casamentos trágicos com jovens normais; para que não alcancem
lugares de comando em que fomentam a corrupção; para que não espalhem
pelo casamento e pelo emprego a infelicidade. Em conformidade, a venda de
maconha deveria ser livre! Todo o estúpido, todo jovem que não presta
deveria ter acesso a ela, para mais facilmente o identificarmos e tomarmos as
providências necessárias para dele nos livrarmos.
·

Sei que neste momento vocês estão divididos. Contra a


minha tese estão aqueles que têm filhos viciados e os amam; a
favor dela estão os pais de filhos normai s , temendo que seus
filhos sejam vítimas do amor dum maconheiro camuflado. Para
uns, eu disse uma heresia repelente; para outros, uma verdade
lapidar.
Por outro lado, senhoras e senhores, eu juro por todos os
evangelhos que neste colégio não damos dinheiro aos vossos filhos
para eles comprarem maconha. Eles compram-na com o dinheiro
que vocês lhes dão ! ! E os Senhores vêm propor ou exigir que eu
fiscalize ou evite o mau uso do vosso dinheiro? Até que ponto
pode um colégio ter função policial? Até que ponto podem os
pais ser irresponsáveis ?
Chocados? ... Também eu. Vocês, só de agora; eu, desde há
muito !'
E acabou a reunião.

20 - PREPARAR PARA A VIDA...

Um professor vê, diante de si, as mesmas caras, durante


180 dias ! Nada mais monótono. As bobagens e as traquinices dos
alunos repetem-se. De ano para ano, o desinteresse e a indisciplina
se apresentam sem indícios de criatividade . . . Uma sala de aula,
ao fim de um mês, só tem graça para quem a vive na fantasia. A
responsabilidade pelo aproveitamento escolar de trinta alunos
pesa. Pesa muito! E essa cantiga, enj oativa de tão repetida, que
diz que um bom professor se diverte ensinando, já deveria ter
passado de moda. Isso p ode acontecer e acontece, de vez em
quando; mas não é a norma. A norma é um indefinido cansaço,
uma rotina de operário na produção em série . . .

30
P ROFES SOR NÃO É EDUCADOR

Nas outras atividades, o profissional pode estar aborrecido,


uma vez por outra. Ninguém censura por isso; não se diz que tal
fato é despreparo profissional. Mas, na aula, professor não pode
estar aborrecido : é despreparo profissional ! Nem pode alterar
seu ânimo carinhoso, compreensivo e atento, quando algum aluno
se manifesta pedante, grosseiro e injusto. Professor tem de ser
uma super-simpatia, um herói, um santo.
Quem será capaz de desmascarar esta falsa pedagogia? Pro­
fessor é um impossível tomado como real. Impostura! ! !
Preparar para a vida não é enganar as crianças e o s pais,
dando-lhes uma imagem do professor que não existe. Professor
é um ser humano comum: não tem de ser um santinho, nem
tem de ser um modelo de tolerância, não tem de ser um milagreiro
que educa num mês a criança durante anos deseducada . . . Profes­
sor tem virtudes e defeitos: como os pais de seus alunos, como
os irmãos dos seus alunos, como os vizinhos dos seus alunos. E
metam isto na cabeça dos meninos, para que eles não sofram
decepções ou até traumas, quando descobrirem que professor
não é super-homem. E eles descobrirão isso, mais tarde ou mais
cedo .
Diz-se q u e , se o professor s e reve stir d u m a aura de
superioridade, sua influência sobre os alunos é maior e seu trabalho
ficará facilitado. De acordo ! Mas faça cada professor sua própria
aura, com seu valor pessoal, com a sua virtude mais notável. Nada
de atribuir a todos os professores - bons e maus, competentes e
incompetentes - a mesma respeitabilidade e o mesmo mérito .
Que o prestígio do professor não lhe advenha da função, mas da
sua capacidade de a exercer.
O que estamos fazendo não prepara para a vida, porque a
vida é um encontro constante com pessoas boas e com pessoas
más, com competências e com incompetências, com disciplinados
e com indisciplinados.

21 - ERA, UMA VEZ, UM MENINO BONZINHO...

E seu nome era Gustavo. Estudava pouco. Na verdade, nem


estudava . Era q u i e t i n h o na a u l a . Fazia m u i to s ap arte s ,

3 1
ARMINDO M O REI RA

habitualmente estranhos ou tangenciais à matéria que o profes­


sor expunha. Por isso, era menino bem comportado e participante.
Seus professores, que se consideravam educadores, não
estavam muito preocupados com o que os alunos aprendessem
dos conteúdos programáticos: importante para eles era a educação
que o aluno levava da escola. E, nesta perspectiva, a avaliação dos
alunos era feita mais por critérios subjetivos do que por provas
em que os alunos mostrassem conhecimentos. Por isso, o colar
nas provas era consentido; e, se algum carecia de esperteza para
colar, o professor sempre dava umas dicas. A média final dos alunos
era a soma da esquisita mistura de: aproveitamento, comportamento,
pesquisa e participação nas aulas. Apareciam médias de nove feitas assim:
três por aproveitamento , dois por comportamento , dois por
participação e dois por pesquisa. A maioria dos alunos gosta desta
maneira de fazer as médias; os pais, que não são informados sobre
estes critérios educacionais de promover alunos, diante de notas
altas não veem por que reclamar.
E foi assim que o Gustavo acabou o 2º grau de magistério.
Formou-se professor ... Um professor muito educado; um pro­
fessor que se metia em qualquer conversa e em qualquer iniciativa;
u m p rofessor cortês , ativo e s i m p á t i c o , q u e tinha bom
acolhimento entre os mestres e uma certa liderança entre os
colegas .
No ano que s e segu iu à colação de grau, Gustavo não
encontrou vaga nas escolas vizinhas. Para não ficar um ano
desemp regado, na e s p e ra de u m a vaga, r e s o lveu p r o c u rar
emprego. E não demorou para encontrar.
O primeiro emprego foi num escritório de representações,
pertencente ao sr. Albino Brás. O sr. Brás ditou minuta de carta
para uma de suas representadas. Gustavo fez a carta. E, no dia
seguinte, quando foi para assinar, o sr. Brás leu :

11.mo Sr.
Chefe da PANINSECT
O sr. Brás, que é o dono desta impreza manda dizer.

Primeiro ; a remeça do mês que acabou no dia trinta e um


de julho do mês passado, não vinha boa, por que os sacos
debaixo tinham buracos que esparramavam enceticida no

32
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

caminho e no camião, e nos olhos das pessoas e atacava a


ecologi a; que é um crime que agente tem de formar
conciência critica, senão já vê, Segundo; o pagamento vai
ir em xeque na semana que vem. Terceiro; o desconto dos
sacos que tinham buracos quem paga é você. porque o meu
patrão não tem o direito do agüentar esse prejuízo pode
mandar. mais remessa na semana que vem ; m as o sr. Brás
não quer ver saco botando fora.

Com votos de estima e tudo bom

Lendo isto, o Sr. Brás pensou: Esse espertinho comprou o di­


ploma; pois que vá pedir emprego a quem lho vendeu . E despediu o sr.
Gustavo .
Mas, oito dias depois, ele já tinha novo emprego: balconista
de farmácia. Nos três primeiros dias, só olhou, para se adaptar.
No quarto dia começou a trabalhar. O primeiro cliente que se
dirigiu a Gustavo disse: Ando com umas erupções na pele, que me surgem
quando me exponho muito ao sol; sou alérgica a luz. Dê-me um anti­
alérgico para aplicar na pele. Gustavo olhou as erupções no ombro
da cliente e pensou: Eu já vi isto nas crianças da escola; eu mesmo
j á tive u m a vez e o remédio b o m é aquele q u e se c h am a
c111tiescabiótico. Pegou o frasco, embrulhou e entregou à cliente que
pagou e foi embora. Mas, duas horas depois, a cliente voltou,
c hamou o gerente da farmácia e xingou a incompetência que
confunde anti-alérgico com remédio contra sarna. O gerente pediu
d e s c u l p a , corrigiu o erro - e des pediu o S r. G u s tavo , p o r
i rresponsabilidade.
O terceiro emprego foi no escritório duma serraria. No
primeiro dia, à tarde, o patrão mandou que o Sr. Gustavo cubicasse
1 1 111 caminhão de madeira que acabava de chegar. Gustavo foi,
111cdiu e calculou. Resultado: o caminhão trazia 75 metros cúbicos
de madeira. O chofer do caminhão bateu palmas e estourou
n u ma gargalhada; o dono da serraria franziu a testa e disse que
1 Ião queria gracinhas no trabalho. Gustavo, encabulado, foi fazer
1 1 1ais cálculos e trouxe o resultado: o caminhão trazia mesmo 7,5
1 1 1etros cúbicos de madeira. O patrão sorriu com malícia, mas o
r l i ofcr não gostou e protestou e jurou que cortaria uma coisa se o
1 ; 1 1 1 1inhão estivesse com menos de 1 1 metros cúbicos de madeira.

33
ARMINDO M O REI RA

A conversa azedou ; o patrão foi medir e calcular a carga; à noite,


o S r. Gustavo foi despedido.
Em novembro, Gustavo já tinha passado por seis empregos,
e em nenhum deles permaneceu mais de três semanas. Agora ele
era um revoltado contra a sociedade e contra os patrões. Para ele,
esta sociedade é uma droga ; a escola tem de fazer alguma coisa
para educar; o professor é a salvação desta sociedade podre! !
Entretanto, su rgiu uma vaga de professor, numa escola
vizinha, para Gustavo. Agora, ele vai educar; vai educar os filhos
dos outros . . . Vai educá-los à sua imagem e semelhança . Vai
preparar cidadãos para a vida - tal qual como ele foi preparado . . .

22 - SOBRE MACHISMO

Aluno: Professor, o que é machismo?


Pro( : Machismo é a crença ou teoria segundo a qual o homem é
modelo de comportamento e de avanço cultural. Desta teoria ou crença infere­
se que:
a) - os vícios dos homens são virtudes que as mulheres
podem imitar;
b) - a perfeição da mulher consiste em assemelhar-se ao
homem.
Aluno: Então, o machismo é a crença de que o homem é superior à
mulher?
Pro( : Sim.
Aluno: Então, o homem não é superior à mulher?
Pro( : São diferentes, mas nenhum é superior ao outro. São iguais
apenas em dignidade. No mais, são diferentes.
Aluno: Não professor! Homem e mulher são iguais também em
direitos.
Pro( : Depende! Há três espécies de direitos: osfandados na natureza
humana - dignidade humana; direitos fandados na necessidade; e direitos
fandados na lei. Homens e mulheres são iguais em direitos decorrentes da
dignidade humana. Quanto aos direitos decorrentes da necessidade, não
importa se é homem ou mulher; o critério é o seguinte: tem mais direitos
quem tiver mais necessidade. Quanto aos direitosfandados na lei, os direitos
dos homens e das mulheres igualam-se ou divergem conforme o país em que

34
PROFES S O R NÃO É ED UCADOR

a lei é promulgada. Pelo que consta, a lei, em países muçulmanos, dá menos

direitos às mulheres do que em países cristãos. E, em países cristãos também,


até há pouco tempo, mulheres e homens tinham direitos diferentes.
Aluno: Essa maneira de explicar o machismo fica muito abstrata.
Prof. : Vóu tentar exemplificar. Afirmar que o homem se inferioriza
quando assume comportamento feminino não é machismo; qfirmar que a
mulher se inferioriza quando assume comportamento masculino não é ma­
chismo. Sobrevalorizar hábitos e profissões típicos dos homens é machismo;
desvalorizar hábitos e profissões típicas da mulher também é machismo.
Correto é reconhecer e respeitar as diferenças naturais entre homens e mulheres,
sem ver nelas superioridade ou inferioridade.
Aluno: Mas será que existem hábitos e profissões, uns de homem e
outros de mulher?
Prof. : Andam dizendo que não, mas é por engano. Sempre houve e
sempre haverá hábitos e profissões típicas de um ou de ou tro. A regra é:
profissões que exigem muito esforço fisico reservam-se para os homens. Na
medida em que a tecnologia elimina o esforço fisico de algumas profissões,
elas passam a ser exercidas também por mulheres.
Alu n o : Parece q u e e s s a m u d a n ç a está a c o ntecendo
intensamente, porque as mulheres estão exercendo profissões
que eram dos homens.
Prof. : Bem observado. E, para entender melhor o advento dessa
mudança e de outrosfenômenos, conviria fazer uma pequena digressão pela
história. Podemos fazê-la?
Aluno: É pra já!
Prof. : Outrora, marido e esposa eram analfabetos. E eram felizes
assim. Ambos sabiam as mesmas coisas. Ambos sabiam quando semear,
quando regar e quando colher. Ambos sabiam tecer e fazer queijo. Ambos
acreditavam que as doenças eram dadas por Deus; ambos confiavam em chás
e faziam fé nos poderes do curandeiro. Mas, a partir du ma certa época,
surgiram escolas nas cidades grandes. Quem fosse estudar nas escolas tinha
mais facilidade para ganhar dinheiro e viver no conforto.
Naquele tempo , o homem tinha o dever de garantir o
sustento da esposa e dos filhos. Então, a quem competia ir estudar?
Claro, ao homem. As mulheres não precisavam de estudo, porque
não estavam obrigadas a garantir o sustento de ninguém - nem o
seu próprio ! E, assim, as mulheres ficavam analfabetas.
A partir daí, surgiram casais culturalmente desajustados. Um cônjuge
com instrução - e às vezes com curso superior; o outro, analfabeto. Não há

35
A R M I N D O MOREIRA

saúde quefaça o milagre de manter um casal dessesfeliz. A desarmonia dum


casal é quase sempre proporcional à diferença de cultura entre os cônjuges.
Aluno: Parece que o fato de só os homens irem estudar é uma
manifestação de machismo.
Pro( : No início, o fato de só os homens irem estudar não era ma­
chismo . Bem ao contrário : a mulher superprotegida, não tinha
de sair do conforto da família, para ir estudar numa cidade que
tivesse ensino, vivendo em república de estudantes ou pensão de
poucas comodidade s . N e s s e temp o , em que a mulher não
precisava de ganhar dinheiro, mulher que estudasse seria um luxo
extravagante ou um esforço inútil.
Mais tarde, quando o número de homens letrados se tornou
dominante, a sociedade dividiu-se em duas classes - a dos letrados
e a dos analfabeto s . E as mulheres pertenciam à classe dos
analfabetos ! E os analfabetos eram, culturalmente, inferiores aos
letrados - porque não sabiam de política, não liam jornal nem
romances, nem poesia; não entendiam teatro, não apreciavam
um concerto ou um recital; nada entendiam de pintura e escultura.
Enfim: não participavam duma conversa, numa roda de maridos
ou amigos letrados. Este fato, com o decorrer do tempo, fez
com que a inferioridade do analfabeto fosse associada ao conceito
de mulher; e que a sup erioridade do letrado fosse l igada ao
c o n c e i to de h o m e m . E , i s to s i m , tais a s s o c iações geram e
alimentam o machismo.
Aluno: Sendo assim, essa fonte de machismo vai desaparecer.
Pro( : Sem dúvida. Os homens foram multiplicando as escolas por
cidades, vilas e aldeias. E, hoje, homens e mulheres estudam, nas mesmas
escolas, os mesmos programas. Estefato está eliminando o machismo derivado
da diferença de instrução. Este é um processo social irreversível.
Aluno: Mas há outro sintoma de machismo: é o fato de os homens
excluírem mulheres de certas profissões.
Pro( : Aí está mais uma distorção dos fatos, que serve apenas para
alimentar discursos de quem fala demais e estuda pouco. O exercício das
profissões assalariadas obedece à seguinte lei econômica: 'um emprego será
dado a quem garanta ao empregador mais eficiência por menor salário. '
Ninguém recusa dar emprego a uma mulher simplesmente
por que é mulher. Tal atitude seria prova da incompetência do
empregador. O que leva a recusar uma mulher numa atividade
produtiva é o medo de que ela sej a incompetente e de que ela

36
PROFES SOR NÃO É E DUCADOR

produza menos do que se espera de um assalariado na atividade


por ela pretendida.
Aluno: Mas esse medo é infundado, porque as mulheres estudam
como os homens e os diplomas delas têm mérito igual aos diplomas dos
homens.
Pro( : É infu ndado hoje. Mas não era há cem ou até mesmo há
cinquenta anos. Em tempos não muito distantes, era uma raridade a mulher
preparada para exercer uma profissão que exigisse instrução escolar.
É verdade q u e , em temp os mais recuado s , não havia
médicas , nem advogadas, nem j uízas , nem engenheiras, nem
deputadas, nem governadoras , nem pesquisadoras de ciência e
de tecno logia . Mas não era porque os homens - levados por
sentimentos ou convicções machistas - afastassem as mu lheres
de tais atividade s . I s s o acontec ia s i m p l es m e n te p o r q u e as
mulheres ainda não se dispunham a fazer cursos superiores ou
c u r s o s p r o fi s s i o n a l i zantes q u e exigi s s em e s t u d o fo rm a l
prolongado, para tais profissões. D e modo que não h á nem houve
profissões trad i c i o n a l mente masc u l ina s . O que h o u v e fo i
profissões que exigiam habilitações que só os homens adquiriam;
porque só deles se exigia o sustento da família; e porque somente
aos homens se consentia o sacrifício e a renúncia que acompanhava
o estudo para tais profissões.
Aluno : E por quê os salários das mulheres são inferiores aos dos
homens? Isso não é machismo?
Pro( : Então, mais um pouquinho de história, antes de responder.
Antes da revolução industrial e da revolução tecnológica,
trabalho assalariado era trabalho pesado. Naqueles tempos
empregava-se até a expressão "trabalho servil", para designar os
trabalhos habitualmente dados a escravos e a servos - porque
exigiam maior esforço físico.
Quando as mulheres eram contratadas para tais trabalhos
servis , elas sempre recebiam salário inferior, porqu e , s endo
fisicamente mais débeis, produziam menos. Ninguém achava
inj usto, então, que o s alário masc ulino fosse maior que o
feminino. E ninguém via nisso machismo. A diferença de salário
resulta da diferença de produtividade.
Aluno : Em tempos passados, numa economia sem máquinas, muito
bem! Mas, hoje, como se explica que as mulheres tenham salários inferiores
aos dos homens?

37
ARMINDO MORE I RA

Prof : Não vejo como dar uma resposta generalizada à sua questão.
Por isso chamo a atenção para os fatos seguintes .
Primeiro : não exi ste d iferença d e s a l ário fem inino e
masculino, em serviços públicos onde os empregos se conquistam
por concurso.
Segundo: nas profissões liberais, não há indícios de que as
mulheres recebam remuneração inferior à dos homens. Terceiro:
os salários da iniciativa privada regem-se pela lei do maior lucro.
Esta lei impõe que o empregador contrate, entre dois empregados
de igual eficiência, aquele que exija menor salário. E, pelos indícios
disponíveis, na hora de fixar o salário, a mulher é menos exigente
do que o homem. Sinal de que a diferença de salário entre homens
e mulheres, na iniciativa privada, nada tem a ver com machismo;
prova disso é o fato de qu e , nas empresas gerenciadas por
mulheres, essa diferença também ocorra. Concluindo : quando
as mulheres forem tão exigentes como os homens na quantificação
dos seus salários, desaparecerá a diferença entre salários de homens
e mulheres para a mesma função.
Aluno: As mulheres ficaram privadas de direitos políticos,
até há bem pouco tempo. Não foi isso uma manifestação de ma­
chismo?
Prof. : Para responder é preciso dar mais uma olhada na história.
Nos tempos dos monarcas absolutos, a política estava intimamente ligada à
guerra e a guerra era para os homens; não por machismo, mas por aptidão
natural. Por isso, naqueles tempos, mulher na política era fenômeno raro.
Mas acontece que, no princípio do século XIX, a monarquia absoluta foi,
pouco a pouco, substituída por governos constitucionais; os políticos deixaram
de ser guerreiros, isto é, militares; e a atividade política passou a exigir
escolarização. Estavam criadas as condições para que as mulheres entrassem
na política, se elas fossem escolarizadas. Aconteceu que, durante o século
XIX e início do século XX, as mulheres ou ficavam analfabetas ou quase.
Neste estado, não podiam entrar na política. Quando as mulheres entraram
para valer nas escolas, logo assumiram, com galhardia e competência, atividades
políticas.
C o n c l u ímo s : não foi o m a c h i s m o q u e i m p e d i u as
mulheres de atuar na política - foi apenas a falta de instrução.
Aluno: Como deve então ser vista a reserva de cargos políticos para
mulheres?
Prof. : Como um insulto machista. Elas não precisam de privilégio

38
PROFES SOR NÃO É E DUCADOR

que tenha como pressuposto a sua inferioridade, a sua incapacidade para


competir. Porque, de duas uma: ou as mulheres são tão capazes como os
homens ou elas são menos capazes do que os homens. Sendo elas igualmente
capazes, porquê humilhá-las com uma proteção que as supõe inferiores? E se
elas são menos capazes, para que as querem na política? Neste mato há
ratões. Oh! Se há. . .
Aluno: Que relação existe entre machismo e agressãofoica às mulheres?
Pro( : Nenhuma.
Aluno: Explique-se, porque não é isso que se ouve por aí!
Pro( : Então eu explico. A minha resposta baseia-se nos considerandos
seguintes: Primeiro - Os homens agridem praticamente mais homens do
que mulheres. Estimo que, em cada cinco agressões cometidas por homens,
uma só tem mulher por vítima. Segundo - O comportamento que decorre
do machismo é a proteção e não a agressão. Quem agride o mais fraco é
covarde. E machismo não se confunde com covardia. Proteger a mu lher
pode ser machismo; agredir a mulher pode ser covardia - mas machismo
não é. Terceiro - Grande número de agressõesfeitas por homens a mulheres
decorrem de distúrbios emocionais - que são doenças e nada têm a ver com
machismo. Quarta - Muitas agressões feitas por homens a mulheres são
feitas sob efeito de álcool. Nestes casos, há perda do autodomínio. O ato da
agressão não resulta de sentimentos ou convicções machistas. Um bêbado não
é machista nem feminista: é uma força incontrolada.
P. S . Um professor dificilmente se livra de ser solicitado
para abordar temas como este - fora do seu programa e até fora
do currículo. Nestes casos, o professor deve ou não aceitar a
solicitação? Depende: se o assunto é educativo , deve recusar; se
o assunto é informativo, pode aceitar, caso se sinta informado
sobre o tema. Como se vê no exemplo presente, o tema ma­
chismo fo i a n a l i s ado em seu a s p e c to histórico - p o rtanto
meramente informativo .

23 - SOBRE VIOLÊNCIA

Na aula de ontem, o assunto foi a conceituação de ato


voluntário e ato involuntário. Saul e Alzira, em jeito de corolário,
animaram uma reflexão sobre violência.

39
AR MINDO MOREIRA

Saul: Atualmente,fala-se muito em violência. Que devemos entender


por violência?
Pro( : Eu entendo que violência é o emprego voluntário da força:
a) impositiva de comportamentos proibidos;
b) impeditiva de comportamentos permitidos ;
c) excessiva, na coação exercida pelo poder público.
Saul: Então, se o uso da força não for voluntário, não há violência.
Pro( : Exato. Agressão de louco, de bêbado e de doentes da vontade
é desastre natural - e não violência.
Alzira: Por quê tantas pessoas cometem ações violentas?
Pro( : Porque querem.
Alzira: Mas não existem causas para esse querer?
Pro( : Causas, não; mas circunstâncias propícias, sim.
Alzira: E quais são essas circunstâncias quefavorecem a violência?
Pro( : São as seguintes:
1° A necessidade e o desej o de j u stiça, frustrados pela
-

demora e pelo custo da justiça oficial. Esta circunstância instiga a


dois procedimentos selvagens que são:
a) ser juiz em causa própria;
b) ser executor de sua própria sentença.
A sede de j ustiça, q u ando frustrada, torna-se sede de
vingança. Esta cega a razão e impele para a violência.
2° A fome. A fome não tem lei. Por isso . . .
-

3° - As drogas.
Nenhuma destas circunstâncias justifica o uso da violência.
Mas se tais circunstâncias sumissem ou fossem atenuadas, pouca
gente decidiria pelo uso da violência.
Saul: Em coerência com essa maneira de ver, diga-nos: o homem
nasce bom ou nasce mau ?
Pro( : Nem bom nem mau. O homem será bom ou será mau,
conforme o que ele 'decida'fazer para os outros e para si mesmo.
Saul: Mas a sociedade não é responsável pela violência?
Pro( : Não! A palavra 'sociedade' designa u m conceito que, por
natureza, é abstrato; e os crimes sãofatos concretos. É evidente que um ente
abstrato (sociedade) não produz qualquer fato concreto (um assalto, por
exemplo). Se a sociedade tivesse a culpa de alguma violência, a sociedade
deveria ir para a penitenciária . . . J4 culpa é da sociedade' vira desculpa de
criminoso. Essa tese inocenta o criminoso e culpa u m ente abstrato. Só

40
P ROFES SOR NÃO É EDUCADOR

criminosos e ingênuos proclamam que da violência que nos aflige 'a culpa é
ela sociedade'.
Alzira: Na definição, não captei bem o alcance da alínea 'c'. Daria
para torná-la mais clara?
Prof. : Tentarei. O emprego daforça necessária e suficiente para fazer
cumprir a lei não constitui violência. Então, quando a polícia emprega a
força para fazer cumprir a lei, não comete violência. Mas, se ela emprega
mais força do que a necessária, a ponto de causar sefrimento maior do que o
indispensável, configura violência. Portanto, uso da força nem sempre é
violência.

24 - EDUCAÇÃO INTEGRAL

O que é educação integral? Eu não sei. E não encontrei a


definição em lugar nenhum. E nem encontrei pessoa que, falando
de educação integral, mostrasse que sabia do que estava tratando.
Está na moda o emprego da expressão educação integral. Ela
enfeita discurso para todas as circunstâncias ligadas ao ensino :
para inaugurar sala de aula, biblioteca ou au"ditório, para j ustificar
excursão , comp etição ou festa ; p ara solenizar a aq uisição de
computador, de acesso à internet, de gravador, de filmadora, etc.
Há tempos, li um texto que incluía na educação integral as
seguintes educações : educação social, educação físico-motora,
educação intelectual, educação estética, educação técnica, educação
moral e educação religiosa. Esta lista de educações é indício seguro
de que a expressão educação integral não tem significação clara.
E, para aumentar a confu são , empregam-se expressões
parecidas para designar ensino em dois turnos para a mesma turma.
Em julho de 2010, um jornal diário, numa curta reportagem, usou
as seguintes expressões: educação em tempo integral, ensino de tempo
integral, ensino integral, escola em tempo integral e ensino em tempo inte­
gral.
Isto não é uma simples questão d e palavras; isto é uma
questão de linguagem confusa que remete a uma questão de
discurso tapeador que encobre uma questão de ignorância não
assumida.

41
ARMINDO MOREIRA

25 - ENSINO CONFESSIONAL

O foco destas reflexões é o ensino público bem como o


ensino particular não confessional.
O ensino confessional oferece, além dos currículos oficiais,
um programa educativo conhecido do público e aceito ou desejado
pelos pais de seus alunos . No ensino confessional, os professores
são selecionados em conformidade com os objetivos educacionais
da instituição que os contrata. No ensino confessional, o profes­
sor é, de fato, educador - mas só na medida em que colabora no
programa educativo da instituição que o contratou.

26 - CONCLUSÃO ERRADA

A professora tem 25 crianças na sala. Cada criança tem de


usar três cadernos por dia - porque a p rofessora trabalha com
três disciplinas por dia. São 75 cadernos para examinar e corrigir,
em cerca de três h oras ! ! ! De modo que, p ara examinar todos
esses cadernos e passar tarefa para o dia seguinte, o tempo esgota­
se - e muitas vezes não chega ... Resultado: a professora não tem
tempo para ensinar; limita-se a passar tarefas para casa e a cobrá­
las.
S e a criança tem mamãe instruída, esta aj uda, em casa, a
fazer o s deveres e a estudar; mas, se a criança tem mamãe
analfabeta ou que trabalha fora, ela não tem quem a ajude a fazer
a tarefa e a estudar. . . No dia seguinte, na escola, a professora
verifica: os filhos dos ricos fizeram tudo direitinho; os filhos dos
pobres não fizeram os deveres ou fizeram-nos muito mal. E a
professora conclui: As crianças carentes são menos inteligentes que as
ou tras.
Porém, se a professora abandonar os cadernos e parar de
passar tarefa para casa; se ela ensinar o programa na sala de aula,
repetindo explicações e exercícios; a professora terá uma surpresa:
as crianças carentes aprendem tão bem como as outras.

42
PRO FES S O R NÃO É E DUCADOR

27 - INSUCESSO ESCOLAR

H á três tipos de insucesso esco lar. Primeiro: o aluno


abandona a escola. Segundo: o aluno não é promovido. Terceiro:
o aluno é promovido sem mérito.
No primeiro caso, o prejuízo é mais individual do que so­
cial. No segundo caso, o prejuízo é tanto individual quanto so­
cial, porque a par dos prejuízos individuais, ocorre a perda dos
cu stos sociais que a comunidade suportou para que o aluno
frequentasse a escola. No terceiro caso, os prejuízos são sociais.
O terceiro tipo de insucesso traz à sociedade p rej u ízos
i ncomensu ráve is - mediante a incom petência de médico s ,
engenheiros, condutores d e automóveis, mecânicos, qu ímicos ,
etc.
Talvez o Código Penal devesse contemplar severamente
quem emite diploma para incompetentes.

28 - SEÇÕES DE UMA TURMA

Qualquer turma de alunos tem três seções . A p rimeira


secção é formada pelos alunos que ouviram aquilo que o profes­
sor disse e entenderam o que foi dito . A segunda secção é
constitu ída pelos alunos que ouviram, mas não entenderam. A
terceira secção ab range os que não o uviram e j u ram q u e
entenderam.
Esta terc eira seção é um pavor ! Chega a esc rever nos
cadernos de apontamentos frases que o professor não disse nem
pensou! - e j ura que as ouviu, na aula do dia tal do mês qual, da
boca do professor.
Ainda não se inventou maneira de defender um professor
dos ataq ues da terceira seção. Por isso, é bom que todos os
professores saibam que ela existe e que quando menos se espera,
ela ataca. E dói ! ! Imagine-se que um aluno da terceira seção, numa
prova, escreve uma daquelas besteiras que faz tremer céu e terra.
E quando o professor lhe assinala o erro na prova, o aluno,
revoltado, mostra o apontamento no seu caderno, para provar
que aquela besteira foi ensinada pelo professor. Situações como

43
ARMIN D O MOREI RA

esta evitam-se, quando o professor redige o programa que leciona


e dá aos seus alunos cóp ias do seu texto. Dar aulas sem texto é
correr um risco sem proveito algum em contrapartida.

29 - RELACIONAMENTO PROFESSOR-ALUNO

Eis um tema que todo mundo acha que domina! Não falta
quem dê conselhos aos professores sobre este complexo assunto.
Porém o número de conselheiros diminuiria muito, se as pessoas,
antes de emitir qualquer conselho sobre tal matéria, refletissem
sobre os tópicos seguintes.
I - Professores e alunos, por serem livres, não reagem da
mesma maneira quando postos nas mesmas circunstâncias.
II - Quando se fala das relações entre professor e aluno,
deve-se ter em conta se o aluno é criança, p ré-adolescente ,
adolescente o u adulto.
III - Professor não é mágico: capaz de moldar consciências
como oleiro molda barro; capaz de corrigir em semanas o que os
pais desorientaram em anos.
IV - Profe s s o r não p o d e s u b s t i t u i r p s i q u i atra , nem
psicanalista, nem psicólogo.
V - Professor não é fria máquina de ensinar; ele sente alegria
e tristezas, simpatias e antipatias, medo, vergonha e brio; ele tem
direito de reagir legalmente a provocações e insultos.
VI - Aluno em grupo - em sala de aula - não se comporta
como quando está separado de seus colegas. Em grupo, costuma
perder medo, vergonha e boas maneiras.
VII - No ensino elementar, o professor deve adaptar-se ao
aluno; no ensino superior, o aluno deve adaptar-se ao professor.

30 - AULA FALADA

Já se publicou que 90% dos nossos conhecimentos entram


pela vista, 8% pelo ouvido e 2% pelos outros sentidos.
Perante esta informação, somos levados a meditar sobre o
valor da aula falada. E a primeira coisa que vem à mente é perguntar

44
PROFES S O R NÃO É E D UCADOR

por quê, então, continuamos a dar aulas faladas.


Por experiência individual, sabemos que mais vale uma hora
de atenta leitura do que várias h o ras de audiênc ia, q uando
q ueremos aprender um assu nto que está escrito em estilo e
vocabulário acessível à nossa capacidade. A pesquisa confirmou o
que todos sabemos empiricamente .
Em face de nossa experiência e em conformidade com os
dados da pesquisa, a aula falada já deveria ter sido posta de parte;
mas não o foi e tarde virá a sê-lo, porque vários obstáculos se
opõem .
Vej amos, em primeiro lugar, como seria uma aula sem
palestra.
A turma entra na sala para estudar Geografia, História ou
Matemática; cada aluno abre seu manual e lê o texto, para entender
e fixar. Quando surge uma dificuldade de interpretação - texto
confuso, vocab ulário técnico desconhecido, aparente ou real
contradição com o que já se aprendeu - o aluno vai à mesa do
professor pedir exp l icação . Quando mu itos alunos pedem a
mesma ajuda, o professor interrompe o estudo individual e, tão
rapidamente quanto possível, explica o assunto para a turma inteira.
Após isto, todos voltam ao estudo individual.
E eis as obj eções contra a aula sem palestra:
1 - Este método só tem eficácia a partir da qu inta série. Tem
fundamento esta objeção, mas nada impede que o método seja
usado após a quinta série - a menos que o aluno saia do Ensino
Primário sem saber ler.
2 Não serve para ensinar línguas. De acordo ! Mas serve para
-

as demais disciplinas.
3 Exige que os manuais sejam bons e contenham todo o programa.
-

Sej a qual for o método de ensino, é necessário que os manuais


tenham essas qualidades.
4 Exige que todos os alunos tenham livro. Nada poderá j ustificar
-

que haj a alunos carentes de livro . Não há no Mundo país tão


miserável, que tenha de ter crianças sem livro.
5 O professor tem de dominar muito bem toda a matéria e conhecer
-

o manual quase parágrafo a parágrafo. Claro que sim, mas de outro

modo não é professor. . . Professor que decora hoj e uma lição


para recitar amanhã já deveria ter desaparecido.

45
ARM I N D O MOREIRA

As objeções não j ustificam pôr o método de parte. Façamos


votos para que algum estabelecimento de ensino resolva fazer o
melhor, pondo de lado a aula medieval. A aula falada era a única
possível, antes da invenção da imprensa, quando só o professor
tinha livro - e, por vezes, nem o professor. . .
Os alunos adaptam-se a este método , em duas o u três
semanas. Uma vez adaptados, o aproveitamento escolar melhora
sensivelmente, o aluno fica menos irrequieto na sala, o professor
sente-se mais mestre, o estudante torna-se menos dependente
do professor. E acontece que alguns alunos, ao fim de seis meses,
dominam a matéria que estava programada para um ano!

31 - O MÉTODO INDUTIVO NA ESCOLA

O cientista observa um fenômeno cuj a causa ignora; for­


mula uma hipótese de explicação ou de causalidade do fenômeno;
reproduz o fenômeno para verificar se a hipótese é verdadeira.
Se o for, faz um raciocínio indutivo : aquilo que foi observado no
fenômeno estudado é atribuído a todos os fenômenos da mesma
natureza - e, com esta generalização, a h ipótese é transformada
em lei científica. O conj unto destes passos da pesquisa chama-se
método indutivo .
O método indutivo teve tantos êxitos no crescimento da
Ciência e da Técnica, que alguns pedagogos resolveram aplicá-lo
no ensino. Mas acontece que este maravilhoso método só é eficaz
na busca de conhecimentos novos e quando usado por pessoas
treinadas para satisfazer as exigências do seu rigor. A escola não é
lugar de pesquisa científica - temos em mente o Primário e o
Médio; nela se adqu irem c onhecimentos j á feitos , dados ao
público, que já têm o caráter científico.
Alguns manuais apresentam uma série de experimentações
e exigem que o aluno delas induza uma lei da Física ou da Química.
Muitas vezes , nem a hipótese dão . . . Claro que o aluno só por
acaso acerta! E acha o estudo demasiado difícil.
O método demonstrativo consiste em apresentar uma lei
e, em seguida, dar uma série de experiências que confirmem e
demonstrem a lei proposta.

46
P RO FES SOR NÃO É EDUCADOR

Na escola deve-se usar o método demonstrativo e não o


1 1 1 d u tivo . Ganha-se tempo e não se desanima o aluno com
1 · :-.: i gências que ele, em geral, não pode satisfazer.
Alega-se que é preciso criar no aluno os hábitos da pesquisa
1 i cntífica. Mas a pesquisa científica depende muito mais duma
1 1 1 mtalidade e do interesse do que de hábito. Não se é pesquisador
por hábito. A curiosidade científica pode ser desenvolvida no
1·studo das matérias c u rriculares . M as não está ao alcance de
q u alquer professor ensinar alunos a pesquisar com método
c i entífico. O que atualmente se está fazendo é tornar difícil o
estudo da Física e da Química e criar na mente d o aluno a
rnnvicção de que pesquisa é um esforço sem sentido e pouco
a traente .
Propor que uma criança do Segundo Ano apalpe com os
dedos um gato, um cavalo, um pássaro e uma rã, para que ela
descubra se eles têm coluna vertebral, passaria como mostra de
bom humor escolar. No entanto é um método para habituar a
criança à pesquisa científica recomendado por um manual usado
e m muitas escolas!

32 - CARACTERÍSTICAS DO LIVRO DIDÁTICO

O livro didático deveria ter as seguintes características:


1 Gratuito. Sendo a instrução tão importante como se
-

reconhece, não é desperdício de dinh eiro público fornecer


gratuitamente livros escolares a todos os estudantes - pelo menos
aos do ensino fundamental.
2 Feitos em verbetes afixados em pasta. Quando um dos
-

verbetes estivesse superado, no assunto ou na redação, seria


substituído. Os demais verbetes seriam mantidos na pasta.
Verbete inutilizado seria substituído. Assim não se inutilizaria a
obra. Os verbetes bem feitos durariam anos. Quem se achasse
capaz de fazer aperfe içoamento no manual só modificaria os
verbetes considerados insuficientes .
3 Redigido de tal maneira que o aluno possa lê-lo. Regra
-

de ouro: se o aluno não é capaz de ler o seu livro, o livro está mal
redigido. E o que vai por aí, em redação de manuais . . .

47
ARMINDO MOREIRA

4 Ilustrado quanto necessário e não mais . A imagem


-

coerente com o texto e o esquema aj udam a entender e a fixar. O


excesso de imagem só atrapalha. A criança é rica de imaginação e
de fantasia, mas é pobre de raciocínio. Para quê dar-lhe, em
excesso, aquilo em que ela é mais rica? Para mantê-la infantil por
mais tempo?
5 Estilo lacônico. Não dilua uma ideia em trinta páginas,
-

pois a criança tem dificuldade em sintetizar - e não tem muito


tempo para perder com a leitura de perífrases inúteis.
6 - Integrado por um vocabulário técnico. Os termos
técnicos devem ser facilmente encontrados e os conceitos que
lhes correspondem têm de ser bem definidos e científicos. É
perda de tempo folhear e percorrer com a vista páginas e mais
páginas, em busca dum termo ou de um conceito. E nocivo dar
uma definição de ângulo, na quarta-série; outra, na sétima-série;
outra no Ensino Médio.
7 - De formato e tamanho cômodos . É importante o
incômodo que causa à criança ter um livrito, um livro e um livrão
na mochila. Alguns manuais são verdadeiros trambolhos ! É óbvio
que um livro incômodo não anima nada a criança ... Será mesmo
necessário dar à criança de segunda-série um livrão de Matemática
com quase duzentas páginas? !

33 - CRIATIVIDADE NA ESCOLA

Estamos na euforia da criatividade na escola. São muitos os


livros didáticos que são apresentados como criativos. Em qualquer
matéria surgem os livros que prometem promover a criatividade.
Todo mundo fala da criatividade . Professores, mães entendidas
em didática e vendedores de livros embelezam e valorizam suas
conversas com essa palavra.
E o que é criatividade? Criatividade é a atividade mental
que produz ideias novas e novas associações de ideias. Pensamento
criativo é todo aquele que tem algo de original, de novo, de
inventivo. Sendo assim, quanto mais ideias entrarem na mente,
tanto maior é a possibil idade de nela s u rgirem associações
originais; quanto mais observadora for uma pessoa, tanto mais

48
PROFES SOR NÃO É E D UCADOR

1 u issibilidade ela tem de notar um fenômeno que para as demais


p e s soas p a s s a d e s p e r c e b i d o . Por i s s o , para dese nvolv e r a
( r iatividade na criança ou no adu lto, só temos dois meios: dar-
1 l i c muitas ideias e fomentar o hábito da observação atenta. Com
( · l eito, a riqueza de ideias ocasiona associações novas; a observação
. 1 tcnta conduz a descobertas que escapam aos distraídos.
É evidente que todos os livros que fornecem ideias novas -
1 10 vas para quem as recebe - favorecem a criatividade. Neste
aspecto, todos os manuais são igualmente criativos, porque todos
l iirnecem as mesmas ideias que são as ideias do programa. Pela
mesma razão, é criativo qualquer filme que dê ideias, qualquer
palavra que proporcione conhecimento, qualquer jornal, qualquer
noticiário, etc. Todos os livros são criativos ; e aqueles que mais
conhecimentos derem mais criativos são . Por isso, as palavras
aiativo e criatividade q u e aparecem nos livros didáticos para
fomentar a sua comercialização nada significam com relação à
criatividade. Valem o mesmo que o indicativo açúcar doce numa
embalagem de açúcar.
Mas pode alguém contestar que um livro pode ser feito de
tal maneira que habitue o aluno a ser mais observador. A isso
podemos responder que, de todos os meios disp oníveis para
ensinar um aluno a ser bom observador, o livro escolar é o menos
eficaz! Se não, vejamos. Já que temos de viver no mundo que nos
cerca, é no mundo que nos cerca que temos de fazer nossas
descobertas , nossas invenções ; é nele que temos de exercitar
nossos dons de observação. Mostremos ao aluno uma flor e
podemos p a s s a r l o n go tempo ob s e rvando n e l a aspectos
diferentes; olhem os pormenores do ventilador, as cambiantes
do pôr-do-sol, as formigas no seu carreiro, as modificações da
face de um colega durante um diálogo, as diferenças de caligrafia
dos colegas de turma, etc . Professor que faça exercícios destes
com os alunos fomenta neles o hábito da observação, aj udando­
os a melhorar a criatividade.
É triste ver que o livro da Natureza fica fechado para os
estudantes e que é substituído por vários e caros livros de papel
cm que a criança é forçada a observar centenas de absurdos e de

quimeras; a examinar mamarrachos; a comparar um sem-número


de tracitos e trações - para desenvolver a criatividade . . .

49
ARMINDO M O R E I RA

34 - IMAGEM E RACIOCÍNIO

U m l ivro d i d ático deve ter image n s que aj u d e m a


entender e a fixar a matéria, porém os exageros e os despropósitos
são antididáticos.
S e o assunto tratado é inseto s , a que propósito vem a
fotografia dum foguetão no texto? Para quê a fotografia dum
computador numa página do manual de História, dedicada à
descoberta da América?
Os esquemas são utilíssimos. Porém um livro em que 1/3
da página tem texto e 2/3 vêm cheios de setas, de ângulos , de
círculos, de triângulos, de pontinhos, de bonecos guedelhudos,
etc . - abusa da imagem.
Qu anto m a i s i m age m , m e n o s rac i o c í n i o - e n s i n a a
· Psicologia; a imagem aj uda a fixar - diz também a Psicologia.
Então, nem oito nem oitenta . . . Imagens - todas as necessárias,
mas só as necessárias.
Abaixo os livros de texto carentes de imagem; abaixo os
livros de texto com excesso de imagem !

35 - ENTREVISTA COM O CAPITÃO

_ Capitão, que motivo trouxe Você aqui?


_ Um assunto muito meu, mas ligado ao colégio. Sei que é
frequente, mas para mim é único.
Fale !
_ O professor de Matemática e minha filha - ela com 1 7
anos ! - estão enamorados. Ele tem 2 7 anos; um sabidão . . .
_ E que mal h á nisso?
_ Já esperava essa reação do Diretor. . . Realmente, é nor­
mal e nada tem de censurável que dois jovens se apaixonem etc.
etc. etc. S ei de cor esse discurso.
_ Que tenho eu a ver com isso? Surgem dezenas de paixões,
todos os anos, neste colégio como em tantos outros.
_ De acordo. Mas minha filha nada está aprendendo de
Matemática. Fomos estudantes e sabemos que não é poss ível
estar com atenção às explicações , quando se está sob forte carga

50
PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

. 1 ktiva. Nem o professor expõe com a espontaneidade de que


1 1 rccisa nem minha filha fica capaz de pensar, na presença de seu
1 1 ríncipe encantado.
_ Quem não sabe disso? Claro que a moça passa as aulas de
M atemática curtindo a voz, os gestos e a figura do namorado; as
i deias matemáticas não lhe chegam ao cérebro. E também é
possível que o professor se deixe trair pelo coração e tenha
. 1 1.i tudes distintas para com sua filha - o que fará com que a turma
d esvie a atenção para e s s e r o m a n c e , c o m prej u ízo para o
. 1 p roveitamento escolar da turma inteira.
_ Aí está o p rob lema . E s s e namoro p r ej u d i c a o
; 1 p roveitamento da turma e não só o da minha filha.
_ Situações como a sua são frequentes. São incômodas, mas
n ão há remé d i o . A s o l ução é não p ro i b i r e a c o mp a n h a r
1 istensivamente.

E se a menina mudasse de turma?


_ Ela ficaria com duas cargas emocionais: a da paixão e a do
srntimento de vítima - já que essa mudança pode ser vista como
i nj u sto castigo . Além d i s s o , d a r i a l u gar a fo fo c a s q u e s ó
prejudicariam sua filha.
Mas tem de haver uma saída. Em vez de transferir a aluna,
L ransfere-se o professor!
_ Pior ainda: a sua filha ficaria com um sentimento de culpa,
por uma espécie de punição imposta ao namorado; o professor
poderia ficar magoado e até revoltado ; e não se evitariam as nocivas
fofocas. E, se a moda pega, muitos professores não ficarão com a
1 1 1csma turma mais do que um trimestre.
_ Se bem entendo, aqui não há ajuda para minha filha.
_ Aqui, não; mas em sua casa, sim. Se disser à sua filha que
1 1amorar o professor não é pecado nenhum; que deve ser discreta,
para não tornar a situação do namorado embaraçosa; que sua
recuperação voluntária em Matemática seria um presente muito
a p reciado pelo professor; e que estes comportamentos seriam
1 1 ma prova de maturidade e de sinceridade aos olhos do profes­
sor; e se ela se convencer disto, tudo entrará no bom caminho.
_ Mas como vou eu fazer isso, agora? Já censurei, já proibi
l'sse namoro . . .
_ Foi precipitado . Mesmo assim, s e houver solução, ela
está nas suas mãos - e não no colégio.

5 1
ARMINDO MORE I RA

36 - INSIGNIFICÂNCIAS ...

É mais barato e eficaz evitar causas de distração e de fuga


ao trabalho escolar do que inventar motivações para manter os
alunos atentos e interessados.
Há mu itas c o i s as , c o n s ideradas i n s ign i ficante s , q u e
atrap alham o aprove ita mento escolar. E i s u m a l i sta dessas
insignificâncias:
- roupas apertadas ;
- coceiras na pele;
- quadro brilhante, dificultando ou impedindo ler nele;
- carteira desproporcionada ao corpo do aluno, exigindo
posições incômodas e incorretas;
- exigi r que o estudante carregu e , d iariamente, vários
quilos de livros e de material, tentando o estudante a esquecer
sempre alguma coisa em casa;
- desuso de manuais e abuso de apontamentos;
- uso de grossos cadernos, um para cada disciplina, em vez
de uma só pasta com folhas soltas;
- não ensinar o aluno a substituir rasuras por chamadas e
ressalvas;
- uso das entrelinhas e das margens do papel;
- escrever só com maiúsculas;
- carteiras frouxas e rangentes;
- escrever com os dedos no bico da caneta;
- escrever com a cabeça torcida;
- destreino no manejo de régua, esquadro e compasso;
- não ter ou não saber usar o dicionário;
- ausência de um bom dicionário em cada sala de aula;
- paredes pintadas com cores cansativas como verde ou
azul;
- quadro em cor - o preto do quadro e o branco do giz
fazem o máximo contraste, exigindo o mínimo esforço para ler;
- intervalo de aulas frustrante, por ser demasiado pequeno;
- prova de surpresa;
- prova de castigo;
- castigo por não saber;
- trabalho escolar como castigo ;

52
PROFES SOR NÃO É E D UCA DOR

- nota de aproveitamento alterada pelo comportamento;


- tarefa excessiva para casa.
- etc. etc.
Nenhuma dessas coisas é importante, mas o conj unto delas
e · .1 rrasante para o aluno. No ensino, anda gente muito importante

l ' ll'ocupada com coisas importantes e ninguém liga para estas


l irn a lidades que anulam as resoluções de pessoas importantes
· . c ihrc assuntos importantes .

37 - PEDAGOGOS DO VERDE

Preto e branco fazem o máximo contraste e, com máximo


1 011traste, facilitam a visão. Daí, o costume universal de escrever
1 0 1 1 1 tinta preta em papel branco; aí o motivo de o povo, quando

q 1 1er que as coisas fiquem bem distintas, pedir que se ponha o


p re to no branco; e é pela mesma razão que os oftalmologistas
1 1 s: u n sinais pretos em fundo branco, para medir a acuidade vi­

s 1 1a 1 .

N a s escolas e s tão us ando q u adros verde s , para neles


1 · sc rever com giz b ranco . Chamei a atenção de um grupo de
1 l'sponsáveis pelo ensino para este fato. Disse-lhes que o branco

1 1 0 verde é menos nítido que o branco no preto e que essa menor

n i tidez fatiga a vista dos alunos e lhes diminui a atenção . Os


d i retores e os coordenadores presentes olharam-se uns aos outros,
s1 irriram e um deles me disse, com franqueza e convicção: Prefes­
,,,,; você está ultrapassado . . . Quadro preto era há 50 anos. Não sabe que o
l 'l'rde é repousante?! Os acenos de cabeça dos presentes e os sorrisos
benevolentes que me dirigiram eram sinal seguro de que seria
i n útil contra-argumentar.
Mas acontece que o verde n ão é tranq ui l izante n e m
re pousante . Se o fo s s e , os médicos deveriam receitar óculos
verdes às pessoas cansadas e às pessoas nervosas , excitadas . . . O
verde e o azul não são tranquilizantes ou repousantes no sentido
r i goroso da palavra: eles são, simplesmente, menos excitantes
· q ue as outras cores; e, na medida em que são menos excitantes,
facilitam mais o relaxamento, a quietude, o bocejo, o sono . . . Um
a mbiente saturado de verde ou de azul não diminui angústias

53
ARMINDO MOREIRA

nem ameniza ansiedade: não abranda o sofrimento psíquico.


Porém, propicia o abrandamento do mal-estar fisiológico que
de rive do cansaço fís ico ou fi s iológic o . Afastando ou não
fornecendo excitantes, facilitam o repouso. S ó isso.
Ora, a superfície dum quadro de sala de aula é tão exígua
que não produz esses efeitos; e , se os produzisse, eles seriam
anulados pelos ruídos que se fazem na sala ou que nela entram.
Essa pequena superfície verde não é bastante para fazer da sala de
aula um dormitório ou um salão de repouso . . .
O quadro verde, embora não seja suficiente para dar a uma
sala de aula ambiente relaxante e propício ao sono, é capaz de
cansar a vista devido ao pequeno contraste que faz com o branco
do giz. Isto é mais do que suficiente para que não se recomendem
quadros verdes em sala de aula.

38 - REDAÇÃO, UM TORMENTO

Os professores queixam-se de que os alunos não sabem


redigir. Para os alunos, redigir é um tormento. E o pior é que o
cidadão sai da escola com horror à redação! Vemos, por aí, pessoas
que suam para lançar quatro linhas num papel. Razão disso? A
escola está criando todo esse problema, obrigando as crianças a
escrever sobre assuntos que desconhecem. Só não fala quem não
tem assunto; só não escreve quem não conhece o tema.
Pedi a um professor que redigisse umas vinte linhas sobre
a Teoria da Relatividade Restrita. Ele, formado em línguas, olhou
para mim com espanto e disse: Colega, está zombando? Eu nem sei o
.
que mo e ,. . . .
,

Quando o professor exige que alunos d e nove anos dissertem


sobre Os Deveres do Prefeito ou sobre Higiene, os alunos desejariam
poder também dizer : Eu nem sei o que isso é! . . . Mas não podem:
têm de fazer a redaç ã o , sob pena d e s e r e m cons iderados
desobedientes ou preguiçosos e de verem um zero na pauta. E
fazem qualquer coisa que sai sem jeito e inaceitável. Esta frustração,
repetida vezes sem conto, cria a inibição. Ninguém dá o que não tem
é um provérbio que deve estar presente na mente do professor,
quando manda fazer uma redação. Muitas vezes me perguntaram,

54
PROFES SOR NÃO É E D UCADOR

em tom de desafio:
_ Então como é que se ensina a redigir?
Não ensinando contesto eu.
-

Alguns ficam j ulgando que minha resposta é uma simples


saída para quem não tem resposta. Mas não é. Escreve quem
tem assunto e quem tem palavras para o fazer. Se o aluno ainda
não foi acometido pela inibição, ele redigirá com simplicidade e
sem esforço sobre assuntos que domina e para os quais ele possui
vocabulário. O que mais atrapalha o redator - seja criança, seja
adulto - é a carência de vocábulos. Assim, muito antes de exigir
que o aluno redij a, devemos preocupar-nos com que ele adquira
um grande vocabulário; que saiba os nomes das coisas que nos
cercam; que saiba os nomes das p artes , dos elementos e dos
pormenores dos obj etos com que lidamos.
Um dia, coloquei uma caixa de fósforos sobre a mesa e
disse à turma de 5ª série: Façam uma redação sobre esta caixa defósforos.
Foi u m espanto de protestos e de desânimo ! Alegavam todos
que não havia que dizer sobre uma caixa de fósforos. Fiz sinal
para que atendessem. Peguei o giz e escrevi no quadro os seguintes
nomes : base inferior, base superior, face esquerda, face direita,
face anterior, face posterior, aresta, paralelas, logotipo, marca,
inscrição, lixa, paralelepípedo, espessura, folha de madeira,
invólucro, gaveta, côncavo, curso, comprimento, largura, altura,
aj ustamento, frágil, leve, ângulo, junta, cola, papel, cor, fu nção.
Larguei o giz e disse: Façam, agora. Descrevam a caixa de tal modo, que
quem não a viu.fique sabendo como ela é e possa até desenhá-la . As canetas
começaram imediatamente a deslizar, com alívio e até com alegria.
Ninguém fez menos de vinte linhas . Ninguém fez redação
inaceitável.
Com os alunos j á inibidos , soe dar um bom resultado o
seguinte expediente :
- cada aluno escolhe dez temas a seu gosto;
- para cada tema, o aluno faz uma lista de palavras ao tema
referidas ;
- sobre cada tema, o aluno escreve tudo o que vier à mente
-· mesmo que seja palavrão, despropósito ou frase incompleta.
Chama-se esta parte do exercício prova de velocidade e tem por
objetivo que a escrita seja tão rápida quanto o pensamento e que

ss
ARMINDO MOREIRA

o aluno escreva ininterruptamente durante, pelo menos, dez


minutos. Depois: as cinco primeiras provas de velocidade lançam-se
no lixo, pois serviram apenas para provar ao aluno que ele tem
ideias e que é capaz de as escrever. As restantes provas de velocidade
servem de rascunho, para delas extrair frases e ideias que poderão
entrar na redação final.
Poucos alunos permanecem inibidos. A maioria descobre
que o importante é começar a escrever - seja como for e o que
for - já que, depois, lança fora o que não interessa.
Acredito que este método vale por si, e não pelo virtuosismo
do professor. E é por isso que aqui fica exposto.

39 - SIMPLIFICAÇÕES COMPLICANTES

Certos manuais e alguns professores , na boa intenção de


fa c i l itarem a compreensão do a s s u nto p e l o aluno, fazem
simplificações que só complicam.
Se a criança não sabe o que é soma, nem subtração, nem
multiplicação, poderá ela saber o que é conta de mais, conta de menos
ou conta de vezes?
Será vantaj oso que a criança passe quase todo o ensino
secundário confundindo circunferência com círculo, linha com
traço, ponto geométrico com pinta, número com algarismo, resto
com diferença?
Não será uma nociva simplificação ensinar que a vírgula
corresponde a uma pausa na leitura? S erá bom que, ao fim de
vários anos, reta e segmento de reta sejam a mesma coisa para o
aluno? Pode até acontecer que o aluno chegue à Faculdade, sem
saber o que seja um segmento de reta . . .
S e o u s o de maiú sc ulas é regulado por l e i , p o r que s e
incentiva o u não corrige o escrever só c o m maiúsculas ? E para
simplificar também?
Facilita alguma coisa ensinar que A maiúscula se emprega no
começo da oração", em vez de dizer "em começo defrase?
Em vez de acento agudo, acento grave e acento circunflexo,
há quem simplifique, dizendo: acento pra-frente, acento pra-trás e
acento de-chapeuzinho. Haverá conveniência em não distinguir

56
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

travessão de hífen, chamando a ambos traço ou tracinho? Qual será


a vantagem de chamar caderno de ca rtografia a um caderno de
desenho ?
Isto que fica dito serve para propor a tese seguinte: é errada
toda a didática e toda a pedagogia que não use, em sala de aula e
em manuais, os termos técnicos e as definições exatas.

40 - GÍRIA, CORRUPTELA E SOLECISMO

Alguns professores defendem o uso de gírias, corruptelas


e solecismos. Em defesa desta sua opção, alegam que a língua­
padrão não é a única maneira legítima de uma pessoa se expressar;
e que essas formas de expressão marginalizadas pelos puristas da
língua são legítimas; e que rejeitá-las equivale a marginalizar seus
usuários - que, em geral, são as pessoas mais pobres.
Esses profe ssores não imaginam o mal que fazem aos
alunos que seguem a sua teoria e usam linguagem fora do padrão.
Eles esquecem-se de que, se o aluno usar, em prova, linguagem
fora do padrão, será reprovado; que, se aluno usar essa linguagem
numa entrevista para obter um emprego, não será aceito; se usar
essa linguagem numa correspondência comercial, põe os negócios
em risco .
Como s e explica que um professor defenda tão nociva
teoria? !

41 - FALAR COMO O POVO

Dizia a professora de língua portuguesa: Devemos ensinar os


alu nos a falar como o povo fala . E prosseguiu; A gíria faz parte da
linguagem do povo, por isso devemos usá-la em sala de aula. E também os
solecismos, como: 'nóis fumo, tu viu, três milhão, a gente dormimo'. Estas
expressões são tão certas como quaisquer outras; são erros só para a classe
dominante: para o povo, não são.
Fiz notar à professora que, para ela, a palavra povo significa
pessoa sem instrução . Concordou mas não gostou. D isse-lhe que
todo o cidadão tinha o sagrado direito de aprender a falar e a

57
ARMINDO MOREIRA

escrever a língua-padrão; e que não lhe reconhecer esse direito


gera desigualdades nocivas ao indivíduo e à comunidade . A
p ro fe s s o r a não c o n c o r do u , p o rq u e ti n h a m u ita p e n a das
criancinhas, pelo esforço a que eram submetidas para aprender a
fala da classe dominante. Lembrei que, se a criança que usa gíria
e solecismos aprendesse a língua-padrão, poderia mais facilmente
melhorar de vida. Ela sorriu com desdém e afirmou que pobre
seria sempre pobre, mesmo que instruído. Acrescentei que esse
tipo de linguagem não caracteriza o pobre, porque muitos ricos
sem instrução falam assim e mu itos pobres que receberam
i n s t r u ç ã o u s a m e s c o r reitamente a língu a - p adrão. E la ,
simplesmente, disse que e u estava errado, que minha observação
não tinha fundamento na realidade.
Então, eu concluí que, para ensinar a falar como o povo (leia­
se : pessoa sem instrução) , n ão é preciso um c urso superior:
poderíamos contratar a zeladora para ministrar as aulas de língua
portuguesa - e a professora, com seu curso superior, iria procurar
outro emprego . . .
A minha colega não respondeu. Virou costas e saiu da sala.
Mas, no o lhar que me lanço u , vi m u ito bem que me tinha
mandado para as profundas das profundas do inferno ! . . .
Depois, fiquei meditando sobre este assunto; e à minha
mente afluíram verdades tão evidentes como estas:
1 - Para que os dominados se libertem, é preciso dar-lhes o
instrumento de dominação dos dominantes,
2 - O instrumento de dominação dos dominantes - não o
único, mas o principal - é a instrução,
3 - O uso da língua-padrão é uma das vantagens da classe
dominante.
Por isto, me pergunto: quem está interessado em privar os
dominados da instrução e da língua-padrão? Como se explica a
atitude daquela professora? Dei voltas ao miolo e fiquei apenas
com três interrogações :
1 - Talvez aquela teoria da professora sej a uma cortina para
encobrir o seu despreparo. Mas pode um profissional com curso
superior ficar assim ? ;
-2 Pertence ela a o número daqueles que desejam perpetuar
a dicotomia da sociedade entre dominantes e dominados - e para

58
PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

isso, insiste em privar os dominados duma fundamental vantagem


dos dominantes? Vá ser anti-social no reino do belzeb u ! . . .
3 - Estará ela sofrendo d e uma dessas crises de estupidez
que, com frequência, acometem qualquer ser humano? ! Oxalá: a
crise pode passar. . .

42 - A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

Nada contra os poetas. A poesia é e será u m cume da


Civilização.
Nada contra os temas : cada poeta tem o direito de escolher
aqueles que mais lhe agradem.
Nada contra as fo rmas : quem não pode exp rimir suas
emoções com riqueza e esplendor de forma, que use linguagem
simples, descolorida até.
Nada c o n tra a s experiências e s téticas . Q u e m q u i s e r
amontoar palavras, para ver n o que dá, que o faça; quem pretende
ver o efeito dumas sílabas alinhadas ou cruzadas , em j eito de
charada ou de quebra-cabeças, tem o direito de levar adiante o
seu intento.
Porém obrigar os nossos jovens a gastar horas e horas na
interpretação de charadas tais e exigir que aprendam elogios
i nj u s tificáve i s a tais quebra-cabeças é prática q u e m e r e c e
reprovação. H á tanta poesia bonita e inteligível, para ser apreciada
e analisada nas aulas ! Para que judiar os alunos com explicações
tão absurdas como o poema que se pretende explicar?
N o s m a n u a i s e s c o l are s , há p o e sias q u e n e n h u m a
sens ibili dade p enetra . O p rofessor e o comentarista fazem
prodígios de verbalismo e de fantasia, para fazerem crer aos alunos
que entendem essa novidade poética e que com ela se emocionam.
Com isso, uma coisa apenas se consegue: que os jovens fiquem
detestando a poesia.
Não é pena que a escola, por uso de maus exemplares, leve
os moços a conceituarem mal o poeta e os afaste da sua preciosa
Arte ?
Que um poeta se divirta com brincadeiras verbais, numa
hora em que a musa lhe negou inspiração, é legítimo. Mas exigir

59
ARMINDO MOREIRA

que os estudantes saboreiem essas brincadeiras como se poesia


fosse . . . é tortura.

43 - O PROFESSOR DEVE DESCER ATÉ O ALUNO

Depende do que se entenda por descer. Há quem julgue que


descer até o aluno é:
a) aprender e usar a gíria dos jovens ;
b) ser confidente das paixões adolescentes e dos atritos
domésticos dos alunos;
c) concordar com os moços em que seus pais são quadrados,
por exigirem moral, etiqueta e trabalho;
d) achar interessantíssimo que o aluno trate o professor
como camarada.
Curioso é que nem os psicoterapêutas fazem isso ! Por quê
não descem eles até o paciente, como se quer que o professor
desça até o alu no? É que eles s abem q u e , p a ra influir nos
comportamentos duma pessoa, é preciso ter ascendente sobre
essa pessoa. Ora, todos sabemos que a ascendência morre na
intimidade. Para compreender o aluno, não é preciso adotar os
comportamentos do aluno e viver - ou fingir que se vive. . . - os
s e u s p r o b l e m as . Para comp reender o a l u no é p re c i s o ter
independência afetiva, para o poder apoiar quando tem razão e
poder desapoiá-lo quando a não tem.
Compreender o aluno não é alinhar com ele nem contra
ele ; é fornecer-lhe julgamento sensato, quando dele precisar.

44 - NEUROSE NA ESCOLA

Não estamos em tempo de ignorar que uma grande parte


dos c o m p o rtamentos i n d e s ej áveis de n o s s o s a l u n o s são
consequência de neurose. Mas a neurose é uma doença sutil.
Muitas vezes ou quase sempre é confundida com: desonestidade,
carência de bons hábitos, desinteresse, falta de inteligência e até
com subalimentação.
A escola não tirou ainda todo o proveito possível dos

60
PROFES S O R NÃO É EDUCADOR

trabalhos de Ana Freud. A neurose na criança acontece, como foi


demonstrado. Seus comportamentos neuróticos baixam a média
do aproveitamento escolar e colocam o professor em situações
embaraçosas , diante de problemas cuj a solução não está ao seu
alcance.
Em princípio, não compete à Pedagogia nem à Didática
estudar métodos de Psicoterapia. Não compete ao professor fazer
psicanálise nem psicoterapia. Mas o que hoje se exige da escola
pressupõe que o professor seja não só um bom psicólogo como
também um bom psicoterapeuta! ! !. ..
Diretores e professores têm de lidar com alunos neuróticos,
porém não estão preparados para os identificar como tais nem
para os tratar como doentes . A Lei e o povo ainda ordenam e
exigem como se essa doença não entrasse e perturbasse na sala
de aula. Professor despreparado fazendo psicoterapia assume o
risco de agravar a doença - e é o que está acontecendo com a
maioria dos professores feitos educadores .
Quem livra o professor da obrigação de ser aprendiz de
feiticeiro?

45 - O PROFESSOR NÃO GOSTA DE MIM

Esta frase é de granito : foi dita milhões de vezes e não se


desgastou ainda!
O Zeca disse à mãe que eu não gosto dele; que por isso não
gosta da matéria que eu leciono; por isso não a estuda; por isso
tem nota negativa em Geografia. D. Beatriz, mãe do Zeca, foi
pedir ao diretor que mudasse seu filho para a turma de D. Rosa,
confiada em que, com outro professor, a nota dele melhoraria.
Eu nunca tinha notado que não gostava do Zeca. Depois disto, fiz
exame de consciência e conclui que não gosto mesmo desse
garotão. No entanto nunca o tratei mal; nunca lhe recusei qualquer
esclarecimento; nunca lhe dei nota inferior à que ele mereceu.
Não é fácil gostar do Zeca. Exibicionista: perturba as aulas
para chamar a atenção para a s u a p e s s o a . Interro m p e , a
despropósito, para perguntar coisas estranhas à matéria e à classe.
Ontem mesmo, cortou a lição para perguntar o que eu achava de

61
ARM I N D O MOREIRA

Freud . . . Levanta-se, esbraceja, fala alto. Precisa sempre de pedir


algo ao vizinho: um lápis, uma folha de papel, uma régua, etc. Já
o mandei para fora da sala umas três vezes. Com frequência,
paro e olho para ele, até que se acomode um pouco. Esta minha
atitude - que o Zeca sente como silenciosa reprovação e que chama
sobre ele a atenção da turma - irrita o moço. Ele quer atenção,
mas não assim: quer diálogo com o professor, conduzido por ele
e com todo o mundo atento. Realmente, é difícil gostar deste
garoto.
E fico fazendo perguntas a mim mesmo. Será que sou
obrigado a gostar do Zeca? Sei de cor essas cantigas que dizem
que o professor deve ser um pai e deve amar os seus alunos . . .
Hipocrisias pedagógicas que, enquanto hipocrisias, a nada d e bom
conduzem. Será que os meus colegas gostam de meninos que
perturbam seu trabalho, prej udicam a turma e ridicularizam o
mestre, se este não for duro e calejado no trato com atrevidos?
Pelas conversas que ouço dos meus colegas, eles também
não gostam desse tipo de aluno.
Esta situação prova despreparo da minha parte? Se eu fosse
o u t r o , teria conseguido q u e o Z e c a t ive s s e m e l h o r
comportamento? A culpa é minha o u é d o Zeca? O u é dos pais
do Zeca? Ou é do diretor que alimenta e não repele queixas como
as de D. Beatriz?
O diretor disse-me que nenhum outro professor se queixa
do Zeca. Mas que prova isso? Isso não prova que o Zeca se
comp orta bem nas outras aulas . Mas s uponhamos que s im :
suponhamos que o Zeca está mal s ó na minha matéria e que é
indisciplinado só na minha aula. Esse fato prova que eu cometi
algum erro para com o Zeca? Um aluno não está sujeito a fixações?
Não serei eu a vítima escolhida por um neurótico que precisa de
se libertar de recalques e de frustrações ? U m neurótico que
procura uma compensação na humilhação de pessoa ou pessoas
notáveis ?
Essa forma de obter compensação, por neuróticos, não é
novidade. Até Chefes de Estado têm sido vítimas disso ; artistas
famosos também.
Não lanço esta hipótese de explicação, por simples vaidade
minha: sei que tenho prestígio como professor e sei por quê.

62
PRO FES SOR NÃO É E D UCADO R

Vinte anos de p rofi s s ã o e um c o n s tante esforço p a r a s e r


competente e eficaz j ustificam o meu prestígio . Mas se e u der
esta explicação aos pais ou aos colegas ou ao diretor, perco o meu
tempo e recebo sorrisos irônicos . . . Eles não se cons ideram
despreparados para analisar problemas desta natureza: eles acham
que o que eu quero é arrumar uma desculpa!

46 - ACODE, PIAGET!

A criança fica quatro horas, por dia, na aula, mas os pais e


os professores acham pouco e dão trabalhos a que chamam deveres,
para fazer em casa. Crianças sentadas seis horas por dia. Judiação . . .
E ousam dizer que seguem Piaget! Desaforo . . .
Q u al é o a d u l t o q u e s u p o rta fica r sentad o , l e n d o e
escrevendo, seis ou mais horas por dia, durante semanas, meses
e anos? Mas as crianças têm de aguentar. Pobrezinhas ! . . .
Qu atro horas p o r d i a não chegam para estudo, d u m a
criança? Então algo está errado. E quando é que criança brinca? E
quando é que o j ovem canta, dança, j oga, passeia, discute e lê
aquilo de que gosta? Sobre isto não tem voz o Piaget? . . .
As crianças, hoje, são nervosas, ansiosas, revoltadas. Como não . . . ? !

47 - O PROFESSOR NÃO RESPEITA


A MINHA OPINIÃO

O tema da lição era Conceito de Democracia; a disciplina era


S ociologia Política. Disse aos alunos que democracia significa,
etimologicamente, governo do povo; e que havia dois tipos: a
democracia direta ou participativa, em que os cidadãos se reúnem
voluntariamente para legislar e julgar, e a democracia indireta, ou
representativa, em que os governantes são escolhidos pelo povo.
Lembrei que a primeira existiu em Atenas e que a segunda é a
que temos hoje. Comentei que a democracia participativa ou
direta não pode ser hoje posta em prática, devido a ser grande o
número de cidadãos ; e que, por isso, temos de arranjar-nos com
a democracia representativa, delegando nosso poder de legislar e

63
ARMINDO MOREIRA

de j ulgar a umas poucas centenas de cidadãos, mediante o voto.


Mariano pediu a palavra e disse:
_ Eu acho que democracia não é isso; eu acho que democracia é todos
terem emprego e salário suficiente para viver e todos poderem discutir os
problemas.
Tentei fazer ver ao Mariano que estava equivocado: aquilo
a que ele chamava democracia tinha dois nomes justiça social e
-

participação cívica . Com efeito , emprego para todos e salário suficiente


para viver tem o nome de j ustiça social; todos poderem discutir os
problemas chama-se participação cívica.
Então o Mariano observou:
_ Professor, essa é a sua opinião; a minha opinião é diferente da sua.
E eu acho que não sou obrigado a aceitar a sua opinião .
Contestei o Mariano, esclarecendo:
_ Eu não expus a minha opinião, mas tão só a defini{ão de democracia
proposta pelos tratadistas mais aceitos e respeitados. Além disto:
1 - Nem você nem eu podemos ter opinião acerca do
conceito e da definição de democracia, porque não pode haver
opiniões acerca de conceitos: estes são fixos e invariáveis como
os números ; as palavras que os exprimem podem mudar, mas os
conceitos são imutáveis.
2 Quando eu corrigi o conceito que você atribuiu à palavra
-

'democ racia' , não restringi e nem neguei o seu direito de ter


opiniões, apenas quis ajudar você a sair de um equívoco.
_ Mas pergunta Mariano se, na prova, o senhor perguntasse
- -

o que é democracia e eu respondesse com a minha opinião, isto é, com a


definição que dei, eu teria resposta certa ou errada?
_ Errada, respondi eu.
_ Mas não daria nenhum valor à minha resposta?!
_ Nenhum! Essa resposta teria zero.
_ Ai está! O senhor é daqueles que não valorizam a opinião
do aluno; eu acho isso uma inj ustiça inadmissível.
_ Repito que sua resposta não seria uma opinião, mas um
equívoco. Além disso, as provas servem para avaliar aquilo que o
aluno sabe do programa e não aquilo que o aluno sabe extra­
programa nem aquilo que o aluno inventou ou criou. Aquilo que
o aluno cria ou inventa deve ser avaliado noutra instância: numa
tese, num ensaio, numa comunicação científica ou mesmo numa

64
PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

publicação comum.
_ Então o professor 'é o dono da verdade' e não tem que
valorizar a resposta do aluno, quando essa resposta difere daquela
que o professor espera ?
Exatamente!
_ Isso é um absurdo! ! 'Ninguém é dono da verdade' . . .
_ Suponha que Você, Mariano, é o professor d e Geografia
e que eu sou seu aluno. Você aplica uma prova e nela vem esta
pergunta: 'Em que oceano está a foz do rio Amazonas? ' , e suponha
que eu respondo : ' N o Í ndico' . Que valor dá você a minha
resposta?
_ Z e r o , o ra ess a ! Todo o m u n d o sabe que a foz do
Amazonas é no Atlântico!
Ora aí está a incoerência:
1° Há bilhões de pessoas que não sabem onde é a foz do
-

Amazonas.
2° Tanto direito tenho eu a que você respeite minha opinião
-

sobre a foz do Amazonas, como você tem direito a que eu respeite


s u a o p in i ão s o b r e o c o n c eito que c o rresponde à p a l avra
'democracia' .
3º E se eu não sou dono da verdade quanto ao conceito de
-

democracia, como pode ser você dono da verdade quanto à foz


do Amazonas?
Decorrido algu m tempo, notei que alguns p rofessores
raciocinam como o Mariano, porque entendem que ter opinião é
falar sobre qualquer assunto - mesmo sobre assunto que não
dominam.

48 - PROFESSOR, QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE...

Estava eu expondo a relação entre altitude e clima. O André


interrompe e pergunta:
_ Professor, qual é a sua opinião sobre o aborto?
_ Esse assunto não é de minha disciplina.
_ E que é que tem?
_ 'Cada macaco no seu galho' é um lema pouco simpático,
mas ajuda a evitar incompetência na aula, confusão na cabeça dos

65
ARMINDO MOREIRA

alunos e mal-entendidos entre professores. Ora, eu sou profes­


sor de Geografia e não de Moral e Cívica.
_ Não está exagerando, não?
_ Vej amos. Esse assunto é mu ito grave e importante e
complexo ; se não for exposto com muita competência, a vossa
mente poderá ficar com mais confusões do que ás que já tem. Se
eu estiver despreparado, posso, em vez de esclarecer, criar ou
alimentar erros e preconceitos. Além disso, se meu ponto de
vista for diferente do ponto de vista do professor dessa matéria,
ele poderá pensar que eu quis desautorizá-lo nesta turma - e isto
estraga a boa convivência entre professores.
_ Mas os outros professores não se importam com isso ;
ontem mesmo, a aula de Matemática foi passada na discussão do
aborto .
_ Não me sinto obrigado a seguir esse exemplo . . .
Então fo i errado discutir o aborto n a aula d e Matemática?
_ Acho que sim, mesmo que vocês aprendam a resolver
equações nas aulas de Moral . . . (A turma soltou uma sonora
gargalhada) .
_ Tudo bem, mas nós queríamos saber a sua opinião . . .
_ E e u terei muito prazer e m manifestá-la, mas não aqui,
na aula de Geografia.
_ Onde, então?
_ Num debate no Centro Cívico, ou noutro lugar e quando
quiserem. Se convidado, prometo que comparecerei e participarei
do debate.
_ Professor, não acha que está sendo um tanto durão e 'caxias'? ,
arriscou Madalena.
_ Aí está um intere s s ante e oportuno deb ate entre
estudantes e professores, mas não em sala de aula: no Centro
Cívico ou noutro lugar.
_ E, se convidado, o senhor vai?
_ Juro que vou e que participarei!
Prossegui a minha exposição. Mas ainda não tinham passado
cinco minutos, e vem a voz do Rui:
_ Professor, que é que pensa sobre o mistério da Atlântida?
_ É um tema que me fascina, respondi. E falei trinta minutos
sobre o mistério da Atlântida, para conclu ir que ela existiu e que eu alinhava

66
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

com aqueles que acreditam não ser a Atlântida uma simples lenda.
De repente, o Rui num gesto teatral e rindo com pontinha
de malícia, dispara:
_ Professor, foi apanhado ! Foi apanhado! ! ! ...
Como assim? !
_ Atlântida também não é do programa; é assunto que não
vem no manual. . . E o Senhor acaba de falar um tempão sobre
ele ! . . . Dá para ver que não falou do aborto, porque não sabe . . .
Diga s e não é verdade; diga . . .
_ Calma, calma, Rui ! Até posso não estar preparado para
falar sobre aborto; e não tenho que me envergonhar disso: é
a s s u n to que não p ertence à m i n h a área de c o m p et ê n c i a
profissional e e u não s o u capaz d e ser competente em todas as
áreas do saber. Mas não pensem que vivo desinteressado por
esse p rob lema ; se organ izarem o debate, verão . . . E quanto à
Atlântida, o assunto é Geografia mesmo! Consultamos o mapa
mais de quinze vezes ; abordamos a origem do Atlântico e dos
rios que nele deságuam; comparamos fauna e flora dos dois lados
do oceano; tentamos figurar o relevo e o clima da América ante­
rior ao afundamento da Atlântida - e tantas outras abordagens
geográficas, como a origem das ilhas do Atlântico, etc. Isto não é
Geografia? !
_ Sim, sim; é Geografia; mas não é do programa . . .
_ Não é bem assim. Pertence a o currículo tudo aquilo que
dissemos a propósito; só que não estava programado para hoj e e
nem para ser tratado com o enfoque que lhe demos , isto é ,
relacionado com o mistério d a Atlântida.
_ De acordo! Mas ficamos sem saber sua opinião sobre o
aborto ;
_ Só até a hora desse debate que aguardo, sinceramente,
com simpatia e muito interesse.

49 - O HÁBITO DE LER

Nosso povo não lê. Nossos alunos não leem. Este lamento anda
na b o c a dos profe s s o re s ; c horam- no a u tores e editore s ; e
repetem-no os meios de comunicação.

67
ARMINDO MOREIRA

Uns atribuem a culpa à escola; outros, ao Governo; alguns


culpam autores e editores; e não falta quem atribua à índole do
nosso povo o desinteresse por literatura e demais atividades do
esp írito ( B aaa . . . rbaridaaade ! ! ! ) . De ixemos a lame ntação e a
sociologia barata; analisemos o fenômeno para ver se encontramos
pista que nos leve a ter muitos e bons leitores .
Para que uma pessoa leia muito, requerem-se satisfeitas
três _condições :
a) - que a pessoa saiba ler bem;
b) - que haja textos da sua área de interesse;
c) - que os textos estejam ao seu alcance.
Não vamos pensar na segunda e na terceira condição: são
temas interessantes, porém mais para autores e editores que para
professores . E algumas editoras estão fazendo esforços louváveis
- e oxalá recompensados - para dar a conhecer suas publicações.
Falemos então sobre ler bem. Estudos austríacos, especialmente
de jovens leitores, que analisaram mais de 40.000 testes de leitu ra em
combinação com livros lidos, demonstraram à saciedade que muitas crianças
não leem livros porque não sabem ler direito . (R. BAMBERGUER,
Como incentivar o hábito da leitura , São Paulo, Cultrix, 1 997, p. 24) .
E o que é ler direito? É simplesmente isto: ler depressa, sem esforço
e consultando o dicionário sempre que necessário.
Ler depressa requer treino, repetição - hábito. E que tempo
dedicam as crianças à leitura, nos primeiros anos da escola? -
Pouco; insuficiente para adquirir a habilidade da leitura rápida. A
criança corta, recorta, cola, risca e pinta - gastando nisso muito
do tempo que deveria ser dado ao treino de leitura. O ler sem
esforço decorre da rapidez e de não sofrer limitações visuais. O
consultar dicionário supõe que a criança disponha dele e que se
tenha exercitado no manejo. Para este exercício, as crianças que
não decoraram o alfabeto sofrem um obstáculo muito grande.
S uponhamos que, no Ensino Primário, o objetivo maior
da Primeira Série seja levar o aluno a ler sem esforço qualquer
texto comum; e que o obj etivo da Segunda Série se constitua em
que o aluno escreva escorreitamente, isto é, que automatize a
escrita; e que o da Terceira Série sej a fazer do aluno um perito
em manej o do dic ionário ; e que a Quarta Série enfatizasse a
recitação de poesias e a redação de descrições e relatos . É bem

68
PROFES S O R NÃO É EDUCADOR

possível que os hábitos de leitura mudassem para melhor e que


as lamentações se voltassem para outro problema.

50 - COMENTÁRIOS DE ALUNO

O professor escreveu no quadro as seguintes frases:


- Copérnico tirou o homem do centro do Universo ;
- Darwin tirou o homem do centro do Reino Animal;
- Marx tirou o homem do centro da história ;
- Freud tirou o homem do centro de si mesmo.
D e p o i s s o l i c i to u aos alunos q u e comenta s s e m estas
declarações .
Surgiram comentários muito diferentes entre si. Alguns
merecem ser apreciados, pelo que se transcrevem , a seguir,
encabeçados com o nome do autor.
Zeno : Claro que, se tirara m o homem do centro, levara m o
homem pa ra a margem. A í foi quando surgira m os marginais e os
marginalizados. Foi uma desgraça! Por causa de indivíduos como o tal
Copérnico é que a sociedade está uma bagunça.
Marcou: Ah! mas este é um caso de polícia! Se eles tivessem Jeito
isso nos Estados Unidos, teriam sido presos na hora!
Myrthes : Isso tem todo jeito de ser sequestro. Mas eles vão pagar
pela proeza. Oh se vão. . . A gente tem de confiar na Polícia.
Hágata: Será quefoi porque o homem andava vadiando lá no centro?
Se ele não estava incomodando ninguém, por quê o tiraram de lá? Era um
direito dele estar lá no centro. Menos mal que jáforam identificados. Agora
é com a Justiça.
Justino : Isso aí é culpa da sociedade. Os professores não cansam de
ensinar que a malandragem é culpa da sociedade e do sistema. É preciso
mudar o sistema, para mudar a sociedade, para acabar com a malandragem.
Túlio: Há tempos, vi essas frases numa revista. E lá em casa, meu
pai e três amigos ficaram falando um tempão sobre elas. Não entendi tudo
o que eles diziam; mas achei aquelas conversas interessantes e resolvi gravar
uns pedaços daquela falação. Depois, ouvi a gravação várias vezes e fixei o
que digo a seguir.
Essa do Copérnico é uma bobagem, pois o Universo é
infinito e, no infinito, qualquer ponto é centro. Por isso, qualquer

69
ARMINDO M O RE I RA

ser que esteja no Universo - sej a em que lugar for - sempre


estará no centro dele.
O dito de que Darwin tirou o homem do centro do Reino
Animal é outra balela. Que foi que ele pôs lá, no centro desse
Reino? Esse Darwin é um inimigo da C iência, porque, se ele
sabia onde fica o centro do Reino Animal, não o revelou ! E para
onde foi que ele levou o homem? Ainda ninguém sabe . . .
E a proeza d o Marx? Também deve ser u m a grande peta.
Ninguém ficou sabendo o que Marx colocou lá, no centro da
história. Meu tio Zico acha que Marx colocou lá a sua querida
dialética - que eu nem sei o que sej a ...
O sr. Paulo, que estava no grupo, deu uma forte gargalhada,
quando contaram que Freud tirou o homem do centro de si
mesmo. 'Deve ter sido pelo umbigo' - gracej o u ele. 'Ou será
que Freud fez a extração por um buraco natural? Freud não deixou
isso explicado. Mas pelo menos, agora, a gente sabe por quê o
homem anda tão fora dos eixos, tão desequilibrado, tão ... sei lá,
fora de si. Agora sabemos que a culpa é desse tal Freud.

51 - PROFESSOR AUTORITÁRIO

Nas escolas dos três graus de e n s i n o , espalha-se uma


confusão impressionante que é a seguinte: chama-se autoritário
ao professor disciplinado e cumpridor das normas institucionais;
e considera-se democrata aquele que se conduz conforme as
conveniências de cada momento - descumprindo regimento e
estatuto.
No entanto, correto seria que acontecesse o contrário. Com
efeito, o regimento e o estatuto foram aprovados pela maioria
dos que o povo elegeu para os aprovar. Logo, estatuto e regimento
tem origem democrática. Por isso, quem os cumpre é democrata
- respeita a vontade da maioria. Quem não os cumpre é autoritário
- pois impõe a sua própria vontade.
E n tre profe s s o re s , o autoritário m a n i festa-se, mais
frequentemente, com u m dos com portamentos segu inte s :
quando ele altera o programa institucional e quando cobra dos
alunos conteúdos que não integram o programa a que o aluno
está obrigado.

70
PROFES S O R NÃO É EDUCADOR

A quem interessa confundir democrata com autoritário?


Quem tira vantagem desta confusão? ! Alguns chefes, sem dúvida.
E quem mais? !

52 - PROFESSOR SIMPÁTICO?

A Psicologia ensina que a circunstância do objeto dum sentimento


tende a tornar-se também objeto do mesmo sentimento. Daí, deduzem
alguns pedagogos que:
a) - se o professor for simpático para os alunos, a disciplina
por ele ensinada poderá tornar-se também simpática para os
alunos;
b) - se a disciplina for simpática, os alunos estudarão mais
e terão melhor aproveitamento .
Teoricamente, parece conveniente ap licar a citada lei da
Psicologia. Na prática, porém, surgem dificuldades:
1 - Como é que um professor deve proceder para se tornar
simpático aos alunos? A Psicologia não responde e os teóricos
não arriscam métodos p ara i s s o . M a s tanto se i n s i s t e n a
necessidade d e o professor ser simpático aos alunos, que muitos
deles ensaiam e u sam métodos p e s s o a i s . Eis alguns desses
método s :
a ) - contar piadas a propósito e a despropósito;
b) - permitir indisciplina na aula, para que o aluno não se
sinta constrangido;
c) - ser condescendente com as datas e a perfeição dos
trabalhos;
d) - compensar ignorância com boas notas de conceito;
e) - usar e consentir gírias, chupar chicletes e balas durante
as aulas;
f) - sentar-se na carteira do aluno e fazer-lhe carícias -
estamos pensando em alunos que já saíram do Primário;
g) - usar sugestões eróticas , como : sentar-se a professora
sobre a mesa para mostrar, sem querer, as coxas; dirigir o profes­
sor p iropos às meninas e frases ambíguas a todos;
h) - gastar a aula com diálogos sobre futebol, cantores ,
namoro, amor; com palestras educativas e bons conselhos para a vida ;

71
ARMINDO MOREIRA

i) - ajudar os alunos a acertar as provas, para que não tenham


notas baixas.
É evidente que estes processos de um professor se tornar
s i mpático só c o n d u z e m a d o i s r e s u l t a d o s certo s : mau
aproveitamento dos alunos e degradação da imagem do mestre.
Mas que pode um professor fazer, se lhe impõem que sej a
simpático e não lhe dizem como consegui-lo?
2 É possível que 1 80 alunos gostem da mesma pessoa? Se
-

o p rofessor tem seis turmas de trinta alunos cada, terá de se


fazer simpático para 1 80 j ovens ! Pobre mestre . . . Os 1 80 alunos
diferem entre si nos gostos, no temperamento, nos p rincípios
éticos; não estão todos de bom ou de mau humor ao mesmo
tempo . Como é possível fomentar neles o mesmo sentimento,
durante dias, meses e anos? . . .
3 - Não será prejudicial a o aluno prender-se afetivamente
a um professor? Quando um jovem começa a gostar dum pro­
fessor, quem pode controlar os caminhos, a intensidade e os
matizes dos sentimentos? Não diz também a Psicologia que
afetividade tolhe a razão?
Será melhor, então, que o aluno antipatize com o profes­
sor? Claro que não! O melhor mesmo é que o professor não seja
obj eto de sentimentos intensos dos discípulos ; na aula, quanto
menos carga afetiva, tanto melhor para a inteligência. Professor
ideal será aquele que consiga dar a aula, sem ser notado pelos
alunos .
M a s d i rão que é imp o s s ív e l evitar q u e o s a l u n o s
desenvolvam cargas afetivas p ara com o professor, porque a
própria Natureza os impele a fazê-lo. Muito bem: se a Natureza
está encarregada de gerar cargas afetivas para com o professor,
podemos dispensar o professor de as promover.

53 - AULA NUM DIA TRISTE

Entrei na sala triste ou talvez irritado. Não levava nenhuma


disposição para rir, para ser simpático, para fazer uma aula atrativa.
Minha mulher e eu não tínhamos dormido durante a noite : ela
com um violento resfriado e o filho mais velho, de 10 anos, com

72
PROFESSOR NÃO É E DUCA DOR

febre muito alta. Cedo, ela foi para o médico com a criança; eu
fui para o colégio dar aulas . Pelo caminho, pensei nas horas de
espera na fila e na rápida consulta feita por médico da Previdência
- para a qual pago todos os meses.
Os alunos perceberam que eu não estava nos meus dias
bons. Sorrisos e cochichos na sala; olhares de uns para os outros,
denotando surpresa. O uvi dizer, na segunda fi l a , Ressaca . . . .

Explodiram risadinhas. Outra voz sussurrou : É o reumatismo. Fingi


que nada ouvi. Então o Zeca diz, para trás, mas em voz bem
audível: É o que dá dormir no tapete , Gargalhada franca! Mas não
...

pude fingir que não ouvi e mandei o Zeca para fora da sala. A
turma acomodou-se e dei a aula.
Zeca foi dizer à mãe que eu o andava perseguindo; a prova
estava bem clara: vários tinham feito gracinha e só ele tinha sido
expulso. D. Beatriz foi falar com o diretor.
_ Senhor Diretor, eu peço desculpas por vir aborrecer com
o meu problema, mas sou obrigada a fazê-lo. O senhor sabe que
eu gosto do c o l é gio e tenho b oa i m p ressão de tod o s o s
professores. Mas acontece que o meu filho está sendo . . . nem sei
como diga . . . talvez 'perseguido' pelo professor de Geografia. Eu
· não tenho nada contra ele ; desej o todo o bem para ele ; dizem
que é um professor muito competente. No entanto, há coisas
que a gente não pode aceitar, venham de quem vierem . . .
_ Mas que é que temos com esse professor? !
_ Meu filho foi expulso da sala dele, na semana passada. E
j á é a terceira vez ! ! Está com nota negativa . . . O Zequinha não é
nenhum santo, mas é um menino bem educado. O senhor Diretor
sabe como eu e meu marido nos preocupamos com os filhos.
_ É claro que eu sei.
_ Acontece que no dia em que o Zequinha foi expulso,
vários alunos fizeram barulho e falaram; a sala virou baderna; o
p rofessor, desesp erado e com razão , resolveu meter medo à
turma e expulsou meu filho, para servir de exemplo . . É a terceira
.

vez, senhor Diretor! Esse professor que tenha paciência, mas


tem que escolher outro bode expiatório e deixar o meu filho em
paz, quando a turma se indisciplinar. . .
_ Eu não sabia disso, D. Beatriz. Vou averiguar e tomar
providências .

73
ARMINDO M O REIRA

_ E se não fosse atrevimento de minha parte, eu sugeriria a


providência imediata . . .
Diga, por favor.
= Era mudar o Zequinha para a turma de D. Rosa . . . É uma
excelente professora e muito amiga, muito lá de casa.
_ É uma sugestão interessante, mas melindrosa. O profes­
sor pode sentir-se ofendido; os alunos podem ver nisso uma
depreciação . . .
_ Mas não há outra solução ! E quanto a melindres . . . quem
faz erro s q u e os pagu e ; se o professor erro u , que sofra as
consequências ! Não é j usto, senhor Diretor?
_ Só posso prometer que farei o melhor que estiver ao
meu alcance.
Fui chamado ao gabinete do diretor. Recebeu-me com ar
de preocupado. E disse:
_ Temos de fazer alguma coisa pelo Zeca. É preciso ser um pouco
mais tolerante com certas criancices; e a nota dele pode passar a positiva, sem
quebra da dignidade do professor. Para Jiócê é bom fazer o que digo; livra­
se dos ressentimentos de D. Beatriz, que, como sabe, é pessoa influente;
além disso, a dire{ão do colégio não deve desgastar-se com problemas cuja
solu{ão está na mão do professor. . .
Expliquei a o diretor o que se passou n a sala, n o dia da
expulsão do Zeca ; falei-lhe de meu estado emocional e de suas
causas. Como resposta ouvi o seguinte:

admitir que o professor leve seus problemas pessoais para a


sala de aula. Nem Zeca nem qualquer outro aluno tem culpa
da doença de seu filho; o aluno não pode ser vítima da sua
necessidade de trabalhar em dias em que não tem disposição
emocional para o fazer. Magistério tem exigências; quem
não pode satisfazê-las mude de p rofissão. E não seria você
o primeiro professor a trocar o ensino por outra profissão . . .

Saí do gabinete do diretor, pensando em arrumar outro


emprego. Quem pode, honestamente, aguentar isto? Todos os
dias, eu sou obrigado a suportar neuroses, má educação e caprichos
dos alunos; mas eles não devem, não podem, tolerar um dia de
mau humor do professor! A escola é uma preparação para a vida
real ou é um circo em que o palhaço pinta uma cômica máscara

74
PROFESSOR NÃO É EDUCADOR

na cara, para esconder o sangrar de sua alma?

54 - COLEGIADOS E DEMOCRACIA

Democracia é coisa muito séria. É um processo que veio


para ficar. E, embora apresente limitações e falhas , ainda não se
inventou maneira melhor de escolher governantes . Poderá a
democracia ser aperfeiçoada. É possível que, no futuro, sej a m
estabelecidos procedimentos que anulem alguns dos seus defeitos.
Mas nada a substituirá.
Acontece que, à sombra desta admirável conquista humana
q u e é a d e m o c r a c i a , s u rgiram e v icej am democratices e
democratismos com q u e se apoiam, encobrem e inocentam
chefões malandros e autoritários.
1 - Que é democracia? É a legitim ação de governantes
mediante maioria de votos dos governados. Ela opõe-se a que o
poder de governar um Estado seja obtido por herança, revolução
ou golpe-de-estado . Além disso, a democracia, embora não
i m p e ç a , dificulta que o gove rno d e um Es tado s e torne
oligárquico, teocrático, plutocrático ou aristocrático.
2 - Democracia é o governo do povo? - Não ! , se com a
expressão governo do povo pretendem dizer que o povo governa.
É evidente que o povo não governa. Se os governantes
fossem o povo, quem seriam os governados? A palavra democracia
é formada por demo ( = povo) e por cracía ( = governo). Por isso,
etimologicamente, a palavra democracia significa governo do povo,
porém o significado etimológico não é aquele que se lhe atribui
no curso atual da linguagem.
Os teóricos conceituam democracia como um gênero que
se divide em duas espécies : democracia direta e democracia
indireta. Os manuais de História informam que a democracia
direta foi praticada na G récia Antiga; e que a democracia direta
consiste em legislar, j ulgar e administrar a cidade diretamente,
isto é, sem mediação de ninguém. O povo era legislador; o povo
era executor das leis; e o povo era juiz.
Porém cabe lembrar que, nesses tempos da Grécia, o povo
era bem pouca gente . Numa cidade, o povo reduzia-se a uma

75
ARMINDO M O RE I RA

centena de ricos e de pessoas com alguma instrução. Os escravos,


as mulhere s , os migrad o s , os agric ultores, os artífices e os
pequenos comerciantes não tinham voz nem voto, nas assembléias
em que o povo legislava , administrava e j u lgava. O povo era a
burguesia da cidade. Para mostrar que povo era pouca gente, basta
não esquecer que o povo de Atenas cabia todo numa praça pequena
chamada ágora.
Portanto, democracia não foi nem é governo exercido pelo
povo. O povo não governa. O povo não faz senão legitimar o seu
governo.
Então por que se pôs em uso a palavra democracia? Foi posta
em uso para dizer o que o governo não era. Com efeito, dizendo
que o governo era democrático, os gregos estavam declarando
q u e o governo não e ra teo crático, nem aris toc rático , nem
plutocrático. Não era teocrático, porque não o formavam pessoas
governando em nome de um d e u s ou de d e u s e s ; n ão era
aristocrát i c o , p o rq u e não o form avam p e s s o a s d e famílias
tradicionalmente evidentes pela instrução e pela educação ; não
era plutocrático, porque não o presida um ricão apoiado por outros
ncos.
Ensinam os teóricos que, hoje, só se pratica a democracia
indireta; e que esta consiste em o povo governar, indiretamente,
mediante seus representantes escolhidos e m eleições. Baita
confusão! Engana-me que eu gosto . Se o povo é governante, quem
. .

é governado? ! Se o povo é o governante e governado, ao mesmo


tempo, forma uma anarquia. Deve ser gostoso e rentável tapear
o povo e cofiar-lhe a vaidade, dizendo que ele é que é o governante.
Se não, como se explica que tantos intelectuais persistam em
divulgar, com ar de sábio e pose de santo, que o povo governa? !
Fique bem claro: democracia não é governo d o povo; ela é
o processo pelo qual o povo escolhe seus governos.
3 Democratismo e democratice. Dado que a democracia
-

é tida em grande conta, o adjetivo democrático torna-se prestigiante.


Daí que este adj etivo sej a empregado, por mu ita gente, para
carimbar coisas e pessoas para as quais se quer atrair simpatia.
Eis uma listinha de expressões em que o adj etivo democrático apenas
s ign i fi c a s i m pático ou p o p u l a r : c h e fe d e moc rátic o , fe sta
democrática, culto democrático, professor democrático, escola

76
PROFES S O R NÃO É EDUCADOR

democrática, clube democrático, restaurante democrático, aula


democrática, moda democrática.
O dem ocratis m o é a tendê n c i a p a ra s u b s t itu i r a s
deliberações individuais por deliberações colegiais. E quando u m
ato de democratismo cai n o ridículo temos uma democratice.
Alguns estabelecimentos públicos de ensino estão caindo
no democratismo .

55 - TETAS VENENOSAS ...

Tetas venenosas tem a D. Sociedade ! Só amamenta monstros :


estripadores, ladrões, violentadores, bêbados e quej andos . . .
S e nasce um santo, ele tem pai e mãe; s e aparece u m herói,
ele tem pai e mãe ; se um sábio desponta, pai e mãe o criaram.
Porém esses vagabundos que só fazem dano e ocupam tribunais
e polícia - esses são fruto da Sociedade . . . Estranho que ninguém
fala no marido dessa D. Sociedade. Santos não são fruto da Sociedade;
heróis também não; sábios, muito menos: além dos pais, tem os
professores !
E foram os sociólogos que fizeram esta descoberta. Antes
deles, os criminosos também tinham pai e mãe . Agora, não.
Qualquer de nós pode fazer um filho e deixar que ele se faça um
bandido - não teremos culpa nenhuma, nenhuma, nenhuma. A
culpa será toda de Dª Sociedade! ! Que coisa boa estes sociólogos
descobriram . . .
E já chegaram à escola o s filhos d e D . Sociedade. Aluno bom
- boas notas e bom comportamento - tem pai e mãe; e profes­
sor! Aluno bobo, malandro, problemático, é fruto da Sociedade. É
o que dizem os psicólogos do colégio. E pasmo ! ! ! - também o
dizem alguns professores, os mais avançados ! !
E s s e s s o c i ó logo s , p s i c ó logos e p rofessores a va nçados
poderiam fazer um favorzinho: convencer D. Sociedade de que é
dever dela laquear as trompas. Não dá para aguentar mais: cada
turma de alunos tem já quatro ou cinco frutos da Sociedade . . .

56 - CLASSE DOMINANTE

77
ARMINDO M O RE I RA

Grande é o número de professores que malham a classe


dominante, condenam a classe dominante, esconjuram a classe
dominante e culpam a classe dominante de ser a fonte dos nossos
maiores males - tais como : mau ensino, frágil assistência, injusta
previdência e alta criminalidade.
Cabe perguntar: quem fez a cabeça dos integrantes da classe
dominante ? Não foram os profess ores ? ! Os p rofessores não
pertencem à classe dominante?
Temos o direito de esperar que qualquer professor saiba
que a classe dominante atual é diferente , q u anto aos seus
integrantes, da classe dominante do tempo de K. Marx; e que os
p rofessores de hoj e são elementos preponderantes da classe
dominante .

57 - TAMBÉM O SISTEMA...

Também agora o s is tema é c u lp a d o d e m u itas c o i s a s


desagradáveis. Se faltar arroz, a culpa é d o sistema ; se a imprensa é
má, a culpa é do sistema ! A carne é cara por causa do sistema ; a
desinformação do povo é uma consequência do sistema ; o sistema é
cu lpado da inflação. Isto ouve-se no rádio, lê-se na imprensa e
escuta-se nas conversas informais. Parece até que as pessoas se
sentem importantes, quando dizem: a culpa é do sistema . Já ouvi
dizer a doutores que a culpa é do sistema . Há dias , até um padre,
desses que estudam em seminário onde se ensina a pensar antes
de falar, me dizia, muito sério e convicto, que o povo está vivendo
muito mal por causa do sistema .
Aí, perguntei ao padre o que é o sistema. Ele disse que não é
preciso dizer o que é; que está na cara; que só não entende quem
não quer entender. Calei. Eu não sei mesmo o que é esse tal
sistema que é culpado de quase tudo o que é errado e não é
responsável por nada de bom que aconteça. Calei. Mas reformulei
o propósito de não poupar esforços, para conseguir saber o que é
o sistema que tanto mal faz sem fazer bem nenhum.
-

Mas ontem, à minha confusão j untou-se o medo . Numa


reunião de professores, foi dito que o mau aproveitamento dos

78
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

alunos é conseqüência do sistema ; que ele é responsável pelo


despreparo dos professores; que o sistema impede que os diretores
estej am pedagogicamente atualizados; e que se os pais se omitem
do dever de educar os filhos, a culpa é do sistema ! O sistema entrou
já na escola - e para estragar tudo, para nos confundir. Antes, as
culpas eram de pessoas; agora, não.
Fico pensando que o famigerado sistema é o marido da D.
Sociedade. Eta! Casalzinho tinhoso . . . Mas estou-me convencendo
de que A culpa é do sistema é um estribilho divulgado por políticos,
para insinuar que, mudando o sistema, isto é, quando eles forem
governantes, tudo melhora . . . Políticos espertinhos ! Mas por quê
alguns professores ensinam isso aos alunos?

58 - INTELECTUAL SUBDESENVOLVIDO

Não há país que não tenha seu quinhão de intelectuais


s u b d e s envo lvidos . Mas acontece q u e eles , n o s p a ís e s
desenvolvidos, são poucos e sua influência nociva é pequena. Já
nos países atrasados, a influência dos intelectuais subdesenvolvidos
é notável e determinante. Instalam-se nas universidades, na
Administração Pública, no Legislativo e até no Judiciário; e, aí,
seus comportamentos e desempenhos fazem com que o país
mantenha os indicadores do subdesenvolvimento.
Eis, a seguir, as características dominantes do intelectual
subdesenvolvido :
1 - Opina sobre assunto que não domina;
2 - Assume cargos para os quais é incompetente;
3 - Alinha sempre com o mais forte;
4 - É provinciano: exalta e macaqueia o que se faz em país
nco ;
5 - Produz pouco mais que analfabeto, mas quer salário de
bacharel.
6 Prega democracia, mas conchava para impor candidato
-

único.
7 - Prega igualdade, mas luta por privilégios;
8 - Obedece ao chefe e despreza a Lei.

79
A R M I N D O M O REI RA

Se houver educadores com estas características, como fica o


ensino ?

59 - HISTÓRIA: NOVA ARMA DE OPRESSÃO

Os historiólogos, quando escrevem, podem ser movidos


por um dos seguintes objetivos: ganhar dinheiro, fazer currículo
de intelectual, apoiar uma ideologia, desvelar a verdade sobre o
Passado. O leitor desp revenido não disti ngue facilmente o
obj etivo do historiólogo . Por isso, proliferam impunemente
monografias e manuais de História que não têm por obj etivo
desvelar a verdade.
Ideologia é uma teoria (conj unto de princíp ios entre si
coerentes) que pretende j ustificar uma p rática (geralmente
socioeconômica) . Uma análise atenta da literatura que hoj e se
produz mostra que a História está sendo usada como instrumento
de ideologias . Os interesses ideológicos que, atualmente, mais
aparecem no trato da História são: defesa do capitalismo liberal,
defe s a do s o c i a l i s m o , defe s a do i m p e r i a l i s m o , defe s a do
nacionalismo xenófobo. Nesta reflexão, veremos apenas como a
História é u sada para servi r interesses imperialistas ; como o
imperialismo moderno precisa de que a história pátria do país a
ser oprimido seja contada como uma sucessão de fracassos - em
contraste com a história do país opressor, que é narrada como
um rosário de êxitos.
Pátria é a terra que um povo altera e transforma com seu
trabalho, sua arte e sua técnica. Pátria é o chão em que a história
de um povo fica registrada. Por isso, não há pátria sem história,
nem história que não se refira a alguma pátria. O amor à pátria
sempre foi um valor cívico; sempre foi um valor cultural; sempre
foi expressão da necessidade de união de um povo para sobreviver.
É evidente que o amor à pátria se alimenta com o ensino da
disciplina escolar chamada História - quando ela é a evocação
co rreta dos fatos h istórico s . D a í que u m a H i stória e uma
Historiografi a deturpadas , além de contrariarem a verdade e
frustrarem a curiosidade humana, esmorecem o amor pela pátria.
Já dá para entender que, num povo que desconhece motivos para

80
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

admirar e respeitar a sua pátria, surjam muitos colaboradores de


pátria alheia. E já dá para avaliar a responsabilidade daqueles que
ensinam História Pátria e daque les que evocam fatos q u e a
integram.
Outrora, quando um país rico e forte queria submeter outro
aos seus interesses econômicos, invadia-o com exércitos ; depois,
instalava uma nova administração. Mas isso custava muito dinheiro
e muitas vidas. Hoj e , este processo de oprimir para extorquir
está fora de moda; existem meios mais baratos e eficazes , tais
como: a escola, os meios de comunicação, os partidos políticos,
as multinacionais, a máquina diplomática, a pirataria industrial e
a compra de cérebros.
Cons ideremos só a escola. O imp erialismo moderno,
também dito neo-imperialismo, precisa das seguintes condições
para se implantar:
a) - que o povo oprimido seja científica e tecnicamente
mais atrasado que o opressor;
b) - que o povo oprimido tenha uma auto-imagem negativa;
c) - que o povo oprimido tenha admiração pelo opressor;
d) - que o povo oprimido fique isolado, tanto quanto
possível, dos concorrentes do opressor.
A primeira condição alcança-se com a desorganização do
ensino no país oprimido. Greves estudantis , proliferação de
p ro gram a s , exp e n e n c ias didáticas fe itas p o r p e s s o a s
despreparadas, desuso de manuais, multip licidade d e filosofias
da educação, a escola desviada da função de ensinar e orientada
p ara ou tras tare fas , d e s c aracte r i za ç ã o do profe s s o r c o m o
profissional, excesso d e gastos n a burocracia d o ensino, desperdício
de recursos destinados à pesquisa, insistência em confundir
indisciplina com democracia, normas democráticas que conduzem
os menos aptos aos postos de chefia na hierarquia do ensino -
são meios infalíveis de manter o atraso científico e técnico de um
país .
A segunda condição obtém-se com o ensino da História
Pátria deturpada. Denegrir os antepassado s ; ridicularizar seus
feitos ; omitir os atos prestigiosos; exagerar os aspectos negativos
do Pas sado - s ão o modo de criar u m a consciência c ívica
humilhada, que leva ao desprezo pelo seu país, que inibe atos de

81
ARMINDO MOREIRA

colaboração para o bem comum, que incentiva o aparecimento


de colaboradores do opressor.
A terceira condição surge, naturalmente, pelo apreço que
os oprimidos dão aos produtos de vanguarda exportados pelo
opressor; e reforça-se dando à história pátria do opressor uma
versão triunfalista como expressão de uma pátria-modelo.
A quarta condição faz-se e mantém-se com fobias, tais como:
argentinofobia, lusofobia, russofobia, americanofobia, eurofobia;
e reforça-se com a exaltação de grupos internos, para os tornar
irre c o n c i l i áveis e d e s i ntegradores da u n idade n a c i o n a l -
exagerando as contribuições culturais e os dons étnicos de, por
exemplo : índios, negros, japoneses, alemães, italianos, ucranianos,
poloneses, sírios, holandeses , etc .
E st a s c o n s i derações parecem o p o rtu n as , e m fa c e d a
leviandade c o m que pessoas despreparadas e m História fazem
eco das deturpações da nossa História, postas a circu lar por
agentes, conscientes ou inconscientes, de interesses alheios. Que
Deus lhes perdoe o mal que fazem ao seu povo - aos seus próprios
filhos.

60 - ENSINO E POLÍTICA

A política é uma atividade oscilante: alternam-se os homens,


mudam-se os propósitos, frustram-se programas . O ensino é
uma atividade para necessidades constantes: não deveria sofrer
as interrupções, os atrasos e os desvios de orientação que a política
impõe. O ensino é importante demais , para que possa estar ou
andar ao sabor dos caprichos, dos interesses e dos desinteresses
dos políticos ; para que possa estar suj eito à competência não
demonstrada de quem pretende ser eleito para um alto cargo
público ; para que possa ser corretamente orientado por grupos
tão antagônicos como os partidos políticos. As alternâncias e as
contingências do governo não deveriam interferir no ensino.
Por isso, é preciso subtrair o ensino à influência dos
governos. Deveria desaparecer o Ministério da Educação. No
lugar dele, deve atuar uma instituição autônoma: a JAE - Junta
Autônoma do Ensino.

82
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

A JAE seria administrada só por professores profissionais


eleitos por professores profissionais. S eus planej amentos são
independentes da ação política : visam unicamente preparar o
cidadão para entrar competente no mercado de trabalho e viver
com saúde.
O leitor já pensou que tudo isto não passa de um devaneio.
Não importa que o pense, tendo em conta que muitas iniciativas
de grande valor social começaram exatamente assim: parecendo
um devaneio . . .

61 - DOGMAS D O CRIMINOSO

1º- Creio que não serei preso, porque A polícia é incompetente.


2º - Creio que não serei punido, porque Este é o país da
impu nidade.
3º - Creio que não sou culpado dos meus crimes, porque
A culpa é da sociedade.
4° Creio que não me posso corrigir, porque Os vícios no
-

Brasil são hereditários.


Estes dogmas não são frutos da fantasia. Nem são d ito
humorístico, ainda que possa parecê-lo, numa leitura superficial.
Estes dogmas são o fundamento da ideologia típica do criminoso.
Os criminosos assimi laram esses dogmas e eles constitue m
convicções firmes.
Estas convicções gravaram-se não apenas na mente dos
criminosos, mas também nas consciências de milhares de cidadãos
que, por motivos e circunstâncias diversas, não en traram no
mundo do crime . Estes dogmas são aceitos como verdades
inabaláveis por muitos milhões de pessoas . E milagre seria que
assim não fosse!
E por quê? Po r que esses dogmas foram incutidos nas
consciências, por duas instituições muito influentes que são a
escola e os meios de comunicação social. Surpresa? Certamente.
Mas um rápido exame de nossas experiências como alunos e como
tele-ouvintes faz-nos entender origem e abrangência desses dog­
mas. E para melhor compreender o que acontece, convém não
esquecer a sentença de Voltaire: Dizemos u ma tolice e, à força de

83
ARM I N D O M O REI RA

repeti-la, acreditamos nela .


Dogma primeiro. A mídia não cessa de propalar que a polícia
é incompetente. E não é só isso: espalha também que a polícia
está mal armada e, pelos baixos salários, desmotivada. Isto ouve­
se constantemente nos meios de comunicação . Pessoas muito
respeitadas o dizem, sem hesitar, com aparente convicção. Como
não haverão de acreditar nisso os criminosos? E não apenas os
criminosos, mas também os candidatos a criminosos - e não só
esses. É claro que a maioria dos cidadãos acaba acreditando que a
polícia não prenderá os criminosos, a não ser por exceção. E se,
por exceção, a polícia prender um criminoso, ele será salvo pelo
segundo dogma.
Dogma segundo. Os meios de comunicação repetem, até à
saturação, que Este é o país da impunidade. São dadas muitas razões
para que a impunidade seja tão grande no Brasil. Uns dizem que
a nossa impunidade é devida a ser a Justiça lenta e cara. Outros
preferem atribuí-la à brandura das nossas leis. E nem falta quem
inclua o elevado índice de impunidade no Brasil no rol dos vícios
hereditários q u e dos portugueses recebem o s . E ntre os que
acreditam na impunidade hereditária, está um conhecido jornalista
que diz:
Aqui é o paraíso dosfora-da-lei. Teria sido porquefomos colonizados
por degredados - pessoas consideradas criminosas em Portugal, que foram
expulsas para o Brasil? Enfim, aqu i eles se deram tão bem quanto, séculos
mais tarde, o assaltante de trem Ronald Biggs. (Alexandre Garcia. Paraíso
dos fora-da-lei. O Paraná, Cascavel, 25 abr 98) .
Dogma terceiro . Ensina-se nas escolas - e até em prédicas
religiosas - que, se temos muitos criminosos e muitos miseráveis,
a culpa é da sociedade. A geração dos cidadãos que contam 60 anos
agora começou a ser educada com essa frase desde a escola primária.
Profe s s o r q u e p retendia dar de si u m a i mage m de p e s soa
progressista, engajada na mudança e comprometida com a transformação,
não perdia ocasião alguma de sentenciar: Os criminosos são cada vez
mais, mas a culpa é da sociedade.
No Primário, no Ensino Médio e no Ensino Superior, os
alunos ouviram milhares de vezes aquela persistente explicação:
a culpa é da sociedade. Daí, os criminosos concluem com rigorosa
lógica que, se a culpa é da sociedade, eles - os criminosos - são

84
PROFES SOR NÃO É EDUCADOR

inocentes ! E, se eles são inocentes, os que sofrem no cárcere e os


que estão sendo procurados pela Jus tiça são vítimas ! ! ! É isso
mesmo: a escola espalhou a premissa da qual se deduz que os
assassinos, os ladrões, os sequestradores , os estupradores são
vítimas inocentes e a culpa é da sociedade.
Não esqueçamos que, como disse Voltaire, uma tolice ou
mentira muito repetida acaba por ser aceita como se verdade fosse.
I s t o é: torna-se verdade ideológica, p o s to q u e m o tiva os
comportamentos individuais como se fosse verdade.
Dogma quarto . Nas aulas de História, aprendeu-se que os
nossos vícios políticos e sociais foram trazidos pelos colonizadores
portugueses. Por isso, sendo hereditários, segue-se que:
a) - não temos que nos envergonhar por esses defeitos -
que deles se envergonhem os portugueses;
b) - esses defeitos são incorrigíveis - sempre os tivemos e
sempre os teremos.
Esta explicação para nossos vícios políticos e sociais não se
aprende somente nos bancos escolares. Algumas personalidades
que desfrutam de relevo social, vez por outra, socorrem-se dessa
mesma teoria para explicar a ocorrência, no Brasil, de elevados
índices de criminalidade. Essas personalidades, pelo que se infere
de declarações suas, também acreditam que os vícios políticos e
sociais são mesmo hereditários ... e que, por isso, é inútil combatê­
los ! E segue uma lista de citações que mostram que a teoria dos
vícios hereditários brasileiros não se ensina só na escola.
1 - MJ: por que existe esta realidade de não condenar o crime do
colarinho branco?
Muller: eu atribuo isso a uma distorção histórica do país. Isso não
vem de ontem: vem de muito tempo. (. . .).
E há um vício no Brasil: as autoridades públicas, historicamente,
não tem sido sérias. Não são sérias. Então as leis são feitas de modo a não
atingirem a eles mesmos. A gra nde imprensa publica às vezes, fatos
extremamente graves de altas autoridades, e eles continuam nos cargos, nem
pedem demissão, nem são demitidos, nem os fatos são apurados. E isto é
uma questão deformação da própria história brasileira. (Mundo Jovem.
Porto Alegre, ago/89) .
2 - A J u s t i ç a brasileira é morosa, porque demas iado
burocrática - vezo herdado da Justiça portuguesa. (António de

85
ARMINDO M O R E I RA

Pádua Ribeiro - Presidente do STJ . TV Record, Passando a


Limpo, 1 2set99) .
3 - Um burocrata do censo agropecuário queria até saber
quantas goiabas tinha colhido um certo agricu ltor. Este zelo
absurdo de burocrata tem origem na história do Brasil. Com
efeito, desde o dia em que Pero Uzz de Caminha resolveu escrever a El Rei
a suafamosa carta, império da burocracia dita as normas da vida brasileira,
atingindo requintes de sofisticação na área da atividade pública. G osé Beuti
Teixeira de S alles - j ornalista e autor de livros. Globo Rural,
São Paulo, abr/90. P98) .
4 - O Marquês de Pombal proibiu o ensino da É tica ou
Moral na Universidade de Coimbra; aí se fo rmaram muitos
bras ileiro s . J á vem daí nossa fa lta de ética. (Nely Almeida -
Vereadora de São Paulo. OM debate. TV Record, 2 1 out 9 1 ) .
5 - No caso brasileiro, a corrupção político-administrativa deita
raízes nu m quadro de antivalores morais presentes na tradição política
lusitana, transplantada para o Brasil por ocasião do descobrimento. (António
Frederico Zancanaro. - coordenador de Pós-graduação e Pesquisa.
O Comportamento Pol ítico Corrupto . Jornal da Unip ar,
Um uarama,ago/set/95 ) .
Corolário. Quem assim "explica" a criminalidade, d e duas
uma: ou tenta encobrir sua ignorância acerca das causas dela, ou
tem interesse em que não sej am conhecidas as causas. O pior é
que os criminosos acreditam nessas intelectualices.

62 - PSICANALISANDO

É preciso estudar as motivações inconscientes do fenômeno


gráfico que, a seguir, se oferece.

Senhor (a) Professor (a)

Todos (as) os (as) nossos (as) alunos (as) entram em férias


no próximo dia 4. A col ação de grau dos (as) bacharelados
(as) e licenciados (as) será no dia 10 p.f. Os nossos (as)
formandos (as) sentir-se-ão honrados (as) com a p resença
dos (as) seus (uas) professores (as).

86
PROFESS O R NÃO É EDUCADOR

Escritas deste tipo aparecem com frequência, até mesmo


na Universidade. E o fato de aparecerem na Universidade leva a
supor que a ridícula grafia não resulta da ignorância da regra
s egundo a qual, falando da espécie h u mana, os masculinos
designam gênero e espécie. Mas, se não resulta da ignorância,
resulta de quê?
Os psicanalistas do renomado IACAL (Instituto de Análise
de Caganifâncias Artísticas e Literárias) foram convidados a opinar.
E eles apresentaram d uas teorias exp lic ativas : uma na visão
freudiana e outra na linha de Adler.
Os freudianos concluíram que esse modo de chamar a
atenção para a inferioridade da mulher foi criado por um machista
radical e militante . Colocando o feminino entre parênteses,
rebaixa-o, dá-lhe nível secundário. Com efeito, é entre parênteses
que se escrevem as notas secundárias e menos valiosas de um
texto. Colocar o feminino entre parênteses é insinuar que a
mulher vale menos, que ela é inferior. Coisa de machista radical.
Os adlerianos concluíram que essa escrita aberrante - que
contraria a gramática, a elegância, a economia e as boas maneiras
- é criação de uma feminista convicta. Esta feminista guerreira
protesta contra o machismo preconceituoso e anacrônico, pondo
a des inência do feminino após nomes masculinos, como que
dizendo: ela pode estar onde ele estiver!

63 - ORDENHADOR DE TEXTOS

Os textos filosóficos andam sendo tratados como teta de


cabra. São amassados , sovados e espremidos , para deles extrair
algum Jeitinho intelectual ou ao menos umas gatinhas de suco
pensamental.
Fica-se comovido ao ver os trato s dados a texto s , p o r
exemplo, d e Kant, de Hegel e d e Locke . O que s e fa z c o m o s
textos d e Descartes é uma falta d e consideração que ele, por muito
mau escritor que seja, não merece!
Os ordenhadores de textos consideram-se poderosos como
Moisés. Moisés bateu num rochedo e deste brotou água. Pois os

87
ARMINDO MOREIRA

ordenhadores de textos p retendem i mitar M o i sés : c o m os


amassas e outros tantos apertos, num capítulo de Kant ou numa
meditação de Descartes, acham que conseguem extrair profundos
pensamentos. E mais: eles acreditam que, virando e revirando
orações e parágrafos , descobrem o que Kan t ou Des cartes
quiseram dizer mas não disseram! E esta é a mais desej ada e
notável façanha da ordenha intelectual: descobrir o que os filósofos
quiseram dizer, mas não disseram! ! ! Até onde, ó petulância, levarás
teus ingênuos cultores? !
A mania de ordenhar textos torna-se quase sempre vício
ou paixão. E como a paixão é cega, os ordenhadores de textos, às
vezes, são atacados duma cegueira que os leva a cometer um
equívoco medonho: em vez de ordenharem cabra, ordenham
bode !

64 - ENSINO EM PAZLÂNDIA

Era uma vez um país chamado Pazlândia. Tinha ele um


ensino muito bom; mas muito bom mesmo. Porém pouca gente
receb i a e n s i n o . A es magadora maioria d o s c idadãos era de
analfabetos .
Com tanta gente sem instrução, era impossível implementar
a economia, aumentar a produção de bens e melhorar o nível de
vida da população.
O governo decidiu abrir milhares de escolas, distribuídas
por todas as povoações do país. Dinheiro havia para esta grandiosa
e urgente empresa. Porém faltava um elemento essencial -
professores ! Havendo dinheiro é possível construir dez mil salas
por ano - ou mais ! Professor no entanto . . . não se faz por decreto
nem por encomenda ou empreitada. A preparação dum profes­
sor demora vários anos. Para pôr em funcionamento as 50 .000
salas de aula de que o país precisava com urgência, faltavam mais
de 50.000 professores ! !
Perante esta dificuldade, que deveria ser feito? Professores
para ensino fundamental não podem ser importados . Só havia
um caminho a trilhar que era aceitar na fu nção de professor
milhares e milhares de pessoas despreparadas para ensinar. E foi

88
PROFES SOR NÃO É E D U CADO R

isso que o governo decidiu fazer. Melhor seria ter ensino mau
do que não o ter. As vagas de professor, criadas aos milhares, em
todo o país foram preenchidas por pessoas que não sabiam ensinar
nem o que ensinar. Foi assim que nasceu um péssimo ensino em
Pazlândia. Mas não havia nada melhor a ser feito. Aplicou-se o
velho e sábio ditado: Quem não tem cão caça com gato.
É claro que as boas escolas existentes continuaram boas,
mas não se notavam, naquele mar de incompetência que foram
os primeiros anos da expansão do ensino naquele país.
O emprego de professores despreparados produziu alguns
efeitos que merecem ser observados. Ei-los a seguir.
1 - Foi dada aos profes sores e aos estabelecimentos de
ensino uma apreciável liberdade para elaborar currículos próprios.
Assim, os currículos variavam de cidade para cidade e até de escola
para escola. Isto permitia que cada escola tivesse seus currículos
adaptados à ignorância de seus professores.
2 Os pais mais instruídos e a Imprensa faziam du ras
-

críticas ao ensino e reclamavam por mais e melhor instrução nas


escolas. Era frequente a constatação de que os currículos escolares
não correspondiam às exigências da economia. Lia-se e comentava­
se que As grades curriculares não estão adequadas à realidade do trabalho .
A esta crítica respondiam alguns professores, dizendo : A escola
não deve preparar mão de obra para ser explorada pelo capitalismo.
Espalhava-se a ideia de que o ensino não era melhor porque
o governo não queria investir no ensino - como se a qualidade
do ensino dep endesse apenas do d i n h e iro nele i nve stido . . .
Algumas pessoas até diziam que o governo não queria ensino
bom, para que o povo não abrisse os olhos. E alguns professores
espalhavam essa tremenda tolice ! . . .
3 - F lexib i l i zaram-se os crité r i o s de ap rovação e de
reprovação de alunos . Se o n6mero de alunos repetentes fosse
muito elevado, faltariam salas e sobretudo professores.
4 - Divulgaram-se expedientes didáticos , para disfarçar o
despreparo de muitos professores. Vejamos, a seguir, alguns deles :

1 - Inventou-se o livro do professor que era um manual com


conte6do igual ao dos alunos, mas que continha a solução dos

89
AR M I N D O MOREIRA

exercícios . . .
I I Professor deve desaconselhar o uso d o manual e não
-

deve fornecer apostila; cada aluno deve tirar seus apontamentos


em sala.
III Não se deve dar ao aluno a papinha feita; ele deve pesquisar.
-

IV Professor bom é aquele que todos os dias aprende algo com seus
-

alunos.
V A educação que o aluno recebe na escola é muito mais importante
-

do que os conhecimentos que nela possa adquirir.


VI - Professor é aquele que dá capacidade ao aluno, usando um
veículo chamado a mor. ( Definição dada por uma professora e
publicada num jornal) .
VII - O aluno quer coisas diferentes, uma educação mais aberta e
ampla. Se pegar o conteúdo do livro fica maçante e sem sentido. (Dito por
uma professora de Matemática e publicado num j ornal) .
Estas pérolas didáticas só têm um objetivo - consciente ou
inconsciente - que é camuflar despreparo de professores.
Entretanto, ano após ano, o governo fo i diminuindo as
facilidades ; os professores tornaram-se mais competente s ; o
ensino, em seu conjunto, melhorou - e muito ! Seria possível
terem feito melhor? Parece que não.

65 - PARA MELHORAR O ENSINO

O e n s in o terá u m a acentuada m e l h o r a , com d u a s


providências que a seguir se expõem.
Primeira: elaborem-se c u rrículos bastante exigentes e
duráveis - que não sejam alterados durante, pelo menos, vinte
anos - em Língua Pátria, Matemática, Geometria, Física, Química
e Biologia. Esta providência terá os seguintes efeitos:
a) - enseja a produção de bom material didático para essas
disciplinas ;
b) - diminui drastic amente o número de professores
incompetente s ;
c) - p rep ara muito melhor o aluno para o mercado d e
trabalho.
S e gu n d a : o p r o fe s s o r n ão deve aval i a r p rovas de
aproveitamento de seus alunos.

90
P RO FES SOR NÃO É EDUCADOR

Esta providência terá os seguintes efeitos:


a) - elimina ressentimentos de alunos contra professores
que reprovam ou não avaliam provas conforme expectativa de
alunos e de seus pais ;
b) - eliminando ressentimentos, melhora o respeito e o
relacionamento dos alunos com seus professores ;
c) - em decorrência de b) , melhora a disciplina na escola;
d) - melhora a aprendizagem , em decorrência das três
alíneas precedentes .

66 - PESSOAL DO ENSINO

O pessoal do ensino pode ser d ivido em três quadro s :


quadro letivo, quadro pedagógico e quadro administrativo.
O quadro letivo é formado pelos professores - e só por
eles. Na escola, professor não deve fazer outra coisa que não seja
l e c i o n ar. E l e não se p reparou para ser educador n e m
administrador. Aos professores compete :
a) - lecionar;
b) - elaborar provas de ap roveitamento e entregá- las à
Secretaria Pedagógica;
c) - informar o diretor sobre material didático necessário ;
d) - avaliar provas de alunos de outros professores, quando
solicitado pela S ecretaria Pedagógica.
O q u adro p e d a gógico é fo r m a d o p o r p e d agogos e
enfermeiros (ou auxiliares de enfermagem) . Um pedagogo e um
e n fe r m e i ro p a ra c a d a doze turmas de a l u n o s . Ao q u ad r o
pedagógico compete:
a) - aplicar as provas de aproveitamento elaboradas pelos
p rofessores ;
b) - escolher os avaliadores das provas de aproveitamento;
c) - estabelecer normas disciplinares e fazê-las cumprir;
d) - fazer e alterar o calendário escolar e os horários;
e) - promover e autorizar festas;
f) - fazer palestras sobre higiene, saúde, etiqueta, civismo
e disciplina escolar; e convidar, para este fim, palestrantes de
reconhecida competência;

9 1
ARMI N D O MOREIRA

g) - atender pais e alunos para tratar sobre aproveitamento


e comportamento .
Para manter a disciplina, a Secretaria Pedagógica pode
solicitar pessoal administrativo .
Ao quadro administrativo compete:
a) - manter as instalações operacionais;
b) - providenciar o material didático;
c) - manter em dia o serviço burocrático;
d) - manter o serviço da merenda escolar.
O d i retor será s e m p r e p e s s o a q u e t e n h a C u r s o d e
Administração. Compete-lhe fazer com que o s três quadros de
pessoal desempenhem suas funções. Não há impedimento a que
duas ou mais escolas tenham o mesmo dire tor. O d i retor,
enquanto diretor, não deve lecionar.

67 - ENSINO DE QUALIDADE

O que é ensino de qualidade? Ensino de qualidade é aquele


que:
a) - fornece os conhecimentos e as habilidades de que o
cidadão precisa para viver com saúde e ganhar a vida com seu
trabalho ;
b) - fornece tais conhecimentos e habilidades, no menor
tempo possível e com o menor esforço possível.
Assim, o ensino não é de qualidade, quando o currículo é
insuficiente ou inadequado à economia e quando os professores
exigem esforço maior do que o necessário e mais tempo do que
o suficiente.

68 - POLÊMICA SOBRE REPETÊNCIA

Ensino ideal seria aquele em que a repetência não fosse


necessária, mas não existe ensino ideal. Por três razões: porque
não existe aluno ideal, porque não existe professor ideal e porque
não existem os recursos didáticos idea i s . S e ndo a s s i m , as
repetências são necessárias para corrigir deficiências e limitações

92
PROFES SOR NÃO É ED UCADOR

referentes ao aproveitamento escolar. Ao aproveitamento esco­


lar! - pois não se justifica impor a repetência por faltas ao aluno
que tem bom aproveitamento.
Há quem recomende a eliminação da repetência. Alegam
que o eliminar a repetência - promove ndo todos os alunos,
qualquer que seja seu grau de aproveitamento - tem as seguintes
vantagens:
a) - faz economia de salas, de material escolar e de recursos
humanos;
b) - poupa frustrações ao repetente e à sua família;
c) - dispensa as avaliações, libertando assim os professores
da tarefa cansativa e detestada de avaliar provas.
A propósito . Há quem diga "corrigir provas " em vez de
"avaliar provas " . Este equívoco ouve-se de alunos - e até de
professores. Correto é dizer corrigir exercícios e avaliar provas.
Os exercícios são trabalhos que ajudam a entender e fixar melhor
os conhecimentos teóricos; provas são trabalhos destinados a
avaliar o conhec imento adquirido pelo aluno. Exerc íc io que
contenha erros deve ser corrigido, para que o aluno não repita os
erros ; as provas , u ma vez feitas e entregues, não devem ser
alteradas .
E m sentido o p o s to , os q u e defe ndem o emp rego d a
repetência para corrigir o mau aproveitamento alegam q u e a
promoção de todos os alunos - preparados e despreparados -
gera os seguintes prej uízos:
a) - lesa gravemente a sociedade, por lançar incompetentes
no mercado de trabalho;
b) - os bons alunos são desestimulados no estudo;
c) - baixa o nível médio da instrução do povo;
d) - aumenta a corrupção, devido ao estímulo que lhe dá a
incompetência.
Comparando as vantagens com as desvantagens, fica bem
claro que os ganhos não compensam as perdas.

93
AR MINDO M OREIRA

69 - ANALFABETO FUNCIONAL

Analfabeto funcional é a pessoa capaz de ler e de escrever


uma frase, mas incapaz de recebe r e entender a respec tiva
mensagem.
Há quem atribua a existência do analfabetismo funcional a
inadequados métodos usados pelos alfabetizadores. E há também
os que atribuem o analfabetismo funcional à diferença entre língua
falada e língua escrita.
N e n h u m a destas d u a s teorias d e sv e l a a c a u s a d o
analfabetismo funcional. Então qual é a causa dele? É a carência
-

de vocabulário . Nem mais nem menos! Quanto mais pobre de


vocabulário for uma pessoa, mais ela sofre de analfabetismo
funcional.
A cura para este mal obtém-se com dois remédios: muita
leitu ra e u s o de d i c i o n á rio . Mu ita l e i t u r a p a ra ampl iar o
vocabulário ; dicionário para conhecer os significados exatos das
palavras .
É difícil compreender o motivo de não haver dois ou três
dicionários em cada sala - mormente naquelas em que é feita a
alfabetização. Na sala onde fui alfabetizado havia dicionário. Todos
os alunos da turma aprenderam a ver significados nele. Claro :
todos sabíamos de cor o alfabeto. E como era divertido descobrir
palavras e significados !
Todas as pessoas alfabetizadas são analfabetos funcionais
nalguma área do conhecimento. Isto entende-se com exemplos.
Um médico não é analfabeto funcional na área do conhecimento
que ele domina. Mas se ele tentar ler um livro sobre Teoria
Quântica, sentirá o que é ser analfabeto funcional - caso não tenha
estudado essa parte da F ísica. Assim também uma pessoa que
não conhece anatomia humana comporta-se como analfabeto
funcional, se tenta ler e escrever frases sobre fisiologia humana.

94
P ROFES SOR NÃO É EDUCADOR

70 - E PARTE MAIS UMA TURMA

Implumes avezinhas, pequeninas,


Saídas do seu ninho, do seu lar,
Enfrentam prados, bosques e campinas
Pra do céu os caminhos conquistar

Saltitaram em ramos, em boninas;


Soltaram suas vozes pra cantar;
Abriram suas asas leves, finas ;
E viram que sabiam já voar!

Como ave saíste, manhã cedo,


Entre flores saltando, de mansinho.
Junto delas achaste teu segredo!

Pois guarda-o, agora, com carinho.


Como as aves, vai - não tenhas medo;
Como as aves, vai - faz o teu ninho !

95
ARM I N D O M O R E I RA

Adendo 1

S uge stões p a ra m e l h o rar o ap rove itamento e s c o lar,


especialmente no Ensino Fundamental :

1 - A tarefa escolar para crianças, deveria restringir-se a: a)


exerdcios de leitura; b) decorar poesias ; c) exercícios de caligrafia;
d) escrever palavras de ortografia difícil.

2- Ter em cada sala de aula: a) um mapa político do Brasil;


b) um mapa mundi político; c) um globo; d) um dicionário.

96
P ROFES S O R NÃO É ED UCADOR

Adendo 2
Entrevista com o Professor Armindo Moreira para o
J ornai Gazeta do Povo 08/08/2012. -

" O educador usurpa uma função que é da família "


Armindo M o r e i r a , professor e mestre em Filosofia
pela Universidade Pontifícia de S a l amanca, na Espa nha

Con hecedor de sistemas educacionais de diversos países, em es­


p e c i a l na E u r o p a , o p ro fe s s o r ap o s e n t a d o d a U n i v e r s i d ad e
Estadual d o Oeste (Uni oeste) Armindo Morei ra é categórico a o
a fi r m a r que a e s c o l a brasi leira n ã o é nem pior nem melh o r que
as outras , mas i g ua l . Porém , ele afi rma q u e o p a ís tem grande
pote n c i a l para evol u i r pela riqueza cu ltural , pelas boas relações
h umanas e p ela vontade que o brasilei ro tem de crescer e de se
desenvolver. Ele defende métodos tradicionais de ensino e sugere
cautela no emp rego de novas tecnologias, que, segundo ele, podem
ban alizar conteúdos e formas essenciais ao apren dizado.

No seu livro recém-l ançado Profe s sor não é Educ a d or,


pela editora Profeduc, o senhor afirma que existe hoj e uma
confus ão entre educar e instruir. Qual é a diferença ?

A educação c o n s i st e em c riar h áb itos e sentimentos , papel q u e


cabe à família, à sociedade e à igrej a . A instrução é a aquisição de

97
AR M I N D O M O R E I R A

con hec imento que facilita gan har o pão de cada dia. A diferença é
tão grande que há pessoas que não têm nenhuma instrução, mas
uma es merada educação. E, outras, muito bem i nstruídas , porém
m uito mal educadas .

A confusão em torno do real significado desses dois termos


faz com que muitos pais atribuam aos professores as duas
funções?

Certamente, e um dos males da sociedade advém desta con fusão,


q u e v e m d o i n íc i o do s é c u l o 2 0 . No t e m p o dos gov e rn o s
tota l i tários, o s ditadores gos taram m u ito d a ideia d e con fu n d i r
i n strução c o m educação, porque assim , por meio d o s min istérios
da Educação, educavam o povo e a sua 'carneirada' votante. Antes
d o s é c u l o 2 0 , não exi s t i a m m i n i s t é r i o s d a E d u c a ç ã o , a p e n a s
ministérios de Instrução. Essa confusão entre educação e instrução
favore c i a as d it a d u r a s : nas es co l a s , os p ro fe s s ores , que eram
funcionários público s , faziam a cabeça do povo educando. É daí
que surge essa confusão, com os p rofessores passando a também
educar, u s u rp ando uma das fu n ções sagradas da fa m íl i a . Esse
modelo p e r m a n ec e u até h oj e e con t i n u a rá p o r m u ito t e m p o ,
porque n ã o custa nada e é simpático s e r educador. Para i s s o n ã o é
necessário curso algu m , não p recisa de diploma e todo p rofessor
torna-se educador, de qualquer disc i p l i n a .

Como se dá isso no dia a dia? É algo específico do Brasil?

Isso não acontece apenas aq u i , mas cm todo o mu ndo. E é algo


muito cômodo. Se o professor não preparou a lição do dia, o que
ele vai fazer? Vai educar, dar algu n s co nsel h os . Isso lhe dá urna
aura, até maior que a dos pais, que acabam desautorizados. Hoj e
estamos vive n do as consequências d e s s a co n fusão toda. Nosso
povo, no geral , não é i n struído nem educado. E se isso acontece,
mesmo com bons p rofessores: a relação entre i n strução e educação
é desproporcional: passa-se mais tempo educando que in struindo.

98
PRO FESSOR NÃO É EDUC ADO R

De que forma é possível mudar isso?

O primeiro passo é ter profissionais preparados para cada função.


O professor hoje é tudo: diretor, pedagogo, administrador. Nossas
escolas estão arruinadas e não é só por falta de dinheiro. Um
professor não é preparado para lidar com dinheiro. Um diretor
não tem noção, por exemplo, de como se deve fazer a manutenção
de um prédio. Em todas as áreas são exigidas pessoas qualificadas,
mas na educação isso não acontece . Administrar, lidar com
dinheiro e promover obras não é função do professor. Ele ensina,
ele educa, ele administra . . . Está na hora de não mais atribuir ao
professor tarefas que ele não pode cumprir.

E as novas tecnologias empregadas ao ensino? Elas ajudam


ou atrapalham o cotidiano da sala de aula?

Uma imagem vista m u itas vezes é gravada para a vida toda.


Pendurar mapas na parede, por exemplo, é uma forma simples e
eficaz de ensinar. S aber a ordem alfabética é essencial. Muitos
alunos e até adultos não costumam usar o dicionário porque não
sabem manusear. Não custa nada decorar o alfabeto, algo tão
simples e necessário. Empregar a tecnologia sobre um método já
deficiente não melhora, pelo contrário, piora ainda mais o que
vem há tempos sendo feito errado . É a didática que precisa ser
corrigida. A tecnologia é o emprego de técnicas para se aprender
mais rápido e melhor.

O mesmo acontece com as simplificações?

Algumas simplificações aj udam, outras atrapalham o aprendizado.


S implificar é para quando já se sabe. As simplificações que condeno
são aquelas que substituem o verdadeiro nome das coisas. Por
exemplo, acento circun flexo não é 'chapeuzinho' . Acento para
trás e acento para frente também não existe, é acento grave e
acento agudo. Essas são simplificações que só causam confusão e
não aj udam em nada.

99
ARMIND O MOREIRA

O senhor condena o que diz ser um uso equivocado do


termo 'criatividade', que, como clas sifica, não passa de
marketing editorial...

Tudo o que aprendemos aj uda a criatividade. Quanto mais ideias,


mais criativo eu sou. Quando mais imagens eu tenho, mais criativo
eu sou. A criatividade depende da quantidade de conhecimento a
que se tem acesso. Ou sej a, todo l ivro que traz novidades é
criativo. Isso não se mede pela quantidade de cores ou tinta
empregada. Usa-se exageradamente o termo criatividade apenas
com o único intuito de vender mais livros. Isso não quer dizer
que não sejam bons, apenas que não é possível qualificar um livro
pelo grau de criatividade que ele oferece, isso depende muito
mais de quem vai lê-lo.

Os currículos também são objeto da sua crítica, algo que


p re c i s a t e r a a t e n ç ã o devida dentro do p r o c e s s o de
aprendizagem. Como seria o currículo ideal?

Cada município, por meio da sua Secretaria de Educação, faz seu


currículo. Não existe um padrão. Defendo um currículo univer­
sal e duradouro. Livro bom é feito para currículos pensados para
dez ou 1 5 anos , algo que se estenda por toda a sua vida de
estudante. Um bom autor pensa em um livro não para dois, três
anos . Isso não significa que não exista espaço para melhorias e
adaptações , mas a base precisa ser mantida.

1 00
PROFES S O R NÃO É E D U CADOR

Adendo 3
PROFESSOR E DISCIPLINA

Dentro de uma sala de aula, a disciplina é indispensável .


Sem ela, nem o professor ensina nem o aluno aprende. Quando
a indisciplina de um ou de vários alunos perturba o ensino e a
ap ren dizagem , alguém deve interferir p ara impor li mites aos
perturbadores. É então que o professor se questiona. Quem deve
p ô r os p erturbadores na orde m ? O professor deve impor a
disciplina ou deve exigir que outrem a imponha?
É convicção generalizada que o p rofessor deve usar sua
autoridade e seu prestígio para impor limites ao aluno irreverente
e mal-educado. Por isso e para isso ele é educador. Esta convicção
espalhou-se tão firme na sociedade , que está sendo aceita pelas
famílias , pelos governos e até pelos professores !
As pessoas que assim pensam esquecem ou ignoram que,
para impor disciplina e limites a desordeiros, nem sempre basta
p restígi o . Atrevidos há que gostam de se exibir, afrontando
pessoas de prestígi o . Para conter esta espécie de atrevi dos , é
p reciso ter poder. Poder para punir ! Es ses atrevidos não têm
vergonha - mas têm medo.
Ora num estabelecimento de ensino, um professor p ode
ter muito prestígio, mas quem tem poder é o diretor, pois é ele
qu em pode p u n i r. D i sto se i n fere o s egui nte : q u e m p o d e ,
efetivamente, impor limites aos alunos mal-criados é o diretor -
não é o professor. A pessoa que é contratada para trabalhar numa
oficina ou num escritório tem o direito de encontrar disciplina e
respeito no ambiente em que vai trabalhar. Mas não compete ao
trabalhador contratado a função de i mplantar e manter tal
disciplina e tal respeito : esta função compete a quem contratou.
Do mesmo modo , num estabelecimento de ensino. O diretor
representa a entidade p atronal ; por i s s o , é dele a tarefa de
i mplantar a discip l i n a e o respe ito necessários p ara que os
p rofessores exerçam a fun ção a s s u m i d a em seus contrato s .
Portanto u m professor não tem que impor disciplina: ele tem
que exigir disciplina para poder lecionar. Ilustremos esta doutrina
com dois fatos ocorridos com o autor deste texto.
Entrei na sala para dar minha primeira aula naquela turma

1o1
AR M I N D O M O R E I RA

- e naquele estabelecimento de ensino. A maior parte dos alunos


não notou - ou fingiu que não notou - a minha chegada. Apenas
u n s c i n c o a l u n o s , sentados p e rto da m e s a do p ro fe s s o r,
responderam à minha saudação. Esperei, de pé e calado, que
houvesse silêncio. Em vão! Comecei a falar para ap resentar o
assunto da aula, mas a turma não prestava atenção.
Notei uns quatro alunos , perto da mesa, em atitude de
quem quer ouvir. Passados uns três minutos , um desses alunos,
notando o meu espanto, disse: "Psô, é assim mesmo ; logo, logo,
se acostuma". Imediatamente peguei minha pastita de notas e
saí. D i rigi-me à secretaria e redigi um in forme ao di retor,
explicando o motivo de ter abandonado a sala de aula. A secretária
leu, fez cara de espanto e de reprovação e perguntou: "O Senhor
quer mesmo que eu entregue este informe ao diretor! ? " "Quero,
sim" - respondi eu. E fui para minha casa.
Não sei o que o diretor fez. A verdade é que, no dia seguinte,
quando cheguei à sala para dar aula, encontrei uma turma tranquila
e disciplinada. Pude fazer meu trabalho com satisfação. E foi assim
durante o ano letivo ; e a turma teve bom aproveitamento.
Noutra ocasião, um aluno que teria seus 1 8 anos resolveu
testar minha tolerância. S aiu umas quatro vezes do seu lugar,
para ir dizer não sei o quê a colegas. Quando ele notou que cu o
observava com estranheza, começou a fazer perguntas. Lembro­
me das duas últimas . " Professor, é verdade que a Lua altera o
bom humor das moças?" A turma soltou uma sonora gargalhada.
Quando a turma se aquietou e eu j á reto mava a p alavra, o
engraçadinho perguntou: "Professor, qual nasceu primeiro: foi o
galo ou a galinha?" A turma caiu em risadas e comentários.
Imediatamente, apontei a porta da sala e ordenei: "Saia da sala".
O aluno disse: "Não saio, Professor. Eu tenho direito de assistir
à aula" . Ato contínuo, pego minha pastita de notas e in formo :
"Então saio eu". Saí da sala e fui à secretaria comunicar por escrito
ao diretor o que aconteceu.
Na semana seguinte, dei minhas aulas tranquilamente ; e
assim durante aquele ano letivo; e assim durante os 20 anos em
que lecionei naquela instituição.

1 02
PROFES S O R NÃO É ED UCADOR

Adendo 4
Sugestão de currículo para o ensino fundamental

Alfabetização é a primeira fase do Ensino Fundamental.


Bom seria que seu currículo fosse constituído pelos conteúdos
sugeridos a seguir.
1 - Decorar o alfabeto ; juntar letras para ler
2 - As quatro formas do alfabeto: maiúsculas, minúsculas ,
impressas e cursivas .
. .

3 - Uso de maiúsculas.
4 - Escrita
5 - Distinguir vogais de consoantes.
6 - Distinguir vogais: abertas e fechadas ; orais e nasai s ;
tônicas e átonas.
7 - Leitura de dígrafos: eh, Ih, nh, rr, ss, am, an, etc.
8 - Uso do dicionário.
9 - Exercícios de leitura frequentes até obter leitura rápida.
10 - Uso do acento agudo e do acento circunflexo.
1 1 - Uso do til
12 - Uso do acento grave.
1 3 - Uso do travessão e do hífen.
14 - Uso de aspas e de parênteses.
1 5 - Palavras de uso frequente iniciadas com "h" como :
haver, herói , hipótese, humor.
1 6 - Divisão de um texto em p eríodo s ; do período cm
orações ; da oração em funções sintáticas.
1 7 - Identificar oração: principal, intercalada, integrante e
circunstancial
1 8 - Identificar as funções sintáticas.
1 9 - Escrita de algarismos e de números.
20 - As quatro operações
2 1 - As quatro operações com decimais
22 - As quatro operações com frações.
23 - Ângulos; grau angular; transferidor.
24 - Corpo humano: partes, aparelhos e órgãos.
25 - Higiene.
26 - Hino Nacional

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ARMIN D O M O R E I RA

27 -Noções de História do Brasil


28 -No globo, localizar continentes, oceanos e o Brasil.
29 No mapa do Brasil, situar: capital, estados e respectivas
-

capitais, rios maiores, ferrovias principais.


N.B. 1 - Os textos usados para aprender a ler e para exercitar
leitura devem conter História do Brasil, Geografia do Bras il,
poesias e ch istes.

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